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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Sonia Cristina Scaquetti Responsabilidade civil pré-contratual e pós-contratual no direito do trabalho MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sonia Cristina Scaquetti

Responsabilidade civil pré-contratual e pós-contratual

no direito do trabalho

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sonia Cristina Scaquetti

Responsabilidade civil pré-contratual e pós-contratual

no direito do trabalho

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, do Programa de Pós-Graduação, sob orientação da Professora Doutora Carla Teresa Martins Romar.

SÃO PAULO

2014

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Sonia Cristina Scaquetti

Responsabilidade civil pré-contratual e pós-contratual

no direito do trabalho

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Orientadora: Profa. Dra. Carla Teresa Martins Romar

________________________________________

________________________________________

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Aos meus pais Ilvo Dilve Scaquetti e Clarice Moda Scaquetti (in memorian), exemplos de retidão, perseverança e alegria de viver.

Ao meu irmão Airton Scaquetti, de cuja generosidade sou beneficiária direta. Ao meu Professor de Direito Civil na graduação e amigo, Fernando José Martins, que

sempre tão disponível fez a primeira leitura deste trabalho. À Sergio Cavalcanti, amigo atento, que nunca me deixa esquecer e sempre me faz lembrar

daquilo que sou e daquilo que sou capaz.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço à minha orientadora Professora Doutora Carla Teresa Martins

Romar, pela compreensão e ensinamentos, sempre depositando sua confiança em meus

trabalhos e escolhas.

Ao Professor Doutor Pedro Paulo Teixeira Manus e Professora Doutora Suely

Gitelman, pelas sugestões definitivas em banca de qualificação.

Aos Professores Doutores Assistentes Tulio Massoni e Fabíola Marques, pela

disponibilidade em nos ensinar e auxiliar nas pesquisas.

Agradeço ao Professor Doutor Renato Rua de Almeida e a Professora Doutora

Maria Garcia, cujas aulas tem o poder transformador de nos tirar da condição de simples

alunos.

E por fim, agradeço a minha amiga, Jeana Sobral, por ter me apresentado um

outro Brasil, tão carente de uma justiça mais urgente e igualitária.

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RESUMO

O objetivo deste estudo é, sobretudo, mas não apenas, a análise da reaproximação do Direito do Trabalho com o Direito Civil, a partir da promulgação da Constituição Federal em 1988, assim como da posterior promulgação do novo Código Civil em 2002, que operou grandes transformações nas relações privadas contemporâneas, incluindo a despatrimonialização, e que, por isso mesmo, vem sendo chamado de Direito Civil Constitucionalizado. Considerada como um caminho de volta em busca das origens do Direito do Trabalho dentro do Direito Civil, essa reaproximação vem sendo tratada como a solução para o resgate das relações trabalhistas, com vistas à definitiva valorização da dignidade do contratante trabalhador. Como consequência, pretende-se então a verificação da concreção do novo Código Civil, no âmbito do Direito do Trabalho, na busca da solução de conflitos, concluindo pela compatibilidade ou não da aplicação dos princípios da boa-fé objetiva, da equidade e da função do contrato, pela atual positivação desses princípios no diploma civil promulgado em 2002, por meio do art. 422. Sendo assim, ao transferir os conceitos civilistas para a casuística do Direito do Trabalho permite-se, portanto, decidir de forma mais abrangente, uma vez que, saindo necessariamente do campo meramente individual, chega-se ao instituto de direito material da responsabilidade civil, alcançando assim os trabalhadores um nível de tutela nunca antes nem mesmo idealizado.

Palavras-chave: Direito do Trabalho. Direito Civil. Cláusulas Gerais. Boa-fé. Função social do contrato. Dignidade da pessoa humana. Art. 422 do novo Código Civil.

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ABSTRACT

The purpose of this study is mainly, but not limited to, the analysis of how Labor Law and Civil Law have been brought closer, starting from the Federal Constitution of 1988 and the Civil Code of 2002, which affected profoundly contemporary private relations, which explains why it has been called Constitutionized Civil Code. The process of bringing closer Labor Law and Civil Law is considered a return trip to the origins of Labor Law, within Civil Law. This approach has been treated as the solution to labor relations disputes and the ultimate valorization of the workers dignity. As a consequence, the study intends to validate the applicaton of the Civil Code within Labor Law, aiming conflict resolution, and to conclude whether or not there is compatibility in the application of the principles of objective good faith, equity and the social function of contract, those which became Law as part of article 422 of the 2002 Civil Code. Therefore as we transfer Civil Code concepts to the concrete cases within Labor Law, far more reaching decisions can be made and we depart from mere individual rights to the civil responsibility of contracts. By doing this, workers will benefit from a legal protection unheard of or even imagined before.

Key words: Labor Law, Civil Law. General Clauses. Good Faith. Social function of the contract. Civil responsibility. Pre Contractual Civil Responsibility. Post Contractual Civil Responsibility. Human Being dignity. Article 422 New Civil Code.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................9 CAPÍTULO I. INFLUÊNCIA DO DIREITO CIVIL NO DIREITO DO TRABALHO ......11

1.1. Autonomia da vontade e autonomia privada .............................................................13 1.2. Solidarismo e a tutela do trabalhador: um novo enfoque a partir da Constituição

Federal de 1988 .........................................................................................................16 1.3. Aplicação ou equiparação das regras contratuais civis no âmbito das relações do

trabalho .....................................................................................................................17 1.3.1. Cláusulas gerais: efeitos e consequências de sua aplicação .............................19

CAPÍTULO II. PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL APLICÁVEIS AO

CONTRATO DE TRABALHO ........................................................................23 2.1. Função social do contrato .........................................................................................27

2.1.1. Função social do contrato de trabalho .............................................................29 2.2. Boa-fé objetiva.........................................................................................................36

2.2.1. Princípio da confiança ....................................................................................46 2.3. Princípio do equilíbrio econômico ............................................................................49

2.3.1. Justiça contratual ...........................................................................................54 2.3.2. Igualdade .........................................................................................................56

CAPÍTULO III. A APLICAÇÃO DA TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL

NO CONTRATO DE TRABALHO ..............................................................58 3.1. Conceito e fundamentos da responsabilidade civil ....................................................58 3.2. Responsabilidade civil contratual e extracontratual ...................................................64

3.2.1. Ônus da prova ................................................................................................69 3.3. Espécies de responsabilidades no contrato de trabalho ..............................................71 3.4. Inexecução contratual. Indenização suplementar e cláusula penal .............................75 3.5. Obrigações principais, secundárias e deveres anexos ................................................80

CAPÍTULO IV. RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL – CULPA IN

CONTRAHENDO .............................................................................................82 4.1. Direito estrangeiro ...................................................................................................88

4.1.1. Direito alemão ...............................................................................................88 4.1.2. Direito italiano ...............................................................................................89 4.1.3. Direito português ...........................................................................................90 4.1.4. Direito norte-americano .................................................................................91 4.1.5. Direito francês ...............................................................................................92

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4.2. Negociação prévia e pré-contrato. Venire contra factum proprium ............................93 4.3. Violação do dever de informação e de proteção de dados..........................................96

4.3.1. Direito ao silêncio ..........................................................................................99 4.4. Indenização pela perda de uma chance. Dano material e moral ...............................102

CAPÍTULO V. RESPONSABILIDADE CIVIL PÓS-CONTRATUAL ‒ CULPA

POST PACTUM FINITUM ...........................................................................109 5.1. Dano pós-contratual. Descumprimento dos deveres anexos ....................................110 5.2. Prescrição do dano pós-contratual ..........................................................................115

CONCLUSÃO ................................................................................................................................117 JURISPRUDÊNCIA – RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL..................121 JURISPRUDÊNCIA – RESPONSABILIDADE CIVIL PÓS-CONTRATUAL ..................130 REFERÊNCIAS .............................................................................................................................167

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INTRODUÇÃO

A partir da Constituição Federal de 1988, não restou qualquer dúvida sobre os

aspectos políticos relacionados à valorização do trabalho humano e à legitimação do

Estado Democrático de Direito, dentro do qual se inserem o trabalho, enquanto valor

social, a busca pela justiça social, a existência digna, a função social da propriedade e a

redução das desigualdades sociais.

Com o avanço do próprio conceito de dignidade humana, os vetores

principiológicos que auxiliam na interpretação do sistema jurídico transformaram de forma

grandiosa o nosso Direito Civil, deixando para trás o modelo de 1916, instalando-se assim,

com o novo Código Civil de 2002, os processos de constitucionalização e de

despatrimonialização no tratamento das relações privadas.

Desse modo, o direito obrigacional evoluiu de maneira a consagrar expressamente a

cláusula geral da boa-fé objetiva, por meio do art. 422 do novo Código Civil.

Essa evolução representou muito em termos de atividade jurisdicional, posto que,

na busca do ideal de justiça, permitiu-se ao órgão julgador a solução de problemas, a partir

da valorização dos fatos, e a concretização do que até então se encontrava apenas no plano

da subjetividade dos sujeitos integrantes sob a ótica meramente individual.

No campo do Direito do Trabalho, a constitucionalização do Direito Civil

promoveu um retorno às bases civilistas para a solução de conflitos, na medida em que o

progresso tecnológico modificou sobremaneira as relações laborais, vistas anteriormente

apenas como verbas devidas e sonegadas durante o contrato.

Por meio das cláusulas gerais, foi possível avançar nas avaliações e decidir de

maneira mais abrangente, considerando-se a função social da propriedade, uma vez que, nos

dias atuais, as inúmeras situações levam as relações contratuais a questões que antes eram

praticamente intocáveis, exatamente pela ausência de mecanismos jurídicos que permitissem a

transferência dos conceitos civilistas para a casuística do Direito do Trabalho.

Assim, esse caminho sem retorno nos leva a considerar a responsabilidade civil

presente na relação estabelecida entre o credor e o devedor em um contrato ou ato

unilateral (responsabilidade contratual) e na lesão a um direito de uma pessoa, ainda que

inexista qualquer vínculo obrigacional (responsabilidade extracontratual).

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Na relação contratual, a responsabilidade civil nasce do descumprimento ou do

cumprimento irregular da obrigação, podendo advir da violação dos chamados deveres

acessórios ou anexos, ou ainda, dos deveres laterais de proteção, informação e lealdade,

decorrentes da já citada cláusula geral de boa-fé.

Nesse sentido, cumpre dizer sobre a redação do art. 422 que, embora ela pudesse

ser mais explicativa, não se pode negar que atualmente tanto a doutrina como a

jurisprudência definem que a boa-fé objetiva tem ampla incidência em todas as fases da

relação obrigacional, ou seja, na celebração, execução e extinção da relação jurídica.

Significa dizer que, dos contratantes, são exigidos padrões éticos de comportamento

socialmente aceitáveis e baseados na honestidade, retidão, lealdade e, principalmente, na

consideração dos interesses do outro.

O objetivo geral deste estudo é abordar e realizar a análise material da

responsabilidade civil pré-contratual (culpa in contrahendo) e da responsabilidade civil

pós-contratual (culpa post pactum finitum), excluindo, portanto, a análise processual,

sobretudo no que se refere ao ônus da prova, cujo conteúdo tão rico merece um trabalho

específico que trate do assunto. No entanto, achamos razoável no Capítulo III, que trata da

aplicação da teoria da responsabilidade civil no contrato de trabalho, mantermos algumas

considerações acerca do ônus da prova, uma vez não ser a Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT) omissa quanto a esta questão, não havendo, portanto, a necessidade de

socorrer-se de outros ramos do direito a fim de sua aplicação.

Escolhemos o tema pela sua importância para o mundo laboral, na medida em que,

por meio das cláusulas gerais, os trabalhadores alcançaram um nível de tutela nunca antes

pensado; e, na sua melhor perspectiva, estas cláusulas trouxeram a chance da concretude

de direitos fundamentais, sobretudo o da dignidade da pessoa humana, bastante teorizado,

mas que, a partir das cláusulas gerais, passou a ser parte integrante da tutela e, o principal,

fora dos limites do contrato.

Este estudo foi desenvolvido mediante pesquisas bibliográficas, artigos publicados

em periódicos jurídicos, internet, páginas eletrônicas de tribunais, reportagens jornalísticas,

repertórios autorizados de jurisprudências e legislação correlata. Buscamos ainda a

doutrina e jurisprudência mais atuais, preferencialmente as obras específicas voltadas aos

direitos fundamentais nas relações de trabalho. Utilizamos, portanto, os métodos da

observação e da dedução para o desenvolvimento deste estudo.

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CAPÍTULO I. INFLUÊNCIA DO DIREITO CIVIL NO DIREITO DO

TRABALHO

A pergunta inicial, antes de qualquer análise específica no âmbito das relações

contratuais trabalhistas, é se o conceito de contrato contido no vigente Código Civil atende

aos atuais fatos da vida privada. Na visão de Paulo Nalin1, os fatos geradores da pós-

modernidade, de modo muito rápido e inevitável, respondem a essa inquirição, do que se

conclui que, em certa medida, o modelo codificado pode se mostrar insuficiente para

tutelar todas as possibilidades contratuais. Consequência natural é então buscar saber se a

nova codificação civil, de 2002, alcançou ou mesmo vislumbrou todas as potencialidades

para o direito contratual brasileiro.

Interessante frisar que as motivações ideológicas da adoção do modelo codificado,

no período oitocentista, e, portanto, como um sistema rígido e fechado ia (ao) encontro dos

interesses da burguesia, que era justamente manter e resguardar os direitos conquistados na

Revolução Francesa (1789). A codificação servia de anteparo ou mesmo de escudo ao

indivíduo, para a preservação de seus valores pessoais e bens jurídicos. Buscava-se assim a

situação eterna, perpétua, como sinônimo de segurança jurídica.

A codificação traz como característica a unidade do sistema, cujo objetivo nada

mais é que, justamente, unificar o ordenamento em um mesmo diploma legal, lembrando

que Kant já definia o sistema jurídico como a unidade sob uma ideia, de conhecimentos

variados”2.

Do modelo codificado se extrai a estabilidade, reunindo e congelando normas,

distinguindo-se das consolidações, as quais partem de uma construção orgânica, em torno

de um momento e sempre com um olhar no futuro.

Exemplo inegável de que as consolidações se apresentam adiante dos códigos,

antecipando-se a eles, é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que, em um processo

fragmentário, retirou do Código Civil brasileiro parcela relevante da matéria contratual,

tendo em vista a desatualização deste código para enfrentar os novos tempos industriais.

Mais do que isto, o conteúdo de justiça do Código Civil não coincidia com o da justiça

1NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p. 74. 2Id. Ibid., p. 76.

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laboral, o primeiro sinal de que a vontade contratual das partes, livremente manifestada,

nem sempre era suficiente para fazer a justiça almejada pela sociedade.

A contratação do trabalho humano subordinado, regulada pelo Direito Civil,

submetia-se ao denominado tripé principiológico de sustentação do contrato moderno que

compreende (i) a liberdade de contratar, (ii) o caráter obrigatório do contratado (pacta sunt

servanda) e (iii) a produção de efeitos restritos aos contratantes (relatividade dos efeitos do

contrato), inspirados nos dogmas fundadores do Estado liberal (individualismo, liberdade e

igualdade formal). A livre negociação, inclusive na esfera trabalhista, pressupunha a

igualdade dos protagonistas.

O Código Civil, de 1916, que já nasceu envelhecido, posto que, dentre outros

aspectos, não tivesse conteúdo alinhado com a então Revolução Industrial iniciada no

século XVIII, não assegurava, portanto, direitos aos trabalhadores, há muito atuando sob

novas condições, dentre elas o enfrentamento da substituição do trabalho manual pelo

mecânico.

Enquanto outros países se antecipavam na regulamentação dos contratos de

trabalho, a exemplo de Portugal e Itália, as leis laborais brasileiras continuariam, até a

década de 1940, sujeitas às regras civis, não acompanhando, dessa forma, a tendência

mundial de consolidar essa legislação especializada. Apenas nessa década de 1940, mais

precisamente no ano de 1943, por exigência das grandes modificações sociais

especialmente trazidas pelo crescimento econômico do empresariado, assim como em face

da ruptura com o Estado liberal que fomentava a autonomia da vontade, as leis laborais,

ganharam sua versão unificada e consolidada (Decreto-lei n. 5.452, de 01.05.1943)3,

significando assim extrema vitória da classe trabalhadora, antes jungida à autonomia da

vontade, cuja característica nuclear era a liberdade ilimitada de contratar, o que igualava os

contratantes e afastava a intervenção do Estado4.

No entanto, com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, que foi capaz de

tornar público o Direito Civil em face de seus valores sociais, em especial o da valorização

do trabalho (art. 170) e do trabalhador (art. 7º), iniciou-se uma reaproximação do Direito

do Trabalho com o Direito Civil, haja vista a crise nas relações laborais, por ainda estarem

sujeitas, e agora, por ironia, à CLT, promulgada faz 70 anos e que, portanto, necessita, há

3NALIN, Paulo. op. cit., p. 77-78. 4Id. Ibid., p. 108.

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muito tempo, de uma modernização que assegure aos trabalhadores direitos compatíveis

com a realidade do século XXI, pautado sobretudo pela globalização.

Esse fenômeno, ou seja, a reaproximação tida como um caminho de volta em busca

de suas origens dentro do Direito Civil, cuja reformulação promulgada em 2002 (novo

Código Civil) trouxe concepções contemporâneas, no que vem sendo chamado de Direito

Civil Constitucionalizado, tem sido tratado como a solução para o resgate das relações

trabalhistas5, com vistas à definitiva valorização da dignidade do contratante trabalhador.

A busca pela tutela do Estado levou o Direito do Trabalho a se afastar da sua origem civil e

contratual, que não respeitava a dignidade da pessoa humana.

Em última análise, o que se pretende aqui é verificar a concreção do novo Código

Civil no âmbito do Direito do Trabalho, concluindo pela compatibilidade ou não da

aplicação dos princípios da boa-fé objetiva, da equidade e da função social do contrato,

pela atual positivação deles no diploma civil promulgado em 2002. Isso porque a

segurança jurídica contemporânea não mais se concentra na intersubjetividade, mas na

premissa do equilíbrio econômico e na efetivação dos valores existenciais dos contratantes.

Antes de tudo, iniciaremos com um estudo mais detalhado acerca da autonomia da

vontade, da autonomia privada e de outros conceitos, a partir da releitura da Constituição

Federal de 1988.

1.1. Autonomia da vontade e autonomia privada

Jean-Jacques Rousseau, com sua teoria do contrato social, contribuiu, no plano

filosófico, para a teoria da autonomia da vontade, no seguinte sentido: o homem é

naturalmente livre; a vida em sociedade exige, todavia, um certo abandono desta liberdade,

mas este abandono não se concebe senão quando livremente consentido, nos limites e nas

condições que esse contrato social determinou6.

5MAZURKEVIC, Arion. Autonomia privada: a tentativa de reaproximação do direito do trabalho ao direito

civil. Disponível em: <www.internet-lex.com.br> citado por DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2010. p. 63.

6STARK, Boris. Obligations, Paris, Librairies Techniques, 1972, p. 341. Citado por AMARAL NETO, Francisco dos Santos. A autonomia privada como princípio fundamental da ordem jurídica: perpectivas estrututal e funcional. In: NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade (Orgs.). Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010. v. 1, p. 131.

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Com a filosofia de Kant, a autonomia da vontade adquiriu conotação dogmática,

passando a imperativo categórico de ordem moral: “a vontade individual é a única fonte de

toda obrigação jurídica”7. A própria expressão autonomia da vontade é tirada da obra

Crítica da razão prática.

A máxima positivação dessa autonomia surgiu na elaboração do Código francês,

que efetivou os princípios dela decorrentes da liberdade contratual, do consensualismo, da

força obrigatória do contrato e do efeito relativo do contrato. Na Alemanha e na Itália, o

notável desenvolvimento da doutrina deu ao princípio da autonomia da vontade um novo

significado, distinto do entendimento de alguns juristas, que passaram a considerá-lo,

objetivamente, como verdadeiro poder jurídico dos particulares, denominando-se, por isso,

autonomia privada, poder de estabelecer normas jurídicas individuais para regulamentar a

própria atividade jurídica.

A autonomia da vontade, conceitualmente, é o princípio do direito privado pelo

qual o agente tem a possibilidade de praticar um ato jurídico determinando-lhe o conteúdo,

a forma e os efeitos. Seu campo de aplicação é o direito obrigacional, aquele em que o

agente pode dispor de sua vontade como lhe aprouver, salvo norma em contrário.

Quanto ao poder que o particular tem de estabelecer as regras jurídicas de seu

próprio comportamento, não se está diante da autonomia da vontade, mas sim da

autonomia privada. Então temos: autonomia da vontade, como manifestação de liberdade

individual no campo do Direito, psicológica; e autonomia privada, como poder de criação,

nos limites da lei, de normas jurídicas.

Embora para parte da doutrina contemporânea a autonomia privada seja sinônimo

de autonomia da vontade, na visão de Francisco dos Santos Amaral Neto, essas autonomias

não se confundem, posto que a expressão autonomia da vontade tenha uma conotação mais

subjetiva, psicológica, enquanto que a autonomia privada marque o poder da vontade de

um modo objetivo, concreto e real8. Nesse sentido acentua também Arion Mazurkevic que,

do princípio da autonomia privada, se extrai uma noção realista e correta e que, portanto,

não pode ser sinônimo da autonomia da vontade do individuo, mas, apenas uma forma

jurídica e de legitimação da liberdade econômica, da liberdade de prosseguir o lucro, ou

então, de atuar segundo as conveniências de mercado. Assim sendo, as tendências do 7KANT, Emmanuel. Grundlung zur metaphysik der Sitten. Trad. de Paulo Quintela. São Paulo: Abril

Cultural, 1980. p. 144. Sobre a origem da expressão, cf. Veronique Ranouil. Citado por AMARAL NETO, Francisco dos Santos. op. cit., p. 132.

8AMARAL NETO, Francisco dos Santos. op. cit., p. 124-125.

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Direito moderno não vão contra o princípio da autonomia privada, porque este não se

identifica com o “dogma da vontade”9.

No Direito do Trabalho, a desigualdade material verificada nas partes influiu

decisivamente na limitação da autonomia privada, posto que não haja igualdade no

contrato formalizado entre desiguais, sem a proteção legal do mais fraco.

Nesse sentido, Enzo Roppo discorre sobre a origem das restrições em relação à

própria liberdade de contratar e afirma com muita propriedade que as condições de

trabalho em regra inerentes à disciplina e às sanções impostas ao trabalhador, muitas vezes

sequer conhecidas por ele davam corpo ao regulamento da fábrica, e que o mesmo

trabalhador, celebrando o contrato, implicitamente aceitava em bloco e se obrigava, sem

conhecer, a respeitá-lo. A situação socioeconômica do trabalhador o inferiorizava nessa

relação contratual; no entanto, ele era formalmente livre de celebrar ou não o contrato de

trabalho e de determinar o seu conteúdo. O trabalhador também contava com liberdade

formal e com poderes de autonomia contratual em posição de igualdade com a contraparte,

ficando legalmente vinculado ao contrato, ainda que sujeito ao arbítrio do empregador, que

modificava e acrescentava regras como lhe aprouvesse, tendo também como anteparo a

liberdade em suas decisões contratuais10.

Por fim, era imperiosa a necessidade de aplicação dos direitos e garantias

fundamentais inseridos na Constituição Federal de 1988 que revela os valores máximos da

sociedade entre as partes contratantes, como instrumento de delimitação da autonomia

privada, especialmente em países como o Brasil, onde os índices de opressão

socioeconômica são elevados. Nas relações pautadas pela desigualdade, o particular mais

poderoso encontra-se vinculado a outro particular, o trabalhador, por exemplo; mas, pelas

garantias constitucionais pode-se chegar facilmente à limitação da autonomia da vontade.

9MAZURKEVIC, Arion. A boa-fé objetiva: uma proposta para reaproximação do direito do trabalho ao

direito civil. In: DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GUNTER, Luiz Eduardo (Coords.). O impacto do novo Código Civil no direito do trabalho. 1. ed. São Paulo: LTr, 2003. p. 355.

10ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009. p. 320.

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1.2. Solidarismo e a tutela do trabalhador: um novo enfoque a partir da Constituição

Federal de 1988

O solidarismo contratual por certo deve escapar à concepção individual e egoísta. A

relação contratual solidária pressupõe o respeito aos interesses envolvidos, a propósito de

um fim comum e de uma indispensável medida de cooperação entre as partes.

Os doutrinadores italianos há muito se anteciparam ao discutirem o que

efetivamente se mostra relevante para o ordenamento privado no que tange ao solidarismo,

que é a linha entre a liberdade individual e a solidariedade, e afirmaram que independe da

existência de uma expressa regra jurídica, posto estar no ápice do ordenamento jurídico,

pelo qual o legislador obrigatoriamente deve analisar a presença da solidariedade como

postura dos sujeitos, fatalmente relacionando essa solidariedade à boa-fé.

Paulo Nalin muito bem sintetiza que, na contratação solidária, tendo como base a

leitura do Código Civil e a interpretação dos contratos à luz da Constituição Federal de

1988, é possível sustentar que, independentemente da escolha ideológica que se faça, a

melhor descrição da solidariedade deve estar voltada à verticalização dos interesses do

homem, sendo eficaz o suficiente para aniquilar as desigualdades subjetivas e regionais,

configurando-se como indissociáveis a solidariedade e a igualdade11.

A solidariedade constitucional, antes um valor do que propriamente um princípio,

encontra sua expressão máxima não apenas naquela extraída do art. 3º, inciso I, como

também, naquela decorrente do art. 1º, inciso III, que coloca como fundamento do Estado

Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana e na decorrente do art. 170, caput,

quando dispõe que a ordem econômica se funda na valorização do trabalho humano e na

livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da

justiça social. A Carta Magna impõe a dignificação do homem, a erradicação da pobreza e a

diminuição das diferenças sociais, devendo esses comandos constitucionais serem aplicados de

modo direto e irrestrito entre os sujeitos contratantes, tanto para a formação quanto para a

definição do negócio jurídico, mostrando-se imperiosa a colaboração entre eles.

Relativamente à tutela do trabalhador, sob o ponto de vista da solidariedade, ainda

que para alguns este não possa mais ser considerado hipossuficiente, a realidade, conforme

11NALIN, Paulo. op. cit., p. 177.

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explana Dallegrave12, mostra que o trabalhador nunca esteve tão debilitado

economicamente, o que justificaria uma tutela compensatória, quando da realização do

contrato de trabalho.

Ainda vivemos, embora alguns digam que não, a ideia de que o Direito do Trabalho

engessa as relações do trabalho, operando contra o desenvolvimento do país. Partindo desta

premissa, qual seja, de que as relações do trabalho estão sob a égide de uma legislação

anacrônica que atrapalha sobremaneira o progresso, as contratações laborais vêm se

tornando mais e mais uma relação flexível, muitas vezes pelas mãos do próprio legislador

ou até mesmo pelos próprios atos dos intérpretes do Direito.

Porém, o princípio da tutela ao contratante, que se encontra em posição de

inferioridade na relação contratual, ganhou relevo na nova teoria dos contratos que tem

positivado, desde 2002, com o novo Código Civil, a boa-fé objetiva. Este princípio, isto é,

da tutela do contratante, decorre do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, que assegura a

igualdade das pessoas, não apenas aquela meramente formal, mas em uma dimensão

solidária, capaz de reconhecer o valor do outro.

Como anteparo aos abusos que indiquem desprezo à hipossuficiência do

trabalhador existe a função social do contrato de trabalho, que mais a frente merecerá um

item, que opera de forma a obstaculizar as regras antigas que ainda fomentam a classe

empregadora, dentre elas, a de que a liberdade de contratar não encontra limites, sendo que

o limite é a própria função social do contrato.

1.3. Aplicação ou equiparação das regras contratuais civis no âmbito das relações do

trabalho

O Direito Civil não é antagônico ao Direito do Trabalho, pois, antes da

consolidação das leis laborais, em 1943, o Código Civil era o único ordenamento que

tratava das relações do trabalho.

Com o Código Civil de 2002, tampouco foi afetada a regra do parágrafo único, do

art. 8º, da CLT, que declara ser o direito comum fonte subsidiária do Direito do Trabalho,

naquilo em que não for incompatível com seus princípios fundamentais.

12DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 4.ed., p. 544.

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18

O comando previsto no artigo citado trata, sobretudo, das lacunas, mas, com a

promulgação do novo Código, com mais razão, os princípios do Direito Civil devem ser

aplicados nas relações do trabalho, uma vez que o magistrado tem em seu poder

ferramentas legais para aplicar os princípios, dentre eles, o da função social do contrato.

E, como bem lembra Amauri Mascaro Nascimento13, há países com sistemas

jurídicos mais evoluídos do que o do Brasil que aplicam parte do Código Civil diretamente

às relações de trabalho, nas quais há uma dupla fonte de Direito do Trabalho: a genuína

oriunda deste e a civilista, em especial nos contratos individuais e, de certo modo, nos

contratos coletivos. É o caso do Código Civil italiano que contém dispositivos que tratam

do ordenamento da categoria profissional; do exercício das profissões; do contrato coletivo

de direito comum que coexiste com o contrato coletivo erga omnes; do trabalho na

empresa; do conceito de empregador e colaboradores; e da constituição da relação de

trabalho, da retribuição, das obrigações do trabalhador e do empregador.

Contudo, como se aplicam ou se equiparam as regras civis nas relações do

trabalho? Qual o mecanismo para se operar a concretude das normas civis em relação aos

problemas enfrentados pelos trabalhadores, não alcançados satisfatoriamente pelo Direito

do Trabalho?

Inicialmente há que se dizer que a positivação do Direito foi uma conquista

evolutiva, da sociedade industrial, que permitiu um modelo de Direito capaz de ser

modificado segundo regras do próprio Direito. No entanto, apenas isso não foi suficiente

para a sociedade globalizada que hoje aí está, na medida em que ela exige cláusulas gerais

que permitam as modificações no Direito em níveis muito mais abstratos. A sociedade

globalizada cria problemas ou então constrói chances de outras regulações, nos fazendo

concluir que o direito privado não é mais aquele sistema de soluções jurídicas entre as

partes, embora isso ainda seja o cerne da questão. O direito privado, no contexto global,

ganha novos contornos e possibilidades de instrumentalização, sendo as cláusulas gerais

apenas uma das formas de aproximação deste (no nosso caso, Direito Civil) com os demais

13NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Palestra proferida no Ciclo de Palestras sobre o Novo Código Civil,

realizado no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, promovido pela EMATRA XV – Escola da Magistratura da Justiça do Trabalho da 15ª Região, AMATRA XV – Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª Região, AAT-SP – Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo e AATC – Associação dos Advogados Trabalhistas de Campinas, em 02.03.2003.

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19

ramos do Direito, no sentido de aplicação de suas regras em busca de um resultado mais

justo14.

1.3.1. Cláusulas gerais: efeitos e consequências de sua aplicação

As cláusulas gerais, a constitucionalização do direito privado, a boa-fé e a função

social são utilizadas no sentido de dar dimensão ao direito privado. De duas formas vemos

as cláusulas gerais atuarem, seja como meio para dar fluidez a valores constitucionais no

direito privado, seja como solução para os problemas de unidade sistemática de institutos

jurídicos híbridos.

O sistema aberto das cláusulas gerais nos permite, sobretudo, a valorização da

interpretação do Direito de acordo com as exigências de justiça nos casos concretos. As

cláusulas gerais cumprem, efetivamente, a função de integração no Direito, de unificação

da multiplicidade de microssistemas normativos autônomos. Elas solucionam problemas

estruturais do sistema jurídico e disponibilizam valores e programas capazes de garantir

maior nível de atualização das decisões jurídicas à realidade. Depreende-se assim que as

cláusulas gerais não apenas desempenham uma função, como também se destinam a

possibilitar conexões aos direitos civis, dentro de um contexto de sociedade globalizada15.

Para Nalin, o primeiro passo para a compreensão dessa nova metodologia, que

envolve a leitura do Direito Civil à luz da Constituição Federal de 1988, está na própria

regra jurídica, em sentido mais amplo, passando da técnica legislativa do tipo hermético

(preceito e sanção) às clausulas gerais, abrangentes e abertas. O modelo fechado, preceito e

sanção, consagrado pela configuração normativa do Código Civil de 1916 (estrutura

codificadora) não se coaduna com as inevitáveis tendências sociais16.

Também no viés mencionado, Judith Martins-Costa, citando Norberto Bobbio,

afirma que o problema dos direitos fundamentais não é sua fundamentação, mas sua

realização. A partir dessa colocação, a autora entende que a expansão dos direitos

fundamentais no âmbito do direito privado deverá se dar pela via do Código Civil. 14SIMIONI, Rafael Lazzarotto; FERRONATTO, Rafael Luiz; FERRETO, Karine. Cláusulas gerais e

sensibilidade comunicativa: direitos fundamentais privados na sociedade global. In: NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade (Orgs.). Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010. v. 1, p. 312.

15Id. Ibid., p. 313. 16NALIN, Paulo. op. cit., p. 34.

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Martins-Costa, contudo, afasta, não por eventual falta de importância, mas sim pela

busca essencial de uma discussão envolvendo a legislação civil, o debate sobre a eficácia

dos direitos fundamentais nas relações privadas, no que diz respeito a sua esquematização,

que vai além da eficácia vertical (ligando o Poder Público aos direitos fundamentais),

chegando até a uma eficácia horizontal (ligando os particulares entre si). Nesse caso, sendo

a eficácia mediata ou imediata, ou também eficácia externa ou horizontal, ligando os

particulares entre si, estes poderão recorrer diretamente a esses direitos fundamentais nas

suas relações mútuas, de modo que a uma pessoa, em razão de seu direito fundamental,

possa se opor ao direito de outra pessoa. Conforme mencionado, essa esquematização

vertical e horizontal e respectivo aprofundamento são afastados pela autora, posto que a

proposta, até mesmo pelo nível de praticidade que se pretende dar ao assunto, seja a busca

das virtudes no novo Código Civil, a fim de que ele atue como receptor dos direitos

fundamentais, para enfim construir uma nova noção de pessoa humana17.

Dessa forma, pode-se dizer que as cláusulas gerais alcançaram a posição de

equivalentes funcionais dos direitos fundamentais, da mesma forma que os direitos

fundamentais foram os freios do poder do Estado em face dos cidadãos. As cláusulas

gerais são os novos direitos fundamentais dos cidadãos em face não apenas do poder

estatal, como também do poder empresarial, nas relações de cunho privado.

No que tange aos direitos fundamentais, vale lembrar que a doutrina portuguesa

entende que esses direitos devem estar a favor dos cidadãos e que o Estado não deve ser

considerado inimigo público, ao contrário: os poderes públicos, além de respeitar, devem

igualmente fazer respeitar esses interesses fundamentais. De acordo com o pensamento de

Vieira de Andrade:

“(...) torna-se patente que os indivíduos não estão isoladamente contrapostos ao Estado como pressupunham as teorias liberais-burguesas. A área da sociedade deixa de ser (ou de poder ser vista como) o palco de atuações individuais, à medida que se verifica a profunda diversificação e imbricação entre os interesses das pessoas e se multiplica a atividade dos partidos e dos grupos de interesse – sindicatos, associações patronais, igrejas, grupos económicos, associações cívicas, profissionais, desportivas etc. – que dispõem, cada vez mais, de elevado poder social e político.

Neste contexto já é possível pôr-se o problema da validade dos direitos fundamentais nas relações entre sujeitos privados.

17MARTINS-COSTA, Judith. Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil. In:

SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, direitos fundamentais e direito privado. 2. ed. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2006. p. 64-65.

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21

(...)

(...) em primeiro lugar, afirma-se que os direitos fundamentais como princípios e valores constitucionais não podem deixar de aplicar-se em toda a ordem jurídica e, portanto, também nas áreas do direito privado (princípio das unidades do ordenamento jurídico); em segundo lugar, põe-se em relevo a necessidade de proteção dos particulares não apenas perante o Estado, mas também, através do Estado, perante outros particulares, pelo menos, perante indivíduos ou entidades privadas que sobre eles exercem ou estão em condições de exercer verdadeiros poderes, jurídicos ou de facto”18.

Sobre as cláusulas gerais, Vieira de Andrade entende que na hipótese de não existir

uma norma legal que regule diretamente a situação, não fica o juiz desprovido da

possibilidade de atender aos preceitos constitucionais para definir a “norma de decisão” do

caso. Deve o juiz, se for o caso, recorrer aos conceitos abertos próprios do direito privado e

preenchê-los com a ajuda dos valores constitucionais. As normas de direito privado que

trazem as cláusulas gerais permitem à jurisprudência graduar, dentro de certos limites, a

influência dos princípios constitucionais, em uma perspectiva de adequação social, na

medida em que se exige, em muitos casos, a restrição da liberdade de cada indivíduo para a

defesa da liberdade e da dignidade de outros homens19.

Diante desse panorama, não é demais dizer, que o modelo de relacionamento entre

o Código Civil e a Constituição Federal brasileira de 1988, que era basicamente formal,

hierarquizado e não-dialético, hoje em dia é inteiramente diverso. E, por esse aspecto

formal, assim como pelo princípio da hierarquia das leis, a Constituição e o Código Civil

andavam paralelos, tinham objetivos diferentes, como diversas eram as matérias que

continham, sendo que a Constituição tratava dos interesses do Estado e o Código Civil, dos

interesses dos indivíduos. Era o modelo da incomunicabilidade.

Atualmente, viabilizada a comunicação e, por conseguinte, a complementariedade

entre o Código Civil e os direitos fundamentais constitucionais, ficou garantida a

interpretação (com a construção de significados) de novos fatos sociais, provocada pela

sociedade de massa20, de novas concepções e de um significado mais abrangente do que

vem a ser pessoa humana com a consequente expansão em direção aos direitos de

18VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos fundamentais na Constituição portuguesa de 1976. 5. ed.

Coimbra: Almedina, 2012. p. 232-233. 19Id. Ibid., p. 253-257-258. 20Com base na doutrina de Engels, pela qual quantidade modifica qualidade, Vieira de Andrade cita que a

sociedade de massa mudou a qualidade das liberdades e mudou a própria ideia que dela temos: já não basta a liberdade formal, porque ela é meramente fictícia para uma imensa quantidade de pessoas. Id. Ibid., p. 240.

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personalidade. Referida comunicação foi possível diante da abertura propiciada pelas

cláusulas gerais, restando então modificada inteiramente a questão da eficácia dos direitos

fundamentais nas relações interprivadas.

“Os direitos fundamentais continuam previstos no art. 5º, da Constituição Federal de 1988, ocorre que, perante todas as transformações até agora citadas, apenas como um dos exemplos, temos o direito à privacidade, que pode ser oposto pelo hipossuficiente, tendo em vista a constitucionalização do direito civil, e a reflexibilização interpretativa das regras nele postas, por meio da técnica de cláusulas gerais, a exemplo do seu art. 421, quando versa sobre a função social do contrato, e seu art. 422, quando impõe o regime de boa-fé objetiva, princípios a serem analisados mais adiante".

Convém lembrar que a Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, hoje

denominada Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro21, já continha cláusulas

gerais, não sendo, portanto, a sua existência nenhuma novidade no sistema. No entanto, elas

eram observadas e utilizadas, pelo meio jurídico, apenas como normas em branco ou conceitos

indeterminados (bem comum, fins sociais etc.).

Ao mencionar as cláusulas gerais, já previstas na Lei de Introdução ao Código Civil

de 1942, como normas em branco ou conceitos indeterminados, Nelson Nery Junior admite

estar nosso Código Civil repleto dessas cláusulas, que para o sistema se caracterizam como

fonte de direito e de obrigações. Nery admite que, para a solução dos problemas, seria

necessária a atuação conjunta, com verdadeira interação entre as cláusulas gerais, (i) dos

princípios gerais do Direito – que norteiam o juiz na interpretação da norma e têm como

função principal auxiliar o juiz no preenchimento de lacunas; (ii) dos conceitos legais

indeterminados – a solução está na norma, mas pelas palavras ou expressões indicadas na

lei, de conteúdo e extensão altamente vagos, imprecisos e genéricos, caberá ao juiz

preencher os claros, porém, sem exercer função criadora; (iii) e dos conceitos determinados

pela função – no conteúdo da lei está implícita a determinação funcional do conceito e

assim o juiz deverá dar concreção a esses conceitos22.

21Lei n. 12.376/2010. 22NERY JUNIOR, Nelson. Contratos no Código Civil: apontamentos gerais. In: FRANCIULLI NETTO,

Domingos; MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O novo Código Civil: homenagem ao Professor Miguel Reale. 2. ed. São Paulo: LTr. 2006. p. 425-428.

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23

CAPÍTULO II. PRINCÍPIOS DO DIREITO CONTRATUAL

APLICÁVEIS AO CONTRATO DE TRABALHO

Assim como no Código Napoleônico, as regras dos contratos em nosso Código

Civil, cuja estrutura está em livros autônomos, foram desenvolvidas no âmbito dos direitos

das obrigações, ainda que contratar seja a expressão da liberdade.

O contrato é a figura mais significativa do negócio jurídico (expressão da vontade

do homem nas relações jurídicas) e, nas palavras de Orlando Gomes, o contrato é uma

espécie de negócio jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo

menos de duas partes. Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral.

Etimologicamente, negócio significa em latim nec octium, ou seja, não ócio, o que

aproxima o seu sentido com a noção de atividade econômica23.

Dallegrave levanta a questão sobre enquadrar-se ou não o contrato de trabalho no

conceito de negócio jurídico, no momento em que a vontade é manifestada com reserva

pelas partes. Para alguns doutrinadores, a vontade aqui é inexistente e, nesse sentido,

Dallegrave cita Eduardo Bacarat, pois este sustenta que a vontade de que tratam os artigos

442 e 443, ambos da CLT, não é a vontade individual de empregado ou empregador, mas

aquela que decorre da sociedade, da relação social concreta. Para este doutrinador,

portanto, o contrato de trabalho não é negócio jurídico, porque para a sua formação não

existe vontade das partes. Esse pensamento tem fundamento no viés marxista, no sentido

de que o Direito não pode ser explicado pela vontade, mas sim pelas relações sociais24.

Nesse contexto, nos deparamos com o processo de limitação da vontade que segue

na contramão do modelo clássico da autonomia da vontade. Dallegrave cita Pietro

Perlingieri, precursor da doutrina civil-constitucionalista:

“ (...) a base da concepção voluntarista reside, frequentemente, de modo somente tendencial, a liberdade de regular por si as próprias ações ou, mais precisamente, de permitir a todos os indivíduos envolvidos em um comportamento comum determinar as regras daquele comportamento através de um entendimento comum. E além disso, quanto ao envolvimento de todos os indivíduos, posto que em verdade presente está de forma escusa o liberalismo econômico e a tradução em regras jurídicas de relações de força mercantil. Perlingieri entende que a mudança dessa

23LOTUFO, Renan. Teoria geral dos contratos. In: LOTUFO, Renan; NANINI, Giovanni Ettore (Coords.).

Teoria geral dos contratos. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 1-7. 24DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 4.ed., p. 57.

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concepção na hierarquia constitucional dos valores, onde a liberdade não se identifica com a iniciativa econômica: a liberdade da pessoa, e a consequente responsabilidade, ultrapassa e subordina a si mesma a iniciativa econômica25.

O Código Civil de 2002 adota a teoria do negócio jurídico; exemplo disso são seus

artigos 113, 187, 421 e 422.

Não se pode negar que estamos diante de nova concepção negocial, de acordo com

a qual, a vontade das partes produz efeitos limitados, prevalecendo cada vez mais a figura

do contrato dirigido. Significa dizer que é a mudança da jurisprudência dos interesses para

a jurisprudência dos valores, ou seja, é a passagem da autonomia privada para o

solidarismo contratual26.

Parte da doutrina vinculou os contratos com a teoria da vontade, mas com a

profunda modificação política e econômica, relações jurídicas deixaram de ficar atreladas

ao individualismo e consequentemente se desvincularam também as relações contratuais da

vontade das partes.

Os diversos códigos posicionam autonomamente o conceito de contrato, a exemplo

do Código Civil italiano que regula a matéria nos artigos 1.321-1.469, no título “I contratti

in generale”, e, assim sendo, o contrato é visto de modo uniforme e formal, com a

possibilidade de versar sobre qualquer conteúdo. Abandonou-se, dessa maneira, a regra dos

contratos específicos, posto não trazerem resultados positivos, e começou a se buscar o que

passou a ser denominado de teoria geral dos contratos.

A teoria geral dos contratos não tem qualquer definição expressa ou ainda

características básicas dispostas nos ordenamentos jurídicos codificados, mas, a sua regra,

embora não o integre, tem como foco o direito positivo, posto ser entendido como o

desenvolvimento da ciência do Direito, uma metalinguagem sobre a linguagem do direito

positivo.

Do voluntarismo ligado ao liberalismo até a atual valorização do social, tem-se que

os princípios originais remanesceram e outros princípios passaram a integrar a teoria geral

dos contratos. Em razão desse avanço na teoria geral do direito privado, foi necessária a

25DALLEGRAVE NETO, José Affonso. op. cit., p. 58. 26Id. Ibid., p. 56-59.

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modificação de nosso direito positivado, razão pela qual o Código Civil de 2002 trouxe

vários princípios ausentes no Código de 191627.

Atualmente, pela forte incidência de princípios no Direito Civil, até mesmo em

razão de sua constitucionalização, onde facilmente se verifica, inclusive, o afastamento

pelo magistrado de regras expressas para a aplicação de princípios, tornou-se superada a

questão sobre a normatividade dos mesmos. Mas no caso dos princípios contratuais, a

situação é um pouco mais peculiar, uma vez que, pelo Código Civil de 2002, muitos

princípios foram positivados, a exemplo da função social do contrato, da boa-fé objetiva e

do equilíbrio econômico28.

Sob o aspecto laboral, há que se lembrar que o Direito do Trabalho é resultado de

uma conquista humana, consequência da luta por melhores condições trabalhistas, para

assim resguardar a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e a vedação da

discriminação, buscando a igualdade do hipossuficiente por meio de efetiva proteção.

Nesse sentido, Kant, já antevendo a concepção de dignidade da pessoa humana,

considerava o ser humano um fim em si mesmo e não uma mercadoria. Dessa forma, a

dignidade do trabalhador constitui fundamento do Direito do Trabalho e assim pode ser

definido, a partir de critérios subjetivos, objetivos e mistos, levando-se em conta os sujeitos

envolvidos e o conteúdo da matéria sob análise.

Desse modo, nada mais coerente do que a interação entre o Direito Constitucional e

o Direito Civil, que trouxe para o novo Código a positivação dos princípios constitucionais

de valorização social, implicando a aplicação desses princípios ao contrato de trabalho,

posto que o valor social do trabalho, a função social do contrato e a livre iniciativa, de

forma geral, sejam elementos constitucionais definitivos na busca da almejada justiça

social.

Segundo Fábio Lucas T. de Menezes A. Sandim, citando Rafael da Silva Marques,

“o capital humano deixa de ser o centro dos debates econômicos, devendo-se voltar para o aspecto, quem sabe subjetivo, da força produtiva humana (...). A livre iniciativa, bem como compreendida, além de reunir os alicerces e fundamentos da ordem econômica, também deita raízes nos direitos fundamentais. É daí que surge a observação de que as leis restritivas da livre iniciativa, vale dizer, aquelas que asseguram o acesso

27LOTUFO, Renan. Teoria geral dos contratos. In: LOTUFO, Renan; NANINI, Giovanni Ettore (Coords.).

Teoria geral dos contratos. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 8-10. 28MACHADO DE MELO, Diogo Leonardo. Princípios do direito contratual: autonomia privada,

relatividade, força obrigatória, consensualismo. In: LOTUFO, Renan; NANINI, Giovanni Ettore (Coords.). Teoria geral dos contratos. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 67-68.

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de todos ao livre exercício de profissão e ofício, devem observar o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, funcionando como uma espécie de limite negativo ao legislador, fazendo valer a dignidade da pessoa humana, art. 1º, III, da Carta de 1988”29. (grifo nosso)

Finalizando aqui a introdução, no que se refere aos princípios do direito contratual

aplicáveis ao Direito do Trabalho, há que se ressaltar ainda que as chamadas cláusulas

gerais, já mencionadas em capítulo anterior, não podem ser confundidas com os princípios

gerais do Direito, no sentido de que estes não integram propriamente o ordenamento, mas

são pressupostos de caráter lógico, ético, religioso, político ou ideológico, que servem de

diretriz para a interpretação das leis30.

As cláusulas gerais, e agora sob o ponto de vista processual para uma melhor

compreensão prática, têm como finalidade remeter o juiz a critérios aplicativos, mediante

variáveis tipológicas sociais, dos usos e costumes vigorantes em determinado contexto

social.

O principal destinatário da cláusula geral é, certamente, o juiz, já que tem a difícil

missão de adequar o caso concreto ao modelo legislativo aberto, sendo que ao julgador

destina-se igualmente a prova31.

Nesse sentido, a sábia advertência de Ruy Rosado de Aguiar:

“as normas cujo grau de vagueza é mínimo implicam seja dado ao juiz o poder de estabelecer o significado do enunciado normativo; já no que respeita às normas formuladas através de cláusula geral, compete ao juiz um poder extraordinariamente mais amplo, pois não estará tão-somente estabelecendo o significado do enunciado normativo, mas por igual, criando direito, ao completar a ‘fattispecie’ e ao determinar ou graduar as consequências”32.

29SANDIN, Fábio Lucas Telles de Menezes Andrade. A função social do contrato no direito do trabalho. São

Paulo: Revista LTr, São paulo, ano 74, v. 9, p. 1097-1099, set. 2010. 30COELHO, Luciano Augusto de Toledo. Responsabilidade civil pré-contratual em direito do trabalho. 1.

ed. São Paulo: LTr. 2008. p. 69. 31MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva. 2002.

p. 119. 32AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Discurso proferido por ocasião do lançamento do livro “A boa-fé no

direito privado” de autoria de Judith Martins-Costa. Rio Grande do Sul, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 29 nov. 1999. Acervo pessoal do autor. Apud HENRIQUES FILHO, Ruy Alves. As cláusulas gerais e seus reflexos processuais. Disponível em: <www.fagundescunha.org.br/amapar/revista/artigos/ruy_clausulas.doc>.

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2.1. Função social do contrato

O tema a ser abordado aqui, como preliminar de entendimento do que virá a seguir,

é a funcionalização de um instituto jurídico, no caso o contrato e a sua função.

Em nosso país, a função social do contrato vem positivada no novo Código Civil

em seu art. 421, segundo o qual “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos

limites da função social do contrato”. Um dos motivos determinantes desse mandamento

resulta da Constituição Federal de 1988, a qual, nos incisos XXII e XXIII do art. 5º,

salvaguarda o direito de propriedade que “atenderá a sua função social”. Ora, a realização

da função social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos

contratos, cuja conclusão e exercício não interessam somente às partes contratantes, mas a

toda a coletividade.

Forçoso relembrar que o atual Código Civil é um sistema aberto, ou seja, cabe ao

juiz a interpretação e a aplicação dos dispositivos legais – maior liberdade de decisão –,

principalmente àqueles que possuem as cláusulas gerais. A função social do contrato é a

porta de entrada do direito contratual conforme prevê o art. 421, citado, sendo um conceito

jurídico indeterminado. Aliás, a maneira pela qual um direito é exercido também é

determinante para sua licitude (art. 187 do Código Civil) e para consideração de ser digno

de tutela jurídica.

A doutrina italiana, nesse particular representada por Pietro Barcellona, citado por

Paulo Nalin33, declara que o contrato, assim como a propriedade e a família, sempre teve

suas próprias funções, ora em razão da conservação do poder econômico em favor de

alguma classe social (propriedade à burguesia), ora em tutela da família legalmente

permitida (matrimônio) e não de qualquer outra.

“Funcionalizar é, sobretudo, atribuir ao instituto jurídico uma utilidade ou impor-lhe um papel social, (...) atinentes à dignidade da pessoa humana e à redução das desigualdades culturais e materiais”34.

Nalin entende que não é simples a opção pela funcionalização ou conceito de

função social, posto ser uma visão contemporânea que encontra resistência entre os mais

dogmáticos, uma vez que, nessa abordagem moderna, o homem vale mais do que a 33NALIN, Paulo. op. cit., p. 213. 34Id. Ibid., p. 215.

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estrutura, e as respostas nem sempre estão no Código. A orientação progressista da

funcionalização já está indicada na própria Constituição Federal de 1988, quando trata do

tema da propriedade, marco maior do Estado Liberal e do desejo burguês de ascensão

social, atualmente condicionada a sua utilidade social. Sendo assim, indispensável a

abertura do sistema civil e do próprio sistema jurídico.

A funcionalização do instituto, não apenas do contrato, mas, dentre outros, da

propriedade, surge nesse novo modelo de Estado de Direito, agora adjetivado como social,

notadamente pela experiência europeia de Weimar35, ao determinar o uso menos egoístico

da propriedade e da autonomia contratual, tornando-o mais solidário. Entenda-se então, por

função social, o que não é individual, o que se adequa à justiça social em volta do coletivo,

do bem comum e do bem-estar econômico coletivo36. Mas, nem sempre a doutrina se

concilia nesse sentido, qual seja, de que a função social é aquela que não é individual.

Arnoldo Wald37 pondera que a função social do contrato não deve afastar a sua função

individual e o seu conteúdo econômico, de fato, cabendo conciliar os interesses das partes

e da sociedade e, sendo assim, embora exercendo uma função social, constituem direitos

adquiridos (art. 5º, XXXVI, da CF/1988) e gozam, nos termos da Constituição Federal de

1988, da proteção do devido processo legal substantivo (art. 5º, LIV, da CF/1988). Em

virtude do mesmo, ninguém pode ser privado dos seus bens e de seus direitos.

Ainda segundo Wald, é de se lembrar que a função social do contrato não deve ser

interpretada como proteção especial do legislador em relação à parte economicamente mais

fraca e, tampouco, prestigiar a parte mais poderosa da relação. Significa a manutenção do

equilíbrio contratual e o atendimento dos interesses superiores da sociedade que, em

determinados casos, podem não coincidir com os do contratante que aderiu ao contrato e

que, dessa maneira, não exerceu plenamente sua liberdade contratual. A ideia básica é

assim o atendimento dos interesses seja da própria sociedade, seja de um grupo de

interessados, seja de um dos contratantes que não pode sofrer as consequências de um

comportamento abusivo do outro38.

35Constituição Republicana alemã de 1919 (Constituição de Weimar). A constituição alemã de 1949

incorporou, ipsis verbis, a disposição da Carta de Weimar relativa ao princípio da função social do contrato. 36NALIN, Paulo. op. cit., p. 215-217. 37WALD, Arnold. O novo Código Civil e o solidarismo contratual. In: NERY JR., Nelson; NERY, Rosa

Maria de Andrade (Orgs.). Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. 2. tir. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010. p. 102.

38Id. Ibid., 103.

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29

A função social do contrato, seja ela considerada princípio, seja considerada

cláusula geral, juntamente com os princípios da boa-fé e do equilíbrio econômico

compõem a nova hermenêutica do direito contratual. Eles devem ser interpretados em

conjunto e dentro da nova ordem social – a ótica individualista substituída pela promoção

do bem-estar coletivo.

2.1.1. Função social do contrato de trabalho

Conforme já observado, a função social do contrato não está prevista na

Constituição Federal de 1988, mas sim, a função social da propriedade, prevista nos artigos

5º, XXIII, 186, 182, §2º e 170, III, da Carta Magna. Fica implícita, portanto, a previsão da

função social do contrato, uma vez que constitui desdobramento da livre iniciativa, assim

como também instrumento de circulação de riquezas e de negócios jurídicos atinentes à

propriedade.

A doutrina, como se verifica, não uniformizou o entendimento quanto à natureza da

função social do contrato, posto que haja quem a compreenda como um princípio e quem a

julgue se tratar de cláusula geral, que possibilita a capacidade interpretativa e a

progressividade da jurisprudência e, tudo isso, no entanto, sem perder sua força

principiológica. Nesse sentido, para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona, a função

social do contrato é, antes de tudo, um princípio jurídico de conteúdo indeterminado, do

qual se reconhece o efeito de impor limites à liberdade de contratar, em prol do bem

comum; porém, Gagliano e Pamplona também reconhecem que a função social do contrato

se traduz com cláusulas gerais, pela sua dicção normativa indeterminada39.

No que tange à aplicação do art. 421 do Código Civil e outras disposições relativas

à função social do contrato, não há qualquer polêmica quanto à aplicação desse dispositivo

no Direito do Trabalho, justamente por este visar à igualdade real e à tutela coletiva, em

consonância com o art. 8º da CLT. Referido artigo consolidado dá margem ao intérprete,

na ausência de fundamento legal, para utilizar princípios jurídicos ou de outras fontes,

sempre em busca de uma conclusão justa ao caso concreto.

39GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. 4. ed. São Paulo:

Saraiva, 2008. t. 1, v. 4, p. 44-48.

Page 31: Responsabilidade civil pré-contratual e pós-contratual no ... Cristina... · aplicação da teoria da responsabilidade civil no contrato de trabalho, mantermos algumas considerações

30

A função social tem aplicação tanto no direito individual do trabalho como também

no direito coletivo do trabalho, pois os aspectos objetivos, nos dois casos, vinculam

sujeitos envolvidos, embora cada situação contenha peculiaridades. A função social do

contrato de emprego indica que a autonomia privada está adstrita à tutela da coletividade, o

que exige a preservação da dignidade do trabalhador e dos direitos humanos e

fundamentais, assim como impede condutas abusivas, nas tratativas, na execução e na

extinção contratual. De fato, no âmbito do direito coletivo do trabalho, os pactos

celebrados também devem observar a função social, o que exige a ausência de cláusulas

que contrariem os interesses da coletividade40.

A função social da convenção ou acordo coletivo, primeiro, deve buscar a

integralidade da comunidade, observando-se todo o espaço nacional, e, depois, os próprios

representados pelo sindicato. Assim, a função social do contrato ou da negociação coletiva

também se apresenta pela contraposição entre valores coletivos e valores individuais (ainda

que coletivizados pelo sindicato), como fator de liberdade para contratar. Dessa forma, o

estabelecido em cláusulas de convenções coletivas, mesmo que livremente firmadas entre

as partes (entidades representativas do capital e trabalho), mas contrárias aos interesses da

coletividade, não pode ser considerado como cumpridor de sua função social41.

No âmbito da dispensa coletiva ou em massa, é imprescindível a observância da

função social da propriedade e da função social do contrato, razão pela qual a dispensa

deve apresentar justificativas econômicas, financeiras, técnicas ou estruturais, bem como

deve ser precedida de negociação coletiva. Por conta da falta de previsão legal, a dispensa

coletiva estaria inserida no direito potestativo do empregador, assim como a despedida

individual.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região decidiu em sede de dissídio coletivo

de greve que a empresa, no caso de dispensa coletiva, deve adotar a negociação coletiva

com a estipulação de medidas progressivas e de critérios objetivos de menor impacto

social, tais como: (i) adoção de plano de demissão voluntária; (ii) aproveitamento de

empregados para outras unidades do grupo econômico; (iii) redução de jornada de trabalho

com capacitação e requalificação profissional na forma da lei; e (iv) quando inevitável, a

distribuição da despedida no tempo, de forma a alcançar preferencialmente os

40SANDIN, Fábio Lucas Telles de Menezes Andrade. op. cit., p. 1101. 41SOUZA, Rodrigo Trindade de. Função social do contrato de emprego. São Paulo: LTr, 2008. p. 164.

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trabalhadores em vias de aposentadoria e aqueles com menores encargos familiares

(Processo TRT-SP – SDC n. 20281.2008.000.02.00.1 – ementa transcrita)42.

ACÓRDÃO Nº:SDC - 00002/2009-0

PROCESSO Nº:20281200800002001

Dissídio Coletivo de Greve

SUSCITANTE: AMSTED MAXION FUNDIÇÃO E EQUIPAMENTOS FERROVIÁRIOS S/A.

SUSCITADO: SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS, MEC. ÂNICAS E DE MATERIAL ELÉTRICO DE OSASCO, CARAPICUÍBA, COTIA, BARUERI, JANDIRA, ITAPEVI, PIRAPORA DO BOM JESUS, SANTANA D. O

PARNAÍBA, EMBU, ITAPECERICA DA SERRA, TABOÃO DA SERRA E VA. RGEM GRANDE PAULISTA E DE TERCEIROS NÃO IDENTIFICADOS.

EMENTA: DESPEDIDA EM MASSA. NULIDADE. NECESSIDADE DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. GREVE DECLARADA LEGAL E NÃO ABUSIVA. Da greve. Legalidade. 1. A greve é maneira legítima de resistência às demissões unilaterais em massa, vocacionadas à exigir o direito de informação da causa do ato demissivo massivo e o direito de negociação coletivo.

Aplicável no caso os princípios da solução pacifica das controvérsias, preâmbulo da CF; bem como, art. 5º, inciso XIV, art. 7º, XXVI, art. 8º, III e VI, CF, e Recomendação 163 da OIT, diante das demissões feitas de inopino,sem buscar soluções conjuntas e negociadas com Sindicato. Da despedida em massa. Nulidade. Necessidade de procedimentalização. 1. No ordenamento jurídico nacional a despedida individual é regida pelo Direito Individual do Trabalho, e assim, comporta a denúncia vazia, ou seja, a empresa não está obrigada a motivar e justificar a dispensa, basta dispensar, homologar a rescisão e pagar as verbas rescisórias. 2. Quanto à despedida coletiva é fato coletivo regido por princípios e regras do Direito Coletivo do Trabalho, material e processual. 3. O direito coletivo do trabalho vem vocacionado por normas de ordem pública relativa com regras de procedimentalização. Assim, a despedida coletiva, não é proibida, mas está sujeita ao procedimento de negociação coletiva.

Portanto, deve ser justificada, apoiada em motivos comprovados, de natureza técnica e econômicos e ainda, deve ser bilateral, precedida de negociação coletiva com o Sindicato, mediante adoção de critérios objetivos. 4.É o que se extrai da interpretação sistemática da Carta Federal e da aplicação das Convenções Internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil e dos princípios Internacionais constante de Tratados e Convencões Internacionais, que embora não ratificados, têm força principiológica, máxime nas hipóteses em que o Brasil participa como membro do organismo internacional como é o caso da OIT. Aplicável na solução da lide coletiva os princípios: da solução pacífica das controvérsias previsto no preambulo da Carta Federal; da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, e da função social da

42SANDIN, Fábio Lucas Telles de Menezes Andrade. op. cit., p. 1102.

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empresa, encravados nos artigos 1º, III e IV e 170 "caput" e inciso III da CF; da democracia na relação trabalho capital e da negociação coletiva para solução dos conflitos coletivos, conforme previsão dos arts. 7º, XXVI, 8º, III e VI e artigos 10 e 11 da CF bem como previsão nas Convenções Internacionais da OIT, ratificadas pelo Brasil nºs: 98, 135 e 154. Aplicável ainda o princípio do direito à informação previsto na Recomendação 163,da OIT, e no artigo 5º, XIV da CF. 5. Nesse passo deve ser declarada nula a dispensa em massa, devendo aempresa observar o procedimento de negociaçãocoletiva, com medidas progressivas de dispensa e fundado em critérios objetivos e de menor impacto social, quais sejam: 1º- abertura de PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA; 2º- remanejamento de empregados para as outras plantas do grupo econômico; 3º- redução de jornada e de salário; 4º- suspensão do contrato de trabalho com capacitação e requalificação profissional na forma da lei; 5º- e por último mediante negociação, caso inevitável, que a despedida dos remanescentes seja distribuída no tempo, de modo minimizar os impactos sociais, devendo atingir preferencialmente os trabalhadores em vias de aposentação e os que detém menores encargos familiares.43

No entanto, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do

Trabalho, em acórdão de 2009, por maioria, decidiu não ser abusiva a dispensa coletiva de

empregados, posto ser pacífica a jurisprudência nesse sentido. Contudo, de forma

inovadora, fixou para casos futuros que a negociação coletiva é imprescindível para a

dispensa em massa de trabalhadores, embora toda a fundamentação do acórdão seja pela

construção de uma matriz jurídica adequada à massividade dos danos e pretensões

característicos de uma sociedade contemporânea. A corte também entendeu que, pelo

Estado Democrático de Direito, de um regime de império da norma jurídica (e não do

poder incontrastável privado), de uma sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar

social e de respeito à dignidade da pessoa humana, repele-se a dispensa massiva de pessoas

que abale a empresa, a cidade e toda uma região (Processo RODC – n. 309/2009-000-15-

00-4; data de julgamento: 09/08/2009; relator Ministro Mauricio Godinho Delgado; Seção

Especializada em Dissídios Coletivos; data de divulgação: DEJT 04/09/2009).

Ementa:

RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. DISPENSAS TRABALHISTAS COLETIVAS. MATÉRIA DE DIREITO COLETIVO. IMPERATIVA INTERVENIÊNCIA SINDICAL. RESTRIÇÕES JURÍDICAS ÀS DISPENSAS COLETIVAS. ORDEM CONSTITUCIONAL E INFRACONSTITUCIONAL DEMOCRÁTICA EXISTENTE DESDE 1988. A sociedade produzida pelo sistema capitalista é, essencialmente, uma sociedade de massas. A lógica de funcionamento do sistema econômico-social induz a concentração e centralização não apenas de riquezas, mas também de

43Ementa retirada do sitio do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª. Região. São Paulo.

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comunidades, dinâmicas socioeconômicas e de problemas destas resultantes. A massificação das dinâmicas e dos problemas das pessoas e grupos sociais nas comunidades humanas, hoje, impacta de modo frontal a estrutura e o funcionamento operacional do próprio Direito. Parte significativa dos danos mais relevantes na presente sociedade e das correspondentes pretensões jurídicas têm natureza massiva. O caráter massivo de tais danos e pretensões obriga o Direito a se adequar, deslocando-se da matriz individualista de enfoque, compreensão e enfrentamento dos problemas a que tradicionalmente perfilou-se. A construção de uma matriz jurídica adequada à massividade dos danos e pretensões característicos de uma sociedade contemporânea - sem prejuízo da preservação da matriz individualista, apta a tratar os danos e pretensões de natureza estritamente atomizada - é, talvez, o desafio mais moderno proposto ao universo jurídico, e é sob esse aspecto que a questão aqui proposta será analisada. As dispensas coletivas realizadas de maneira maciça e avassaladora, somente seriam juridicamente possíveis em um campo normativo hiperindividualista, sem qualquer regulamentação social, instigador da existência de mercado hobbesiano na vida econômica, inclusive entre empresas e trabalhadores, tal como, por exemplo, respaldado por Carta Constitucional como a de 1891, já há mais um século superada no país. Na vigência da Constituição de 1988, das convenções internacionais da OIT ratificadas pelo Brasil relativas a direitos humanos e, por consequência, direitos trabalhistas, e em face da leitura atualizada da legislação infraconstitucional do país, é inevitável concluir-se pela presença de um Estado Democrático de Direito no Brasil, de um regime de império da norma jurídica (e não do poder incontrastável privado), de uma sociedade civilizada, de uma cultura de bem-estar social e respeito à dignidade dos seres humanos, tudo repelindo, imperativamente, dispensas massivas de pessoas, abalando empresa, cidade e toda uma importante região. Em conseqüência, fica fixada, por interpretação da ordem jurídica, a premissa de que "a negociação coletiva é imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores".

DISPENSAS COLETIVAS TRABALHISTAS. EFEITOS JURÍDICOS. A ordem constitucional e infraconstitucional democrática brasileira, desde a Constituição de 1988 e diplomas internacionais ratificados (Convenções OIT n. 11, 87, 98, 135, 141 e 151, ilustrativamente), não permite o manejo meramente unilateral e potestativista das dispensas trabalhistas coletivas, por de tratar de ato/fato coletivo, inerente ao Direito Coletivo do Trabalho, e não Direito Individual, exigindo, por conseqüência, a participação do(s) respectivo(s) sindicato(s) profissional(is) obreiro(s). Regras e princípios constitucionais que determinam o respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1o, III, CF), a valorização do trabalho e especialmente do emprego (arts. 1o, IV, 6o e 170, VIII, CF), a subordinação da propriedade à sua função socioambiental (arts. 5o, XXIII e 170, III, CF) e a intervenção sindical nas questões coletivas trabalhistas (art. 8o, III e VI, CF), tudo impõe que se reconheça distinção normativa entre as dispensas meramente tópicas e individuais e as dispensas massivas, coletivas, as quais são social, econômica, familiar e comunitariamente impactantes. Nesta linha, seria inválida a dispensa coletiva enquanto não negociada com o sindicato de trabalhadores, espontaneamente ou no plano do processo judicial coletivo. A d. Maioria, contudo, decidiu apenas fixar a premissa, para casos futuros, de que "a negociação coletiva é

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imprescindível para a dispensa em massa de trabalhadores", observados os fundamentos supra. Recurso ordinário a que se dá provimento parcial.

Processo: ED-RODC - 30900-12.2009.5.15.0000 Data de Julgamento: 10/08/2009, Relator Ministro:Mauricio Godinho Delgado, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT04/09/2009.44

A parte final do citado art. 8º da CLT consigna o princípio da socialidade, quando

diz que nenhum interesse particular ou nenhum interesse de classe podem prevalecer sobre

o interesse público. O Código Civil também é informado pelo princípio da socialidade,

quando nele encontramos norma referente à função social da empresa. Aliás, está na

própria Constituição o princípio da função social da empresa. É de supor, obviamente, que

a atividade empresarial como manifestação da livre iniciativa também está sujeita aos

limites voltados à tutela da sociedade que são consubstanciados em sua função social,

ligada à função social da propriedade e à função social do contrato, inclusive no âmbito da

relação de emprego45.

Assim como o Código Civil trata da função social da propriedade e da função social

do contrato, também faz referência à função social da empresa, pela importância que ela

possui como elemento gerador de negócios e empregos.

A empresa, compreendida como concretização da iniciativa privada, somente

receberá tutela jurídica quando atuar em favor de seus empregados, valorizando o trabalho

humano. Nesse sentido, compreende Dallegrave que, como maneira de combater o

desemprego estrutural, a função social da empresa deve ser formada na atuação para a

concreção dos valores constitucionais do trabalho: o cumprimento integral dos direitos

trabalhistas (art. 7º); uma política de geração de pleno emprego (art. 170, VIII); e, na

medida do possível, a prevenção da substituição do trabalhador pelos agentes de

automação (art. 7º, XXVII)46.

No campo da responsabilidade social da empresa, vemos a figura do dumping

social que se caracteriza pelo descumprimento de direitos sociais, abrangendo os direitos

trabalhistas e previdenciários, de modo a auferir maior de competitividade e lucro,

mediante concorrência desleal. 44Ementa retirada do sitio do Tribunal Superior do Trabalho-TST. Consulta Unificada. 45SANDIN, Fábio Lucas Telles de Menezes Andrade. op. cit., p. 1103. 46DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. São Paulo: LTr,

2005. p. 269-270.

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A figura do dumping social por si só desrespeita os direitos humanos e

fundamentais do trabalhador e contraria o interesse da coletividade, o que é suficiente para

concluir que a sua ocorrência viola o preceito da função social do contrato.

No campo da justiça do trabalho, a redução de custo de produção, a partir do

descumprimento de normas trabalhistas, gerando o dumping social, traz como

consequência a condenação do empregador ao pagamento de indenização, uma vez

instalada a concorrência desleal e os danos à sociedade47.

Como consagração da função social, o trabalho ligado diretamente ao direito social

e a livre iniciativa vinculada à liberdade e ao direito de propriedade devem ser

considerados de forma a alcançar o equilíbrio nas relações de trabalho, sem prevalecer o

aspecto econômico sobre o humano, ou seja, sem a precarização das condições de trabalho,

pois, além da Constituição Federal de 1988 que trata da função social da propriedade (art.

5o, XXIII e 170, III), o trabalhador, que é responsável pela força produtiva e pela geração

de riqueza, não pode ser visto como uma mercadoria, mas sim como sujeito de direitos, ao

qual deve ser propiciada uma existência digna, já que o ser humano é um fim em si mesmo

e não um meio ao arbítrio de terceiros48.

A fim de encerrar esse capítulo, interessante lançar o pensamento de Enzo Roppo,

quando discorre sobre a função do contrato na sociedade capitalista. O jurista faz uma

análise ácida a respeito da liberdade de contratar como pilar de uma forma de organização

das relações sociais, que ele admite, tem indiscutível elemento de verdade. Mas ele entende

que, como é próprio de qualquer ideologia, adiciona-lhe elementos de dissimulação e

deturpação da realidade: mais precisamente, cala e oculta a realidade que se esconde por

trás da “máscara” da igualdade jurídica dos contraentes; cala e oculta as funções reais que

o regime do laissez-faire49 contratual está destinado a desempenhar no âmbito de um

sistema governado pelo modo de produção capitalista e os interesses reais que por seu

intermédio se prosseguem.

Roppo afirma que a liberdade de contratar assegura também a justiça de cada

relação contratual, em virtude da igualdade jurídica entre os contratantes. Mas, insiste que,

dessa forma, esquece-se que a igualdade jurídica é só igualdade de possibilidades abstratas,

igualdade de posições formais, ao que na realidade podem corresponder e em uma 47SANDIN, Fábio Lucas Telles de Menezes Andrade. op. cit., p. 1104. 48Id. Ibid., p. 1104. 49Laissez-faire: expressão símbolo do liberalismo econômico, na versão mais pura do capitalismo, pela qual o

mercado deve funcionar livremente. Em uma tradução literal do francês para o português é “deixai fazer”.

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sociedade dividida em classes correspondem necessariamente gravíssimas desigualdades

substanciais, profundas disparidades das condições concretas de força de trabalho. O

empresário com pleno controle do mercado de trabalho e o operário que, junto deste,

procura emprego são juridicamente iguais e igualmente livres, em um plano formal, para

determinar o conteúdo do contrato de trabalho. Mas, é evidente (e a história de toda uma

fase de desenvolvimento do capitalismo documenta-o de modo muitas vezes trágico) que o

segundo, se não quiser renunciar ao trabalho e, consequentemente, a sua própria

subsistência, estará sujeito a suportar todas as condições, até as mais iníquas, que lhe sejam

impostas pelo primeiro: por hipótese, um horário de trabalho gravoso, condições

ambientais nocivas à saúde, um salário demasiado baixo ou o seu parcial pagamento50.

2.2. Boa-fé objetiva

Nas palavras de Paulo Nalin51, tratar da boa-fé objetiva significa encarar o princípio

de maior repercussão para o direito privado das famílias romano-germânicas, das quais o

sistema jurídico brasileiro é legatário, ao longo do século XX e início do século XXI. A

abordagem do princípio da boa-fé em seu perfil objetivo reflete as inúmeras funções a ela

agregadas.

E segue Nalin afirmando que a boa-fé objetiva é o princípio mais emblemático do

direito negocial, sobretudo após os sistemas hermenêuticos estabelecidos pelo Direito

germânico, consequência da codificação civil alemã (BGB) de 1900. A inclusão deste

princípio provocou imenso impacto nos diversos setores do direito privado e não apenas no

direito dos contratos.

A partir da vigência do novo Código Civil brasileiro, importante estudar as funções

contemporâneas da boa-fé e os seus momentos de incidência contratual, assim como a

distinção entre a boa-fé objetiva e a boa-fé subjetiva.

O princípio da boa-fé representa, no modelo atual de contrato, o valor da ética:

lealdade, correção e veracidade compõem o seu substrato, o que explica a sua irradiação

difusa, o seu sentido e alcance alargados, conformando todo o fenômeno contratual e, 50ROPPO, Enzo. op. cit., p. 36-38. 51NALIN, Paulo. Princípios do direito contratual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça contratual,

igualdade. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore (Coords.). Teoria geral dos contratos. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 122-123.

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assim, repercutindo sobre os demais princípios, na medida em que a todos eles assoma o

repúdio ao abuso da liberdade contratual. À luz dos ensinamentos de Teresa Negreiros, a

fundamentação constitucional do princípio da boa-fé, que se assenta na cláusula geral de

tutela da pessoa humana, se faz presumir parte integrante de uma comunidade e não um ser

isolado, cuja vontade em si mesma fosse absolutamente soberana, embora sujeita a limites

externos.

E é Negreiros quem cita Pietro Perlingieri sobre serem valores supremos, na ordem

constitucional italiana, tal qual na brasileira, a pessoa humana, sua dignidade e tutela,

sendo assim incompatíveis com uma concepção isolacionista do indivíduo e de seus

direitos. Negreiros segue citando o autor italiano, destacando que é necessário tomar

posição contra aquela que considera o indivíduo como um valor pré-social, relevante

também na ótica jurídica, prescindindo da relação com os outros. Desse modo, acentua-se

o isolamento do indivíduo e dos seus problemas daqueles da sociedade na qual vive,

inspirando-se em uma visão individualista não compatível com o sistema constitucional52.

Nesse contexto, oportuno distinguir boa-fé objetiva de boa-fé subjetiva. Em relação

a esta distinção, é Nalin quem discorre sobre a especificidade terminológica decorrente da

interpretação semântica alemã versada no BGB, a qual ficou oculta em nosso sistema, por

conta de limitações do vernáculo nacional e, ao longo do século XX, esteve sob a

concepção singular e predominante da boa-fé subjetiva e da influência da codificação

francesa. Saliente-se que o Direito Civil codificado francês conheceu a boa-fé objetiva,

mas pouco uso dela fez, tanto que do texto legal se extrai que ela será aplicada na

conclusão ou na execução dos contratos, conforme alerta Antonio Manuel da Rocha e

Menezes Cordeiro, citado por Nalin.53

Portanto, assim distingue Nalin, sobre as diferenças entre boa-fé objetiva e boa-fé

subjetiva:

“(...) tem-se por subjetiva a boa-fé, crença, estado de ignorância, intenção e estado psicológico do declarante de vontade diante de um certo estado de coisas ou interesses jurídicos. O declarante age de modo a acreditar e intuir que os seus atos são orientados pela lei ou em respeito ao direito alheio.

Por objetiva, toma-se a boa-fé numa ótica exterior ao declarante, na qual pouco importam as boas ou as más intenções, sobressaindo-se os atos e manifestações, em conformidade com padrões ético-jurídicos vigentes,

52NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. 2. ed. Curitiba: Renovar, 2006. p. 115-117. 53NALIN, Paulo. Princípios do direito contratual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça contratual,

igualdade, cit., p. 122.

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corresponde à lealdade, ao comportamento das pessoas honestas, em oposição ao dolo e à fraude.

A distinção conceitual é relevante para reafirmar a coexistência de ambas as vertentes da boa-fé no plano da codificação civil brasileira. Apesar de ser mais visível a aplicação da boa-fé subjetiva no contexto dos direitos reais, afigura-se ela igualmente incidente, no campo do direito negocial (contratual), uma vez que a nova regra geral da hermenêutica contratual – art. 113 do CC54 - não faz qualquer distinção entre boa-fé subjetiva e objetiva, ao lançar mão do princípio, em função da hermenêutica”55.

Teresa Negreiros também trata da distinção da seguinte forma:

“A boa-fé tratada como princípio do direito contratual distingue-se daquela outra boa-fé, consistente numa análise subjetiva do estado de consciência do agente por ocasião da avaliação de um dado comportamento. Esta última, denominada boa-fé subjetiva, é desde há muito conhecida da legislação brasileira. O novo Código Civil a define ao tratar da posse de boa-fé: ‘Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa’.

Transposta para o domínio das obrigações contratuais, a noção de boa-fé adquire conotações muito diversas das que se inferem da sua vertente subjetiva. A dita boa-fé objetiva, muito além de um critério de qualificação do comportamento do sujeito, impõe-lhe deveres, constituindo-se numa autêntica norma de conduta.

A contraposição das vertentes subjetiva e objetiva, ou, como quer Emilio Betti, entre as vertentes subjetiva e a contratual, é assim descrita pelo autor italiano, como a boa-fé do possuidor ou do adquirente que deverá ser simplesmente, uma boa-fé, segundo a exigência mínima de ética, do comportamento, posto que de outro modo teria um caráter ilícito, sem qualquer proteção. Betti dispõe que a boa-fé de que se trata aqui é essencialmente uma atitude de cooperação direcionada a cumprir de modo positivo a expectativa da outra parte.

Ontologicamente, a boa-fé objetiva distancia-se da noção subjetiva, pois consiste num dever de conduta contratual ativo, e não de um estado psicológico experimentado pela pessoa do contratante; obriga a um certo comportamento, ao invés de outro; obriga à colaboração, não se satisfazendo com a mera abstenção, tampouco se limitando à função de justificar o gozo de benefícios que, em princípio, não se destinariam àquela pessoa”56.

Arnaldo Wald57 não é diferente em seus conceitos e em suas digressões ao tratar do

assunto de forma mais histórica. Mas, antes disso, Wald cuida do artigo 422 do novo

54“Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua

celebração”. 55NALIN, Paulo. Princípios do direito contratual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça contratual,

igualdade, cit., p. 123. 56NEGREIROS, Teresa. op. cit., p. 121-122. 57WALD, Arnold. op. cit., p. 109.

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Código Civil (execução do contrato), assim como do regime de proteção e favorecimento

do contratante mais fraco, no caso dos contratos de adesão, de acordo com os artigos 423 e

424, também do novo Código Civil, que ele considera como artigos complementares

dentro de um quadro de renovação do contrato, dando-lhe o caráter dinâmico e equitativo.

Ainda de acordo com esse autor, a evolução realizada pelo novo Código Civil

corresponde a um movimento de caráter internacional. Assim, entre outros, o novo Código

Civil holandês, o Código Civil de Quebec e a reforma do Código Civil alemão também dão

maior ênfase à boa-fé e apresentam uma nova visão de contrato. Essa evolução, segundo

Miguel Reale, é o aprimoramento técnico, a eticidade e a socialidade refletidos no regime

legal do contrato, inspirado na ética, desempenhando importante função social. Lembrando

que o Código Civil de 1916 e o Código Comercial de 1950 se referiam à chamada boa-fé

subjetiva, que significa tão somente a ausência de má-fé.

Mas o novo Código Civil introduz, como cláusula geral, o dever de um

comportamento de boa-fé objetiva, incumbindo a todos da sociedade, mas, sobretudo aos

contratantes. Trata-se aqui de incluir nos contratos, em virtude da interpretação e da

construção, deveres secundários ou derivados de informação, conselho e até cooperação,

assim como a proibição de certas omissões. É o dever de lealdade na contratação e na

execução do contrato que está vinculado às noções de confiança (entre as partes) e

equilíbrio, sob a pena da responsabilização se uma das partes não corresponder à

expectativa da outra.

A igualdade jurídica, definida no passado pelo que foi contratado livremente entre

as partes, é atualmente vista sob outro ângulo, qual seja, a de que a igualdade deve ser real

e não apenas formal, instalada, inclusive, a solidariedade entre as partes. Antigamente, a

partir do chamado dolo bom, é que as obrigações eram apenas aquelas expressamente

definidas no contrato. Atualmente, não se exige apenas a boa-fé do art. 131 do Código

Comercial, implicitamente confirmada pelo art. 85 do Código Civil de 1916, como a

prevalência da vontade real das partes. Exige-se nos dias atuais que o contrato seja justo,

com prestações equilibradas, durante toda a sua vigência, conforme determinam os artigos

113, 421, 422 e 478 a 480 do novo Código Civil.

No entanto, convém lembrar que a jurisprudência já vinha exigindo a boa-fé e o

equilíbrio contratual e, para tanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) aplicou o art. 242, do

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40

BGB58, que exige que os contratos sejam executados de acordo com a vontade real e

dinâmica das partes, assim como a confiança que depositaram uma na outra. Assim decidiu

a corte:

“Há meio século, bastou a juízes alemães a regra legal de que os contratos se executam de boa-fé para que nesse texto firmasse a concessão de revalorização de dívidas, forçando o legislador à disciplina do tema”. (Voto do Ministro Rodrigues de Alckmin n. RE 79.663, Revista Trimestral de Jurisprudência do STF, 79/522-523.)

Visão bastante particular é a do doutrinador português Antonio Manuel da Rocha e

Menezes Cordeiro, posto expor de forma bastante eficaz que a boa-fé, sendo uma criação

do Direito, não opera como um conceito comum. Não há uma definição, evitada, em geral,

pela metodologia jurídica, e as tentativas seriam inaptas em face do alcance e da riqueza

reais da noção. Para esse doutrinador, a boa-fé traduz um estado juscultural, manifesta uma

ciência do Direito e exprime um modo de decidir próprio de certa ordem sociojurídica.

E o autor segue aclarando que a natureza juscultural da boa-fé implica assumir-se

como criação humana, fundada, dimensionada e explicada em termos históricos. Os

romanos, por meio de vastas decisões empíricas, buscaram um equilíbrio e consenso,

manifestando-se regularmente no sentido de que ao tratar o igual por igual e o diferente de

modo diferente, de acordo com a medida da variação, seriam mais previsíveis as saídas

para os litígios futuros.

Para Menezes Cordeiro, a boa-fé na cultura jurídica atual sofre as consequências do

divórcio entre os discursos metodológicos oficiais e a dogmática jurídica. Para ele há uma

mitificação da boa-fé, posto que esses discursos estejam carregados de uma noção vaga,

repleta de história, rica em implicações emotivas, mas que, dominada por uma linguagem

grandiloquente, é vazia de conteúdo.

E não é só. O autor explora a questão de que as definições possíveis de boa-fé,

constantes do Código Civil português, giram todas em torno de estados de ciência ou de

ignorância da pessoa, quanto a certos fatos. Há casos em que a lei fala em mero

conhecimento ou ignorância; noutros, em desconhecimento sem culpa ou ignorância

desculpável; e, ainda, em outros casos, em consciência. Nesse viés, em que a boa-fé tem a

ver com estados relativos à pessoa ou ao sujeito de direitos, ela será tratada como a boa-fé 58Código Civil alemão de 1900, § 242: O devedor tem a obrigação de executar a prestação tal como o exigem

a confiança e a fidelidade levando em consideração os usos de tráfico. (Levando em consideração o que é usual; grifos do autor).

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subjetiva. Mas, sempre que a lei codificada remete para os princípios, ditames ou limites

da boa-fé ou, simplesmente, mande as pessoas agirem de boa-fé, ela surgirá aqui como

algo exterior ao sujeito, que lhe é imposto. Trata-se da boa-fé objetiva, que a lei nunca

define.

Ao final, Menezes Cordeiro enfatiza que a contraposição entre a boa-fé objetiva e a

subjetiva não se confunde com outra boa-fé: a psicológica e ética. Ambos os termos estão

contidos na boa-fé subjetiva: (i) psicológica, traduz um estado fático de mera ignorância; e

(ii) ética, manifesta um estado de ignorância valorado pelo Direito, com reflexos práticos59.

No Direito espanhol, a autora Emilia Conde Marín, para posicionar a distinção

entre boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva, adverte inicialmente que a boa-fé e o princípio da

boa-fé não são a mesma coisa, posto que o princípio da boa-fé traga a característica da

normatividade. A boa-fé, simplesmente, é um conceito técnico-jurídico que se aloja em

várias situações e normas jurídicas. O Código Civil espanhol trata a boa-fé como fonte do

Direito, já que inclui o princípio geral da boa-fé já no seu Titulo Preliminar, art. 7.1, e

sendo assim esse princípio se transforma em fonte de obrigações e instrumento de

ponderação, como deixa claro o art. 1.258 do mencionado Código, a seguir transcrito:

“Los contratos se perfeccionan por el mero consentimento, y desde entonces obligan, no solo al cumplimiento de la expressamente pactado, sino también a todas las consecuencias que, según su naturaliza, sean conformes a la buena fe, el uso y a la ley”. (grifos nossos)

De forma bastante peculiar, a doutrinadora espanhola, citando Alguer Pérez,

discorre sobre a engrenagem de agregar conteúdo ao conceito de boa-fé, posto que as

diversas possibilidades tragam uma elasticidade tamanha, a ponto de se poder afirmar que

todas as pessoas devem conhecer a ideia, mas que ninguém a conhece com precisão. Trata-

se de um conceito que pode significar coisas distintas, de diversos modos, em diferentes

momentos históricos e lugares. Nesse sentido, a doutrina espanhola se alinha à doutrina

portuguesa, quando expõe a dificuldade da delimitação de um conceito de boa-fé. Mas, de

forma clara, conclui-se que a boa-fé é uma cláusula geral cujo conteúdo não pode ser

determinado de forma prévia e abstrata.

Agora tratando propriamente das distinções entre a boa-fé subjetiva e a boa-fé

objetiva, a autora menciona que a boa-fé em sentido psicológico não pode ser outra senão 59MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha. Da boa fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2013.

p. 17-18; 23-24.

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aquela subjetiva, uma vez que ela é qualificada como sublegitimante, na medida em que

determinada situação ocorre sem que o sujeito preste atenção ao conteúdo ou aos efeitos

dessa relação. Essa espécie de boa-fé acontece nos casos dos direitos reais, mas também

aparece no direito das obrigações, de forma geral e especial em determinados tipos de

contratos, incluindo as obrigações extracontratuais.

Alguns autores entendem que a boa-fé consiste em uma crença equivocada e que

esse equívoco pode ser valorado juridicamente a favor do sujeito, sem levar em conta a

valoração ética. Para esses autores, somente atenuará a conduta do sujeito, com

consequente liberação de responsabilidades, o erro juridicamente escusável. Essa teoria

coloca a boa-fé subjetiva em conexão com as figuras do dolo e da culpa. A boa-fé, nesse

sentido, ou seja, a favor do sujeito, converte a teoria psicológica pura em teoria ético-

psicológica.

Relativamente à boa-fé objetiva, esta é aquela que se refere ao comportamento leal

e honrado dos homens em suas relações jurídicas. O critério de atuação não é aquele

individual, mas sim, a própria norma jurídica que impõe um dever de conduta determinado.

Distinguem-se boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva na medida em que a primeira é

uma regra de comportamento e a segunda, um estado de consciência. Nos dois casos, a

intenção é de não causar dano nem à pessoa nem ao patrimônio de ninguém, com base na

ignorância de que alguém está assim se comportando ou em normas objetivas de

comportamento ético, leal e honrado, exigível da pessoa no exercício de seus direitos60.

O Estatuto dos Trabalhadores espanhol menciona diretamente a boa-fé como

obrigação e exigência para o desenvolvimento da relação contratual em três ocasiões,

conforme explica Conde Marín:

“(...) en el art. 5ª), como deber laboral básico del trabajador, en el art. 20.2, donde se señala como deber recíproco de los contratantes y en el art. 54.2d) que prevê la transgresión de la buena fe contractual como causa de despido disciplinario”61.

Conforme se verifica, quando da positivação no direito laboral espanhol, o

legislador se utilizou do próprio termo, qual seja, boa-fé, e, consta no artigo, que será

60CONDE MARÍN, Emilia. La buena fe en el contrato de trabajo: un estudio de la buena fe cómo elemento

de integración del contrato de trabajo. 1. ed. Madrid: La Ley, 2007. p. 47-54. 61Id. Ibid., p. 87.

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permitida a dispensa do trabalhador, por justo motivo, se comprovada a transgressão da

boa-fé contratual.

A autora prossegue ressaltando a relação continuada entre as partes no pacto

laboral, na qual se exige sem limitação a presença necessária da boa-fé, bem como um

número maior de ocasiões em que se exige o trato correto nas relações trabalhistas. Assim

discorre:

“La vinculación que se establece entre las partes con el contrato de trabajo da lugar a una relación de ejecución continuada que nace con vocación de perdurar en el tiempo y que no agota sus efectos en el acto de contratar, de manera que, el princípio de buena fe incidirá en cada uno de sus estúdios, teniendo presente que la buena fe mobiliza pero no altera la naturaliza estrictamente de cambio que incumbe al contrato de trabajo.

(...)

La preponderancia del principio en la relación de trabajo no tiene su motivo en un cambio de contenido ya que el concepto de buena fe que se aplica en el Derecho del Trabajo es el mismo que se maneja en todas las areas juridicas, sino que tiene que ver con um mayor numero de ocasiones de exigencia de trato correcto y leal entre los sujetos. El protagonismo de la buena fe en el contrato de trabajo quizás obedezca más a razones de indole cuantitativa que cualitativa. Se ha señalado que la buena fe es consubstancial al contrato de trabajo, donde adquiere especial relevancia debido a la singular relación que se estabelece entre las partes los caracteres propios de dicho contrato y el determinado ámbito donde tiene lugar, las mencionadas condiciones necessariamente van a dibujar un marco de actuación particular para el principio de buena fe. Tal principio conlleva en esse marco un significado ético, quizás el habitualmente recalcado, pero también patrimonial, en cuanto que a través de sua exigencia el Derecho protege el interés económico del empresário”62.

Dallegrave, ao tratar da boa-fé, afirma que ela, na seara trabalhista, sempre se

traduziu em um relevante princípio informador, em especial pelo componente pessoal que

existe nesse ramo jurídico. Assim como na doutrina espanhola aqui destacada, Dallegrave

também compactua com a ideia de que o contrato de trabalho não cria apenas direitos e

obrigações, de ordem exclusivamente patrimonial, mas também pessoal63.

Então, para o cumprimento dessas obrigações e a adequada manutenção dessas

relações, torna-se importantíssimo que ambas as partes atuem de boa-fé. E quando se fala

em boa-fé, evidentemente que se trata da boa-fé objetiva e da boa-fé subjetiva. Aqui, o 62CONDE MARÍN, Emilia. op. cit., p. 87-89. 63DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 4.ed., p. 570-

571.

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autor estabelece a subjetiva como aquele boa-fé-crença que considera a intenção do

contratante, que age acreditando não estar prejudicando ninguém. Sua antítese nada mais é

que a figura da má-fé, vista como a intenção de lesar alguém. Quando da ausência da

boa-fé subjetiva, o mecanismo encontrado no direito processual é a aplicação da

litigância de má-fé, da qual trata o art. 18, do Código de Processo Civil. Quanto à boa-

fé objetiva, Dallegrave segue a linha dos doutrinadores já aqui estudados, opinando no

sentido de que esta boa-fé é tida como regra de conduta estribada na lealdade, na probidade

e, principalmente, na consideração para com os interesses do outro, visualizando-o como

um membro do conjunto social que é juridicamente tutelado. A boa-fé objetiva significa,

portanto, a convicção de que as transações são cumpridas normalmente, sem abusos e

desvirtuamentos.

O mesmo autor alude ao texto da Constituição Federal de 1988, uma vez que por

meio dela adveio um novo paradigma para as relações contratuais, consentâneo com os

valores nela plasmados em específico os da função social dos contratos, da dignidade da

pessoa humana e da igualdade material. Além do solidarismo constitucional, revigorou-se

a cláusula geral da boa-fé, a qual chegou ao seu ápice com a edição do Código de Defesa

do Consumidor em seu art. 51 IV:

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais ao fornecimento de produtos e serviços que: IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.

Em face da edição do Código de Defesa do Consumidor e de suas cláusulas gerais,

em sintonia com a Constituição Federal de 1988, há que se observar que o princípio geral

da boa-fé passou a representar um novo mandamento nas relações contratuais da sociedade

moderna, significando uma atuação refletida, que pensa no outro, no parceiro contratual,

respeitando seus interesses legítimos, seus direitos, agindo com lealdade, sem abuso, sem

obstrução, sem causar lesão ou desvantagem excessiva. Assim entende Cláudia Lima

Marques, citada por Dallegrave, em suas conjecturas sobre a boa-fé aplicada ao Direito do

Trabalho.

Cláudia Lima Marques aponta ainda as três funções para a boa-fé objetiva: (i)

“limitadora do exercício de direitos subjetivos” – essa função se extrai do art. 421 do novo

Código Civil e determina que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites

da função social do contrato. A aplicação das cláusulas gerais da boa-fé, da função social e

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do abuso do direito na órbita do contrato de trabalho tornou-se imediata, de acordo com o

parágrafo único do citado art. 8º da CLT, que aponta o direito comum como fonte

subsidiária do Direito do Trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios

fundamentais deste. Destarte, desde a vigência da atual Constituição Federal de 1988, em

razão da unidade de seus valores e princípios, tanto a boa-fé como a função social do

contrato e o abuso do direito já se constituíam em parâmetros de interpretação de todos os

negócios jurídicos, em especial do contrato de emprego (artigos 1º, III, 3º, I, 170 e 193 da

CF/1988). Nas questões laborativas, a boa-fé objetiva será fundamento para limitar o

direito potestativo do empregador de resilir unilateralmente o contrato de um empregado

que se encontra enfermo, ou ainda, de coibir qualquer outro motivo de discriminação,

questão esta que será vista mais adiante64;

(ii) “cânone interpretativo-integrativo dos contratos” – a boa-fé objetiva também

serve de cânone exegético, conforme prevê expressamente o art. 113 do novo Código

Civil: “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar

de sua celebração”. Significa dizer que as cláusulas contratuais e até mesmo as lacunas do

negócio jurídico devem ser interpretadas e integradas pela boa-fé. A interpretação do

contrato, de acordo com o princípio da boa-fé, visa a esclarecer o comportamento das

partes de acordo com a finalidade e função social da relação jurídica vista em sua natureza

complexa, como uma ordem de cooperação. Quanto ao contrato, Eduardo Milléo Bacarat

diz não se tratar apenas de uma relação de crédito e débito e sim de um conjunto de direitos

e deveres em que as partes visam a uma finalidade comum65; e (iii) “fonte de deveres de

conduta contratual” – no âmbito trabalhista essa terceira função da boa-fé é a de irradiar

aos contratantes deveres de conduta leal e fiel não só ao que foi avençado, mas em sintonia

com as regras legais e com os valores supremos estampados na Constituição Federal:

dignidade e proteção do trabalhador visto como homem-cidadão (artigos. 1º, III, 7º e 170

da CF/1988). Antonio Vazques Vialard, citado por Dallegrave, observa que o débito

laboral não se esgota com o cumprimento das obrigações de prestação: a lei exige que se

cumpra dentro de um clima de “colaboración, solidariedade y buena fe, lo cual supone la

necesaria diligencia y existe además determinadas actitudes”. E prossegue o doutrinador

argentino, no sentido de que o empregador deve exercer seu poder de comando de tal

maneira que “queden a salvo la dignidad y los derechos personales u patrimoniales del

64DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 4.ed., p. 572-

573. 65Id. Ibid., p. 575.

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trabajador, al que no puede irrogar perjuicios de orden material ni moral, debe respetar

su privacidade”66.

Não se têm dúvidas de que as funções da boa-fé objetiva operam como limitação ao

poder diretivo do empregador, que traduzem, portanto, o solidarismo, a função social da

empresa e a funcionalização do conceito de jus variandi (poder de comando), que consiste

em estruturar e dirigir tecnicamente os fatores da produção, fator pelo qual não é

admissível que se desenvolva de modo arbitrário, de acordo com Guillermo Cabanellas, em

seu Tratado de derecho laboral67.

2.2.1. Princípio da confiança

Menezes Cordeiro assevera que a ideia da confiança surgiu, de modo repetido, nas

diversas manifestações da boa-fé e indaga sobre a possibilidade da elaboração de um

princípio da confiança que pudesse integrar parte do conteúdo substancial da boa-fé. Este

autor ainda discorre sobre a confiança, na medida em que ela exprime a situação em que

uma pessoa adere, em termos de atividade ou de crença, a certas representações, passadas,

presentes ou futuras. O princípio da confiança explicitaria o reconhecimento dessa situação

e a sua tutela.

Nessa questão, a confiança, Menezes Cordeiro, citando Giuseppe Stolfi

(L’apparenza del diritto – 1934), esclarece que não pode prevalecer a aparência (corrente

na literatura alemã do princípio do século), posto que nenhum legislador possa sacrificar o

ser ao parecer e que a aparência jurídica não seja um vetor do ordenamento. Para o autor

“patente está aqui a ausência de se interrogar a realidade dogmática da confiança e,

em vez disso, o que se vê é o avanço numa discussão de princípios, metodologicamente

pobre e incapaz de dar corpo à complexidade do real”.

A confiança foi esquecida pelos juristas, pela escassez de estudos, embora tenha se

mantido instalada em alguns institutos, dando um desenvolvimento institucional que

permite intuir que a confiança constitui, por excelência, uma ponte entre a boa-fé objetiva e

a boa-fé subjetiva. Nos ordenamentos jurídicos de origem latina, entende Menezes

Cordeiro, que essa possibilidade de progresso fica um pouco prejudicada justamente pelo

66DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 4.ed., p. 575. 67Id. Ibid., p. 577.

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acanhamento do cultivo da boa-fé objetiva, assim como no Direito germânico, posto

verificar-se uma série de dificuldades, motivadas pela diversidade linguística entre Treu

und Glauben e guter Glaube (lealdade e boa-fé), para aproximar as duas noções.

Menezes Cordeiro, citando Luhmann, que faz uma leitura sociológica da confiança,

afirma que esta assume um papel de relevo, uma vez que na sociedade em que vivemos, os

comportamentos humanos são inúmeros e obviamente interferem nas decisões. A

confiança permitiria, nesse cenário, excluir algumas possibilidades, afastando perigos, cuja

concretização comprometeria a atuação humana; a confiança, portanto, permite reduzir a

complexidade social e constitui para o ser a base de um comportamento, quando não,

haverá mera esperança. Por outro lado, a confiança atua como uma alternativa na qual os

danos de sua quebra podem superar os benefícios aguardados da sua manutenção.

A doutrina portuguesa é pouco sensível à tutela da confiança, não lhe dando relevo

particular no domínio das declarações negociais. Mas, essa particularidade deve ser

minimizada, posto que todos os ordenamentos jurídicos aceitam o erro, em sede negocial, o

que vai contra a confiança. Importante também a ponderação dos resultados alcançados,

quando a confiança – normalmente pela via da boa-fé subjetiva – é protegida.

Por fim, este autor releva a questão de que nas suas manifestações subjetiva e

objetiva a boa-fé esteja ligada à confiança: a subjetiva revela o momento essencial; a

objetiva confere-lhe a base juspositiva necessária quando, para tanto, falte uma disposição

legal específica68.

Judith Martins-Costa, quando adentra no princípio da confiança, assinala

inicialmente que o conjunto dos interesses envolvidos na relação não são apenas aqueles

vinculados direta ou indiretamente à prestação principal, mas também aqueles derivados

dos demais deveres de conduta, os vinculados à manutenção do estado pessoal e

patrimonial dos integrantes da relação, advindos do liame de confiança que toda a relação

envolve. A autora propõe que se encare o cumprimento da prestação concretamente devida,

tendo em conta também os deveres derivados da boa-fé que se fizerem instrumentalmente

necessários para o atendimento satisfatório da relação. Essa proposta é compatível com o

novo Código Civil, posto que estejam presentes as suas diretrizes éticas e solidaristas, das

quais surge o princípio da confiança.

68MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha. op. cit., p. 1.234-1.242, 1.246 e 1.250.

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Ainda no mesmo contexto, a autora levanta a questão, já trazida pela doutrina

portuguesa, de que, em cada ordenamento, a confiança encontra particular e concreta

eficácia jurídica como fundamento de um conjunto de princípios e regras que permitem, de

um lado, a observância do pactuado, conforme as circunstâncias da pactuação e, de outro, a

coibição da deslealdade (em sentido amplo), nesta hipótese possuindo eficácia limitadora

do exercício de direitos subjetivos e formativos.

Martins-Costa afirma que o princípio da confiança é traduzido pela boa-fé objetiva,

prevista no art. 422, do Código Civil. No substrato da boa-fé objetiva está a ideia da

relação obrigacional como relação de cooperação, assim esclarece Emílio Betti,

mencionado pela autora. A cooperação entre as partes deve preponderar, pois, por meio da

relação obrigacional, o interesse de uma pessoa é prosseguido pela conduta da outra

pessoa69.

Citem-se ainda, outros autores, a exemplo de Paulo Nalin, que asseveram que o

princípio da confiança está localizado antes mesmo da formação do contrato e nele fica

instalado até a sua execução. Na fase de aproximação negocial, o princípio da confiança dá

conta de proteger os legítimos interesses daqueles que pretendem contratar. Cuida,

portanto, de salvaguardar as expectativas contratuais dos que se aproximam e contratam.

A confiança guarda relação com a boa-fé objetiva, não apenas porque se apoia nos

deveres anexos de cuidado, informação, segurança e cooperação, mas também, por ser um

mecanismo de interpretação dos contratos. A confiança surge das diversas manifestações

da boa-fé, sugerindo a doutrina, conforme já dito, de modo que ocorra a integração da

confiança no conteúdo substancial da boa-fé70.

Na seara laboral, é no Direito espanhol, segunda a professora Conde Marín, que se

vê explorado mais amiúde o princípio da confiança nas relações do trabalho. É ela quem

diz que em razão da boa-fé, como princípio essencial das relações jurídicas e vetor dos

comportamentos contratuais, é exigida, do empresário e do trabalhador, uma atuação leal,

fiando e confiando que em suas atuações estarão presentes contratualmente a postura

correta e honesta esperada. Conclui-se, portanto, que a confiança é um requisito vital, do

ponto de vista da boa-fé, para o êxito contratual. 69MARTINS-COSTA, Judith. O adimplemento e o inadimplemento das obrigações no novo Código Civil e o

seu sentido ético e solidarista. In: FRANCIULLI NETTO, Domingos; MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva (Orgs.). O novo Código Civil: homenagem ao Professor Miguel Reale. 2. ed. São Paulo: LTr. 2006. p. 367-370.

70NALIN, Paulo. Princípios do direito contratual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça contratual, igualdade, cit., p. 155.

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Não somente a doutrina como também as decisões judiciais têm valorizado a confiança

como imprescindível e essencial no contrato de trabalho e em toda a relação laboral. Confiança

e boa-fé têm efeitos sinônimos nas decisões. O dever de confiança se coloca como protagonista

no aspecto pessoal de uma relação de trabalho, o que deixa em segundo plano o aspecto

econômico, que sem dúvida todo contrato abarca, e, assim sendo, o trabalhador deve se

constituir em uma garantia da lealdade e confiança depositadas pelo empregador.

Interessante ressaltar que a concepção de fidelidade pessoal não deve ser

considerada questão de origem feudal. Ainda que se considere o contrato de trabalho quase

um contrato de adesão, não se deve perder de vista o aspecto pessoal como motivo

essencial e determinante do consenso contratual laboral.

No dever de confiança, de lealdade e de honestidade estão incluídos os deveres de

não concorrência ou concorrência desleal, de não aceitar subornos, não receber

gratificações ou guardar segredos relativos à empresa. Tal comportamento é também

denominado como dever de cooperação do trabalhador.

Desta feita, tal é a importância do dever de confiança no contrato de trabalho que a

sua falta ou violação é capaz de produzir a mais grave sanção, qual seja, a dispensa por

justa causa, tratado no Direito espanhol como dispensa por abuso de confiança, conforme o

art. 54.1d do Estatuto de los Trabajadores.

Entre outros trabalhos, onde o elemento pessoal é especialmente valorado, citem-se

aqueles de especial confiança necessária e exigível nos cargos de alta direção, que se

baseiam na recíproca confiança, constituindo uma obrigação para as partes acomodar o

exercício de seus direitos e obrigações junto às exigências da boa-fé71.

2.3. Princípio do equilíbrio econômico

Na visão de Teresa Negreiros, assim como os princípios da boa-fé e da função

social, o princípio do equilíbrio econômico do contrato – o qual, nas palavras de Antonio

Junqueira de Azevedo, leva à admissão, especialmente, de duas figuras, a lesão e a

excessiva onerosidade – encontra-se fundamentado na Constituição Federal de 198872.

71CONDE MARÍN, Emilia. op. cit., p. 287-290. 72NEGREIROS, Teresa. op. cit., p. 156-157.

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Pode-se extrair essa fundamentação do art. 3º, inciso I, da Constituição Federal, que

estabelece como objetivo primordial da República “construir uma sociedade livre, justa e

solidária”. Desta feita, cogita-se, por extensão, que o equilíbrio das relações contratuais,

decorrente do solidarismo desejado, também se constitui em um esforço buscado pelo texto

constitucional.

Embora não haja previsão explícita no Código Civil, o princípio do equilíbrio

contratual é reconhecido no Direito brasileiro, em razão da existência de princípios

implícitos capazes de coibir o desequilíbrio contratual, por meio, por exemplo, da vedação

da lesão (desequilíbrio originário), conforme previsão no art. 157, caput, do Código Civil:

“ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se

obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”.

Sob o nome de excessiva onerosidade, proibisse o desequilíbrio surgido após a

formação do vínculo (superveniente), situação que será alcançada pelo § 1º do também art.

157: “aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em

que foi celebrado o negócio jurídico”. Nessa hipótese, a lesão será considerada defeito que

contaminará o negócio jurídico desde a sua origem. Diante disso, o Código Civil posiciona

a lesão como causa de anulabilidade do contrato, de acordo com o art. 171, II.

Mais adiante, serão analisados os artigos 478 e 479, do Código Civil, que tratam da

resolução ou manutenção do negócio, quando instalada a excessiva onerosidade.

Paulo Nalin trata do princípio do equilíbrio, no específico segmento do direito

contratual, seja ele civil, seja comercial ou seja de consumo. O equilíbrio econômico

contratual é a derivação da equidade negocial e, por decorrência, da própria concepção de

justiça contratual. Nesse sentido, ressalte-se que são indissociáveis os juízos possíveis de

equidade, concretizados a partir da interpretação contratual, sempre de forma a garantir

uma solução conforme a regra. Segundo José Antonio Doral, citado por Paulo Nalin, a

equidade “nos es, como la ley, fuente del Derecho, pero sí fator indispensable de

interpretación”73.

Nesse sentido, verifica-se pelo parágrafo único do art. 944 do Código Civil, a

determinação ao juiz no sentido de que “poderá” (por sua discricionariedade) reduzir

equitativamente a indenização, se houver desproporção entre a culpa e o dano. Por outro

73NALIN, Paulo. Princípios do direito contratual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça contratual,

igualdade, cit., p. 111-112.

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51

lado, em razão da redução do montante da cláusula penal (art. 413 do Código Civil), na

hipótese de parcial cumprimento da obrigação principal, a qual impõe ao magistrado (por

sua imperatividade) a redução da pena, tem caminhado a doutrina mais esclarecida no

sentido de entender que a melhor leitura do parágrafo único do art. 944 também é de

imperatividade, a despeito da expressão “poderá”. Nalin cita, nesse particular, a posição de

Carlos Edison Rêgo Monteiro Filho:

“Com efeito, não se pode mesmo estabelecer, em todos os casos, a facultatividade da aplicação da norma tout court. Se presentes certos fatores determinantes, o ordenamento todo estará a impor a aplicação do dispositivo para reduzir o valor da reparação do dano. Ou, por outra, se em jogo componentes tais como a dignidade da pessoa humana, solidariedade, e o reflexo no patrimônio mínimo, não poderá prevalecer a natureza aparentemente dispositiva da norma”74.

A incorporação da equidade nas relações contratuais, à luz do novo Código Civil,

faz com que o contratante mais bem posicionado na relação não se sobreponha àquele

vulnerável. Mesmo que sem referência expressa à equidade, os entendimentos são de que

as regras do Código Civil têm mais afinidade com o restabelecimento econômico

contratual do que com eventuais defeitos do negócio jurídico75, ante o que consta do inciso

II do art. 171 do referido Código (anulabilidade do ato).

O art. 317, do Código Civil, é um exemplo de equilíbrio, uma vez que permite ao

juiz fixar o valor da prestação devida, caso sobrevenha desproporção manifesta entre esta e

o momento da sua execução.76

E a equidade ainda atua de modo subsidiário, conforme atesta a doutrina italiana

nas palavras de Perlingieri e Messinetti, vez que o contrato desigual impõe que a equidade

tenha uma função integrativa, sob aspectos até mesmo não regulados por lei ou pelos

contratantes77.

Em verdade, o princípio do equilíbrio econômico, e por sua vez a equidade

contratual, é um limitador da cláusula pacta sunt servanda, rompendo com o perfil

dogmático do princípio da obrigatoriedade dos contratos. Obviamente que o pacta sunt

servanda ainda vige no sistema contratual brasileiro, mas não sob o argumento de se

74NALIN, Paulo. Princípios do direito contratual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça contratual, igualdade, cit., p. 112. 75Id. Ibid., p. 113. 76Id. Ibid., p. 114. 77Id. Ibid., p. 114.

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manter a segurança jurídica. A justiça contratual reside na comutatividade da relação, uma

vez que referida segurança se estabelece na possibilidade de os contratantes cumprirem

com suas respectivas obrigações, sem abusos ou excessos78.

Outros fundamentos legais previstos em nosso Código Civil demonstram a

presença do princípio do equilíbrio econômico contratual, quais sejam, os artigos 478 e

479, que definem a resolução do contrato ou mesmo sua modificação, quando de sua

onerosidade excessiva imposta a uma das partes. Importante lembrar que o art. 469

estimula a manutenção do contrato, caso o réu concorde em equitativamente modificar as

condições do contrato.

Assim, no Código Civil, duas possibilidades legais emergem diretamente de seu

texto: (i) a modificação da base econômica do contrato (preço), especialmente nos casos de

lesão, imprevisão e onerosidade excessiva; e (ii) a resolução do contrato.

Nalin, ao mencionar que o princípio dos efeitos econômicos dos contratos é um

relevante norte na atuação do intérprete, observa que ele deverá ser respeitado, a despeito

da vontade das partes. Se, em um dado momento da história contratual, fazer justiça era

sinônimo de liberdade e autonomia, hoje, ela se baseia e se projeta no equilíbrio, de modo

a manter o intérprete em uma constante vigilância das relações contratuais79.

O contrato de trabalho implica numa contraposição de prestações e se traduz em um

complexo de vantagens e desvantagens, tanto para o devedor quanto para o credor do

trabalho. A prestação de cada um tem sua justificativa na prestação do outro. Assim, a

ideia de equilíbrio ou equivalência nesse contrato tem sido incluída como integrante do

modo de ser da relação80.

Na visão de Conde Marín, o princípio de equivalência de prestações, entendido

como critério de moderação e congruência, tem-se estabelecido como uma consequência,

porém, de aplicação de justiça a relações humanas e jurídicas. Nos contratos de troca,

sinalagmáticos ou bilaterais, como os contratos de trabalho, cada parte deve obter por sua

própria prestação uma contraprestação adequada.

Mas, não é tão simples determinar o equilíbrio ou equivalência contratual nas

relações laborais, posto que o contrato de trabalho seja uma relação que não coloca desde o

78NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno, cit., p. 143-144. 79Id. Princípios do direito contratual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça contratual, igualdade,

cit., p. 114-115. 80CONDE MARÍN, Emilia. op. cit., p. 214-215.

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início, em posição de igualdade, o empregador e o empregado. É clara a posição superior

do empregador, não apenas pelas características da relação de emprego, dentre elas a

subordinação, e tampouco apenas pela situação econômica distinta sobremaneira entre as

partes. O enfoque é do ponto de vista da própria natureza do contrato de trabalho.

As leis trabalhistas, além de regularem relações laborais, assentam também um

conjunto de normas jurídicas dirigidas a proteger a posição de hipossuficiência que ocupa

o trabalhador na relação contratual. Objetivamente, as normas jurídicas laborais neste

sentido buscam equilibrar, do ponto de vista qualitativo, a posição jurídica das partes no

contrato de trabalho.

Conde Marín muito bem se posiciona, na medida em que trata da escassez de meios

disponíveis ao trabalhador subordinado para exercer sua vontade individual. Estamos aqui

frente a uma debilidade natural de uma das partes, ou seja, do trabalhador em relação ao

empregador.

As convenções coletivas, cuja finalidade, dentre outras, é a de regular os aspectos

do setor profissional, darão o suporte necessário às condições flagrantes de debilidade do

trabalhador, dentro da relação contratual. De acordo com a visão de Conde Marín, a

correção do desequilíbrio contratual na relação laboral tem sido uma tarefa cotidiana não

apenas no âmbito legal, como também no âmbito convencional coletivo, assim como no

individual81.

De fácil conclusão que, também nas relações contratuais laborais, a presença da

boa-fé é exigência para que se tenha presente o equilíbrio contratual. O principio da boa-fé

se constitui em cláusula capaz de reequilibrar, nos planos econômico e normativo, os

interesses das partes na ocorrência de situação de desigualdade, especialmente quando uma

delas é especialmente enfraquecida, no caso o trabalhador, em relação a outra parte de

maior força, no caso o empregador. A boa-fé representa um parâmetro de valoração para o

juiz assegurar que se restabeleça uma proporção adequada entre os interesses em jogo, no

caso, empregado e empregador.

Acompanhando a visão de Conde Marín, o sistema de equilíbrio contratual,

assentado na boa-fé, afasta o enriquecimento ilícito da parte mais fortalecida, o

empregador, as custas da parte mais fraca, o trabalhador. O enriquecimento ilícito

naturalmente é incompatível com o princípio da colaboração e com a redistribuição dos

81CONDE MARÍN, Emilia. op. cit., p. 217.

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riscos que exige toda a relação. Nesse particular, ou seja, distribuição dos riscos, a

aplicação dos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual e econômico,

necessariamente, realinha esses riscos, que não poderão desprestigiar a parte

economicamente mais fraca82.

Na relação laboral, necessária também a aplicação do princípio da

proporcionalidade, justamente por ser o contrato de trabalho firmado entre partes

completamente opostas no sentido de equilíbrio econômico. Figura essa distinção entre as

partes no ato da contratação e também no decorrer do contrato. Melhor dizendo, o

princípio da proporcionalidade assume uma conotação social e modela os interesses das

partes contratadas, com objetivo de trazer o equilíbrio, nesse caso, dinâmico83.

Na relação de equilíbrio e proporcionalidade que devem manter empregador e

empregado na execução do contrato de trabalho, o que importa não é o aspecto quantitativo

do referido equilíbrio, mas sim, o lado qualitativo ou não patrimonial, tudo de acordo com

os interesses e direitos conferidos para ambas as partes, com especial cuidado à figura do

trabalhador, pois, considerando sua intrínseca posição de subordinação e dependência,

pode, ao menos potencialmente, se ver prejudicado, em maior medida84.

2.3.1. Justiça contratual

Conforme já referido, o conceito de justiça contratual restringia-se à manutenção

pelo intérprete do Direito da livre contratação e da igualdade formal dos contratantes.

Porém, atualmente, o paradigma da justiça contratual se modificou, posto que esta não

deve mais observar apenas a igualdade formal, qual seja, aquela prevista em lei, mas,

sobretudo, deve observar a garantia da consecução da igualdade material entre os

contratantes, harmonizando os interesses das partes (comutatividade), promovendo o bem

comum e o interesse social.

O princípio da justiça contratual torna-se um dos mais complexos em nível de

descrição, tendo em vista a dificuldade sobre a definição do que seja exatamente esse

princípio, uma vez configurar entre os componentes na busca dessa descrição a ideologia, a

82CONDE MARÍN, Emilia. op. cit., p. 219. 83Id. Ibid., p. 228-229. 84Id. Ibid., p. 228-229.

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ética social, a política, a economia, a história e a religião. A partir da socialização

funcional que o contrato exige, caberá ao intérprete a investigação das necessidades do

homem contratante e, citando Iturraspe, Nalin complementa: necessidades “primarias,

secundarias y de lujo”, remetendo o jurista à condição de observador realista85.

Do ponto de vista histórico, que nos remete à Revolução Francesa, era suficiente a

constatação de que o contrato havia sido celebrado com base nas premissas liberdade e

igualdade, o que reputaria a avença como justa: só o homem livre e igual pode contratar. O

exercício da liberdade contratual era uma das referências de justiça: só o homem justo pode

contratar ou ser contratante, para se configurar o status de justiça social. A questão atual é

saber se essa perspectiva da justiça contratual se mantém ou não, em conjunto com as

demais noções de justiça contratual. Aqui se encontra então a dificuldade da conceituação,

uma vez que esta não se restringe ao conteúdo, relativo ao tempo e espaço, e que considera

também a mutação de mercado e a consequente variação de conceitos contemporâneos86.

No contexto aqui explorado e do ponto de vista da colaboração contratual entre as

partes, donde surge o prevalecente fundamento de justiça, qual seja, o princípio da

equidade, é de se ressaltar que a consequência é o alcance de uma nova posição, que não

somente será de instrumento da supressão de lacunas, mas também de alcançar a justiça

contratual87.

Como resultado da não observação do princípio da equidade, tem-se a declaração

oficiosa da nulidade da cláusula abusiva, na revisão da cláusula ou do contrato como um

todo que imponha desproporção econômica entre as obrigações. A declaração de nulidade

já afirma a não obrigatoriedade da cláusula ou avença, pois, o que é injusto, nunca poderá

ser reputado como obrigatório. Só o contrato justo obriga.

O princípio da justiça contratual e a sua consequência de não obrigatoriedade

também estão previstos pelo Código de Defesa do Consumidor, de acordo com seu art.

4688, lembrando que esse comando está voltado ao dever de prévia informação89.

85NALIN, Paulo. Princípios do direito contratual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça contratual,

igualdade, cit., p. 106. 86Id. Ibid., p. 107. 87Id. Do contrato: conceito pós-moderno, cit., p. 144. 88“Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for

dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”, CDC.

89NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno, cit., p. 145-146.

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2.3.2. Igualdade

É a igualdade que ilustra de forma clara e, portanto, traduz a relação de intimidade

entre a Constituição Federal de 1988e as situações interprivadas. A discussão se a

igualdade é aplicável na esfera privada é ultrapassada, a discussão agora é de como a

igualdade será aplicada.

A igualdade entre privados, sinaliza Paulo Nalin, não se restringe ao direito

público, embora nele seja muito destacada, notabilizando-se, em nosso atual ordenamento

jurídico, exemplos de atuação ou tutela preventiva do Estado-legislador na defesa de um

sujeito ou classe de sujeitos, frente a outros mais bem servidos em suas bases econômica,

técnica, jurídica ou simplesmente fática. Pela vulnerabilidade contratual, e por um Estado

que se declara social, é que se verificam leis especiais do trabalho, do inquilinato, do

consumidor, em busca da equalização dos efeitos econômicos e sociais dos contratos, na

defesa do sujeito mais fraco da relação90.

E citando o art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, é que se busca procurar

desigualar os desiguais, na medida das suas desigualdades, com base em critérios de justiça

e de racionalidade.

Citado por Nalin, Mota Pinto menciona que o princípio da igualdade não pode se

opor ao princípio da liberdade contratual, uma vez que predomina a autonomia da

convenção entre particulares, a não ser que o contrato traga em si uma violação a direito

fundamental91.

O autor também cita o constitucionalista José Joaquim Gomes Canotilho que

discorre sobre a pequena possibilidade de controle de cláusula de contrato de trabalho

oferecida a destacada executiva de grande corporação, com o propósito de vedar uma

eventual e futura gravidez por parte dessa mulher. Cláusula de tal natureza seria nula, uma

vez que constitucionalmente proibida. Mas, há também a visão de que a interferência do

Estado-juiz poderia ser configurada como indevida na construção do papel da mulher nas

relações de mercado. Aqui, portanto, vislumbra-se o aparente conflito entre o princípio da

90NALIN, Paulo. Princípios do direito contratual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça contratual,

igualdade, cit., p. 116. 91Id. Ibid., p. 118.

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igualdade e a liberdade contratual, sendo que esta última se apoia no princípio igualmente

constitucional da liberdade e na sua projeção negocial para a livre iniciativa92.

Menezes Cordeiro, quando trata da boa-fé no Direito Civil, menciona tratar-se de

uma exigência básica do sistema, comunicada de algum modo pelo preceito constitucional

da igualdade, afastando-se assim o arbítrio. Celebrado um contrato, as partes exercem a

faculdade que o Direito lhes confere de darem uma regulação que propicie soluções

pretendidas. Mesmo que sobrevenha a alteração das circunstâncias iniciais, modifica-se a

problemática, mas não a sua regulação. E assim continua o autor, entendendo que, quanto

às consequências, ou estas se conservam idênticas para questões diversas, ou variam, “mas

em uma medida que pode não corresponder à variação registada (sic), ultrapassando-a,

ficando aquém dela, ou, simplesmente, sendo díspar, em termos qualitativos. Há arbítrio

que fere a igualdade. Fere a igualdade perante o sistema que prevê que uma pessoa, em

conjunturas diferentes, submeta-se a regulações imutáveis. A boa-fé exprime, no sistema

privado e em situações relativas, as exigências da igualdade”93.

92NALIN, Paulo. Princípios do direito contratual: função social, boa-fé objetiva, equilíbrio, justiça contratual,

igualdade, cit., p. 119. 93MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha. op. cit., p. 1112.

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CAPÍTULO III. A APLICAÇÃO DA TEORIA DA

RESPONSABILIDADE CIVIL NO CONTRATO DE

TRABALHO

3.1. Conceito e fundamentos da responsabilidade civil

O Código Civil de 2002 trouxe uma série de disposições que permitem um novo

olhar em relação à responsabilidade civil. A doutrina atual entende que essas disposições e

a forma como estão previstas fizeram com que nosso Direito, no tema em particular, se

aproximasse das soluções encontradas no Direito estrangeiro, especialmente no alemão e

no português94.

Um exemplo flagrante é a nova concepção do ato ilícito previsto no art. 186 do

Código Civil pela qual, além do prejuízo, exige-se algo a mais, ou seja, a violação do

direito. Pela nova codificação, algumas possibilidades ficaram abertas, tais como a

previsão expressa da boa-fé objetiva com a necessidade da observância dos deveres

acessórios, a responsabilidade objetiva por força da periculosidade intrínseca à atividade

desenvolvida, a possibilidade de gradação do quantum indenizatório consoante o grau da

culpa e a possibilidade de uma nova teoria no que se refere ao nexo causal95.

O vocábulo responsabilidade, dentre outras acepções, serve para designar em seu

sentido mais amplo, a atribuição, a um sujeito, das consequências de uma determinada

ação ou evento. A responsabilidade civil, por sua vez, consiste na atribuição de um dano a

um sujeito determinado, gerando assim o dever de indenização dos danos causados.

De acordo com o art. 927 do Código Civil, a obrigação de indenizar pode surgir em

virtude da violação de um direito absoluto, ou ainda, de acordo com o art. 395, da violação

de um direito relativo, bastando, para tanto, a presença de pressupostos legalmente

estabelecidos para se chegar ao dano, independentemente do critério utilizado (culpa, risco

ou sacrifício)96.

94DUARTE, Ronnie. Responsabilidade Civil e o novo Código: contributo para uma revisitação conceitual. In:

NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. 2. tir. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010. v. 1, p. 430.

95Id. Ibid., p. 430. 96Id. Ibid., p. 430-432.

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Dessa forma, com a evolução do instituto, tornou-se pacífico admitir hipóteses

especiais de responsabilidade civil independentemente de culpa, reforçando a ideia de

responsabilidade civil com o consequente dever de indenizar.

Dallegrave Neto, ao citar Pontes de Miranda, diz que a responsabilidade tem

fundamento moral, porque se supõe, para a imputação, que o homem tenha de agir como

ser que tem que se adaptar à vida e há de concorrer para crescente adaptação. O estudiosos

segue dizendo que a ordem jurídica tanto pode ser perturbada pelo delito como pela mera

ofensa patrimonial; que se recompõe via indenização, enquanto a paz social só se restaura

pela pena97.

Assim, verifica-se que, atualmente, admite-se a junção da função reparadora com a

função punitiva na esfera da responsabilidade civil. Nas responsabilidades pautadas na

culpa, há também que se estar presente não apenas a função reparatória, como também a

sancionatória.

Nesse sentido, o autor português Inocêncio Galvão Telles:

“A responsabilidade civil exerce uma função reparadora, destinando-se, como se destina, a reparar ou indenizar prejuízos por outrem sofridos. Mas desempenha também uma função sancionadora, sempre que na sua base se encontra um acto ilícito e culposo, hipótese a que nos vimos reportando, pois representa uma forma de reação do ordenamento jurídico contra esse comportamento censurável”98.

Também na mesma esteira e nas palavras de Rodolfo Pamplona e Pablo Stolze

Gagliano, a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém

que, atuando, em princípio, ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou

contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de

reparar). E seguem os autores dizendo que a responsabilidade civil deriva da agressão a um

interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma

compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor o estado anterior99.

Antes mesmo de se adentrar nos elementos da responsabilidade civil, isto é,

conduta (positiva ou negativa), danos e nexo de causalidade, frise-se que primeiro deve-se

97DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. 5. ed. São Paulo:

LTr, 2014. p. 93-94. 98Op. cit. p. 94. Apud DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho,

cit., 5.ed. 99PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade

civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 3, p. 51.

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discutir sobre o elemento culpa, que passou por um profundo desenvolvimento que se

confunde com a própria evolução das teorias da responsabilidade civil.

Qualquer reflexão sobre isso, obrigatoriamente implica uma breve noção histórica

da responsabilidade civil.

A responsabilidade civil tem sua origem no Direito romano e essa origem estava

calcada na concepção da vingança privada, forma rudimentar, mas compreensível, de

reação humana e pessoal contra o mal sofrido. A premissa era a manifestação natural e

espontânea contra o delito, com o espírito de vingança, todavia, pela intervenção do poder

público. Tratava-se da Pena de Talião, no até hoje conhecido: “olho por olho, dente por

dente” ou “quem com ferro fere, com ferro será ferido”.

Na chamada era da Lei de Talião (Lei das XII Tábuas), época em que inexistia a

diferença entre a responsabilidade civil e a responsabilidade penal, questão esta que será

tratada a seguir, demonstrou-se uma evolução, ao permitir a composição entre as partes

(vítima e ofensor), evitando-se a aplicação incondicional da pena ao ofensor.

Alvino Lima, citado por Pamplona e Gagliano, quando trata do período da evolução

da Lei de Talião, assinala que, embora subsistisse o sistema do delito privado, verificava-se

a inteligência social, compreendendo-se que a regulamentação dos conflitos não era

somente uma questão entre particulares. A Lei das XII Tábuas, que determinou o quantum

para a composição obrigatória, regulava casos concretos, sem um princípio geral fixador da

responsabilidade civil100.

Marco maior na evolução histórica da responsabilidade civil acontece com a edição

da Lex Aquilia. A grande virtude da Lex Aquilia foi trazer, em seu sistema, a punição da

culpa por danos injustamente provocados, independentemente da relação obrigacional

preexistente. Sendo assim, a responsabilidade extracontratual é também denominada

responsabilidade aquiliana.

Além dessa importante modificação no sistema, a responsabilidade aquiliana não se

limitou a especificar melhor os atos ilícitos, mas também propugnou pela substituição de

multas fixas por uma pena proporcional ao dano causado.

Do latim re-spondere, a palavra responsabilidade traz em seu significado a ideia de

segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado. É a chamada

100PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade

civil, cit., p. 52-53.

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recomposição, obrigação de restituir ou ressarcir. Entre os romanos não havia distinção

entre responsabilidade civil e responsabilidade penal, e a compensação pecuniária não

passava de uma pena imposta ao causador do dano. Sem adentrarmos muito às diferenças

entre uma responsabilidade e outra que ao longo dos anos foram se traçando, fato é que a

responsabilidade penal é pessoal, intransferível e quem responde é o réu com privação de

sua liberdade.

Já a responsabilidade civil é patrimonial, uma vez que será o patrimônio do devedor

que responde por suas obrigações. Não existe privação de liberdade por dívida civil, exceto

o devedor de pensão oriunda do direito de família. Diferente da responsabilidade penal que

tem a tipicidade como um dos requisitos, a cível é gerada por qualquer ação ou omissão,

desde que viole direito ou cause prejuízo a outrem (artigos 186 e 927 do Código Civil)101.

Maria Helena Diniz define responsabilidade civil como aquela decorrente da

violação legal, de lesão a um direito subjetivo ou da prática de um ato ilícito, sem que haja

nenhum vínculo contratual entre lesante e lesado. Resulta, portanto, da inobservância da

norma jurídica ou de infração ao dever jurídico geral de abstenção atinente aos direitos

reais ou de personalidade, ou melhor, de violação à obrigação negativa de não prejudicar

ninguém102.

Etimologicamente, o vocábulo indenizar provém do latim indemme, que significa

ileso, sem dano, incólume. Conclui-se, portanto, que a indenização de acordo com seu

próprio significado, encerra a ideia de tirar o dano, retornando à situação jurídica anterior.

Contudo, relativamente ao dano moral, como não há forma de recompor a situação

anterior, estará presente apenas o caráter compensatório. Não se pode dizer então que a

responsabilidade civil contém definição legal, um conceito próprio, uma vez que a doutrina

a trata como uma sistematização de regras e princípios para a reparação do dano

patrimonial ou a compensação do dano extrapatrimonial103.

No que tange ao fundamento da responsabilidade civil, este se divide em

responsabilidade subjetiva e objetiva.

101GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1,

p. 496-497. 102DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva,

2008. p. 515. 103DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 5.ed., p. 127-

128.

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Historicamente, além da evolução que vai da culpa ao risco, da execução pessoal à

responsabilidade patrimonial, é necessário enaltecer o Código Civil Napoleônico, pois,

com o seu advento, a responsabilidade civil se revestiu de princípio geral e, além disso, a

responsabilidade civil passou a ser sistematizada, transformando-se em instituto jurídico

baseado na culpa manifestada pelo descumprimento de um dever geral de não prejudicar

outrem (neminen laedere). O Código francês, dentre tantos outros códigos, repercutiu

também no brasileiro de 1916, pela regra do art. 159 (responsabilidade delitual)104.

Na responsabilidade civil subjetiva, os pressupostos caracterizadores da

responsabilidade civil que, por certo, deverão estar presentes, são: ação ou omissão, um

dado, o nexo causal e a culpa do agente. A culpa do agente é o esteio da responsabilidade

civil subjetiva. É a teoria clássica, teoria da culpa ou subjetiva, que pressupõe a culpa como

fundamento da responsabilidade civil105.

A culpa aqui tratada, por ter natureza civil, se caracterizará quando o agente

causador do dano atuar com negligência ou imprudência, regra prevista na primeira parte

do art. 159106 do Código Civil de 1916, mantida, com aperfeiçoamentos, pelo art. 186107 do

Código Civil de 2002.

A consequência que se verifica do dispositivo citado, qual seja, a instalação do ato

ilícito, é a obrigação de indenizar e reparar o dano, cujos fundamentos estavam previstos

nos artigos 1.518 a 1.532 do Código Civil de 1916 (Das obrigações por atos ilícitos)108.

Dentro da doutrina subjetiva, cada um responde pela própria culpa – unuscuique

sua culpa nocet – e, por se caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão

reparatória, caberá ao autor, sempre, o ônus da prova de tal culpa do réu.

Em termos empresariais, o princípio da culpa era extremamente benéfico ao sistema

econômico vigente no século XIX. Esse princípio retirava do empresário a

responsabilidade pelos danos ocasionados sem culpa109.

104DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 5.ed., p. 130. 105GONÇALVES. Carlos Roberto. op. cit., v. 1, p. 497. 106“Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou

causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano”. 107“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar

dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. 108PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade

civil, cit., v. 3, p. 52-53. 109DUARTE, Ronnie. op. cit., p. 430.

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No entanto, há situações em que a responsabilidade civil é atribuída a alguém por

dano que não foi causado diretamente por ele, mas, por um terceiro com quem mantém

algum tipo de relação jurídica. É a chamada responsabilidade civil indireta, sendo que a

culpa não é desprezada, mas sim, presumida, em função do dever de vigilância do réu110.

Quando a culpa é presumida inverte-se o ônus da prova. Presume-se o

comportamento culposo do causador do dano, cabendo-lhe demonstrar a ausência de culpa,

para se eximir do dever de indenizar.

Em outras hipóteses, não é necessária sequer a caracterização da culpa, casos em

que estaremos diante da responsabilidade civil objetiva.

Para a responsabilidade civil objetiva, é irrelevante a presença do dolo ou da culpa

na conduta do agente causador do dano. É necessário apenas o nexo de causalidade entre o

dano e a conduta para que haja o dever de indenizar111. Então, nos casos de

responsabilidade objetiva, não se exige prova da culpa para que o agente seja condenado a

reparar o dano. A responsabilidade objetiva é presumida pela lei e, conforme já

mencionado, inverte-se o ônus da prova, pois o autor da ação só precisa provar a ação ou

omissão e o dano resultante da conduta do réu, porque sua culpa já é presumida; exemplo

disso é o caso do art. 936112 do Código Civil113.

Ainda, a noção de culpa desloca-se para a ideia de risco, que, de acordo com Carlos

Roberto Gonçalves, será tratada como “risco-proveito”, que tem fundamento na reparação

do dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do

responsável (ubi emolumentum, ibi ônus, isto é, quem aufere os cômodos – lucros – deve

suportar os incômodos ou riscos). Mais genericamente, é o risco criado ao qual se

subordina aquele que expuser alguém a suportá-lo114.

Ainda para esse autor, o Código Civil brasileiro filiou-se à teoria subjetiva e é o que

se verifica do art. 186, que ressalta o dolo e a culpa como fundamentos para a obrigação de

110PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade

civil, cit., v. 3, p. 56. 111Id. Ibid., p. 56. 112“Art. 936. O dono, ou detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima

ou força maior”. 113GONÇALVES. Carlos Roberto. op. cit., v. 1, p. 498. 114Id. Ibid., p. 498.

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reparar o dano, contudo sem prejuízo da adoção da presunção de culpa (parágrafo único do

art. 927115).

A presunção de culpa, ou a responsabilidade objetiva, não substitui a subjetiva,

posto ser a responsabilidade subjetiva insuficiente para atender às imposições do

progresso116.

O que vige no Direito brasileiro é a regra dual de responsabilidade civil, qual seja: a

responsabilidade subjetiva, regra inquestionável do sistema anterior, coexistindo com a

responsabilidade objetiva, uma vez que, presente a atividade de risco, a lesão por conduta

alheia deve ser reparada, independentemente da presença de culpa e, mais, notadamente

em função da celebração de um negócio jurídico117.

No entanto, essa regra é de certa forma criticada, uma vez que, pouco importam os

aspectos da responsabilidade civil apresentada, se subjetiva ou objetiva, uma vez que as

soluções serão idênticas para ambos os casos e o que se exige, em verdade, é a

configuração da responsabilidade pelas três condições: o dano, o ato ilícito e o nexo de

causalidade118.

3.2. Responsabilidade civil contratual e extracontratual

Sempre haverá certa dificuldade na demonstração da culpa do agente ou da ilicitude

de seu ato. A questão é minimizada quando a conduta da qual resultou o dano é

proveniente do descumprimento de um dever contratual, uma vez que estará presente a

presunção da culpa, em razão da obrigação contratual descumprida pela parte que se

obrigou119.

Silvio Rodrigues menciona que, quando alguém descumpre uma obrigação

contratual, pratica um ilícito contratual e seu ato provoca reação da ordenação jurídica, que

115“Art. 927. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos

especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo amor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

116GONÇALVES. Carlos Roberto. op. cit., v. 1, p. 499. 117PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade

civil, cit., v. 3, p. 57-58. 118Id. Ibid., p. 58. 119Id. Ibid., p. 58.

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impõe ao inadimplente a obrigação de reparar o prejuízo causado. Nessa relação jurídica

existe um liame convencional entre o agente e a vítima do dano120.

Com intuito muito mais didático do que propriamente científico, a responsabilidade

civil passa por uma subdivisão, da qual se tratará neste subitem: a responsabilidade civil

contratual e a extracontratual ou aquiliana.

Nesse sentido, há quem entenda ser mais correta a subdivisão em responsabilidade

obrigacional e extraobrigacional. A obrigacional designando uma fonte secundária, uma

obrigação preexistente, e a extraobrigacional designada como fonte primária, apesar da

inexistência de contrato que pressupõe uma autovinculação121.

Antes mesmo da revogação do Código de 1916, a doutrina já apontava a ausência

de uma distinção ontológica entre a responsabilidade obrigacional e extraobrigacional; no

entanto, essa distinção vinha sendo apontada para reafirmar a duplicidade de regimes.

No novo Código Civil, a responsabilidade contratual é fundamentada nos artigos

389 a 304, enquanto a responsabilidade civil extracontratual está prevista nos artigos 186 a

188, bem como nos artigos 927 a 954.

De início, partindo-se de princípios dogmáticos, não se verificam grandes

alterações relevantes entre o Código de 1916 e o de 2002, mas há quem entenda que o

novo Código Civil aproximou o regime da responsabilidade aquiliana da responsabilidade

contratual, visto que o art. 398 do atual Código está situado no Titulo IV – Do

inadimplemento das obrigações, portanto, responsabilidade contratual, ao passo que

inversamente o art. 946 previsto em capítulo que versa sobre a responsabilidade

extraobrigacional, estabelece critério aplicável à responsabilidade obrigacional.

Assim temos que, corresponde à responsabilidade obrigacional (ou contratual)

aquela que resulta da violação de um direito, de uma obrigação em sentido técnico, como é

o caso dos deveres advindos de uma relação contratual, sendo que, a responsabilidade

extraobrigacional (aquiliana ou delitual) resulta da violação da esfera jurídica protegida de

terceiro, ainda que as partes houvessem previamente estabelecido um vínculo contratual122.

Mas, conforme mencionado, críticas surgiram à duplicidade de regimes de

responsabilidade, uma vez que a culpa seria um pressuposto comum à responsabilidade

120RODRIGUES, Silvio. Direito civil: parte geral. 23. ed. São Paulo: Saraiva, v. 1, p. 326. 121DUARTE, Ronnie. op. cit., p. 460. 122Id. Ibid., p. 460-462.

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contratual e extracontratual. Essa posição é defendida pelo Professor Caio Mario da Silva

Pereira que diz:

“a culpa contratual e a aquiliana partem da mesma ideia ética e induzem para o responsável a mesma consequência. Neste ponto, a concepção tradicional choca-se com a noção moderna, já que aquela as diferenciava, enquanto que esta as aproxima e identifica, e com toda a razão. É que, se na sua estrutura há uma norma, e a violação desta gera um dano – em nada importa que o pré-ordenamento seja legal ou convencional. Hoje, caminha a doutrina civilista no rumo da unidade de culpa”123.

De tudo pode-se então concluir que a culpa não é mais o elemento primordial da

responsabilidade, pois, atualmente a questão perseguida é a reparação do dano e nem

sempre o dever de indenizar recai sobre o responsável pelo dano. Dessa forma, não é mais

possível centralizar a reparação de danos por intermédio do elemento da culpa124.

Por esse motivo, qual seja, de que o que se busca é a reparação do dano, não

importando em quem recaia a culpa, poderia se dizer que a união dos regimes de

responsabilidade ocorreria (contratual e extracontratual). Mas, dessa maneira, não seria

possível, uma vez que, em razão da separação dos regimes, é que surgem as questões de

maneira mais uniforme em relação às soluções buscadas para os casos de responsabilidade

civil extracontratual.

Sob o ponto de vista da celebração dos contratos, é certo que entre as partes

desiguais exige-se maior cuidado na matéria, sobretudo em razão da proporcionalidade que

se tem exigido dos contratos, tais como onerosidade excessiva, lesão etc.125.

A despeito das considerações acerca do elemento culpa nos regimes de

responsabilidade contratual e extracontratual, necessária a menção sobre os

pressupostos da responsabilidade extracontratual, à luz do art. 186 do Código Civil.

São quatro os seus elementos essenciais: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente,

relação de causalidade e dano.

123PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v. 2 apud

LEONARDO, Rodrigo Xavier. Responsabilidade civil contratual e extracontratual: primeiras anotações em face do novo Código Civil brasileiro. In: NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade (Orgs.). Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010. v. 1, p. 395.

124LEONARDO, Rodrigo Xavier. Responsabilidade civil contratual e extracontratual: primeiras anotações em face do novo Código Civil brasileiro, cit., v. 1, p. 397.

125Id. Ibid., p. 398.

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67

A ação ou omissão pode derivar de ato próprio (artigos 939, 940, 953 etc), de ato de

terceiro que esteja sob responsabilidade do agente (art. 932), ou ainda, de danos causados

por coisas (art. 937) e animais (art. 936) que lhe pertençam nestes casos, a culpa do dono é

presumida. Na omissão, é preciso que haja o dever jurídico (imposto por lei ou por

convenção entre as partes) de praticar determinado fato (de não se omitir) e que se

demonstre que, com a sua prática, o dano poderia ter sido evitado.

No que tange à culpa ou ao dolo do agente, verifica-se que o art. 186, ao se referir à

ação ou omissão voluntária, cogitou também o dolo. Dolo é a violação deliberada,

intencional, do dever jurídico; consiste na vontade de cometer uma violação de direito,

sendo que a culpa consiste na falta de diligência que se exige do homem médio126.

A reparação do dano ocorrerá desde que se prove o dolo ou a culpa stricto sensu

(aquiliana) do agente (imprudência, negligência ou imperícia). Diante disso, foi adotada,

entre nós, a teoria subjetiva. Ainda, como essa prova se torna muitas vezes difícil de ser

produzida, em algumas situações, o Código Civil presume a culpa, como no citado art. 936

e parágrafo único do art. 927.

Na relação de causalidade, verifica-se o nexo causal entre a ação ou omissão do

agente e o dano verificado. Se houve o dano, mas sua causa não está relacionada com o

comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e também a obrigação de

indenizar127.

Quanto ao dano propriamente, sem a sua comprovação, ninguém pode ser

responsabilizado civilmente. O dano pode ser patrimonial (material) ou extrapatrimonial

(moral), ou seja, sem alteração alguma no âmbito financeiro da pessoa lesada.

Sob o título “Da indenização”, os artigos 944 a 954 do Código Civil dispõem sobre

a liquidação do dano, isto é, sobre o modo de se apurarem os prejuízos e a indenização

cabível.

Deve-se ressaltar que na violação de um bem jurídico, mesmo com culpa ou até

mesmo dolo por parte do infrator, no qual não se tenha verificado prejuízo, nenhuma

indenização será devida. Sem dano, torna-se sem objeto a pretensão a sua reparação.

Quanto aos chamados fatores excludentes da responsabilidade civil, deve-se

entender como aquelas circunstâncias capazes de romper o nexo causal, fulminando assim

126GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: parte geral, cit., v. 1, p. 502. 127Id. Ibid., p.503.

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qualquer pretensão indenizatória. São eles: (i) estado de necessidade; (ii) legítima defesa;

(iii) exercício regular de direito e estrito cumprimento do dever legal; (iv) caso fortuito e

força maior; (v) culpa exclusiva da vítima; e (vi) fato de terceiro128.

Em breves palavras, temos que (i) o estado de necessidade (inciso II, do art. 188 do

Código Civil) consiste na situação de agressão a um direito alheio, de valor jurídico igual

ou inferior àquele que se pretende proteger, existindo uma colisão de interesses jurídicos

tutelados; (ii) na legítima defesa (inciso I, do art. 188 do Código Civil), o indivíduo se

encontra diante de uma situação atual ou iminente de injusta agressão, dirigida a si ou a

terceiro, que não é obrigado a suportar; (iii) no exercício regular de direito (inciso I,

segunda parte do art. 188 do Código Civil), não poderá haver responsabilidade civil se o

agente atuar no exercício regular de um direito reconhecido, ou seja: se alguém atua com

fundamento no direito, não poderá estar atuando contra esse mesmo direito; (iv) no caso

fortuito e força maior (art. 393 do Código Civil), é necessária a divisão das duas figuras.

Na força maior conhece-se o motivo ou a causa que dá origem ao acontecimento, por se

tratar de um fato da natureza (por exemplo, um raio); no caso fortuito, o acidente que

acarreta o dano advém de causa desconhecida, como o cabo elétrico aéreo que se rompe e

cai sobre fios telefônicos, causando incêndio129; (v) na culpa exclusiva da vítima, há

também aqui o rompimento do nexo causal, eximindo o agente da responsabilidade civil; e

(vi) no fato de terceiro, resta saber se o comportamento de um terceiro, desde que não seja

o agente do dano ou a vítima, rompe o nexo causal, excluindo a responsabilidade civil130.

Enquadrada como fato impeditivo do direito de indenizar, a cláusula de não

indenizar, obviamente com guarida apenas na responsabilidade civil contratual, refere-se à

convenção pela qual se exime o responsável do dever de reparação. Prende-se a vontade

declarada. Não se refere à força maior ou fortuita, mas sim, a exoneração de

responsabilidade de indenizar convencionada pelas partes. Uma vez convencionada,

equipara-se à renúncia do direito de obter reparação, como a ela equivale qualquer pacto de

non petendo in perpetum131.

128PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade

civil, cit., v. 3, p. 143-144. 129DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 16. ed. São Paulo:

Saraiva, 2002. v. 2. p. 246-347 apud PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, cit., v. 3, p. 152-153.

130PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 3, p. 143-160.

131PEREIRA, Caio Mario da Silva. Teoria geral das obrigações. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. v. 2, p. 345.

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Há quem entenda que, nos dias atuais, essa cláusula deveria ser repensada, posto

que o solidarismo social, e não ideais individualistas, é que deve prevalecer, à luz dos

princípios constitucionais132.

Por se enquadrarem como fato impeditivo do direito de indenizar, o ônus da prova

será sempre do réu133.

3.2.1. Ônus da prova

A prova em juízo deve recair sobre fatos controvertidos, ou seja, sobre aqueles

afirmados por uma parte e contestados pela outra (artigos 302 e 304 do Código de Processo

Civil); sobre fatos relevantes para o esclarecimento dos pedidos e desde que não notórios

(art. 334 do Código de Processo Civil) e, por último, sobre fatos pertinentes ao litígio.

Nesse tema, sempre importante lembrar a máxima de que o que não está nos autos,

não está no mundo (quod non est in actis nos est in mondo). Esse é um princípio exigível à

parte interessada em provar, posto que tenha atraído para si o ônus da prova pelos fatos

alegados. Ao autor caberá a prova dos fatos constitutivos de seu direito e ao réu, os fatos

impeditivos, modificativos e extintivos do direito (art. 818 da CLT combinado com o art.

333 do Código de Processo Civil)134.

Diante disso, verifica-se que o legislador processual civil adotou a teoria de

Chiovenda e, em especial, a de Carnelutti, para quem, quando determinada pessoa “opõe

uma pretensão em juízo, deve provar os fatos que sustentam; e quem opõe uma exceção

deve, por seu lado, provar os fatos de que resultam”135.

Nada mais justa essa distribuição do ônus objetivo da prova entre os litigantes,

esposada na regra do citado art. 333 do Código de Processo Civil. Sua razão de ser está

atrelada a dois princípios informadores do processo civil: (i) o princípio da igualdade que

prega a equivalência de posição dos litigantes; (ii) o princípio da “auto responsabilidade

132PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade

civil, cit., v. 3, p. 162. 133DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 5.ed., p. 216. 134Id. Ibid., p. 100-101. 135TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A prova no processo do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 1997. p.

111.

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70

dos litigantes” que decorre da situação de isonomia dos litigantes, acarretando-lhes o

dever de suportarem as consequências danosas de sua omissão136.

No direito adjetivo do trabalho, o legislador celetista cunhou regra diversa no que

tange à distribuição do ônus probandi no contexto da reclamatória trabalhista, pelo art. 818

da CLT que dispõe que “a prova das alegações incumbe à parte que as fizer”.

Equivocadamente tem se suposto que este art. 818 expressa o mesmo conteúdo do art. 333

do Código de Processo Civil, mas, de acordo com Manoel Antonio Teixeira Filho, ao

contrário do que afirma uma parte da doutrina, o art. 818 se distancia sobremaneira do

sistema processual civil, especialmente quando analisado sob o aspecto prático.

De fato, o artigo 818 do compêndio da legislação do trabalho brasileira dispõe que

a prova das alegações incumbe à parte que as fizer”. Inicialmente, deve-se lembrar que o

Direito Processual Civil é fonte subsidiária do processo trabalhista (art. 769 da CLT) e,

dessa forma, a aplicação ocorrerá desde que haja omissão na CLT e desde que não haja

incompatibilidade.

Resta, portanto, saber se, frente a um caso concreto posto à cognição do juiz do

trabalho, deve prevalecer a regra específica prevista no art. 818 da CLT ou os fundamentos

contidos no art. 333 do Código de Processo Civil, reconhecidamente mais completo do que

aquela.

O já citado jurista Manoel Antonio conclui, no entanto, que o art. 818 da CLT deve

ser o único dispositivo legal a ser invocado para resolver os problemas relacionados ao

ônus da prova no processo do trabalho, vedando-se, portanto, a invocação supletiva do art.

333 do Código de Processo Civil, haja vista a CLT não ser omissa. Manoel Antonio, assim,

discorda dos que sustentam ser o art. 818 da CLT insuficiente para disciplinar a carga

probatória entre os litigantes137.

O ônus da prova será útil no caso de ausência de produção de provas. De acordo

com o art. 131 do Código de Processo Civil, o julgador irá formar seu juízo de

convencimento a partir das provas constantes dos autos, não importando quem as produziu.

Sendo assim, estando ausentes as provas, ou quando elas forem insuficientes, o julgador

aplicará as regras da distribuição do ônus, indeferindo ou acolhendo o pedido. Segundo

136TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. op. cit., p. 111. 137Id. Ibid., p. 117.

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71

Dallegrave, a teoria do ônus da prova é antes a “teoria das consequências da prova

frustrada”138.

3.3. Espécies de responsabilidades no contrato de trabalho

As relações do trabalho são de longe as mais complexas de nossa sociedade, uma

vez que o próprio ordenamento jurídico reconhece a desigualdade entre as partes. Sendo

assim, não sem razão, o sistema normativo ampara, sobremaneira, o trabalhador, figura

hipossuficiente.

Não é difícil concluir, portanto, a grande importância da responsabilidade civil para

o Direito do Trabalho, especialmente em relação à nova regra de coexistência das

responsabilidades civil subjetiva e objetiva. A responsabilidade civil poderá ser tanto do

empregador como do empregado, em função de danos causados na relação jurídica de

direito material trabalhista.

O empregado, ao celebrar um contrato de trabalho, atrai para si a obrigação de

prestar serviço de forma subordinada. Quando se celebra um contrato de trabalho, o

empregador e o empregado também deverão estar de boa-fé; mas, não é só. O poder

diretivo do empregador (jus variandi), que dirige a atividade do empregado de acordo com

as necessidades de serviço da empresa, deve se ater à finalidade social e econômica do

contrato, sob a pena de caracterizar abuso de direito (art. 187 do Código Civil).

Ao contrário do empregador que, segundo o § 1º do art. 2º da CLT, assume os

riscos da atividade, o empregado, quando celebra o contrato de trabalho, não assume

qualquer risco. Sendo assim, qualquer dano, dentre eles o corporal, moral ou financeiro,

ocorrido em face da atividade profissional fará com que a indenização recaia sobre o

empregador, figura que detém verdadeiramente o risco da atividade e, ainda que o

empreendimento não tenha finalidade lucrativa, mesmo assim, o risco será assumido por

aquele que emprega139.

Assim também defende Maurício Godinho Delgado, no sentido de que o conceito

jurídico de risco vincula o empregador pelos custos e resultados de sua atividade. Para ele,

conforme também o citado posicionamento de Dallegrave, esse conceito se estende aos 138DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 5.ed., p. 101. 139Id. Ibid., p. 118-119.

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empregadores que não exercem tipicamente uma atividade econômica, tal como os

empregadores domésticos, e àqueles que desenvolvam uma atividade de caráter

beneficente140.

O ilustre Professor Octavio Bueno Magano discordava dessa posição, na medida

em que entendia não se estender esse risco a todo e qualquer empregador, mas somente aos

que desempenham atividade rigorosamente econômica, lucrativa (empresas, portanto). E

assim entendia o jurista:

“no conceito de empregador não é essencial a ideia de assunção de riscos, porque nele se compreendem tanto os entes que se dedicam ao exercício de atividades econômicas quanto os que deixam de o fazer, dedicando-se, ao revés, a atividades não lucrativas, como é o caso das instituições de beneficência e das associações recreativas”141.

No contrato de trabalho há dois tipos de responsabilidade: a subjetiva, com assento

na inexecução culposa de obrigação, e a objetiva, cujo dano tem como nexo causal o

simples exercício regular da atividade profissional. Em qualquer uma dessas

responsabilidades, será o empregador a responder pelos danos causados ao empregado.

O Código Civil de 2002 inseriu cláusula geral (parágrafo único de seu art. 927) de

responsabilidade objetiva nos casos de risco da atividade privada em geral, possuindo

longo alcance, na medida em que estabelece a obrigação de indenizar o dano,

independentemente de culpa, diferentemente das normas esparsas até então existentes, que

tratavam de casos específicos, a exemplo do Decreto-Lei n. 318/1967 (trabalhadores em

minas de carvão). Já a cláusula geral do referido parágrafo único fala de uma

responsabilidade objetiva para toda e qualquer atividade que, normalmente exercida, possa

implicar riscos, tema este aqui tratado.

Conforme já esposado, há quem defenda o sistema dual, ou seja, de que as

responsabilidades objetiva e subjetiva estão justapostas. Mas, não é o que defende, por

exemplo, Dallegrave, uma vez que este autor entende que se extrai do caput do art. 927,

em estudo, a responsabilidade subjetiva, assim como da leitura do art. 7º, inciso XXVIII,

140DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2011. p. 394. 141MAGANO, Octávio Bueno. Manual de Direito do Trabalho. V. II, 2. Ed. São Paulo: Ltr, 1986. p. 50 apud

DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 394.

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da CF/1988, quando este prevê a indenização acidentária a cargo do empregador nos casos

em que este incorrer em dolo ou culpa142.

O inciso XXVIII do art. 7º da Carta Magna é expresso e específico ao se referir à

responsabilidade subjetiva do empregador nas ações de indenização. Em regra, o dever de

indenizar o empregado por acidente ou doença de trabalho exige a comprovação da culpa

do empregador. Mas, como já frisado, nos casos previstos em lei ou por força do parágrafo

único do citado art. 927, claro está que o Código Civil abraçou a teoria do risco, sem

abandonar a responsabilidade subjetiva. Significa dizer que o legislador estipulou que

certas atividades geram um risco, sendo que o prejuízo por elas criado deve ser suportado

por aquele que se beneficia dos riscos criados. O parágrafo único aqui em análise, por ser

regra mais favorável ao empregado, será o fundamento aplicável para os casos de acidente

de trabalho. O entendimento é de que o caput do art. 7º da CF/1988 assegura ao empregado

um rol mínimo de direitos, sem prejuízo de outros, sendo então o dispositivo constitucional

meramente exemplificativo143.

O Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula 341144, verifica que a

responsabilidade civil do empregador por ato causado por empregado, no exercício do

trabalho que lhe competir, ou em razão dele, deixou de ser uma hipótese de

responsabilidade subjetiva, com presunção de culpa.

É nesse sentido que a ideia de culpa, na modalidade in elegendo, tornou-se

legalmente irrelevante para se aferir a responsabilidade civil do empregador, propugnando-

se pela mais ampla forma de ressarcir a vítima. O empregador então deve responder pelos

riscos econômicos da atividade exercida e essa responsabilidade é objetiva,

independentemente de quem seja o sujeito vitimado pela conduta do empregado, pouco

importando que seja outro empregado ou um terceiro (cliente, fornecedor etc.)145.

142DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 5.ed., p. 120. 143Processo TRT/SP n. 0001888-26.2011.5.02.0361 (20140012986). Recurso Ordinário. 1ª Vara do Trabalho

de Mauá. Ementa: Recurso Ordinário. Ação de indenização por dano moral e material decorrente de acidente do trabalho. Responsabilidade objetiva. Aplicação do parágrafo único do art. 927 do Código Civil. Em regra o dever de indenizar o empregado por acidente ou doença do trabalho exige a comprovação da culpa do empregador, conforme inciso XXVIII do art. 7º da CF/1988. No entanto, nos casos previstos em lei ou nos casos em que o risco for inerente à atividade desenvolvida normalmente pelo empregador a sua responsabilidade será objetiva, conforme parágrafo único do art. 927 do Código Civil.

144Súmula 341. É presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto. (Data de aprovação: Sessão Plenária de 13/12/1963.)

145PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, cit., v. 3, p. 282.

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74

Ressalte-se aqui o direito de regresso daquele que ressarciu o dano causado por

outrem, previsto no art. 934 do Código Civil. No campo do Direito do Trabalho, a questão

é mais complexa, devendo ser interpretada considerando o que dispõe o art. 462 da CLT146.

É pacífico na jurisprudência que a possibilidade de desconto por dano há de ser

expressa em contrato, quando decorre de culpa do empregado. Se decorrente de dolo

devidamente provado, é lícito o desconto, ainda que não ajustado expressamente147.

Na esteira da responsabilidade objetiva do empregador por danos causados pelo

empregado, há entendimento de que não existe qualquer óbice quanto ao terceiro

prejudicado propor a ação além do empregador, ou seja, também direcionada ao

empregado, sustentada na ideia de responsabilidade civil subjetiva. Assim, a ação seria

proposta diretamente contra os dois sujeitos, buscando uma solução integral da lide, com

todos os campos da responsabilidade em uma única lide, evitando sentenças contraditórias.

Sendo a propositura apenas contra o empregador, há entendimento de que seria possível a

intervenção de terceiros, conhecida como denunciação da lide148.

Mas, além da responsabilidade civil objetiva positivada que trata dos danos

causados pelo empregador, relevante tratar daquele dano causado ao empregado. Porém,

aqui não temos uma norma disciplinadora que traga a resposta, dependendo, dessa

maneira, das circunstâncias em que o dano ocorreu para que a solução se apresente.

Pamplona e Stolze defendem a tese de que se trata da responsabilidade subjetiva e

exemplificam com o caso de um cliente do empregador que colida com o carro estacionado

do empregado. Nesta situação, a responsabilidade não será imputada ao empregador ainda

que o carro do empregado esteja estacionado no estabelecimento da empresa e que a

colisão tenha ocorrido dentro do horário de trabalho do empregado prejudicado.

No entanto, diferente seria se o próprio empregador colidisse seu carro com o

automóvel do empregado. O elemento dolo ou culpa deverá ser demonstrado em juízo, sem

146“Art. 462. Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando

este resultar de adiantamentos, de dispositivos de lei ou de contrato coletivo. § 1º Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado. § 2º ... § 3º ... § 4º ...”

147MANUS, Pedro Paulo Teixeira; ROMAR, Carla Teresa Martins. CLT e Legislação Complementar. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 156.

148PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil, cit., v. 3, p. 283-284.

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75

que isso queira dizer que os danos causados ao empregado sejam sempre de ordem

subjetiva, embora, os autores em destaque entendam que sim, posto que, neste caso, não se

levaria em conta o aspecto empresarial, no qual a responsabilidade seria a objetiva149.

Vemos como tendência nos julgamentos pelos tribunais do trabalho o,

entendimento a favor da responsabilidade objetiva do empregador e, embora existam

julgados em contrário, as decisões demonstram claramente um acolhimento importante da

teoria do risco empresarial. Essa tendência significa um avanço nos rumos da

responsabilidade civil, tendo em vista que um grande contingente de atos danosos podem

ficar sob a proteção da culpa, nem sempre possível de ser provada.

O Direito contemporâneo com forte inclinação para a socialização dos riscos, em

harmonia com o objetivo fundamental da construção de uma sociedade livre, justa e

solidária, inovou os contornos antes demarcados, fazendo com que o julgador, no conjunto

de atos do empregador, considere também os prejuízos causados ao meio ambiente do

trabalho e à saúde do trabalhador, prejuízos estes que independem da culpa.

Dessa forma, a expansão da responsabilidade civil objetiva fez com que a doutrina,

o legislador e a jurisprudência, definitivamente, se distanciassem dos antigos paradigmas,

voltando-se hoje para as circunstâncias objetivas que interferem e prejudicam o meio

ambiente de trabalho, posicionando-se ao lado da vítima do dano e, assim, o enfoque

central da responsabilidade civil não é mais o autor do ilícito.

3.4. Inexecução contratual. Indenização suplementar e cláusula penal

Para Judith Martins-Costa constituem o eixo valorativo da obrigação de indenizar

“a) o princípio da boa fé objetiva (art. 422), que marca o standard da conduta devida ao largo da relação obrigacional; b) as pautas estimativas da ilicitude, cujas normas gerais estão fixadas nos arts. 186 e 187, sendo de exponencial importância a adstrição à finalidade econômico-social do negócio (art. 187); e c) critério da utilidade da prestação, que marca a transformalidade (ou não) do inadimplemento, de relativo (mora) para absoluto (art. 395, parágrafo único)”150.

149PAMPLONA FILHO, Rodolfo; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: responsabilidade

civil, cit., v. 3, p. 286-287. 150MARTINS-COSTA, Judith. O adimplemento e o inadimplemento das obrigações no novo Código Civil e

o seu sentido ético e solidarista, cit., p. 362.

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Assim, tem-se que o Código Civil de 2002, ao colocar a lei como fonte de

obrigações capaz de ensejar mora, foi determinante para a criação da inexecução por

responsabilidade objetiva (art. 422).

Maria Helena Diniz diz

“que o dano pressupõe sempre a violação de um dever jurídico, seja decorrente de lei ou convenção das partes, como nos casos de obrigações contratuais, integrantes de determinado negócio jurídico. A estrutura da norma jurídica descreve uma postura de conduta como seu objeto primário, e determina uma consequência como sanção a seu descumprimento secundário, cujas características principais são a imperatividade, que é a descrição das condutas permitidas ou proibidas, e o autorizamento (sic), consistente na permissão ao lesado de exigir o seu cumprimento, a reparação do dano ou a reposição do estado anterior 151”.

Embora frustrado o ideal da responsabilidade civil de retorno ao status quo ante,

por imperativo de justiça, tomando-se em consideração o princípio geral de não lesar,

conclui-se que a vítima não deve restar desamparada, para não ter a sua situação mais

agravada e, portanto, há que haver a reparação, desde que ausente a sua colaboração (força

maior e culpa) para esta reparação.

Regulada nos artigos 408 a 416 do Código Civil, a cláusula penal pode se referir à

inexecução completa da obrigação ou simplesmente à mora. No caso de descumprimento

total, a pena funciona como ressarcimento prefixado dos danos.

Tradicionalmente, entende-se que na ocorrência de inadimplemento absoluto surge

ao credor o direito de escolher uma destas duas opções: exigir do devedor o desempenho

da obrigação principal, juntamente com a multa moratória (se o cumprimento tardio da

obrigação ainda for do seu interesse), ou resolver o contrato e pedir perdas e danos, caso

em que, normalmente, deverá se subsumir aos efeitos da pena compensatória

contratualmente ajustada.

Dallegrave aponta que da lei depreende-se tanto o inadimplemento quanto a mora.

Ambos são formas de inexecução contratual, de acordo com os artigos 389 e 394 do novo

Código Civil. A força maior ou a culpa exclusiva do credor descaracterizam o

inadimplemento e a mora e, por consequência, a indenização. O autor segue pontuando que

o inadimplemento é a inexecução absoluta, enquanto a mora implica inexecução relativa.

151DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva,

2002. v. 7, p. 172.

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No inadimplemento, o devedor se nega a cumprir a obrigação e, na mora, uma vez que

pode ser purgada, se assim desejar o devedor, a prestação é possível de ser realizada152.

Frise-se que a responsabilidade aqui tratada é a objetiva, embora comporte

exceções de entendimento, onde há quem entenda que essa responsabilidade também pode

ser subjetiva e, desta forma, estaríamos diante do sistema dual. A boa-fé objetiva de que

trata o assunto inadimplemento, consequente dano e posterior indenização é a do art.

422 do Código Civil, que será aplicado tanto na fase pré-contratual, quanto na execução do

contrato, ou mesmo em relação à pós-eficácia das obrigações.

Dallegrave, nesse sentido, cita a jurista portuguesa Ana Prata, posto ser ela a

observar que tanto no pré-contrato como na sua execução há uma relação jurídica, o que

vale dizer que a eventual indenização daí resultante refere-se a um direito relativo e não a

um ocasional direito absoluto e geral de não lesar. É Ana Prata que pontua que

“a relação entre aqueles que negociam, com vista ‘a conclusão de um contrato’, ou o celebram, nada tem de semelhante com a relação ocasional com que se estabelece entre sujeitos não ligados por uma relação jurídica, antes se aproximando da relação contratual ou para-contratual”153.

Nessa esteira, temos o pensamento de Martins-Costa, apontando inicialmente a

importância dessa estrutura, uma vez que a obrigação de indenizar ganhou local próprio,

isto é, nos artigos 917 a 943 e, separadamente, se tratou da indenização nos artigos 944 a

954.

Pela importância da automatização da obrigação de indenizar, referida autora faz a

comparação com o previsto no Código Civil português e, neste sentido, menciona o

doutrinador português Antonio Costa, uma vez que ele assinala a importante novidade de

ordem sistemática, pois, se reúnem, em um único instituto, os princípios relativos aos

efeitos da responsabilidade civil, que são comuns “as suas várias modalidades (contratual,

extracontratual, pré-negocial, pós-negocial, subjetiva, objetiva)”154.

152DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 5.ed., p. 121. 153PRATA, Ana. Notas sobre a responsabilidade pré-contratual. Lisboa. 1991. p. 212. Apud

DALLEGRAVE NETTO, José Affonso. Responsabilidade civil pré e pós-contratual no direito do trabalho. Revista do TRT - 9ª Região, Curitiba, ano 29, n.53, p. 60, jul./dez. 2004.

154MARTINS-COSTA, Judith. O adimplemento e o inadimplemento das obrigações no novo Código Civil e o seu sentido ético e solidarista, cit., p. 363.

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Nesse sentido, a doutrina espanhola, nas palavras da citada Emilia Conde Marín155,

revela que talvez o aspecto mais problemático do dever (adimplemento) de boa-fé, na

relação contratual e especialmente na etapa pré-negocial, surja no plano da efetividade dos

requisitos legais e da existência de um eficaz sistema sancionador dos descumprimentos do

dever de boa-fé.

Assim dispõe a jurista:

“La fase de formación del contrato es um supuesto de hecho, no siendo acertado identificar en todo caso fase precontratual y responsabilidade extracontratual; cuando un sujeto no actúa como le era exigible sobre la base de los mandatos de la buena fe, su comportamento es ya antijurídico, sin prejuzgarse por ello el carácter contractual o extracontractual que la reclamación tenga. Cada ordenamento aporta su solución. No olvidemos además, que las actuaciones que se den en fase de tratos no solo inciden en esa etapa sino que pueden repercutir en la posterior relación contractual, por ejemplo, invalidando el contrato futuro u obligando a la contraparte, por algún incumplimiento precontractual própio, a aceptar un contrato que no quiso o, al menos, no en esas condiciones”.

E prossegue a autora, se ocupando também dos fundamentos para a indenização

quando instalada a inexecução contratual.

“(...) discutida cuestión es la del quantum de la reparación, es decir, a cuánto debe ascender el montante de la indemnización y cuál es el daño que de debe compensar. Em la doctrina alemana se manejan los términos que no se utilizan por nuestro ordenamento, de interés negativo e interés positivo para identificar respectivamente la diminución patrimonial que se sufre y que se hubiera evitado si no se hubiese celebrado el contrato o no se hubiesen iniciado los tratos, y las ganancias que se hubiesen obtenido de haberse celebrado el contrato, o lo que es lo mismo, las que hubieran derivado de su cumplimiento. Nuestro ordenamento simplesmente valora el dano producido estableciendo una adequada relación de causalidade entre el acto que lo provocó y el perjuicio ocasionado, quiere decirse que para que sea exigida la responsabilidade deben confluir unas condiciones esenciales: el daño, la culpa y el nexo causal. El daño se compone de daño emergente, la perdida económica repentina y el lucro cessante, esto es, la falta de ganancia por efecto de la interrupción de la negociación; ambos deben ser probados y sin duda el segundo es el que mayores dificultades encuentra para ser justificado en lo que bien pudo ser solo una posibilidad o una hipótesis, no una certeza”.

155CONDE MARÍN, Emilia. op. cit., p. 192, 196-197.

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Conclui a doutrinadora o seu pensamento:

“De todos modos, se considera rechazable la indemnización por incumplimiento de um contrato que nunca se celebró, pues se llegaría al absurdo de identificar un proyecto de contrato com el contrato mismo, lo que chocaria de manera frontal con esse mínimo de buena lógica y de seguridade jurídica que el Derecho debe amparar. Sería poco razonable que alguien obtuviese las ventajas económicas de un contrato sobre el que previamente no se consintió o no se llegó a consentir. El daño debe ser adecuadamente conectado con la culpa del sujeto, sobre la que se puede ser más se más o menos exigente, desde que esta sea suficientemente evidente e indiscutible a que no se requiera la presencia de gravedad alguna ni intencionalidade em la actuación, passando por um comportamento próprio de um hombre de diligencia media”156.

Verifica-se então que a questão não é pacífica, uma vez que parte da doutrina, até

mesmo a estrangeira, não concorda que no momento das tratativas preliminares as partes

não estejam jungidas por qualquer relação jurídica e que, portanto, não haja obrigação com

força vinculante, mas apenas um dever geral de boa-fé157.

Relativamente ao valor da compensação frente aos reais danos, o Código Civil

confiou no consenso dos contratantes para corrigir eventual irrisão desse valor. Em tal

situação, a lei faculta ao credor exigir do devedor uma “indenização suplementar”, hipótese

em que a pena valerá como indenização mínima, competindo ao credor provar o prejuízo

excedente.

O art. 404 do Código Civil prevê:

“Art. 404. As perdas e os danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagos com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional.

Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar”. (grifo nosso)

O parágrafo único do art. 404 do Código Civil encontra abrigo no parágrafo único

do art. 8º da CLT, pois não há indenização similar prevista na legislação trabalhista, nem

tampouco haveria contrariedade aos princípios fundamentais do direito laboral. Afinal,

reparação de dano é sempre benéfica aos trabalhadores. 156CONDE MARÍN, Emilia. op. cit., p. 199-200. 157FREITAS GOMES, Luiz Roldão. Elementos de responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p.

264-265. Apud DALLEGRAVE NETTO, José Affonso. Responsabilidade civil pré e pós-contratual no direito do trabalho, cit., p. 60.

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Percebe-se do disposto em comento (art. 404) que o preceito nele contido tem

grande aplicabilidade nas relações de trabalho, uma vez que a principal obrigação do

empregador durante a execução do contrato de trabalho consiste no pagamento de salário.

O inadimplemento dessas obrigações durante o curso do contrato acarreta danos ao

trabalhador, os quais, por sua vez, podem ser superiores aos juros de mora. Assim,

havendo prova nos autos de que os juros não cobrem os prejuízos experimentados pelo

obreiro, poderá o juiz trabalhista conceder uma indenização suplementar.

Essa afirmação de que o juiz trabalhista poderá estabelecer uma indenização

suplementar ex-officio vem a ser a aplicação do princípio da razoabilidade que, legitimado

pelo caput do art. 8º da CLT, corrobora a proteção daquilo que está além do interesse das

partes, bem como traduz a “ampla liberdade na direção do processo”, que o art. 765, da

CLT, assegura aos juízos e tribunais do trabalho.

No que tange à clausula penal, trata-se de uma indenização prévia das perdas e

danos, estipulada de forma livre e facultativa pelas partes, que incidirá em caso de mora ou

inadimplemento. Não poderá essa cláusula penal exceder o valor da obrigação principal e

seu valor, a rigor, é imutável (artigos 409, 413 e 416 do Código Civil).

3.5. Obrigações principais, secundárias e deveres anexos

De razoável conclusão que a inexecução contratual importa não apenas na

inadimplência da obrigação principal, como também, no não cumprimento da obrigação

secundária ou de algum dever anexo de conduta.

As obrigações principais ocupam o próprio núcleo objeto do contrato. Na esfera

laboral, a obrigação principal do empregado é de meio e se traduz em trabalhar de maneira

subordinada e de acordo com as diretivas do empregador. Por outro lado, a obrigação

principal do empregador é de resultado e consiste na remuneração do trabalho prestado de

acordo com o valor pactuado, sob a pena de indenizar o prejuízo decorrente (art. 389 do

Código Civil).

De acordo com Dallegrave, as obrigações secundárias podem ser subdivididas em

duas: (i) aquelas meramente acessórias às obrigações principais, as quais preparam o seu

regular cumprimento e (ii) aquelas com prestação autônoma, que revelam verdadeiros

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sucedâneos da obrigação principal, como dever de indenizar resultante da impossibilidade

culposa da prestação158. Como exemplo da violação desses deveres, o autor indica, na primeira

espécie, o pagamento de salário com cheques de terceiros ou cheques cruzados, em ofensa à

Portaria do MTE n. 3.281/1984. Na segunda espécie (obrigação secundária autônoma), o autor

aponta a incidência de multa normativa para o pagamento salarial em mora159.

Ainda, nas palavras de Couto e Silva, os deveres secundários comportam tratamento

que abranja toda a relação jurídica. Poderão ser examinados durante o curso ou o

desenvolvimento da relação jurídica e, em certos casos, posteriormente a adimplemento da

obrigação principal. Os deveres secundários consistem em indicações, atos de proteção, como

o dever de afastar danos, atos de vigilância, de guarda de cooperação, de assistência160.

Toledo Coelho discorre sobre os deveres anexos, na medida em que eles formam o

núcleo da cláusula geral da boa-fé e, para parte da doutrina, estão também inseridos na

função limitadora do direito. Para ele, trata-se da função mais relevante da boa-fé na fase

pré-contratual e que cria para ambas as partes um determinado standard de comportamento

com o objetivo de alcançar a finalidade do contrato. Os deveres anexos decorrem da noção

de obrigação como processo complexo e atinam à conduta das partes, não se confundindo

com a obrigação principal ou complementar. São eles que resguardam os interesses dos

envolvidos na relação negocial161.

Dallegrave afirma que a necessidade de se observar os deveres anexos de conduta

por parte dos contratantes encontra eco no solidarismo constitucional, que enaltece a

dignidade do homem, na construção de uma sociedade livre, justa e solidária (artigos 1º,

III, e 3º, I, da CF/1988). Só se valoriza e se recepciona os deveres de conduta, a partir de

uma visão dinâmica, complexa e solidária, inspirada pela boa-fé objetiva. E vai neste

sentido a cláusula geral dos contratos positivada no art. 422 do Código Civil. Dessa forma,

pode-se dizer que os deveres anexos de conduta constituem não apenas o princípio da boa-

fé, como também a projeção de outros valores, tais como a função social do contrato e da

propriedade e a dignidade da pessoa humana162.

158DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 5. ed., p. 124-

125. 159Id. Ibid., p. 125. 160COUTO E SILVA, Clóvis. Obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky, 1976. p. 112. Apud

COELHO, Luciano Augusto de Toledo. op. cit., p. 86. 161COELHO, Luciano Augusto de Toledo. op. cit., p. 86. 162DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 5. ed., p. 124-

125, 127.

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CAPÍTULO IV. RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL –

CULPA IN CONTRAHENDO

O filósofo prussiano Immanuel Kant foi um dos grandes teóricos a dar consistência

relevante ao conceito de dignidade da pessoa humana. O princípio da dignidade da pessoa

humana, dentre outros, é novo paradigma a suportar as relações jurídicas, inclusive as de

cunho patrimonial.

Para Kant, a dignidade da pessoa humana está unida à ideia de tratar todos os

homens como um fim em si. Para ele, é imperativo que a humanidade seja tratada, na sua

pessoa ou na de outra, sempre como um fim em si e jamais como um meio. A pessoa

humana é, por isso, indisponível até mesmo por ato próprio.

Essa conclusão, pode-se dizer, vem de encontro ao repúdio do utilitarismo (bem-

estar máximo – bem-estar de todos) por Kant, pois, segundo ele, “ninguém pode obrigar-

me a ser feliz, segundo sua concepção do bem-estar alheio, porque cada um deve buscar

sua felicidade da maneira que achar conveniente, desde que não infrinja a liberdade dos

outros” de fazer o mesmo163.

Então, o fim natural de todos os homens é a felicidade. Mas, cada homem deve

tomar os fins e a felicidade do outro, na medida do possível, como os seus fins.

Nessa esteira, Dallegrave também destaca que atualmente se fala muito no direito à

felicidade. O próprio Supremo Tribunal Federal fez menção, em acórdão do Ministro

Relator Carlos Velloso, que ressalta ser uma das razões mais relevantes para a existência

de normas o direito do homem de buscar a felicidade. Desde então, o termo felicidade

passou a ser cada vez mais mencionado por ministros dos tribunais superiores164.

Dessa forma, é de fácil compreensão que a dignidade da pessoa humana é

princípio limitador de todos os demais princípios. Por isso, é necessário que todas as

autonomias se conectem para serem reciprocamente válidas. Conclui-se, portanto, que

toda a ação individual deve levar em consideração todos os outros como fins em si

163SANDEL, Michel J. Justiça. O que é fazer a coisa certa. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

2012. p. 171. 164DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho, cit., 5. ed., p. 175.

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mesmo, o que decreta a prevalência da existência (que uma coisa é) sobre a essência (o

que uma coisa é)165.

Com essa premissa, qual seja, de que a dignidade da pessoa humana é princípio a

ser definitivamente respeitado nas relações jurídicas, é que se constrói o princípio da boa-

fé, donde advém a transformação do que anteriormente prevalecia, de que os sujeitos da

relação atuassem apenas no sentido do cumprimento da obrigação principal.

No Direito moderno, espera-se que as partes se comportem com adequação e dentro

do esperado pela parte contrária, sendo também objeto de tutela, a confiança que as partes

depositam umas nas outras. É por isso que a diferença entre deveres jurídicos e obrigação

ganha importância no sentido de distinguir a obrigação principal daquelas que incidem

antes, durante e após o vínculo obrigacional complexo166.

Na opinião de Toledo Coelho, as transformações advindas pelo novo e

constitucionalizado Código Civil brasileiro, que leva em conta o declínio da autonomia da

vontade, pouco ou nada parecem ter-se alterado na esfera do Direito do Trabalho, no

sentido de amplitude dos direitos do trabalhador167. E por isso a importância de um olhar

severo sobre os contratos de trabalho, que devem estar longe de surtirem efeitos apenas a

partir de sua formalização.

Roppo, em sua visão civilista, dispõe em sua obra que a conclusão de um contrato é

geralmente precedida e preparada por uma fase de negociações, no decurso da qual as

partes discutem termos e condições do negócio, para procurarem um ponto de equilíbrio

entre as respectivas posições de interesses e depois para atingirem a formulação de um

regulamento contratual que satisfaça suas exigências. O autor ainda adverte que muitas

vezes a conclusão do contrato não representa o êxito de negociações verdadeiras e

próprias, de uma discussão livre e paritária entre as partes, mas antes, uma imposição

unilateral de um contrato pré-fixado antecipadamente por uma parte168.

E mais, cita o autor as hipóteses em que as negociações se interrompem sem uma

conclusão útil, podendo acontecer no decurso das mesmas que uma das partes se comporte

de modo desleal e, atendendo ao seu próprio interesse, tome iniciativas incorretas que

prejudiquem injustamente a outra parte. E assim, por impedir a conclusão de um negócio, a 165POPP, Carlyle. A eficácia externa dos negócios jurídicos. In: LOTUFO, Renan; NANNI, Giovanni Ettore

(Coords.). Teoria geral dos contratos. 1. Ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 146-147. 166COELHO, Luciano Augusto de Toledo. op. cit., p. 54-55. 167Id. Ibid., p. 56. 168ROPPO, Enzo. op. cit., p. 105-106.

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vítima da incorreção do outro sofre danos. Deverá a parte prejudicada obter os

ressarcimentos devidos, por culpa da parte desleal.

Roppo menciona o art. 1.337 do Código Civil italiano que estabelece que “as partes

no decurso das negociações e na formação do contrato devem comportar-se segundo a boa-

fé”. Da violação desta obrigação e dos danos daí derivados, resulta a responsabilidade pré-

contratual. Porém, a ruptura das negociações gera a responsabilidade e indenização

respectivas, quando é injustificada e arbitrária.

O Código Civil brasileiro de 2002 determina, em seu art. 422, que os contratantes

são obrigados a observar os princípios de probidade e boa fé, tanto na execução quanto na

conclusão do contrato.

Tais princípios visam a proteger a segurança jurídica dos negócios, vinculando as

partes a agirem de maneira proba, sem causar prejuízo a outrem, sob a pena de reparação

integral do dano (art. 944 do Código Civil)169.

Verifica-se assim que o contrato é uma relação obrigacional que abrange três

categorias: (i) fase pré-contratual ou de negociações preliminares; (ii) fase contratual; e

(iii) fase pós contratual.

O Direito deve regular cada uma delas, conforme explica Daniel Ustárroz:

“Admitida a ideia de que a relação obrigacional não é estática e que abriga uma série de etapas, é natural que o direito se preocupe em estender a tutela aos participantes a todo o iter obrigacional, ou seja, desde a aproximação negocial até mesmo após a extinção do vínculo. A satisfação deve ser garantida dentro de uma visão globalizada que já não se limita exclusivamente ao tempo da execução do contrato”170.

Por isso, o Direito visa a proteger os contratantes desde a fase pré-contratual, onde

há um acordo de vontades, de intenções, até a fase pós-contratual, na qual a obrigação

pactuada foi extinta.

Na fase pré-contratual, os contratantes expõem suas vontades, a fim de celebrar um

negócio equilibrado para ambas as partes. Esse acordo de vontades gera obrigações e, por

consequência, responsabilidades.

169“Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva

desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização”. 170USTÁRROZ, Daniel. Direitos dos contratos: temas atuais. 2. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livr. do

Advogado, 2012. p. 44-45.

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85

Assim, considera-se que a responsabilidade pré-contratual surge da violação do

dever de conduta, que deve estar presente mesmo na fase que antecede a formação da

relação contratual.

O dano pré-contratual decorre da culpa in contrahendo, ou seja, há conduta culposa

ou dolosa na fase ainda negocial, devido ao descumprimento dos padrões da boa-fé e dos

deveres de informação e lealdade. A culpa in contrahendo também atrai como conceito

“toda a infração do dever de atenção que se há de esperar de quem vai concluir contrato, ou

de quem levou alguém a concluí-lo”171.

Neste sentido Antônio Chaves afirma que:

“As negociações, uma vez iniciadas, já compõe um fato, tendo um valor jurídico, embora não decisivo, constituindo uma manifestação concreta e definitiva, como seria o caso de uma declaração de vontade propriamente dita, mas não apresentado menos uma relação de caráter jurídico existente e estabelecida entre as partes, de tal modo que é impossível, numa forma e numa medida a serem determinadas, que o direito não leve em consideração as relações principiadas. Elas já entraram no seu domínio, não são fatos que lhe sejam indiferentes e estranhos”172.

A grande discussão doutrinária acerca da fase pré-contratual é qual tipo de

responsabilidade que é gerada, no caso de violação dos deveres de uma das partes.

Toledo Coelho173 sustenta que: “a responsabilidade pela violação da quebra de

dever específico na condição de pré-contratante se enquadra na responsabilidade

contratual”.

Carlyle Popp fundamenta o enquadramento do dano pré-negocial na

responsabilidade civil do tipo contratual:

“A relação jurídica não nasce do ilícito, mas é a ele preexistente. O dever genérico de não prejudicar não nasce do ordenamento jurídico, mas sim, do conteúdo das tratativas e da conduta das partes. Isto porque, vista a obrigação como totalidade, estes deveres acessórios geram a obrigação de prestar, mas somente àqueles que se encontram sujeitos a este vínculo preexistente”174.

171PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 3. ed. São Paulo: Ed. Revista

dos Tribunais, 1984. t. 38, p.. 320. 172CHAVES, Antônio. Responsabilidade pré- contratual. 2. ed. São Paulo: Lejus, 1997. p. 144. 173COELHO, Luciano Augusto de Toledo. op. cit., p 116. 174POPP, Carlyle. Responsabilidade civil pré-negocial: o rompimento das tratativas. Curitiba: Juruá, 2001.

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No mesmo sentido Antônio Chaves entende que: “Uma vez iniciadas as

negociações para a formação de um contrato, as partes se encontram unidas por uma

relação jurídica que as obriga a manterem relações recíprocas, o dever de indenizar deverá

reger-se por normas contratuais” 175.

Por outro lado, Caio Mário da Silva Pereira176 sustenta que há dificuldade “na

determinação concreta da culpa in contrahendo, vez que para tanto se exige a conciliação

de dois princípios: da liberdade contratual e da boa-fé no momento da condução das

tratativas negociais”. Assevera ainda que a culpa daí advinda é aquiliana e não contratual,

vez que baseada na regra geral de que a ninguém é dado prejudicar outrem (neminem

laedere), e, portanto, não se trata de violação de cláusula contratual, “pois que, nesta fase,

ainda não existe contrato.”

Maurício Godinho Delgado destaca que:

“De maneira geral, é inquestionável que descabe falar-se em indenização pela ocorrência de uma fase de entendimento pré-contratuais, que veio a mostrar-se, em seguida, frustrada em seus aparentes objetivos iniciais. Não se formulando e apresentando, efetivamente, a solicitação, não há que se inferir o surgimento de obrigações entre as partes. É que as negociações prévias são inerentes a qualquer contrato, não traduzindo, necessariamente, proposta efetiva, com o que, regra geral, não ensejam obrigação de indenizar”177.

Há uma terceira corrente, como a do doutrinador Mota Pinto178, segundo o qual

nem a teoria contratualista, nem a extracontratualista são corretas. Para ele, os sujeitos não

estariam relacionados por um vínculo específico, nem por um vínculo geral do dever de

não causar dano, mas por uma miscigenação entre ambos. Nesse sentido, há quem entenda,

portanto, que a responsabilidade civil pré-contratual seria uma espécie de terceiro gênero,

com normas próprias. Segundo Judith Martins-Costa, a responsabilidade civil pré-

contratual seria o gênero do qual se inserem três espécies: (i) a responsabilidade delitual,

assentada em culpa ou delito civil; (ii) a responsabilidade objetiva extracontratual

(parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil brasileiro); e ainda (iii) a

175CHAVES, Antônio. op. cit., p. 107. 176PEREIRA, Caio Mario da Silva. Responsabilidade civil. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 74. 177DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2013.. p. 1504. 178PINTO, Carlos Aberto Mota. A reponsabilidade pré-negocial pela não conclusão dos contratos. Coimbra:

Boletim da Faculdade de Direito na Universidade de Coimbra, Coimbra, p. 143-252, 1966.

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responsabilidade pré-contratual, caracterizada pelo momento da produção do dano e pela

especialidade do dever violado (deveres de proteção pré-contratuais)179.

A culpa in contrahendo se explica pelo nascimento de direitos e obrigações, mesmo

quando inexiste o contrato, a partir dos contatos havidos entre as partes. A interação

comporta graus de proximidade, sendo que o negócio jurídico representa a proximidade

máxima e, o âmbito da responsabilidade delitual, a proximidade mínima. O período pré-

contratual representa uma zona intermediária, de contatos, que são menos do que um

contrato, porém, já são mais do que a relação social derivada de uma relação nascida de um

delito civil180. Temos assim que o contato entre as partes faz nascer a expectativa,

expectativa esta legítima a originar o vínculo obrigacional na fase pré-contratual.

Porém, pela ótica do Direito do Trabalho, temos que a teoria predominante é a

contratualista. A relação trabalhista, no ordenamento pátrio, é encarada como de natureza

contratual, pois incumbe às partes a pactuação de seus deveres e direitos recíprocos,

observadas as disposições legais pertinentes ao tema.

Por óbvio que a não contratação de um candidato faz parte do direito potestativo do

empregador, todavia, o que se veda é a conduta do empresário de procrastinar as

negociações, fazendo com que o eventual empregado tome atitudes que o leve a entender

que o emprego está concretizado (realização de exames médicos, entrega da CTPS etc.).

O que existe no pré-contrato é a vontade de ambos os contratantes da realização do

contrato. Desse modo, uma das fontes do contrato é a vontade que, por sua vez, enseja

obrigações que geram responsabilidades.

Portanto, cada contratante defenderá seus interesses buscando um acordo que

melhor faça convergir as vontades em questão e que não represente qualquer prejuízo.

Assim, os contratantes na fase pré-contratual terão que zelar pela lealdade,

probidade, honestidade e boa-fé para que uma eventual desistência de contratar não

represente prejuízos financeiros ou morais injustos para a outra parte.

Contudo, como se demonstra pelo exposto, ao contrário da legislação civil

italiana e da legislação laboral portuguesa, aqui já debatidas, a responsabilidade pré-

179MARTINS-COSTA, Judith. Um aspecto da obrigação de indenizar: notas para uma sistematização dos

deveres pré-negociais de proteção no direito civil brasileiro. In: STOCO, Rui; MENDES, Gilmar Ferreira (Coord.). Doutrinas essenciais de direito civil. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2010. v. 4, p. 693.

180Id. Um aspecto da obrigação de indenizar: notas para uma sistematização dos deveres pré-negociais de proteção no direito civil brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 97, n. 867, p. 11, jan. 2008.

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contratual no Direito brasileiro é principiológica, não havendo norma que discipline, de

forma expressa, esta espécie de responsabilidade do empregador.

4.1. Direito estrangeiro

4.1.1. Direito alemão

A necessidade da imposição da reparação de danos na fase pré-contratual vem

sendo cada vez mais contemplada pelos tribunais brasileiros. Essa responsabilidade,

conhecida como responsabilidade pré-contratual, foi batizada na Alemanha pela

terminologia latina de culpa in contrahendo e difundida para o mundo desde o famoso

ensaio de Jhering, de 1861, considerado historicamente o criador do instituto. Jhering, da

pequena cidade de Göttingen, no norte da Alemanha, defendeu na época a tese da

ressarcibilidade de danos oriundos da celebração de contrato nulo em decorrência da

violação de um dever de cuidado, presente na fase de formação do negócio, o qual impõe

às partes o dever de remover todos os óbices, materiais e jurídicos, à validade do negócio.

Sua teoria, contudo, foi apenas o pontapé inicial para o aprofundamento dogmático,

realizado no decorrer do século XX pela jurisprudência alemã, de uma figura

importantíssima que provocaria profundas alterações no direito das obrigações alemão e

irradiaria seus efeitos sobre vários ordenamentos jurídicos europeus e latino-americanos181.

Ainda, o Código Civil alemão (BGB) baseia-se em dois princípios fundamentais: o

da autonomia privada (privat autonomie) e o da confiança (vertrawensgrundsatz). Segundo

Rogério Ferraz Donnini, o primeiro princípio indica que toda a pessoa capaz de agir pode

estipular efeitos jurídicos, pela declaração de vontade. O segundo princípio advém da

moral social e impõe um dever de lealdade nas relações jurídicas. A culpa in contrahendo

é acolhida pela doutrina e jurisprudência da Alemanha e tem como fundamento o § 242 do

BGB que prescreve o seguinte: “o devedor deve executar a prestação como o exige a boa-

fé, levando em consideração os usos do tráfico”182.

181FRITZ, Karina Nunues. A responsabilidade pré-contratual por ruptura injustificada das negociações.

Revista Eletrônica Civilistica, ano 1, n. 1, 2012. Disponível em: <http://civilistica.com/a-responsabilidade-pre-contratual-por-ruptura-injustificada-das-negociacoes/>.

182DONNINI, Rogério Ferraz. Responsabilidade civil pós-contratual. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 50.

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Na Alemanha, a relação obrigacional é estendida tanto na fase pré-contratual

quanto na pós-contratual, de acordo com a reforma do Código alemão de 2001 que no §

311, acrescentou o inciso II, cuja redação é:

“(...) (2) Uma relação obrigacional, com os deveres decorrentes do § 241, inciso 2, surge ainda através: 1. do início de negociações contratuais; 2. da preparação de um contrato, durante a qual, uma parte, com vistas a uma eventual relação negocial, permite à outra a possibilidade de atuar sobre seus direitos, bens jurídicos e interesses, ou confia-lhe os mesmos”.

A preparação do contrato, portanto, consiste em um contato com finalidade

negocial, distinto das negociações pela ausência de discussão acerca de determinado

negócio jurídico. É um contato marcado pela possibilidade de atuação sobre bens, direitos

e interesses da contraparte. Exemplos típicos são as conversas preliminares e sondagens183.

Observa-se, assim, que o Direito alemão protege a relação contratual desde a sua

fase de negociação, tanto que consagra o dever de proteção ou de cuidado (Schutzpflichten)

como um dos principais deveres da fase pré-negocial, visando a proteger o patrimônio das

partes e de terceiros.

4.1.2. Direito italiano

A partir de Ihering, outros autores se debruçaram sobre o tema, a exemplo do

italiano Gabrielle Faggela que, no início do século passado, tratou da questão.

Posteriormente também Alberto Trabucchi, ao tratar da responsabilidade pré-contratual,

reporta-se ao art. 1.337 do Codice Civile (1942) que dispõe expressamente sobre

responsabilidade: “Trattative e responsabilità precontrattuale. – Le parti, nello

svolgimento delle trattative e nella formazione del contratto, devono comportarsi secondo

buona fede”.

Ainda, o Código Civil italiano de 1942, no Livro Quarto, que trata da relação

jurídica obrigacional, prevê em seu art. 1.175 que tanto o credor quanto o devedor devem

agir segundo a regra de correção (corretezza). O comportamento correto deve nortear

também o momento das tratativas e da formação do contrato, ou seja, a boa-fé deve

prevalecer em todo o campo das obrigações. Trabucchi afirma que na Itália a doutrina e a 183FRITZ, Karina Nunues. op. cit.

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jurisprudência têm dado uma vasta aplicação à teoria, pois violação da boa-fé e

responsabilidade estão coligadas, surgindo assim o dever de reparar os danos causados por

aquele que imotivadamente, na fase pré-negocial, desiste da realização da avença184.

É o art. 1.337 do Código Civil que estabelece que as partes devem atuar tanto nas

tratativas quanto na formação do contrato dentro dos limites da boa-fé.

“Esse dispositivo equivale parcialmente ao nosso atual artigo 422. Entretanto, o Código Italiano prevê expressamente a responsabilidade pré-contratual, trazendo o dever anexo das partes se comportarem dentro dos limites da boa-fé também na fase de negociações contratuais. O artigo 1358 do Código Italiano exige que as partes obrigacionais, na pendência de uma condição suspensiva ou resolutiva, atuem também dentro dos limites da boa-fé. Isso, tendo em vista à existência de um direito potestativo eventual, devendo ser protegida a expectativa inicial que um negociante mantém em relação a uma obrigação. Também, não há previsão semelhante no atual Código Civil Brasileiro. Ato contínuo, o Direito Civil Italiano prevê também a responsabilidade na execução do contrato, conforme artigo 1375 do seu Código Civil”185.

4.1.3. Direito português

Embora já tenhamos apontado a tendência do direito laboral português, trazemos

agora a posição de Almeida Costa, professor de Coimbra. Este ensina que:

“durante as fases anteriores à celebração do contrato – quer dizer, na fase negociatória e na fase decisória – o comportamento dos contratantes terá de pautar-se pelos cânones da lealdade e da probidade. De modo mais concreto: apontam-se aos negociadores certos deveres recíprocos, como, por exemplo, o de comunicar à outra parte a causa da invalidade do negócio, o de não adotar uma posição de reticência perante o erro em que esta lavre, o de evitar a divergência entre a vontade e a declaração, o de abster de propostas de contratos nulos por impossibilidade do objecto; e, ao lado de tais deveres, ainda em determinados casos, o de contratar ou prosseguir as negociações iniciadas com vista à celebração de um acto jurídico. O reconhecimento da responsabilidade pré-contratual reflecte a preocupação do direito de proteger a confiança depositada por cada um dos contratantes nas expectativas legítimas que o outro lhe crie durante as negociações, não só quanto à validade e eficácia do negócio, mas também quanto à sua futura celebração”186.

184DONNINI, Rogério Ferraz. op. cit., p. 51. 185TARTUCE, Flavio. O princípio da boa-fé objetiva em matéria contratual.apontamentos em relação ao

novo Código Civil e visão do Projeto nº 6.960/02. Maio 2009. Disponível em: <www.flaviotartuce.adv.br>. 186COSTA, Mário Julio Almeida. Direito das obrigações. Coimbra: Almedina, 1979. p. 224.

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Contudo, no Código Civil português, não há menção expressa quanto à

responsabilidade pré-contratual; porém, o Código exige, em seu art. 227, que as partes

hajam com boa fé durante a negociação, ao estatuir: “Quem negocia com outrem para

conclusão de um contrato, deve tanto nas preliminares como na formação dele, proceder

segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à

outra parte”.

Donnini aponta que no Direito português, a responsabilidade civil pré-contratual

possui um campo de atuação bastante amplo, tendo em vista que está amparada no

princípio da boa-fé. Abrange os deveres de proteção, os deveres de informação e os

deveres de lealdade. A infração a esses deveres causa a quebra de confiança entre os

futuros contratantes e a culpa apurada – in contrahendo – daquele que rompeu as

negociações de maneira injustificada, imotivada, e possibilita para a parte o direito de

reparação dos prejuízos sofridos187.

4.1.4. Direito norte-americano

No direito contratual norte-americano, por sua vez, vige o princípio da freedom of

negotiation.

Ocorre que, apesar dessa regra, os tribunais norte-americanos passaram a utilizar o

instituto da promissory estoppel a fim de proteger a confiança da parte que modificou

substancialmente sua posição jurídica e/ou econômica em consideração a uma promessa

que, ao final, não foi cumprida pelo promitente. Dessa forma, estendendo os limites para os

quais existiria ou não um vínculo contratual, passaram a impor, em alguns casos, a

responsabilidade no contexto de negociações preliminares188.

A aplicação da promissory estoppel pode ser vista, portanto, como decorrente de

uma necessidade de adaptação do Direito, com a finalidade de apaziguar novos conflitos

surgidos na sociedade.

187DONNINI, Rogério Ferraz. op. cit., p. 53-54. 188USTÁRROZ CANTALI, Rodrigo. A responsabilidade civil pré-contratual e a proteção da confiança:

estudo comparado entre o direito brasileiro e o norte-americano. Monografia. Dez. 2013.

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4.1.5. Direito francês

No sistema do Code Napoléon, de 1804, o fundamento para a culpa in contrahendo

teve como base a figura do abuso do direito, existindo, dessa forma, a noção de culpa. Os

tribunais franceses, a partir da segunda metade do século passado, passaram a admiti-la,

sob o fundamento de perda de uma chance que, no campo da responsabilidade civil, é a

ruptura imotivada de uma negociação já em fase adiantada189.

O art. 1.134 do Código Civil francês já previa que: “les conventions légalement

formées tiennent lieu de la loi a ceux que les ont faites. Elles ne peuvent être revoquées que

de leur consentement mutuel, ou pour les causes que la loi autorise. Elles doivent être

exécutées de bonne foi”.

Referido artigo tem sido o fundamento para justificar, no ordenamento francês, a

responsabilidade civil pré-contratual, em razão do princípio da boa-fé.

Mas, importante notar que o preceito do art. 1.134, encerra em si mesmo certa

contradição, na medida em que estabelece que o contrato tem força de lei entre as partes e

não pode ser revogado, salvo por consentimento mútuo ou por uma das causas em lei

previstas. Dentro desse quadro, o conceito de boa-fé, relegado para a fase de execução dos

contratos, viu-se espremido pela prevalência da autonomia da vontade e da obrigatoriedade

das convenções, razão pela qual a doutrina e jurisprudência francesas guindaram a segunda

parte do artigo à condição de letra morta, durante muitos anos. A nova interpretação

atribuída ao art. 1.134 do Código Napoleônico é, pois, concomitante a recodificação do

Direito Civil em diversos países da Europa190.

Portanto, a culpa in contrahendo vem sendo admitida pela doutrina e jurisprudência

francesas. “La rupture fautive des pourparlers” propicia à parte lesada a reparação dos

danos sofridos. O abuso do direito (abus de droit) está fundamentado no art. 1.383 do

Código Civil francês que estabelece: “Chacun est responsable du dommage qu’il a cause

non seulement par son fait, mais encore par sa négligence ou par son imprudence”191.

189DONNINI, Rogério Ferraz. op. cit., p. 52. 190TUCCI, Cibele Pinheiro Marçal. Teoria geral da boa fé objetiva. Disponível em: <www.tucci.adv.br>. 191DONNINI, Rogério Ferraz. op. cit., p. 52-53.

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4.2. Negociação prévia e pré-contrato. Venire contra factum proprium

A fase pré-contratual trabalhista pode ser entendida como o momento anterior a

qualquer entabulação obrigacional, ou seja, o instante em que não houve a formalização

pelas partes de um contrato ou pré-contrato.

Há aqui que se diferenciar o pré-contrato da fase pré-contratual ou negociações

prévias.

O pré-contrato é um acordo de vontades, no qual as partes acertam um contrato

futuro a ser estabelecido. O pré-contrato nada mais é que um contrato perfeito, cujo objeto

é a formalização de um futuro contrato, propriamente dito, podendo, inclusive, estabelecer

multas para o caso de não cumprimento.

Já as negociações preliminares são constituídas de tratativas que objetivam tratar

as condições de um contrato ou pré-contrato.

Tanto no caso da não confirmação das negociações preliminares da fase pré-

contratual e do não cumprimento de um pré-contrato é gerado um dano a ser indenizado.

Nesse sentido, Dallegrave afirma que:

“Na esfera das tratativas que objetivam a constituição do contrato de trabalho, tal ilação se evidencia, pois as partes, no momento da entrevista do candidato ao emprego, assim se portam na condição de pré-contratantes. Logo, eventual dano decorrente desse momento envolverá agente e vítima na condição jurídica de trabalhador e empresa-empregadora, violando-se o princípio da boa-fé não como direito geral e absoluto, mas como direito relativo aos pré-contratantes”192.

Do mesmo modo, Toledo Coelho ensina:

“São comuns também pré-contratos entre os atletas profissionais de futebol e seus futuros clubes que pretendem amarrar a negociação evitando assim que o atleta seja objeto de outras especulações por parte de empresários com melhor oferta. No direito do trabalho, parte da doutrina classifica o contrato de experiência como contrato preliminar, todavia, ante a finalidade principal de avaliação recíproca, e não de pactuação definitiva, tal teoria não é aceitável. O contrato de experiência é contrato especial, e, nesse sentido, as regras da tutela da confiança são

192DALLEGRAVE NETTO, José Affonso. Responsabilidade civil pré e pós-contratual no direito do trabalho,

cit., p. 61.

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as que melhor orientam a interpretação e as soluções adequadas à natureza jurídica da experiência”193.

Obviamente que, no contrato do trabalho, a maior incidência de dano ao trabalhador

ocorre durante a sua vigência, como, por exemplo, nos casos de assédio moral,

descumprimento de obrigações, entre outros.

Porém, não pode deixar de ser observado que os danos ao trabalhador podem

ocorrer tanto na fase pré-contratual quanto na pós-contratual.

Na fase pré-contratual, o dano gerado decorre da frustração de expectativas, uma vez

que, muitas vezes, o trabalhador já começa a se movimentar no sentido de ingressar no novo

emprego, com a preparação de documentos, pedido de demissão do antigo emprego, realização

de exames médicos. De repente, este trabalhador é surpreendido com o cancelamento da sua

contratação, o que não deixa margem a dúvidas de que este mereça ser indenizado.

Corroborando esse entendimento, José Affonso Dallegrave Netto aduz: “a

reparação do dano pré-contratual atende ao chamado interesse negativo, o que vale dizer:

as despesas e prejuízos relativos à frustração da formação do contrato”.

Importante distinguir o interesse positivo do interesse negativo. Por interesse

contratual positivo entende-se todas as consequências da ineficácia de um contrato

supostamente válido, havendo interesse na própria execução do contrato. O interesse

negativo atinge apenas o prejuízo traduzido no que a parte perdeu ou deixou de ganhar em

face da negociação posteriormente frustrada pela parte adversa. Geralmente, a parte a ser

contratada realiza muitas despesas para se credenciar à negociação, ou mesmo o tempo

gasto, o que será tratado como dano emergente, tempo com estudos, projetos, pesquisas ou

compras de materiais, roupas, livros etc., ou até mesmo deixa de realizar outro contrato

com a certeza de que este vai se concluir, com objetivo de atender às expectativas do

contrato futuro, tratado como lucro cessante.

Na fase pós-contratual, o dano pode ocorrer quando o empregador imputa ao ex-

empregado fatos inverídicos, capazes de macular sua honra, o que também, certamente,

gera danos suscetíveis de reparação194.

193COELHO, Luciano Augusto de Toledo. A pré-contratualidade na relação de emprego. Disponível em:

<www.trt9.jus.br>. 194DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. 5. ed., p. 137.

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Vemos assim que o princípio da boa fé consagrado no art. 422 do Código Civil

deve ser imposto com todo rigor nas relações contratuais, sob pena da imposição de

reparação civil.

A boa-fé é conduta ética primordial ao cumprimento das relações jurídicas, a qual

não deve ser violada sob pena de haver conduta ilícita.

É no intuito de corroborar esse princípio que se torna necessária a aplicação do

venire contra factum proprium, na medida em que, para se assegurar a confiança na

relação jurídica processual, é imprescindível que seja aplicada a vedação do

comportamento contraditório de todos os sujeitos nela envolvidos.

O princípio do venire contra factum proprium se traduz na impossibilidade daquele

que adere a uma determinada forma de proceder, de se opor às consequências delas

nascidas, vedando-se, assim, o comportamento contraditório.

Analisando a expressão venire contra factum proprium, verifica-se a presença de

dois comportamentos lícitos e não simultâneos, por parte de uma mesma pessoa. O

primeiro fato – factum proprium – é contrariado pelo segundo fato – venire contra.

Conclui-se que a proibição do venire contra factum proprium funda-se na confiança, uma

vez que tem por objetivo justamente vedar o comportamento contraditório de uma das

partes (do contrato ou das negociações), quando o seu primeiro comportamento gera

justificada expectativa na outra parte, com relação ao cumprimento ou à conclusão do

negócio. O que se busca não é a preservação da conduta inicial, mas sancionar o ilícito

decorrente da violação do dever de lealdade. Diante disso é que a doutrina define o venire

contra factum proprium como um exercício de uma posição jurídica em contradição com o

comportamento anteriormente exercido pelo mesmo sujeito195.

Menezes Cordeiro corrobora com a ideia no sentido de que só se considera como

venire contra factum proprium a contradição direta entre a situação jurídica originada pelo

factum proprium e o segundo comportamento do autor196.

Simplificando, a doutrina então considera os seguintes requisitos para que seja

configurado o venire contra factum proprium: (i) a existência de uma conduta anterior,

relevante e eficaz; (ii) o exercício de um direito subjetivo pelo mesmo sujeito que criou a

195USTÁRROZ CANTALI, Rodrigo. op. cit. 196MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha. op. cit., p. 746.

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situação litigiosa, devido à contradição existente entre as duas condutas; e (iii) a identidade

de sujeitos que se vinculam em ambas as condutas.

Logo, as partes deverão manter a retidão de conduta anterior não podendo quebrar a

estabilidade da boa-fé objetiva, porque, em tese, já definiram a expectativa gerada no

contrato.

4.3. Violação do dever de informação e de proteção de dados

Toledo Coelho, quanto ao dever de informação, tece as seguintes observações:

“O dever de informação é colocado como um dos principais aspectos da boa-fé e seu fundamento está na desigualdade entre as partes quando uma possui as informações que deverá passar para a parte contrária em face das negociações. Nesse sentido, na fase de negociação de um contrato de trabalho, na qual o empregado, em regra, encontra-se em estado de ‘super sujeição’, a informação correta, objetiva e esclarecedora é essencial e sua supressão poderá ser fonte de responsabilidade”197.

Segundo Moreira da Silva, este pode ser conceituado da seguinte forma:

“Correntemente, a palavra informação significa o acto ou efeito de informar-se; comunicação; esclarecimento sobre o procedimento de outrem; notícia dada ou recebida; conjunto de dados, em princípio imprevisíveis, recebidos do exterior (...). De forma mais concisa, podemos dizer que a informação será a comunicação de determinados dados ou factos. Como é lógico, ‘dever de informação’ será o dever jurídico de proceder a esta comunicação”198.

O dever de informação deve ser observado e respeitado por cada uma das partes

envolvidas no pré-contrato, que deve dar informações corretas à outra, sobre circunstâncias

importantes que possam afetar o futuro do negócio, para não ensejar em uma

responsabilização futura pelos prejuízos causados na fase das tratativas.

Assim, a informação precisa é essencial e sua supressão poderá ser fonte de

responsabilidade.

197COELHO, Luciano Augusto de Toledo. A pré-contratualidade na relação de emprego, cit. 198SILVA, Eva Sónia Moreira da. Da responsabilidade pré-contratual por violação dos deveres de

informação. Coimbra: Almedina, 2006. p. 67.

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Essa regra se aplica tanto ao trabalhador que deverá prestar informações corretas da

sua vida pessoal e profissional quanto ao empregador em relação à sistemática da empresa

e às reais possibilidades de ascensão na carreira almejada pelo candidato.

O dever de informar se exaure com a informação precisa acerca do contrato a ser

celebrado, devendo permear a fase da negociação preliminar até o contrato, propriamente

dito.

O dever de sigilo se estabelece tanto em relação a dados e informações quanto ao

conhecimento de certos objetos e documentos com os quais os sujeitos tenham tido contato

por efeito direto e imediato das conversações.

Ainda Toledo Coelho:

“A necessidade de sigilo e proteção aumenta, portanto, em face do potencial dos sistemas de dado atuais. Dados do candidato a emprego, sejam em fichas de admissão, sejam obtidos por meio de entrevistas ou testes, caso divulgados, podem gerar inúmeros transtornos, inclusive o impedimento a outras colocações por um teste aplicado em uma empresa específica, retirando do candidato a chance de trabalho”199.

No curso das negociações, se uma das partes vem a conhecer dados ou notícias que,

se forem divulgadas, prejudicariam a outra parte, está obrigada a guardar a devida reserva;

se não o fizer e, com a divulgação causar dano à outra parte, está obrigada a ressarci-la

devido ao dever de sigilo.

Certamente, no decorrer da fase das negociações preliminares e no pré-contrato, as

partes conhecem dados sigilosos uma da outra.

O empregador detém a análise psicológica do candidato, como o exame de

grafologia, por exemplo, os questionários, os dados pessoais (telefone, e-mail, filiação

etc.), ou testes psicológicos que, em geral, são questionamentos sobre o caráter e a

personalidade do candidato, com objetivo de aferir não apenas a aptidão para desenvolver a

atividade, como também as suas características psíquicas, a fim de se averiguar se essas

características teriam impacto na execução do contrato no futuro. A licitude desses

métodos dependerá da cautela, na medida em que referidos métodos não podem interferir

na esfera privada do candidato, além do necessário200.

199COELHO, Luciano Augusto de Toledo. Responsabilidade civil pre contratual em direito do trabalho, cit.,

p. 95. 200BARROS, Alice Monteiro de. Proteção à intimidade do empregado. São Paulo: LTr, 1997. p. 29.

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Assevera Toledo Coelho que, modernamente, a forma de abordagem junto ao

candidato na fase pré-contratual é classificada pela doutrina trabalhista como

discriminação.

O autor segue apontado que o princípio da igualdade deverá nortear todo o processo

pré-contratual, sendo proibidos os exames aqui já referidos, com o objetivo de “desvendar”

aspectos da personalidade que não sejam atinentes ao campo profissional, lembrando ainda

que exames de gravidez e HIV e, diante da evolução cientifica, a violação a intimidade

genética, estariam proibidos pelo sistema jurídico com base nos princípios da dignidade

humana e da não discriminação201.

Prossegue Toledo Coelho, lembrando Francisco Rossal de Araújo, que os limites

entre o recrutamento racional e a invasão de privacidade são bastante tênues e que,

algumas vezes, ocorrem entrevistas estressantes, que ultrapassam os limites do razoável,

bem como a sujeição do candidato à bateria de testes sem que ao final seja ele aprovado202.

Também sobre a discriminação, a Convenção n. 111 da Organização Internacional

do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 26 de novembro de 1965, vigorando a partir

de 26 de novembro de 1966, dispõe, em seu artigo primeiro, que toda a distinção, exclusão

ou preferência fundada em raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional

ou origem racial que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades para

emprego, bem como qualquer outra distinção, exclusão ou preferência, ressalvadas apenas

aquelas fundadas nas qualificações exigidas para o emprego, são consideradas

discriminatórias.

Ainda, no que se refere à discriminação pré-contratual, verifica-se na CLT o art.

373-A, acrescido pela Lei n. 9.799/1999, que é vedado, visando à proteção ao mercado de

trabalho da mulher, impedir o acesso ou adotar critérios subjetivos para o deferimento de

inscrição, aprovação em concurso e em empresas privadas, em razão de sexo, idade, cor,

situação familiar ou estado de gravidez. O conceito de “critério subjetivo”, introduzido no

dispositivo, pode ser ampliado para todas as formas de exclusão ilegítima na fase de

contratação.

201SIMON, Sandra Lia. A proteção constitucional da intimidade e da vida privada do empregado. São Paulo:

LTr, 2000. p. 129-144, apud COELHO, Luciano Augusto de Toledo. Responsabilidade civil pre contratual em direito do trabalho, cit., p. 41.

202ARAÚJO, Francisco Rossal. A boa-fé no contrato de emprego. São Paulo: LTr, 1996. p. 239-241 apud COELHO, Luciano Augusto de Toledo. Responsabilidade civil pre contratual em direito do trabalho, cit., p. 41.

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4.3.1. Direito ao silêncio

Outras hipóteses de responsabilidade pré-contratual nas questões de informações e

proteção de dados, para o civilista Roppo, aqui já em comento, ocorrem quando uma parte

impede a outra de se inteirar das circunstâncias relevantes para a valoração da

conveniência do contrato (falseando a realidade ou mesmo ocultando-a). Essa ação é

dolosa, e o contrato concluído por meio de engano ou de mentiras é anulável, além do

ressarcimento dos danos. O Código Civil italiano prevê, em seu art. 1.338, hipótese em que

a parte, conhecendo ou devendo conhecer a existência de uma causa de invalidade do

contrato, não a comunicou à outra parte.

É responsável não só quem deliberadamente esconde a causa da invalidade, como

também quem a cala por inércia ou esquecimento ou, até mesmo, quem ignora por culpa

sua. Depreende-se então que, em geral, a responsabilidade pré-contratual tanto pode ser

dolosa como culposa, isto é, atinge quem causa danos a outrem de modo consciente e

voluntário e também quem o faz por negligência ou desatenção203.

No campo laboral, a questão da fase pré-contratual, encontra guarida no Código do

Trabalho português, art. 102. In verbis:

“Art. 102o – Culpa na formação do contrato

Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato de trabalho deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos culposamente causados”. (sic)

É o jurista português, João Leal Amado, quem discorre sobre ser o tema

extremamente delicado, posto ser a fase pré-contratual em sede laboral, questão muito

particular, em virtude da disparidade de poder entre os sujeitos e da posição de extrema

vulnerabilidade em que, normalmente, o candidato a trabalhador se encontra (disposto a

quase tudo para obtenção do emprego). A prática mostra, adverte o autor, que as

discriminações ocorrem com frequência na fase pré-contratual, tornando-se necessário

proteger a pessoa do candidato ao emprego. E aqui, tal qual o Código Civil italiano prevê

(art. 1.338), porém especificamente sob a ótica laboral e envolvendo o trabalhador, o

Código do Trabalho português traz em seu art. 106, n. 2, que: “o trabalhador deve informar

203ROPPO, Enzo. op. cit., p. 106-108.

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o empregador sobre os aspectos relevantes para a prestação da actividade laboral”. E, por

outro lado, o empregador não poderá exigir do candidato informações de sua vida

particular, sobre sua saúde ou eventual estado de gravidez (art. 17, n. 1). Nessa esteira, o

empregador também fica impedido de questionamentos relativos à vida afetiva do

candidato ou então sobre sua orientação sexual, convicções políticas, ideológicas ou

religiosas, preferências sindicais, clube de desporto, ou se pretende engravidar no futuro.

João Leal Amado segue discorrendo sobre o tema e conclui que o trabalhador tem

direito ao silêncio. A partir disso, o próprio autor questiona, nesse momento, se o

trabalhador não teria direito à mentira, se e quando for confrontado com semelhantes

questões ilegítimas. A sua conclusão é de que se o trabalhador se cala, corre o risco de ver

sua chance perdida, ao passo que, se não se calar e escolher o caminho da resposta que o

empregador deseja ouvir (eventualmente mentindo), poderá preservar referida chance.

Desse modo, entende que, ainda que a prática seja contrária à boa fé, seu comportamento

não seria doloso, visto que a boa fé não impõe respostas com verdade a quem coloca

questões impertinentes. É o entendimento do jurista português, que defende inclusive que a

resposta que não corresponde à verdade não será motivo para anulação do contrato, posto

que, as perguntas eram reconhecidamente ilícitas. Perguntas legítimas deverão ter a

correspondente resposta verdadeira, sob o risco de sua eventual responsabilidade civil pré-

contratual e, até mesmo, de uma possível anulação do contrato celebrado204.

Continuando na doutrina portuguesa, Amadeu Guerra afirma que um dos princípios

fundamentais de proteção de dados é o de que os dados objetos de tratamento devem ser

adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para as quais são

recolhidos e posteriormente tratados, de acordo com o art. 5º n. 1 al. a) da Lei 97/1998.

Guerra entende que enunciar quais os dados pertinentes e necessários não é tarefa

simples, na medida em que, desde logo, não pode ser fornecido um elenco de dados

adequados. O grau de detalhe pode ser diversificado em função da natureza da atividade a

desenvolver ou da especificidade da profissão ou categoria e da situação do trabalhador

(menor, deficiente etc.). Dessa forma, apenas diante do caso concreto é que se poderá

definir quando estamos perante dados excessivos ou não necessários.

O autor, sobre o assunto, avança para outros países, como, por exemplo, Itália e

França. Na Itália, o Statuti dei Lavoratori italiano, em seu art. 8º, proíbe o empresário, para

204AMADO, João Leal. Contrato de trabalho. 3. ed. Coimbra: Coimbra Ed., 2011. p. 172-174.

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efeitos de contratação, de efetuar indagações, ainda que por meio de terceiros, sobre fatos

ou circunstâncias da vida privada, tais como opiniões políticas, religiosas ou sindicais, que

se revelem irrelevantes para avaliar a aptidão do trabalhador. Na França, sua legislação

laboral dá uma formulação de caráter geral segundo o qual ninguém pode causar restrições

aos direitos das pessoas e às liberdades individuais e coletivas que não sejam justificadas

pela natureza da tarefa a cumprir nem sejam proporcionais ao fim desejado. Dentre os

direitos da pessoa, ressalta de pronto o respeito pela sua vida privada, entendido como

direito ao segredo da vida privada. Assim, não será lícito questionar o candidato a um

emprego sobre aspectos da intimidade da sua vida privada205.

No Direito espanhol, a já citada jurista Emilia Conde Marin também levanta a

questão sobre os limites ao dever de informação, na medida em que discorre que o mesmo

princípio de boa-fé, que impõe o dever de informação as partes que negociam um contrato,

impõe também seus limites. A boa-fé atua, como em outras circunstâncias, como instrumento

de ponderação no exercício das obrigações e como limite na execução dos direitos.

E assim dispõe:

“El deber de informacion no es un deber infinito ni absoluto. Las partes no están obligadas a prestar todo tipo de información sino solo aquella que sea precisa, La que se encuentre relacionada con el puesto de trabajo, con la persona que aspira a ocuparlo y SUS circunstancias más inmediatas. Siendo así, cualquiera de las partes del contrato tienen obligación de proporcionar sollo aquella información que se considere relevante para tomar la decisión de contratar, siendo imprescindible emplear critérios objetivos para saber qué información es verdaderamente útil y necesaria para decidir y qué otra, no lo es.

(...)

También constituye un límite al deber de información, el deber de conducirse a sí mismo con un mínimo de diligencia en el transcurso de las negociaciones, en efecto, tanto el empleador como el trabajador deben observar una determinada diligencia tendente a que sus intereses no se vean perjudicados, que se manifiesta en solicitar de la otra parte las precisiones que estime necesarias sobre las obligaciones que va a asumir antes de aceptarlas”.

Prossegue a jurista espanhola, quanto ao dever de confidencialidade e segredo.

Intimamente próximo ao dever de informação, está o dever de confidencialidade. E assim

trata:

205GUERRA, Amadeu. A privacidade no local do trabalho. Coimbra: Almedina. 2004. p. 141-143.

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“El inicio de los tratos y la transferência de información de uno a otro de los sujetos contratantes es todo uno; la información, como pilar básico en la formación de la voluntad, es requerida prácticamente desde el mismo comienzo de la relación precontractual, a partir de ese momento, hasta la conclusión del negocio, si es que este tiene lugar, ambas partes tendrán ocasión de hacerse con datos o informaciones, que ya traerán causa en el propio negocio o serán de conocimiento meramente accidental, pero que se han conocido por haber entrado en tratos. La divulgación de tales noticias puede causar eventuales perjuicios en la esfera personal o patrimonial de la contraparte, en tal hipótesis deberán ser reservados por las partes, siendo indiferente que al término de la fase precontractual se firme o no el contrato de trabajo”206.

Ainda, no que tange a pesquisas e ausência de sigilo sobre a privacidade do

candidato, tramita em nosso país, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei n.

7.756/2010, de autoria do então deputado Mario Couto, que almeja incluir uma regra na

CLT que proíba o empregador a consulta a banco de dados e cadastros de proteção ao

crédito, para fins de admissão de empregados.

O projeto prevê a multa administrativa, que poderá variar de 10 mil a um milhão

de reais, além de indenização por danos morais em montante equivalente a, no mínimo,

10 vezes o valor do salário oferecido para a posição que o candidato ocuparia, caso a

empresa realize a consulta aos respectivos cadastros.

Dessa forma, percebe-se que se torna imprescindível a necessidade do sigilo, que as

partes devem possuir desde o início das negociações até o fim do contrato, sem causar

qualquer prejuízo a outra parte com divulgação de dados sigilosos.

4.4. Indenização pela perda de uma chance. Dano material e moral

A responsabilidade civil por perda de uma chance é uma teoria que reconhece a

possibilidade de indenização nos casos em que alguém se vê privado da oportunidade de

obter um lucro ou de evitar um prejuízo.

As primeiras manifestações de reparação das chances perdidas na França ocorreram

no fim do século XIX. Mas, ao contrário do que se possa imaginar, a França era bastante

refratária à reparação das chances perdidas, já que aplicava, sempre, as regras mais estritas

206CONDE MARÍN, Emilia. op. cit., p. 177-179.

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de reparação da responsabilidade civil, exigindo sempre a prova da certeza do dano

(resultado final favorável frustrado)207.

Em 1896, a Corte de Apelação de Limoges tratou do pleito indenizatório formulado

por um proprietário de cavalos contra uma companhia de transportes, pelo fato de o animal

não ter chegado a tempo de participar da corrida. O pedido, seguindo a linha do que

decidido em primeira instância, fora rechaçado por não haver certeza de que o cavalo

venceria o páreo.

Um caso emblemático na França adveio da 1ª Câmara da Corte de Cassação, por

ocasião da reapreciação de caso julgado pela Corte de Apelação de Paris, em julho de

1964, a decisão que inaugurou na jurisprudência francesa os fundamentos da teoria da

perda de uma chance. O caso é sobre à acusação e posterior condenação de um médico ao

pagamento de uma pensão, devido à verificação de falta grave contra as técnicas da

medicina, sendo que foi considerado desnecessário o procedimento adotado pelo médico

de amputar os braços de uma criança para facilitar o parto.

A Corte Francesa considerou haver um erro de diagnóstico, que redundou em

tratamento inadequado. Entendeu-se, logo em sede de 1ª instância, que, entre o erro do

médico e as graves consequências, isto é, entre a conduta médica e a invalidez do menor,

não se podia estabelecer de modo preciso um nexo de causalidade. Contudo, a Corte de

Cassação assentou que presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem

conduzir à responsabilidade. Tal entendimento foi acatado a partir da avaliação do fato de

o médico haver perdido uma chance de agir de modo diverso, condenando-o a uma

indenização de 65 mil francos.

Diante de tal precedente, a doutrina estrangeira passou a reconhecer a Teoria da Perda

de uma Chance como válida e existente. Na Itália, muitos foram os estudos e avanços da

doutrina, que passou a reconhecer a possibilidade de se indenizar pela chance perdida, sempre

que pudessem ser consideradas atuais, sérias e reais as oportunidades de obtenção de certa

vantagem, que já existia no patrimônio da vítima no momento da lesão208.

207HIGA, Flavio da Costa. Responsabilidade civil. a perda de uma chance no direito do trabalho. São Paulo:

Saraiva, 2012. p. 15. 208SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito

comparado e brasileiro. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 83 apud VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo; SILVA, Carlos Brandão Ildefonso; RABELO, Cesar Leandro de Almeida. A reparação civil pela perda de uma chance nas relações jurídicas civis e do trabalho. Âmbito Jurídico, Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/?artigo_id=10769&n_link=revista_artigos_leitura>.

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No Direito brasileiro, na esfera trabalhista, a teoria da perda de uma chance vem

ganhando força através dos anos, porém, para que esta seja aplicada é preciso uma

possibilidade concreta da vantagem.

Neste sentido, Luciano Coelho argumenta:

“Mas o campo da responsabilidade pré-contratual no Direito do Trabalho não se limita à seleção abusiva. Aprofundando mais as tratativas de emprego, a frustração de uma expectativa real de trabalho, conforme o grau de avanço nas negociações, muitas vezes após cinco ou seis entrevistas, pode gerar responsabilidade de ressarcimento de despesas ou em face de compromisso rejeitado em outro emprego. No mínimo, gera-se a necessidade de cumprimento de um dever de conduta, qual seja, o de informar o motivo da não aceitação do candidato possibilitando eventual contraditório ou questionamento em juízo. Novamente, entende-se que a discriminação, aqui, pode ser a razão da não contratação, o que pode gerar, inclusive, a nosso ver, a obrigatoriedade da contratação pela empresa. Existe doutrina acerca da perda de uma chance e da quebra de promessa, dentro da proteção do interesse negativo ou confiança depositada na outra parte da relação contratual. O empregado que se desloca e tem despesas de viagens visando à promessa de emprego que não se concretiza, o trabalhador que se vincula a determinada empresa em face de alguma informação relevante no anúncio de emprego (possibilidade de ascensão, por exemplo), e se vê frustrado ante a ausência total dessa possibilidade na empresa. O trabalhador que se vincula em face de determinado salário que lhe é pago em valor menor, e que em face do vínculo no primeiro mês deixou de se vincular a outra empresa, todos teriam em princípio um direito a ressarcimento ou compensação”209.

Na mesma toada, Cavalieri Filho ensina:

“para que seja caracterizada a teoria da perda de uma chance é necessário que desapareça a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, em virtude da conduta de outrem, como progredir de carreira artística ou militar, arrumar um melhor emprego, e assim por diante. Deve-se, pois entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda”210.

A perda de uma chance ocorre quando, por meio da ação ou omissão de uma

parte, impede-se que a outra deixe de aferir um benefício.

Obviamente que resta dúvida se a vantagem almejada se concretizaria

independentemente da conduta do agente, o que desperta receio de parte da doutrina com

209COELHO, Luciano Augusto de Toledo. A pré-contratualidade na relação de emprego, cit. 210CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 75.

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relação à aplicação da teoria, pois, sob sua ótica, estas chances seriam apenas meras

expectativas e não um resultado propriamente dito.

Todavia, com esta teoria adveio uma nova categoria de dano indenizável, um dano

autônomo, consistente na chance perdida, o qual independe do resultado final.

Atribui-se um valor econômico a uma probabilidade de obter lucro, sem que jamais

se saiba se aquela probabilidade efetivamente se concretizaria.

O foco da indenização não é a vantagem perdida, mas a possibilidade séria e real de

não se conseguir ter acesso a essa chance de obter a vantagem.

Noronha analisa a perda de uma chance como um dano emergente autônomo nos

seguintes termos:

“(...) apesar de ser aleatória a possibilidade de obter o benefício em expectativa, nestes casos existe um dano real, que é constituído pela própria chance perdida, isto é, pela oportunidade, que se dissipou, de obter no futuro a vantagem, ou de evitar o prejuízo que veio a acontecer”211. (grifo do autor)

Na perda de uma chance212, não há a indenização de esperanças aleatórias de um

resultado favorável, mas sim, uma probabilidade razoável de que o trabalhador conseguiria

atingir o esperado e que a conduta do ofensor o afastou de qualquer possibilidade de

conquistá-lo. Nesse sentido, o dano deve advir de uma possibilidade real e séria de

contratação, além do efetivo prejuízo, conforme destacam Silva & Bezerra (2012, p. 6648):

“Evidente que a prova nesses casos geralmente é bastante difícil, ante a apenas expectativa com relação à celebração do contrato. Contudo, restando demonstrada a real possibilidade da contratação e o prejuízo decorrente da não ocorrência da mesma, como, por exemplo, a perda de outra vaga de emprego, o fato torna-se passível de reparação na modalidade pré-contratual”.

O Código Civil brasileiro assim dispõe sobre a reparação de danos:

“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.

211NORONHA, Fernando. Direito das obrigações: fundamentos do direito das obrigações -Introdução à

responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2003. 1 v. apud COSTA, Ana Claudia de Carvalho Domitilo. A responsabilidade civil pela perda de uma chance nas relações de trabalho. Direito UNIFACS – Debate Virtual. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/2387>.

212LOVATO NETO, Renato; OLIVEIRA, Lourival José de. Responsabilidade pré-contratual nas relações de emprego: aplicação da teoria da perda de uma chance. Revista de Direito Brasileiro, p. 253, 2012.

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Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.

Desse modo, com base nos dispositivos civis, a própria vítima do dano formula

perante o Poder Judiciário suas perdas e danos, ou seja, o que efetivamente perdeu do que

deixou de lucrar.

Contudo, a delimitação do valor a ser indenizado pela perda da chance não será

equiparada à vantagem perdida, mas sim, a perda da oportunidade de obtê-la ou de se

evitar um prejuízo decorrente da ação ou omissão do agente. Indeniza-se, portanto, o valor

econômico da chance.

Não se trata de dano moral ou material, mas ressarcimento da oportunidade perdida.

Dallegrave Neto entende que:

“A indenização decorrente da quebra das tratativas é integral (...), porém não atende ao interesse do suposto contrato positivo e válido, vez que não se trata de indenizar o valor total do prejuízo oriundo das sucessivas prestações havidas caso a execução do contrato fosse ultimada. Ao contrário, a reparação do dano pré-contratual atende aos interesses negativos, o que vale dizer: as despesas e prejuízos relativos à frustração da formação do contrato”213

.

A indenização na perda de uma chance sempre será na totalidade do dano, porém,

pode haver confusão na quantificação do dano final, pois o julgador deve observar se a

eliminação da oportunidade é um dano em si ou parte do prejuízo sofrido.

Na fase pré-contratual, há, em decorrência do já abordado princípio da boa-fé

objetiva, o dever de informar o trabalhador e se, em consequência da violação deste dever,

houver a perda de uma chance da vítima de atingir um benefício, cabível é a reparação do

dano sofrido, quando, por exemplo, o sujeito deixa de negociar com outro empregador,

pois compreendeu aquela proposta como mais vantajosa e na verdade não o era.

Assim sendo, nem todo dano ocorrido na fase pré-contratual pode ser considerado

como perda de uma chance, mas somente aqueles relacionados à grande probabilidade de

atingir um resultado benéfico ou de evitar um prejuízo, o que, no âmbito das relações de

emprego, será a contratação ou não do trabalhador – quando, por exemplo, o sujeito deixou

213DALLEGRAVE NETTO, José Affonso. Responsabilidade civil pré e pós-contratual no direito do trabalho,

cit., p. 55.

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de participar de outras entrevistas de emprego diante de promessa de contratação do

empregador, mas este não o contrata ou o faz em cargo com piores condições do que a

proposta, piorando o estado anterior do trabalhador214.

Não é suficiente, pois, que o indivíduo tenha sofrido um dano para que se

caracterize a responsabilidade civil, tampouco que seja comprovada culpa daquele que

supostamente lesou. É imprescindível a incidência do elemento de conexão entre estes dois

pontos – entre o dano e a culpa – e tal elemento tão importante é o nexo causal.

Tais aspectos devem ser considerados no momento da valoração e, especialmente,

se a vítima agiu negligentemente. O empregado é a parte mais frágil da relação de

emprego, contudo, há que se observar se este, nos padrões do homem médio, agiu com

cautela em aceitar as promessas do novo emprego.

Não se trata aqui de um fato impeditivo ou excludente de responsabilidade, mas de

uma peculiaridade capaz de ser considerada para fins de minoração do valor final da

indenização pela perda da chance.

Isso porque, além do nexo de causalidade, necessária se faz a existência de outra

característica: que a chance perdida seja, de fato, real, significativa e altamente

considerável. É preciso, pois, que subsista uma boa chance ou uma importante

possibilidade de êxito.

Isso implica dizer que os casos nos quais se percebe apenas uma mera pretensão,

que se apresentava distante, remota ou improvável, não ensejarão indenização.

Nesse sentido, Sônia Mascaro Nascimento discorre:

“(...) No entanto, entendo que existem diversas situações envolvendo a promessa de emprego e que nem todas configuram dano pré-contratual para o trabalhador. Casos em que o trabalhador deixa um emprego para assumir colocação em outro e que, após decorrido o período de experiência, acaba por ser dispensado, não há configuração de dano pré-contratual, pois o trabalhador assumiu o risco do negócio. Consequentemente, o empregador não pode ser responsabilizado ou condenado por isso. Já o caso da promessa de emprego em que a forma contratual combinada é desrespeitada pelo empregador, através da alteração do cargo, da remuneração ou de outra vantagem prometida, configura-se o dano moral. Da mesma forma, casos como o citado, em que a promessa não cumprida de admissão leva o candidato a sair de seu atual emprego, também geram dano moral à pessoa, que pode pleitear a devida indenização à empresa que não cumpriu a promessa. Entretanto, o dano moral é decorrente aqui do ato que a promessa de emprego levou o trabalhador a tomar, ou seja, pedir demissão, já que esta decisão afetou seu meio de subsistência. Diferente seria se o trabalhador, por exemplo,

214LOVATO NETO, Renato; OLIVEIRA, Lourival José de. op. cit.

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estivesse desempregado, pois a simples promessa da efetivação no cargo almejado não traria alteração nem prejuízo a sua presente condição”215.

Portanto, à luz da teoria da perda de uma chance, que se fundamenta na

probabilidade de que haveria o ganho e na certeza de que a perda indevida da vantagem

resultou um prejuízo, o não cumprimento de obrigação pré-contratual que obsta a

possibilidade de resultado positivo ao trabalhador constitui inegável dano a ensejar o

pagamento de indenizações correspondentes.

Sob que título deve ser concedida a indenização pela perda de uma chance, é

Cavalieri Filho, dentre outros, quem questiona: por dano moral ou material? Ou ainda,

neste último caso, a título de dano emergente ou lucro cessante?

A questão é controvertida. Os tribunais, em alguns casos, indenizam a perda de uma

chance, ainda que não se refiram à expressão, a título de lucros cessantes; em outros,

indenizam a título de dano moral.

Continua Cavalieri, citando um caso médico (envolvendo a vida) dizendo que, a

perda de uma chance, em verdade, consubstancia uma modalidade autônoma de

indenização, passível de ser invocada nas hipóteses em que não se puder apurar a

responsabilidade direta do agente pelo dano final. E, nesse caso, o agente não responde

pelo resultado para o qual sua conduta pode ter contribuído, mas pela chance da qual ele

privou o paciente. A partir da percepção de que a chance, como bem jurídico autônomo, é

que foi subtraída da vítima, o nexo causal entre a perda desse bem e a conduta do agente

torna-se direito. Não há a necessidade de se apurar se o bem final (a vida) foi tolhido da

vítima. O fato é que a chance de viver foi subtraída. O desafio é quantificar esse dano, ou

seja, apurar o valor econômico da chance perdida.

A jurisprudência, segundo o autor em comento, ainda não firmou entendimento

sobre essa questão; ora a indenização pela perda de uma chance é concedida a título de

dano moral, ora a título de lucros cessantes e, o que é pior, às vezes, pela perda da própria

vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, com o que se transforma

a chance em realidade. 216

215NASCIMENTO, Sonia Mascaro. Indenização pela perda de uma chance. Disponível em:

<http://www.amaurimascaronascimento.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=274:5-indenizacao-pela-perda-de-uma-chance&catid=68:decisoes-comentadas&Itemid=206>.

216CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014. p. 101-102.

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CAPÍTULO V. RESPONSABILIDADE CIVIL PÓS-CONTRATUAL

CULPA POST PACTUM FINITUM

A relação obrigacional decorrente do contrato de trabalho gera efeitos até mesmo

após sua extinção. Significa dizer que depois de extinto, pelo cumprimento ou por outra

forma diversa, um processo contratual, subsistem, ainda, alguns deveres para os ex-

contraentes; temos assim a chamada responsabilidade pós-contratual. Dessa maneira é que

se pauta a ideia de que a relação deve se desenvolver dentro de uma ordem de cooperação,

onde se sustenta a possibilidade de que, mesmo após adimplido o dever principal, ainda é

possível a relação jurídica perdurar, em razão de outro dever secundário independente217.

Na fase pós-contratual, os contratantes (empregador e empregado) devem observar

os princípios de probidade e de boa-fé, contidos no art. 422 do Código Civil, sob a pena de

reparação do dano causado.

Assim, temos a teoria da culpa post pactum finitum, que se caracteriza pela

obrigação de responsabilização acerca de danos advindos após a extinção do contrato.

Neste sentido, Rogério Ferraz Donnini transcorre: “(...) Se os deveres acessórios ou

anexos (deveres de informação, proteção e lealdade) forem transgredidos mesmo após a

extinção de um contrato, exsurge a responsabilidade contratual” 218.

Sobre a responsabilidade pós-contratual acrescenta Daniel Ustárroz:

“A responsabilidade pós-negocial, por seu turno, também alarga o conteúdo da relação obrigacional e impõe aos participantes deveres anexos de conduta, pois decorre do pressuposto de que a relação ofereça satisfação plena aos participantes, inclusive os fatos que se verificarem após a extinção do vínculo poderão ocasionar danos e reduzir a valia daquilo que fora anteriormente pactuado”219.

A doutrina reconhece que, em paralelo aos deveres principais, existem outros

deveres, chamados de secundários, que mantêm certa conexão com os principais, no

sentido de permitir a realização destes, ou mesmo, substituí-los, quando da sua não

realização.

217BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do trabalho. São Paulo: LTr, 2003. p. 262-263. 218DONNINI, Rogério Ferraz. A Constituição Federal e a responsabilidade civil pós-contratual. Disponível

em: <http://www.donninifiorillo.com.br/portugues2/artigos_d.asp?id=103>. 219USTÁRROZ, Daniel. op. cit.

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Dessa forma, a relação jurídica deixa de ser unitária, composta somente do dever de

prestação, ao incorporar os deveres acessórios de conduta.

Deve-se ponderar que os direitos e obrigações inseridos no contrato de trabalho

trazem efeito imediato às partes envolvidas. Contudo, para que tenha validade, o contrato

não pode estar em dissonância com os preceitos constitucionais, em especial, com o da

dignidade da pessoa humana.

Nesse sentido, Manus ensina:

“A preservação da dignidade da pessoa humana concretiza-se pelo respeito à honra, à imagem, à vida privada e à intimidade desta pessoa, pois é desse conjunto de atributos imateriais que se compõe a dignidade. Quando se desrespeita a honra de alguém, quando se denigre sua imagem, quando se invade sua vida privada, ou se agride sua intimidade, o agressor está desrespeitando a dignidade do agredido, está infringindo o princípio constitucional da pessoa humana”220.

5.1. Dano pós-contratual. Descumprimento dos deveres anexos

Os deveres acessórios de conduta podem ser descritos como dever de

comportamento ético e leal nas relações pós-contratuais, visando à plena realização dos

objetivos contratuais dentro dos ditames da boa-fé objetiva.

Os deveres acessórios mais utilizados pela doutrina são: (i) informação; (ii) sigilo;

(iii) proteção; e (iv) cooperação.

O dever de informação consiste no dever de, mesmo após finda uma relação

contratual propriamente dita, prestar informações e exibir documentos.

O Mestre Valdir Florindo revela que:

“alguns maus empregadores prestam informações desabonadoras de seus ex-empregados para empresas onde estes buscam empregos, deixando nitidamente claro, não só o objetivo de prejudicá-los, impedindo futuras contratações, mas sobretudo denegrir a imagem dos mesmos, e ofender-lhes a honra, impedindo-os ainda de exercer seus próprios ofícios, direitos esses que trazem proteção certa na Constituição Federal. Outros, chegam ao absurdo de informar, de forma tendenciosa, que o ex-empregado recebeu todas as verbas trabalhistas devidas e mesmo assim reclamou na justiça direitos que não possui. Com isso, tenta-se passar a imagem de um trabalhador litigando de má-fé, insinuando que a Justiça

220MANUS, Pedro Paulo Teixeira. A privacidade do empregado e o poder diretivo do empregador. Revista do

Advogado, São Paulo, v. 33, n. 121, p. 244, nov. 2013.

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do Trabalho dá guarida a pretensões absurdas, e, finalmente, restringindo o direito público e indisponível de ação que possui o cidadão”˜221.

Rodolfo Pamplona Filho explica que:

“Em casos como esses, entendemos que as informações prestadas pelo ex-empregador devem buscar refletir somente aspectos profissionais do trabalhador, sem elucidações acerca de aspectos pessoais ou íntimos do ex-empregado, notadamente no que concerne a aspectos supostamente desabonadores, que não podem ser objeto de contraprova numa conversa telefônica entre dois empregadores”222.

Percebe-se, com isso, que as partes têm o dever de repassar dados precisos sobre o

ocorrido no contrato de trabalho. Porém, devem se abster de fornecer informações

desabonadoras, sob a pena de responsabilização civil.

O dever de sigilo, por sua vez, resulta no dever da parte de preservar o sigilo das

informações a que teve acesso devido à relação contratual, abrangendo, além da

divulgação, a utilização das informações em proveito próprio ou alheio.

Por óbvio, a mera divulgação de informações sigilosas obtidas no contrato de

trabalho já enseja reparação civil.

Daniel Ustárroz assim se manifesta sobre tal dever, chamado por ele de correção,

“veda a assunção de comportamentos contraditórios e titubeantes durante a relação

estabelecida, impõe o sigilo acerca de informações obtidas em virtude do relacionamento

havido e tantas outras consequências bem exploradas pelas Cortes”223.

É bastante comum que o empregado tenha acesso a informações do empregador,

assinando, inclusive, contratos anexos de confidencialidade e sigilo, que podem estipular

penalidades no caso de descumprimento. Dependendo do cargo do empregado, este pode

ter acesso a informações cruciais para a preservação da empresa e sua divulgação pode

acarretar em prejuízos imensuráveis.

Da mesma forma, o empregador pode ter acesso a informações pessoais do

empregado (opção sexual, doença incurável etc.) que, a simples menção a terceiros, pode

ensejar danos morais e materiais, passíveis de reparação.

221FLORINDO, Valdir. Dano moral e o direito do trabalho. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1999. 222PAMPLONA FILHO, Rodolfo. O dano moral na relação de emprego. São Paulo: LTr, 1998. 223USTÁRROZ, Daniel. op. cit.

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Visando a proteger este dever, o Direito está criando mecanismos para coibir

práticas discriminatórias decorrentes da violação do dever de sigilo.

Nessa esteira, pode-se citar a Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho:

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

A presunção é a de que a dispensa, nesses casos, se realizou de forma

discriminatória, preconceituosa e, o que pode ser mais grave, põe e expõe a pessoa

despedida ao abandono, o que poderá agravar a doença e, como mais certeza, poderá

causar sérias lesões psicológicas, inclusive pelos sentimentos de exclusão social e de

inutilidade que sempre acompanham o desemprego e os desempregados224.

Também visando a coibir dispensas preconceituosas, promulgou-se a Lei n.

12.984/2014, a qual, dentre outras providências, criminaliza condutas discriminatórias em

ambiente de trabalho, praticadas em desfavor de portadores de HIV ou doentes de AIDS.

De acordo com os incisos II a IV do art. 1° do dispositivo legal, “aquele que negar

emprego ou trabalho; exonerar ou demitir de cargo ou emprego ou então segregar em

ambiente laboral o portador do vírus em razão de sua condição, poderá ser apenado com

reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa”.

Sônia Mascaro225 discorre sobre o tema: “Os casos mais comuns na Justiça do

Trabalho de reconhecimento de dispensa discriminatória são de dispensa por questões de

saúde, envolvendo principalmente portadores do vírus HIV, trabalhadores com câncer ou

outras doenças graves”. Nesses casos, os tribunais buscam prova robusta de que a

empregadora tenha tido ciência do estado do empregado no momento da despedida” (TST

– AIRR 90108-66.2010.5.05.0000, ementa transcrita) para a configuração da despedida

discriminatória, aplicando o artigo 4º da Lei 9.029/1995.

224CORREIA, Nilton. Dispensa discriminatória: portador de vírus HIV ou doença grave. Revista do

Advogado, São Paulo, v. 33, n. 121, p. 222, nov. 2013. 225NASCIMENTO, Sônia Mascaro. Dispensa discriminatória nos tribunais brasileiros. Disponível em:

<http://www.amaurimascaronascimento.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=451:dispensa-discriminatoria-nos-tribunais-trabalhistas&catid=97:doutrina&Itemid=251>.

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Ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DISPENSA IMOTIVADA. VALIDADE. SÚMULA 126/TST. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. O Regional, em análise aos critérios de dispensa estabelecidos pela Reclamada, não vislumbrou qualquer hipótese de discriminação, haja vista que não há -prova robusta de que a empregadora tinha ciência do estado do empregado no momento da despedida, o que impede a caracterização da despedida discriminatória-. Entendimento contrário demanda o exame da prova dos autos, sendo vedado neste momento processual. Exegese da Súmula 126/TST. Assim, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui as razões expendidas na decisão denegatória que, assim, subsiste pelos seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.

Processo: AIRR - 90108-66.2010.5.05.0000 Data de Julgamento: 11/04/2012, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/04/2012.226

Muitos outros casos também podem ser encontrados, o que demonstra todo o

preconceito que nossa sociedade ainda carrega. É o caso das dispensas por conta da opção

sexual do empregado que, além de discriminatórias, invadem a esfera da vida privada do

empregado, coisa que não pode nem mesmo ser cogitada.

Esta proibição de dispensa discriminatória encontra respaldo no art. 5º, X, da

Constituição Federal de 1988, que garante a proteção à inviolabilidade da intimidade, da

vida privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo

dano moral ou material decorrente de sua violação.

Outro dever acessório é o dever de proteção, ou seja, o dever de zelar pela

integridade patrimonial e física do contratante mesmo depois de extinto o contrato.

É de grande valia e importância o direito à integridade física, pela qual se protege a

incolumidade do corpo e da mente. Com efeito, é um dos direitos de personalidade, com o

qual se busca proteger juridicamente a vida, a higidez física e a lucidez mental do ser,

opondo-se a qualquer atentado que venha atingi-las227.

No campo do Direito do Trabalho, é cediço de que é obrigação de qualquer

empregador manter um meio ambiente de trabalho sadio, conforme o caput do art. 225 da

226Ementa retirada do sitio do TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – TST. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/>. Consulta unificada. 227BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

p. 70

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Constituição Federal de 1988, sendo o meio ambiente de trabalho integrante do meio

ambiente geral, conforme o inciso VIII do art. 200 do referido diploma legal.

O meio ambiente de trabalho é o local onde as pessoas desempenham suas

atividades laborais, remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do

meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos

trabalhadores, independentemente da condição que ostentem (homens ou mulheres,

maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.)228.

A preocupação com um ambiente de trabalho sadio foi abarcada pelos legisladores,

tanto que a CLT traz em seu Capítulo V preceitos sobre a “Segurança e Medicina do

Trabalho”. Além disso, o Ministério do Trabalho e Emprego editou as normas

regulamentadoras (NRs) do trabalho, por meio da Portaria n. 3.214/1978, que são

reeditadas periodicamente, a fim de adequar melhores condições de segurança e ambientais

de trabalho.

Desse modo, na fase pós-contratual, o empregador também apropria o dever de

proteção, porque, ao contratar um trabalhador, a empresa assume o resultado de mantê-lo

incólume em seus aspectos físico e psicológico.

Destarte, impõe-se ao empregador a obrigação de assegurar ao empregado um

ambiente de trabalho sadio, hígido e livre de qualquer abuso ou infortúnio. Vale dizer: o

trabalhador, quando é despedido, deve estar em perfeito estado de saúde física, psíquica e

emocional para seu retorno ao mercado de trabalho, devendo ser indenizado quando não

ocorrer229.

Assim, responde o empregador pelos acidentes típicos, pelas doenças ou

enfermidades ocupacionais, assim entendidas aquelas provocadas pelo exercício da

profissão (doenças profissionais) ou das circunstâncias da realização do serviço ou do

ambiente de trabalho (doença do trabalho), e pelas concausas que são, por força de lei,

consideradas como acidente de trabalho (artigos 20 e 21, da Lei n. 8.213/1991).

São concausas, equiparáveis ao acidente de trabalho, outras causas que, juntando-se

à principal, contribuam diretamente para a morte do segurado, a redução ou perda da sua

capacidade para o trabalho ou para a produção de lesão que exija atenção médica para sua

recuperação (art. 21, I, da Lei n. 8.213/1991), como um erro médico, a superveniência de 228FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 4. ed. São Paulo: Saraiva,

2003. p. 22-23. 229MACHADO, Sidnei. O direito à proteção ao meio ambiente de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2003.

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infecção hospitalar ou a preexistência de diabetes complicadora do quadro geral da vítima.

O empregador responde pelo resultado, independentemente de não ter sido o causador das

concausas230.

Nos casos de danos psicológicos, como a síndrome de burn out, estresse

ocupacional, depressão decorrente de assédio moral durante o contrato de trabalho,

também há o dever de se indenizar, posto que o trabalhador não apresentaria sequelas se o

empregador tivesse proporcionado um ambiente saudável de trabalho.

Nesse contexto, o abalo sofrido há que ser reparado, devendo o juízo, em sua

decisão, levar em conta o nível social, o gravame, o alcance do dano, bem como a condição

financeira tanto do ofensor quanto do ofendido. É certo que não há em nossa legislação

valores fixados para a reparação moral. Deve-se assim como dito considerar-se as

particularidades envolvidas em cada caso.

Por fim, o último dever acessório apontado pela doutrina é o de cooperação. Como

nos ensina Rogério Ferraz Donnini:

“Na realidade todos os deveres acessórios de conduta não deixam de ser deveres de cooperação. Este dever compreende todos os possíveis deveres que possam surgir nas relações contratuais e que não se enquadram nas hipóteses anteriores, e buscam a considerar a posição do outro contratante de modo a auxiliá-lo”231.

5.2. Prescrição do dano pós-contratual

A prescrição é a perda do poder de exigir, no plano jurídico, o cumprimento de um

dever jurídico, pelo não exercício dessa pretensão, em um determinado prazo estabelecido

pelo legislador.

A prescrição, conforme sintetiza Sérgio Pinto Martins, “é a perda da exigibilidade

do direito, em razão da falta do seu exercício dentro de um determinado período de

tempo”232.

É unânime o posicionamento jurisprudencial de que as ações de indenização por

dano moral devem seguir a prescrição bienal após a extinção do contrato de trabalho.

Contudo, na ocorrência do dano após o término da relação de emprego, é predominante na

230BELMONTE, Alexandre Agra. Rev. TST, Brasília, v. 73, n. 2, abr./jun. 2007. 231DONNINI, Rogério Ferraz. A Constituição Federal e a responsabilidade civil pós-contratual, cit. 232MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 676.

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doutrina e jurisprudência que o termo inicial deve ser deslocado da data da extinção da

relação de emprego (dois anos após o desligamento) para a data da prática do ato ofensivo ao

patrimônio moral, ou melhor dizendo, iniciando a partir da configuração da ação judicial

exercitável (actio nata). Vale dizer, o marco prescricional será a contar da data em que ocorreu

a respectiva lesão ou conhecimento dela, como nos casos de listas discriminatórias (“lista

suja”). Vejamos decisão do Tribunal Superior do Trabalho, nesse sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. ART. 896, § 6º, DA CLT. PRESCRIÇÃO. MARCO INICIAL. LISTA SUJA. Nas ações de indenização por danos morais decorrentes da inclusão do nome do trabalhador em lista discriminatória, como in casu, o prazo prescricional deve ser contado somente a partir do conhecimento da lesão. Nessa linha de raciocínio, consignado no acórdão regional que o reclamante teve ciência da inclusão de seu nome na referida lista no início de 2012 e ajuizou a presente ação em 22/03/2013, não há prescrição a ser pronunciada. Agravo de instrumento não provido. RECURSO DE REVISTA ADESIVO INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. Prejudicado o exame do recurso adesivo, nos termos do art. 500 do CPC. Processo: AIRR - 641-59.2013.5.15.0011 Data de Julgamento: 19/11/2014, Relator Ministro: Breno Medeiros, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/11/2014"233".

No caso presente, fica claro que o prazo prescricional não deve ser contado a partir

da data do encerramento do contrato de trabalho, mas sim a partir do momento em que o

empregado tomou conhecimento do fato desencadeador dos pedidos, ou seja, da existência

de uma listagem em que seu nome figurava (lista negra). Referidas listas existem com

interesse em informar as empresas sobre ações trabalhistas propostas ou até mesmo sobre

se figurava o empregado pesquisado como testemunha de outros reclamantes.

Em se tratando de pedido de dano moral, quando a lesão é posterior à Emenda

Constitucional n. 45/2004, o prazo prescricional aplicável é trabalhista, previsto no art. 7º,

XXIX, da CF/1988, contado a partir da data em que o autor tomou conhecimento de que

figurava em lista negra confeccionada pela empresa e não da data em que foi incluso na

referida lista, de quando esta foi emitida ou de qualquer outra que não configure ciência

inequívoca pelo autor. O indivíduo só pode zelar por seu patrimônio quando ciente do dano

que lhe foi acometido.

233Retirado do sitio do TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – TST. Disponível em:

<http://www.tst.jus.br/>.

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CONCLUSÃO

De tudo que aqui foi dito, podemos depreender que a responsabilidade é questão

que nos remete a sentidos filosóficos e políticos, transpostos para o Direito. Do ponto de

vista filosófico, a responsabilidade se traduz no modo de regulação social cujo princípio

geral é o de que ninguém pode transferir para um outro o ônus daquilo que lhe acontece;

ou o fato de imputar um ato ou as consequências dele a uma específica pessoa. No Direito,,

toma, tradicionalmente, a noção de um conjunto de técnicas jurídicas que trata as ações de

perdas e danos234.

Projetando-se sempre o resultado a uma vontade ou a uma falta de providência,

pode-se agregar a ideia de que a responsabilidade emerge de duas máximas do direito

natural moderno, vinculado à sociabilidade, segundo o qual as pessoas devem respeitar

seus compromissos e não prejudicar outrem (neminem laedere ou alterum nonm laedere).

A responsabilidade então situa-se na sociedade moderna no campo da intervenção

estatal regulatória da economia, que respalda, ou seja, garante a autonomia

privada/coletiva, superando a insuficiente e inadequada autonomia da vontade, pois as

“regras do jogo” que asseguram espaços de poder na atuação dos sujeitos não estão, pelo

Direito, a serviço de interesses egoísticos reveladores da vontade. É o compartilhamento ou

repartição dos encargos dos danos socialmente conhecidos235.

Conforme amplamente analisado, da sistematização da responsabilidade destacam-

se a noção de obrigação como processo, a mitigação da autonomia da vontade e o princípio

da boa-fé.

No campo do Direito do Trabalho, embora a Constituição Federal e o Código Civil

de 2002 somam uma nova ordem, ainda se verifica uma leitura antiga da CLT, em

jurisprudência. Temos algum avanço em jurisprudência, a exemplo dos acórdãos

consignados na íntegra neste trabalho, mas os princípios previstos no Código Civil de

2002, dentre eles da solidariedade, do equilíbrio e da boa-fé, ainda ensejam a superação da

autonomia cega da vontade.

234EWALD, François. Responsabilidade. In: ARNAUD, André-Jean (Org.). Dicionário enciclopédico de

teoria e de sociologia de direito. Rio de Janeiro. Renovar. 1999. 235COUTINHO, Aldacy Rachid. Responsabilidade civil: acidente do trabalho e doença ocupacional. São

Paulo: Revista do Advogado, São Paulo, n. 121, p. 9-10, nov. 2013.

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A doutrina admite que o conceito de contrato de trabalho como negócio jurídico

não se afirmou, pois, ora buscavam adaptar a relação de emprego a um modelo civilístico

pronto, ora tentavam adaptar a relação de emprego em determinadas categorias não

contratuais e, em grande medida, pelo fato da própria dificuldade de se considerar um

negócio no qual a autonomia da vontade de uma das partes é mitigada, para não dizer

inexistente. O negócio jurídico, o vértice da autonomia privada, não dá conta da

complexidade da relação de emprego, que se forma inclusive independentemente da

vontade das partes236.

A cláusula geral ou o princípio da boa-fé é norma jurídica positiva do ponto de

vista da eficácia, decorrente inicialmente do art. 4º da Lei n. 8.078/1990 e presente no art.

422 do Código Civil. A boa-fé é, sem dúvida, a limitação da liberdade contratual. O

comportamento da parte tanto na fase pré-contratual como na pós-contratual tem como

limite os princípios norteadores da boa-fé, que é a expressão básica das condutas ética e

jurídica.

No primeiro acórdão colacionado não resulta qualquer dúvida sobre o poder

limitador que o princípio da boa-fé exerce nas relações do trabalho, ainda que estas não

tenham sido formalizadas por meio de contrato. Significa dizer, a circunstância de o

empregador, na fase que antecede à formalização do contrato de trabalho, gerar no

trabalhador séria e consistente expectativa de celebração do pacto e, na sequência, não

efetivá-lo, enseja a condenação ao pagamento de indenização por dano moral. É a

responsabilidade civil sendo aplicada por meio do art. 422 do Código Civil.

Já no segundo acórdão colacionado, fica claro que a violação de um dever de boa-

fé, ainda que após a extinção do contrato de trabalho, ensejará a responsabilidade pós-

contratual. Verifica-se, portanto, a extensão do princípio da boa-fé, incidindo também na

fase pós-negocial, ao longo da qual os ex-contratantes ainda devem se manter vinculados

pelo mesmo princípio. Neste caso, a boa-fé dá fundamento à chamada culpa post factum

finitum, alongando a relação obrigacional mediante a imposição de deveres que interessam

à realização do fim do contrato globalmente considerado.

Mas não é somente isso. , Para que se configure a pós-eficácia proveniente da culpa

post pactum finitum, não há que se falar em deveres expressamente previstos em lei ou no

contrato, como os casos de violação de segredo (Código Penal, art. 196, § 1º, XII), e do 236COELHO, Luciano Augusto de Toledo Responsabilidade civil pré-contratual em direito do trabalho. São

Paulo: LTr, 2008. p. 134-135.

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pacto de não concorrência ou cláusula de confidencialidade. Embora exista produção de

efeitos posteriores ao contrato, certo é que não representam situações em que se possa

adotar a teoria da culpa post pactum finitum. No primeiro caso, há lei prevendo a obrigação

e nos últimos dois casos, há a pactuação da cláusula para vigorar após a extinção da

relação de emprego. O prejuízo suportado deve ser proveniente da infringência aos deveres

anexos de conduta (proteção, informação e lealdade), que advêm da boa-fé objetiva, no

momento posterior à extinção do contrato. Estaremos assim diante da responsabilidade

pós-contratual em sentido estrito (culpa post pactum finitum).

Ainda, diante da complexidade do contrato de trabalho, posto que dele emanam não

apenas as obrigações principais, mas também as secundárias e seus deveres anexos de

conduta, conclui-se que a subordinação jurídica legitima a dominação do trabalhador pela

empresa e que o poder patronal de comando, muitas vezes, assume manifestações

desproporcionais em tempos de globalização econômica.

O contrato de trabalho, sendo de trato sucessivo, personalíssimo em relação à figura

de um contratado subordinado, sujeitado e submisso, facilita a ocorrência de danos e

abusos de poder.

A partir de um sistema jurídico aberto e com influência constitucional, chegamos a

um novo paradigma, qual seja, o do solidarismo contratual, que serve de suporte para uma

teoria que seja capaz de identificar com rigor as obrigações e os deveres de cada parte,

sobretudo os seus limites de atuação, pontuados pelas cláusulas gerais de função social do

contrato e na boa-fé objetiva (respectivamente artigos 421 e 422 do Código Civil).

No que tange a reparação civil, vemos um crescimento da responsabilidade civil da

empresa independentemente de culpa, sobretudo em face da teoria dos riscos da atividade

econômica (art. 2º da CLT) e dos riscos e perigos da atividade normalmente desenvolvida

(art. 927, parágrafo único, do Código Civil).

Na questão reparatória do contrato de trabalho, o que prevalecerá é o princípio

constitucional da função social da empresa como expressão da propriedade (art. 170, III, da

CF/1988) e o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/1988).

Quanto aos operadores jurídicos, estes devem estar atentos para que a

responsabilidade civil não se reduza a mero instrumento de eficiência econômica em sua

concepção patrimonialista. Dallegrave é quem diz que, ao contrário, deve-se partir de uma

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concepção existencialista, enxergando e tutelando a vítima do dano a partir do princípio

constitucional da dignidade da pessoa humana237.

Por fim, conforme já exposto, depreendemos como tendência nos julgamentos pelos

tribunais do trabalho entendimento a favor da responsabilidade objetiva do empregador e,

embora existam julgados em contrário, as decisões demonstram claramente um

acolhimento importante da teoria do risco empresarial. Essa tendência significa um avanço

nos rumos da responsabilidade civil, tendo em vista que um grande contingente de atos

danosos pode ficar sob a proteção da culpa, nem sempre possível de ser provada.

237DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade civil no direito do trabalho. 5. ed. São Paulo:

LTr, 2014. p. 667.

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JURISPRUDÊNCIA – RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL

PROCESSO N. TST-AIRR-2784-18.2012.5.02.0011

Acórdão na íntegra

3ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. 1. DANO MORAL - RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL - ARTS. 427 E 402, IN FINE, CCB. MATÉRIA FÁTICA - SÚMULA 126/TST. 2. DANO MORAL - VALOR DA INDENIZAÇÃO. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO.

A circunstância de o empregador, na fase que antecede à formalização do contrato de trabalho, gerar no trabalhador séria e consistente expectativa de celebração do pacto, e, na sequência, acabar por não efetivá-lo, enseja a condenação ao pagamento de indenização por dano moral. No caso concreto, o TRT de origem consignou as seguintes premissas: a) o obreiro passou por processo de seleção, assinou contrato de trabalho em 18.11.2011, entregou sua CTPS, realizou exame admissional e abriu conta corrente em instituição financeira para receber seus salário, sendo informado que iniciaria a prestação de serviços no dia 22.11.2011; b) no dia designado, os prepostos da Reclamada determinaram que ele retornasse para casa e aguardasse a convocação para iniciar o trabalho; c) passados três meses, em fevereiro de 2012, a Reclamada devolveu a CTPS sem qualquer anotação e o contrato de trabalho não foi formalizado. Cumpre ressaltar que, na hipótese, além do desrespeito aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, consagrados no art. 1º, III e IV, da CF, resulta ofendido o princípio da boa-fé objetiva, insculpido no art. 422 do Código Civil, sendo forçoso manter a condenação da Reclamada ao pagamento de indenização por dano moral. Não há, portanto, como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os termos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n. TST-AIRR-2784-18.2012.5.02.0011, em que é Agravante A. TONANNI CONSTRUÇÕES E SERVIÇOS LTDA. e Agravado LUIZ ANTÔNIO MANOEL.

O Tribunal Regional do Trabalho de origem denegou seguimento ao recurso de revista da parte Recorrente.

Inconformada, a Parte interpõe o presente agravo de instrumento, sustentando que o seu apelo reunia condições de admissibilidade.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2º, do RITST.

PROCESSO ELETRÔNICO.

É o relatório.

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V O T O

I) CONHECIMENTO

Atendidos todos os pressupostos recursais, CONHEÇO do apelo.

II) MÉRITO

1. DANO MORAL - RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL - ARTS. 427 E 402, IN FINE, CCB. MATÉRIA FÁTICA - SÚMULA 126/TST. 2. DANO MORAL - VALOR DA INDENIZAÇÃO. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO

O Tribunal Regional denegou seguimento ao recurso de revista.

No agravo de instrumento, a Parte reitera as alegações trazidas no recurso de revista, ao argumento de que foram preenchidos os requisitos de admissibilidade do art. 896 da CLT.

Contudo, a argumentação da Agravante não logra desconstituir os termos da decisão agravada, que subsiste pelos seus próprios fundamentos, ora endossados e integrantes das presentes razões de decidir:

"PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR/EMPREGADO / INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.

Alegação(ões):

- violação do(s) artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal.

- violação do(a) Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 818; Código de Processo Civil, artigo 333, inciso I.

- divergência jurisprudencial indicada a partir da folha 105, 5 arestos.

Consta do v. Acórdão:

Vínculo de emprego. Indenização por danos morais

Propôs o reclamante a presente ação com o intuito de ver reconhecido judicialmente o vínculo empregatício com a reclamada, com a imposição da condenação ao pagamento de salários e demais haveres contratuais, além de indenização por danos morais.

Aduz que, após passar pelo processo de seleção, assinar contrato de trabalho em 18/11/2011, entregar sua CTPS, realizar exame admissional, e abrir conta corrente em instituição financeira para receber seus salários, foi informado que iniciaria os préstimos no dia 22/11/2011.

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No dia designado, os prepostos da reclamada determinaram que ele retornasse para a casa e aguardasse o chamado para iniciar a trabalhar.

Passados três meses, em fevereiro de 2012, a reclamada devolveu sua CTPS sem os devidos assentamentos.

A ré, em contestação, alega que o autor somente participou do processo seletivo, sem qualquer promessa de emprego, sendo reprovado ao final (fl. 42).

Quanto à prova oral colhida, desconsidero por completo o depoimento da única testemunha ouvida (fls. 37/38), eis que em um primeiro momento disse que trabalhou junto com o reclamante em favor da reclamada e, ao final, quando novamente perguntado, esclareceu "...que o reclamante 'não chegou a trabalhar para a reclamada'...".

A evidente contradição sobre fato capital relativo à demanda, obviamente vicia sua declaração.

No mais, a prova documental confirma que a reclamada expediu declaração para o Banco do Brasil dando ciência de que o reclamante era seu empregado.

Tal documento não possui eficácia plena, tendo em vista a justificativa da ré de que encaminhava essa documentação ao banco para todos os empregados que participavam do processo seletivo, inclusive procedia à realização de exame médico admissional. Acresça-se a isso o fato de o autor ter confessado em audiência que "...nunca trabalhou para a reclamada;...não fez nenhum serviço para a reclamada..." (fl. 36).

A doutrina classifica o contrato de trabalho como "acordo expresso (escrito ou verbal) ou tácito firmado entre uma pessoa física (empregado) e outra pessoa física, jurídica ou entidade (empregador), por meio do qual o primeiro se compromete a executar, pessoalmente, em favor do segundo um serviço de natureza não eventual, mediante salário e subordinação jurídica".

Retira-se do conceito supracitado como as notas distintivas do pacto de labor o compromisso da prestação de serviços e da contraprestação pecuniária, além da subordinação jurídica.

Nessa esteira, verifico que o caso concreto não revela preenchimento de todos esses requisitos, uma vez que o reclamante, apesar de assumir a obrigação de executar serviços em favor da reclamada, jamais permaneceu a ela subordinado, posto que nunca iniciou seus préstimos.

Não atendida a condição de subordinação jurídica, improspera o pedido de reconhecimento do vínculo de emprego.

Desacolho o apelo do autor, no particular.

Situação diversa é a que se depara à ofensa moral, em decorrência da responsabilidade pré-contratual dos contratantes, tendo em vista que a reclamada desrespeitou o princípio da boa-fé objetiva.

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O dano causado ao reclamante é nítido, uma vez ele que passou por todas as etapas do processo seletivo realizado pela reclamada, fazendo exame admissional, abrindo conta corrente para recebimento do salário, recebendo uniforme e manual de conduta profissional para empregados da ré, tendo, por fim, abruptamente desmalhada a perspectiva iminente de reinserção no mercado de trabalho.

Assim, responde a empresa que atua de forma abusiva em sua liberdade de contratar quando impõe ao trabalhador que se sujeite a todos os procedimentos pré-admissionais e, ao final, após reter a CTPS para as anotações do contrato de trabalho e realizar o exame admissional, resolve não firmar o pacto laboral.

Destarte, correta a imposição pela origem de indenização por danos morais.

No mais, irreparável o importe estabelecido a titulo de indenização por dano moral, em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). O valor arbitrado corresponde ao princípio da proporcionalidade da reparação do agravo, consagrado no artigo 5º, V, da Constituição Federal, atendendo à função compensatória da indenização e evitando a premiação ao lesado2.

Desprovejo o recurso da reclamada, no particular. Da mesma forma, o recurso do reclamante, que pretendia a majoração do quantum indenizatório.

Não obstante a afronta constitucional e as disposições legais aduzidas, bem como os dissensos interpretativos suscitados, inviável o seguimento do apelo, uma vez que a matéria, tal como tratada no v. Acórdão e posta nas razões recursais, reveste-se de contornos nitidamente fático-probatórios, cuja reapreciação, em sede extraordinária, é diligência que encontra óbice na Súmula n. 126 do C. Tribunal Superior do Trabalho.

O arbitramento de indenização por dano moral é matéria que se insere no poder discricionário do julgador, que dispõe de sua conveniência e oportunidade na análise do caso concreto, razão pela qual não se vislumbra, em tese, ofensa aos dispositivos legais e constitucionais apontados, conforme exige a alínea "c" do artigo 896 da CLT.

Quanto ao encargo da prova, ressalte-se que, se o juízo entendeu que determinado item restou provado nos autos, revela-se imprópria a pretensão de reexame do ônus da prova desse título, que somente se justificaria caso o julgado tivesse como supedâneo a não satisfação do encargo probatório.

CONCLUSÃO

DENEGO seguimento ao Recurso de Revista" (destacamos).

Quanto ao tema "dano moral", o objeto de irresignação recursal da Reclamada está assente no conjunto fático-probatório e este se esgota nas instâncias ordinárias. Adotar entendimento em sentido oposto àquele formulado pelo Regional implicaria o revolvimento de fatos e provas, inadmissível em sede de recurso de revista, a teor da Súmula 126/TST.

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Acrescente-se às razões adotadas pelo TRT que é pacífica na ordem jurídica do País a responsabilidade por danos morais pré-contratuais. Isso porque a circunstância de o empregador, na fase que antecede à formalização do contrato de trabalho, gerar no trabalhador séria e consistente expectativa de celebração do pacto, e, na sequência, acabar por não efetivá-lo, enseja a condenação ao pagamento de indenização por dano moral.

No caso concreto, o TRT de origem consignou as seguintes premissas: a) o obreiro passou por processo de seleção, assinou contrato de trabalho em 18.11.2011, entregou sua CTPS, realizou exame admissional e abriu conta corrente em instituição financeira para receber seus salário, sendo informado que iniciaria a prestação de serviços no dia 22.11.2011 b) no dia designado, os prepostos da Reclamada determinaram que ele retornasse para casa e aguardasse a convocação para iniciar o trabalho; c) passados três meses, em fevereiro de 2012, a Reclamada devolveu a CTPS sem qualquer anotação e o contrato de trabalho não foi formalizado.

Cumpre ressaltar que, na hipótese, além do desrespeito aos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho, consagrados no art. 1º, III e IV, da CF, resulta ofendido o princípio da boa-fé objetiva, insculpido no art. 422 do Código Civil, sendo forçoso manter a condenação da Reclamada ao pagamento de indenização por dano moral.

A esse respeito, confiram-se os seguintes precedentes desta Corte:

RECURSO DE REVISTA. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. 1) PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL (DESFUNDAMENTADO). 2) MULTA POR ED'S PROTELATÓRIOS. 3) PRÉ-CONTRATO DE TRABALHO. CONTRATAÇÃO FRUSTRADA. CARACTERIZAÇÃO DE DANO MORAL. 4) VALOR ARBITRADO A TÍTULO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. A circunstância de o empregador, na fase que antecede à formalização do contrato de trabalho, gerar no trabalhador séria e consistente expectativa de efetivação do pacto, sendo que, na sequência, acaba por não efetivá-lo, enseja a condenação ao pagamento de indenização por dano moral, além dos danos materiais evidenciados ou razoavelmente aferidos (art. 5º, V e X. CF; art. 186, CCB).Recurso de revista não conhecido nos temas. [-] Recurso de revista conhecido e provido no tema. Processo: RR - 1283-94.2013.5.04.0251 Data de Julgamento: 08/10/2014, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/10/2014.

[...] INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PRÉ-CONTRATO DE TRABALHO. FRUSTRAÇÃO NA CONTRATAÇÃO. 1. O contrato de trabalho, nos termos do v. acórdão da e. 2ª Turma desta Corte Superior, -não impõe obrigações nem produz efeitos apenas enquanto vigente formalmente. A responsabilidade civil do empregador não está limitada ao período contratual, mas igualmente alcança as fases pré- e pós-contratual- (Acórdão da lavra do Min. José Simpliciano Fontes de F. Fernandes no Processo n. TST-RR-141.900-27.2000.15.0034). 2. Da leitura do acórdão do e. Tribunal de origem se conclui que irrefutável a intenção da reclamada em celebrar o contrato, bem como o rompimento injustificado das negociações. Essa constatação sobressai da ocorrência dos seguintes fatos: entrega de documentos, inclusive a CTPS, exames médicos complementares de admissão; teste prático de direção, escrito, psicotécnico, além de exames médicos; treinamento, que foi ministrado entre os dias 7 e 12 de agosto de 2010; o

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efetivo pedido de demissão do reclamante da empresa em que trabalhava naquela ocasião (Taxi Lotação Estrela Azul Ltda.); por fim, a não celebração do contrato com a empresa recorrida. 3. Dentro desse contexto fático, observe-se que não se tratou de mera possibilidade de preenchimento de vaga, mas de efetiva intenção de contratar. E, segundo o Código Civil de 2002, o Estado não deve assegurar somente o cumprimento da livre manifestação da vontade das partes, mas também regrar o comportamento dos negociantes pelo princípio da boa fé objetiva, impondo aos contratantes o dever de honestidade, informação, lealdade e confiança, visando com isso à manutenção do equilíbrio contratual. 5. O caso se revela típico de responsabilidade pré-contratual que se verifica, conforme lição de Caio Mário, citado por Pinho Pedreira, "quando uma pessoa entabula negociações com outra, induzindo-a a preparar-se para contratar e depois, injustificadamente, deixa de celebrar a avença" (in A Reparação do Dano Moral no Direito do Trabalho, LTR-2004, p. 36). E acrescenta o eminente juslaboralista baiano, com arrimo no magistério de Miriam Russo Terayama, acrescenta: "a desistência injustificada de contratar pelo empregador pode causar prejuízo àquele que porventura não concretiza ou mesmo desprezando oferta de igual nível ou de maior conveniência" (op. Cit, p. 37). 6. Diante disso, entendo que restou configurada a conduta ilícita da empresa recorrida e, consequentemente, o alegado dano moral. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e provido, no tópico. Conclusão: Recurso de revista parcialmente conhecido e provido. Processo: RR - 141-57.2011.5.23.0005 Data de Julgamento: 22/05/2013, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/05/2013.

RECURSO DE REVISTA. 1. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PERÍODO PRÉ-CONTRATUAL. VALOR ARBITRADO. Consignou a Corte de origem que os atos do reclamado geraram no reclamante uma falsa expectativa de contratação, estando caracterizado o pré-contrato. Conforme se extrai da decisão recorrida, o reclamante foi submetido a processo de seleção e exame admissional, que o considerou apto para o trabalho. Foram a ele fornecidos, ainda, atestado de saúde ocupacional e crachá da empresa, não havendo justo motivo para a não contratação. Concluiu o Regional que "a promessa de contratação, frustrada pela reclamada, constitui ofensa à boa-fé, gerando a obrigação de indenizar o empregado pela falsa expectativa criada, na medida em que as partes devem sempre respeitar o princípio da boa-fé objetiva, consagrado no art. 422 do Código Civil". Nessa senda, verifica-se que a decisão regional coaduna-se com o entendimento prevalecente nesta Corte, no sentido de que, em prestígio à boa-fé objetiva, as partes comprometem-se ao cumprimento das obrigações concernentes à fase do pré-contrato desde o momento em que vislumbrada a formação do vínculo contratual. Por outro lado, os critérios utilizados pela Corte a quo para fixar o quantum indenizatório observam os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não sendo possível divisar violação dos arts. 5º, V e X, da CF e 944 do CC. [...]Processo: RR - 1258-60.2013.5.08.0125 Data de Julgamento: 29/10/2014, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/10/2014.

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO FRUSTRADA. OBRIGAÇÕES NA FASE PRÉ-CONTRATUAL. ÔNUS DA PROVA. 1. Trata-se da hipótese em que condenada a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, decorrente da frustração de expectativa de contratação do autor. 2. Do quadro fático delineado no acórdão regional, extrai-se que a reclamada "ficou de posse da CTPS do obreiro por aproximadamente um mês, abrindo inclusive conta salário, e, em razão disso, o obreiro rejeitou outras propostas de emprego", bem como que "a reclamada não aceitou o reclamante dizendo que não havia mais necessidade de

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funcionários". 3. No caso dos autos, o Tribunal Regional não dirimiu a controvérsia à luz dos princípios disciplinadores da repartição do ônus da prova, razão pela qual inconcebível a vulneração dos artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC, sendo certo que o dano moral é um dano in re ipsa, que prescinde de comprovação, bastando a demonstração do ato ilícito e do nexo causal, os quais restaram evidenciados na hipótese em voga, com base na prova efetivamente produzida. 4. Inespecíficos os arestos paradigmas trazidos a cotejo, porque abordam situação de mera submissão a processo seletivo, sem qualquer notícia acerca da retenção da CTPS do obreiro, tampouco quanto à abertura de conta salário, circunstâncias que distinguem a hipótese dos autos. Óbice da Súmula 296/TST. [...] Processo: AIRR - 835-52.2011.5.02.0444 Data de Julgamento: 24/09/2014, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/10/2014.

[...] CONTRATAÇÃO FRUSTRADA. DANO PRÉ-CONTRATUAL. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. O Regional, com base no conjunto fático-probatório produzido nos autos, em especial o depoimento prestado pela preposta da recorrente e por testemunha trazida pela própria reclamada, concluiu que estavam preenchidos os elementos para a responsabilização civil da reclamada, consignando no acórdão que a reclamante foi a única que participou das duas últimas fase do processo seletivo e que recebeu determinação para que aguardasse em casa até a liberação da vaga pelos recursos humanos. Nesse contexto, com a não contratação da recorrida, ficou configurada nos autos a falta de lealdade e boa-fé da reclamada, gerando dano moral passível de indenização. Recurso de revista de que não se conhece. [...] Processo: ARR - 16700-68.2013.5.17.0011 Data de Julgamento: 23/04/2014, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/05/2014.

[...] DANO MORAL (R$ 5.000,00) E DANO MATERIAL (R$ 2.500,00). EXPECTATIVA DE CONTRATAÇÃO. CTPS RETIDA POR MAIS DE TRÊS MESES. ABERTURA DE CONTA-SALÁRIO E REALIZAÇÃO DE EXAMES MÉDICOS ADMISSIONAIS POR ORDEM DA RECLAMADA. A situação fática delineada nos autos, ensejadora da condenação por danos morais, refere-se à expectativa frustrada de contratação da trabalhadora motivada por descaso da reclamada. Esta expectativa não deriva, conforme o Regional, somente de uma esperança infundada da autora, mas sim da postura da reclamada, que se investiu na figura de potencial empregadora ao reter a CPTS, determinar a abertura de conta-salário e exigir a realização de exames médicos admissionais, mantendo a autora por mais de três meses sem retorno sobre a vaga prometida, até finalmente informar que o horário ao qual ela se candidatou não estava vago. Ao contrário do que alega a recorrente, o dano, nos casos em que a contratação não é efetivada, após a realização de entrevista - o que gera expectativa na pessoa de conseguir um novo emprego -, é in re ipsa, ou seja, decorre do próprio evento danoso, não havendo falar em demonstração do dano, pois, nesse caso, ele se situa no psicológico do lesado, em que é impossível se extrair uma prova material. Nessa senda, aplica-se ao caso dos autos o artigo 422 do Código Civil, segundo o qual "os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé". Assim, deve ser mantida a condenação por danos morais. Agravo de instrumento desprovido. [...] Processo: AIRR - 1284-35.2011.5.09.0017 Data de Julgamento: 06/08/2014, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/08/2014.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - INDENIZAÇÕES POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - PRÁTICA DE ATO ILÍCITO NA FASE PRÉ-CONTRATUAL DA RELAÇÃO DE TRABALHO. Consoante dispõe o art. 422 do Código Civil, os contratantes são obrigados a guardar, tanto na conclusão do contrato quanto na execução, os princípios da probidade e boa-fé. No caso, a Corte a quo, analisando a prova colacionada nos autos, concluiu que o procedimento adotado pela reclamada de exigir que a reclamante entregasse os documentos necessários à formalização do seu contrato de trabalho, abrisse uma conta-salário e realizasse o exame admissional, atos que foram praticados pela autora, demonstraram a efetiva intenção da ré em contratá-la. A posterior alteração desse propósito por iniciativa exclusiva da empresa e sem a apresentação de justificativa para tanto implicou quebra do princípio da boa-fé e caracterizou-se como prática de ato ilícito, surgindo daí o dever de indenizar. Diante desse quadro, o conhecimento do recurso de revista encontra óbice na Súmula n. 126 do TST. Agravo de instrumento desprovido. Processo: AIRR - 874-79.2010.5.04.0104 Data de Julgamento: 25/06/2014, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/07/2014.

No tocante ao tema "dano moral - valor da indenização", não há na legislação pátria delineamento do quantum a ser fixado a título de dano moral. Caberá ao juiz fixá-lo, equitativamente, sem se afastar da máxima cautela e sopesando todo o conjunto probatório constante dos autos. A lacuna legislativa na seara laboral quanto aos critérios para fixação leva o julgador a lançar mão do princípio da razoabilidade, cujo corolário é o princípio da proporcionalidade, pelo qual se estabelece a relação de equivalência entre a gravidade da lesão e o valor monetário da indenização imposta, de modo que possa propiciar a certeza de que o ato ofensor não fique impune e servir de desestímulo a práticas inadequadas aos parâmetros da lei.

A jurisprudência desta Corte vem se direcionando no sentido de rever o valor fixado nas instâncias ordinárias a título de indenização apenas para reprimir valores estratosféricos ou excessivamente módicos, o que não se verifica na hipótese, já que o valor arbitrado na sentença e mantido pelo Tribunal Regional, a título de indenização por danos morais foi de R$5.000,00 (doze mil reais).

Ressalte-se que as vias recursais extraordinárias para os tribunais superiores (STF, STJ, TST) não traduzem terceiro grau de jurisdição; existem para assegurar a imperatividade da ordem jurídica constitucional e federal, visando à uniformização jurisprudencial na Federação. Por isso seu acesso é notoriamente restrito, não permitindo cognição ampla.

Não se constata haver a demonstração, no recurso de revista, de jurisprudência dissonante específica sobre o tema, de interpretação divergente de normas regulamentares ou de violação direta de dispositivo de lei federal ou da Constituição da República, nos moldes das alíneas "a", "b" e "c" do art. 896 da CLT.

Registre-se, por fim, que a motivação do acórdão, por adoção dos fundamentos da decisão denegatória, não se traduz em omissão no julgado ou na negativa de prestação jurisdicional - até mesmo porque transcritos integralmente.

A propósito, o STF entende que se tem por cumprida a exigência constitucional da fundamentação das decisões mesmo na hipótese de o Poder Judiciário lançar mão da

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motivação referenciada por remissão a outra decisão, isto é, mesmo quando apenas se reporta às razões de decidir atacadas, sequer as reproduzindo. Nessa linha, o precedente STF-MS 27350 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 04/06/2008.

Pelo seu acerto, portanto, adoto como razões de decidir os fundamentos da decisão agravada e NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento.

Brasília, 12 de novembro de 2014.

Mauricio Godinho Delgado

Ministro Relator

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JURISPRUDÊNCIA – RESPONSABILIDADE CIVIL PÓS-CONTRATUAL

PROCESSO N. TST-RR-79800-60.2008.5.02.0020

Acórdão na íntegra

7ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. CONTRATO DE TRABALHO EXTINTO. CLÁUSULA GERAL DA BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER ANEXO DE LEALDADE. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RESPONSABILIDADE PÓS-CONTRATUAL. CULPA POST PACTUM FINITUM. Agravo de instrumento a que se dá provimento para determinar o processamento do recurso de revista, em face de haver sido demonstrada possível afronta ao artigo 422 do Código Civil, nos moldes do artigo 896, "c", da CLT.

RECURSO DE REVISTA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. O exame dos autos revela que a Corte a quo proferiu decisão completa, válida e devidamente fundamentada, razão pela qual não prospera a alegada negativa de prestação jurisdicional. Recurso de revista de que não se conhece.

JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS. O Regional consignou expressamente que não se trata de fato novo, na medida em que os documentos juntados com os embargos de declaração opostos se referem a evento ocorrido anteriormente a prolação da sentença. Nessa esteira, ao contrário do alegado, o Tribunal de origem decidiu em conforme à jurisprudência consolidada na Súmula n. 8 do TST. Recurso de revista de que não se conhece.

SEGURO DE VIDA EM GRUPO. CONTRATO DE TRABALHO EXTINTO. CLÁUSULA GERAL DA BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER ANEXO DE LEALDADE. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RESPONSABILIDADE PÓS-CONTRATUAL. CULPA POST PACTUM FINITUM. A partir da Constituição de 1988, fincou-se de modo definitivo a opção política em estabelecer tratamento privilegiado ao trabalho como elemento integrante do próprio conceito de dignidade humana e fundamentador do desenvolvimento da atividade econômica, o que representou um compromisso inafastável com a valorização do ser humano e a legitimação do Estado Democrático de Direito, no qual se inserem o trabalho enquanto valor social, a busca pela justiça social, a existência digna, a função social da propriedade e a redução das desigualdades sociais, entre outros princípios (art. 170). Essa inspiração principiológica - que deve servir de vetor interpretativo para todo o sistema jurídico - modificou consideravelmente nosso direito civil e, por conseguinte, representou uma verdadeira virada de página no modelo instituído em 1916 e que em grande parte foi e tem sido fruto da incorporação de teses consagradas pela jurisprudência dos tribunais: o seu processo de constitucionalização e de despatrimonialização no tratamento das relações privadas. Posto isso, é salutar mencionar a evolução do direito obrigacional brasileiro que, sob o prisma desses princípios constitucionais, consagrou expressamente a cláusula geral da boa-fé objetiva (art. 422), que possibilita verdadeiro

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progresso e aperfeiçoamento na construção do ordenamento jurídico; moderniza a atividade jurisdicional, na busca do ideal de justiça, por permitir ao órgão julgador a solução de problemas a partir da valoração dos fatos e concretização do que, até então, se pautava no plano da subjetividade dos sujeitos integrantes da relação jurídica, na perspectiva meramente individual, portanto, particularmente no que diz respeito à função criadora de direitos e não apenas interpretativa. Isso porque sua base inspiradora é o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), na medida em que o ser humano, como sujeito de direitos, pratica atos que, à luz dos mandamentos constitucionais, devem estar adequados à sua própria dignidade, da qual é, ao mesmo tempo, detentor e destinatário, fundamento e inspiração, origem e destino. Referido postulado impõe na relação contratual a noção de comportamento das partes pautado na honestidade, transparência e, principalmente, na lealdade e na confiança que depositam quando da celebração de um contrato. E de tal reconhecimento tem-se por conclusivo que em todos os contratos existem os chamados deveres anexos. É pacífico na doutrina e jurisprudência que a boa-fé objetiva tem ampla incidência em todas as fases da relação obrigacional, em razão de que os contratantes devem seguir seus ditames - lealdade e confiança - na celebração, na execução ou extinção da relação jurídica. Do exercício da função criativa decorre que, além dos deveres principais, devem nortear a relação contratual os deveres de informação, proteção e lealdade, tradicionalmente exemplificados pela doutrina e jurisprudência como sendo alguns dos deveres anexos ou de consideração, decorrentes da chamada complexidade intraobrigacional. Dinâmicos por natureza, referidos deveres impõem um padrão de conduta minimamente ético que deve se estender mesmo após o término da relação contratual. Caso contrário, ou seja, violado um dever específico de boa-fé, exsurge a responsabilidade pós-contratual, a chamada culpa post pactum finitum. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n. TST-RR-79800-60.2008.5.02.0020, em que é Recorrente NILCE LIMA DE LACERDA PAIVA e Recorrido AGAPRINT INDUSTRIAL COMERCIAL LTDA..

A reclamante, não se conformando com o despacho do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (fls. 632/638) que negou seguimento ao recurso de revista, interpõe o presente agravo de instrumento (fls. 640/648) no qual sustenta que foram preenchidos todos os pressupostos legais para o regular processamento daquele recurso.

Contraminuta e contrarrazões às fls. 655/666.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 83, § 2º, II, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

AGRAVO DE INSTRUMENTO

CONHECIMENTO

Conheço do agravo de instrumento, visto que presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

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MÉRITO

SEGURO DE VIDA EM GRUPO. CONTRATO DE TRABALHO EXTINTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CLÁUSULA GERAL DA BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER ANEXO DE LEALDADE. VIOLAÇÃO. RESPONSABILIDADE PÓS-CONTRATUAL. CULPA POST PACTUM FINITUM.

A agravante pretende o processamento do recurso de revista às fls. 606/625. Sustenta que, por ato do empregador - criação de nova apólice de seguro de vida decorrente da segregação entre empregados ativos e inativos - foi prejudicada, na medida em que houve aumento exacerbado e desproporcional do prêmio mensal pago, assim como diminuição do capital segurado. Aponta violação dos artigos 5º, XXXVI, da Constituição Federal; 818, 836, 467 e 468 da CLT; 422, 423 e 424 do Código Civil; 333 do CPC. Indica contrariedade às Súmulas 51 e 288 desta Corte. Transcreve arestos para o confronto de teses.

Eis a decisão recorrida:

"Trata-se de demanda através da qual a reclamante pretende o reconhecimento de alteração contratual lesiva, por analogia ao artigo 468 da CLT, sustentando que desde o início do pacto laboral participa do Seguro de Vida em Grupo e Acidentes Pessoais fornecido pela reclamada e que, à época de sua aposentadoria, em 19.06.1997, optou por permanecer vinculada ao seguro, nos mesmos moldes estabelecidos, ou seja, com participação em 30% do custo e os restantes 70% pela empresa. Assevera que o valor pago mensalmente a título de prêmio sofre, desde sua admissão, os reajustes naturais de mercado, porém, em outubro de 2007, o reajuste proposto ultrapassou os limites, eis que pagava até setembro R$ 286,97 e o valor do prêmio mensal proposto em outubro de 2007 foi de R$ 425,87, sem qualquer justificativa. Argumenta que no período de 10 anos o capital segurado cresceu 68%, enquanto que o valor pago pela reclamante foi de quase 2000% e que a única justificativa para um aumento tão desproporcional é a intenção da empresa de forçar o desligamento de todos os funcionários aposentados do Seguro de Vida.

Entretanto, a tese da vestibular, reiterada em sede recursal, não se sustenta, eis que a circunstância descrita não pode ser interpretada como alteração do pactuado, a ensejar a aplicação analógica do artigo 468 da CLT e consequente responsabilização do ex-empregador. Isso porque o contrato de trabalho havido entre as partes está extinto desde 19.06.1997, em razão da aposentadoria da reclamante e, a partir daí, resguardada a condição de estipulante da reclamada e sua obrigação pela participação no pagamento de parte do prêmio, o vínculo se estabeleceu diretamente entre segurado e seguradora, sendo esta última a responsável pela fixação do valor do prêmio a ser pago de conformidade com o capital segurado. Confira-se o teor do artigo 801 do Código Civil:

(...)

Veja-se que, conforme penúltimo parágrafo de fl. 5 e declaração de fls. 138/139, pelo menos desde setembro de 2005 a reclamante já tinha ciência da desistência em massa de outros segurados pertencentes ao grupo, circunstância que obviamente implicaria aumento do prêmio mensal.

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Ademais, a própria reclamante acaba reconhecendo a responsabilidade da seguradora, ao consignar no 9° parágrafo de fl. 5 que 'seguro pressupõe risco. Ao verificar o avanço da idade do segurado a empresa seguradora quer se 'livrar' do compromisso anteriormente assumido. (grifei). Nesse sentido, o comunicado da seguradora, emitido em dezembro de 2005 (fl. 136), sobre a apólice 4721, informando que após levantamento do último período, a sinistralidade estava elevada, impondo reajuste de valores, bem como o comunicado de fl. 149.

Assim, tal como ponderou o magistrado de primeiro grau, os valores dependem de adesão e da concordância dos segurados, sendo que eventual irresignação deve ser dirigida à seguradora. Registro que a modificação da apólice é sempre precedida de anuência expressa de três quartos do grupo segurado, tal como estabelece o § 2°, do mencionado artigo 801 do Código Civil, razão pela qual, considerando que as apólices foram renovadas, as alterações narradas na vestibular, sem dúvida, contaram com a anuência da reclamante. Nesse sentido, o documento de fl. 16. Ademais, à estipulante, in casu, a reclamada, é vedado anuir com alterações que representem ônus ou deveres adicionais aos segurados ou que sejam prejudiciais. Veja-se, a propósito, o teor dos artigos 6, 8 e 9, da Circular SUSEP 317, de 12.01.2006, que dispõem:

(...)

Quanto ao capital segurado, pelo confronto dos documentos 15/19 juntados com a inicial e cláusula 5 do documento de fls. 201/209, constato que a reclamante permaneceu segurada pelo valor teto previsto na apólice dos funcionários ativos.

Por outro lado, o fato de existirem duas apólices, a de número 850748 (fls. 201/209) contemplando os funcionários da ativa, e a de número 4721 (alterada para número 850851 - fls. 142/149), que abrange funcionários aposentados, não caracteriza procedimento discriminatório com 'único intento' de 'expulsar' os aposentados do benefício. Na verdade, analisando referidas apólices, constato que os grupos já haviam sido desmembrados em período anterior ao reajuste de outubro de 2007, o qual a reclamante reputa escandaloso e desproporcional, porém, as apólices permaneceram vinculadas por força de apuração do denominado excedente técnico. Vejam-se as cláusulas que tratam do denominado 'EXCEDENTE TÉCNICO', cláusula 14 de fl. 146 e cláusula 12 de fls. 205/206, que estabelecem apuração em conjunto com as apólices 4699 (850.849), 4700 (850.748) e 4721 (850.85l). Ademais, a apólice 850.748 refere, na cláusula 3 de fl. 202, à possibilidade de adesão de funcionários com coberturas vigentes na apólice 4700, ou seja, resta demonstrado que o grupo segurado era diverso daquele a que pertencia a reclamante, não havendo, portanto, se falar em prática abusiva e discriminatória.

Por fim, não há como reconhecer a hipótese de violação dos artigos 422 e 424 do Código Civil, nem invocar o teor das Súmula 51 e 288 do C. TST, sequer por analogia, eis que à reclamada não podem ser imputados os atos lesivos que a reclamante pretende ver reconhecidos.

Mantenho, pois, a improcedência a ação." (fls. 588/591)

O presente caso envolve, fundamentalmente, a solução de quatro importantes e intrincadas questões jurídicas:

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1. a interpretação do contrato de trabalho com base na cláusula geral da boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do Código Civil e cuja violação se afirma haver ocorrido;

2. o reconhecimento da existência de deveres anexos aos contratos em geral e, em especial, ao contrato de trabalho;

3. a possibilidade de reconhecimento da responsabilidade pós-contratual, especificamente no contrato de trabalho;

4. se o procedimento adotado pela agravada e questionado no presente caso efetivamente atingiu direito da agravante e quais as consequências decorrentes.

Primeira questão: cláusula geral da boa-fé objetiva.

A resposta a essa primeira questão jurídica exige uma análise do panorama constitucional brasileiro e suas repercussões no direito infraconstitucional, especificamente no campo das obrigações, e, para tanto, valho-me de escritos de minha autoria nos quais destaco as inovações trazidas pela Carta de 1988 que, a meu sentir, apontou um novo rumo ao encimar os princípios fundamentais no portal de suas disposições, seguindo a trilha deixada pelas Constituições de países como a Itália, que reconhece o trabalho como um dos seus fundamentos, assegura o dever de torná-lo efetivo e proclama a sua função social (arts. 1º e 4º).

Não se tratou de mera alteração de natureza topológica. Ao contrário, a mudança na disposição introdutória do texto constitucional fincou de modo definitivo a opção política em estabelecer tratamento privilegiado ao trabalho como elemento integrante do próprio conceito de dignidade humana e fundamentador do desenvolvimento da atividade econômica, o que representou um compromisso inafastável com a valorização do ser humano e a legitimação do Estado Democrático de Direito, no qual se inserem, como destacado, o trabalho enquanto valor social, a busca pela justiça social, a existência digna, a função social da propriedade e a redução das desigualdades sociais, entre outros princípios (art. 170).

Essa inspiração principiológica - que deve servir de vetor interpretativo para todo o sistema jurídico - modificou consideravelmente nosso direito civil e, por conseguinte, representou uma verdadeira virada de página no modelo instituído em 1916 e que em grande parte foi e tem sido fruto da incorporação de teses consagradas pela jurisprudência dos tribunais: o seu processo de constitucionalização e de despatrimonialização no tratamento das relações privadas.

Posto isso, é salutar mencionar a evolução do direito obrigacional brasileiro que, sob o prisma desses princípios constitucionais, consagrou expressamente a cláusula geral da boa-fé objetiva (art. 422), que possibilita verdadeiro progresso e aperfeiçoamento na construção do ordenamento jurídico; moderniza a atividade jurisdicional, na busca do ideal de justiça, por permitir ao órgão julgador a solução de problemas a partir da valoração dos fatos e concretização do que, até então, se pautava no plano da subjetividade dos sujeitos integrantes da relação jurídica, na perspectiva meramente individual, portanto, particularmente no que diz respeito à função criadora de direitos e não apenas interpretativa.

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Isso porque sua base inspiradora é o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), na medida em que o ser humano, como sujeito de direitos, pratica atos que, à luz dos mandamentos constitucionais, devem estar adequados à sua própria dignidade, da qual é, ao mesmo tempo, detentor e destinatário, fundamento e inspiração, origem e destino.

Como reforço de argumentação, no que diz respeito à sua dimensão principiológica, afirmo, com Ingo Sarlet, que "a dignidade da pessoa humana atua como uma espécie de mandado de otimização, ordenando a proteção e promoção da dignidade da pessoa, a ser realizada na maior medida possível, considerando as possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Tal afirmativa, é bom enfatizar, não afasta a circunstância de que a dignidade da pessoa humana também assume a condição de regra jurídica, impondo ou vedando determinados comportamentos" (Ingo Wolfgang Sarlet. Comentários à Constituição do Brasil/ J. J. Gomes Canotilho ...[et al.] - São Paulo: Saraiva/Almediana, 2013. p. 317) - destaquei.

Depreende-se, portanto, que uma das dimensões da tutela da dignidade da pessoa humana consiste na proteção da lealdade e confiança no trato das relações sociais. Disso exsurge o sustentáculo para o princípio da boa-fé objetiva, expressamente consagrada, como salientei, no art. 422 do Código Civil, que transcrevo: "Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé."

Para Guilherme Guimarães Feliciano (Curso Crítico de Direito do Trabalho (Saraiva: São Paulo, 2013. p. 29),

Pelo princípio da boa-fé, pode-se exigir, tanto no plano individual (empregador vs. empregado) como no plano coletivo (sindicato profissional vs. sindicato econômico ou sindicato profissional vs. empresa), que todos os interessados ajam, de parte a parte, com boa-fé, lealdade e transparência, sem dolo ou logro (= dimensão subjetiva) e sem frustrar legítimas expectativas socialmente justificadas (= dimensão objetiva). Trata-se, portanto, de um princípio jurídico, porque dele se podem inclusive extrair comandos diretos de conduta, independentemente da intermediação concretizadora do legislador.

Por outro lado, não abrange apenas a boa-fé subjetiva (de que é antípoda a ideia de má-fé), embora também a alcance (assim, e.g., na hipótese do art. 482, "c", da CLT: justa causa por negociação habitual desleal). Abrange também a chamada boa-fé objetiva, que independe da subjetividade dos sujeitos, bastando-se com a observância de padrões objetivos de conduta e com a preservação das expectativas correspondentes.

Corolário lógico é que nas relações contratuais, atualmente, a autonomia privada, a liberdade contratual e o pacta sunt servanda encontram-se limitados pela supremacia da ordem pública e vinculados à concepção social do contrato.

Mencionadas cláusulas gerais servem de fundamento para que se efetive e se preserve entre os sujeitos da relação contratual o necessário equilíbrio e não se admita a validade de contrato sem que prevaleça sua concepção social (art. 421, CC), ao abrigo da ideia de comutatividade e boa-fé objetiva (art. 422, CC), em todas as suas fases (pré-contratual, contratual e pós-contratual), aliás, como também afirma Edilton Meireles (Abuso de direito na relação de emprego. São Paulo: LTr, 2005. p. 57).

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Nessa linha de raciocínio, o comportamento social que se exige das partes nessa seara nada mais é do que consequência do caráter social de propriedade. A propósito, sobre a força normativa da função social da propriedade, afirma Eugênio Facchini Neto que tal princípio destina-se a todos: "ao legislador, que, ao inovar no plano normativo, necessariamente deverá levar em conta a função social da propriedade; ao jurista em geral que, ao interpretar a legislação ordinária (seja a disciplina codificada do direito das coisas, seja a legislação o estatuto da cidade, estatuto da terra, lei de locações ou qualquer outra que se refira a posse, utilização, acesso ou domínio de bens), deverá fazê-lo à luz desse princípio; ao magistrado, que, na aplicação do Direito ao caso concreto, igualmente deverá estar consciente das implicações práticas de tal princípio; bem como também aos particulares, que nas suas relações entre si não poderão ignorar o significado e alcance do princípio da função social" (Comentários à Constituição do Brasil/ J. J. Gomes Canotilho ...[et al.] - São Paulo: Saraiva/Almediana, 2013, p. 317).

A resposta afirmativa, portanto, se impõe à primeira questão, como vem sendo admitida na jurisprudência pacífica desta Corte, de que são exemplos os precedentes citados que, embora não se refiram especificamente ao caso em tela, adotam como um dos fundamentos a incidência da cláusula geral em destaque:

AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM REGURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PETROBRAS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. Embora esta Corte Superior tenha entendimento consolidado no sentido de reconhecer a competência desta Justiça Especializada para o julgamento das lides relacionadas à complementação de aposentadoria vinculada ao contrato de trabalho, o plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos Recursos Extraordinários nos 586453 e 583050, em sessão realizada em 20/02/2013, fixou entendimento, com repercussão geral, no sentido de pertencer à Justiça comum. Contudo, com base no disposto no artigo 27 da Lei n. 9.868/1999, a Corte Suprema decidiu modular os efeitos dessa decisão e preservar a competência desta Justiça para julgar todos os processos já sentenciados até a data do julgamento dos referidos recursos extraordinários, situação em que o presente feito se encontra. Agravo a que se nega provimento. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. Na aferição da legitimidade passiva deve-se tomar por base o direito abstratamente invocado e a pertinência subjetiva entre o pedido e as partes chamadas em juízo, analisada conforme a Teoria da Asserção. Significa, por conseguinte, que deve ser feita a partir da narrativa do autor contida na petição inicial. Assim, a simples afirmação da parte autora no sentido de que a empresa reclamada, por ser patrocinadora mantenedora da entidade de previdência privada, responde solidariamente pelos créditos de complementação, autoriza a sua manutenção no polo passivo da relação processual. No que toca à responsabilidade solidária, prevista no artigo 265 do Código Civil, sua aplicação resultará da lei ou da vontade das partes. Na hipótese, a condenação solidária da empresa patrocinadora decorre de lei, pois, sendo a reclamada a ex-empregadora do autor e a mantenedora da entidade de previdência privada, exercendo sobre esta o competente controle e fiscalização, torna-se patente a existência de grupo de empresas e a solidariedade existente entre estas quanto à responsabilidade pelos créditos advindos do descumprimento de cláusulas contratuais. Agravo a que se nega provimento. AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PETROS. COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. DIFERENÇAS. PRESCRIÇÃO PARCIAL. O pedido de pagamento de diferenças de complementação de aposentadoria está sujeito à prescrição parcial e quinquenal, por se tratar de parcelas de

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trato sucessivo, em que a violação do direito, ou seja, a actio nata se renova mês a mês, fazendo nascer o direito à nova pretensão. Incidência da Súmula n. 327 do TST. Agravo a que se nega provimento. AGRAVOS EM AGRAVOS DE INSTRUMENTO EM RECURSOS DE REVISTA INTERPOSTOS PELAS RECLAMADAS. IDENTIDADE DE MATÉRIA. ANÁLISE CONJUNTA. DIFERENÇAS DE COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA. PETROBRAS. PCAC 2007. RMNR. REAJUSTE SALARIAL FIXADO EM CONVENÇÃO COLETIVA CONCEDIDO SOB A FORMA DE ELEVAÇÃO GERAL DE NÍVEL. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA, VIGENTE NO DIREITO CONTRATUAL. DIREITO DOS APOSENTADOS AO MESMO ÍNDICE. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL TRANSITÓRIA Nº 62 DA SBDI-1 DESTA CORTE. Ainda que se reconheça a legitimidade dos sindicatos em estabelecer normas e condições de trabalho por meio de convenções coletivas, no que possuem plena autonomia, não se há de afastar o direito dos aposentados ao reajustamento da suplementação do benefício decorrente do mesmo percentual, diante do fato de haver sido parte dele concedido sob a forma de elevação geral de nível, o que constitui, em última análise, aumento geral de salários, mesmo porque não foram eles excluídos expressamente pela cláusula normativa. Aplicação analógica da Orientação Jurisprudencial Transitória n. 62 da SBDI-1 desta Corte. Incidência da Súmula n. 333 do TST e do artigo 896, § 4º, da CLT. Agravos aos quais se nega provimento. AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PETROS. FONTE DE CUSTEIO. Descabe recolhimento das contribuições à PETROS, pois não houve deferimento de parcela salarial não percebida durante o vínculo ou após o desligamento, e sim determinação para recálculo do benefício inicial da suplementação de aposentadoria. Agravo a que se nega provimento. (Ag-AIRR - 1099-12.2011.5.09.0594, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 02/04/2014, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/04/2014 - grifos postos);

RECURSO DE REVISTA - CLASPAR - PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS - PROGRESSÃO FUNCIONAL HORIZONTAL POR MERECIMENTO - AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO DA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO - ÓBICE MALICIOSO - BOA-FÉ OBJETIVA. A progressão horizontal anual por merecimento, estabelecida no Plano de Cargos e Salários de 1987 da reclamada, está condicionada unicamente ao atendimento dos critérios de merecimento a serem aferidos através do instrumento de Avaliação e Desempenho, na forma a ser estabelecida em regulamentação específica-. A reclamada, por não promover a definição dos conceitos que permitiriam a promoção por merecimento, depois de passados mais de 26 anos da criação do PCS/87, obstou maliciosamente à aquisição do direito e a implementação do requisito previsto na norma regulamentar. O eventual desempenho satisfatório na avaliação geraria, de forma absoluta para o empregado, o direito às progressões por merecimento. Tal omissão injustificada atenta contra o princípio da boa-fé objetiva. Dessa forma, a negligência da reclamada, que não cumpriu a sua própria norma interna e deixou de estipular os critérios de avaliação exigidos pelo Regulamento de Pessoal, acarreta o deferimento das promoções horizontais por merecimento à autora. Recurso de revista não conhecido. (RR - 248-50.2012.5.09.0072, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 25/03/2014, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/03/2014 - destaques);

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RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTRATAÇÃO APÓS LONGA E RIGOROSA SELEÇÃO DE EMPREGO. MUDANÇA DE DOMICÍLIO PARA REGIÃO DISTANTE PARA QUE HOUVESSE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RESCISÃO CONTRATUAL EM CURTO ESPAÇO DE TEMPO. VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. Trata-se de dano moral resultante de resilição contratual promovida pela empregadora após três meses, apenas, de contrato, precedidos de longa e rigorosa seleção para trabalho em região distante daquela onde autor e esposa tinham morada, família e renda. Tendo havido violação à boa-fé objetiva e à função social do contrato, foi praticado ato ilícito, conforme disposto no art. 187 do Código Civil de 2002. Recurso de revista não conhecido. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR ARBITRADO. O valor arbitrado a título de reparação por dano moral somente pode ser revisado na instância extraordinária nos casos nos quais vulnera os preceitos de lei ou da Constituição que emprestam caráter normativo ao princípio da proporcionalidade. Considerando a moldura factual definida pelo Regional e insusceptível de revisão (Súmula n. 126 do TST), o valor atribuído não se mostra irrisório ou excessivamente elevado a ponto de se o conceber desproporcional. Recurso de revista não conhecido. (RR - 104-13.2011.5.11.0151, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 12/03/2014, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/03/2014 - destaques);

RECURSO DE EMBARGOS - GRATIFICAÇÃO DE FUNÇÃO PERCEBIDA POR MAIS DE NOVE ANOS E SEIS MESES - SUPRESSÃO - ESTABILIDADE FINANCEIRA - PRESUNÇÃO RELATIVA DE QUE A DESTITUIÇÃO DA FUNÇÃO FOI OBSTATIVA DO DIREITO - PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA - ÔNUS PROBATÓRIO DO EMPREGADOR ACERCA DOS MOTIVOS DA REVERSÃO DO EMPREGADO AO POSTO EFETIVO - INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 372 DO TST. Discute-se acerca do direito do empregado à incorporação de gratificação de função exercida por mais de nove anos e seis meses, mas suprimida pelo empregador. Não obstante a Súmula n. 372 do TST ter estabelecido o marco temporal de dez anos para fazer incidir o princípio da estabilidade financeira, a presente controvérsia não se resolve pela simples aplicação desse marco temporal, mas pela distribuição do ônus da prova, o que acabaram por fazer as instâncias anteriores, ao presumirem que a reversão do empregado foi obstativa do seu direito. As relações trabalhistas devem pautar-se no princípio da boa-fé objetiva, que demanda um comportamento ético entre os contratantes, fortalecendo a confiança mútua que deve permear esse relacionamento. Assim, diante da proximidade da aquisição do direito em questão, tal princípio exige de qualquer empregador uma conduta transparente em torno das razões que o motivaram a promover a reversão do empregado ao cargo efetivo. Daí decorre, de fato, a presunção de que a destituição da função de confiança faltando poucos meses para a implementação do direito é obstativa de sua aquisição. Tal presunção é relativa e admite prova em contrário, mas o ônus probatório é do empregador, que deverá comprovar as razões que o motivaram a reverter o empregado ao posto efetivo após longo período de exercício da função de confiança, como, por exemplo, algum motivo de ordem disciplinar, técnico, econômico ou financeiro. Como no presente caso a Corte regional concluiu que não houve prova da conduta disciplinar inadequada do empregado, deve ser mantida a condenação imposta, relativamente à incorporação da gratificação de função, aplicando-se a Súmula n. 372 do TST. Recurso de embargos conhecido e desprovido. (E-ED-RR - 67900-04.2007.5.15.0069, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 21/11/2013, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 14/02/2014) - destaques);

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO NO RECURSO DE REVISTA. INAPLICABILIDADE DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL N. 373 DA SBDI-1. Esta Corte firmou entendimento de que a Orientação Jurisprudencial n. 373 da SBDI-1 é aplicável somente quando o instrumento de mandato firmado em nome de pessoa jurídica não contiver, pelo menos, o nome da entidade outorgante e do signatário da procuração, pois estes dados constituem elementos que individualizam o mandato. No presente caso, a procuração (fl. 71 dos autos físicos) que outorga poderes ao advogado que assina o recurso de revista (Dr. Ney José Campos) possui tanto o nome da pessoa jurídica quanto o nome do signatário da procuração, sendo válido, portanto, o referido instrumento de mandato. ADMISSÃO DE EMPREGADO E IMEDIATO CANCELAMENTO DA CONTRATAÇÃO. NOME DO TRABALHADOR INCLUÍDO EM LISTA SUJA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. -O contrato de trabalho não impõe obrigações nem produz efeitos apenas enquanto vigente formalmente. A responsabilidade civil do empregador não está limitada ao período contratual, mas igualmente alcança as fases pré e pós-contratual- (2ª Turma, acórdão da lavra do Min. José Simpliciano). Da leitura do acórdão do TRT extrai-se que não se tratou de mera possibilidade de preenchimento de vaga, mas de efetiva intenção de contratar. O rompimento injustificado das negociações revelam a quebra do princípio da boa fé objetiva, que deve estar presente, inclusive, nas tratativas contratuais preliminares. O autor apresentou documentação, fez exames admissionais, foi contratado e compareceu no primeiro dia de trabalho, sendo em seguida surpreendido com a decisão da empresa em não admiti-lo, tendo aposto na sua CTPS o dizer -cancelado-. Diante disso, resta configurada a conduta ilícita da empresa e, consequentemente, o alegado dano moral. -Pode-se determinar a figura jurídica da responsabilidade pré-contratual quando uma pessoa entabula negociações com outra, induzindo-a a preparar-se para contratar e depois, injustificadamente, deixa de celebrar a avença-. (Caio Mário, citado por Pinho Pedreira, op. cit.). VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. IMPROCEDÊNCIA. A decisão que fixa o valor da indenização é pautada em critérios subjetivos, já que não há, no ordenamento brasileiro, lei que defina de forma objetiva o valor que deve ser fixado a título de dano moral. No caso, é incontroverso que houve frustração da expectativa de o autor iniciar a prestação laboral junto à empresa, tendo essa procedido ao registro do contrato de trabalho na CTPS do autor, após ter ele feito o exame admissional. Outrossim, a inclusão do seu nome em lista suja, por constituir procedimento discriminatório e configurar dano moral, torna desnecessária até mesmo a prova do prejuízo, sendo portanto, razoável o valor arbitrado pelo e. TRT (de R$ 5.000,00). Longe de afrontar, caracteriza correta aplicação dos artigos 5º, V e X, da Constituição Federal e 159 do Código Civil. Agravo de instrumento não provido. (AIRR - 114641-17.2008.5.03.0097, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 18/12/2013, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/01/2014 - destaques).

Dos precedentes citados, destaco o reconhecimento da responsabilidade do empregador na fase pós-contratual (AIRR - 114641-17.2008.5.03.0097) e a indicação do comportamento ético entre os contratantes, fortalecendo a confiança mútua que deve permear esse relacionamento (E-ED-RR - 67900-04.2007.5.15.0069).

A segunda indagação, como decorrência natural da reposta afirmativa à primeira, se relaciona ao reconhecimento dos deveres anexos - também chamados acessórios de conduta - ao contrato de trabalho e não há como se fugir também de uma resposta positiva.

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Isso significa afirmar que há deveres impostos aos contratantes, como decorrência da exigência do comportamento ético aludido, que não dependem de menção expressa em qualquer das cláusulas contratuais; a ele aderem como consequência lógica da expectativa legítima que se espera de ambos, a partir do instante em que manifestam a sua vontade no sentido de celebrar o contrato de trabalho, como uma das funções desempenhadas pela já mencionada cláusula da boa-fé objetiva, quais sejam, cânone interpretativo-integrativo; norma de limitação ao exercício de direitos subjetivos; e, norma de criação de deveres jurídicos.

Como regra de interpretação, serve para melhor especificar a finalidade do acordo à luz das circunstâncias do caso concreto. No que toca à sua segunda função, combina-se com a teoria do abuso de direito para impor restrições ao exercício de direitos subjetivos.

Do exercício da função criativa decorre que, além dos deveres principais, devem nortear a relação contratual, dentre outros, os deveres de segurança, cuidado, previdência, informação, proteção e lealdade, colaboração, cooperação, omissão e segredo, tradicionalmente exemplificados pela doutrina e jurisprudência como sendo alguns dos deveres anexos ou de consideração, decorrentes da chamada complexidade intraobrigacional. Aliás, "o mais imediato dever decorrente da boa-fé é o dever de lealdade com a contraparte" (Judith Martins Costa e Gerson Branco. Diretrizes teóricas do novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 200).

Gustavo Tepedino [et al.] preleciona que "como norma de criação de deveres jurídicos, a boa-fé dá origem aos chamados 'deveres laterais', também conhecidos como acessórios, ou ainda secundários, em razão de não se referirem direta e primordialmente ao objeto central da obrigação. Ao se exigir que os contratantes, quer na conclusão, quer na própria execução do contrato, 'guardem os princípios da probidade e boa-fé', o CC, muito mais do que apenas exigir um dever geral de não prejudicar, autoriza a imposição de uma série de deveres de conduta mutuamente exigíveis entre os contratantes e que independem da vontade de um e de outro" (Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. v. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 18).

Nesse aspecto, Edilton Meireles afirma: "Parte-se da concepção de que a relação obrigacional é 'uma totalidade voltada para o adimplemento' e 'esta não inclui apenas, como relação totalizante que é, o dever principal de prestar, ou um eventual dever secundário correlato, mas também deveres acessórios ou implícitos, instrumentais e independentes, ao lado da obrigação principal, todos voltados para o correto adimplemento'" (Obra citada, p. 60).

A propósito, Anderson Shreiber destaca que "sob o ponto de vista de seu funcionamento, a noção de boa-fé objetiva esconde, sob a consagrada fórmula de sua tríplice função, um necessário estímulo à construção jurisprudencial e doutrinária de parâmetros ou standards de comportamento que possam ser considerados exigíveis no tráfego social. A copiosa referência a deveres anexos, expressão cuja riqueza de conteúdo abrange, por exemplo, deveres de informação, de sigilo, de colaboração, torna-se ineficaz, na prática, se desprovida de parâmetros razoavelmente aceitos que permitam estabelecer a extensão destes deveres." E mais adiante, sob o aspecto de sua influência na responsabilidade civil, afirma: "Com isso, acaba ganhando força a sugestão de que a culpa consiste, a rigor, em apenas um dos possíveis critérios de imputação de responsabilidade, sem que outros deixem de ser igualmente úteis" (Novos paradigmas da

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responsabilidade civil: da erosão dos filtros da reparação à diluição dos danos. São Paulo: Atlas, 2013, p. 47).

Não há, por conseguinte, como negar a existência de tais direitos, notadamente em relações jurídicas de trato sucessivo, como a de emprego, diante da multiplicidade de situações materializadas no cotidiano de sua execução, não previstas expressamente, mas decorrentes desse estado de confiança havido entre as partes e que vai repelir a prática de quaisquer atos que o violem.

Não é sem razão que esta Corte Superior já invocou e reconhece a boa-fé objetiva nas relações de trabalho, como demonstram os julgados abaixo transcritos:

EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO EMBARGADO SOB A ÉGIDE DA LEI 11.496/2007. BANCÁRIO. TRANSPORTE DE VALORES. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. A determinação de transporte de valores ao empregado bancário, que não possui formação profissional ou aparato de segurança para exercer tal atividade, caracteriza efetivo prejuízo extrapatrimonial, decorrente da exposição ao risco inerente a este mister, a ensejar a correspondente reparação indenizatória. Ademais, tem-se, na espécie, por parte do empregador, verdadeira violação de deveres anexos de conduta, decorrentes da boa-fé objetiva, ao determinar o desempenho de função diversa daquela para a qual contratado, considerada, ainda, a natureza da atividade. Cabe ao empregador o dever de proteção, de segurança, de zelo pela incolumidade física e mental de seus empregados, impondo-se a sua responsabilização quando se esquiva de tais obrigações. O ilícito perpetrado pelo reclamado, ao cometer ao autor atividade típica de pessoal especializado em vigilância, traduz também desrespeito aos termos da Lei 7.102/83. Precedentes desta SDI-I. Recurso de embargos conhecido e não provido. (E-ED-RR - 46200-69.2008.5.03.0004 , Relatora Ministra: Rosa Maria Weber, Data de Julgamento: 08/09/2011, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 16/09/2011)- destaquei.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. DOENÇA OCUPACIONAL. LER/DORT. EMPREGADA BANCÁRIA. CULPA PRESUMIDA. ÔNUS DA PROVA DO EMPREGADOR RELATIVAMENTE AOS DEVERES ANEXOS AO CONTRATO DE TRABALHO LIGADOS À MEDICINA, SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHADOR. Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, quanto ao tema em epígrafe, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 7º, XXVIII, da CF suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. DOENÇA OCUPACIONAL. LER/DORT. EMPREGADA BANCÁRIA. CULPA PRESUMIDA. ÔNUS DA PROVA DO EMPREGADOR RELATIVAMENTE AOS DEVERES ANEXOS AO CONTRATO DE TRABALHO LIGADOS À MEDICINA, SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHADOR. O pleito de indenização por dano moral e material resultante de acidente do trabalho e/ou doença profissional ou ocupacional supõe a presença de três requisitos: a) ocorrência do fato deflagrador do dano ou do próprio dano, que se constata pelo fato da doença ou do acidente, os quais, por si sós, agridem o patrimônio moral e emocional da pessoa trabalhadora (nesse sentido, o dano moral, em tais casos, verifica-se pela própria circunstância da ocorrência do malefício físico ou psíquico); b) nexo causal, que se evidencia pelo fato de o malefício ter ocorrido em face das condições laborativas; c) culpa empresarial. Embora não se possa presumir a culpa em diversos casos de dano

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moral - em que a culpa tem de ser provada pelo autor da ação -, tratando-se de doença ocupacional, profissional ou de acidente do trabalho, essa culpa é presumida, em virtude de o empregador ter o controle e a direção sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação do estabelecimento em que ocorreu o malefício. Pontue-se que tanto a higidez física como a mental, inclusive emocional, do ser humano são bens fundamentais de sua vida, privada e pública, de sua intimidade, de sua autoestima e afirmação social e, nesta medida, também de sua honra. São bens, portanto, inquestionavelmente tutelados, regra geral, pela Constituição (art. 5º, V e X). Assim, agredidos em face de circunstâncias laborativas, passam a merecer tutela ainda mais forte e específica da Carta Magna, que se agrega à genérica anterior (art. 7º, XXVIII, CF/88). Registre-se que é do empregador, evidentemente, a responsabilidade pelas indenizações por dano moral, material ou estético decorrentes de lesões vinculadas à infortunística do trabalho. Na hipótese, o Regional reverteu a decisão de origem e julgou improcedentes os pedidos indenizatórios. Consta do acórdão regional que houve duas perícias para investigar a origem da doença da Reclamante, tendo cada uma delas emitido conclusões diametralmente opostas sobre o nexo causal. O Regional, apoiando-se na primeira perícia, entendeu inexistente o liame etiológico entre a moléstia e as atividades desenvolvidas para o Reclamado durante mais de 20 anos de contrato. Asseverou, ainda, que a Autora não se desincumbiu do ônus de provar a conduta negligente do Empregador quanto à manutenção de condições saudáveis de trabalho. Contudo, há informações nos acórdãos que julgaram o RO e os EDs que ensejam entendimento diverso em relação ao nexo causal. Primeiramente, merece ser realçado o fato de que a segunda perícia, favorável à Reclamante, foi determinada pelo julgador de primeiro grau em razão de a primeira, desfavorável, ter sido produzida por profissional que dividia consultório médico com outro profissional que desempenhava a função de assistente técnico do Reclamado em demandas similares a esta. Ademais, ficou consignado que a Reclamante percebeu benefício previdenciário de natureza acidentária, tendo sido reconhecida a natureza ocupacional da moléstia pelo INSS. Por fim, em relação à culpa pelo descumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, ressalte-se que o empregador tem o controle e a direção sobre a estrutura, a dinâmica, a gestão e a operação do estabelecimento em que ocorreu o malefício, razão pela qual desponta a premissa da culpa presumida do Reclamado. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 130800-73.2004.5.01.0471, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 09/04/2014, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 15/04/2014).

Farta é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça nesse campo e em uma infinidade de matérias, com destaques que acrescento nos precedentes que indico:

DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO ENTRE BANCO E CLIENTE. CONSUMO. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO EXTINGUINDO O DÉBITO ANTERIOR. DÍVIDA DEVIDAMENTE QUITADA PELO CONSUMIDOR.

INSCRIÇÃO POSTERIOR NO SPC, DANDO CONTA DO DÉBITO QUE FORA EXTINTO POR NOVAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. INAPLICABILIDADE DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NO ARTIGO 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL.

1. O defeito do serviço que resultou na negativação indevida do nome do cliente da instituição bancária não se confunde com o fato do serviço, que pressupõe um risco à segurança do consumidor, e cujo prazo prescricional é definido no art. 27 do CDC.

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2. É correto o entendimento de que o termo inicial do prazo prescricional para a propositura de ação indenizatória é a data em que o consumidor toma ciência do registro desabonador, pois, pelo princípio da "actio nata", o direito de pleitear a indenização surge quando constatada a lesão e suas consequências.

3. A violação dos deveres anexos, também intitulados instrumentais, laterais, ou acessórios do contrato - tais como a cláusula geral de boa-fé objetiva, dever geral de lealdade e confiança recíproca entre as partes -, implica responsabilidade civil contratual, como leciona a abalizada doutrina com respaldo em numerosos precedentes desta Corte, reconhecendo que, no caso, a negativação caracteriza ilícito contratual.

4. O caso não se amolda a nenhum dos prazos específicos do Código Civil, incidindo o prazo prescricional de dez anos previsto no artigo 205, do mencionado Diploma.

5. Recurso especial não provido. (REsp 1276311/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 17/10/2011);

Direito civil e processual civil. Contratos. Recurso especial.

Embargos do devedor. Execução de honorários advocatícios contratuais. Acordo em ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato com previsão de sub-rogação do ex-companheiro nas obrigações contratuais, inclusive de pagar honorários. Incidência sobre condenação a pagamento de "renda vitalícia". "Cláusula de sucesso". Limitação. Boa fé objetiva.

- Em se tratando de honorários advocatícios contratuais - e não sucumbenciais - deve valer entre as partes o tanto quanto pactuado, mesmo na hipótese de sub-rogação de obrigações, na qual o recorrente assumiu a obrigação de pagar os honorários contratuais estipulados entre terceira pessoa - sua ex-companheira - com o recorrido, que atuou como advogado em ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato.

- O contrato de honorários advocatícios que embasa a execução, tem em seu bojo uma "cláusula de sucesso", isto é, abrange todos os ganhos da representada em Juízo, de modo que devem os honorários recair sobre a totalidade dos valores a ela destinados, tanto aqueles decorrentes da divisão dos bens do casal, quanto os referentes à "renda vitalícia" fixada, ressalvado, quanto esta, que, para o cálculo desta execução, os honorários não podem recair sobre as parcelas ainda não pagas, porque não há como fazer incidir a verba honorária sobre valor que sequer foi ainda recebido pela parte, o que faria com que o advogado obtivesse, de imediato, valores correspondentes a prestações que sua cliente apenas poderá receber ao longo da vida, pois o recebimento está condicionado ao fator de ela "continuar viva"; qualquer raciocínio diferente caracterizaria tentativa imediata de enriquecimento sem causa do recorrido.

- A boa fé objetiva, verdadeira regra de conduta, estabelecida no art. 422 do CC/02, reveste-se da função criadora de deveres laterais ou acessórios, como o de informar e o de cooperar, para que a relação não seja fonte de prejuízo ou decepção para uma das partes, e, por conseguinte, integra o contrato naquilo em que for omisso, em decorrência de um imperativo de eticidade, no sentido de evitar o uso de subterfúgios ou intenções diversas daquelas expressas no instrumento formalizado.

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- A pretensão do advogado que postula honorários contratuais em valores superiores ao proveito econômico imediato auferido pela parte que representou em Juízo, encontra limitação no princípio da boa fé objetiva, mostrando-se patente o rompimento da atuação ponderada e preocupada com a outra parte, marcada pela postura respeitosa e povoada de lealdade que deve nortear os contratantes.

- A expectativa de vida da beneficiária da pensão vitalícia, não pode se converter em direito líquido e certo para fins de execução, porquanto não se pode aferir e, por consequência, tampouco adiantar, algo que é de acontecimento incerto, porquanto os aludidos 25 anos de sobrevida não passam de mera probabilidade, baseada em estatísticas.

- A única forma viável, portanto, é que integrem, para o cálculo dos honorários contratuais a embasar a execução, a totalidade das parcelas já pagas e, por conseguinte, já percebidas por M. R. dos S. S., ficando ressalvado ao recorrido, que execute, nos termos do acordo e respectivo contrato de honorários, as parcelas que forem sendo pagas, como entender de direito.

Recurso especial parcialmente provido. (REsp 830.526/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/09/2009, DJe 29/10/2009)

Dinâmicos por natureza, referidos deveres impõem um padrão de conduta minimamente ético que deve se estender mesmo após o término da relação contratual.

A terceira questão se refere aos limites da responsabilidade resultante do contrato de trabalho e consiste precisamente em saber se se esgota ao término da relação jurídica de emprego propriamente dita ou se pode ser protraída para além dos seus limites temporais.

Também nesse aspecto, emerge como correta a última assertiva, na medida em que os atos praticados pelos sujeitos componentes da relação de emprego podem ser causadores de dano resultante do citado vínculo jurídico e ter como pano de fundo a violação de deveres éticos.

Exemplifico com a violação de segredo de empresa, cláusula de não concorrência, inclusão do nome do empregado em "lista suja", divulgação de informações desabonadoras a respeito do empregado, dentre outras hipóteses. Em todas elas, há alguns aspectos comuns: causam dano; ensejam reparação; decorrem da relação de emprego; e, podem não estar - como em regra não estão - previstas no contrato de trabalho havido.

A quebra da confiança pode dar-se em momento posterior à execução do contrato e, se causadora de dano, por certo que enseja o dever de reparação, na linha do quanto definido no artigo 927 do Código Civil.

Embora a redação do citado artigo 422 pudesse ser mais cristalina, é pacífico na doutrina e jurisprudência que a boa-fé objetiva tem ampla incidência em todas as fases da relação obrigacional (na celebração, na execução e na extinção da relação jurídica), em virtude da necessidade de os contratantes agirem em consonância com padrões éticos de comportamento socialmente aceitáveis e baseados na honestidade, retidão, lealdade e, principalmente, na consideração para com os interesses do "alter", visto como um membro

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do conjunto social que é juridicamente tutelado, como assinala Edilton Meireles (Obra mencionada, p. 56).

Nesse sentido, inclusive, é o Enunciado nº 170 aprovado na III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:

"Art. 422: A boa-fé objetiva deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato."

Outrossim, também serve de apoio à aplicação da responsabilidade pós-contratual o preceito contido no artigo 421 do Código Civil, ao estabelecer a concepção social do contrato: "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato."

A respeito do tema, bem preleciona Rogério Donnini que a pós-eficácia obrigacional está subdividida em responsabilidade pós-contratual real (sentido estrito) e em sentido geral: "A primeira diz respeito à responsabilidade pós-contratual, também denominada culpa post pactum finitum, e a segunda abarca uma grande quantidade de situações de pós-eficácia provenientes de uma relação obrigacional, previstas contratualmente ou impostas por lei."

Esclarece, ainda, o autor: "se o dever de informação, proteção ou lealdade estiver previsto em lei, de maneira específica e que se enquadre ao caso concreto, ou ainda contratualmente, não será hipótese de responsabilidade pós-contratual, mas exato cumprimento de determinação legal que estende os efeitos do contrato, ou disposição contratual que estabelece uma certa produção de efeitos. A mera produção de efeitos para o momento posterior à celebração do contrato não configura a responsabilidade pós-contratual (...). Quando se afirma que a norma legal ou o contrato têm de dar um comando, uma ordem específica para que não seja caracterizada a responsabilidade pós-contratual, significa dizer que o efeito previsto deve ser específico, como nos exemplos aqui mencionados (arts. 10, § 1º, e 32 do CDC). Se essa pós-eficácia da obrigação (legal ou contratual) representa um dever genérico de comportamento como, por exemplo, na exigência de boa-fé, sua violação representa a ruptura dos deveres acessórios, o que faz retratar a responsabilidade pós-contratual ou a pós-eficácia em sentido estrito" (Responsabilidade civil pós-contratual no direito civil, no direito do consumidor, no direito do trabalho, no direito ambiental e no direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 148).

Afirma-se, por conseguinte, que, a violação de um dever específico de boa-fé pode ensejar a responsabilidade pós-contratual, a chamada culpa post pactum finitum.

Gustavo Tepedino [et al.], nessa linha, elucida que "quanto à extensão do princípio da boa-fé, em si considerado, a despeito da referência literal do dispositivo à conclusão e à execução do contrato, entende-se que o comando deve incidir também na fase pós-negocial, ao longo da qual os ex-contratantes ainda devem se manter vinculados pelo mesmo princípio. Tal entendimento justifica-se na esteira da doutrina que compreende a obrigação como processo dinâmico e funcionalmente determinado. Assim, sustenta-se que na fase posterior à execução do contrato, a boa-fé dá fundamento à chamada culpa post factum finitum, alongando a relação obrigacional mediante a imposição de deveres que

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interessam à realização do fim do contrato globalmente considerado" (Código Civil interpretado conforme a Constituição da República. v. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 15/16).

Logo, para que se configure a pós-eficácia proveniente da culpa post pactum finitum, não há que se falar em deveres expressamente previstos em lei ou no contrato. Assim, exemplificativamente, nos casos de violação de segredo de fábrica ou de negócio pelo empregado despedido (CP, art. 196, § 1º, XII) e do pacto de não-concorrência ou cláusula de confidencialidade, embora exista a produção de efeitos posteriores ao cumprimento da obrigação, certo é que não representam situações em que se possa adotar a teoria da culpa post pactum finitum. Veja-se que, no primeiro caso, a norma legal prevê que uma dada obrigação deve ser cumprida em momento posterior e, no segundo, em regra, há a pactuação da cláusula para vigorar após a extinção da relação de emprego; logo, a responsabilidade seria contratual, pois se estaria diante do não cumprimento de obrigação estipulada contratualmente.

Portanto, apenas quando o prejuízo suportado for proveniente da infringência aos deveres anexos de conduta (proteção, informação e lealdade), que advêm da boa-fé objetiva, no momento posterior à extinção do contrato, estar-se-á diante da responsabilidade pós-contratual em sentido estrito (culpa post pactum finitum).

Postas essas premissas, também resulta clara a assertiva, decorrente do diálogo das fontes entre o direito civil e o direito do trabalho, que também tal forma de responsabilização se projeta sobre o contrato de trabalho, especialmente a da boa-fé objetiva, tal como afirmado por Ana Frazão: "além de aumentar o rol dos deveres inerentes ao contrato de trabalho, ampliando os horizontes para a verificação da licitude dos comportamentos contratuais, a boa-fé objetiva também vem ajudando a redefinir importantes institutos trabalhistas" (Diálogos entre o direito do trabalho e o direito civil. Gustavo Tepedino, coordenadores ... [et al.]. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 324).

Julgados desta Corte amparam a tese, como elucida precedente específico que reconhece a tutela de expectativas legitimamente criadas em uma das partes integrantes do contrato de trabalho, ainda que concretizadas após o seu término, como também a obrigação de danos praticados pelo ex-empregador:

RECURSO DE REVISTA - COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA - COMPETÊNCIA - JUSTIÇA DO TRABALHO - ART. 114, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - LIDES DECORRENTES DA RELAÇÃO DE TRABALHO - CAUSA DE PEDIR CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL - ABRANGÊNCIA PELO REFERIDO DISPOSITIVO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR - ADESÃO DO EMPREGADO - SOLIDEZ DO EMPREGADOR - PRESSUPOSTO FÁTICO DETERMINANTE DA REFERIDA ADESÃO - DESCUMPRIMENTO DO DEVER ASSUMIDO PELA ENTIDADE PREVIDENCIÁRIA - ACIONAMENTO PARA INTEGRAL SATISFAÇÃO DA COMPLEMENTAÇÃO DE APOSENTADORIA BUSCADA - BOA-FÉ OBJETIVA - ART. 422 DO CÓDIGO CIVIL - TUTELA DAS EXPECTATIVAS LEGITIMAMENTE CRIADAS NA OUTRA PARTE DA AVENÇA, AINDA QUE ELAS SE CONCRETIZEM APÓS O TÉRMINO DO CONTRATO DE TRABALHO - RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL - FUNDAMENTO DETERMINANTE

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PARA SE CONVOCAR À LIDE O EMPREGADOR - COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM QUE SE AFASTA, EM FACE DA PREPONDERÂNCIA DO ASPECTO TRABALHISTA SOB O ASPECTO PREVIDENCIÁRIO (JÁ QUE, SEM O PRIMEIRO, O SEGUNDO SEQUER EXISTIRIA) - ART. 202 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DISPOSITIVO QUE NÃO FAZ MENÇÃO À JUSTIÇA COMPETENTE PARA EXAMINAR LITÍGIOS PREVIDENCIÁRIOS, POR TRATAR, TÃO SOMENTE, DO CARÁTER AUTÔNOMO DO REGIME PREVIDENCIÁRIO COMPLEMENTAR. Nos termos do art. 114, I, da Constituição da República, a Justiça do Trabalho afigura-se competente para examinar os litígios decorrentes da relação de trabalho, tenham eles fundo contratual ou não. Situação corriqueira vivenciada pelos empregados de empresas de grande porte econômico que consiste na existência de regime de previdência complementar, custeada por entidade criada pelo empregador, cuja adesão é facultada ao empregado, desde a firmação do contrato de trabalho. O empregado, que também ocupa o papel de consumidor (podendo, portanto, escolher a entidade que melhor atenda aos seus interesses), filia-se ao plano oferecido pelo seu empregador, na expectativa de que a solidez do empreendimento por ele desenvolvido (muitas vezes, decorrente de décadas de sucesso no segundo ou no terceiro setor) garanta a existência de recursos aptos à manutenção de seu padrão de vida, após a sua passagem para a inatividade remunerada (sabe-se, pois, que ao INSS cabe apenas garantir o mínimo existencial ao trabalhador brasileiro que, por diversos fatores, não mais exerce atividade remunerada). Após a extinção do contrato de trabalho, nas inúmeras situações em que o benefício previdenciário não é adimplido da forma como foi contratado, o ex-empregado não hesita em ajuizar reclamação perante esta Justiça Especial, convocando à lide o seu ex-empregador. Tal se dá porque é chegado o momento de o empregador honrar, juntamente com a entidade de previdência privada, aquela expectativa criada quando da vigência do contrato de emprego. Nota-se, assim, que a causa de pedir, em relação ao empregador, repousa na quebra da legítima expectativa ostentada pelo obreiro, qual seja, de que não teria problemas financeiros ao se aposentar. Trata-se, pois, de responsabilidade pós-contratual (extracontratual), fundada na cláusula geral de boa-fé objetiva, prevista no art. 422 do Código Civil, cuja eclosão ocorre após o encerramento do liame contratual, mas que não se afigura suficiente para afastar a competência da Justiça do Trabalho para apreciar a matéria. Ao contrário, o mencionado art. 114 não contém nenhuma limitação de sua competência aos conflitos surgidos durante a vigência do pacto laboral, utilizando-se, pois, da genérica expressão -ações oriundas das relações de trabalho-. Além disso, não se pode utilizar o art. 202 da Carta Magna para afastar a competência desta Justiça Especial, pois a referida norma apenas positiva a autonomia do regime previdenciário complementar em relação àquele administrado pelo INSS, não guardando, pois, nenhuma pertinência com a discussão em comento. Note-se, por fim, que não é estranha à Justiça do Trabalho a resolução de problemas decorrentes da quebra do dever de boa-fé objetiva na fase pós-contratual, valendo citar como exemplo as recentes decisões atinentes à responsabilização civil do empregador pela inclusão do nome de empregado em listas negras. Recursos de revista não conhecidos. CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - REFLEXOS DAS PARCELAS CTVA E CARGO COMISSIONADO EM OUTRAS PARCELAS - INEXISTÊNCIA DE ATO ÚNICO DO EMPREGADOR - PRESCRIÇÃO PARCIAL. A discussão diz respeito a reflexos das parcelas CTVA e Cargo Comissionado em outras parcelas. Versando a controvérsia reflexos de parcelas que já vinham sendo pagas aos reclamantes, o direito de perceber as respectivas diferenças renova-se a cada mês. A hipótese é de incidência da prescrição parcial, não atingindo a pretensão do direito, mas apenas as parcelas anteriores ao quinquênio que antecede a data do ajuizamento da ação. Inaplicabilidade da Súmula nº 294 do TST. Recursos de revista não conhecidos. (RR - 800-

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54.2009.5.07.0014, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 26/09/2012, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 05/10/2012);

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - DANO MORAL - ATO PRATICADO EM OUTRA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA QUANDO JÁ EXTINTO O CONTRATO DE TRABALHO. A Justiça do Trabalho é competente para julgar ação por meio da qual se pretende indenização por dano moral praticado na fase pós-contratual. No caso, trata-se de pedido de indenização por dano moral decorrente de acusação do Empregador realizada na defesa de reclamação trabalhista promovida pela Autora anteriormente, após já extinto o contrato de trabalho, no sentido de que a Reclamante teria cometido delito ou furtado documentos da empresa durante a relação contratual. Constatada a possível afronta à cláusula geral da boa-fé objetiva. Recurso conhecido e provido. (RR - 141900-27.2000.5.15.0034, Relator Ministro: José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, Data de Julgamento: 17/05/2006, 2ª Turma, Data de Publicação: DJ 16/06/2006).

O último dos questionamentos consiste em saber se o ato praticado pela ré e que fundamenta a presente ação representa violação a um dos citados deveres e se persiste a consequente reparação.

De início, convém ressaltar que, no presente caso, consigna o Regional que "o contrato de trabalho havido entre as partes está extinto desde 19.06.1997, em razão da aposentadoria da reclamante e, a partir daí, resguardada a condição de estipulante da reclamada e sua obrigação pela participação no pagamento de parte do prêmio, o vínculo se estabeleceu diretamente entre segurado e seguradora, sendo esta última a responsável pela fixação do valor do prêmio a ser pago de conformidade com o capital segurado" (fl. 588) - destaquei.

Registre-se, inicialmente, que a pretensão deduzida não versa sobre o contrato de seguro, mas sim de benefício assegurado e disponibilizado pelo empregador, consistente na participação no seguro de vida, por ele patrocinado.

Essa foi, aliás, a tese consagrada no primeiro acórdão do Tribunal que reformou a sentença anteriormente proferida e acolheu a competência desta Justiça para processar o presente feito. Veja-se:

Tem razão a Recorrente. A Recorrida reconheceu que a proposta de apólice foi estipulada por ela, sendo mantida após a jubilação do Recorrente. A Recorrida concedeu a vantagem, consistente na participação no seguro de vida, por intermédio de terceiro, mas é a real e única patrocinadora. Trata-se, portanto, de controvérsia decorrente da relação de trabalho, cuja competência é desta Justiça, nos termos do artigo 114, IX, da Constituição Federal.

Ressalte-se que a pretensão deduzida em Juízo não versa sobre o contrato de seguro, mas sim de benefício assegurado e disponibilizado pelo empregador a ex-empregada, razão pela qual entendo que a competência é da Justiça do Trabalho.

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Essa premissa é fundamental para que se compreenda o alcance da pretensão e da controvérsia e, em virtude da preclusão, não mais poderia ser questionada ou afastada posteriormente: trata-se de benefício estipulado no contrato de trabalho, para ser posteriormente exercido pelo ex-empregado.

Porém, conquanto tenha assim decidido, esse foi a principal linha de argumentação utilizada pelo Tribunal no segundo acórdão, ao examinar o mérito propriamente dito: nenhum direito seria assegurado à Agravante porque o vínculo se estabeleceu diretamente com a seguradora e, por isso, estaria regido pelas normas do Código Civil que disciplinam o contrato de seguro, sem que houvesse incidência da normatização pertinente ao contrato de trabalho. Confira-se em trechos que destaco:

Entretanto, a tese da vestibular, reiterada em sede recursal, não se sustenta, eis que a circunstância descrita não pode ser interpretada como alteração do pactuado, a ensejar a aplicação analógica do artigo 468 da CLT e consequente responsabilização do ex-empregador. Isso porque o contrato de trabalho havido entre as partes está extinto desde 19.06.1997, em razão da aposentadoria da reclamante e, a partir daí, resguardada a condição de estipulante da reclamada e sua obrigação pela participação no pagamento de parte do prêmio, o vínculo se estabeleceu diretamente entre segurado e seguradora, sendo esta última a responsável pela fixação do valor do prêmio a ser pago de conformidade com o capital segurado. Confira-se o teor do artigo 801 do Código Civil:

[...]

Assim, tal como ponderou o magistrado de primeiro grau, os valores dependem de adesão e da concordância dos segurados, sendo que eventual irresignação deve ser dirigida à seguradora.

Não fosse o obstáculo insuperável da preclusão, também olvidou a Corte Regional que a reclamada continua participando no custo mensal da parcela paga, não tendo, nesse aspecto, ocorrido qualquer alteração da pactuação havida entre as partes, motivo pelo qual não poderia ser analisada a pretensão pura e simplesmente em função das regras dessa modalidade contratual.

A partir desse equívoco, o Tribunal, igualmente, não fez prevalecer, no caso, os princípios específicos do Direito do Trabalho dirigidos à proteção do empregado cuja incidência permanece, mesmo que de forma mitigada, na condição de aposentado.

Mas, ainda que assim não fosse, a meu sentir, o presente caso comporta outra conclusão, na medida em que, como ressaltado no início da minha argumentação, os contratos devem ser interpretados com base na boa-fé objetiva que, por sua vez, deve nortear o comportamento das partes.

Tem razão a reclamada quando afirma que nenhuma cláusula contratual foi infringida, além do que inexistia qualquer norma jurídica específica que impedisse a atitude da empresa. Da mesma forma, pode-se asseverar que a reclamada não cometeu qualquer ilícito, tampouco houve abuso de direito.

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Contudo, como se constata na decisão impugnada, concluiu o órgão julgador, no que se refere ao desmembramento da apólice 4721, que originariamente agregava empregados da ativa e aposentados, e assinalou: "... o fato de existirem duas apólices, a de número 850748 (fls. 201/209) contemplando os funcionários da ativa, e a de número 4721 (alterada para número 850851 - fls. 142/149), que abrange funcionários aposentados, não caracteriza procedimento discriminatório com 'único intento' de 'expulsar' os aposentados do benefício" (fl. 590). Por fim, afirmaram os julgadores que não há como reconhecer a hipótese de violação do artigo 422 do Código Civil, "eis que à reclamada não podem ser imputados os atos lesivos que a reclamante pretende ver reconhecidos" (fl. 591).

A apólice do seguro de vida "4721" foi desmembrada entre empregados ativos "850748" e aposentados "850851", e foi a reclamante foi enquadrada neste último grupo.

Tal mudança fez com que o grupo, até então homogêneo, fosse dividido em dois, um deles com fator de risco - o denominado índice de sinistralidade - muito mais elevado, pelo menos em termos de probabilidade, representado pelos aposentados, em geral pessoas de idade mais avançada, cuja chance de morte se torna maior do que as que se encontram na ativa, também presumidamente mais jovens.

Esse novo enquadramento feriu a legítima expectativa da agravante de que, após anos de prestação de serviços e posterior aposentadoria, fosse o contrato de seguro mantido ou, em sendo alterado ou desmembrado, permanecessem as condições inicialmente pactuadas, sem a aludida redução do capital segurado e a majoração do prêmio mensal, salvo aquela natural mudança decorrente do fator de risco inerente ao contrato de seguro, mantido, repito, o caráter heterogêneo do grupo, para que fosse diluído e consequentemente preservado o risco.

Saliente-se que não há discussão quanto aos fatos mencionados relativos enquadramento da agravante na faixa equivalente ao teto, quando do jubilamento (36 vezes o salário percebido), aumento do prêmio mensal de 48,4% no mês de outubro de 1987 e redução substancial do grupo de segurados, embora argumente a empresa que decorreram de aquiescência da agravante e autorização do grupo abrangido pela apólice.

Aliás, no que tange à geração de expectativas legítimas cuja manutenção pode constituir um dever jurídico (dever de manter a confiança suscitada) e cuja frustação pode ocasionar responsabilidade por danos, assevera Judith Martins Costa que constitui "papel fundamental do direito assegurar a proteção de expectativas" (Princípio da confiança legítima e princípio da boa-fé objetiva. Termo de compromisso de cessação (TCC) ajustado com o CADE. Critérios da interpretação contratual: os "sistemas de referência extracontratuais" ("circunstâncias do caso") e sua função no quadro semântico da conduta devida. Princípio da unidade ou coerência hermenêutica e "usos do tráfego". Adimplemento contratual. In Revista dos Tribunais, ano 95, volume 852, outubro/2006, p. 98).

Desta forma, é cristalina a violação ao princípio da boa-fé objetiva. A submissão da reclamante a novo contrato de seguro ou a elevação substancial do prêmio mensal acompanhada da redução do capital segurado, no qual não foram respeitados os termos inicialmente contratados, denota o comportamento desleal da reclamada, incompatível, portanto, com a boa-fé objetiva e viola os deveres anexos de lealdade e confiança. Trata-se de típica situação de aplicação da teoria da culpa post pactum finitum.

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Nesse aspecto, inclusive, perfeitamente aplicável, por analogia, o teor do item I da Súmula n. 51 desta Corte: "As cláusulas regulamentares, que revoguem ou alterem vantagens deferidas anteriormente, só atingirão os trabalhadores admitidos após a revogação ou alteração do regulamento."

A contrario sensu, o comportamento adequado da ré seria a manutenção do benefício disponibilizado desde o início do pacto laboral, exatamente nos mesmos moldes, ou seja, do plano de seguro de vida constante da apólice "4721", que agregava os empregados da ativa e aposentados.

O fundamento contido no acórdão de que "a modificação da apólice é sempre precedida de anuência expressa de três quartos do grupo segurado, tal como estabelece o § 2º, do mencionado artigo 801 do Código Civil, razão pela qual, considerando que as apólices foram renovadas, as alterações narradas na vestibular, sem dúvida, contaram com a anuência da reclamante", está descontextualizado, na medida em que referido artigo tem aplicação para o caso de apólice em vigor. In casu, trata-se de nova apólice pactuada apenas para os ex-empregados aposentados e que visivelmente desvirtuou os moldes acordados quando da admissão da recorrente, o que lhe acarretou evidente prejuízo.

Ainda que assim não fosse, a anuência da reclamante em continuar com o novo seguro de vida, por si só, em um contrato que é tipicamente de adesão, não a impede de vir a juízo discutir a legalidade da alteração realizada e que ela, diante das circunstâncias, julgou conveniente aceitar.

De outro lado, é evidente a contraposição do interesse de ambos os grupos - o que comprova a quebra do dever de boa-fé objetiva, cuja caracterização prescinde analisar se houve, de fato, má-fé -, o que justificaria a obtenção do quórum de aprovação de três quartos do grupo segurado, mencionado na decisão impugnada como requisito apto a validar a alteração, na forma prevista no artigo 801, § 1o, do Código Civil.

Concluo, portanto, que o prejuízo suportado pela reclamante, em razão do desmembramento da apólice "4721" em dois grupos - ativos e inativos -, após a extinção contratual, foi proveniente da infringência ao dever anexo de conduta advindo da boa-fé objetiva.

Note-se que esse dever resulta da própria relação contratual, pois os efeitos do contrato, no que concerne ao dever de lealdade, persistem mesmo posteriormente ao fim da avença. Assim, é medida que se impõe o reconhecimento da responsabilidade civil pós-contratual.

Como uma mão à luva, o Superior Tribunal de Justiça, mesmo em contratos tipicamente de seguro de vida e planos de saúde, em decisões paradigmáticas, acolhe a tese de incidência da cláusula da boa-fé objetiva na interpretação desses contratos, à luz do Direito do Consumidor. Destaco, na primeira delas, exatamente o reconhecimento do direito do consumidor em preservar condições pretéritas do contrato de plano de saúde, em função da majoração excessiva das mensalidades:

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PLANO DE SAÚDE E DIREITO DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. APRECIAÇÃO ACERCA DE VIOLAÇÃO À RESOLUÇÃO. DESCABIMENTO. RELAÇÃO JURÍDICA MATERIAL. CONSUMO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 30 DA LEI 9.656/98. NORMA AUTO-APLICÁVEL, QUE PRESCINDE DE REGULAMENTAÇÃO.

1. O artigo 30 da Lei 9.656/98 confere o direito, após a cessação do vínculo laboral do autor, de ser mantido nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava durante a vigência de seu contrato de trabalho, desde que assuma o pagamento integral da contribuição.

2. O autor despendia R$ 110,75 (cento e dez reais e setenta e cinco centavos) pela assistência médico-hospitalar, e o empregador arcava com R$ 166,13 (cento e sessenta e seis reais e treze centavos), totalizando R$ 276,88 (duzentos e setenta e seis reais e oitenta e oito centavos). Com a mudança para outro plano, com pior cobertura, dentro do período em que o consumidor tinha direito a ser mantido no plano primevo, passou a pagar R$ 592,92 (quinhentos e noventa e dois reais e noventa e dois centavos), não se podendo admitir que o tenha feito espontaneamente.

3. Os denominados deveres anexos, instrumentais, secundários ou acessórios revelam-se como uma das faces de atuação ou operatividade do princípio da boa-fé objetiva, sendo nítido que a recorrente faltou com aqueles deveres, notadamente os de lealdade; de não agravar, sem razoabilidade, a situação do parceiro contratual; e os de esclarecimento; informação e consideração para com os legítimos interesses do parceiro contratual.

4. Os artigos 6º, incisos III, IV, V, 46, 51, incisos I, IV, XV, parágrafos 1º e 2º do Código de Defesa do Consumidor e 16, inciso IX, da Lei 9.656/98 impõem seja reconhecido o direito de o autor permanecer no Plano em que se enquadrava, com as mesmas condições e cobertura assistencial, no período subsequente ao rompimento de seu vínculo empregatício com o Banco.

5. Todavia, como o artigo 30, § 1º, da Lei 9.656/98 impõe a manutenção do ex-empregado como beneficiário do plano de saúde, contanto que assuma o pagamento integral, pelo período máximo de 24 meses e, no caso, por força de antecipação dos efeitos da tutela, o autor permanece no denominado "Plano Associado" desde o ano de 2003, não pode ser mais imposto à ré a manutenção do recorrido naquele Plano.

6. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 925.313/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/03/2012, DJe 26/03/2012).

Em caso bastante parecido com a matéria ora em debate, esse mesmo Tribunal, fundamentado na boa-fé objetiva, reconheceu a ocorrência de danos materiais a um casal de idosos em virtude de rescisão unilateral, pela seguradora, de contrato de seguro de vida, pago durante cerca de 20 anos. Concluiu no sentido da abusividade do comportamento, violador dos deveres de confiança e lealdade:

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AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO DE VIDA. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO. RECUSA IMOTIVADA DE RENOVAÇÃO. DANOS MATERIAIS.

1. Face o entendimento pacificado pela Segunda Seção desta Corte, é abusiva a negativa de renovação do contrato de seguro de vida, mantido sem modificações ao longo dos anos, por ofensa aos princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade, orientadores da interpretação dos contratos que regulam as relações de consumo. Precedente específico da Segunda Seção desta Corte, Resp n. 1073595/MG, Rel. MIN. NANCY ANDRIGHI.

2. Considerando que a relação contratual mantida entre a agravante e os agravados se estendeu por mais de vinte anos, bem como o fato de já serem idosos, perfeita sintonia entre o presente caso e o 'leading case' desta Terceira Turma segundo o qual "a rescisão imotivada do contrato, em especial quando efetivada por meio de conduta desleal e abusiva - violadora dos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da responsabilidade pós-contratual - confere à parte prejudicada o direito à indenização por danos materiais e morais". (REsp 1255315/SP, Rel. MIN. NANCY ANDRIGHI).

3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no REsp 1230665/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/03/2013, DJe 03/04/2013).

No voto condutor, o Ministro Relator, Paulo de Tarso Sanseverino, restabeleceu a sentença que traçou contornos muito semelhantes ao caso em tela: em face da idade dos segurados, o custo da apólice se elevaria sobremaneira no mercado e, com isso, ficariam privados da cobertura. Transcrevo:

Quanto ao mérito, verifico que a lide não trata da renovação compulsória de contrato de seguro, mas cinge-se em determinar se a rescisão imotivada do contrato, renovado sucessivamente por mais de vinte anos, no momento em que os segurados atingem idade elevada, é fator causador de perdas e danos.

Para o juízo monocrático, cuja sentença foi restabelecida pelo acórdão embargado, tal conduta é fato gerador da obrigação de indenizar. A propósito, confira-se seus fundamentos, dos quais me utilizo, desde já, como razão de decidir:

"De fato, a resilição imotivada do contrato, por simples desinteresse no prosseguimento do negócio jurídico, após mais de vinte e dois anos, desconsidera, de forma inequívoca, a visão do contrato como regulamento de interesses privados que produz efeitos na comunidade politicamente organizada, ou seja, na sociedade.

A resilição unilateral do contrato sem motivo, após vinte e dois anos ininterruptos de cooperação e confiança entre as partes, somente seria admitida nos quadros de uma concepção individualista do negócio jurídico, centrada única e exclusivamente nos interesses particulares dos contratantes, considerados de forma estanque e autárquica.

Ora é justamente este quadro mental que a função social busca superar, ao conduzir o intérprete do contrato á visão e apreciação dos necessários efeitos coletivos gerados pelo regulamento de interesses privados.

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(...)

A idéia central da função social é evitar que a vida do contrato seja atingida por ocorrências como a dos autos, em que uma seguradora, sem nenhum motivo, decide pro fim a uma relação negocial de mais de vinte anos, gerando sérios problemas econômicos aos autores, os quais serão obrigados a ir ao mercado contratar novo seguro, em idade avançada e sem nenhum benefício decorrente do seguro em grupo. (fls. 472/473)

(...)

De fato, a ré poderá deixar de agir com eficácia e rigor na administração dos contratos de seguro de vida em grupo, controlando as despesas e verificando de forma aprofundada o pagamento das indenizações, bem como tomando medidas enérgicas para evitar fraudes." (fls. 473)

Nessa ordem de idéias, a sentença condenou a ré a "pagar aos autores a diferença entre o último valor do prêmio do contrato resilido e o prêmio de um seguro equivalente no mercado, ..., a partir da ilegal resilição, estendendo-se durante o período de sobrevida dos autores ", ou seja, até que atinjam a idade de oitenta anos. (fls. 476)

Quer dizer com isso, que o custo adicional que os autores, todos na faixa dos sessenta e poucos anos de idade, teriam na contratação de outro seguro, até que venham a completar oitenta anos, deverá ser custeado pela empresa ré como forma de reparação dos danos que emergem do rompimento contratual.

Deveras, o custo adicional que os segurados terão ao procurar o mercado para contratar novos seguros de vida, sendo obrigados a aceitar, certamente, condições mais onerosas do que aquelas existentes nos contratos resilidos, deverá ser custeado pela empresa agravante como consequência de haver frustrado a legítima expectativa de proteção para a idade avançada, criada no ânimo dos segurados, com as sucessivas renovações ao longo de vinte e dois anos.

Logo, não merece acolhida, no presente caso, a alegação de que "mero inadimplemento contratual não gera danos morais ", porquanto a companhia agravante foi condenada somente em perdas e danos.

Também registro que a mesma decisão ampara-se em precedentes outros que consagram entendimento uniforme daquela Corte no sentido de reconhecer a abusividade da conduta relacionada à não renovação ou modificação, de modo abrupto ou injustificado, pelas seguradoras de contratos de seguro e reconhecem, em tais hipóteses, direito ao ressarcimento de perdas e danos, tudo com base na boa-fé objetiva e na função social do contrato, como demonstra a transcrição:

Quanto ao mais, o acórdão agravado nada mais faz do que dar coro ao entendimento, recentemente pacificado pela Segunda Seção deste Superior Tribunal de Justiça, de que "a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo". (REsp 1073595/MG, Rel. MIN. NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO).

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Da mesma forma, o aresto impugnado alinha-se ao entendimento preconizado por esta Terceira Turma no sentido de que "a rescisão imotivada do contrato, em especial quando efetivada por meio de conduta desleal e abusiva -violadora dos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da responsabilidade pós-contratual -confere à parte prejudicada o direito à indenização por danos materiais e morais". (REsp 1255315/SP, Rel. MIN. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA).

Também nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO. RENOVAÇÃO DO CONTRATO. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ, DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E DA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. FUNDAMENTO NÃO ATACADO. SÚMULA Nº 283/STF.RESILIÇÃO UNILATERAL DO CONTRATO. ABUSIVIDADE. SÚMULA Nº 83/STJ.

1. A ausência de impugnação dos fundamentos do acórdão recorrido quanto a aplicação dos princípios da boa-fé, função social do contrato e proteção ao consumidor, utilizados para determinar a renovação do contrato de seguro, enseja o não conhecimento do recurso, incidindo o enunciado da Súmula n. 283 do Supremo Tribunal Federal.

2. É abusiva a resilição unilateral do contrato de seguro, vigente por muitos anos, e ofende os princípios da boa-fé objetiva. Súmula n. 83/STJ.

3. Os argumentos expendidos nas razões do regimental são insuficientes para autorizar a reforma da decisão agravada, de modo que esta merece ser mantida por seus próprios fundamentos.

4. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 1362420/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe 17/08/2012) .

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO. QUEBRA DA BOA-FÉ OBJETIVA. PRECEDENTES. QUANTUM INDENIZATÓRIO FIXADO COM RAZOABILIDADE.

1.-O Tribunal estadual concluiu que a ré agiu de má-fé, pois tinha conhecimento que o primeiro autor encontrava-se sob tratamento para o câncer que acomete sua saúde. Indevido e ilícito, portanto, o cancelamento unilateral do plano de saúde promovido pela ré.

2.-Conforme já decidido por esta Corte a pretensão da seguradora de modificar abruptamente as condições do seguro, não renovando o ajuste anterior, ofende os princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade que deve orientar a interpretação dos contratos que regulam relações de consumo" (REsp 1.073.595/MG, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, DJe 29/04/2011). Dano moral configurado.

3.-A intervenção do STJ, Corte de Caráter nacional, destinada a firmar interpretação geral do Direito Federal para todo o país e não para a revisão de questões de interesse individual, no caso de questionamento do valor fixado para o dano moral, somente é admissível

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quando o valor fixado pelo Tribunal de origem, cumprindo o duplo grau de jurisdição, se mostre teratológico, por irrisório ou abusivo.

4.-Inocorrência de teratologia no caso concreto, em que foi fixado, em 23.03.2010, o valor da indenização em R$ 20.400,00 (vinte mil e quatrocentos reais) a título de dano moral, consideradas as forças econômicas da autora da lesão.

5.-Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 175.663/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 29/06/2012).

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SEGURO DE VIDA. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO. RECUSA IMOTIVADA DE RENOVAÇÃO. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ.

1. Face o entendimento pacificado pela Segunda Seção desta Corte, é abusiva a negativa de renovação do contrato de seguro de vida, mantido sem modificações ao longo dos anos, por ofensa aos princípios da boa fé objetiva, da cooperação, da confiança e da lealdade, orientadores da interpretação dos contratos que regulam relações de consumo.

2. "A rescisão imotivada do contrato, em especial quando efetivada por meio de conduta desleal e abusiva-violadora dos princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato e da responsabilidade pós-contratual confere à parte prejudicada o direito à indenização por danos materiais e morais". (REsp 1255315/SP, Rel. MIN. NANCY ANDRIGHI).

3. A elisão das conclusões do aresto impugnado, comprovando a ocorrência dos danos morais, demandaria o revolvimento dos elementos de convicção dos autos, soberanamente delineados pelas instâncias ordinárias, providência vedada nesta sede especial a teor da súmula 07/STJ.

4. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg nos EDcl no Ag 1400796/RS, de minha relatoria, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 21/08/2012).

Nesse passo, verifico possível ofensa ao artigo 422 do Código Civil, o que torna plausível a revisão do despacho denegatório.

Do exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista.

RECURSO DE REVISTA

Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passo à análise dos pressupostos recursais intrínsecos.

NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

CONHECIMENTO

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A reclamante argui a nulidade da decisão regional, por negativa de prestação jurisdicional, ao fundamento de que o Tribunal de origem, não obstante a oposição de embargos de declaração, permaneceu silente acerca de fatos e circunstâncias constantes dos autos que revelariam a responsabilidade da reclamada pelos prejuízos havidos após o término do contrato de trabalho.

Com esteio na Orientação Jurisprudencial n. 115 da SBDI-1 desta Corte, passo à analise do recurso somente com relação aos artigos 93, IX, da Constituição Federal, 458 do CPC e 832 da CLT.

O exame dos autos revela que a Corte a quo proferiu decisão completa, válida e devidamente fundamentada, razão pela qual não prospera a alegada negativa de prestação jurisdicional.

Por outro lado, a argumentação exposta nos embargos de declaração evidencia que a real pretensão da parte era obter o reexame do conjunto probatório e a alteração do registro fático feito pelo Tribunal Regional, objetivos que não se coadunam com as disposições do artigo 897-A da CLT.

Acrescente-se que, para fins de prequestionamento, não é necessário que a decisão faça referência expressa aos dispositivos legais invocados. A adoção de tese explícita acerca da matéria discutida é suficiente para que se considere preenchido o mencionado requisito, de acordo com a Orientação Jurisprudencial n. 118 da SBDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho. Além disso, o item III da Súmula n. 297 desta Corte deixa claro que se considera pré-questionada a matéria jurídica invocada no recurso principal na hipótese de o Tribunal recorrido haver se recusado a adotar tese, mesmo após ter sido instado a fazê-lo, via embargos de declaração.

Ilesos, portanto, os artigos acima citados.

JUNTADA DE DOCUMENTOS NOVOS

CONHECIMENTO

A recorrente sustenta que "não havia justificativa plausível" para não se considerar os documentos apresentados juntamente com seus embargos de declaração. Indica contrariedade à Súmula n. 8 desta Corte (fl. 612).

Eis a decisão recorrida:

"Não procede o inconformismo.

Correto o direcionamento de origem ao não conhecer dos documentos de fls. 331/333, juntados com os embargos declaratórios de fls. 323/328, protocolizados em 09.03.2011, na medida em que emitidos em novembro de 2010, portanto, à época da protocolização da peça de fl. 316, em 14.12.2010, através da qual a recorrente requereu antecipação do julgamento, a demandante já tinha conhecimento acerca da referida documentação. Por outro lado, cientificada em 17.01.2011 da antecipação de julgamento para 14.02.2011 (fl. 319), permaneceu silente, operando-se a preclusão.

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Por corolário, o não conhecimento dos referidos documentos por este órgão revisor é medida que se impõe. Exegese da Súmula 08 do C. TST" (fls. 587/588).

O Regional consigna expressamente que não se trata de fato novo, na medida em que os documentos juntados com os embargos de declaração opostos se referem a fato ocorrido anteriormente a prolação da sentença. Nessa esteira, ao contrário do alegado, o Tribunal de origem decidiu em conforme à jurisprudência consolidada na Súmula nº 8 do TST.

Não conheço.

SEGURO DE VIDA EM GRUPO. CONTRATO DE TRABALHO EXTINTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CLÁUSULA GERAL DA BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER ANEXO DE LEALDADE. VIOLAÇÃO. RESPONSABILIDADE PÓS-CONTRATUAL. CULPA POST PACTUM FINITUM.

CONHECIMENTO

Nos termos da fundamentação expendida na decisão do agravo de instrumento, considero que houve afronta ao artigo 422 do Código Civil, razão pela qual conheço.

MÉRITO

Como consequência lógica do provimento do agravo de instrumento e da constatação de haver sido violado o art. 422 do Código Civil, por estar a pretensão nele abrigado, há que ser provido o recurso de revista e o faço para, reformando o acórdão regional, julgar a ação PROCEDENTE EM PARTE e reconhecer o direito à manutenção do contrato de seguro, inclusive quanto ao valor a ser pago a título de prêmio mensal, em condições idênticas às fixadas para o pessoal da ativa, na linha do pedido formulado no item b.1 da petição inicial.

Também acolho o pleito de manutenção do capital segurado equivalente ao teto estabelecido para o pessoal da ativa e preservação da participação da empresa equivalente a 70% do custo mensal.

Indefiro o pedido de honorários advocatícios, na linha do entendimento consagrado na Súmula nº 219 desta Corte, com ressalva de entendimento pessoal, tendo em vista a ausência de prova dos requisitos exigidos pela Lei n. 5.584/70.

Cabe, por último e de ofício, determinar providências a fim de que seja efetivado, no menor tempo, o cumprimento da decisão e assim o faço por reconhecer a existência do que denomino, na esteira da melhor doutrina, de "direito fundamental à tutela específica", que dá lugar não apenas à pretensão ressarcitória, mas também à condenação no cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer e possível aplicação de multa por descumprimento da decisão, com amparo no artigo 461 do CPC.

Na essência, trata-se de uma das mais importantes normas do sistema processual brasileiro por meio da qual se objetiva alcançar a efetividade da decisão judicial e materializa o direito fundamental à tutela efetiva, reconhecido pela moderna doutrina especializada. Destaca Athos Gusmão Carneiro, com apoio em Ada Pellegrini Grinover,

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ser "uma das maiores conquistas do novo processo civil brasileiro" (Da antecipação da tutela. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 66).

Decorrente de uma das muitas reformas pelas quais passou o Código de Processo Civil no final do século passado, a regra instituída no § 5º do citado dispositivo constitui, na lição de Luiz Guilherme Marinoni, citado por Fred Didier Jr., "cláusula geral executiva" por meio da qual se outorga ao magistrado poderes para, "à luz do caso concreto, valer-se de providência que entender necessária à efetivação da decisão judicial", com a finalidade de, ainda segundo o mesmo autor, "municiar o magistrado para que possa dar efetividade às suas decisões". (DIDIER Jr., Fredie, et al. Curso de processo civil. v. 5. 14ª ed. Salvador: Podivm, 2014. p. 437).

Com os olhos voltados para o direito fundamental, reconhecido ao jurisdicionado, "de obter do Poder Judiciário uma prestação jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva, seja em decorrência do princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF), seja em decorrência do princípio da inafastabilidade da atividade jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF)" (autor e obra citados, p. 437), o magistrado dispõe de verdadeiro arsenal jurídico do qual pode se valer para fazer com que a decisão por ele proferida não seja uma mera promessa vazia ao titular da pretensão reconhecida em juízo no sentido de que encontra amparo no sistema jurídico, mas o cumprimento ficará a cargo da exclusiva vontade do devedor inadimplente e, não raras vezes, renitente.

É um verdadeiro "cheque em branco" que se atribui ao magistrado para, diante do caso concreto, determinar quaisquer providências que, a seu juízo, possibilitem à decisão judicial produzir efeitos para além do mundo dos autos e alcance a vida real, o mundo dos fatos, portanto, pois, como afirma Luís Roberto Barroso (BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 305).

Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos valores os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.

Deve partir do universo processual para a vida, com vistas a garantir o direito fundamental à tutela executiva e, com "os olhos postos nessa finalidade, tem-se admitido que o julgador imponha qualquer medida que, à luz do caso concreto, se mostre necessária, adequada e razoável para a realização do direito reconhecido, seja mediante cognição exauriente ou sumária. É o caso concreto que vai revelar o meio mais adequado" (obra e autor citados, p. 437-438).

Na mesma linha:

JOAQUIM FELIPE SPADONI: "[...] a atividade jurisdicional exercida com base nos arts. 461 e 461-A do CPC tem sua instrumentalidade potencializada pela conjugação do provimento mandamental ao executivo lato sensu, podendo desencadear uma forma de tutela jurisdicional de grande eficiência na proteção dos direitos individuais e transindividuais, mormente aqueles de conteúdo não patrimonial. Possibilita-se conceder ao jurisdicionado a tutela específica do seu direito, entregar-lhe tudo aquilo a que faz jus, atendendo-se à exigência constitucional da efetividade e adequação da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV).

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[...]

Por sua vez, o § 5º autoriza o juiz a determinar as medidas necessárias para a obtenção da tutela específica ou do resultado prático equivalente na própria ação inibitória.

[...]

Esta característica satisfativa denota, a bem da verdade, a natureza do provimento jurisdicional que acolhe o pleito do autor. Com efeito, fica revelado que o legislador da reforma, buscando disponibilizar instrumentos que levem à efetiva satisfação do direito do credor, optou por conjugar o provimento mandamental ao executivo lato sensu como meio de se alcançar a tutela inibitória. (SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 461 do CPC. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 105; 113);

Exatamente por isso, rompe-se com a regra da congruência objetiva limitadora da atuação jurisdicional, diante do quanto previsto nos arts. 128 e 460 do CPC, e até mesmo com o principio da inércia da jurisdição, em face da amplitude conferida pela regra em foco, ou seja, o magistrado pode não apenas autorizar a medida, como também escolher, independentemente de pedido, a que lhe pareça mais adequada, como assinala Luiz Guilherme Marinoni, ao se referir aos arts. 461 do Código de Processo Civil e 84 do Código de Defesa do Consumidor:

Reconhece-se, ainda, em ambos os dispositivos, o poder de o juiz, de ofício, ordenar sob pena de multa ou determinar as denominadas 'medidas necessárias', para que seja obtida a tutela específica ou o resultado prático equivalente. (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 98).

Nesse caminho, segue a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça por meio de inúmeros julgados, dos quais extraio alguns precedentes:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MEDIDA NECESSÁRIA À EFETIVAÇÃO DA TUTELA ESPECÍFICA OU À OBTENÇÃO DO RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE. ART. 461, § 5o. DO CPC. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE CONFERIDA AO JULGADOR, DE OFÍCIO OU A REQUERIMENTO DA PARTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. ACÓRDÃO SUBMETIDO AO RITO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO 08/2008 DO STJ.

1. Tratando-se de fornecimento de medicamentos, cabe ao Juiz adotar medidas eficazes à efetivação de suas decisões, podendo, se necessário, determinar até mesmo, o sequestro de valores do devedor (bloqueio), segundo o seu prudente arbítrio, e sempre com adequada fundamentação.

2. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art.

543-C do CPC e da Resolução 08/2008 do STJ. (REsp 1069810/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/10/2013, DJe 06/11/2013);

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RECURSO ESPECIAL - CONTRATO DE FORNECIMENTO DE REVISTAS - OBRIGAÇÃO DE FAZER - COMPROVAÇÃO, PELA EDITORA-RÉ, DA INVIABILIDADE ECONÔMICA DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO, EM RAZÃO DE ONEROSIDADE EXCESSIVA - ART. 333, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - NECESSIDADE DE INCURSÃO NO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO - IMPOSSIBILIDADE, NA PRESENTE VIA RECURSAL - ÓBICE DO ENUNCIADO N. 7 DA SÚMULA/STJ - IMPOSSIBILIDADE DA CONCESSÃO DE TUTELA ESPECÍFICA E DA OBTENÇÃO DO RESULTADO PRÁTICO EQUIVALENTE - CONVERSÃO DA OBRIGAÇÃO EM PERDAS E DANOS - POSSIBILIDADE, INCLUSIVE DE OFÍCIO - APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE - POSSIBILIDADE, IN CASU - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

I - A alteração das conclusões do acórdão recorrido no sentido de que a Editora recorrida teria comprovado suficientemente nos autos a impossibilidade econômica de continuar a cumprir a obrigação da fazer, implicaria o reexame do conjunto fático-probatório (Súmula 7/STJ);

II - Independentemente de a impossibilidade ser jurídica ou econômica, o cumprimento específico da obrigação pela recorrida, no caso concreto, demandaria uma onerosidade excessiva e desproporcional, razão pela qual não se pode impor o comportamento que exige o ressarcimento na forma específica quando o seu custo não justifica a opção por esta modalidade ressarcimento;

III - É lícito ao julgador valer-se das disposições da segunda parte do § 1º do art. 461 do Código de Processo Civil para determinar, inclusive de ofício, a conversão da obrigação de dar, fazer ou não-fazer, em obrigação pecuniária (o que inclui o pagamento de indenização por perdas e danos) na parte em que aquela não possa ser executada;

IV - Na espécie, a aplicação do direito à espécie por esta Corte Superior, nos termos do art. 257 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, afigura-se possível, tendo em conta os princípios da celeridade processual e da efetividade da jurisdição;

V - Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1055822/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 26/10/2011);

RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO (ARTIGO 522, DO CPC) INTERPOSTO EM FACE DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA PROFERIDA EM SEDE DE MANDADO DE SEGURANÇA. DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINOU A APLICAÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA (ASTREINTES) POR DESCUMPRIMENTO DE COMANDO JUDICIAL QUE ESTIPULAVA PRAZO PARA APRESENTAÇÃO DE CÓPIA DAS FICHAS FINANCEIRAS DOS SERVIDORES PÚBLICOS A FIM DE VIABILIZAR A APURAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DESCONTOS INDEVIDOS NOS VENCIMENTOS.

IMPOSIÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA. RAZOABILIDADE. AUSÊNCIA. BUSCA E APREENSÃO DOS DOCUMENTOS. POSSIBILIDADE. INTUITO RECALCITRANTE.

INEXISTÊNCIA.

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1. A imposição de multa pecuniária, em desfavor da Fazenda Pública, pelo descumprimento da ordem de apresentação dos documentos requisitados pela autoridade judicial revela-se desarrazoada em virtude da possibilidade de expedição de mandado de busca e apreensão, à luz dos artigos 461, § 5º, e 461-A, § 2º, do CPC, notadamente quando não configurado o intuito recalcitrante do devedor.

2. Com efeito, o Código de Processo Civil autoriza o juiz, de ofício ou a requerimento, a determinar medidas necessárias para assegurar a efetivação da tutela específica pretendida nas ações que tenham objeto o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer (fungíveis ou infungíveis) ou de entregar coisa, bem como para garantir a obtenção do resultado prático equivalente (artigos 461 e 461-A).

3. Nesse segmento, os §§ 4º e 5º, do artigo 461, do CPC, enumeram, exemplificativamente, as medidas que podem ser adotadas pelo juiz, quais sejam: (i) imposição de multa diária ao réu, in limine ou quando da prolação da sentença, desde que fixado prazo razoável para cumprimento do preceito; (ii) busca e apreensão da coisa; (iii) remoção de pessoas e coisas; (iv) desfazimento de obras; (v) impedimento de atividade nociva; e (vi) requisição de força policial.

4. A Lei 10.444/2002 alterou a redação do § 5º, do aludido dispositivo legal, que passou a dispor que: "Art. 461. (...) § 5º. Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial." 5. Destarte, o Codex Processual, entre outras medidas coercitivas, atribuiu ao juiz a faculdade de impor multa cominatória (astreinte) em desfavor do devedor (ainda que se trate da Fazenda Pública), tendo por escopo inibir o descumprimento das obrigações de fazer ou não fazer (fungíveis ou infungíveis) ou de entregar coisa, sendo certo que a aludida pena pecuniária incide a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância (Precedentes do STJ: REsp 1.162.239/PR, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 26.08.2010, DJe 08.09.2010; AgRg no REsp 1.176.638/RS, Rel.

Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE), Sexta Turma, julgado em 17.08.2010, DJe 20.09.2010; AgRg no Ag 1.247.323/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 08.06.2010, DJe 01.07.2010; e REsp 987.280/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16.04.2009, DJe 20.05.2009).

6. Outrossim, "é possível a aplicação de multa coercitiva para constranger ao cumprimento de decisões interlocutórias, sentenças e acórdãos, sempre que neles se impor a observância de um fazer ou de um não fazer", revelando-se evidente seu descabimento "para constranger alguém a fazer ou não fazer algo fática ou juridicamente impossível" (Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, in "Código de Processo Civil - Comentado Artigo por Artigo", 2ª ed., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2010, pág. 428).

7. Nada obstante, forçoso destacar que o artigo 461-A, do CPC (incluído pela Lei 10.444/2002), no que concerne à obrigação de entregar coisa, determina que, não cumprida a obrigação no prazo fixado pelo juiz, expedir-se-á, em favor do credor, mandado de busca e apreensão ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel (§ 2º).

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8. In casu, cuida-se de multa cominatória imposta pelo juízo singular, em sede de mandado de segurança, uma vez vislumbrado o descumprimento, pela Fazenda Nacional, da ordem judicial de que fossem apresentadas cópias das fichas financeiras dos servidores públicos federais (substituídos processuais) "para apuração de desconto feito nos seus vencimentos, embora houvesse determinação judicial vedando tal desconto".

9. Consectariamente, a possibilidade de expedição de mandado de busca e apreensão dos documentos requisitados pela autoridade judicial (artigos 461, § 5º, e 461-A, § 2º, do CPC) torna desarrazoada a fixação de multa pecuniária pelo descumprimento da ordem de apresentação, máxime quando existente pedido de dilação de prazo formulado pela Fazenda Pública, o que afasta a caracterização de seu suposto intuito recalcitrante.

10. Recurso especial provido a fim de excluir a multa pecuniária (astreintes) cominada pelo Juízo Singular em desfavor da Fazenda Pública. (REsp 1069441/PE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 17/12/2010);

ADMINISTRATIVO - FAZENDA PÚBLICA - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS - CABIMENTO - ART. 461, § 5º, E ART.

461-A DO CPC - DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

1. A negativa de fornecimento de um medicamento de uso imprescindível, cuja ausência gera risco à vida ou grave risco à saúde, é ato que, per se, viola direitos indisponíveis, pois vida e a saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro plano.

2. O bloqueio da conta bancária da Fazenda Pública possui características semelhantes ao sequestro e encontra respaldo no art.

461, § 5º, do CPC, uma vez tratar-se não de norma taxativa, mas exemplificativa, autorizando o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as medidas assecuratórias para o cumprimento da tutela específica.

3. O direito à saúde deve prevalecer sobre o princípio da impenhorabilidade dos recursos públicos. Nas palavras do Min. Teori Albino Zavascki, pode-se ter por legítima, ante a omissão do agente estatal responsável pelo fornecimento do medicamento, a determinação judicial do bloqueio de verbas públicas como meio de efetivação do direito prevalente. (REsp 840.912/RS, Primeira Turma, julgado em 15.2.2007, DJ 23.4.2007) 4. Não há que se sujeitar os valores deferidos em antecipação de tutela ao regime de precatórios, pois seria o mesmo que negar a possibilidade de tutela antecipada contra a Fazenda Pública, quando o Supremo Tribunal Federal apenas resguarda as exceções do art. 1º da Lei 9.494/97. Precedente.

Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 935.083/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/08/2007, DJ 15/08/2007, p. 268);

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - FAZENDA PÚBLICA - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS - CABIMENTO - ART. 461, § 5º, E ART. 461-A DO CPC - DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

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1. A negativa de fornecimento de um medicamento de uso imprescindível, cuja ausência gera risco à vida ou grave risco à saúde, é ato que, per se, viola a Constituição Federal, pois vida e saúde são bens jurídicos constitucionalmente tutelados em primeiro plano.

2. O bloqueio da conta bancária da Fazenda Pública possui características semelhantes ao sequestro e encontra respaldo no art.

461, § 5º, do CPC, uma vez tratar-se não de norma taxativa, mas exemplificativa, autorizando o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, a determinar as medidas assecuratórias para o cumprimento da tutela específica.

3. O direito à saúde deve prevalecer sobre o princípio da impenhorabilidade dos recursos públicos. Nas bem lançadas palavras do Ministro Teori Albino Zavascki, pode-se ter por legítima, ante a omissão do agente estatal responsável pelo fornecimento do medicamento, a determinação judicial do bloqueio de verbas públicas como meio de efetivação do direito prevalente. (REsp 840.912/RS, Primeira Turma, julgado em 15.2.2007, DJ 23.4.2007) Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 851.797/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/05/2007, DJ 04/06/2007, p. 330);

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. CUSTEIO DE TRATAMENTO MÉDICO.

MOLÉSTIA GRAVE. BLOQUEIO DE VALORES EM CONTAS PÚBLICAS. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INOCORRÊNCIA. MULTA DIÁRIA.

1. O § 5º do art. 461 do CPC confere ao julgador a prerrogativa de fixar as medidas que considere necessárias ao cumprimento da tutela específica concedida, independentemente de requerimento da parte, não havendo que se falar em julgamento extra petita na decisão que determina, de ofício, o bloqueio de valores em conta do Estado.

2. Apesar de possível a fixação pelo juízo, de ofício ou a requerimento da parte, de astreintes contra a Fazenda Pública pelo inadimplemento de obrigação de dar, não viola os artigos 461, §§ 4º e 5º, do Código de Processo Civil o acórdão que conclui ser ineficaz a multa, pois cabe às instâncias ordinárias aferir a adequação dessa medida.

3. Recurso especial provido em parte. (REsp 895.846/RS, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/03/2007, DJ 13/03/2007, p. 338).

Vale ressaltar que a doutrina destaca a importância dessa prerrogativa especialmente para a tutela dos direitos da personalidade, com campo fértil de aplicação no processo do trabalho. Veja-se:

O art. 461 dá suporte a provimentos destinados a cessar ou impedir o início de condutas de afronta a qualquer direito da personalidade ou, mais amplamente, a qualquer direito fundamental de primeira geração. Aí se inserem a integridade física e psicológica, a liberdade em suas inúmeras facetas (de locomoção, associação, crença, empresa, profissão ...), a igualdade, a honra, a imagem, a intimidade etc. - todos considerados em seus vários desdobramentos.

[...]

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165

Pode-se cogitar, ademais, da aplicação subsidiária das regras do art. 461 à tutela concernente aos deveres de fazer e de não fazer inserto sem relações trabalhistas.

[...]

Também se encontra no campo material de abrangência do art. 461 o dever geral de abstenção, derivado da vedação de que alguém afronte ou pretenda afrontar a esfera jurídica alheia, sem que possua fundamento jurídico para tanto. Nessa categoria encontram-se os deveres correlatos aos direitos reais e direitos da personalidade. (TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 128; 129; 151)

Acrescente-se a adequação especial de tais medidas quando se trata de relações jurídicas permanentes ou duradoras, como a decorrente do contrato de trabalho, diante da possibilidade de violação posterior ao reconhecimento do direito por meio da decisão judicial. Não é outra a lição de Joaquim Felipe Spadoni:

Já quando se trata de relações jurídicas permanentes ou duradouras, a situação difere. Aqui, o direito pode ser violado tanto por atos instantâneos, quanto por atos continuados ou repetitivos, o que significa que mesmo já tendo sido praticados atos violadores do direito anteriormente ao ajuizamento da ação, ainda pode ser possível a tutela inibitória do direito. (SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 461 do CPC. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 83).

Em resumo, o legislador manifestou a sua opção pela tutela efetiva e adequada dos direitos, muito mais do que a simples conversão em pecúnia.

Rompe-se, com isso, com a visão monetarista do processo e se privilegia o efetivo atendimento da pretensão que, ao fim e ao cabo, constituiu o elemento volitivo antecedente ao ajuizamento da ação judicial e que levou o titular da pretensão a agir em juízo, diante do insucesso de obter o adimplemento da obrigação de forma espontânea, como também para fazer cessar o comportamento lesivo.

Assim, como fixo o prazo de 30 (trinta) dias, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, para o respectivo cumprimento, sob pena de multa diária de R$ 500,00, nos termos do artigo 461, § 4º, do CPC.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Também à unanimidade, conhecer do recurso de revista, apenas quanto ao tema SEGURO DE VIDA EM GRUPO. CONTRATO DE TRABALHO EXTINTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. CLÁUSULA GERAL DA BOA-FÉ OBJETIVA. DEVER ANEXO DE LEALDADE. VIOLAÇÃO. RESPONSABILIDADE PÓS-CONTRATUAL. CULPA POST PACTUM FINITUM, por violação do artigo 422 do Código Civil, e, dar provimento ao recurso de revista para, reformando o acórdão regional, julgar a ação PROCEDENTE EM PARTE e reconhecer o direito à manutenção do contrato de seguro, inclusive quanto ao valor a ser pago a título de prêmio mensal, em condições idênticas às fixadas para o pessoal da ativa, na linha do

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pedido formulado no item b.1 da petição inicial, a ser procedida em 30 (trinta) dias, a contar do trânsito em julgado da presente decisão, sob pena de multa diária de R$ 500,00, nos termos do artigo 461, § 4º, do CPC. Também acolhido o pleito de manutenção do capital segurado equivalente ao teto estabelecido para o pessoal da ativa e preservação da participação da empresa equivalente a 70% do custo mensal. Inverte-se o ônus da sucumbência em relação às custas processuais, a serem recolhidas pela reclamada, no importe de R$ 400,00, calculadas sobre o valor arbitrado de R$ 20.000,00.

Brasília, 14 de maio de 2014.

CLÁUDIO BRANDÃO

Ministro Relator

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