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Copyright ©2016 por C.S.P. Ribeiro.

Facebook: C.S.P. Ribeiro Email: [email protected]

Todos os direitos reservados. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer

semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.

A reprodução das publicações sem a devida autorização da Autora constitui crime de violação de direito

autoral previsto no Código Penal brasileiro.

Plágio é crime (artigo 184 do Código Penal) (Se a violação consistir

em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou

indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual,

interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do

autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o

caso, ou de quem os represente... Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4

(quatro) anos e multa)

Capa:

Foto do Château de la Mothe-Chandenier

Pixabay.com – Imagens CC0

Arte final por Graphium Design

&

C. S. P. Ribeiro

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Índice

Breves Agradecimentos 4

Capítulo 1 6

Capítulo 2 22

Capítulo 3 37

Capítulo 4 51

Capítulo 5 67

Capítulo 6 80

Capítulo 7 93

Capítulo 8 106

Capítulo 9 120

Capítulo 10 134

Capítulo 11 146

Capítulo 12 156

Capítulo 13 166

Reencontros em Paris – Prólogo 171

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Breves agradecimentos...

Aos amigos da Comunidade do Facebook “Sauvons le château de la

Mothe-Chandeniers”, na pessoa gentil e paciente de Bruno Griffon de Pleineville,

que me apoiou com as informações necessárias para que me mantivesse fiel ao

contexto histórico-arquitetônico, merci beaucoup.

A todos aqueles que se esforçam para que o Château de la Mothe-

Chandeniers recupere sua glória, mesmo que indiretamente.

A Wee B, mais uma vez incansável em seu apoio, opiniões sinceras,

lágrimas, risos e discórdias alegres.

Ao meu marido por me mostrar que perseverança é como uma montanha

a qual devemos conquistar todos os dias.

A Nobre Família Bauçay, meus mais sinceros agradecimentos por me

“emprestar” Hugues III Seigneur de Bauçay e Loudun e ao Nobre Cavaleiro em

questão, por tão profunda e apaixonante inspiração.

Ao povo francês meu eterno e incondicional apoio, por demonstrar ao

mundo mais uma vez, que mesmo sobre ventos ameaçadores, nada abalará os

Ideais de Liberté, Egalité, Fraternité (Liberdade, Igualdade, Fraternidade).

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Dois amantes felizes não têm fim, nem morte,

nascem e morrem tanta vez enquanto vivem,

são eternos como é a natureza.

Pablo Neruda

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CAPÍTULO 1

Les Trois-Moutiers, Região de Poitou-Charentes, França.

Ano do Senhor de 1092.

Era quase final de um outono que pintara a terra em tons de

dourados, castanhos e vermelhos, deixando um tapete fofo de folhas

mortas e galhos desamparados em sua nudez sazonal. Os campos ao

redor já foram colhidos, os grãos estocados, a lenha armazenada para

um inverno que chegava sorrateiro, dando amostras do que

apresentaria dado ao gélido vento que soprava sobre seu manto. O

céu muito azul contrastava com tudo, alguns pássaros cantaram ao

lado, arrancando um sorriso de pura satisfação dele. Seu negro

garanhão relinchou impaciente por uma boa corrida, Hugues, ou

melhor, Hugues III Seigneur de Bauçay e Loudun inclinou

suavemente a cabeça em direção ao cavalo branco ao lado.

“Kallion está tão impaciente... Creio que se não galopar logo, o

derrubará da sela e galopará sozinho.”

“És um pateta, Aillard!” Gargalhou.

“A montaria reflete o cavaleiro.” Segurou as rédeas do seu

cavalo que fora contagiado com a impaciência alheia.

“Então é por isso que o seu querido Côme não dá cria!”

Hugues estreitou os olhos e sorriu irônico. Seu melhor amigo e primo

se casara na primavera passada e ainda não providenciara seu herdeiro

para o desespero de suas duas famílias.

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“Não gostei da brincadeira, Hugues. Detesto afirmar, mas

quando estiveres amando, saberás o que é sofrer a pressão de teus pais

e de teus sogros.” O encarou emburrado.

“Eu já sofro pressão para arrumar um herdeiro.” Bufou

iniciando um trote ligeiro e foi acompanhado. “Apesar de meu pequeno

segredo estar muito bem escondido.” Pensou.

“Nada comparado ao que virá depois: Assim que conseguires

um bom partido, a pressão virá em forma de: Quando casarás?” Imitou

uma voz feminina, depois fez uma careta de desagravo. “Assim que

casares, logo ouvirás: Quando teremos um herdeiro em nossos braços? E assim

que tua semente encontrar vale fértil em tua dama e ela parir, estás

muito enganado se achas ter se livrado. Com certeza virá um próximo:

Quando terás outro?” Crocitou irritado. “É um ciclo interminável de

cobranças e reclamações.” Aumentou o trote para um galope médio.

“Não me deixarei pressionar como deixastes.”

“É o que pensas, oh pobre Hugues! Meu coração padece por

tua pobre sina.” Limpou algumas lágrimas inexistentes. “Vamos correr

ou não?”

“Até o fim da propriedade.” Sorriu safado. Sabia que Aillard

não vinha ao Motte-Chandenier desde que casara, então desconhecia

algumas modificações que aconteceram ao terreno; esporeou Kallion

com vontade e saiu em disparada abrindo uma boa vantagem, o

suficiente para ouvir as imprecações do amigo se perder na paisagem.

O vento frio queimava seu rosto, porém a sensação de liberdade era

tão plena, tão poderosa, que se deu o direito de fechar os olhos por

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uma mera fração de tempo somente para desfrutar do momento.

Erro. Neste caso, erro fatal.

Aillard um pouco mais atrás, continuava sua ladainha de

imprecações enquanto se esforçava para alcançar o garanhão adiante.

De repente viu seu amigo de infância largar a rédea, abrir os braços e

inclinar a cabeça em direção ao céu. Kallion ao perceber que assumira o

controle, desviou para a direita num terreno mais acidentado. Uma de

suas patas escorregou em algumas pedras, perdeu o equilíbrio e

tombou forte sobre seu mestre.

Hugues desapareceu por baixo do enorme cavalo Ardennes e

continuou assim até Aillard apear sem ao menos esperar que Côme

parasse. Aproximou-se aflito ao mesmo tempo em que Kallion lutava

para se erguer; a cada tentativa, seu enorme peso pressionava seu

dono contra o chão pedregoso. Foi necessária uma boa dose de sorte

e outra de força para puxar Hugues; ergueu o amigo desacordado

sobre a sela e disparou em direção ao Motte.

***

O calor do sol sumira; em seu lugar uma névoa pegajosa de

dores e impossibilidades o tomou de assalto. Não abria os olhos, não

falava ou ouvia, não erguia um dedo sequer; era um prisioneiro dentro

de si. Depois uma escuridão infinita o consumiu aos poucos até que

começasse a duvidar da própria sanidade. Por quantas horas?

Quantos dias? Meses? Anos? O que acontecera afinal? Lembrou-se de

largar a rédea, esticar os braços e erguer o rosto em direção ao céu

numa perfeita comunhão entre animal, homem e natureza; logo após

tudo foi tão rápido e confuso... Onde estava Aillard? Seu cavalo? Seus

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pais? A nulidade não lhe caiu bem, sempre fora um guerreiro e

guerreiros não desistem facilmente; lutaria contra o destino se fosse

necessário, mas do jeito que permanecia se recusava a continuar.

Primeiro foi uma fina e delicada coluna de luz, como quando

o sol consegue perfurar uma camada grossa de nuvens de tempestade;

a luz concentrada aos poucos foi expandindo até que por sob suas

pálpebras cerradas, fosse capaz de captar a claridade. Mais tarde se

pegou sorrindo ao sentir o que lhe pareceu o cheiro pungente de

chuva nos campos, um profundo suspiro escapou-lhe do peito e foi

ouvido. “Sacré Coeur de la Mère... Estou voltando!” Ponderou animado.

Um dedo mexeu, outros o acompanharam; pela primeira vez

seus olhos abriram lânguidos no início, num piscar arrastado, difícil;

foi então que percebeu onde estava. Girou lentamente os olhos para a

esquerda, para a direita e mirou o teto acima. Reconheceu o lugar

mesmo com a parca luminosidade local, já estivera ali por inúmeras

vezes, todas elas em ocasiões desagradáveis. Sua respiração se fez mais

pesada, ele projetou o corpo para frente sentando-se com certa

facilidade; seus dedos percorreram a fria pedra abaixo, girou na

direção de seu leito improvisado e arfou horrorizado ao constatar os

restos mortais ali depositados; recuou aflito até bater com as costas

em outro túmulo onde escorregou até sentar-se pesadamente no chão

empoeirado.

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Londres, Reino Unido, Ano do Senhor de 2015.

Lorna gargalhou gostoso, o riso ecoou pela sala e se espalhou

como um tsunami pelos corredores. A loura com jeito de atriz

Hollywoodiana, corpo avantajado, curvas generosas, cujo apelido J.R

fazia jus a uma personagem de desenho casada com certo coelho,

inclinou a cabeça fazendo biquinho.

“Me leva, por favor! Por favor, por favor, por favor, por

favor, por favor! Irei caladinha em sua mala e você poderá me perder

tranquilamente em Paris.”

“Nem se porcos voassem!”

Ela encarou a amiga com um ar pesaroso. Grandes olhos

azuis, cabelos de um castanho suave, entremeado com fogosos fios

avermelhados, personalidade calma até provocarem seu sangue

irlandês. Tara riu, fechou a pasta e desligou o laptop. Mordeu a ponta

da caneta e se espreguiçou.

“Isso não é turismo, Lorna, é trabalho, trabalho longo e

pesado. Paris será só um ponto de transição, preciso chegar a Les

Trois-Moutiers no mais tardar até sábado.” Achou mais algumas fotos

do velho Château e as guardou junto com as outras.

“Faço parte da equipe.”

“Eu sei, porém tudo vai depender do que eu encontrar. Assim

que acabar a primeira avaliação, chamarei os profissionais necessários

para debater o plano de restauro.” Bocejou. “Vou direto para casa.”

“E Brian?” Lorna piscou maliciosa.

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“Brian deve estar nos braços da sua amada piranha e que faça

bom proveito.” Rosnou irritada pegando suas coisas e saindo.

“Ei volta aqui! Isso você não me contou!” Choramingou.

“Dispenso comentários. Socou o botão do elevador. “Eu

cansei... Chega de homens, chega de complicações. Agora só

arquitetura, restauração e trabalho.” Ajeitou a bolsa no ombro.

“Homens nunca mais, estejam eles vivos ou mortos.”

“Zumbis são legais.” A loura riu.

“Mas devem feder um bocado.” Acabou rindo. “Embarco

para a França amanhã à tarde. Deixarei a encomenda no Louvre,

depois seguirei para o Château. Tome conta da firma, fique de olho na

turma; entrarei em contato assim que tiver uma posição sobre as

condições gerais.” Entrou rapidamente no elevador. “E Lorna?”

“Sim meu bem?!” Acabara de prender os cabelos num coque

precário usando um lápis.

“Não transe na minha sala!” Conseguiu falar antes que as

portas se fechassem.

***

Ah, Paris... Séculos podem se arrastar, o mundo pode viver

uma era digital, mas Paris continua sendo simplesmente Paris. A

Cidade Luz, A Cidade dos Amantes, transbordante de histórias e

romantismo. Ninguém é mais o mesmo depois de percorrer seus

bairros boêmios, perambular às margens do Sena, se perder pelas ruas

do Quartier Latin e foi exatamente isso que ela não fez. Pegou um táxi

até o centro, andou até o Louvre, entregou a encomenda, ligou para a

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locadora, pediu um carro e se foi. Nada de sentimentos românticos

para Tara; seu ânimo estava mais para sentimentos homicidas.

Três horas e vinte minutos mais tarde e trezentos e doze

quilômetros depois, uma irlandesa exausta encostava o carro na

propriedade em questão. Saiu, retirou os óculos escuros, sua boca se

abriu num esgar de excitada admiração.

“UAU!” Deixou escapar pousando as mãos na cintura.

“Incrível!”

“N’est pas? Eu concordo exatamente com a senhora!” Riu

baixinho ao vê-la se assustar. “Sou Didier Constani, bem-vinda ao

Château de la Mothe-Chandenier. Sou o responsável pela parte francesa do

projeto.” Esticou lhe a mão.

“Tara Rowan, arquiteta, historiadora e restauradora da Rowan

& Brighton.” Aceitou a mão e sorriu ao vê-lo beijá-la delicadamente.

“Pelo jeito o incêndio de 1932 fez um estrago maior do que eu

imaginei.”

“Melhor ver de mais perto.” Didier repassou gentilmente a

história do local e de seus proprietários.

Os dois perambularam por todas as áreas onde o acesso não

era perigoso, até pararem em frente à Capela.

“Estou com as chaves. De todo o complexo, a Capela é a

única em ótimo estado de conservação, apesar de o Pombal ter

escapado do fogo.” Abriu a pesada porta e a deixou entrar.

Tara rodou observando o local com admiração e respeito.

Avançou até o altar, deslizando a mão pela pedra milenar.

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“Isso é uma surpresa agradável.” Murmurou. “Algo mais se

safou da destruição?”

“O mausoléu da Família Bauçay cuja entrada se encontra atrás

do altar, exatamente onde está pisando. Gostaria de descer?”

“Agora não. Podemos conversar sobre o projeto?” Se afastou

em direção a porta sem notar que alguém fora atraído pelo eco das

vozes. “Minha bolsa!” Voltou correndo, a segurou como quem segura

um salva vidas e estancou. “Pensando bem, será que podemos

conversar aqui? Está mais fresco e temos o altar.”

“Com certeza.” Ele retornou, parou do outro lado e esfregou

os braços. “Sentiu isso Tara?”

“O quê?!”

“Uma corrente fria.” Observou sua pele se arrepiar.

“Não me diga que acredita em fantasmas!” Sorriu divertida.

Hugues ao lado de Didier ergueu as sobrancelhas e sorriu.

“Oui...” Sussurrou no pé do ouvido do arquiteto, o fazendo

pular apavorado e se segurou para não gargalhar.

“Acredito... Sim.” Gaguejou nervoso.

Tara riu baixinho e puxou o laptop. Enquanto acessava as

plantas, o espírito mudou de lugar, parando bem ao seu lado.

Ele inclinou a cabeça com um sorriso satisfeito. Ela era a

mulher mais interessante que vira desde 1092 e o que não faltaram

foram mulheres de todas as épocas e estilos para sua apreciação. Havia

algo nela que o incomodava de certa maneira, algo que o intrigava, que

o atraía. Seu nome não era francês, ela não vinha da chamada

Inglaterra, suas palavras nadavam por entre uma escala melódica cheia

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de altos e baixos, fascinantemente cantadas. Suspirou, sentou-se sobre

o altar a prestou atenção às informações discutidas. Cansara de ver seu

lar sendo invadido, modificado, saqueado, depredado, modificado,

quase totalmente incinerado e esquecido. Se iriam recuperar a glória

do atual Château de la Mothe-Chandenier, ele certamente faria parte dos

esforços.

***

Com os primeiros planos traçados, Didier apresentou o resto

da propriedade, a qual englobava uma extensa área de terra cultivada,

um bosque, um lago, os canais, o canil, as estrebarias, a casa do caseiro

e sua família e o conjunto de casas que abrigavam a criadagem em

áureas eras, agora modernizadas a fim de receberem seus futuros

hóspedes: Turistas. Isso foi tudo que sobrara do imenso feudo depois

que ¾ das terras foram desmembradas e os lotes vendidos para quem

tivesse disposto a pagar pelo preço cobrado. Mais tarde a apresentou

aos nativos.

Tara se apaixonou com Isabeau, esposa de Phillipe o caseiro,

assim que a conheceu e o sentimento foi recíproco. O almoço e a ceia

correram tranquilos, os assuntos profissionais foram esquecidos assim

que a velha senhora se dispôs a desfiar sobre as lendas locais. Sentados

numa cozinha digna de filmes de época, junto a uma mesa de madeira

marcada pelos séculos e embalados pelo estalar de um enorme fogão à

lenha, a arquiteta riu da reação de seu parceiro quando percebeu para

onde as narrativas seguiam. Didier se levantou, agradeceu, pediu

desculpas por ter que voltar à Paris para tratar dos poucos detalhes

referentes ao projeto e se foi.

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“Ele morre de medo de fantasmas.” Phillipe deixou escapar

rindo. “Nunca vi Didi ficar aqui depois de escurecer, sempre arruma

uma desculpa para manter a maior distância possível do Château, por

isso mantém um apartamento em Loudun.” Encarou a estrangeira

com um ar maroto. “Et vous? Vous croyez aux fantômes?”

“Se eu acredito em fantasmas?” Tara inclinou a cabeça ainda

segurando o copo com vinho e torceu o nariz. “Eu não sei... Nunca

fui apresentada a um.” Riu olhando distraída para as chaves da Capela.

Isabeau abriu um sorriso conspiratório para o marido.

“Mantenha a mente aberta, ma fille, a propriedade inteira é

assombrada.” A velha sentou-se ao lado depois de depositar uma

tigela enorme de vermelhos e suculentos morangos.

“Por quem? Alguma Dama de Branco?” Largou as chaves e

agarrou um morango.

“Por um dos Senhores de Bauçay, era exatamente sobre sua

lenda que iria contar quando Didi fugiu.” Pegou um morango e cortou

o queijo que Phillipe acabara de trazer, entregou o morango à garota,

envolto numa linda branca cremosa fatia. “Seu nome era Hugues III

de Bauçay, Seigneur de Bauçay e Loudun; pelo que as lendas contam,

Hugues era um guerreiro de renome, moço forte, bonito, um partido

cobiçado até na Corte, mas para desespero de seu pai Hugues II, não

queria muita coisa com as responsabilidades do título ou da terra...”

Parou para beber.

“Isso é uma calúnia!” Hugues saiu de cima do armário onde

se empoleirara. “Eu preservava minha liberdade, não era um