exportadores exigem governo aposta na ferrovia · portugal deve fazer um esforço de investimento...

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Exportadores exigem ao Governo aposta na ferrovia Em risco de deslocalização estão as empresas cujas mercadorias não podem ser escoadas de forma competitiva para a Europa A competitividade das ligações ferroviárias de Portugal à Eu- ropa deve ser a grande aposta do Programa Nacional de Investimentos a financiar pelo próximo quadro de fun- dos comunitários, o Portugal 2030. É o que defendem grandes empresas e associ- ações ao Expresso. Mário Lopes, o professor do Instituto Superior Téc- nico que tem trabalhado no tema da ferrovia com a CIP, até prefere que o Governo lhe aumente me- nos o ordenado para que pos- sa investir na ferrovia em

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Page 1: Exportadores exigem Governo aposta na ferrovia · Portugal deve fazer um esforço de investimento anual na ordem dos €1000 milhões na ferrovia para não ficar isolado da Europa

Exportadores exigem aoGoverno aposta na ferroviaEm risco de deslocalizaçãoestão as empresas cujasmercadorias não podemser escoadas de formacompetitiva para a Europa

A competitividade das ligaçõesferroviárias de Portugal à Eu-

ropa deve ser a grande apostado Programa Nacional deInvestimentos a financiarpelo próximo quadro de fun-dos comunitários, o Portugal2030. É o que defendemgrandes empresas e associ-

ações ao Expresso. MárioLopes, o professor doInstituto Superior Téc-nico que tem trabalhadono tema da ferrovia coma CIP, até prefere que o

Governo lhe aumente me-nos o ordenado para que pos-sa investir na ferrovia em

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PNI 2030 Governo deve apostar nas linhas de comboio que levamas mercadorias portuguesas à Europa, dizem os empresários

Ferrovia é a prioridadeTexto JOANA NUNES MATEUS

e PEDRO LIMAIlustração HELDER OLIVEIRA

'^^ vais os investimen-r tos públicos estra-

tégicos que o paísdeve lançar na pró-xima década, como apoio dos fundos

europeus do Portu-k y gal 2030, o próximo-^ quadro comunitário

para 2021-2027?Agora que o Governo está a definir

o futuro Programa Nacional de Inves-timentos (PNI 2030), o Expresso per-guntou aos exportadores portuguesesque projetos devem constar dessa lista

que o Governo pretende submeter, atéao final de 2018, à apreciação do novoConselho Superior de Obras Públicase à aprovação do Parlamento.

Investir a sério na competitividadedas ligações ferroviárias de Portugal àEuropa é a resposta mais consensualentre os empresários, que já percebe-ram que têm de trocar rapidamenteo camião pelo comboio, dada a satu-

ração das autoestradas europeias e

as crescentes pressões ambientais e

energéticas sobre os custos do trans-porte rodoviário.

Aliás, a Confederação Empresarialde Portugal (CIP), e mais recente-mente a Associação de Fabricantespara a Indústria Automóvel (AFIA),já alertaram o Governo para o im-pacto dramático que a ausência de

soluções para o transporte terrestrede mercadorias pode ter num país queexporta mais de três quartos dos seus

produtos para os mercados europeus.

Em causa estarão os empregos, os

salários, as pensões dos portuguesesse as exportadoras não conseguiremsobreviver ou tiverem de se deslocali-zar (ver texto ao lado).O que dizem as associações"Um novo corredor ferroviário Avei-ro-Vilar Formoso, construído de raiz,em via dupla e em tudo compatívelcom as redes espanholas e europei-as, para que a longo prazo os nossos

produtos e mercadorias tenham umaalternativa à rodovia", é o primeiroprojeto de investimento que deveconstar do PNI 2030. Quem o diz é

Tomás Moreira, o presidente da AFIA,que representa 220 fabricantes de

componentes automóveis do país, o

equivalente a 14% das exportaçõesde bens, 7% do emprego industriale 5% do PIB português. A AFIA de-fende ainda o investimento públicona criação de uma rede de terminaislogísticos intermodais de baixo custo

estrategicamente localizados e na in-terligação eficaz entre as vias rodovi-árias, a rede ferroviária, os portos demar e os terminais logísticos.

Além de prosseguir a modernizaçãoe o aumento da capacidade dos portosnacionais, com particular enfoqueem Leixões e Sines, o vice-presidenteexecutivo da Associação dos Industri-ais Metalúrgicos, Metalomecânicose Afins de Portugal (AIMMAP) querinvestimento público nas "principaislinhas ferroviárias de ligação a Es-panha, resolvendo definitivamente aquestão da bitola europeia, que temsido um constrangimento temporal e

financeiro lesivo da competitividadedas nossas exportações". Para o re-presentante desta que é a maior fileira

exportadora nacional, "tendo em con-ta que somente 4% das mercadorias

para Espanha são movimentadas porvia ferroviária, facilmente se percebeque há aqui uma enorme oportuni-dade, até porque a rede rodoviária

pode perder competitividade e os cus-tos energéticos e ambientais têm umpeso crescente". E alerta: "Está pre-visto que venha a haver a curto prazobarreiras muito fortes à passagem de

transportes rodoviários pesados peloPaís Basco. O escoamento de merca-dorias portuguesas para o resto daEuropa poderá ficar comprometido,se não houver, entretanto, uma apostaforte no transporte ferroviário".

Para o diretor-geral da AssociaçãoTêxtil e Vestuário de Portugal (ATP),Paulo Vaz, é prioritário "o investimen-to no alargamento do Porto de Lei-xões, de forma a tornar, ainda maiseficiente e económico, o escoamen-to de mercadorias por via marítimana região Norte, onde se localizamas indústrias transformadoras maisimportantes, podendo competir, talcomo foi feito com a infraestruturaaeroportuária, com os portos do sul daGaliza". Outra prioridade é "apostarno prolongamento do AVE espanholda Galiza ao Porto, assentando nestalinha a sua expansão para Lisboa e ameio do trajeto uma derivação paraa fronteira espanhola e Madrid, demodo a não isolar Portugal da rede dealta velocidade europeia".

Uma solução para o aeroporto deLisboa é outra prioridade referida porestas associações.

O que pedem os exportadores

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Uma das grandes exportadoras nacio-nais que se está a virar para a ferroviaé a Siderurgia Nacional, hoje Megasa.Em resposta ao Expresso, consideraprioritário "o investimento na mo-dernização das ligações ferroviárias aNorte e a Sul para Espanha, ao nívelda tração e pendentes, permitindoigualar a carga máxima de 1400 to-neladas existente em Espanha, isto é,mais 40% comparando com as 1000toneladas possíveis em Portugal".Em concreto, refere a construção daligação ferroviária a Espanha peloSul — ligação Évora-Caia-Badajoz — e

a eliminação dos constrangimentosnas ligações ferroviárias aos portosde Leixões e Setúbal. A ponte Seixal--Barreiro e a realização dos trabalhosprevistas nos acessos à A4l, na Maia,são outros investimentos públicos aconsiderar no PN1 2030.

Fonte oficial da Volkswagen Auto-europa refere que "a modernizaçãoda rede ferroviária nacional, o reforçoda competitividade dos portos naci-onais ou a manutenção e reparaçãoadequada das vias que fazem o lastmile entre as redes viárias e os poiosindustriais — como é o caso da vari-ante que serve a Volkswagen Auto-europa e cujo estado de degradaçãodificulta a operação dos mais de 300camiões que diariamente a utilizam— deverá ser encarada como umaprioridade no novo quadro de fundoscomunitários". Para esta empresaque vale cerca de 1% do PIB portu-guês, também é importante conside-rar a implementação, a curto/médioprazo, de uma rede de abastecimento

para mobilidade elétrica capaz decorresponder ao aumento expec-tável na procura de carros elétri-cos. "Os ambiciosos objetivos de

redução de emissões de CO2(30% até 2030) que Bruxe-las se prepara para legislartêm de ser acompanhados

pelo investimento públi-co em infraestruturas defornecimento. A UniãoEuropeia estima que até2025 seja necessário do-tar o espaço europeu decerca de dois milhões de

postos de abastecimen-to, valor que contrastacom os atuais cem mil.Se Portugal quiser estarna vanguarda da mobili-dade elétrica, este é uminvestimento que não podeser descurado", acrescenta a

Autoeuropa.A Repsol é outra das grandes

exportadoras que aceitaram o

repto do Expresso e considera que"a ligação ferroviária para a Europa apartir de Sines, a sua futura competi-tividade e a competitividade do portode Sines poderão ajudar-nos a sermoscompetitivos nos mercados externos".

Já a Continental Mabor lista quatroprioridades. Primeiro, a garantia de

que a alternativa à ENI4, estrada queliga o Porto a Famalicão, seja termi-nada com todos os acessos que estão

prometidos. Depois que se aproveitemais o aeroporto do Porto, amplian-do-o se necessário, garantindo maisvoos diretos internacionais. O portode Leixões também deve ser moderni-zado e reforçado. A empresa defendeainda que se faça na região de Fama-licão um terminal ferroviá[email protected]

Portugal deve fazer um esforçode investimento anual na ordemdos €1000 milhões na ferrovia

para não ficar isolado da Europa.Em números redondos, serão€600 milhões do Orçamento

do Estado mais €400 milhõesdo orçamento europeu, entrefundos comunitários do Portugal2030 e fundos do MecanismoInterligar Europa (CEF). Devemservir para o país investirsobretudo na construção da

nova rede em bitola europeia(com carris que distam entresi 1435 mm) e na segurançada rede existente em bitolaibérica (1668 mm), para evitardescarrilamentos e substituir

carruagens obsoletas. As contassão de Mário Lopes, professordo Instituto Superior Técnico,que tem trabalhado no temada ferrovia com o Conselhoda Indústria Portuguesa daCIP. Ao Expresso refere que o

próximo quadro comunitáriodeve reservar entre 2,5 a €3,5mil milhões para a ferroviapois o PN1 2030 "é a últimaoportunidade para corrigiros erros do passado". Para seinvestir a sério na ferrovia embitola europeia, este professoraté prefere que o Governo lheaumente menos o ordenado.É que sem este esforçoorçamental, a competitividadedo país e logo os salários e as

pensões dos portugueses estarãotodos condenados a prazo."Prefiro que me aumentemmenos o ordenado no curtoprazo, mas que os aumentoscontinuem de forma sustentadano tempo, do que ter um grandeaumento agora e a seguirperder tudo. As reposiçõesde rendimentos dos últimosanos não são sustentáveis seas políticas não se alterarem.A competitividade das nossastrocas comerciais com a União

Europeia, baseada na rodovia,não é sustentável", j.n.m.

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Empresáriosalertam para o riscode deslocalização

Sem alternativaferroviária competitivapara escoaremas suas mercadorias háexportadoras que podemter de abandonar o paísOs empresários portuguesesnão estão a poupar nas palavraspara convencerem o Governoa apostar neste grande projetode investimento público para apróxima década: a construção

de raiz da nova linhaAveiro-Salaman-ca, em via dupla e

numa bitola queevite transbordos,para assim poten-ciar o transportecompetitivo das

mercadorias fabricadaspela indústria portuguesa

para o norte de Espanha e paraos mercados europeus além dosPirenéus.

O mais recente grito de alertaveio da associação dos fabrican-tes para a indústria automóvel(AFIA). Dizem que o Gover-no não pode mesmo perder aoportunidade de inscrever noPortugal 2030 os fundos ne-cessários à construção da novalinha Aveiro-Salamanca: "Seisso não acontecesse, estaria acometer-se um atentado contraa nossa economia, pois a médio

prazo condenaríamos as nos-sas empresas a um isolamentoferroviário com consequênciasfatais para o seu desenvolvi-mento e para a sobrevivênciada indústria automóvel emPortugal", diz o presidente daAFIA, Tomás Moreira.

Há um ano, já o Expressopublicara em primeira mão o

manifesto de dezenas de em-presários, gestores e investi-gadores "Portugal, uma ilha

ferroviária na União Europeia"promovido por Henrique Netoe Eugênio Sequeira. E no iní-cio deste ano, a ConfederaçãoEmpresarial de Portugal (CIP)voltou à carga num documentode reflexão sobre o futuro daindústria nacional coordenado

por Mira Amaral (ver caixa).Como explica a AFIA, o pro-

blema é que os custos dos cami-ões se estão a agravar sem queexista uma alternativa para es-

coar as exportações portugue-sas por comboio: "As empresasutilizam hoje em mais de 90%a via rodoviária e, em reduzidaescala, as vias marítima e aérea.O volume transportado por viaferroviária é insignificante oumesmo nulo, não sendo hojeuma opção real, devido à totalimprevisibilidade de prazos,particularmente crítica nosfornecimentos à indústria au-tomóvel, mas também devidoàs velocidades ridiculamentebaixas, reduzidíssima frequên-cia de circulação, preços poucocompetitivos, transbordos comelevados custos e demoras, aque devemos acrescentar a tra-dicional falta de sensibilidadee agressividade comercial dos

principais operadores".A CIP divulgou este ano os

resultados do inquérito que lan-

çou ao tecido empresarial por-tuguês, em 2016, precisamentesobre este tema. As respostassão muitas e revelam o impac-to que a falta de uma ferroviacompetitiva terá na economia

portuguesa, quando as autori-dades espanholas e francesas

começarem a restringir o tráfe-

go rodoviário de mercadorias de

longo curso entre os dois países."As empresas portuguesas

que quisessem continuar a ex-

portar inevitavelmente teriamque deslocalizar a sua produ-ção", foi a resposta da Renova."Para este cenário, claramen-te que a alternativa seria umadeslocalização da produçãopara outros países da Europa,pondo em causa 600 postos de

trabalho", respondeu a PrehPortugal.

A fileira metalúrgica (AIM-MAP) destaca a "forte possi-bilidade" de deslocalização e afileira do calçado (APICCAPS)concretiza que a migração daprodução de calçado para Itá-lia, para outros países do lesteda Europa ou mesmo para aÁsia "seria o caminho natural".Este risco também é destacado

por várias outras associaçõessectoriais e regionais, desde aindústria da fundição (APF),aos empresários do Minho, à

Associação Empresarial de Por-

tugal ou ao Conselho Empresa-rial do Centro.

Os empresários da Guardaalertam para as multinacionais

que irão "procurar novos mer-cados para instalar a sua produ-ção". A indústria naval reiterao "sério obstáculo à atração aoinvestimento estrangeiro emPortugal" enquanto a Siemensconfirma que a capacidade de

atração de investimento "seriamais reduzida". "Um desastre"dizem as empresas de Águeda(AEA) enquanto os exportado-res de Aveiro (AIDA) "corremum risco sério de sobreviver".

A Volkswagen Autoeuropatambém respondeu ao inqué-rito: "Qualquer cenário em quetodas as alternativas de trans-porte terrestre para o centroda Europa sejam pouco com-petitivas será necessariamentemau para a competitividade da

empresa".É a já a 13 de setembro que o

Governo debaterá que projetosferroviários incluirá no futuroPrograma Nacional de Investi-mentos. J.N.M.

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