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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013 1 EXPERIMENTOS PREPARATÓRIOS ESPECÍFICOS PARA APLICAÇÃO DE UMA DIDÁTICA HISTÓRICO-CRÍTICA AO CURSO DE DIREITO VERONEZE, Paulo Roberto (UEM) GASPARIN, João Luiz (Orientador/UEM) Introdução Da experiência vivida no Curso Universitário de Direito, surge uma real preocupação quanto a qualidade de formação dos acadêmicos, da sedimentação de conhecimentos, da constituição de relações, da continuidade de um ensino que entrelace tudo o que seja necessário para o bom exercício social em uma das profissões jurídicas possíveis. A sinonímia existente entre Lei e Direito acaba forçando os acadêmicos a uma decoreba para a realização das provas bimestrais e consequente aprovação não só no curso universitário, mas nas provas de concurso que se seguirão. Ao invés de uma amplitude, o curso acaba se fechando a esta realidade que inclusive qualifica os cursos como bons, tomando-a quase que como única. A consequência é que a desejada construção de raciocínio e inteligência de uma rica totalidade já foi descartada em prol da cultura positiva. Procurando uma mudança de qualidade, devidamente motivado pela aplicação de “Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica” de Gasparin (2007) à educação básica, surge o objetivo de igualmente aplicá-la ao curso de Direito, verificando as possíveis contribuições e adaptações destinadas a formulação de uma tese de doutoramento em Educação. Impende esclarecer que tais experimentos não surgem a esmo, ao contrário, diante da prática de sala de aula do pesquisador, faz-se uma abstração até a teoria de fundo materialista histórico, obedecendo-se, principalmente, a seguinte sequência: Didática Histórico-Crítica de Gasparin (2007); Pedagogia Histórico-

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Universidade Estadual de Maringá 12 a 14 de Junho de 2013

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EXPERIMENTOS PREPARATÓRIOS ESPECÍFICOS PARA

APLICAÇÃO DE UMA DIDÁTICA HISTÓRICO-CRÍTICA AO

CURSO DE DIREITO

VERONEZE, Paulo Roberto (UEM)

GASPARIN, João Luiz (Orientador/UEM)

Introdução

Da experiência vivida no Curso Universitário de Direito, surge uma real

preocupação quanto a qualidade de formação dos acadêmicos, da sedimentação de

conhecimentos, da constituição de relações, da continuidade de um ensino que entrelace

tudo o que seja necessário para o bom exercício social em uma das profissões jurídicas

possíveis.

A sinonímia existente entre Lei e Direito acaba forçando os acadêmicos a uma

decoreba para a realização das provas bimestrais e consequente aprovação não só no

curso universitário, mas nas provas de concurso que se seguirão. Ao invés de uma

amplitude, o curso acaba se fechando a esta realidade que inclusive qualifica os cursos

como bons, tomando-a quase que como única. A consequência é que a desejada

construção de raciocínio e inteligência de uma rica totalidade já foi descartada em prol

da cultura positiva.

Procurando uma mudança de qualidade, devidamente motivado pela aplicação

de “Uma Didática para a Pedagogia Histórico-Crítica” de Gasparin (2007) à educação

básica, surge o objetivo de igualmente aplicá-la ao curso de Direito, verificando as

possíveis contribuições e adaptações destinadas a formulação de uma tese de

doutoramento em Educação. Impende esclarecer que tais experimentos não surgem a

esmo, ao contrário, diante da prática de sala de aula do pesquisador, faz-se uma

abstração até a teoria de fundo materialista histórico, obedecendo-se, principalmente, a

seguinte sequência: Didática Histórico-Crítica de Gasparin (2007); Pedagogia Histórico-

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Crítica de Saviani (2005, 2007); Teoria Histórico-Cultural de Vigotski (2005, 2006,

2007) e Materialismo Histórico de Marx.

Devido a realização dos primeiros experimentos gerais para a aplicação da

Didática Histórico Crítica para o Direito, apresentada nos Seminários de Pesquisa do

PPE-UEM em 2012 (VERONEZE; GASPARIN, 2012), onde se reconheceu que aos

Acadêmicos do Curso Direito falta uma habitualidade na construção de relações entre o

conhecimento que vai sendo adquirido durante o curso, decidiu-se realizar uma segunda

leva de experimentos1, desta vez, com termos específicos da área jurídica já estudados

em disciplinas de anos anteriores, essenciais para o desenvolvimento de uma série de

conhecimentos ao longo do curso e mesmo na vida profissional.

Diante dessas justificativas e seguindo a linha metodológica já traçada nos

primeiros experimentos gerais (VERONEZE; GASPARIN, 2012), novos acadêmicos do

último ano do curso, diferentes dos anteriores, foram convidados, realizando-se, então,

novas baterias de experimentos específicos.

Todo o conjunto de experimentos procura analisar o conteúdo sobre a construção

de relações com fundamento nos conhecimentos já ministrados aos acadêmicos.

Especificamente, no primeiro grupo foram dados inicialmente termos mais restritos para

que os acadêmicos construíssem as relações pertinentes. A seguir, ainda dentro desse

grupo, foi solicitado aos acadêmicos que construíssem relações entre duas construções

jurídicas mais amplas, as quais, num processo judicial, se encontram interligadas. No

segundo grupo, foi solicitado que os acadêmicos construíssem comentários sobre um

dos princípios jurídicos mais discutidos atualmente, o princípio da Igualdade, a partir de

uma frase que sinalizava a presença de duas espécies de igualdade.

Em ambos conjuntos, procurou-se verificar se os acadêmicos conseguiriam

construir relações entre termos, comentar ou se posicionar quanto a um tema polêmico,

nada mais precisando do que os conhecimentos já a eles ministrados no transcurso de

um Curso Universitário, o que nos forneceria dados para construir análise sobre a

qualidade do curso.

1. Experimentos com Construção de Relações entre Termos 1 Parecer autorizativo do Conselho de Ética da UEM n. 569/2011.

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Para uma das turmas de voluntários, foi solicitada a exploração de relações entre

palavras ou contextos próprios do conhecimento jurídico. A primeira indagação

solicitava ao(a) acadêmico(a) que: “Existindo, explore a relação de significado entre:

Processo – Procedimento – Autos.”

A indagação simples, somente desejava verificar se as respostas apresentadas

revelavam uma relação de dependência ascendente entre os três termos básicos

apresentados, onde, de maneira simples poderiam ser abordados os aspectos

tradicionais, como: Cada ação materializada representa um auto encartado no processo.

Ao conjunto dessas ações materializadas, se dá o nome de Autos. Autos significam,

portanto, o conjunto ou reunião das ações materializadas ou produzidas ao longo do

Processo. Procedimento, traduz o caminho ou a sequência mais ou menos elástica

seguida pelo Magistrado durante o desenrolar das ações de um Processo, assumindo as

feições Ordinária, Sumária, Sumaríssima e Especial, tudo a depender do caso concreto e

das regras procedimentais previamente estabelecidas. Enfim, o Processo, ao seu turno,

se caracteriza pela formação de uma relação jurídica angular norteada de acordo com os

procedimentos previamente estabelecidos para que o magistrado possa dizer o Direito

aplicável ao caso apresentado em juízo.

As respostas, em sua literalidade, se deram nos seguintes sentidos. A –

respondeu que: “Autos entendo ser o processo entendido na sua integralidade física,

com todos os documentos ali integrantes. Processo é mais genérico que procedimento,

sendo o início, o meio e o fim, com o objetivo a ser alcançado. O procedimento são os

meios que o processo utiliza para alcançar o objetivo. Ou seja, um processo comporta

diversos procedimentos.” B – respondeu que: “Processo é a designação do conjunto de

relações jurídicas que se desenvolvem entre juiz e as partes, entre um órgão responsável

por um determinado julgamento e decisão e as que o provocam. Procedimento é o nome

dado a cada etapa do processo, a cada uma dessas relações, necessariamente já

determinadas e requisitadas para que se chegue a um fim. Autos é a designação da parte

física, material do processo.” C – respondeu que: “Processo chamamos os autos

acompanhados do procedimento que os norteiam. Procedimento é a ordem dada as

ações e exposições documentárias reunidas não que chamada “Autos” – conjunto de

documentos. Ou seja, sequência de atos. Autos é o plural para auto – documento

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reduzido a termo, chamam-se autos o conjunto dos documentos comprovadores de uma

relação jurídica.” D – respondeu que: “Processo é ação penal, que começa com a

denúncia. Já o procedimento é o caminho que o processo vá fazer, ou seja, sumário,

ordinário, etc. Autos é o acumulado de papéis, documentos.” E – respondeu que: “De

maneira sucinta, é lícito asseverar que, por processo, entende-se o caderno onde são

materializados os procedimentos. Os autos identificam o Processo.” F – respondeu que:

“Processo são os elementos dos autos, a forma como se atua são os procedimentos. Os

autos são a própria matéria física, o que se pega no fórum.” G – respondeu que:

“Processo é a relação jurídica formal entre as partes que se pautam no Direito para que

solucionem sua pretensão resistida. Procedimento é a prática concatenada de atos de um

processo. Autos é a materialização e condensação dos atos praticados em um processo.”

H – respondeu que: “Processo é toda relação jurídica e fática que há entre as partes que

o integram, seja a de caráter litigioso ou consensual. Procedimentos são os atos

presentes para dar andamento ao processo. Autos são a materialização do processo.” I –

“Processo é o conjunto de sistemática de atos jurídicos que buscam a verdade jurídica.

Pensando na diversidade de fatos a serem analisados pela justiça o legislador

determinou vários procedimentos. Cada um mais apropriado para os fatos. Podendo ser

sumário ou ordinário, cada um para o caso apropriado. Autos é o processo em si, fisco

ou digitalizado.”

Há de se considerar que as respostas dadas são, em sua maioria, muito confusas,

misturando conceitos aparentemente mal sedimentados na mente dos acadêmicos,

todavia, ainda há material para análise. Uma leitura preliminar já revela uma confusão

muito comum, a construção de diferenciação entre Processo e Procedimento. Essa

confusão indica que algo não ficou claro na mente dos acadêmicos, ou de que as

relações de diferenciação entre ambos não ficou bem estabelecida. Ao invés de procurar

correlacionar, os acadêmicos procuraram diferenciar os dois termos, o que é feito,

tradicionalmente por meio de características. A maneira como as respostas foram

apresentadas não levou a uma compreensão da relação existente entre os três termos

apresentados.

Outro ponto muito comum nos acadêmicos de Direito se relaciona à falta de

atenção para o comando da questão. Nas respostas apresentadas, sendo essas acima um

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exemplo, é muito comum verificar a fuga do comando dado na indagação, respondendo,

então, o acadêmico a esmo aquilo que lhe vem de imediato à cabeça. É difícil verificar

uma parada para estabelecer um pensamento, uma reflexão e construção de uma

resposta com início, meio e fim, o que comprova a falta de habilidade na construção de

relações. Este fato é muito preocupante dada a altíssima necessidade de manifestação

escrita por parte dos Profissionais de Direito, especialmente aqueles que atuam com

mais constância em Juízo e dependem dessa habilidade paraconvencer o magistrado.

Em continuidade da análise, também se percebe a utilização de uma linguagem

mais próxima do concreto, da simplicidade do(a) acadêmico(a), sem tanta abstração,

generalização, o que também reflete uma falta de trabalho de aprimoramento mais

específico e contínuo da linguagem técnica com os acadêmicos. Esse fato pode também

revelar que os acadêmicos não compreenderam ou sedimentaram muito bem o conteúdo

ministrado, confusão que ficou estabelecida na mente e, quando chamada, se revela tal

como apresentado acima. O conhecimento é adquirido como meio de suprir uma

necessidade instantânea e pronto. Não se despende tempo com reflexões, com

comparações, com analogia, com construção de teias de relação, fato este revelado pela

confusão expressada nas respostas.

Por fim, com relação a essa primeira indagação, é perceptível que a maioria das

respostas não apresenta uma relação entre os três termos colocados, tratando-os de

forma estanque, separados, como se tivessem vida própria, uns sem os outros.

A segunda indagação caminhou no mesmo sentido da primeira, todavia,

concedendo ao(a) acadêmico(a) apenas dois termos, de relação mais distante entre si,

um inicial e outro final. A pergunta era: “Caso exista, explore a relação de significado

entre Autos e Recurso.”

O objetivo nessa etapa era a esperança de que o(a) acadêmico(a) tentasse ligar os

termos e assim acabasse construindo uma cadeia de mediações entre ambos. As

respostas foram: A – “O recurso está nos autos, e o compõe, pois este é o agrupamento

de todas as etapas e documentos processuais.” B – Os autos são a materialidade do

processo sobre o qual o recurso tenta investir, buscando neles fundamentos que

justifiquem uma revisão da conclusão obtida.” C – “Somente se pode recorrer do que

estiver no ‘mundo dos autos’, ou seja, os autos e documentos que estiverem

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representando a relação jurídica, todos os vícios e falhas que se pode recorrer.” D –

“Como anteriormente exposto, Autos seria um acumulado de documentos (autos,

caderno processual, autos de exibição; autos de apreensão etc.). Então Autos seria um

recurso, um meio, uma forma de se chegar a condenação ou absolvição de alguém.

Recurso (no sentido de inconformismo com sentença, acórdão) também pode ser

entendido como a última coisa que vai acontecer nos autos, o fim do processo.” E – “Os

autos, que identificam o processo de conhecimento, vão determinar o recurso a ser

interposto.” F – “Autos é a matéria física do processo e o recurso é uma forma de

recorrer de alguma decisão tomada dentro dos autos.” G – “Através dos autos se

materializam os atos do processo, é possibilitada a parte ver a decisão para sua lide

reverificada pelo juiz não natural da causa.” H – “ Autos é a materialização do processo.

Recurso é um ato processual que ocorre no decorrer do processo com o intuito de rever

decisão.” I – Recurso é a possibilidade do processo ser apreciado novamente, a verdade

jurídica obtida no processo de conhecimento, do juízo de valor do Juiz, que pode ser

falho, podendo ser julgado por instância superior.”

O que houve na verdade nessa segunda indagação foi uma imensa confusão dos

acadêmicos, expressada na tentativa de definir por diferença e às vezes por comparação,

Autos e Recurso. Deve ser reconhecido que certas construções pertinentes à resposta da

primeira questão foram aqui realizadas, até de maneira boa, diga-se de passagem, a

exemplo do início da resposta de – F e G –, e se bem trabalhadas, - H e B –. Talvez,

pela oportunidade de uma segunda reflexão sobre o mesmo tema, imposta pelo

comando da indagação, já se começasse a meditar no que deixou de ser feito na primeira

indagação. Considerando a questão em si, conclui-se que em nenhum momento foi

explorada uma relação de que os atos do processo, agrupados de acordo com um

procedimento, podem, ao final, revelar uma insatisfação da parte sucumbente e assim

permitir que esta recorra da decisão judicial que veiculou um “error in procedendo” ou

então um “error in judicando”, algo que já deveria estar arraigado na mente dos(as)

acadêmicos(as) do quinto ano do curso de Direito, dos quais, inclusive, alguns já

aprovados no exame da ordem.

A terceira indagação solicitava: “Existindo, explore a relação de significado

entre: Relação jurídica processual – Relação jurídica material.” O objetivo aqui era

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verificar se os acadêmicos se recordavam que do direito material nasce uma relação

jurídica material e em função da necessidade de um Processo judicial acabe nascendo

uma relação jurídica processual, as duas distintas, com requisitos próprios, porém,

ligadas por três condições básicas, chamadas condições da ação, muito estudadas da

disciplina de processo civil.

As respostas dadas foram: A – “É a relação entre as partes no processo, a relação

jurídica processual, ou seja, como elas interagirão no processo, em seu bojo. Relação

jurídica material são as relações vividas e estabelecidas entre as pessoas no mundo real,

ou seja, fora do processo e pode ser incorporada ou não nos autos.” B – “Relação

jurídica processual é aquela que ocorre entre as partes constituintes de um processo;

relação jurídica material é aquela estabelecida por uma norma de direito, constituindo,

criando, desfazendo, declarando, etc., interferindo diretamente no mundo das pessoas.”

C – “A relação jurídica material é o fato, conflito ou necessidade que dá origem a

relação jurídica processual.” D – “Relação jurídica processual é a lide, a pretensão

resistida. Relação jurídica material eu não sei o que é.” E – “Relação jurídica processual

é o liame existente entre o pólo ativo e passivo de uma lide. Já relação jurídica material,

ao contrário do alinhavado no conceito anterior, o vínculo não se restringe apenas ao

processo, é mais amplo.” F – “A relação jurídica processual é aquela que dita as

diretrizes processuais, ou seja, dita como deve ser o processo, os atos para se alcançar o

direito material; são os instrumentos utilizados para instruir a relação jurídica material.

Já esta é aquela que define o que é direito denegado; o que de direito foi corrompido

entre as partes.”G – “não sei.” H – “Relação jurídica processual é aquela que a

interdependência entre as partes esta de acordo com as normas presentes em nosso

ordenamento. Relação jurídica material é aquela que a relação entre as partes dependem

dos fatos ocorridos entre eles.” I – “ Relação jurídica processual é o conjunto de atos e

ações que podem ser transferidos para o mundo jurídico do processo. Relação jurídica

material é o mundo do ser e a imagem que o direito tem sobre estes fatos, da análise

destes fatos surge o dever ser.”

A relação de significado deveria contemplar uma abordagem sobre a relação

jurídica processual, sobre a material e sobre ambas. Esperava-se um pouco de

dificuldade dos(as) acadêmicos(as) em explorar o significado isolado de cada uma das

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relações, mas não a ligação entre ambas, pois essa relação, denominada de “condições

da ação”, representa um dos tradicionalismos mais marcantes do estudo do processo.

Mais uma vez, os acadêmicos iniciam suas explorações pela possível diferença existente

entre os termos.

Do segundo ao quinto ano do curso, quase todos os professores de Direito, num

ou outro momento, solicitam ou relembram juntamente com os(as) acadêmicos(as) a

ponte de ligação entre o direito material e o processual, ou seja, as justas “condições da

ação”. Contudo, de maneira inexplicável, nenhuma das respostas abordou o tema

“condições da ação”, ou a relação estabelecida entre a relação jurídica processual e

material, se limitando a tentar abordar novamente, em linguagem próxima do(a)

acadêmico(a), cada uma das relações isoladamente, ao invés de realizarem abstrações e

atingirem o padrão técnico.

Em conclusão dessa abordagem relacional, tem-se como concreto que o(a)

acadêmico(a) acaba sendo levado a estudar os institutos jurídicos separadamente, sem

estabelecer a devida relação de contexto ou de totalidade do conteúdo abordado. É o

tradicional estudo da pura Teoria para, somente anos depois, ser esta colocada em

prática. O que vale para os acadêmicos(as), portanto, é a memorização imediata para a

prova que o fará passar de ano ou não. A falta dessa relação acaba tornando o estudo

dependente de uma alta memorização de definições pré-estabelecidas, as quais, por

obviedade, às vezes sequer se comunicam já que seus objetos acabam sendo muito

distantes. Como não se utiliza o tempo para construir relações necessárias e até mesmo

demonstrar aos acadêmicos que uma definição é apenas uma visão parcial de um

determinado conhecimento, estes acabam aceitando uma definição como sendo a

verdade absoluta, memorizando-a e carregando-a consigo para as provas, especialmente

escritas, onde a utilização de uma definição seguida do nome de seu autor já consegue

muitos pontos para o avaliado(a). Prova disso é a percepção nas próprias respostas de

uma técnica de escrita. É interessante notar que a maioria das respostas caminham na

técnica de construção de definições (GARCIA, 2002), e que determinadas respostas

sempre caminham para o sentido: “de acordo com o ordenamento”, “acordo com a lei”,

refletindo a cultura positiva, ou seja, de que o Direito é aquilo que está escrito e

determinado pelo Estado, pouco importando a Justiça contida ou não nessa escrita legal.

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Como a definição está escrita por um certo “estudioso” do Direito, esta é amplamente

seguida, prejudicando o estudo relacional que deveria ser realizado no curso superior de

uma Universidade. Essa somatória de fatores, acumulando-se, ano após ano, acaba não

permitindo o reconhecimento de uma totalidade naquilo que se estuda e

consequentemente não propiciando que o conhecimento fique sedimentado e aflore

quando necessário.

2. Experimentos com Construção de Relações em Comentários

Decidiu-se que também seria oportuno obter informações sobre os possíveis

comentários dos acadêmicos sobre a um tema pertinente ao Direito e de grande impacto

na sociedade. Sendo o tema polêmico, os posicionamentos são muito mais fáceis de

serem obtidos, e isso se deve, em grande parte, à presença ou abordagem constante

desses temas na mídia. Inevitavelmente o professor da matéria relacionada ao tema em

comento deverá fazer uma abordagem como meio de construir conhecimento, a

exemplo do que ocorre com o famoso sistema de cotas em concursos. Nesse sentido,

escolheu-se o direito à igualdade, previsto na Constituição, para que os acadêmicos

abordassem uma determinada frase que o continha, cujo significado era o de ser de

difícil concretização.

O problema posto se deu pela seguinte indagação: O que se consegue

compreender da seguinte frase de Honoré de Balzac – “A igualdade pode ser um direito,

mas não há poder sobre a Terra capaz de a tornar um fato.” Abaixo, enfileirou-se as

respostas com um breve comentário sobre algumas delas, já que as respostas ficaram um

pouco mais extensas que nos experimentos anteriores. No final, fez-se um apanhado

mais geral.

Resposta A: “Direito existe no plano das idéias, portanto a igualdade no mundo

ideal seria um direito de todos, não só a igualdade, mas também a liberdade e tantos

outros direitos. Quando se analisa a igualdade como um direito, pode-se afirmar que ela

é um direito de todos e que atingirá todos os titulares deste direito. Entretanto, no

mundo dos fatos, que é o mundo real, o tangível, a titularidade do direito não significa,

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ou melhor, não é o sinônimo de usufruir deste direito ou se atingido por ele e por isso

que a igualdade pode ser um direito, mas nunca será um fato.”

Percebe-se um conhecimento que distingue mundo das idéias e do concreto,

todavia, um conhecimento que acredita que o direito pertence ao mundo das idéias e não

ao concreto. Partir para essa análise bem separada é desconhecer a própria origem de

formação do Direito, já que este nasce e possui até hoje em seu âmago a conquista de

Direitos pelas e entre as pessoas (LYRA FILHO, 1983).

Resposta B: “A igualdade é um valor subjetivo do qual se torna impossível sua

real concretização, como qualquer outro valor que também seja subjetivo.” Resposta C:

“A igualdade não é um estado a que se chega naturalmente. É intrínseco a toda a

sociedade a noção de superioridade ou inferioridade, de modo que ela precisa ser

buscada. Se depende da natureza humana, a igualdade não será alcançada

naturalmente.”

Felizmente, parte da resposta revela um conhecimento do concreto. Realmente a

igualdade revela uma busca e luta da sociedade desde a origem do Direito, sendo

moldada de acordo com a época histórica em estudo. Por exemplo, já houve época em

que mulher não possuía direito a voto, tudo com o intuito de manter o poder dos homens

na sociedade; o negro não era considerado ser humano para os fins da escravidão e

tantos outros aspectos que podem ser relatados como fator histórico de busca pela

igualdade.

Resposta D: “A igualdade pode ter o seu significado próprio dentro do âmbito

jurídico, como sendo uma prerrogativa de todas as pessoas de serem consideradas iguais

perante a lei, contudo é claro e sabido que nem sempre é possível e juridicamente é bem

raro, já que na grande maioria das vezes, pode mais, quem tem mais.”

Durante a disciplina de Direito Constitucional, tradicionalmente e realmente é

ensinada a existência de uma diferença entre a letra da lei e a realização dessa previsão

no concreto. A resposta dada é muito clara no sentido de atrelar poder político ao poder

econômico, algo muito praticado desde os idos da Revolução Francesa e presente no

concreto, na realidade das pessoas, onde aqueles que desfrutam das influências

proporcionadas pelo poderio econômico e/ou político, acaba conseguindo muito mais

facilmente aquilo que desejam.

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Resposta E: “A igualdade apesar de ser um direito não tem uma fórmula que lhe

garanta sua aplicabilidade. Ou melhor, um ‘poder’ capaz de aplicá-lo de forma indistinta

sobre toda a sociedade. Com certeza, seria bem mais seguro e satisfatório se houvesse

um poder que aplicasse não, apenas, o direito da igualdade como todo os outros

estampados em nossa Constituição Federal.”

A resposta se constrói no sentido reconhecer a existência de dois campos

distintos, um ideal e outro onde as coisas se realizam em sociedade. Nesse segundo

campo, a resposta não vê o que possa concretizar os Direitos que a mesma sociedade

possui, diferenciando quem realiza o Direito de quem aplica o direito. Ao mesmo se

esvai da oportunidade de concretizar direitos, delegando essa possibilidade a um poder

de Estado, capaz de fazê-lo. Conforma-se, assim, com um distanciamento da vida

política.

Resposta F: “Quer dizer que todos são iguais é impossível de se realizar

concretamente, pois os seres humanos são diferentes entre si. Por isso, a igualdade só

existe no âmbito jurídico, sendo ela formal ou material.”

Nesta resposta há uma conformação com a situação, já que naturalmente

ninguém é igual mesmo, então não há como aplicar a igualdade, existindo essa somente

no campo do Direito, da teoria, com a previsão formal, de todos serem iguais sem

distinção, e previsão material, de tratamento dos desiguais na medida de sua

desigualdade. Há uma confusão estabelecida na escrita da resposta em considerar as

pessoas em suas naturezas singulares e as oportunidades favorecidas pelo Estado.

Resposta G: “Se existisse algum poder capaz de tornar o direito à igualdade em

um fato, os detentores desse poder seriam diferentes dos demais, não havendo

igualdade. Paradoxo.”

A resposta realmente tem um aparente paradoxo, contudo, que se desfaz ao se

recordar que a própria sociedade é a responsável pela concretização da igualdade e

todos os demais direitos derivados.

Resposta H: “Ao analisar a frase supracitada, pode-se entender que a igualdade

será sempre algo utópico e inalcançável, já que por mais que se tente consegui-la, ela

nunca acontecerá por completa. O principal motivo dessa igualdade, ou dessa igualdade

impossível, é a falta de vontade dos poderosos, que teriam a capacidade de atenuá-la.”

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Mais uma vez dois planos estabelecidos, colocando a sociedade como

dependente dos “poderosos”, antigamente conhecidos como “coronéis”, o que pode ser

generalizado para o poderio econômico, o qual retira a capacidade das pessoas fazerem

as coisas por si sós.

Resposta I: “Da frase acima mencionada compreendo que a igualdade pode

figurar-se me medidas de equilíbrio tratando os desiguais de maneira desigual a partir

de iniciativas como as leis, instituições ou amparo ou cotas, contudo, é evidente que no

intento de atingir a igualdade, o meio para isso corresponde a instrumentos que geram

desigualdades. É por conta desse descompasso que a igualdade não pode ser constatada

como um fato.

Há um pensamento no sentido de meios para se atingir a igualdade, contudo,

pensa-se que para viabilizar esses meios, na verdade, se pratica uma desigualdade. É um

pensamento possivelmente influenciado pelo sistema de cotas, onde invariavelmente se

argumenta pela contrariedade do sistema justamente por praticar outra forma de

desigualdade.

Resposta J: “Pode-se extrair da frase a seguinte mensagem, de que, apesar de

diversos países ao redor de todo o mundo e de diferentes modos, permaneceu o ideal de

igualdade em seus princípios sociais e éticos; na maioria das vezes, ou, em todas elas,

segundo o autor, não se conseguirá atingir a igualdade plena. Ou seja, mesmo que as leis

e os princípios morais preguem a igualdade, esta jamais poderá ser atingida de forma

plena, pois, no sentido literal da palavra, de fato, jamais haverá igualdade entre todos,

de todas as partes do mundo, em razão das diferenças naturais, históricas e pessoais

existentes entre cada ser humano e cada local diferente do mundo.”

A igualdade é vista sob o ângulo do ideal, do inatingível, justificada pela

desigualdade natural dos seres humanos. Mais à frente percebe-se o conformismo ainda

maior, pois há o reconhecimento de que a igualdade não pode atingida.

Resposta K: “Podemos compreender dessa frase que por mais que o Direito,

com suas leis e princípios, tente diminuir as diferenças sociais, políticas e econômicas,

entre outras, na verdade, essa busca pela igualdade, no mundo dos fatos, é algo

inalcançável, inatingível.”

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Resposta L: “A igualdade é um conceito difícil de se tornar concreto. Depende

da fase que, assim como o direito é um conceito abstrato, que pode ser entendido de

forma variável por cada um que o analisa, a igualdade é entendida como impossível de

ser efetivada. O que não pode ser comentado é sobre o ‘não haver poder sobre a terra’,

pois, a não especificação de que tipo de poder se está referindo impede maiores

explanações.”

De novo uma diferença entre ideal e concreto, revelando ainda um atrelamento

ao que deve ser comentado, ou seja, se o assunto é deixado de maneira ampla para a

abordagem, o aluno não consegue realizar as relações e mediações necessárias para se

expressar.

Resposta M: “O que depreende-se desta frase é que, em tese, os seres humanos,

independentemente de cor, classe social, nível econômico, são iguais, e supostamente

deveriam estar propensos a um tratamento igualitário. No entanto, sabemos que na

realidade jamais todos serão tratados como iguais, uma cruz que o tratamento de uns em

relação aos outros já, não se faz de maneira igualitária e não há mágica que a faça torná-

la real, apesar de constituir direito fundamental.”

Há uma grande ideologia arraigada na mente dos acadêmicos. A igualdade

explicitada por eles toma como premissa a desigualdade de pessoas enquanto seres

humanos, ponto sob o qual se fundamentam as discriminações tomadas para a vida

social e como sendo a possibilidade de não se conseguir implantar a igualdade real,

concreta.

Resposta N: “Apesar de a igualdade assim como inúmeros outros direitos serem

garantidos ao ser humano, sua efetivação é muito mais complexa e difícil de ser

alcançada. O direito juntamente com o poder de coação não são suficientes para a real

garantia dos direitos, pois há mudanças que devem partir de cada um e não apenas

serem impostas por um ente, ou seja, deve partir-se de uma mudança primeiramente

ideológica para que depois sejam estabelecidas normas referentes ao assunto.”

O interessante nesta resposta é o reconhecimento de que a igualdade deve advir

de uma prática social, “a partir de cada um”, mas em sequência parte para o ranço de se

ter dois planos distintos, ideal e concreto, sempre no sentido de se materializar o ideal,

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retornando a velha distinção entre teoria e prática, ou o velho ditado popular de que na

teoria as coisas são de uma maneira, enquanto que na prática, de outra.

Resposta O: “Consegue-se compreender que apesar da igualdade ser um direito

garantido constitucionalmente, ele não é imposto, não se torna um fato pois dificilmente

se concretiza. Apesar de ser um direito expressamente trazido na CF, isso não garante

que se torne realidade, pois depende da vontade das pessoas para que concretize, e,

ainda assim, a igualdade nunca será alcançada vez que cada pessoa é única e ímpar, com

um contexto diferenciado, o que o torna uma pessoa com um pensamento e ações

diferenciadas e não há como trazer todas as pessoas para um mesmo ‘patamar’, que

tenham os mesmos direitos e deveres e que pensem e agem da mesma maneira. Por isso

pode atingir a isonomia, mas jamais, a igualdade.

Novamente a premissa da diferença natural das pessoas justificar a

impossibilidade de se estabelecer a igualdade no tratamento social.

De uma maneira geral, a maioria das respostas parte do pressuposto de que a

previsão da igualdade no Direito é algo ideal, separando essa previsão ideal de sua

realização prática, no concreto. Há dois campos distintos, portanto. Isso leva a uma

consequência imediata, o reconhecimento da impossibilidade de concretização do

direito de igualdade pelo fato de se partir da constatação de que todas as pessoas são

diferentes umas das outras e esse fato, assim reconhecido, acaba fazendo com que a

igualdade seja considerada uma utopia no plano real, já que, em realidade, somos todos

diferentes. Há um nítido embaraço nas respostas entre o ser naturalmente diferente e

oportunizar possibilidades iguais a todos que vivem sob um determinado território.

Como o sistema de cotas é altamente polêmico na vida concreta das pessoas

ainda nos dias de hoje, esperava-se que o(a) acadêmico(a) direcionasse sua resposta no

sentido de exemplificar o complexo direito por meio das chamadas cotas. Salvo breves

menções, esse assunto não foi abordado em todas as respostas, o que não retira o

marcante caráter de apego ao concreto, àquilo que já detém conhecimento, ao mesmo

tempo que encontram dificuldades em realizar novas abstrações.

Como exemplo da desatenção praticada em parte das relações realizadas,

tratamos o exemplo das cotas em concursos públicos. Esse sistema, inicialmente criando

cotas raciais, foi inaugurado no Estado do Rio de Janeiro. A sistemática empregada

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inegavelmente rendeu seu fruto, acabando posteriormente por se alastrar pelo País

devido ao seu fortíssimo argumento de resgate social, ou seja, um ajuste de contas

devido a exploração histórica praticada contra os negros. O sistema de cotas sofreu

discussões e hoje é principalmente praticado nas chamadas cotas sociais, destinadas à

pessoas de baixa renda, muito embora o sistema de cotas raciais e para pessoas com

necessidades especiais ainda exista nos concursos públicos.

Quando uma sala de aula é indagada sobre ser favorável ou não ao sistema de

cotas, as respostas são dadas em duas medidas. A primeira, favorável; a segunda,

contrária. As justificativas se resumem a sentimentos de discriminação, ora de um lado,

ora de outro. Contudo, em quatro anos fazendo essa experiência, nunca, nenhum

acadêmico em Universidade Pública ou Privada, mesmo já em especialização, e, pior,

mesmo em colegas de trabalho, sequer recordaram os artigos 6º e 205 da Constituição

de 1988, isto quer dizer que ninguém se recorda que a educação é um direito de todos e

dever do Estado, um chamado Direito Fundamental de segunda geração e que por esta

classificação impõe ao Estado o dever de atuar, o dever de conceder educação em todos

os níveis aos seus cidadãos. Assim, ao contrário do que deveria ser feito, expandir o

sistema público de forma planejada, fornecendo vagas e orientado os populares, o

Estado prefere minguar as vagas existentes, jogando para a iniciativa privada uma leva

de alunos que acabam tendo que lançar do expediente no financiamento estudantil como

meio de garantir sua formação. Há de ser considerado que a população brasileira de

1988 era uma e a de 2013 é outra, muito maior, todavia, as vagas, na maioria das

Universidades Públicas continuaram as mesmas, aliás diminuíram com os sistemas de

cotas, jogando a população para a iniciativa privada. Com isso, o sistema privado

expandiu tanto economicamente, que hoje passa a não só financiar, como também a

participar da vida política diretamente, influenciando ainda mais esse círculo vicioso.

Nesse pequeno exemplo se percebe claramente uma falta da aplicação do Direito

à Igualdade, uma falta de oportunidades. A culpa, sem sombra de dúvida, é do Estado

em não respeitar o limite por ele mesmo traçado, contudo, também da população que

não luta e se interessa em saber daquilo que é seu por Direito.

Infelizmente, nas respostas acima transcritas, em nenhum momento esse

comentário foi realizado, o que demonstra um desinteresse ou falta de exploração crítica

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de assuntos em sala de aula. A consequência desse tipo de afastamento para com

assuntos críticos é a permanência da ideologia praticada, tal como pode ser presenciado

na amostragem acima transcrita. Não há como negar que, ante a resposta de vários

acadêmicos, o Curso de Direito não esteja arraigado em um distanciamento entre o ideal

e o concreto, tratando o próprio direito como algo ideal, às vezes inatingível. Sendo um

ideal, nasce a dependência para com o Estado reconhecer esses direitos em normas de

toda a envergadura para que então, de acordo com a previsão de “lei”, o direito possa

ser usufruído. Nasce em segundo plano a infeliz sinonímia entre lei estabelecida pelo

Estado e Direito (LYRA FILHO, 1980). O problema dessa consideração é a de que se

tomada ao pé da letra chegamos ao ponto de admitir o poder de vida e morte aos

Poderes instituídos, a exemplo atual do direito a medicamentos para doenças

específicas, o qual vem sendo amplamente negado pelo Legislativo e Executivo.

Analisando um pouco mais as respostas, observamos acadêmicos que irão se

graduar, passar no exame da ordem, e começar a trabalhar como advogados, cuja

profissão é justamente defender os direitos das pessoas. O contra-senso presente é o de

um futuro profissional lidando com questões que ele sequer reconhece como passíveis

de serem concretizadas. A deficiência no desenvolvimento da linguagem não permitiu

que durante os cinco anos do curso houvesse uma continuidade (SAVIANI, 2005) na

aquisição de uma consciência que permitisse reconhecer as circunstâncias materiais que

acabam formando a dinâmica social, implicando igualmente na falta de uma linguagem

adaptada para se trabalhar esse contexto. Como exemplo, o Direito à Igualdade para a

maioria passa a ser apenas uma ilusão, então, não havendo como defender esse direito

em um caso real, perante um Magistrado e um Tribunal com formações altamente

conservadoras. Os argumentos alinhavados pelo futuro profissional serão tão fracos que

o Magistrado nem perderá muito tempo tentando rebatê-los, denegando assim a

pretensão como corriqueiramente acontece.

Conclusão

Compreendemos que os Acadêmicos do Curso de Direito revelam a falta de uma

qualidade em sua formação universitária, não demonstrando a desejada sedimentação de

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conceitos ou institutos básicos do curso, altamente necessários para o desenvolvimento

de novas relações e formação de novos conhecimentos.

Percebemos, devido aos experimentos gerais e a estes específicos, uma grande

preocupação dos acadêmicos em demonstrar um conhecimento cirúrgico, a exemplo das

ciências exatas, sem a devida paciência para construir relações como meio de relembrar

algum instituto, construir argumentos, ou tecer correlações para com a respectiva

realidade social. Para nós esses fatores revelam a forte carga positiva presente no curso

de Direito, seja oriunda das aulas expositivas dos Professores; das provas realizadas;

dos materiais de estudo, em sua maioria manuais; ou ainda devido a consciência

adquirida sobre a altíssima cobrança positiva realiza pelos diversos concursos públicos

da área.

Como essa espécie de formação universitária fica apartada da realidade social,

ajudando, inclusive, a encobrir pela ideologia, práticas governamentais não condizentes

com um Estado Democrático Republicano, verificamos a necessidade de se introduzir

uma nova prática social (LURIA, 1980), especificamente educacional e que permita

uma continuidade em prol do amadurecimento do pensamento, do estabelecimento de

relações, do revelar de particularidades essenciais a compreensão ampla da vida em

sociedade, para bem nela compreender e atuar.

REFERÊNCIAS

GARCIA, Othon M. Comunicação em Prosa Moderna. 21. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 332-336. GASPARIN, João Luiz. Uma Didática para a Pedagogia Histórico Crítica. 4. ed. Campinas: Autores Associados, 2007. LYRA FILHO, Roberto. O Direito que se Ensina Errado. Brasília: Centro Acadêmico de Direito da UNB, 1980. LYRA FILHO, Roberto. O que é Direito. 3 ed. São Paulo: Brasiliense, 1983 LURIA, A. R. Pensamento e Linguagem: as últimas conferências de Luria. Tradução: Diana Myriam Lichtenstein e Mário Corso. Supervisão de Tradução: Sérgio Spritzer. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

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SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia. 39. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2007. SAVIANI, Demerval. Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras aproximações. 9. ed. Campinas, SP: autores associados, 2005. VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da Práxis. 2 ed. Tradução: Maria Encarnación Moyá. São Paulo: Expressão Popular, 2011. VERONEZE, Paulo R.; GASPARIN, João L., Experimentos Preparatórios para a Aplicação de Uma Didática Histórico Crítica. In: Seminários de Pesquisa do PPE-UEM, 2012. Maringá-PR. Anais. Maringá-PR: UEM, 2012. CD-ROM. VIGOTSKI, L. S. Pensamento e Linguagem. Tradução de Jeferson Luiz Camargo. Revisão técnica José Cipolla Neto. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. VIGOTSKI, L.S.; LURIA, A.R.; LEONTIEV, A.N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Tradução de Maria Penha Villalobos. São Paulo: Ícone, 2006. VIGOTSKI, L.S. A Formação Social da Mente. 7 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.