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ATENÇÃO! Esta obra apresenta relatos e personagens fictícios. Qualquer semelhança com casos ou pessoas reais é mera coincidência. Tenha uma boa leitura!

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Page 1: ATENÇÃO! - perse.com.br · Seguimos a pé naquela noite fria e escura entre uma vegetação que não parecia mais ter fim. Eu não ... durante meia hora... Você deve estar cansada,

ATENÇÃO!

Esta obra apresenta relatos e personagens fictícios.

Qualquer semelhança com casos ou pessoas reais é

mera coincidência.

Tenha uma boa leitura!

Page 2: ATENÇÃO! - perse.com.br · Seguimos a pé naquela noite fria e escura entre uma vegetação que não parecia mais ter fim. Eu não ... durante meia hora... Você deve estar cansada,

Primeiramente, antes de começarmos com a

entrevista, gostaria de deixá-los cientes de que

discordo de tudo o que espalham por aí pelos jornais

e televisão. Vocês, que deviam espalhar fatos

importantes do dia-a-dia para as pessoas, fazem

exatamente o contrário. Difamam a imagem de

alguém que foi tão humano quanto vocês e todo

mundo. Ninguém é perfeito, todos erram e sabem

que erram, mas não se importam. Eu reconheço, o

Dr. Isaac Kowaltowski fez coisas que a lei, a ciência, a

ética e o bom-senso repudiam, mas ele não foi

apenas um criminoso, um sequestrador ou o que

quer que digam. Parem de chamá-lo de pedófilo, por

favor. Esse adjetivo é nojento além de, também,

inválido. Ele nunca encostou um só dedo em mim.

Ele não tinha maldades em sua mente brilhante e

genial. Tinha amor. Aquele amor puro e sincero que

falta no mundo. Ele cuidou de mim, me deu proteção

e alegria, me ensinou valores, lutou por mim e por

seus sonhos que perdeu há tempos atrás... Ele e

Benjamin foram minha única companhia esse tempo

todo, quer ou não as pessoas acreditem nisso. Para

mim, ele foi bom e, se fosse possível, eu o perdoaria

entre lágrimas com um abraço apertado.

Espero que estejamos de acordo com isso. Sendo

assim, vamos começar...

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Por Amor,

Isaac

Eduarda Mendonça Mattos

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Capítulo 1:

“Em Busca De Um Lar”

Não posso dizer com clareza quando foi que

tudo começou. Quando tive um pouco de noção do

mundo ao meu redor, eu já estava viajando com ele.

Tudo antes disso são memórias embaçadas de

eventos aleatórios onde, de novo, nós estávamos em

um lugar e em outro. Sempre mudava. Nós nunca

paramos em canto algum. Minha lembrança mais

firme dessa época é a de quando deixamos o carro

para trás devido ao desgaste do mesmo. Parecia uma

lataria velha e sem mais chances de funcionar muito

bem. Seguimos a pé naquela noite fria e escura entre

uma vegetação que não parecia mais ter fim. Eu não

estava com medo pois o Dr. Isaac me acompanhou

de mãos dadas. Eu confiava nele, então, não tinha o

que temer. Lembro-me, também, de cantarolar

algumas músicas e cantigas só para nos distrairmos.

A minha idade? Eu diria que, talvez, uns quatro anos.

Eu era feliz e não enxergava a maldade e o perigo ao

meu redor.

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- Rebeca, você poderia parar de cantar um pouco,

por favor? – Disse-me ele.

- Eu não canto bem? – Forcei uma expressão triste,

só para ele me deixar cantar mais. Eu estava bastante

empolgada!

- Canta sim. Sua voz é linda. Mas ficar cantando

durante meia hora... Você deve estar cansada, não?

- Eu tô com sede.

- Isso que dá ficar cantando o tempo todo. – Ele tirou

uma garrafa d’água de sua mochila e me ofereceu. –

Beba o suficiente. Nós só temos isso. – E também

tirou a minha cartela com comprimidos. – Aproveite

e tome seu remédio.

- Mas isso nem tem gosto! – Protestei.

- Eu sei. Mas se você não quiser adoecer, tem que

tomar toda noite.

- Mas eu nunca fiquei doente!

- Porque você toma o remédio. Capiche? – Ele abriu

um sorriso brincalhão. – Faça isso, por favor.

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Eu realmente detesto esse remédio. Até hoje

o tomo, todas as noites, para não sofrer do mal que

ele tanto temia. Uma engolida forçada para evitar

algo pior mais à frente. Matei minha sede enquanto

tentava me livrar daquele comprimido descendo

goela abaixo. Às vezes, eu o escondia por baixo da

língua e depois cuspia quando ele não estava

olhando. O Dr. Isaac era engraçado quando ficava

com raiva por causa disso. Foi assim que ele passou a

pedir para que eu abrisse a boca a fim de certificar se

eu, de fato, engoli o bendito comprimido.

Ouvimos um estranho som de rastejar e bater

de plantas, quase como se alguém – ou alguma coisa

– estivesse entre a mata prestes a nos dar o bote. Eu

não liguei para isso no momento pois estava ocupada

engolindo meu remédio sem gosto. Lembro-me de

ver o Dr. Isaac preocupado conforme olhava para os

lados, tentando encontrar a origem daquele som

perturbador. Segurou firme em meu braço como

geralmente fazia quando estávamos prestes a correr

ou fugir. Eu estava tão concentrada em beber água

que acabei até me assustando com isso e gritei. Eu ri

depois enquanto ele sussurrou pedindo que eu me

aquietasse.

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- Silêncio!

- Desculpa! – Continuei rindo. – É que você me

assustou!

- Pare de rir, sério! – Os sons de mata continuaram. –

Não está ouvindo isso?

O que saiu de dentro da vegetação não foi

uma pessoa, nem animal e, muito menos, um

monstro. Era uma esfera lisa e metálica, de 21,22

centímetros de diâmetro, que rolou sozinha para fora

das plantas até alcançar os pés do Dr. Isaac. Vocês

sabem, é esta esfera em meu colo, neste exato

momento, enquanto conto minha versão dos fatos

para vocês. E torno a dizer, só por desencargo de

consciência: Não importa o que digam, eu nunca a

entregarei para cientistas, pesquisadores ou

qualquer outra pessoa, não importa o quanto me

ofereçam para apanhá-la e estudá-la. Ela

permanecerá comigo até o fim. Não é só uma esfera

brilhante como pensam. Mas voltando ao que eu

estava dizendo...

- Benjamin! – Me abaixei para abraçá-lo como

costumava fazer. – Você voltou!

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- Essa coisa ainda está nos seguindo? – O Dr. Isaac fez

desdém tanto no tom quanto na expressão facial.

- Não fale assim do Benjamin, papai. Ele também

gosta muito de você!

- Primeiro: Já disse que não sou seu pai. E segundo:

Pare de chamar isso de “Benjamin”. Não é o nome

dele!

- Claro que é. Ele me disse que é!

- E você entende os sons que ele faz?

- Não. Eu falei um monte de nomes e ele ficou

girando ao meu redor quando eu disse “Benjamin”.

Então, acho que ele gostou desse nome!

- Tá, tanto faz. – Ele revirou seus olhos. – Mas ainda

assim, não quer dizer nada. Então, pare de chamá-lo

por este nome.

Definitivamente, ele detestava a esfera. Mas

não importava, eu continuei chamando-o assim. Não

fazia isso para provocar o Dr. Isaac, ele realmente

atendia e ainda atende por esse nome além de,

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também, para mim, ser um nome bastante bonito.

Hoje, eu entendo o porquê do Dr. Isaac ter tido tanta

repulsa de meu amigo esférico.

Ignorando-o, ele olhou preocupado ao nosso

redor com cara de paisagem. Penso eu que ele estava

tentando saber onde estávamos e para onde iríamos.

Se ele não sabia, eu, muito menos. Só o que sei é que

derramei um pouco da água da garrafa em Benjamin

no meu colo. Imaginei que estivesse com sede,

também, então, o fiz. É claro que o Dr. Isaac ficou

com raiva e tomou a garrafa de mim.

- Rebeca! Eu te disse para não desperdiçar água!

- Eu só achei que o Benjamin também tava com sede!

- Ele é um cérebro eletrônico. Não precisa de água!

- E acho que ele tá tentando nos dizer alguma coisa...

Ele produziu seus típicos sons maquinais que,

mesmo incógnitos, queriam dizer alguma coisa. Nem

mesmo o Dr. Isaac, que era adulto e cientista, não

compreendia suas manifestações sonoras. Quando

queria que eu o colocasse no chão, ele vibrava. Até

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hoje faz isso. Larguei-o e ele rolou reto para uma

direção enquanto apitava. Estava nos chamando. Eu

sempre confiei em meu amigo e, então, o segui.

Como era de se esperar, o Dr. Isaac não dava tanto

crédito, mas também o seguiu.

Benjamin nos levou até uma estrada de terra

além daquela vegetação em que estávamos perdidos.

Já era alguma direção para tomarmos e nos

situarmos. Foi de tão grande ajuda que até o Dr.

Isaac ficou satisfeito com o resultado.

- Até que você é útil pra alguma coisa...

Eu estava tão inquieta e ansiosa para uma

aventura que, logo depois de Benjamin rolando

adiante, eu saltitava sem medo da noite e escuridão.

Eu não tinha medo de nada quando estava junto de

Benjamin e do Dr. Isaac, este, caminhando

cuidadosamente logo atrás de mim. Ele sempre

ficava atento a tudo ao nosso redor.

Não demorou muito para chegarmos em uma

pequena e bela vila de humildes e isoladas casas de

madeira. Plantas trepadeiras e suas flores enfeitavam

algumas construções e também havia um pequeno

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mercado, aparentemente, o único dali. Pensei, por

um instante, tratar-se de uma vila abandonada, pois

não tinha visto ninguém exceto dois cavalos ao lado

de uma casa e um cachorro dormindo diante da

porta da mesma. Não tinham pessoas.

Na tentativa que o Dr. Isaac passou por ali sem

querer causar alarde, o cachorro despertou de seu

sono e não nos perdoou. Veio correndo na nossa

direção ameaçando mordidas! Lembro de ter gritado

e, nisso, o Dr. Isaac chutou o pobre Benjamin para

distrair o vira-lata. Querendo ou não, ele é uma bola.

Até hoje, cão de vizinho algum não pode vê-lo que

quer brincar.

- Não chuta ele! – Exclamei.

- Não grite, também! Ou isso, ou ele ia nos morder!

- Ele só quer brincar!

A mesma fera, que antes rosnou e nos

ameaçou, naquele momento, mais parecia um

animalzinho bobo brincando com Benjamin que dava

voltas e voltas enquanto tentava se afastar do cão

que, também, dava voltas atrás dele conforme latia.

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E, por mais que o Dr. Isaac pedisse silêncio ao animal,

pouco a pouco, luzes acenderam-se de dentro das

casas e toda a vizinhança despertou assustada. Os

diálogos foram muitos entre os moradores: “O que

está acontecendo?”, “quem são eles?”, “são

bandidos!?”, “pare de latir, cachorro!”, etc.

Tudo o que o Dr. Isaac não quis, aconteceu. Eu

vi seu rosto de quem ficou envergonhado, sem saber

o que dizer ou fazer. Eis que um homem de meia-

-idade, gordinho e um pouco mais baixo que o Dr.

Isaac saiu de uma das casas. Ele veio eufórico e

raivoso segurando uma espingarda! Mirava-a no

cientista enquanto mandava seu cachorro se

aquietar.

- Quieto, Max! Quem são vocês!?

- Nã-não atire, por favor! – Imediatamente, o Dr.

Isaac levantou suas mãos enquanto pôs-se na minha

frente. – Nós só estamos perdidos. Só isso!

- E o que é aquela coisa??

“Aquela coisa” referia-se a Benjamin, que

fugia do animal até parar de rolar diante dos pés do

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cientista. O fazendeiro, de até então, talvez, uns

quarenta ou cinquenta anos, ficou perplexo em como

ele se movia sozinho e até mesmo pela aparência do

objeto. Benjamin é uma esfera lisa que reflete

qualquer coisa através de seu material.

- Err, isso? Isso é... – Foi engraçado ver o Dr. Isaac

gaguejar enquanto tentava se explicar. – Rebeca,

quantas vezes eu tenho que te dizer para cuidar de

seus brinquedos?

- Do que você tá falando? – Naquela época, não

entendia desculpas esfarrapadas.

- Tome. – E ele entregou-me a esfera. – Segure essa

bola antes que perca, de novo!

Por um instante, pensei que ele estava louco

ou que eu estava desmemoriada. Só bem depois fui

entender o que eram mentiras em forma de

desculpas. Dr. Isaac me ensinou a não mentir e a

repudiar quem fizesse isso, mas em casos de

emergência e preservação da vida, se não houvesse

outro jeito, que fosse assim. Ora, estamos falando de

um homem nervoso e desconhecido mirando uma

arma para nós. Qualquer desculpa para nos

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defendermos é válida, embora eu, na época, ainda

não entendesse muito bem como isso funcionava.

O fazendeiro logo riu do susto à toa que ele e

toda a vizinhança levaram por causa de um simples

“brinquedo de criança”. Algumas das pessoas, que

saíram de suas casas para saber o que acontecia,

também riram e, algumas poucas, se irritaram por

terem acordado assustadas por nada.

- Me desculpem, pensei que fossem bandidos ou algo

do tipo. – O fazendeiro abaixou sua arma. – Mas

vocês também nos assustaram!

- Desculpe por isso, também. – Dr. Isaac abriu um

sorriso sem graça. – É que estamos perdidos, então...

É, só isso, mesmo.

- Estão procurando um lugar para passarem essa

noite?

- Estamos.

- Vocês podem ficar na minha casa, se quiserem.

- Adoraríamos, mas não queremos causar nenhum

incômodo, também...

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- Que nada. Adoramos pessoas de fora! Não é,

pessoal!

E, até como se fosse algo programado, as

pessoas nos deram as boas-vindas entre sorrisos e

expressões simpáticas. Dr. Isaac devolveu a gentileza

de todos com um pequeno sorriso tímido que ele

costumava dar quando, mesmo seguro, mantinha-se

atento, suspeitando de tudo e de todos em volta. E

enquanto eu acenava para as pessoas, tinha colocado

Benjamin embaixo do meu vestido, em minha

barriga, apenas para brincar. O fazendeiro armado

convidou-nos a acompanhá-lo até sua casa.

- Conseguimos um lugar por hoje. Vamos, Rebeca...

- Papai, olha! Eu vou ser mamãe e você vai ser vovô!

- Tire essa coisa da sua barriga!

Puxei Benjamin de volta por baixo do vestido e

o abracei meigamente.

- Nasceu! É um menino!

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Ri da cara feia que ele fez para mim diante da

brincadeira. Lembrando-me de sua expressão agora,

volto a sorrir. Dr. Isaac tinha muitas caras e bocas e

eu decorei o significado de cada uma delas. Ele não

precisava dizer nada. Eu sabia quando estava feliz,

triste, com medo ou com raiva. Ele apenas segurou

em minha mão enquanto me levava para dentro da

casa onde dormimos por uma noite. O cachorro,

vendo que o dono nos tratou como amigos, também

tornou-se pacífico e adorava brincar com Benjamin.

Ele também passou a gostar de brincar com o cão

mesmo que, em todas as vezes, ele era perseguido e

babado. Eu o limpava com uma borda do meu

vestido.

Antes de dormirmos, o senhor dono da

morada nos ofereceu um lanche para não ficarmos

de estômago vazio até o dia seguinte. Nos

apresentou um quarto separado para visitas e

hóspedes. Não havia nada ali a não ser uma cama

com colchão e outro no chão, cada um com

cobertores gastos e um pouco rasgados, o suficiente

para termos uma boa noite de sono. Do jeito que eu

era, prontamente, subi na cama para ficar com ela e

levei Benjamin junto comigo. Dr. Isaac teve que ficar

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com o colchão posto no chão. Abracei Benjamin e me

preparei para dormir.

Dr. Isaac realmente o detestava, mesmo ele

sendo um cérebro eletrônico cujo corpo se resume a

uma bola resistente a queimaduras, cortes,

marteladas e qualquer outra coisa que possa vir a

destruí-lo. E, apesar dele ter sido um cientista, ao

contrário do que muitos de vocês alegam, não foi ele

quem criou Benjamin. Na verdade, para ele, se

pudesse se livrar da máquina, faria isso de alguma

forma sem hesitar. Não o fez naquela época porque

eu não permitia e ele, claro, ficava com raiva por isso.

Só houve uma vez em que ele o puxou de meus

braços para livrar-se do mesmo e eu chorei tanto que

ele o deixou em paz e me pediu desculpas. Nunca

mais ousou ameaçar meu melhor amigo esférico...

Até porque, o Dr. Isaac também foi meu melhor

amigo durante todo aquele tempo.

Tivemos uma noite serena de sono. Não me

recordo muito bem com o que sonhei. A única coisa

que lembro era de uma presença estranha, abstrata

e sombria presente em meu sonho. Lembro de ter

sentido algo negativo, não sei bem explicar. De

qualquer forma, amanheceu e o dono da casa, com a

ajuda do Dr. Isaac, preparou a mesa para o café da

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manhã. Enquanto isso, o que uma mera criança como

eu fazia? Claro, brincava com Benjamin e com o

cachorro do fazendeiro sem prestar muita atenção

no que os adultos conversavam. Só me recordo do

seguinte diálogo:

- Sabe se há alguma casa por aqui que esteja

desocupada? – Perguntou o Dr. Isaac enquanto

preparava um sanduíche que, de início, pensei que

fosse para ele.

- Até o momento, não. – Respondeu o fazendeiro. –

Está pensando em morar aqui?

- É que eu não tenho exatamente para onde ir... Na

verdade, eu estou procurando um lugar para morar.

- Sem problemas. Podemos dar um jeito de financiar

uma nova construção enquanto você vive aqui.

- Isso já seria abuso demais...

- Que nada. Você parece ser uma boa pessoa e essa

menina parece ser muito sapeca!

E como eu era! Gostava de correr, pular e falar

qualquer besteira como toda criança alegre faz.

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Inventam que minha vida foi um inferno ao lado do

Dr. Isaac, mas estão enganados. Enquanto junto a

ele, foram os dias mais felizes e mágicos que alguém

já poderia ter tido. Imagine só: Você tem apenas

quatro anos de idade e já viaja para vários lugares?

Na sua cabeça, é como se estivesse dando a volta ao

mundo, descobrindo histórias antigas e desvendando

segredos enigmáticos que ninguém nunca conseguiu

antes.

Dr. Isaac pediu que eu me sentasse à mesa

para comer o sanduíche. Enquanto eu o saboreava

com fome e vontade, ele preparava outro para si. O

cachorro, que estava distraído com Benjamin, logo,

sentou-se no chão ao lado de minha cadeira

esperando que eu lhe desse comida. Dr. Isaac disse

para eu não fazer isso... Mas quem disse que eu

ouvi? Escondida e por debaixo da mesa, estendi

alguns pedaços de presunto ao animal ansioso.

Quando o Dr. Isaac viu, não me segurei e comecei a

rir da sua cara feia enquanto eu fingia

desentendimento. Ele me pediu para parar.

Algo chamou sua atenção. Sua cara brava logo

mudou para preocupada. Perguntei o que aconteceu,

mas não tive resposta. Imaginei que fosse por eu ter

dado comida ao cão e, por isso, pedi desculpas.

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Novamente, ele não me deu atenção. Resolvi seguir a

direção de seus olhos para saber o que estava

encarando. O fazendeiro estava sossegado em sua

cadeira, sentado à mesa, enquanto lia um jornal. Na

época, não vi nada demais e nem também entendia o

que estava escrito. Hoje em dia, felizmente, graças a

internet, pude encontrar este mesmo conteúdo e

compreender o porquê dele ter-se preocupado

tanto...

DESAPARECIMENTO MISTERIOSO DE

BEBÊ COMPLETA QUATRO ANOS

Principal suspeito, Dr. Isaac Kowaltowski,

continua foragido.

Com um gesto, Dr. Isaac pediu que eu fizesse

silêncio. Calmamente, ele se levantou de sua cadeira

e me pegou em seu colo. Saímos de fininho e

Benjamin também rolou, sorrateiramente, atrás de

nós para o lado de fora da casa. Montamos em um

dos cavalos e o Dr. Isaac só não deixou Benjamin

para trás porque pedi que o apanhasse e o

entregasse em meus braços. Fiquei logo atrás,

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segurando meu amigo esférico com um braço e, com

o outro, segurando-me na mochila do cientista.

Quando o fazendeiro, enfim, deu-se conta da notícia

e da foto do “meliante” estampada ali, nós já

tínhamos fugido. O cachorro não deu a mínima para

nós. Lembro-me de vê-lo comer o resto do meu

sanduíche que deixei em cima da mesa. O homem

logo montou em seu outro cavalo e veio atrás de nós

com sua espingarda.

- Eu não terminei de comer meu sanduíche! –

Exclamei. Não tive noção do perigo que corríamos

naquela hora.

- Você não estava com fome, mesmo. – Dr. Isaac

tentava apressar as cavalgadas do animal com

pequenos tapas na coxa. – Mais rápido!

- Papai, aquele moço tá atrás da gente! – Olhei para

trás e lá estava o fazendeiro armado, perseguindo-

-nos.

- Droga...! Me dê essa coisa!

Rapidamente, ele tomou Benjamin de minhas

mãos e o arremessou no chão para próximo das

patas do cavalo em que o fazendeiro estava

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montado. O pobre animal tropeçou em meu amigo

até cair no chão entre as próprias cavalgadas

corridas. O homem também caiu. Tivemos tempo o

suficiente para distanciarmo-nos mais dali enquanto

Benjamin rolou, velozmente, sozinho atrás de nós.

Olhei por ele, não queria deixá-lo para trás. E ainda

olhando para trás, vi o fazendeiro se levantar com

seu cavalo e continuar a perseguição. Todos do

vilarejo permaneceram parados e assustados com a

confusão que começou repentinamente naquele

lugar tão calmo...

- Ainda está atrás de nós? – Perguntou o Dr. Isaac,

concentrado em manter o cavalo correndo.

- Tá sim! – Respondi.

- Ok, tenho um plano. Segure-se firme e confie em

mim!

Estávamos bem ao lado de uma ladeira de

terra e sem outra saída. Dr. Isaac soltou o animal,

abraçou-me e nos jogamos dali, ambos encolhidos.

Eu era muito pequena, então, pode-se dizer que ele,

tecnicamente, usou seu corpo como escudo para me

proteger durante a queda. Rolamos ladeira abaixo

até cairmos e nos misturarmos em meio a vegetação

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pesada que cercava tal lugar. Tudo isso eu só pude

perceber depois. Durante a queda, permaneci de

olhos fechados sem saber no que aquilo daria. Foi

uma aventura dentro da minha cabeça! E, logo

depois, Benjamin também rolou ladeira abaixo para

se esconder conosco. Estávamos abaixados e

silenciosos em meio a mata. Assim como eu não

podia ver o fazendeiro dali de baixo, logo, ele

também não conseguia nos encontrar.

- Eu sei que você está aí, bandido! – Exclamou o

homem. Senti indignação em suas palavras. – Se

pensa que vai ficar impune, está muito enganado.

Vou te matar e levar essa criança de volta para sua

família! Está ouvindo!? EU VOU TE MATAR!

Após ouvirmos as cavalgadas se distanciarem,

começamos a nos mexer para sair dali. Ainda

permanecemos quietos e escondidos entre as folhas.

Nem eu, nem ele e nem Benjamin queríamos chamar

atenção. Até porque, depois de tais palavras ditas

pelo fazendeiro, eu senti algo estranho... “Eu tenho

outra família?”, pensei na hora. Até onde sabia, o Dr.

Isaac e Benjamin eram minha única família. Por mais

que ele negasse, eu enxergava o cientista como uma

figura paterna. Naquela época, eu também desejava

muito ter uma mãe, assim como as outras crianças

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que encontrei pelo caminho... E o Dr. Isaac ficava

chateado quando eu tocava nesse assunto.

- Vamos logo sair daqui antes que ele volte. –

Sussurrou o Dr. Isaac para mim.

- Papai, o que ele quis dizer? – Perguntei, também

em volume baixo, enquanto segurava Benjamin em

meus braços. – Eu tenho outra família?

- Você não precisa levá-lo a sério. Precisa? Você tem

a mim, então... É isso. Eu sou a sua família.

- Uhum. E o Benjamin também é! Não é?

Se eu soubesse de tudo naquela época, não

faria isso com ele. Na verdade, mesmo que eu

soubesse, eu não entenderia. Tente explicar o

sentido da vida para uma criança de quatro ou cinco

anos, ela não vai compreender. Eu posso dizer isso

pois, muitas coisas que não entendia naquela época,

hoje, entendo. Coisas bobas, como: “Não confie em

estranhos”. Nunca uma criança irá entender o

porquê, mas obedece para não sofrer castigo ou ser

repreendida depois. Sabe-se lá quais as intenções de

um estranho e o que ele é capaz de fazer com ela?

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Dr. Isaac não era estranho para mim. Como disse, ele

cuidou de mim e, querendo ou não, foi meu pai.

Mas por que digo isso? Por que digo que, caso

eu soubesse e entendesse tudo naquela época, assim

como sei e entendo agora, eu não diria coisas que

lembrassem de seu triste passado? Porque eu notei

seu rosto mudar. Era uma expressão de dor interna,

coração partido, de melancolia... O que eu poderia

fazer? Benjamin era da família, eu o considerava

assim. E, na verdade, ele sempre foi. Acredito eu que

meu fiel amigo esférico sempre foi o mesmo

Benjamin e o Dr. Isaac não associava. Sempre que eu

falava sobre a máquina, ele ficava triste... E eu não

entendia isso naquela época.

- Sim, Rebeca. – Ele me respondeu um pouco

cabisbaixo, tentando disfarçar o olhar triste. – Ele é...

- Viu? Eu sabia que você gostava dele! – Sorri

contente.

- Fique quieta agora, tudo bem? – Ele segurou em

minha mão e andou com cautela pela vegetação. –

Temos que sair logo daqui e sem fazer muito

barulho.

Page 26: ATENÇÃO! - perse.com.br · Seguimos a pé naquela noite fria e escura entre uma vegetação que não parecia mais ter fim. Eu não ... durante meia hora... Você deve estar cansada,

Eu imitei seus passos e movimentos enquanto

carregava Benjamin no colo. Ele podia rolar sozinho,

mas preferi carregá-lo mesmo assim. Eu imaginava

que, da mesma forma que gostava quando o Dr.

Isaac me carregava ternamente em seus braços, que

Benjamin também gostasse dessa sensação. Abraços

aconchegantes, quentes e protetores. Essa era a

minha visão das pessoas mais velhas para com as

mais novas. Não sabia a idade de Benjamin – até

porque, ele não tem –, mas por ele ser menor que

eu, enxergava-o como um irmão mais novo ou, até

mesmo, como um mascote. Se o Dr. Isaac não lhe

dava atenção, então, eu era a sua responsável e

guardiã.

- Papai...

- Não sou seu pai.

- Para onde estamos indo agora?

- Para qualquer lugar onde possamos ficar em paz...