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Sublimes 1ª edição

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Sublimes 1ª edição

Capa

Eduardo Araujo

Sheila Paiva

Preparação

R.F. Orsi

Revisão

Juliana Campos

Ingrid Dias

Primeira edição.

São Paulo, junho de 2015.

Todos os direitos reservados a R.F. Orsi.

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Para você.

Só aqueles que se arriscam a ir longe demais têm a chance de

descobrir até onde podem chegar.

— T.S. Eliot

Agradecimentos

Preciso agradecer por ter leitores tão carinhosos e persistentes. Era só um blog, só mais uma história entre tantas outras, mas vocês tornaram algo tão simples em algo grande e único. Vocês são incríveis! Agradeço aos meus pais, Marcio e Sheila, por sempre acreditarem em mim, se entregarem inteiramente aos meus desejos e fazerem com que cada um deles se torne possível. Obrigada também às minhas irmãs, Giovanna e Anna Carolina, e à minha avó, Inêz, por sempre estarem aqui e ali para mim em qualquer que seja a situação. Minha constante gratidão aos meus amigos, Bárbara Nogueira, Felipe Botelho, Juliana Begnini, Beatriz Lira, Camila S. de Araujo, Lara Correia, Paloma Rodrigues, Lucas Ida, Giovanna Pellizzoni, Clariana Wolff e Yngrid Trevisan — ufa! — por serem tão bons e acreditarem nesse sonho junto comigo! Obrigada à Thais — a minha eterna pirralha — por se animar tanto diante da história e me motivar a continuar. O Andy está chegando pra você!

Agradecimento especial à Cinthia Rolim por me apoiar e motivar desde sempre! Minha sincera gratidão também à Marina Brum por acreditar tanto em mim e nessa história, me ajudando a chegar a tantas pessoas através desse livro. Muitas outras pessoas são dignas de estar nessa página, a lista é imensa, tenho sorte por ter cada um de vocês na minha vida. Agradeço a todos que se importam com esse livro, que me dão uma chance, vocês fazem tudo valer a pena! Obrigada.

Sobre Sublimes

Senti a necessidade de escrever Sublimes quando me vi passando por um estágio complicado da autoaceitação. Eu distribuí aos meus personagens cada um dos meus medos, minhas vontades, desistências, evoluções e aprendizados ao decorrer dos dias. Mas, não, eles não se resumem especialmente às minhas características. Eu coloquei um mundo sobre eles e deixei que isso me guiasse a cada etapa da escrita. Coloquei aquilo que sempre é notado, mas nunca comentado; aquilo que é injusto, mas ninguém se move para fazer uma justiça; aquilo que é encarado como “levantar uma bandeira”, mas, na verdade, é somente uma simples e justa questão de aceitação e amor ao próximo. Eu quero fazer a diferença. Sempre tive medo de expor meus pensamentos, e por muitos anos eu concordei com coisas que nem mesmo faziam parte da minha versão de entendimento. Vi na escrita uma oportunidade de mostrar que os desajustados não estão tão perdidos assim e que nós temos um mundo incrível a nossa frente. Acima de qualquer regra e orientação, somos sublimes da maneira como

fomos feitos! Espero que cada leitor possa captar ao menos uma mensagem. Boa leitura!

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• Andy Windfall •

Quando eu era pequeno, as viagens em família eram feitas com as janelas do carro abaixadas, só tocava a fita do Eric Clapton, e minha mãe sempre comentava sobre como eram bonitas as árvores floríferas que víamos na estrada. Se na última vez que isso aconteceu eu estivesse ciente de que acabaria da forma que acabou, eu não teria implorado pra que passássemos o feriado em Charlotte, na casa do vô Marco. Chovia tanto em Monroe, Carolina do Norte, que o limpador de para-brisa chegava a ser inútil. Os noticiários avisavam em plantões de trinta em trinta minutos que seria bom nos mantermos dentro de casa, afinal, dias tão chuvosos como aqueles eram raros. Eu estava no banco de trás, como eu sempre costumava ficar quando saíamos todos juntos, meu pai estava no volante e minha mãe batucava em sua perna no ritmo de Tears In Heaven, no banco do passageiro. Essa era a música favorita dela. Não me lembro de como o acidente aconteceu, mas lembro de acordar numa maca, dentro de uma ambulância, longe dos

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meus pais. Tentei falar com a moça que me observava, mas ela me pediu para ficar quieto. Naquele mesmo dia, o vô Marco, pai da minha mãe, foi nos reconhecer no hospital. E ele não me deixou sozinho por um segundo sequer na sala de observação — local onde precisei ficar por dois dias inteiros —, ainda que andasse de um lado para o outro, totalmente aflito. Na noite do segundo dia, eu o ouvi chorando, mas não quis interrompê-lo. Eu sabia que não estava tudo bem. No início do terceiro dia, eu perguntei ao vô Marco o que estava acontecendo e ele me explicou tudo. No fim da conversa, ele me disse que eu tinha recebido alta e que nós iríamos dali para o funeral da minha mãe. Eu não chorei muito, porque não entendia completamente qual era o significado de tudo aquilo. Mas, no dia seguinte, eu me entreguei à falta que minha mãe estava fazendo e eu chorei por vários dias até Mike, meu pai, voltar pra casa. Nem tudo correu tão bem quando ele voltou. Ele se recuperou muito bem, obrigado, em poucos dias e logo pôde se dedicar completamente ao trabalho. Passei a ficar mais dias com o vô Marco do que costumava, então percebi que só damos valor aos momentos quando a falta começa a se fazer presente. Quase dez anos depois, meu pai decidiu que nos mudaríamos para Charlotte, que fica mais ou menos quarenta

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e cinco minutos de Monroe. Eu não fiquei feliz no início, porque eu não era muito bom para lidar com mudanças, mas eu sabia que era necessário. O que eu não sabia era que não seria um bicho de uma dezena de cabeças, mas, sim, o início de um longo e surpreendente capítulo.

Tudo começou a acontecer no meu terceiro dia de aula na escola de Charlotte. Eu ainda estava perdido nos horários, então acabei me atrasando para a minha primeira aula de matemática naquela semana. Segui olhando para o número das portas até o final do último corredor daquele andar. Por fim, descobri que a sala 202 era a última do lado direito. Engoli em seco. Três toques na porta foram o suficiente e pude ouvir alguém dizer: — Tem alguém batendo. Um velho que tinha os óculos na ponta do nariz abriu a porta. Ele não disse nada, só ficou me encarando até que eu falasse. — Eu sou novo — eu disse. — Eu... Eu posso entrar? Ele abriu passagem.

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— Seu nome? — ele perguntou, logo que dei um passo para dentro da sala. — Andrew Windfall. A sala não tinha mais de vinte e cinco alunos. Um engraçadinho dos fundos jogou um papel embolado e acertou minha orelha. — Sr. Windfall, vá se sentar — o professor disse. Havia uma cadeira vaga logo no fim da penúltima fileira do lado direito. E foi lá que eu fiquei, ainda que estivesse tentando não me incomodar com os olhares que se voltavam todos pra mim. Retirei meu velho caderno da mochila e anotei “Sr. Larry” — era o que uma pequena parte do quadro dizia. Quando a troca de aula chegou, me levantei tão apressadamente que fui o primeiro a sair da sala. Tirei minha tabela de horários do bolso e vi que a próxima aula seria a aula extra que eu havia escolhido. Educação artística, no caso. Meu pai não ficou muito feliz com a escolha, ele esperava que minha opção fosse algo em relação ao esporte. Mas, eu não gosto de esportes e, por eu ser um cara, esperava que não houvesse piadas sobre isso. A ordem da sala era um tanto diferente: cadeiras organizadas num círculo eram tudo o que tomava o espaço da sala. Pouco a pouco, as cadeiras estavam sendo tomada por

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alunos. E eu percebi que éramos um número pequeno — o que não me deixou nem um pouco surpreso. — Olá, olá. Perdão pelo atraso, houve um problema com meu carro — disse o provável professor que mais parecia um aluno, soltando as coisas sobre a mesa. — Jason — disse a garota que estava sentada do meu lado. — Jason — ele repetiu, rindo. — Pessoal, finalmente vamos começar um novo tema! Música. Quem gosta? Todos levantaram a mão, inclusive eu. — Pensei que o próximo tema seria teatro — disse um cara de camisa azul abotoada até o pescoço. — Tenho grandes planos pra isso, Caleb — o professor disse. — Ah... Esperem! Um novato. — Ele apontou pra mim. — Qual é o seu nome, cara? — Andrew Windfall. — Beleza, Andrew. Sou o Isaac e, como pode ver, sou o professor de artes. Seja bem-vindo! Deem as boas vindas para o Andrew! Um coro desanimado tomou a sala:

— Seja bem-vindo, Andrew! Eles nem ao menos pareciam gostar de estar ali, mas talvez só não fossem tão receptivos. Mas eu sorri para tentar quebrar o gelo. — Para começar, vou passar um papel em branco e vocês vão anotar o nome de vocês e a música favorita. Depois vai

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haver uma votação: as músicas mais votadas serão as quais vamos estudar o resto do mês. — Isaac andava de um lado para o outro dentro daquele circulo. — E, quem sabe, vamos fazer uma... apresentaçãozinha lá no auditório para a escola inteira ver que somos ótimos artistas. Enquanto Isaac falava, a folha passava de cadeira em cadeira para que anotássemos o que foi pedido. Anotei meu nome e a música Tears in Heaven do Eric Clapton. Eu tinha meus motivos. O Isaac pegou a lista, analisou e guardou. Depois disso, ele pegou o violão e tocou três músicas desconhecidas por mim e nós debatemos sobre o que elas queriam dizer, porque o assunto principal era liberdade de expressão. No intervalo, todos se espalharam. Não passei pelo refeitório, fui direto para a quadra de esportes e me sentei no último degrau da arquibancada da lateral direita. Eu ainda não havia feito amizade com ninguém e, até então, isso era muito difícil pra mim. Líderes de torcida treinavam no meio da quadra de futebol. Alguns caras, aparentemente, do último ano, azaravam garotas e outros fumavam escondidos, encostados num pilar, enquanto debochavam de alguma coisa. Havia uma garota lendo um livro, sentada no segundo degrau. Mas ela desviava a atenção o tempo todo, olhando para os lados como se alguém a tivesse observando.

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Então ela olhou para cima. Logo, ela se inclinou para levantar. Ela estava mesmo subindo aqueles degraus? Sim, ela estava. Ela usava um coturno preto de cano alto, uma calça larga e baixa, e uma blusa de frio que também era preta. Os cabelos eram pretos, lisos e compridos, e os olhos eram surpreendentemente azuis, porém, envoltos de uma maquiagem escura. — Qual é a do cabelo bagunçado? — ela sentou ao meu lado. — Eu... Eu me esqueci de pentear. Ela deu uma gargalhada curta e engraçada. — Eu gostei, Andrew. — Sabe o meu nome? — Fazemos matemática e artes juntos. — Eu não notei. Desc... A risada dela me interrompeu. — Ninguém nota — completou. — Eu estava do seu lado na aula de arte. Senti que deveria me explicar ou tentar me desculpar por não tê-la visto. Mas, eu não tinha o que dizer. — Você é engraçado — ela disse. — Isso é bom? — É ótimo. — Riu. — Me deixa ver seus horários.

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Tirei o papel dobrado do bolso e entreguei a ela. Em silêncio, ela analisava e comparava os meus horários com os dela. — Você está ferrado! — Ela parecia estar falando sério, mas continuei em silêncio. — Temos quatro horários iguais. Sabe o que isso significa? Bom, isso significa que você vai passar a saber mais sobre o Jason. Sabe o que isso significa? Encrenca. Isso significa encrenca porque o Jason vai te infernizar em três matérias. Quando ela mencionou o nome Jason, me lembrei da aula de arte — ela era mesmo aquela garota que sentou do meu lado. Ela tinha um jeito engraçado de falar, eu gostava disso. Eu estava me divertindo silenciosamente. — Quem é o Jason? — perguntei. — O retardado que te acertou o papel na cabeça. — Ah, esse é o Jason. — Novo na cidade? Achei engraçado o jeito como ela olhou pra mim, parecia tão interessada! Acho que ninguém tinha se interessado por saber essas coisas antes. — Eu costumava visitar meu avô quando eu era pequeno, ele sempre morou aqui. Então acho que não sou tão novo assim. Ela balançou a cabeça positivamente.

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— Garanto que tem muitos lugares por aqui que você precisa conhecer. — Ela sorriu. — Alice Carslile — ela estendeu a mão para que eu apertasse. E eu o fiz. — Não suma, Andrew. Ela se levantou e eu a observei ir enquanto o sino tocava, estridente, me avisando que estava na hora de encarar mais uma aula.

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