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1 Fundação Oswaldo Cruz Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães Departamento de Saúde Coletiva Programa de Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva RECIFE 2007 RACIONALIZAÇÃO DE GASTOS: Uma abordagem discursiva da diretriz que ameaça o SUS FABIANA DE OLIVEIRA SILVA

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1

Fundação Oswaldo Cruz

Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães

Departamento de Saúde Coletiva

Programa de Residência Multiprofissional em Saúde C oletiva

RECIFE 2007

RACIONALIZAÇÃO DE GASTOS:

Uma abordagem discursiva da diretriz que ameaça o S US

FABIANA DE OLIVEIRA SILVA

FABIANA DE OLIVEIRA SILVA

A RACIONALIZAÇÃO DE GASTOS:

Uma abordagem discursiva da diretriz que ameaça o S US

Monografia apresentada ao Programa de

Residência Multiprofissional em Saúde Coletiva do

Departamento de Saúde Coletiva, Centro de

Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo

Cruz, como requisito para obtenção do título de

Especialista em Saúde Pública.

Orientador: Itamar Lages

RECIFE 2007

FABIANA DE OLIVEIRA SILVA

A RACIONALIZAÇÃO DE GASTOS:

Uma abordagem discursiva da diretriz que ameaça o S US

Aprovado em: _____/_____/________. Monografia aprovada como requisito parcial à obtenção do título de

Especialista no Curso de Pós-Graduação latu sensu de Residência

CPqAM/FIOCRUZ/MS, pela Comissão formada pelos Professores:

Banca Examinadora: Orientador: ______________________________________________

Ms Itamar Lages Universidade de Pernambuco

Debatedora: ______________________________________________

Ms Maria do Socorro Veloso de Albuquerque Universidade Federal de Pernambuco

AGRADECIMENTOS

A Deus, por sua presença constante em toda a minha vida e pelo cuidado amoroso

que Ele revela em cada amanhecer;

A minha família, por existir. Eu os amo muito!! E, especialmente, aos meus Pais,

pelo exemplo de força, trabalho e dedicação.

A Beto, cujo sorriso é uma das mais belas imagens que já pude contemplar, pelo

seu amor e incentivo que inspiram força e esperança a cada dia;

Ao Prof. Itamar Lages, grande companheiro, militante e incentivador, pela orientação

e contribuição no meu processo de formação. A conclusão desse trabalho só foi

possível por causa de sua dedicação;

A minha turma de residência, pelos momentos que temos vivido juntos;

A APRESC e ao CORES, pelos sonhos que sonhamos juntos, pelo companheirismo

na militância, pela amizade e ideal que nos une;

A equipe da secretaria de Saúde de Jaboatão dos Guararapes, especialmente a

Josilene Félix, Arichele Queirós e Ligia Braga pelo acolhimento e calorosas

discussões que muito contribuíram durante o período de estágio;

A equipe da Diretoria Geral de Regulação do Sistema da Secretaria de Saúde do

Recife, pelo carinho e contribuição na minha formação, especialmente a Lídia Lira e

a Luzis pelo acolhimento e preceptoria;

A equipe de funcionários da Secretaria Acadêmica do CPqAM, pela competência e,

especialmente, a Janice, pela tolerância;

Aos funcionários da Biblioteca do CPqAM, pela atenção dispensada e,

especialmente, a Márcia e Mégine pelo carinho com que nos atende.

“Enquanto a teoria não mostrar o significado da prática

imediata dos homens, enquanto a experiência comum da vida

for mantida sem crítica e sem pensamento, a ideologia se

manterá”.

Marilena Chauí (1983)

“O sonho pelo qual brigo exige que eu invente em mim a

coragem de lutar ao lado da coragem de amar”.

Paulo Freire

RESUMO

Esse trabalho tomou como objeto de análise discursiva a permanência das

condições de produção, as relações de sentidos e de forças do discurso da

racionalização de gastos no texto das Portarias MPAS 3.046/82 e GM/MS 1.101/02.

A racionalização de gastos enquanto diretriz que pauta o modelo residual de

políticas sociais foi verificada na exposição deste estudo, na Portaria 3.046/82, onde

a subjetividade dessa diretriz não precisou ser desvelada, e os sentidos produzidos

foram de instituir um mecanismo de controle, avaliação e auditoria para verificar a

produtividade e resolutividade e evitar desperdícios financeiros; favorecer a

consolidação dos princípios de focalização, descentralização e privatização nos

subsistemas estatal (onde pretendeu implementar um modelo residual de atenção

primária), de atenção médica supletiva e de alta tecnologia; e na Portaria 1.101/02

onde a permanência dessa subjetividade é condicionada pela política econômica de

ajuste fiscal que inicia na década de oitenta e chega até o ano de publicação da

referida portaria. Assim, percebe-se que medidas econômicas atingem as políticas

sociais de modo que durante todo o tempo há uma tensão de sentidos: desenvolver-

se de acordo com os pressupostos estabelecidos na Constituição Federal de 1988,

os quais se pautam pelo modelo institucional-redistributivo de políticas sociais, ou

praticar a modalidade residual de políticas sociais.

Descritores: Racionalização; Portarias; Sistema Único de Saúde; Políticas de Saúde.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CAP Caixa de Aposentadoria e Pensão

CNS Conferência Nacional de Saúde

CONASP Conselho Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária

FAS Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social

GM/MS Gabinete do Ministro do Ministério da Saúde

IAP Instituto de Aposentadoria e Pensão

INAMPS Instituto Nacional da Assistência Medica da Previdência Social

INPS Instituto Nacional da Previdência Social

MPAS Ministério da Assistência e Previdência Social

PNS Projeto Neoliberal da Saúde

PRS Projeto da Reforma Sanitária

SAMS Sistema de Atenção Médica Supletiva

SAS Secretaria de Assistência a Saúde

SIA Sistema de Informações Ambulatoriais

SNS Sistema Nacional de Saúde

SUS Sistema Único de Saúde

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 08

1.1 Sobre a imbricada relação entre a busca por ações de saúde e os

modelos tecnoassistenciais 08

1.2 Modelo tecnoassistencial e Planejamento em Saúde 11

1.3 Problematização 12

2 OBJETIVOS 16

2.1 Objetivo Geral 16

2.2 Objetivo Específico 16

3 CAMINHO METODOLÓGICO 17

4 UMA BREVE E ESPECÍFICA EXPOSIÇÃO DAS CONDIÇÕES DE

PRODUÇÃO DO DISCURSO DA RACIONALIZAÇÃO DE GASTOS. 20

5 FLAGRANTES DISCURSIVOS DA DIRETRIZ DE RACIONALIZAÇÃO

DE GASTOS NAS PORTARIAS MPAS 3.046/82 E GM/MS 1.101/02 23

5.1 A Portaria MPAS 3.046/82 23

5.2 A Portaria GM/MS 1.101/02 28

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 34

7 REFERÊNCIAS 36

8

1 INTRODUÇÃO

Há muito tempo o ser humano busca meios que possam atendê-lo no

tratamento de doenças. Na medida em que pôde se organizar econômica e

socialmente, também começou a se preocupar com a proteção e a promoção da

saúde.

Nos tempos antigos essa busca era dirigida à religião que disciplinava os

corpos individuais e coletivos; na idade moderna, esse lugar de poder passou a ser

ocupado pelo Estado através de um modelo tecnoassistencial de abordagem

coletiva chamado de Medicina Social, e pelo Mercado que buscava atender às

demandas individuais (FOUCAULT, 1997).

Desde então, é possível observar o desenvolvimento de ações

governamentais com o objetivo de intervir sobre as condições de morbimortalidade

da população. Assim, a política de saúde, surge “como a ação ou omissão do

Estado diante dos problemas de saúde e seus determinantes, bem como da

produção, distribuição e regulação de bens, serviços e ambientes que afetam a

saúde dos indivíduos e da coletividade” (PAIM, 2003).

Ao longo das décadas, diversas políticas de saúde têm sido implementadas e

em meio às mudanças, a busca por assistência à saúde, permanece, porque se trata

de uma necessidade humana básica (PEREIRA, 2000).

1.1 Sobre a imbricada relação entre a busca por açõ es de saúde e os modelos

tecnoassistenciais

A busca por assistência à saúde tem sido, no Brasil, empreendida

predominantemente por indivíduos, tanto porque esse movimento resulta de uma

determinação subjetiva, quanto pela forte cultura de valorização da demanda

espontânea que tem sido politicamente instituída por vários sistemas de saúde para

viabilizar a prestação da assistência como uma ação caridosa, ou como um bem

acessível aos que têm algum mérito por estar contribuindo com o acúmulo de

capital, ou ainda como um artigo de mercado. Esses sentidos de organização

9

tecnoassistencial são orientados por um certo corpo de conhecimentos que se

fundamenta na primazia do econômico frente ao desejo e ao direito de recuperação,

proteção e promoção da saúde. Isso significa que os conhecimentos instruem a

execução do trabalho e a organização das ações e serviços de saúde para atender

parcialmente ao desejo de quem busca, e plenamente o interesse de quem presta

assistência. O usuário é atendido em parte, porque o modelo tecnoassistencial capta

o seu desejo apenas naquilo que concerne ao interesse do prestador, que por sua

vez integra um grupo social comprometido com um projeto político baseado na

caridade, ou melhor, na filantropia, na meritocracia ou no mercantilismo, portanto,

afinado com as perspectivas de um Estado liberal ou neoliberal (MERHY et al.,

1991; MERHY, 1997; MENDES, 1995).

O modelo de atenção à saúde a que o parágrafo anterior se refere é o

assistencial-privatista, cuja formação começou a se estabelecer em 1923 com as

Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAPs), passando pelos Institutos de

Aposentadoria e Pensão (IAPs), até se consolidar pelas ações do INPS e do

INAMPS e se atualizar no Projeto Neoliberal da Saúde (PNS) (MENDES, 1995).

O PNS surgiu como estratégia de continuísmo do modelo médico-assistencial

privatista e consolidou sua hegemonia nos anos oitenta do século XX quando o

Brasil enfrentava graves problemas em sua economia e uma intensa mobilização

social para superar as legislações e práticas políticas da ditadura instalada em 1964.

Mendes (1995) afirma que o PNS reorganizou a pirâmide da atenção à saúde,

subtraindo dela os subsistemas privado contratado e conveniado tradicional e

moderno, para desenvolver os seus princípios de focalização, descentralização e

privatização nos subsistemas de alta tecnologia, de atenção médica supletiva e

estatal.

Dessa maneira, o PNS busca contemplar toda a sociedade, mesmo aqueles

destituídos de trabalho e renda, aos quais, através do subsistema estatal, procura

oferecer um determinado conjunto de ações de saúde. O PNS orienta ainda o

repasse das responsabilidades do Estado para outros agentes sociais, e,

conseqüentemente, o financiamento da assistência executada. É importante

ressaltar que a focalização, a descentralização e a privatização buscam viabilizar a

10

efetividade da diretriz de racionalização de gastos que orienta o modelo residual de

políticas sociais de um Estado liberal.

O PNS é um modelo que, dentre outras coisas, se caracteriza pela dicotomia

entre os campos da clínica, da saúde pública e da promoção da saúde, entre as

pessoas que podem custear a assistência clínica diretamente ou por convênios, e os

que dependem do SUS, e pela ênfase no gerenciamento do processo de produção e

o consumo das ações de saúde, motivo pelo qual, a partir da análise do processo de

trabalho, Merhy (2000) o denomina de Modelo de Atenção Gerenciada. Acrescente-

se que essa modalidade tecnoassistencial não é exclusiva da rede privada de

serviços, mas se estende, inclusive a determinadas maneiras de condução do

Programa de Agentes Comunitários de Saúde e do Programa Saúde da Família, por

exemplo.

Desde 1988 têm sido feitos esforços técnicos, ideológicos e políticos, de

dentro e de fora do Estado para construir um modelo tecnoassistencial integralizado,

universal e equânime como direito de cidadania e dever do Estado, referido pelo

Projeto da Reforma Sanitária (PRS) e, portanto, contrário ao PNS.

O PRS é um projeto contra-hegemônico criado no âmago das lutas sociais da

década de setenta do século passado, quando o autoritarismo político ainda se fazia

exercer. A primeira vitória desse projeto aconteceu na VIII Conferência Nacional de

Saúde (VIII CNS) realizada em 1986, quando essa instância de participação social

deliberou favoravelmente pelas suas propostas; a segunda consistiu na inclusão de

várias propostas do relatório final da VIII CNS na Lei Magna promulgada em outubro

de 1988, e a terceira, quando o SUS foi regulamentado (BRASIL, 1988; 1990).

O principal propósito do PRS é de realizar no Brasil a sua concepção de

saúde com direito de cidadania que implica em criar condições de acesso universal

e equânime às ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, organizadas

em uma rede de serviços de diferentes níveis de complexidade e densidade do

Sistema Único de Saúde (SUS). Esse intento, ainda que avançado no aporte

jurídico, tem sido lentamente conquistado no cotidiano. Em alguns municípios e

estados brasileiros, isso tem acontecido com a implementação de modelos

11

tecnoassistenciais como foram os casos do saudicidade em Curitiba, defesa da vida

em Campinas e silos-Bahia na Bahia (SILVA JÚNIOR, 1998).

Uma outra diferença se impõe ressaltar neste estudo entre os mencionados

projetos políticos de atenção à saúde. Embora ambos possam se pautar pela diretriz

da racionalização de gastos, os sentidos produzidos devem tender para caminhos

distintos, pois o PNS, orienta a prática assistencial pelo modelo residual de políticas

sociais, e por isso mesmo, fundamenta a organização das ações e serviços nos

princípios da focalização, descentralização e privatização; o PRS, por outro lado,

não enfatiza a referida diretriz embora a utilize, pois sendo um projeto institucional-

redistributivo, beneficiado pelo mecanismo da seguridade social deve alcançar a

eficácia e eficiência na prestação universal, equânime e integralizada de assistência

à saúde.

Um lugar da organização de ações e serviços onde o PNS tem alcançado

êxito é o da média complexidade, no qual a iniciativa privada opera o Subsistema de

Atenção Médica Supletiva (SAMS). As dificuldades surgidas para o PRS nesse

campo específico, tem sido determinadas pela política econômica neoliberal

praticada de 1990 até então, e isso se verifica, ainda que implicitamente, através de

medidas pautadas pela diretriz da racionalização de gastos que tem sido

discursivamente praticada nos instrumentos normativos que orientam a gestão do

SUS. O efeito prático disso pode ser verificado na dificuldade de encaminhamento

dos serviços de atenção básica para os de média complexidade, onde se pode

constatar sem muito esforço uma elevada demanda reprimida aos serviços de média

complexidade do SUS.

1.2 Modelo tecnoassistencial e Planejamento em Saúd e

O fortalecimento institucional de qualquer modelo tecnoassistencial exige a

execução de medidas orientadas por certos princípios e procedimentos do

Planejamento. Esta ciência pode servir aos propósitos do PNS e do PRS, mas não

12

com a mesma abordagem. Ou seja: o Planejamento que se presta à consolidação

de um, não pode servir ao propósito contra-hegemônico do outro.

Isso significa que Política e Planejamento se vinculam estritamente para

potencializar um certo efeito desejado. Por outro lado, significa ainda que um modelo

tecnoassistencial é estruturalmente constituído por uma certa abordagem de

Planejamento (MERHY, 1995).

O PNS é herdeiro de um modelo assistencial que se consolidou a partir da

abordagem normativa do Planejamento proposto pela Organização Pan-americana

de Saúde. Da crítica a esse modelo teórico que se pautava pela ênfase ao

economicismo, surgiram duas grandes abordagens – o planejamento estratégico

situacional e o pensamento estratégico – que têm sido muito utilizadas para definir e

implementar os modelos tecnoassistenciais vinculados ao PRS (MERHY, 1995).

A abordagem do planejamento normativo tem sido, particularmente, utilizada

com a efetiva contribuição dos intelectuais à diretriz de racionalização de gastos que

pauta o modelo residual de políticas sociais quando se dirige a orientar o acesso a

serviços de média complexidade. Superar essa abordagem que dá o consentimento

ideológico requerido pelos grupos que defendem o PNS e postulam os seus

princípios, é uma tarefa dos intelectuais que se referem pelo PRS. Nesse sentido,

este estudo é uma forma, ainda que modesta, de oferecer uma pequena

contribuição na realização dessa tarefa.

1.3 Problematização

De 1982 até então, as orientações técnicas sobre como os gestores públicos

do setor saúde devem estimar as necessidades assistenciais de saúde são dadas

pela portaria MPAS Nº 3.046/82 e, mais recentemente, pela portaria GM/MS Nº

1.101/02, embora a primeira tenha sido criada no contexto do Sistema Nacional de

Saúde, cujas diretrizes políticas produzem sentidos totalmente distintos daqueles

que interessam ao SUS. Essas portarias definem parâmetros de necessidades de

13

consultas, procedimentos e internações, buscando dar subsídios para o

planejamento assistencial da média e alta complexidade em um dado território

(BRASIL, 1982, 2002).

Os valores de referência de cada parâmetro são definidos pelas incidências

nacionais médias de consultas e procedimentos. Essa metodologia é tratada neste

estudo como ética e politicamente inadequada aos princípios do SUS, visto que

produz efeitos como o de dificultar o acesso de pessoas dos estratos sociais

inferiores às ações e serviços públicos de média complexidade, pois as incidências

nacionais médias de consultas e procedimentos não têm correspondido com o

quantitativo de pessoas que necessitam de ações e serviços do nível intermediário

de assistência à saúde. Além desse grave problema, essa metodologia também trata

de reforçar a desigualdade entre municípios e fortalecer o subsistema de assistência

médica supletiva do PNS.

Disso decorre o entendimento de que as instruções feitas pelas Portarias Nº

3.046/82 e Nº 1.101/02 implicam em ameaçar o processo de institucionalização da

assistência integralizada, universal e equânime definido como direito de cidadania e

dever do Estado (BRASIL, 1988), pois se orienta pela diretriz da racionalização de

gastos do modelo residual de política social, determinada pela política econômica

neoliberal que tem sido sistematicamente praticada pelos governos desde 1990.

A racionalização de gastos é tomada neste estudo como um discurso e as

portarias Nº 3.046/82 e Nº 1.101/02 como práticas discursivas que se expressam em

textos polissêmicos nos quais se travam relações de forças. Essa maneira de tratar

a racionalização de gastos corresponde a uma construção teórica fundamentada na

Análise de Discurso (ORLANDI, 2001).

O entendimento da racionalização de gastos como um discurso, se baseia na

explicação de que a sociedade, o Estado e a Sociedade Civil, se fundamentam e

organizam sobre as estruturas econômica, ideológica e política (CARNOY, 1988).

Ao conquistar a direção do Estado, o grupo dirigente e os demais que

integram a sociedade política buscam realizar a hegemonia dos seus valores, idéias

14

e crenças, criando e implementando diversas políticas de acordo com o

entendimento sobre que setores devam regular e/ou agir diretamente. Ou melhor,

empreendem diversas ações de cunho ideológico para se sobrepor aos demais

grupos, principalmente os da classe-que-vive-do-trabalho (ANTUNES, 1999).

Sejam econômicas ou sociais essas políticas são desdobradas a partir de

diretrizes – como a de racionalização de gastos – para responder prioritariamente ao

interesse de corrigir, consolidar e desenvolver o sistema econômico. E conseguem

essa finidade exercendo a coação e usufruindo o consentimento (GRAMSCI,1971

apud CARNOY, 1988) que lhe é dado principalmente pelos intelectuais que no

âmbito da Sociedade Civil, representam a escola, chamada por Althusser (1996), de

aparelho ideológico de Estado.

Coação e consentimento se exprimem por meio de práticas discursivas, como

os textos das portarias ministeriais examinadas neste estudo, que se fundamentam

e veiculam diretrizes, as quais, enquanto discurso, visto que expressam uma certa

concepção ideológica da realidade (ORLANDI, 2001), produzem sentidos, que visam

conservar e/ou inovar aspectos concernentes às políticas e ao propósito de corrigir

falhas, consolidar e desenvolver o sistema econômico.

Essa intenção, por sua vez, depende do valor que é dado às necessidades

humanas básicas, como a de atenção à saúde, e como se sabe, esse, como todos

os valores são ideológicos, visto que encerram uma certa visão de mundo

(ORLANDI, 2001). No capitalismo, a atenção à saúde e outros imperativos das

condições de existência, estão submetidos à lógica de desenvolvimento do capital,

ou seja: não devem ser tratados de maneira que ameace o volume corrente dos

ganhos financeiros obtidos pelos grupos que se sustentam às custas de trabalho

(ANTUNES, 1999).

Isso não significa que o capitalismo seja omisso às necessidades humanas,

mas sim que defende a sua satisfação principalmente no mercado, e

secundariamente nos serviços prestados pelo Estado. Para isso o Estado é

orientado pelo capitalismo – liberal, neoliberal ou estado de bem-estar social – a agir

de acordo com um dos modelos de política social: o residual, o meritocrático e o

15

institucional-redistributivo de políticas sociais. O primeiro dirige o Estado a satisfazer

minimamente as necessidades humanas básicas de um quantitativo delimitado de

pessoas; o segundo a favorecer aqueles que alcançam méritos definidos por quem

está no poder público; o terceiro norteia o Estado a beneficiar toda sociedade, pois

cada indivíduo desta é considerado um sujeito de direito, ou melhor, um cidadão

(TITMUS, 1983 apud CARVALHO et al., 1998). O liberalismo e o neoliberalismo

priorizam os dois primeiros, e o estado de bem-estar social enfatiza o terceiro

modelo de política social. Os três, em seus muitos textos, são portadores do

discurso da racionalização de gastos, ainda que produzindo diferentes sentidos.

Em suma: a diretriz de racionalização de gastos, constitutiva do modelo

residual de políticas sociais e especificamente do SNS, em cujo âmbito orientava a

estimativa de necessidades de saúde, permanece orientando a operacionalização

da gestão do SUS. A permanência dessa diretriz se realiza por meio da prática

discursiva de edição de portarias que produzem sentidos que favorece o PNS.

16

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Analisar o discurso da racionalização de gastos no âmbito do SUS nas

práticas discursivas exercidas pela Portarias MPAS 3.046/82 e GM/MS 1.101/02.

2.2 Objetivos Específicos

a) Descrever as condições que têm assegurado a permanente produção do

discurso da racionalização de gastos no setor público de saúde;

b) Descrever os sentidos produzidos por esse discurso nas portarias 3.046/82 e

1.101/02.

3 CAMINHO METODOLÓGICO

17

Nesse trabalho, tomamos como objeto de análise discursiva a permanência

das condições de produção, as relações de sentidos e de forças do discurso da

racionalização de gastos, uma diretriz que pauta o modelo residual de políticas

sociais e que orienta os gestores do SUS a estimar as necessidades de saúde como

se pode verificar nas portarias MPAS Nº 3.046/82 e a GM/MS Nº 1.101/02.

Para tratar esse assunto se fez à escolha da Análise de Discurso (AD), cujo

principal fundador foi Michel Pêcheux (1996, 1997a, 1997b), uma ciência

interpretativa que se apóia no postulado do inconsciente da Psicanálise, no

materialismo histórico do Marxismo e na estrutura da língua para analisar o discurso,

suas condições de produção, e os sentidos que produz (ORLANDI, 1987, 1996,

2001).

A análise de discurso concebe a linguagem como uma mediação necessária

entre o homem e a realidade natural e social. Na análise de discurso, procura-se

compreender a “língua fazendo sentido” (ORLANDI, 2001).

[...] a Análise de Discurso considera que a linguagem não é transparente. Desse modo ela não procura atravessar o texto para encontrar um sentido do outro lado. A questão que ela coloca é: como este texto significa? Como este texto produz significado? (ORLANDI, 2001).

As Portarias MPAS Nº 3.046/82 e a GM/MS Nº 1.101/02 foram tomadas como

textos de uma prática discursiva. Textos, não no sentido comum que é atribuído ao

termo, mas sim no que lhe é dado pela AD, de uma construção simbólica, com uma

dada materialidade, no interior do qual estão os discursos. As Portarias, por outro

lado, se prestam bem aos procedimentos da AD porque são constituídas por uma

linguagem de um espaço de poder, ou seja, por uma instituição que, segundo

Pêcheux (1996) é um lugar onde se processam as condições ideológicas de

reprodução/transformação das relações de produção.

18

No processo analítico, a leitura sucessiva das Portarias foi um procedimento

técnico que buscou apreender fragmentos discursivos referentes ao objeto de

estudo: a permanência do discurso da racionalização de gastos e os sentidos

produzidos. Esse procedimento é chamado de-superficialização por Orlandi (2001).

Proceder-se-á primeiramente com esse procedimento que é a fase de exploração

textual, identificando as idéias centrais das portarias e buscando delinear os

fragmentos de texto, cujo dizer, ou não dizer, remetem à diretriz de racionalização

de gastos.

Os dizeres não são, como dissemos, apenas mensagens a serem decodificadas. São efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de aprender. São pistas que ele aprende a seguir para compreender os sentidos aí produzidos, pondo em relação o dizer com sua exterioridade, suas condições de produção. Esses sentidos têm a ver com o que é dito ali, mas também com o que poderia ser dito e não foi. Desse modo, as margens do dizer, do texto, também fazem parte dele. (ORLANDI, 2001)

Esses recortes textuais são na realidade, “fatos da linguagem” que possuem

memória – posto que evoca outros discursos - e materialidade lingüístico-discursiva

(ORLANDI, 2001). O conjunto organizado desse material é chamado na AD, de

corpus. Foi a partir dele, das questões que esse estudo coloca e do aporte teórico

do campo do planejamento da saúde que se construiu o processo analítico para

responder as questões de estudo.

A seguir passou-se à fase de análise temática dos documentos, focalizando

as representações, expectativas e memórias evocadas para focalizar os núcleos de

sentido e suas principais categorias. Vale salientar que a AD não toma o texto como

objeto final de sua explicação, mas

[...] como unidade de análise que lhe permite ter acesso ao discurso... Uma vez atingido o processo discursivo que é responsável pelo modo como o texto significa, o texto ou textos analisados desaparecem como referências específicas para dar lugar a

19

compreensão de todo um processo discursivo do qual eles – e outros que nem conhecemos – são parte (ORLANDI, 2001).

Na última etapa da análise, se teceu as relações críticas entre as idéias,

explícitas e implícitas das Portarias com base no referencial teórico adotado. Assim,

buscou-se identificar o discurso da racionalização de gastos, seus condicionantes

produtivos e seus sentidos.

4 UMA BREVE E ESPECÍFICA EXPOSIÇÃO DAS CONDIÇÕES D E PRODUÇÃO

DO DISCURSO DA RACIONALIZAÇÃO DE GASTOS.

20

Até a metade do século XX, a economia brasileira tinha como principal eixo

de sustentação um modelo de desenvolvimento agroexportador, cujo principal

produto de enriquecimento das elites brasileiras era o café.

Esse modelo de economia estimulou um intenso fluxo migratório para as

regiões rurais onde era cultivado o café. Além disso, os portos também se tornaram

pontos estratégicos no processo de cumulação do capital desenvolvido nesse

período. Esses aspectos do contexto sócio-demográfico desse modelo produtivo

requeriam ações de saúde para as grandes massas populacionais com o objetivo de

evitar a propagação de grandes epidemias. Por isso, desde o final do século XIX até

a metade dos anos sessenta, se praticou o sanitarismo-campanhista como modelo

hegemônico de assistência à saúde (MENDES, 1995).

Em meados da década de 50, o Brasil vivenciou um intenso processo de

industrialização que determinou um deslocamento do pólo dinâmico da economia

para os centros urbanos e gerou uma massa operária que deveria ser atendida, com

outros objetivos, pelo sistema de saúde. Esse processo de industrialização, que pôs

fim ao modelo econômico agroexportador, induziu ao aparecimento, e

posteriormente, a uma hegemonização do modelo médico-assistencial privatista

(MENDES, 1995).

As principais características do modelo médico-assistencial privatista são: a

extensão da cobertura previdenciária; o privilegiamento da prática médica curativa,

individual, assistencialista e especializada; a criação, através da intervenção estatal,

de um complexo médico-industrial; e o desenvolvimento de uma prática médica

orientada em termos de lucratividade do setor saúde propiciando a capitalização da

medicina e favorecimento do produtor privado desses serviços (OLIVEIRA;

TEIXEIRA, 1986 apud MENDES, 1995).

Vale ressaltar que concomitante a “ampliação” do espectro de ações da

Previdência Social, vivenciado nesse período, revelava-se também o caráter

discriminatório da política de saúde, na medida em que se observava as

desigualdades no acesso quantitativo e qualitativo das populações urbanas e rurais,

21

processo esse que foi denominado de “universalização excludente” (MENDES,

1995).

A partir da metade da década de 70, começou a delinear-se um quadro

econômico marcado por dificuldades no cenário nacional e internacional. Nesse

período, observa-se um movimento de pressão política para contenção de despesas

por parte do Estado. E nesse panorama,

As políticas compensatórias são formas alternativas encontradas pelo Estado para resolver a contradição que existe entre as exigências político-ideológicas de expansão das políticas sociais e o incremento de seus custos num quadro de crise fiscal. (MENDES, 1995).

Nesse período, observa-se um crescente movimento, defensor da primazia da

política econômica sobre as políticas sociais, que argumentava a necessidade de

“desenvolver e expandir uma modalidade assistencial de baixo custo para os

contingentes populacionais excluídos pelo modelo médico-assistencial privatista”. E

nesse momento surge no cenário internacional a proposta dos cuidados primários,

acordada em Alma – Ata, em 1978, que foi usada, equivocadamente, como mais um

argumento a favor da focalização da ação estatal no campo da atenção primária a

saúde (MENDES, 1995).

Assim, começa a desenvolver-se, no Brasil, a proposta de atenção primária seletiva, concebida na sua concepção estreita de um programa, executada com recursos marginais, dirigidos a populações marginalizadas de regiões marginalizadas através da oferta de tecnologias simples e baratas, providas por pessoal de baixa qualificação profissional, sem possibilidades de referência a níveis de maior complexidade tecnológica [...] (MENDES, 1995).

Essa proposta de atenção primária que prevaleceu no Brasil, nesse período,

baseia-se no entendimento reducionista da saúde, que busca minimizar as

demandas por assistência a saúde através da implementação de programas de

medicina simplificada e atuação focal sobre alguns grupos de risco. Diferentemente

22

da atenção básica defendida num entendimento mais amplo do processo saúde-

doença e enquanto uma estratégia de reordenação de recursos num modelo

tecnoassistencial que prime pela universalidade, equidade e integralidade da

assistência.

5 FLAGRANTES DISCURSIVOS DA DIRETRIZ DE RACIONALIZA ÇÃO DE

GASTOS NAS PORTARIAS MPAS Nº 3.046/82 E GM/MS Nº 1. 101/02

23

Recortes das Portarias que expressam fatos de linguagem concernentes à

busca do discurso da racionalização de gastos, as condições objetivas que

propiciaram a presença dessa subjetividade ideológica e os sentidos em uma e outra

normativa institucional são aqui apresentados, na tentativa de se buscar uma

descrição integrada e dialética.

5.1 A Portaria MPAS Nº 3.046/82

A Portaria Nº 3.046 foi publicada pelo MPAS em julho de 1982, estabelecendo

normas para a realização de contratos e convênios de assistência médica, no âmbito

da Previdência Social, e parâmetros para subsidiar o planejamento das atividades

assistenciais do então Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência

Social (INAMPS).

O principal objetivo desta portaria foi de organizar o setor saúde e para isso

fazia a seguinte justificativa:

[...] a prestação de serviços de assistência médica a cargo do INAMPS está sujeita a limitações de ordem orçamentária que devem ser rigorosamente obedecidas... o sistema atualmente em vigor se ressente de reduzidos índices de produtividade e resolutividade, subtilização de serviços próprios e insatisfatória qualidade de atendimento, além de resultar em numerosas distorções e gastos crescentes e imprevisíveis, dada a inexistência de mecanismos adequados de correção, contenção e fiscalização. (BRASIL, 1982).

Essa portaria foi o primeiro instrumento criado pela principal instância que

definia a Política Nacional de Saúde naquele período – o MPAS, para estabelecer

parâmetros de referência para o planejamento assistencial. Para tanto foi utilizada

uma metodologia de construção dos parâmetros cujos limites de cálculo foram

bastante estreitos e coerentes com a Política de Saúde – o Sistema Nacional de

Saúde – praticada pelo Estado na sua relação com a população brasileira. Na

formulação desses parâmetros considerou-se

24

Os parâmetros internacionalmente recomendados para cobertura assistencial à população em geral nos países em desenvolvimento; o percentual médio de beneficiários da Previdência Social na população urbana; as incidências nacionais médias por especialidade observadas na Previdência nos últimos cinco anos; as necessidades de serviços complementares por especialidade, em área ambulatorial (com base em opiniões de especialistas e experiências nas superintendências Regionais que efetuaram trabalho experimental de racionalização nesta área). (BRASIL, 1982).

Assim, foram estabelecidos parâmetros de cobertura assistencial, cujo

objetivo era estimar as necessidades assistenciais da população beneficiária urbana,

e parâmetros de produtividade para estimar a capacidade de produção dos recursos

assistenciais (serviços de saúde e profissionais). Os valores de referência

estabelecidos abrangiam as consultas médicas de urgência e emergência, clinicas

básicas (clinica médica, pediatria, ginecologia, obstetrícia e cirurgia geral), consultas

médicas especializadas, consultas odontológicas, serviços complementares

(patologia clinica e radiologia), internações (necessidade de internações e leitos), e

capacidade de produção (número de consultas/hora) do profissional médico e do

dentista.

A referida portaria salientava, ainda, que no planejamento das atividades

assistenciais, seriam consideradas, além desses parâmetros, as “peculiaridades

locais e regionais” (perfil epidemiológico e acesso aos serviços) e a “limitação dos

Recursos Humanos, Físicos e Financeiros disponíveis” (BRASIL, 1982).

O fato é que desde o ano anterior a publicação da Portaria a economia

brasileira estava em recessão e a área da saúde dirigida pelo INAMPS estava sendo

tratada “como um dos focos geradores dos problemas financeiros da previdência

social” (MENDES, 1995). Diante deste cenário a Portaria Nº 3.046 salientava

explicitamente o discurso da racionalidade de gastos, enquanto diretriz que buscava

organizar por um modelo residual de políticas sociais, o setor público de saúde, e os

demais subsistemas sob o fundamento da focalização, descentralização e

privatização.

25

[...] a obediência aos limites estabelecido para o presente

exercício exige a adoção imperiosa, a curto prazo, de medidas rigorosas abrangendo a reordenação do fluxo de atendimentos e o controle e racionalização dos gastos. (BRASIL, 1982).

A publicação da portaria Nº 3.046 apresentou-se então, como uma das

estratégias, de curto prazo, para viabilizar a contenção de gastos e ”representa

simbolicamente a consolidação da cultura inampsiana”, caracterizada,

principalmente, pelo planejamento, avaliação e controle paramétricos da atenção

médica, com objetivos administrativos, contábeis e financeiros, determinados pelo

fluxo de caixa da Previdência Social (MENDES, 1995).

Desta forma, a portaria 3.046 estabeleceu parâmetros que poderiam ser

aplicados

[...] aos estudos de programação assistencial desenvolvidos por ocasião da elaboração dos orçamentos programa-anuais; à análise das necessidades de expansão assistencial (criação de novos serviços próprios, convênios, contratos ou credenciamentos); à análise técnica de processos do Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS). (BRASIL, 1982).

Durante a década de 80 algumas medidas foram propostas para diminuir a

crise financeira e política da Previdência Social, dentre essas, a criação de uma

instância reguladora da saúde previdenciária. Desta forma, criou-se o Conselho

Consultivo da Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), o qual era

integrado por membros dos ministérios da Previdência Social, Saúde e Educação

que tinha como principal finalidade propor normas mais adequadas para a prestação

da assistência à saúde, bem como, indicar a alocação de recursos financeiros e

propor medidas de avaliação e controle do sistema de atenção médica (MENDES,

1995). Na portaria há uma consideração bastante importante que revela a crise

política institucional do modelo assistencial hegemônico naquele período, o médico -

assistencial privatista e apresenta, parcialmente, algumas das medidas que o

CONASP havia sugerido.

26

Considerando que o CONASP – que conta com a participação de todos os setores interessados, já tem praticamente concluída, para exame final deste Ministério, uma proposta de reorientação global dos serviços de assistência médica, a ser implantada progressivamente, com vistas ao estabelecimento de um novo modelo de atendimento que: a) a partir do estabelecimento de uma rede primária de atendimento e da hierarquização e regionalização dos serviços médicos, assegure a melhor utilização dos serviços próprios governamentais, a resolução, a nível ambulatorial, da grande maioria dos atendimentos; b) mediante a racionalização e controle dos encaminhamentos, promova a elevação da produtividade da rede governamental e contratada e reprima a tendência à realização de exames, serviços e internações desnecessárias, assim como ao uso excessivo e dispendioso de procedimentos de alta sofisticação tecnológica [...] (BRASIL, 1982).

No entanto, na mesma Portaria se admitia que até que se efetivassem as

“correções já estudadas” era necessário adotar uma política cautelosa no que se

referia a expansão da rede assistencial de forma a não comprometer os recursos

orçamentários (BRASIL, 1982). Importa fazer aqui uma digressão para dizer que se

por um lado esse esforço do CONASP contribui com a consolidação do PNS, por

outro criou um mecanismo – as Ações Integradas de Saúde – que favoreceu a

criação do SUS.

Há dois aspectos que devem ser retomados para melhor esclarecimento de

como a linguagem serve ao discurso, ocultando-o enquanto subjetividade ideológica,

e por outro, o desvela, possibilitando, mediante um trabalho analítico, a sua

identificação. O primeiro aspecto, um fato de linguagem refere-se ao texto que

justifica a edição da Portaria:

[...] o sistema atualmente em vigor se ressente de reduzidos índices de produtividade e resolutividade, subtilização de serviços próprios e insatisfatória qualidade de atendimento, além de resultar em numerosas distorções e gastos crescentes e imprevisíveis, dada a inexistência de mecanismos adequados de correção, contenção e fiscalização. (BRASIL, 1982).

27

O sistema ao qual a Portaria se refere é o Sistema Nacional de Saúde (SNS),

criado pela Lei Nº 6.229 de 1975 cuja direção competia ao Ministério da Saúde (MS)

e ao Ministério da Assistência e Previdência Social (MPAS). Ao MS cabia as ações e

serviços de saúde pública; o MPAS, por sua vez, era responsável pela assistência

médica. A ênfase que havia sido dada à assistência médica, principalmente com a

criação do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS) e prosseguiu com o

Instituto Nacional da Assistência Medica da Previdência Social (INAMPS),

consagrou o modelo médico-assistencial e o modificou no Projeto Neoliberal da

Saúde (PNS). O fato empírico é que essa assistência era amplamente prestada por

serviços privados, contratados e conveniados ao SNS, os quais operavam sem

controle, avaliação, auditoria pelo INPS que ainda assim, os financiava (MENDES,

1995; ESCOREL, 1998). Isso fez com que o SNS merecesse no relatório final da VIII

CNS, a seguinte crítica:

[...] na área da saúde, verifica-se um acúmulo histórico de vicissitudes, que deram origem a um sistema em que predominam interesses de empresários da área médico-hospitalar. O modelo de organização do setor público é anárquico, pouco eficiente e eficaz, gerando descrédito junto à população. (BRASIL, 1987).

É preciso ressaltar que de 1964 até 1974, ano em que o INAMPS foi criado, a

economia brasileira obteve um significativo crescimento, seguindo-se então uma

profunda recessão econômica durante os anos oitenta (SINGER, 1989). Foi nesse

período que a classe capitalista que opera no setor saúde, se reorganizou,

fortalecendo o subsistema de assistência médica supletiva, em substituição aos

subsistemas contratados conveniados tradicional e moderno (MENDES, 1995).

O outro aspecto diz respeito ao argumento de que os parâmetros adotados

pela Portaria são internacionalmente recomendados. A Portaria não faz referência

concreta a quem faz essa chancela, porém, fica evidente que, ao proceder com um

estudo da própria realidade de necessidades assistência à saúde, considerando a

diversidade típica de um país continental, fez a opção de provocar um efeito de

convencimento no leitor, ressaltando a “recomendação internacional”. De acordo

com a Análise de Discurso, pode-se afirmar que a redação desvela uma

subjetividade discursiva ideológica colonialista, e com ela busca alcançar o

consentimento do leitor, um gestor do sistema público de saúde.

28

Os parâmetros estabelecidos por essa portaria vigoraram durante 20 anos,

até serem substituídos, sem alterar a metodologia, em 2002, pela portaria GM/MS Nº

1.101.

5.2 A Portaria GM/MS Nº 1.101/02

A Portaria GM/MS Nº 1.101/002 foi publicada com o objetivo de “atualizar” os

parâmetros assistenciais estabelecidos pela antiga Portaria MPAS Nº 3.046/82,

considerando,

[...] a necessidade, requerida pelos gestores e pela sociedade em geral, da revisão dos parâmetros assistenciais em uso no SUS, datados de mais de vinte anos, face aos avanços verificados em vários níveis de complexidade do sistema de saúde e as necessidades da população; e a necessidade, imediata, apontada pelos gestores dos três níveis de governo, do estabelecimento de parâmetros como instrumentos de planejamento, controle, regulação e avaliação do SUS. (BRASIL, 2002).

Ao estabelecer os novos parâmetros de cobertura assistencial na 1.101,

tomou-se como base a composição da tabela do Sistema de Informações

Ambulatoriais (SIA) -SUS, e apresentou-se valores de referência para um elenco de

consultas e procedimentos bem mais extenso que o da portaria Nº 3.046/82. Foram

estabelecidos parâmetros de cobertura das consultas médicas de urgência,

especializadas, cirurgias ambulatoriais especializadas, procedimentos traumato–

ortopédicos, ações especializadas em odontologia, patologia clinica,

anatomopatologia e citopalogia, radiodiagnóstico, exames ultra-sonográficos,

diagnose, fisioterapia, terapias especializadas, próteses e órteses, anestesia,

ressonância magnética, medicina nuclear in vitro, tomografia computadorizada,

hemoterapia, entre outros.

Esses parâmetros estabelecidos na 1.101

29

[...] representam recomendações técnicas ideais, constituindo-se em referências para orientar os gestores do SUS dos três níveis de governo no planejamento, programação e priorização das ações de saúde a serem desenvolvidas, podendo sofrer adequações regionais e/ou locais de acordo com realidades epidemiológicas e financeiras. (BRASIL, 2002).

Na portaria Nº 1.101 enfatiza-se que esses parâmetros “destinam-se a

orientar os gestores no aperfeiçoamento da gestão do sus”, se constituindo em

subsídios para analisar a necessidade da oferta de serviços assistenciais, auxiliar na

elaboração do Planejamento e da Programação Pactuada e Integrada da

Assistência a Saúde, auxiliar no acompanhamento, controle, avaliação e auditoria

dos serviços de saúde no âmbito do SUS (BRASIL, 2002).

Antes da publicação desta portaria, o Ministério da Saúde submeteu esses

parâmetros a um processo de consulta pública que possibilitou a participação de um

maior número de indivíduos e grupos, ampliando a discussão para além do grupo

técnico responsável por este projeto no âmbito da Secretaria de Assistência a Saúde

(SAS), o que conferiu maior legitimidade democrática aos parâmetros estabelecidos

na 1.101. Nesse sentido, a portaria ressalta que houve

[...] ampla discussão sobre o estabelecimento de parâmetros de cobertura assistencial no âmbito do SUS, que possibilitou a participação efetiva da comunidade técnico-científica, das entidades de classe, dos profissionais de saúde, dos gestores do SUS e da sociedade em geral, na sua formulação, através da Consulta Pública SAS/MS Nº 01, 08 de dezembro de 2000 [...] (BRASIL, 2002).

Com exceção dessa consulta pública, a metodologia utilizada na construção

dos parâmetros estabelecidos na 1.101 foi idêntica ao método de elaboração dos

parâmetros da 3.046, ou seja, com base nos:

30

[...] parâmetros assistenciais, internacionalmente reconhecidos, inclusive os baseados em dados da OMS e da OPAS, para cobertura e produtividade assistencial nos países em desenvolvimento; nas estatísticas de atendimento prestado aos usuários do SUS, e as incidências nacionais, por especialidade, dos últimos 3 anos; número de internações hospitalares, de consultas médicas, odontológicas, de enfermagem e outras, de serviços complementares, inclusive de diagnose e terapia, com base em estudos e pareceres de especialistas, parâmetros assistenciais desenvolvidos e praticados em vários Estados da Federação, estudos do Ministério da Saúde, realizados com a participação de técnicos dos demais níveis de gestão do SUS e de várias instituições de saúde do país; e na Portaria MPAS Nº 3.046, de 20 de julho de 1982. (BRASIL, 2002).

Observa-se também uma lacuna na metodologia utilizada na construção

desses parâmetros, que estimam necessidades assistenciais que se inserem no

âmbito da média e alta complexidade do sistema de saúde, e ainda assim, não se

considerou a influência da extensão e do perfil da atenção básica de determinado

território na demanda por assistência especializada. Essa ausência revela e reforça

a dicotomia da constituição das políticas de saúde atuais, pois enquanto o Ministério

da Saúde preconiza e incentiva financeiramente a expansão da atenção básica,

através da Estratégia de Saúde da Família, por outro lado, não dá subsídios políticos

e financeiros para expansão da atenção especializada que seja suficiente para

atender as demandas suscitadas por esse aumento da rede assistencial básica.

Um outro aspecto bastante interessante na 1.101 é que os valores de alguns

parâmetros, por exemplo, o de necessidade de consultas especializadas de

traumato-ortopedia, oftalmologia, psiquiatria, neurologia, entre outras

especialidades, são idênticos nas duas portarias. Por exemplo, o valor estimado de

necessidade de consultas psiquiátricas é o mesmo na portaria Nº 3.046/82 e Nº

1.101/02 (2,2% do total de consultas especializadas). Não há justificativa

tecnicamente coerente para a manutenção desses valores, pois o contexto da

política de saúde vigente na década de 80 é bem distinto do atual, particularmente,

no que tange às diretrizes da Política de Saúde Mental, que hoje preconiza a

desospitalização e o acompanhamento ambulatorial dos usuários com sofrimento

psíquico.

31

Essas observações apontam para além dos aspectos metodológicos da

construção desses parâmetros, mas fundamentalmente, para uma incoerência ético-

política destes com o objetivo (declarado) da 1.101: dar subsídios para estimar

necessidades assistenciais e assim, aperfeiçoar a gestão do SUS. Essa semelhança

na constituição dos parâmetros das duas portarias que foram criadas em épocas

distintas, e com objetivos (aparentemente) distintos sugere que existe uma

permanência, ainda que velada, da diretriz política de racionalização de gastos na

orientação da portaria Nº 1.101/02.

Outro ponto que chama atenção na portaria Nº 1.101 é o estabelecimento de

parâmetros para estimar a “capacidade de produção” de alguns trabalhadores da

saúde, conforme mostra o Quadro 1.

Recursos Humanos Carga Horária Semanal Atendimentos

Assistente Social 30 horas 03 consultas/hora

Enfermeiro 30 horas 03 consultas/hora

Fisioterapeuta 30 horas 4,4 atendimentos/hora

Médico 20 horas 04 consultas/hora

Nutricionista 30 horas 03 consultas/hora

Odontólogo 20 horas 03 consultas/hora

Psicólogo 30 horas 03 consultas/hora

Psiquiatra 20 horas 03 consultas/hora

Quadro 1 - Capacidade de Produção, em consultas, de alguns Recursos Humanos da área de saúde.

Fonte: Brasil (2002)

Tomando como exemplo, o profissional fisioterapeuta, cujos recursos

terapêuticos são a cinesioterapia (exercícios físicos), eletrotermoterapia (uso de

aparelhos que produzem ondas ultrassônicas ou eletromagnéticas que requerem

atenção na definição da dose e forma de aplicação), recursos terapêuticos manuais

(manipulações vertebrais e massoterapia, quando só é possível atender um paciente

32

por vez), etc. e observando o parâmetro estabelecido nesta portaria (4,4

atendimentos/hora) para medir sua capacidade de produção é possível concluir:

• É impossível um fisioterapeuta atender usuários com agravos neurológicos,

reumatológios ou ainda, pacientes pediátricos que, comumente, apresentam

um maior grau de limitação de movimento empreender projetos terapêuticos

bem-sucedidos para quatro pacientes em apenas uma hora;

• Não é possível, para qualquer profissional da área da saúde, prestar que

assistência que seja resolutiva a um paciente sem dispor de tempo suficiente

para o estabelecimento de vinculo, acolhimento e responsabilidade no

processo de circulação de afeto usuário-terapeuta.

Mesmo que o texto da portaria acrescente que esses parâmetros podem sofrer

adequações regionais e/ou locais de acordo com realidades epidemiológicas e

financeiras, ou de acordo com “convenções sindicais, dissídios coletivos das

respectivas categorias profissionais e/ou adoção de políticas de saúde específicas,

pelo gestor”, na prática observa-se que a maioria dos gestores da saúde e técnicos

de planejamento limitam-se a observar os parâmetros já instituídos por essa portaria

(BRASIL, 2002). E foi exatamente nesse ponto que se pôde reconhecer na

orientação da Portaria em tela, um grave problema que impede de fato a

materialização do atendimento das necessidades em saúde, haja vista que para isso

há de se atentar para ofertar condições satisfatórias de trabalho. Um exemplo

marcante dos problemas gerados pela Portaria Nº 1.101 é a definição apenas

quantitativa e objetiva, além de desumanizadora, dos parâmetros de produtividade

dos profissionais de saúde.

Por fim, há mais um trecho da 1.101 que merece uma observação mais

detalhada. Trata - se de uma recomendação dessa portaria sobre o Sistema de

Atenção Médica Supletiva (SAMS).

Sugere-se, portanto, que ao se definir o perfil assistencial de

um determinado município, região, estado, etc. leve-se em consideração a importância de se pesquisar qual, realmente é a

33

população local adstrita ao Sistema de Atenção Médica Supletiva. (BRASIL, 2002)

Antes dessa “sugestão”, faz-se a citação de alguns estudos, dentre eles um

realizado por Mendes em 1998, que estimaram a população usuária do SAMS e, em

outra parte, são elencados os procedimentos disponíveis nesse sistema, sugerindo o

quanto a assistência prestada pela maioria das operadoras de planos de saúde é

completa: “Considerando a abrangência dos contratos, outro estudo mostra que

91,7% dos SAMS (exceto Planos Odontológicos) incluem: consulta, exames

complementares e internações hospitalares” (BRASIL, 2002).

Esses fragmentos textuais remetem a um argumento muito utilizado por

alguns gestores do SUS, que defende a existência de duas categorias populacionais

no campo da atenção à saúde, a sus-dependente e a usuária do SAMS, e silencia

quanto a designação técnica de cobertura universal da assistência. E, sendo assim,

faz-se necessário conhecer o perfil da população usuária dos Planos e Seguradoras

de Saúde para não incluí-la nas estimativas de necessidades assistenciais no

âmbito do SUS. Esse discurso é pernicioso à consolidação do SUS, justamente por

se opor a um dos seus princípios fundamentais, o da universalização do direito a

saúde.

Vale salientar, que a lógica gerencial do SAMS tem um sentido economicista

bastante explícito e que o acesso a determinados procedimentos (exames e

internações) é condicionado pela capacidade de pagamento do usuário. E, mais,

justamente por impor restrições ao acesso aos procedimentos mais dispendiosos é

que boa parte dos usuários desse sistema que precisam de assistência de alta

complexidade tecnológica recorre ao SUS.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se pôde verificar na exposição deste estudo, a subjetividade discursiva

e ideológica da racionalização de gastos do modelo residual de políticas sociais foi

desvelada quanto às suas condições de produção e sentidos.

34

Na Portaria Nº 3.046/82, a subjetividade discursiva e ideológica da

racionalização de gastos do modelo residual de políticas sociais não precisou ser

desvelada, e os sentidos produzidos foram de instituir um mecanismo de controle,

avaliação e auditoria para verificar a produtividade e resolutividade e evitar

desperdícios financeiros; favorecer a consolidação dos princípios de focalização,

descentralização e privatização nos subsistemas estatal (onde pretendeu

implementar um modelo residual de atenção primária), de atenção médica supletiva

e de alta tecnologia, ou seja, do Projeto Neoliberal da Saúde, mesmo considerando

as possibilidades de fortalecer o Projeto da Reforma Sanitária viabilizado em alguns

técnicos que compunham o CONASP e que, de dentro do aparelho estatal buscam

modificar o Sistema Nacional de Saúde com proposta de organizar uma atenção

primária que incluísse recursos dos ministérios da Previdência Social, da Saúde e da

Educação, ou seja, criando condições de instituir uma Política de Saúde de Estado.

Na Portaria Nº 1.101/02 a racionalização de gastos como uma subjetividade

discursiva e ideológica do modelo residual de políticas sociais se oculta, de maneira

que é preciso um esforço analítico para fazer lhe desvelar principalmente na

conservação do método que estima as necessidades de saúde, e na insistência de

desconsiderar toda a população como usuária do SUS, promovendo um silencioso

deslize substitutivo da categoria universalidade por duas outras: SUS-dependente e

SAMS-dependente.

A permanência da subjetividade discursiva e ideológica da racionalização de

gastos do modelo residual de políticas sociais é condicionada pela política

econômica de ajuste fiscal que inicia na década de oitenta e chega até o ano de

publicação da Portaria Nº 1.101. As medidas econômicas atingem as políticas

sociais de modo que durante todo o tempo há uma tensão de sentidos: desenvolver-

se de acordo com os pressupostos estabelecidos na Constituição Federal de 1988,

os quais se pautam pelo modelo institucional-redistributivo de políticas sociais, ou

praticar o mesmo, ou seja, a modalidade residual de políticas sociais.

Por fim, importa dizer que este é um estudo que busca participar, ainda que

de maneira incipiente e modesta, no esforço científico, filosófico e ideológico de

consolidação do Projeto da Reforma Sanitária, particularmente do campo específico

35

de acesso universal, equânime e integralizado às ações e serviços de média

complexidade.

As convocatórias para empreendimentos desse tipo têm sido feitas, uma das

quais, se faz questão de destacar:

[...] mais do que nunca há necessidade de nos metermos em uma empreitada filosófica, teórica e prática que procurasse responder a esses desafios de maneira inovadora. Como recuperar a vontade dos indivíduos, grupos e coletividades, de maneira a compor-se uma massa crítica apta a construir novos projetos. Projetos críticos e alternativos ao senso comum, ao niilismo e à mixórdia neoliberal [...] (CAMPOS, 1997;p.29).

Neste estudo também se buscou estabelecer um diálogo entre a saúde

Coletiva e a Análise do Discurso, e entende-se que isso pode contribuir com a tarefa

de consolidação do Projeto da Reforma Sanitária, pois o manejo dos princípios e

procedimentos dessa ciência podem ajudar a identificar não apenas o

conservadorismo e o reacionário, mas também o que se alia ao novo, à concepção

de saúde como direito de cidadania.

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