fabricação e ordenação do corpo moderno · transtorno desafiador opositor. 7. comportamento –...

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BIOPOLÍTICA E DIREITO Fabricação e ordenação do corpo moderno

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Biopolítica e DireitoFabricação e ordenação do corpo moderno

Biopolítica e DireitoFabricação e ordenação do corpo moderno

ANGELA COUTO MACHADO FONSECADoutora em Filosofia do Direito (PPGD/UFPR) com estágio de

pesquisa sanduíche CAPES na École des Hautes Études en Sciences Sociales/ParisMestre em Filosofia (PPGF/UFPR), aperfeiçoamento em Filosofia

Contemporânea na Università degli Studi di FirenzeBacharel em Direito e em Filosofia

Pesquisadora de pós-doutorado na UFPR, bolsista CAPES (PNPD).

Belo Horizonte2016

340.112 Fonseca, Angela Couto MachadoF676b Biopolítica e direito: fabricação e ordenação do corpo2015 moderno / Angela Couto Machado Fonseca. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2016. p.176 ISBN: 978-85-8238-215-8

1. Biopolítica. 2. Biopolítica e direito. 3. Medicina social. 4. Bioascese. 5. Bioascese corporal. 6. Transtorno Desafiador Opositor. 7. Comportamento – Transtornos. I. Título.

CDDir – 340.74 CDD(23.ed.)-340.112 CDU – 616-058

Belo Horizonte2016

CONSELHO EDITORIAL

Elaborada por: Fátima Falci CRB/6-nº 700

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio eletrônico,inclusive por processos reprográficos, sem autorização expressa da editora.

Impresso no Brasil | Printed in Brazil

Arraes Editores Ltda., 2016.

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Álvaro Ricardo de Souza CruzAndré Cordeiro Leal

André Lipp Pinto Basto LupiAntônio Márcio da Cunha Guimarães

Bernardo G. B. NogueiraCarlos Augusto Canedo G. da Silva

Carlos Bruno Ferreira da SilvaCarlos Henrique SoaresClaudia Rosane Roesler

Clèmerson Merlin ClèveDavid França Ribeiro de Carvalho

Dhenis Cruz MadeiraDircêo Torrecillas Ramos

Emerson GarciaFelipe Chiarello de Souza Pinto

Florisbal de Souza Del’OlmoFrederico Barbosa Gomes

Gilberto BercoviciGregório Assagra de Almeida

Gustavo CorgosinhoJamile Bergamaschine Mata Diz

Janaína Rigo SantinJean Carlos Fernandes

Jorge Bacelar Gouveia – PortugalJorge M. LasmarJose Antonio Moreno Molina – EspanhaJosé Luiz Quadros de MagalhãesKiwonghi BizawuLeandro Eustáquio de Matos MonteiroLuciano Stoller de FariaLuiz Manoel Gomes JúniorLuiz MoreiraMárcio Luís de OliveiraMaria de Fátima Freire SáMário Lúcio Quintão SoaresMartonio Mont’Alverne Barreto LimaNelson RosenvaldRenato CaramRoberto Correia da Silva Gomes CaldasRodolfo Viana PereiraRodrigo Almeida MagalhãesRogério Filippetto de OliveiraRubens BeçakVladmir Oliveira da SilveiraWagner MenezesWilliam Eduardo Freire

V

Aos meus pais:Ele, que foi um homem-oceano: profundo e grande.

Ela, que ainda me carrega no colo.

VI

Sem o fio condutor do corpo, eu não creio na validade de nenhuma pesquisa (NIETZSCHE, FP X, 26[432])

É em referência ao corpo que as coisas estão dispostas, é em relação ao corpo que existe uma esquerda e uma direita, um atrás e um na frente, um próximo e um distante. O corpo está no centro do mundo, ali onde os caminhos e os espaços se

cruzam, o corpo não está em nenhuma parte: o coração do mundo é esse pequeno núcleo utópico a partir do qual sonho, falo, me expresso, imagino, percebo as coisas em seu lugar e também as nego pelo poder indefinido das utopias que imagino. O meu corpo é como a Cidade de Deus, não tem lugar, mas é de lá que se irradiam

todos os lugares possíveis, reais ou utópicos.

(MICHEL FOUCAULT, O corpo utópico, As heterotopias)

VII

agraDeciMentos

O processo de construção deste livro contou com uma agregação de ajudas e incentivos. A sua elaboração foi perpassada por muitas solidariedades que precisam ser registradas.

Endereço minha lista de agradecimentos, antes de tudo, ao meu orientador de Doutorado (cujo resultado final é a base deste livro), Celso Luiz Ludwig, pelo apoio e indicações de rotas essenciais para esta pesquisa. Sua serenidade estóica e sua postura filosófica servem para mim como exemplo.

Agradeço à Vera Karam de Chueiri, Andre Macedo Duarte, Maria Rita Assis César e José Antônio Peres Gediel, que fizeram críticas, deram conselhos e que, cada um a seu modo, foram fundamentais para este livro.

À minha mãe, Heloisa Couto Machado da Silva, que foi também mãe dos meus filhos para me sustentar neste processo, como sempre faz, e sempre sem me-dição de esforços.

À Andréa Lobo, amiga e parceira de projetos, pela ajuda com a entrevista aos CAPSi e pela revisão do último capítulo. Também à Giuliana Rocio Alboneti, orientanda na graduação, pela leitura e revisão de partes do texto.

Ao professor Paolo Napoli, pela acolhida na École des Hautes Études en Scien-ces Sociales no período de doutorado sanduíche.

Aos queridos amigos e intelectuais com quem tive o privilégio de conviver nos últimos anos, pelo apoio, pela solidariedade, pelas indicações e aprendizados: António Manuel Hespanha, Carlos Petit, Massimo Meccarelli e Paolo Cappellini.

Agradeço à CAPES, pela bolsa de doutorado sanduíche na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris.

À minha família: Luciana Couto Machado da Silva Carreirão, Cláudio Mund Carreirão, Leonardo Machado Carreirão e Daniel Machado Carreirão. Souberam compreender meu momento e me incentivar nas dificuldades.

Por fim, guardo meu agradecimento mais especial a Ricardo Marcelo Fonseca, João Gabriel Machado Fonseca e Antônio Luiz Machado Fonseca. Para Ricardo, meu companheiro de jornada, as palavras são inúteis para expressar a tessitura da vida que fazemos juntos, na construção diária de companheirismo, afeto e apoio. Meus filhos, João e Antônio, privados da mãe por tantos momentos, precisaram crescer junto comigo e agora são capazes de sentir em si mesmos a alegria alheia.

VIII

lista De siglas e aBreviaturas

OBRAS DE NIETZSCHE

PCS Traduções de Paulo César de Souza: A AuroraAC O AnticristoBM Além do Bem e do Mal – prelúdio a uma filosofia do futuro.CI Crepúsculo dos ÍdolosEH Ecce Homo – Como alguém se torna o que é. GC A Gaia CiênciaGM Genealogia da Moral – uma polêmica. HH Humano, demasiado HumanoHH II Humano, demasiado Humano IIZ Assim Falou Zaratrusta

As referências a essas traduções são indicadas pelas iniciais listadas, seguidas do nú-mero do aforismo em arábico ou, da seção, mais o número da página em arábico.

IX

suMário

PREFÁCIO ................................................................................................................. XI

INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 1

CaPítulO 1CORPO E TÉCNICAS: DA ASCESE À BIOASCESE ...................................... 71.1. Antiguidade tardia: Relação corpo e alma .................................................... 91.2. Corpo como relação ética e estética na idade média ................................... 161.3. Corpo anatomizado e tornado ‘res’ ............................................................... 221.4. Do homem máquina à bioascese .................................................................... 33

CaPítulO 2NIETZSCHE E A ARQUEOLOGIA DE UMA TRAGÉDIA: ORDENAÇÃO DO CORPO POTÊNCIA .......................................................... 422.1. Nietzsche e o corpo como fio condutor ....................................................... 472.2. Corpo e crítica da modernidade política ...................................................... 572.3. Nietzsche e biopolítica? .................................................................................... 69

CaPítulO 3FOUCAULT E A AURORA DA BIOPOLÍTICA: DA DISCIPLINA DO CORPO À REGULAÇÃO DO VIVENTE................................................... 773.1. Corpo e poder .................................................................................................... 783.2. Biopolítica e corpo ............................................................................................ 913.3. Segurança, corpo, população ........................................................................... 105

CaPítulO 4PODER E ESTRATÉGIAS POLÍTICAS CONTEMPORÂNEAS: A FACE BIOPOLÍTICA DO DIREITO NA ORDENAÇÃO DO CORPO ................. 1194.1. Corpo, biopolítica e direito ............................................................................. 1214.2. Os CAPSi: Regulamentação e tratamento dos transtornos de comportamento .................................................................................................... 131 4.2.1. Alguns aspectos da História da Assistência Psiquiátrica no Brasil 132 4.2.2. Da Legislação dos CAPS ......................................................................... 138

X

4.2.3. Sobre o Transtorno Desafiador Opositor (TDO) .............................. 1454.3. CAPSi: Tratamento dos transtornos de comportamento e a atuação biopolítica do direito ................................................................................................ 149

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 154

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 158

XI

preFácio

Scarlett Marton em um artigo intitulado Nietzsche e Hegel, leitores de He-ráclito explora essa relação de afinidade e oposição e eis que chega na admiração que ambos tinham por Heráclito. Cada um, à sua maneira, retoma o filósofo pré--socrático, porém, conforme afirma Scarlett Marton, ambos sublinham a analogia do rio e entendem que o fluxo incessante traduz o pensamento do vir-a-ser: em Hegel como o momento de ultrapassamento dialético do ser e em Nietzsche como mudança contínua de todas as coisas no mundo.

Pois bem, o desafio de escrever isso que é o começo, de prefaciar, me leva à dificuldade de se achar um começo na filosofia, como diria Hegel, vez que aquilo com o que a filosofia começa deve ser tanto mediato, quanto imediato e, ao mesmo tempo, nem um, nem outro. Aqui Hegel, leitor de Heráclito, pensa junto o começo e o fim da filosofia. Um começo sem pressupostos, um começo que pressupõe algo (o ser) e um começo que é esse algo (o ser). Claro que estou me referindo ao que é em movimento, isto é, na medida em que não é mais e vem a ser.

Por sua vez, Nietzsche, que também leu Heráclito, é anti-dialético, ou seja, não há que se pensar a partir dos opostos e da sua superação, não há totalidade que seja indispensável mas, sim, conforme Scarlet Marton, da luta travada e da transfe-rência de soberania entre eles. Vir-a-ser é aqui um princípio cósmico enquanto em Hegel é um princípio lógico. De toda sorte, é o vir-a-ser em suas interpretações que aproxima estes dois leitores de Heráclito.

Pois bem, é então este o ponto ou atalho a partir do qual eu começo: no en-contro do meu movimento (hegeliano) com o seu livro; ou a mudança de todas as coisas do mundo (Nietzsche).

Importante advertir que este não é um livro sobre Nietzsche, embora ele seja determinante no argumento da autora, a professora e pesquisadora Angela Couto Machado Fonseca. Dizendo de outra maneira, Biopolítica e Direito: fabricação e or-denação do corpo moderno, o livro ao qual somos apresentados, parte de Nietzsche, das suas inquietações e problematizações sobre o corpo. Conforme diz a autora, com Nietzsche se coloca não apenas a negação da dualidade metafísica corpo e alma, como também o questionamento da canhestrice dessa manobra e a acusação de que a história da cultura é uma história de operação sobre o biológico. O corpo potência e(m) a formação do homem, o adestramento de seus impulsos eis ao que somos/estamos submetidos política, cultural e moralmente na modernidade.

XII

Com Nietzsche e a partir dele o corpo (potência) forja danadamente a crítica que pode ser dirigida à civilização moderna, sua tradução no homem imerso em dada condição de cultura e política. Se Nietzsche desestabiliza as mais promissoras investidas modernas (e com isso nos desestabiliza) acusando a sua decadência, por outro lado, sugere a passagem para a noção contemporânea de biopolítica.

Eis o desafio a que se propõe a autora: entender os sentidos do biopoder e da biopolítica e questionar se o corpo deixa de ser pertinente ou se também a biopolítica trata de agenciamento do corpo quando trata da noção corpo-espécie. Segundo ela, Foucault percebeu claramente que técnica e ciência possibilitam a contenção do corpo a partir dele mesmo. Nas palavras da autora, a uniformização biológica e genética, angariadas pelo saber médico e científico, transportam para o mapa do corpo os critérios de sua normalidade e adequação, permitindo atuar e mover nos elementos inadequados e anormais.

Ao final, Angela Couto Machado Fonseca articula, com maestria, a matéria crítica e filosófica dos capítulos anteriores com a matéria jurídica, ou melhor, como a biopolítica tal qual pensada, escrita e vivida por Foucault funciona no campo do direito. Para tanto, ela recorre às políticas públicas de saúde mental, especificamente na assistência às crianças e aos adolescentes para, a partir destas ex-periências, pensar como a regulamentação pelo direito conforma um determinado modelo de assistência orientado pela racionalidade biopolítica.

Neste ponto da obra, a autora é implacável ao mostrar como a regulação go-vernamental opera sobre os corpos das crianças uma disciplina ou um regramento que opõe o normal ao não normal, segundo diagnósticos de transtornos mentais e, assim, submete-as – seus corpos- ao que deveria ser o padrão (normal). A operação que o direito, digo as regras, realizam sobre o corpo das crianças acerta, conserta, isto é, faz voltar à forma “normal”, repõe no andamento “normal”, refaz o que apresentava “defeitos”, põe na “ordem” ou em “melhor” disposição.

Se o livro já enredava seu leitor em sua forma (os desenhos que ilustram certas passagens são certeiros e provocativos) e conteúdo, quando, ao final, traz a expe-riência dos atendimentos ao transtorno desafiador opositor (TDO), realizados pelos Centros de Atenção Psicossocial Infanto Juvenil (CAPSI) da Prefeitura de Curitiba, coloca-nos face à face com os dilemas da biopolítica, corpo e direito e, como sugere a autora, nos provoca a questionar sobre as reificadas formas de ordenação do corpo.

O livro responde à questão acerca do que pode o corpo, qual seu estatuto, quais os limites à sua disposição ou às intervenções que pode sofrer, isto é, concilia incertezas e senso de responsabilidade. Um livro processo, tal qual pensara Nietzs-che sobre o mundo, nada estável, um campo de forças em tensão. Uma filosofia para o direito: biopolítica e a fabricação e ordenação do corpo moderno. Eis um dos trabalhos mais arrojados em filosofia e direito, cuja sensibilidade e inteligência constroem um texto forte e inquieto (como sua autora).

É preciso lembrar que a origem deste livro é a tese de doutorado apresentada pela autora, professora Angela Couto Machado Fonseca, junto ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, a qual obteve a

XIII

nota máxima atribuída pela banca examinadora, da qual tive o prazer de participar, junto aos colegas professores: Celso Luiz Ludwig (orientador), José Antônio Peres Gediel, André Macedo Duarte e Maria Rita Assis César. A sugestão da publicação pela banca reitera não somente a excelência da tese, contemplada na nota obtida, mas, também, o seu caráter inovador e desafiador para a filosofia e o direito, ao serem atravessados pela biopolítica e a ordenação do corpo.

A minha dificuldade em escrever o prefácio, em achar um começo, está ape-nas, provisoriamente, aliviada pela contingência de ter que colocar um ponto nis-to. Ou, com o socorro de Hegel, começo ou fim, o que importa é o movimento.

New Haven, dezembro, 2015.

VERA KARAM DE CHUEIRIProfessora de direito constitucional.

Programas de graduação e pós-graduação em direito da UFPR.