experimentando ciência - teorias e práticas para o ensino da biologia

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EXPERIMENTANDOCIÊNCIA

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Vice-Reitor no exercício da Reitoria Julio Cezar DuriganChefe de Gabinete Carlos Antonio Gamero

Pró-Reitora de Graduação Sheila Zambello de PinhoPró-Reitora de Pós-Graduação Marilza Vieira Cunha Rudge

Pró-Reitora de Pesquisa Maria José Soares Mendes Giannini Pró-Reitora de Extensão Universitária Maria Amélia Máximo de Araújo

Pró-Reitor de Administração Ricardo Samih Georges Abi RachedSecretária Geral Maria Dalva Silva Pagottol

Universidade Estadual Paulista

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EXPERIMENTANDO CIÊNCIATeorias e Práticas para o Ensino da Biologia

Cul

tura

Aca

dêm

ica Lucia Maria Paleari (org.)

Raquel Sanzovo Pires De Campos (org.)

Helton Otsuka (org.)

Marina Begali Carvalho (org.)

São Paulo2011

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©Pró-Reitoria de Graduação, Universidade Estadual Paulista, 2011.

Ficha catalográfi ca elaborada pela Coordenadoria Geral de Bibliotecas da Unesp

Experimentando ciência : teorias e práticas para o ensino da biologia /organizadores Lucia Maria Paleari ... [et al.]. – São Paulo :

Cultura Acadêmica : Universidade Estadual Paulista, Pró-Reitoria deGraduação, 2011.

344 p.ISBN 978-85-7983-146-1

1. Biologia – Ensino. 2. Paleari, Lucia Maria. 3. Campos, Raquel Sanzovo Pires de. 3. Otsuka, Helton. 4. Carvalho, Marina Begali.

CDD 570.7

E96

Pró-reitora Sheila Zambello de Pinho

Secretária Silvia Regina Carão

Assessoria Elizabeth Berwerth Stucchi José Brás Barreto de Oliveira Klaus Schlünzen Junior (Coordenador Geral – NEaD)

Maria de Lourdes Spazziani

Técnica Bambina Maria Migliori Camila Gomes da Silva Cecília Specian Eduardo Luis Campos Lima Fúlvia Maria Pavan Anderlini Gisleide Alves Anhesim Portes Ivonette de Mattos José Welington Gonçalves Vieira Maria Emília Araújo Gonçalves Maria Selma Souza Santos Renata Sampaio Alves de Souza Sergio Henrique Carregari Vitor Monteiro dos Santos

equipe

REVISÃO TÉCNICA

Drª Cláudia Aparecida RainhoUnesp, IB – Botucatu, Depto. de Gené[email protected]

Drª Edy de Lello MontenegroUnesp, IB – Botucatu, Profª Emérita do Depto. de [email protected]

Drª Fátima do Rosário Naschenveng KnollUnesp, FC – Bauru, Depto. de Ciências Bioló[email protected]

Dr. Gilson Luiz VolpatoUnesp, IB – Botucatu, Prof. Adjunto Depto. de [email protected]

Dr. Helton Carlos DelicioUnesp, IB – Botucatu, Deptº de [email protected]

Drª Jocelia GraziaUfrgs, IB – Porto Alegre, Departamento de [email protected]

Dr. José Vanderlei MenaniUnesp, FO – Araraquara, Depto. de Fisiologia e [email protected]

Drª Luciana Maria Lunardi CamposUnesp, IB – Botucatu, Depto. de Educaçã[email protected]

M.Sc. Luciana Trevisan BrunelliUnesp, FCA, Laboratório de [email protected]

Drª Rita C.S. Maimoni-RodellaUnesp, IB – Botucatu, Depto. de Botâ[email protected]

M.Sc. Viviane Cristina TofoloUnesp, IB – Rio Claro, Depto. de [email protected]

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PROGRAMA DE APOIOÀ PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO

Considerando a importância da produção de material didático-pedagógi-co dedicado ao ensino de graduação e de pós-graduação, a Reitoria da UNESP,por meio da Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD) e em parceria com aFundação Editora UNESP (FEU), mantém o Programa de Apoio à Produçãode Material Didático de Docentes da UNESP, que contempla textos de apoioàs aulas, material audiovisual, homepages, soft wares, material artístico e outrasmídias, sob o selo CULTURA ACADÊMICA da Editora da UNESP, disponi-bilizando aos alunos material didático de qualidade com baixo custo e editadosob demanda.

Assim, é com satisfação que colocamos à disposição da comunidade aca-dêmica mais esta obra, “Experimentando Ciência: Teorias e Praticas para oEnsino da Biologia”, organizado por: Profa Dra Lucia Maria Paleari, RaquelSanzovo Pires de Campos, Helton Otsuka, Marina Begali Carvalho, do Institu-to de Biociências do Câmpus de Botucatu, esperando que ela traga contribui-ção não apenas para estudantes da UNESP, mas para todos aqueles interessa-dos no assunto abordado.

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SUMÁRIO

Prefácio 9

1 Introdução 11

2 Uma breve história do tempo geológico 23

3 Paleontologia, fósseis e o processo de fossilização 51

4 Classifi cação biológica: desafi os na história da Biologia 89

5 Da fl or ao fruto 111

6 A célula por dentro: uma abordagem dinâmica do processo de síntese proteica 163

7 Muco: constituição e papel no organismo 195

8 Aspectos teóricos e práticos da fi siologia da circulação 205

9 Mecanismos de locomoção em equinodermos, moluscos e peixes 225

10 Formigas cortadeiras: biologia e técnicas de manutenção em cativeiro 249

11 Cana: açúcar, etanol e as questões sociais 269

12 A camufl agem e o mimetismo nos animais 307

13 Células-tronco: os atuais desafi os da vida 321

Sobre os organizadores 341

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PREFÁCIO

Na arte de ensinar todos são denominados educadores. Poucos realmenteo são e a Dra. Lucia Maria Paleari se encontra entre estes. Depois de sua for-mação acadêmica em Ciência Físicas e Biológicas, seguiu o caminho comumdos graduados, na busca de maiores titulações, escolhendo a área de ecologiapara seu Mestrado e Doutorado. Eventos paralelos durante essas atividades,levaram-na a se tornar professora de Ciências Biológicas, no Ensino Funda-mental. E encantou-se com a profi ssão que desempenhou durante dez anos.Soube aproveitar o caldeirão de curiosidade dos adolescentes e experimen-tou, como sabe muito bem fazer, a arte de estimular o aluno a pensar e criar.Para se aprimorar na educação, graduou-se em Pedagogia. Desde 1998 é pro-fessora de Prática de Ensino no Instituto de Biociências da UNESP, campusde Botucatu.

É notável o trabalho de Extensão que realizou durante anos com alunosdo Curso Fundamental de uma Escola Pública situada no distrito de RubiãoJúnior, onde se localiza o Campus da UNESP. O “Projeto Colorir”, como foichamado, orientou dezenas de alunos, carentes, em diversas áreas da ciência,como computação, matemática, física, biologia, não apenas dando ensinamen-tos mas despertando neles a curiosidade latente e frequentemente inibida. Elaos fazia pensar e entender que, assim, poderiam alcançar um futuro melhor. Etodos conseguiram.

Com seus alunos de graduação em Ciências Biológicas, por vários anos de-senvolveu um projeto que denominou “Experimentando Ciência”. O objetivoagora era despertar os licenciados para a desafi ante tarefa do ensino de Ciên-cias. Era importante que esses futuros professores pudessem saborear o sabordo conhecimento, experimentando o próprio de maneira bastante prática e, aomesmo tempo, transmitindo para outros essa experiência. Assim, cada grupode alunos desenvolvia um assunto escolhido e, em seguida, preparava paramostrá-lo, didaticamente a toda comunidade, na forma de instalações.

Esta publicação representa uma pequena amostra do enorme trabalhoidealizado e conduzido pela Dra. Paleari. Com entusiasmo, desafi ou os alu-

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nos que, especialmente em 2007, puderam mostrar toda sua criatividade, quesurpreendeu muitos dos docentes responsáveis pelas disciplinas, cujos temasforam escolhidos para serem desenvolvidos. O empenho com que os alunosexecutaram suas tarefas, idealizando e realizando de forma original suas apre-sentações, pôde ser testemunhado por milhares de adolescentes, jovens e adul-tos que visitaram o evento “Experimentando Ciência”.

Dra. Edy de Lello MontenegroProfa. Emérita do Instituto de Biociências da UNESP de Botucatu

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1INTRODUÇÃOLucia Maria Paleari1

1.1 UM PANORAMA INQUIETANTE E DESAFIADOR

Em um período de vertiginosas mudanças sociais, que têm como forçamotriz os rápidos avanços científi co-tecnológicos, é inconcebível uma popu-lação desprovida de conhecimentos básicos capacitando os indivíduos para oexercício da cidadania. Compreender e posicionar-se adequadamente diantede questões médico-sanitárias, por exemplo, de saúde individual e coletiva,agrícolas e de sustentabilidade ambiental, passa, necessariamente, pela apro-priação de conhecimentos de base das Ciências Naturais e Humanas.

No entanto, avaliações divulgadas por diversos meios de comunicaçãorevelam que estamos muito aquém da condição desejável, com adolescentese jovens incapazes de leitura-escrita, operações aritméticas e conhecimentoscientífi cos básicos (OECD, 2000; OECD, 2006; HAMBURGER, 2007; http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2009/02/18/aprendizagem-ainda-baixa-no-pais-754485174.asp; http: //oglobo.globo.com/educacao/mat/2009/02/17/brasil-longe-das-metas-de-educacao-754467438.asp; http: //www.todospe-laeducacao.org.br/). Cultura artística e cultura histórica também passam aolargo da maioria das pessoas, que não têm fácil acesso e nem preparo ou estí-mulo para fazer uso de bibliotecas públicas, museus, apresentações teatrais emusicais diversifi cadas. Resultam daí problemas de diversas naturezas tantopara o indivíduo, que tem difi culdade para expressar-se, para entender o quese passa a sua volta e posicionar-se conscientemente, como para a sociedade,na qual problemáticas ambientais, de saúde, de segurança e de prestação deserviços tenderão a se avolumar e a tornar cada vez mais precárias as condi-ções de vida.

Dada a rede inextrincável de complexas interações entre os seres vivos,este ambiente biológico e o meio físico coexistindo e coevoluindo como siste-

1. Unesp – Departamento de Educação, IB CP 510, 18618-970 Botucatu, SP [email protected]

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ma, cada sociedade humana resultará em uma organização capaz de acolhera todos os cidadãos de forma justa, ou fará emergir confl itos, doenças, mor-tes prematuras e temor quanto ao porvir, de acordo com a visão de mundo eas práticas diárias de seus integrantes. A percepção profunda da condição deco-responsabilidade pela confi guração desse sistema, de que tudo o que atin-gir a qualquer dos componentes repercutirá no conjunto todo, muitas vezescom efeito potencializado positiva ou negativamente, em processo de retroali-mentação (BERTALANFY, 1976, CAPRA, 1997, 2002), é imprescindível paraaplacar o individualismo, a competição perversa e espoliação do planeta, quealimentam sensações fugazes e ilusórias de prazer e conquista.

1.2 ENSINO DE CIÊNCIAS E DE BIOLOGIA: CHAMAMENTO E COMPROMISSO

Conquanto uma corrente de pensamento valorize a educação básica ten-do em vista as suas implicações na qualifi cação de jovens, os quais deveriamgarantir avanço científi co, crescimento econômico e projeção internacional dopaís, não faltam pensadores que advogam educação básica de qualidade paraa formação de pessoas capazes de atuações compatíveis com auto-realização ebem-estar coletivo (WERTHEIN e da CUNHA, 2005), quiçá sem a voracida-de consumista que tem sustentado o famigerado crescimento econômico. Umcrescimento a exaurir o planeta, fi nito em recursos e já imensamente ressen-tido das severas ações humanas (LOVELOCK, 2008), que, segundo Caldwell(1995), precisam ser consideradas, redimensionadas e orientadas em todo oplaneta a partir de interações efetivas entre os conhecimentos científi cos dis-poníveis e cidadãos bem informados.

Ao que tudo atesta, enveredamos por um caminho tremendamente sinu-oso, que nos está colocando à prova e exigindo mudanças tão rápidas, quefarão a obsolescência de soft wares e miniaturização de circuitos eletrônicosparecerem saltos seculares.

No Brasil, não faltam vozes a clamar por investimentos em educação comoforma de preparar as crianças e os jovens para compreensão das questões atu-ais e da necessidade premente de mudança dos nossos hábitos consumistas,superfi ciais e inconsequentes. Vozes de pessoas convictas de que uma geração

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consciente poderá empenhar-se no reencontro com a Natureza, redescobrindoa poesia e os valores de vida.

Isso não signifi ca abdicar das conquistas e aprimoramento tecnológicosque nos têm permitido viver com mais conforto e saúde, mas, sim, estabelecernovos critérios e limites, para que seja duradoura a nossa possibilidade, comoespécie, de conviver no sistema planetário.

Mas, enquanto medidas amplas e profundas no sistema de ensino não sãoidealizadas e consumadas para garantir a formação de pessoas letradas científi cae literariamente, inúmeras iniciativas valorosas, algumas ligadas a instituiçõespúblicas e fundações, têm levado conhecimento à população, na forma de expo-sições, projetos de extensão universitária, apresentações teatrais, ofi cinas etc.

Se considerarmos ainda, que as universidades públicas, em seus diversoscursos de licenciatura, têm destinado muitos recursos à preparação de futurosprofessores e que a maioria desses benefi ciados descarta de antemão a docên-cia como profi ssão, resultado, principalmente, das difíceis condições de tra-balho, baixa remuneração e não valorização dos professores do ciclo básico(Abib, 1996, Carvalho & Gil-Pérez, 1995, Diegues, 2007, Moura, 1989, Bizzo,2003), por que não ampliar as oportunidades de experiência dos licenciandos,e sensibilizá-los para as questões do ensino, em um espaço interativo e abertoao público em geral? Por que não os desafi ar a selecionar e adequar pedagogi-camente conteúdos de áreas específi cas, para serem apresentados em instala-ções nas quais atuem junto aos visitantes como mediadores para compreensãode fenômenos do cotidiano?

Dessa forma, é pertinente e socialmente relevante uma proposta como ado evento “Experimentando Ciência”, iniciado em 2003, que tem por objetivoenvolver licenciandos das Ciências Biológicas, da Unesp de Botucatu, em umaatuação complementar àquela dos estágios nas escolas. Esse evento acrescentaoutra dimensão à experiência na prática de ensino, normalmente marcada poraulas com tempo preestabelecido e atuações pontuais para desenvolver conte-údos específi cos de Ciências (Ensino Fundamental) e de Biologia (Ensino Mé-dio) no ciclo básico. Ele amplia as possibilidades de desempenho e discussõessobre as implicações científi cas e sociais dos diferentes assuntos, na medidaem que retomadas constantes dos recursos preparados, uso de estratégias e

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linguagem, com pessoas de diferentes faixas etárias e níveis de formação, pro-picia reavaliações e adequações seguidas. De outra parte, ainda contribui paraa divulgação científi ca e letramento da população em geral, com possibilidadesde despertar talentos e interesses pela pesquisa científi ca.

1.3 ENSINO-APRENDIZAGEM: MAIS DO QUE DESAFIOS, OPORTUNIDADES

Em 2003 e 2004 o desafi o aos licenciandos foi o de trabalhar com conheci-mentos fundamentais de física e de química, dado o pouco preparo e interesseque os graduandos em Ciências Biológicas têm por essas duas áreas. Comoprofessores habilitados para o Ensino de Ciências e Biologia, conceitos, ideias,leis e até mesmo aspectos históricos e fi losófi cos para contextualizar certasdescobertas nessas áreas são imprescindíveis para ajudar os adolescentes acompreender fenômenos do cotidiano e a avançar, expandindo posteriormen-te suas respectivas redes de conhecimentos.

Faz parte da proposta do Experimentando Ciência a organização do even-to, etapa importante de articulação, que demanda esforços de diversas nature-zas e em especial o aprendizado difícil, às vezes sofrido, de trabalhar em grupo,planejando e concretizando ideias em prol de um sucesso coletivo.

Considerando que parte notável dos avanços atuais em diversos setorescomo no farmacêutico, médico-hospitalar, agronômico, veterinário resulta daaplicação de conhecimentos científi cos gerados nas Ciências Biológicas, cujasvertentes, médica e ambiental, implicam diretamente na alimentação de es-tados saudáveis ou doentios de vida humana, a 3ª edição do evento Experi-mentando Ciência (ano de 2007) deixou de privilegiar as Ciências Físicas eQuímicas, como nos dois anos anteriores, para colocar em primeiro plano asCiências Biológicas e seus fundamentos.

Dessa forma, os temas de maior interesse dos biólogos foram priorizados,sem, contudo, abdicar-se da química e da física, dado que conhecimentos es-pecífi cos destas duas áreas são essenciais à construção de modelos explicati-vos, especialmente no nível molecular de estruturas e processos metabólicos.A este ramo Ernest Mayr refere-se como biologia mecanicista ou do métodoexperimental, cujas características diferem substancialmente do ramo descri-

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tivo-comparativo, próprio da biologia histórica, adotado por taxonomistas,evolucionistas e historiadores naturais (Mayr, 2005 e 2008) ramo este tambémentendido por outros estudiosos como sendo próprio da Ecologia, uma dasáreas de interface com a Biologia. Conquanto todas as divergências fi losófi case a forte tendência mecanicista que permeia o pensar e agir de pesquisadoresde diferentes áreas, os avanços e inovações conceituais em biologia, notáveis apartir do século XIX, implicaram, inclusive, na valorização do ramo históricodas Ciências Biológicas.

Gabriel e Teixeira (1999) consideram que essas características menosexperimentais da Biologia são de especial importância por permitirem a ex-ploração interdisciplinar, na forma de temas transversais, como sugerido nosParâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1998), favorecendo a produção deinstalações interativas que proporcionam descobertas visuais, táteis, olfativas,de natureza biológica, física, química, geográfi ca, histórica e social.

Com toda a gama de possibilidades que as Ciências Biológicas oferecempara o exercício criativo de instalações cientifi ca e pedagogicamente apropria-das e atraentes à notável diversidade de público visitante, não faltou resistên-cia e questionamentos de diversas naturezas a ameaçar esse empreendimento.Empreendimento que posteriormente foi reconhecido, pelos próprios licen-ciandos, como de grande valor na preparação para a docência. Pessoa esta pri-vilegiada por cursar uma universidade pública e, muitas vezes também, por seragraciada com bolsas de apoio, de iniciação científi ca ou de aprimoramento, emoradia estudantil. Dessa forma, nada mais compreensível, justo e salutar, doque conclamar esses jovens universitários a desenvolver ações particularmenteedifi cantes e que também revertam à sociedade, na forma de conhecimento epossibilidades de apreciações estéticas de aspectos da Natureza, parte dos bensintelectuais adquiridos.

Especialmente no ano de 2007 as resistências iniciais, frutos de inseguran-ças compreensíveis e ultrapassáveis, se encaradas com sinceridade, seriedade etenacidade de quem deseja aprimorar-se, precederam a aceitação da propostae foram seguidas de avanços signifi cativos, que culminaram em um eventode qualidade não apenas plástica e interativa, mas científi ca (http: //www.ibb.unesp.br/eventos/experimentando_ciencia/index.php). Nem mesmo os nós,

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impossíveis de serem desatados no tempo que nos coube, decorrentes de cer-tas divergências mal elaboradas, impediram o brilhantismo e valor das con-quistas e, tampouco, que a emoção tomasse conta daqueles que acreditaram ese colocaram em movimento.

A proposta complementar foi a de transformarmos os assuntos desenvol-vidos nesse evento, em capítulos de um livro. Este livro. Por diferentes razões,nem todos prepararam um texto e integraram-no a esta obra. Mesmo assimsomamos, com a colaboração de professores, material sufi ciente para seguir-mos em frente e trabalhar nesta outra forma de divulgação científi ca. Novosdesafi os, novos entraves suportáveis ou contornáveis e novas conquistas. Ca-racterísticas de um sistema dinâmico e complexo: rearranjo de trajetórias, re-troalimentações e novos atratores. Daqui em diante, o que disponibilizamospor certo se prestará a novas interpretações, trajetórias, conformações, e, dese-jamos, com ganhos e descobertas agradavelmente surpreendentes.

Este trabalho de organização do material produzido por licenciandos daXL turma das Ciências Biológicas e por professores-pesquisadores foi possíveldevido à colaboração dos biólogos Helton Otsuka, Marina Begali Carvalho eRaquel Sanzovo Pires de Campos, que atenciosamente concordaram em rea-lizar comigo o trabalho de edição dos textos. Entre compromissos com disci-plinas, estágios, concursos e vida pessoal reunimo-nos amiúde para fazer asleituras, correções e ajustes necessários aos textos, com todo o cuidado paranão os descaracterizar. Trabalho difícil, que nos tomou bem mais tempo doque imaginamos de início, mas que nos deu a oportunidade de clarear pen-samentos, partilhar conhecimentos e descobrir novas habilidades. Para mim,especialmente, uma convivência prazerosa e enriquecedora. Depois desse mi-nucioso trabalho para adequar os textos, os capítulos foram enviados a espe-cialistas para revisão e devolvidos aos seus autores para apreciação. Portanto,os conteúdos dos capítulos são de total responsabilidade de seus respectivosautores.

Dessa forma, concluímos uma proposta para a Prática de Ensino de Ci-ências e de Biologia, que integrou ensino, pesquisa e extensão universitária eresultou em múltiplas oportunidades de ensino-aprendizagem.

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1.4 CONSTRUIR CAMINHOS, UMA PROFUNDA MUDANÇA CONCEITUAL

Quando comemoramos o início do século XXI, as marcas forjadas nopensamento científi co moderno, traduzido em tecnologia e organização socialfundamentada no mecanicismo-reducionismo, eram ainda tão vivas que nãoconseguimos avançar rumo a um novo tempo. Tempo de problemáticas queexigem visão sistêmica e processos sociais interativos e solidários, para quepossam ser adequadamente interpretadas, a fi m de que os inquietantes ques-tionamentos sejam respondidos a contento. Mantivemo-nos robotizados e es-pecializados na conquista e manutenção da efi ciência e da alta produtividade,como retratou Chaplin no fi lme Tempos modernos, e com alto grau de miopia,que impossibilita ampliar a sabedoria, apesar de estarmos tão necessitadosdela, como escreveu Whitheread (2006).

Continuamos a procurar caminhos e espaços para ocupar com essa nossabagagem e com as frustrações acumuladas, que nos fi zeram individualistas,competitivos, violentos e depressivos, apesar da exuberância do sistema cós-mico e, em particular, da vida, que nos brinda com processos de grande belezae criatividade proporcionando a construção do ambiente e coevolução de to-dos os seres que interatuam. Esta visão, suportada por resultados de estudoscientífi cos, está longe de sugerir estagnação, fragmentação. Muito pelo con-trário, estimula a percepção de um mundo dinâmico em constante constru-ção (LEWONTIN, 2002). As posturas humanas, baseadas em antigas crenças,destoam das revoluções que rejuvenescem a vida e colocam os seres humanoscomo monolitos em processo de desgaste, ao invés de sujeitos coparticipantesdos processos planetários renovadores.

Nesse contexto, à semelhança do paradoxo atômico, decorrente de expe-rimentos que atestam a dualidade das partículas materiais (BOHR, 1995), obinômio ser/não ser é o estado não realizado, são as possibilidades não ob-servadas de, por exemplo, caminhos e nichos. O caminho se faz ao caminhar(MACHADO, 1973) é uma expressão exemplar do que é paradoxal, porqueum determinado caminho existe e não existe ao mesmo tempo, até que um ob-servador específi co, neste caso o caminhante, surja e provoque a sua existên-cia, comprometida na ausência desse observador. Podemos considerar ainda

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o nicho, que em Ecologia tem sido compreendido como um hipervolume pré-existente (HUTCHINSON, 1981). Na realidade, não se trata de local pré-defi -nido presente na Natureza, que pode ser preenchido, conquistado e defendidoem caso de competição provocada por uma espécie aparentada ou necessitadadas mesmas condições. Um determinado nicho, assim como um caminho, éconstruído por quem o conceba a partir das infi nitas possibilidades.

Portanto, competição, conceito associado à prática humana de luta parapossuir, dominar e acumular tende a excluir, destruir e exaurir, diferente-mente daquilo que se tem observado em relações mutualísticas, por meio dasquais a necessidade cria o novo, o bem-sucedido (MARGULIS, 2001; WHI-TEHEAD, 2006). No seu livro `A ciência e o mundo moderno´, Whiteheadapresenta, junto a um exemplo que reúne associações cooperativas, consi-derações relevantes sobre o caráter das interações, de tal forma que podemservir para aprofundarmos o entendimento do signifi cado da vida humanaem sociedade, avançando das costumeiras interpretações que contemplampredominantemente os papéis e necessidades individuais, para interpreta-ções que assumem também a totalidade e o que dela genuinamente resulta.Segundo ele:

As árvores de uma fl oresta brasileira dependem da associação de várias espé-cies de organismos, cada uma delas dependente de outras espécies. Uma só árvoreper si é dependente de todas as probabilidades adversas de circunstâncias passí-veis de mudança. O vento lhe impede o crescimento; as variações de temperaturanão permitem que tenha folhagem; as chuvas deslocam-lhe o solo; as suas folhassão dispersas e perdidas para o bem da fertilização. Podemos obter espécies indi-viduais de árvores escolhidas em circunstâncias excepcionais ou onde intervém ocultivo feito pelo Homem. Mas, na Natureza, o meio normal pelo qual as árvoresfl orescem é a sua associação em fl oresta. Cada árvore pode perder alguma coisapara a sua perfeição individual de crescimento, mas todas mutuamente se auxi-liam, preservando as condições de sobrevivência. O solo é preservado e sombrea-do; e os germes necessários a sua fertilidade não são queimados, nem congelados,nem destruídos com a limpeza. (p. 252)

E o que parece óbvio trata-se de uma mudança conceitual tão profundaquão difícil de ser compreendida e incorporada ao cotidiano de quem foi for-jado em uma concepção de mundo mecanicista, reducionista, que enquadrouo Homem nessa metáfora da máquina dos processos celulares físico-químicos,

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aos órgãos transplantáveis. No entanto, desde os genes partículas, à semelhan-ça de contas em rosário, avançamos para um sistema gênico de “unidades deinformação” que interagem em combinações variáveis intra e intercromosso-mos, também infl uenciadas por estados metabólicos e emocionais particularesdos indivíduos (CARROLL, GRENIER e WEATHERBEE, 2005; LEWONTIN,2002 e BERCZI e SZNTIVANYI, 2003).

Nesse contexto, no qual o conhecimento científi co foi revolucionado, semque a maioria da população, inclusive de professores e pesquisadores, con-seguisse romper com velhas concepções, como e o quê ensinar em aulas deCiências e de Biologia é uma questão mais profunda, complexa e desafi adorado que intentam e sugerem as orientações pedagógicas reduzidas às técnicasde ensino, às relações interpessoais e às propostas derivadas de vagas interpre-tações sobre achados ainda embrionários das neurociências.

Necessitamos de novas teorias, que nos façam compreender melhor omundo, bem como a nós mesmos, de tal forma que viver seja uma aventu-ra plena, repleta de signifi cados. Um viver que há de ser reverenciado, assimcomo o planeta que nos acolhe. Conseguimos feitos notáveis, mas ainda somosincapazes de assumir a nossa insignifi cância diante do cosmos, e de ampliarnossas experiências mais profundas em detrimento ao consumismo e à pa-dronização fenotípica de modismos fúteis, para podermos participar de umsistema planetário integrados, e, nele, coevoluir com dignidade. Da manhã or-valhada ao pôr-do-sol enluarado, do botão ao perfume da fl or, das lavas fervi-lhantes às planícies e oceanos enriquecidos de vida, do ovo ao ser humano quese emociona, sonha e fenece, a renovação constante da vida e das paisagens,o mistério, que, belo e inquietador, negamos ao silêncio ensurdecedor ou aexplicações parciais, que não contemplam a totalidade da vida.

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2UMA BREVE HISTÓRIA DO TEMPO GEOLÓGICOLuiz E. Anelli1

Marcello G. Simões2

O tempo geológico situa cronologicamente os eventos ocorridos na histó-ria do planeta Terra, uma história iniciada há 4,6 bilhões de anos. Pense bem,são 4.600.000.000 anos! Nós, Homo sapiens, surgimos há cerca de 100.000anos. Se o tempo geológico tivesse um dia de duração, teríamos chegado àTerra faltando menos de dois segundos para a meia-noite.

Um tempo tão longo é quase inconcebível para nós que medimos nos-sa história em anos, séculos ou até poucos milênios. No tempo geológico, osacontecimentos são separados por milhões de anos (Ma) ou até bilhões deanos (bi). Apesar da magnitude do tempo geológico ser tão difícil de imaginar,como as distâncias astronômicas medidas em anos-luz ou o tamanho do átomomedido em angström (ver quadro 1), ele pode ser medido pela decomposiçãode elementos radioativos, que são os relógios atômicos usados em geocronolo-gia, a ciência que lida com a datação absoluta das rochas.

A evolução biológica promovida pela interação entre os seres vivos e oambiente onde viviam, produziu milhões de espécies que estiveram presen-tes em momentos distintos da história da Terra. Fósseis de bactérias, plantase animais, estão distribuídos por camadas de rochas sedimentares em todoo mundo, principalmente dos últimos 600 milhões de anos, quando os orga-nismos começaram a sintetizar esqueletos biomineralizados. Determinandoa idade absoluta das rochas por meio de análises químicas, que são utilizadaspela geocronologia (geo = rochas; crono = tempo; logia = estudo) e estudan-do os fósseis nelas contidos, o Homem aprendeu a estabelecer idades relati-vas entre as camadas de rochas, isto é, conseguiu saber qual rocha é mais oumenos antiga com relação à outra. Este é o princípio da datação relativa utili-zado pela ciência que estuda os fósseis, a Paleontologia, para a qual restos deorganismos fossilizados podem dar pistas sobre a antiguidade da rocha.

1. USP – Instituto de Geociências, Rua do Lago, 562, CEP 05508-080, São Paulo, SP [email protected] 2. Unesp – Departamento de Zoologia, IB CP 510, 18618-970 Botucatu, SP [email protected]

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Quadro 1 Medidas usadas para distâncias muito grandes ou muito pequenas

velocidade da luz no vácuo um metro dividido em 1000 partes

299 792 km/s(~300 000 km/s)

1000 mm(milimetros)

medida da distância que ela percorre em um ano um milimetro dividido em 1000 partes

~ 9 450 000 000 000 km(9 trilhões e 450 bilhões de quilômetros)

1000 μ(micra)

um micron dividido em 1000 partes

1000 Å(angstrons)

portanto, 1 Å = 0, 000 000 000 1m(10-10 m)

ano-luz angström

(ly – do inglês, light-year) (A)

Antes do surgimento da geocronologia, em meados do século XX, otempo geológico era tema de debates calorosos entre filósofos, teólogose naturalistas. Um dos mais famosos exemplos é a obra do Arcebispo ir-landês James Ussher. Ele publicou sua obra “Anais do Antigo Testamento”deduzido a partir das primeiras ideias existentes na bíblia sobre as origensdo mundo, na qual ele afirma que a Terra foi criada em 23 de outubro doano 4004a.C. Esta e outras tentativas de estabelecer a idade da Terra combase na interpretação literal de escritos sagrados foram derrubadas peloconhecimento científico.

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Para facilitar a localização de um acontecimento nos 4,6 bilhões de anosdo tempo geológico, este foi dividido e subdividido em intervalos. Os maioresintervalos são chamados eons e são quatro. Do mais antigo para o mais recentesão eles: Hadeano, Arqueano, Proterozóico e Fanerozóico. Os eons, em parti-cular o Fanerozóico, foram subdivididos em eras, que por sua vez foram subdi-vididas em períodos e épocas. Cada subdivisão é marcada por acontecimentosque estão registrados nas rochas, em particular aqueles ligados à evolução davida, tais como grandes extinções que ocorreram devido a catástrofes naturais.Registros de grandes variações no nível do mar e mudanças marcantes obser-vadas nas rochas também foram utilizados para a determinação dos limites emperíodos e épocas.

2.1 HADEANO (DO LATIM, HADES, DEUS MITOLÓGICO DO SUBMUNDO) 4,6 – 3,8 BI DE ANOS

O Hadeano é o intervalo de tempo compreendido entre a origem da Terra(4,6 bi) e a idade das rochas mais antigas conhecidas (cerca de 3,8 Bi). Não há,portanto, um registro geológico dos primeiros 800 milhões de anos da históriado planeta e praticamente não se sabe como era a Terra neste primeiro eon.Como todo o Sistema Solar, a Terra formou-se pela condensação de uma nu-vem de gases e poeira cósmica. Dessa forma, acredita-se que no início de suahistória, as temperaturas eram muito elevadas e os processos geológicos erammais acelerados e intensos que os atuais.

As rochas formadas no Hadeano foram destruídas porque a crosta terrestreera mais quente e delgada, sendo rapidamente recicladas pelos processos geoló-gicos e também pelo intenso bombardeio de asteroides que caracterizou este eon.Desde então, os processos de intemperismo e erosão estão destruindo as rochas.

Apesar de atualmente não serem conhecidas na Terra rochas do Hadeano,na Lua elas estão presentes porque este pequeno satélite natural resfriou-semais rapidamente e perdeu sua atmosfera, sofrendo menos com os processosque destroem as rochas, tais como o intemperismo e a erosão. Assim, craterase montanhas muito antigas ainda existem por lá. A teoria mais aceita para aorigem da Lua é a de que um grande impacto teria ocorrido entre a Terra re-cém formada, ainda não completamente sólida, e um corpo celeste quase do

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tamanho de Marte. O material deslocado teria então se aglutinado para formara Lua. A idade mais antiga obtida para rochas da Lua é de 4,3 bilhões de anos,mas acredita-se que ela possa ter uma idade muito próxima de 4,6 bi de anos,que é a idade estimada para a Terra.

Alguns anos atrás, geólogos recuperaram em rochas da Austrália, cristais dezircão com aproximadamente 4,4 bilhões de anos, ainda mais antigos que as ro-chas mais antigas da Lua. Estes são os materiais mais antigos da Terra, que nos aju-dam a compreender um pouco os primeiros 800 milhões de anos de sua história.

2.2 ARQUEANO (DO GREGO, ARKHAIOS, ANTIGO) 3,8 – 2,5BI DE ANOS.

À medida que a Terra perdia calor e cessava o bombardeio de asteroides,teve início a formação dos primeiros núcleos rochosos que mais tarde dariamorigem aos continentes. O esfriamento também causou a precipitação do va-por de água que deu origem aos primeiros oceanos. Além disso, dados isotó-picos indicam que boa parte da água terrestre teve uma origem extraterrestrea partir do choque de cometas com a Terra. Esta água líquida foi o primeirorequisito para que as primeiras reações químicas que dariam origem à vidapudessem ocorrer. De fato, as mais antigas evidências de vida conhecidas sãodo Eon Arqueano, em torno de 3,5 bilhões de anos, e são restos de organismosmicroscópicos semelhantes a bactérias, conhecidos como procariontes. Elesviviam no mar, porque, ao que nos indicam algumas investigações, a atmosferaprimitiva tinha altas concentrações de gases tóxicos (metano, amônia, monó-xido de carbono). A concentração de oxigênio na atmosfera também era baixademais e não havia a camada de ozônio para proteger a vida fora da água con-tra os raios ultravioleta. A água era então o único lugar seguro para a vida. Cia-nobactérias prosperaram e, através da fotossíntese, enriqueceram a atmosferacom um gás que mudaria radicalmente a Terra: o oxigênio. Imensos depósitosde rochas contendo óxido de ferro são testemunhos deste enriquecimento daatmosfera com oxigênio e são conhecidas como formações bandadas de ferro.

Antes da oxidação da atmosfera, o ferro se combinava com o enxofre li-berado pelos processos magmáticos e hidrotermais, formando sulfetos, taiscomo a pirita, conhecida como “ouro de tolo”.

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A vida permaneceu praticamente inalterada nos 1,5 bilhões de anos se-guintes. A Terra já tinha metade de sua idade e as células ainda não tinhammembranas envolvendo seus núcleos: a vida era procariótica e este foi o pri-meiro tronco da árvore da vida.

2.3 PROTEROZÓICO (DO GREGO, PROTEROS, PRIMEIRO, E ZOIKOS, ANIMAL) 2,5BI – 542MA.

Durante o Eon Proterozóico (2,5bi – 543Ma) os continentes se tornarammaiores. Com a exaustão do ferro nos oceanos e o desenvolvimento das cia-nobactérias, a concentração de oxigênio na atmosfera, que era 1% do atualdurante o Arqueano, subiu para 15% durante o Proterozóico. O oxigênio é umpoderoso decompositor de matéria orgânica e, sendo tóxico para muitas for-mas de vida existentes, ele determinou o fi m de muitos grupos de bactérias noProterozóico. Mas a vida continuava nos oceanos e os organismos desenvol-veram métodos químicos para lidar com o oxigênio. Um deles foi a respiraçãooxidativa. Em torno de 1,8 billhões de anos tipos diferentes de bactérias seuniram em simbiose para dar origem a supermicrorganismos, os eucariontes,que têm dentro de suas células núcleo e organelas isoladas por membranas.Este é o segundo ramo da árvore da vida, que a evolução conduziu para umaorganização mais complexa em quatro novos ramos: protistas, plantas, fungose animais.

Durante o Eon Proterozóico, a vida foi dominada pelas algas que deixa-ram um rico registro geológico em forma de rochas sedimentares chamadasde estromatólitos. Perto do fi nal do Proterozóico os continentes agruparam-se para formar um único supercontinente que recebeu o nome de Rodínia.Com a fragmentação de Rodínia em pedaços menores posicionados na linhado equador entre 750 e 635 milhões de anos, desencadeou-se um processo queconduziu a Terra por um severo período glacial, quando até os oceanos se con-gelaram. Esse evento é conhecido como Terra bola-de-neve. Acredita-se quea vida sobreviveu junto às áreas vulcânicas onde o calor mantinha a água naforma líquida, propiciando grandes eventos biológicos ainda no Proterozóico.Em torno de 610 milhões de anos atrás, apareceu a Cloudina, o mais antigo servivo com esqueleto.

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2.4 FANEROZÓICO (DO GREGO PHANEROS, EVIDENTE, E ZOIKOS, ANIMAL) 542MA ATÉ O PRESENTE.

O Eon Fanerozóico é o último dos quatro eons. É o eon da vida multice-lular, dos órgãos com diferentes funções, dos corpos subdivididos em partes.Neste intervalo de tempo, que compreende os últimos 542 milhões de anos, avida tomou forma com a invenção de esqueletos de vários tipos, aprendeu anadar, invadiu os oceanos e adquiriu membros o que possibilitou conquistaros continentes. A vida se espalhou e tomou conta da Terra, desde o desertomais árido até os pólos congelantes. O Eon Fanerozóico é subdividido em trêsgrandes eras: Paleozóica, Mesozóica e Cenozóica.

2.4.1 Paleozóico (do grego palaios, antigo, e zoikos, animal) 542 – 251Ma

Na Era Paleozóica, entre 542 e 248 milhões de anos atrás, os animais maisabundantes eram os invertebrados com exoqueletos, como os braquiópodes, osmoluscos e os artrópodos (trilobites, por exemplo). Seus fósseis são abundan-tes em todo o mundo em rochas formadas nos fundos dos mares que cobriramos continentes por milhões de anos. Fósseis de muitos outros animais como ospeixes, anfíbios e de animais terrestres que inventaram o ovo, são encontradospela primeira vez em rochas paleozóicas. Foi nesta era que as plantas e animaisvertebrados deixaram a vida aquática para viver em terra (ver capítulo 5).

O movimento dos continentes, as glaciações, as erupções vulcânicas e oimpacto de asteroides, causaram mudanças bruscas no clima, levando à mortegrupos inteiros de animais e plantas. Estes eventos são conhecidos pelos pale-ontólogos como extinções em massa.

A Era Paleozóica é subdividida em seis períodos: Cambriano, Ordovicia-no, Siluriano, Devoniano, Carbonífero e Permiano.

2.4.1.1 Cambriano (do latim Cambria, região norte do País de Gales) 542 – 488Ma.

O Período Cambriano é marcado pelo aparecimento repentino de umagrande diversidade de animais com esqueletos. Quase todos os tipos de seresvivos existentes hoje ou extintos, especialmente os trilobites, são encontradosnas rochas deste período. Esse episódio da história da vida é famoso entre os

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paleontólogos e é denominado de Explosão Cambriana. Foi um intervalo detempo de cerca de 30 milhões de anos no qual ocorreu o aparecimento de mui-tos ramos da árvore da vida. Fósseis de animais predadores, como a Opabínia,tornaram-se muito comuns no registro fossilífero a partir deste período. Comisso, os animais tiveram que aprender a se defender, inventando armaduras emodos de vida mais seguros, o que tornou os animais muito diferentes uns dosoutros. Foi o momento de maior criatividade da vida.

Outra grande conquista da vida no Período Cambriano foi a notocorda. APikaia, um dos primeiros cordados cujos fósseis são encontrados em rochasdeste período no sul do Canadá, possuía este cordão elástico que se tornou oprojeto básico sobre o qual os vertebrados se desenvolveram. No fi nal do Cam-briano, devido a uma forte glaciação, a água acumulou-se na forma de gelosobre os continentes, causando o recuo dos oceanos por muitos quilômetros.Com a destruição do ambiente marinho raso, metade dos tipos de animais queaté então só viviam nos mares e oceanos, foram extintos.

2.4.1.2 Ordoviciano (do galês, Ordovices, antiga tribo do País de Gales) 488 – 444Ma.

No Período Ordoviciano o clima da Terra fi cou mais quente e úmido e a vidapode prosperar nos oceanos com novos tipos de plantas e animais. Os cordadosjá haviam adquirido os ossos, os órgãos dos sentidos pareados e o cérebro. A vidatomou forma nos vertebrados no corpo de peixes sem nadadeiras nem mandí-bulas. Eles se alimentavam do plâncton ou da lama no fundo dos mares. Emterra fi rme, apareceram as primeiras plantas, que foram os musgos e licófi tas.

Com o passar de milhões de anos, alguns continentes se reuniram juntoao Pólo Sul, formando o supercontinente Gondwana. Assim, mais uma vez,uma grande glaciação se desenvolveu e mantos de gelo cobriram grandes áreascontinentais. Este foi um dos períodos mais frios pelos quais a Terra passou ea segunda maior extinção que a vida teve que suportar.

2.4.1.3 Siluriano (do galês, Silures, antiga tribo do País de Gales) 444 – 416Ma.

Neste período os animais invertebrados tentaram a vida em terra e forambem sucedidos. Foram os centípedes e um aracnóide, que exploravam a su-perfície seca onde já havia disponibilidade de matéria orgânica gerada pelas

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primeiras plantas, e que podia lhes servir de alimento e abrigo. Nos mares, ospeixes acantódeos desenvolveram a mandíbula. Assim, no Siluriano, os peixesaprenderam a morder.

Viver nos mares e rios tornou-se perigoso. Desde então, a vida para osvertebrados teve de mudar radicalmente. A mandíbula foi mantida em quasetodos os vertebrados, tendo se tornado, na maioria dos casos, o principal re-curso dos predadores.

2.4.1.4 Devoniano (do latim Devonia, região de Devon, Inglaterra) 416 – 359Ma.

No Período Devoniano os peixes já enchiam os rios e os oceanos, quandoapareceram os primeiros tubarões. A vida aquática fi cou ainda mais perigosa.Sobre os continentes, as primeiras fl orestas apareceram. Archaeopteris a maisantiga árvore conhecida, não produzia fl ores, sementes, mas apenas esporoscomo as samambaias.

No fi nal do Devoniano, no entanto, um dos mais importantes seres vivosapareceu pela primeira vez: as plantas com sementes. Muito do que a vidaalcançou sobre os continentes nos milhões de anos que se passaram, foi de-vido à atividade destas plantas. Na água, a vida animal era muito criativa.Os peixes inventaram os pulmões o que possibilitou respirar fora da água.Terra à vista! Esta foi uma das muitas inovações que a conquista da terraseca exigiria. De fato, ainda no Devoniano, os peixes pulmonados desenvol-veram quatro membros a partir das suas nadadeiras. Dentre os resultadosdesta nova aventura evolutiva estava o Acanthostega, que apesar dos quatromembros ainda vivia integralmente na água. Um peixe com quatro pernas!Embora existam pegadas de animais com quatro pernas pouco mais antigosque Acanthostega, os fósseis deste animal são os mais antigos restos corporaisde um tetrápodo que se tem notícia. Poucos milhões de anos mais tarde, ostetrápodes já andavam parte de sua vida em terra fi rme. Foi um pequenopasso de um tetrápodo, e um grande passo para os vertebrados! Próximo dofi nal do Devoniano, uma extinção em massa eliminou muitos animais ma-rinhos de águas mais quentes, possivelmente por causa de outra glaciação.Alguns paleontólogos acreditam que um asteroide tenha se chocado com

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a Terra, pois existe poeira de asteroide nas rochas desta idade, mas o temacontinua controverso.

2.4.1.5 Carbonífero (idade de grandes depósitos de carvão) 359 – 299Ma.

Neste período, teve início a reunião dos continentes que mais tarde forma-riam o único supercontinente, Pangeia. Por quase 30 milhões de anos, o su-percontinente que estava no Pólo Sul, o Gondwana, permaneceu coberto pormantos de gelo. Mas as massas continentais e as regiões costeiras localizadassobre a linha do equador apresentavam clima tropical, favorável à vida. Assim,a vida nos mares tornou-se exuberante. Também sobre os continentes, imen-sas fl orestas se desenvolveram em áreas pantanosas. Estas fl orestas formaramos imensos depósitos de carvão mineral, encontrados em alguns países hojesituados no hemisfério norte. As plantas que compunham estas fl orestas eramprincipalmente as licófi tas e as esfenófi tas, não muito comuns hoje em dia.

Os tetrápodos resolveram vários dos problemas ligados à vida fora daágua, tais como a locomoção e a respiração, e permaneceram como a faunaterrestre dominante durante o Carbonífero. Apesar disso, estavam confi nadosà vida junto aos corpos de água onde depositavam seus ovos e onde suas larvaspodiam crescer, pois eles ainda se reproduziam como os peixes.

Porém, uma das invenções mais engenhosas e talentosas da vida dos te-trápodos, resultou em uma estrutura que resolveu o problema da reproduçãofora da água: o ovo amniótico. Esta cápsula era capaz de reter a água e permitira troca de gases, reservar alimento, recolher os restos metabólicos e guardaro embrião fl utuando num líquido semelhante ao ambiente aquático. O ovoamniótico possibilitou a estes tetrápodos, agora chamados amniotas, uma vidatotalmente terrestre. Do Carbonífero em diante, os amniotas tornaram-se osvertebrados mais comuns sobre os continentes.

Neste período, dois novos ramos da árvore da vida dos vertebrados sur-giram a partir dos amniotas: os sinápsidos, que mais tarde deram origem aosmamíferos e os saurópsidos, que deram origem aos anápsidos (tartarugas),aos diápsidos, que incluem os ictiosauros, os lepidossauros (répteis aquáticos,cobras e lagartos), os rincossauros, e os arcossauros (crocodilos, pterossauros,dinossauros e aves).

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2.4.1.6 Permiano (do russo, Perm, cidade próxima aos montes Urais) 299 – 251Ma.

A reunião dos continentes iniciada no Carbonífero culminou com a for-mação do supercontinente Pangeia no Permiano.

Muitos sinápsidos, tal como o Dimetrodonte, bem conhecidos devido agrande membrana que possuem nas costas, já eram grandes predadores. Compredadores andando por aí e um único supercontinente sem um oceano nocaminho, os animais se espalharam por toda a Pangeia. No Brasil, um animalmuito interessante, um mesossaurídeo, voltou a viver na água por volta de 60milhões de anos depois de o primeiro tetrápodo pisar a terra fi rme. Os meso-saurídeos são importantes também porque seus fósseis ajudaram os geólogosa compreender que nesse período a África e a América do Sul faziam parte deum só continente.

Muitas regiões distantes da umidade do mar tornaram-se áridas. No fi naldo Permiano ocorreu a maior extinção em massa da história da Terra, ondequase todos os animais marinhos e terrestres desapareceram para sempre. Ascausas desta extinção são ainda incertas. Os geólogos descobriram que umgrande vulcanismo aconteceu na Sibéria neste período, lançando na atmosferamilhões de toneladas de cinzas e gases tóxicos. Ocorreram também glaciaçõese, possivelmente, o impacto de um asteroide tenha desencadeado as mudançasclimáticas que resultaram na extinção. Desde a Explosão Cambriana, quase300 milhões de anos haviam se passado. Este foi o fi m da Era Paleozóica.

2.4.2 Mesozóico (do grego, meso, médio, e zoikos, animal) 251 – 65Ma.

Durante a Era Mesozóica a vida teve que recuperar-se da extinção ocor-rida no fi nal do Paleozóico. Os dinossauros, pterossauros e répteis aquáticosapareceram e o número de espécies se multiplicou grandemente, de modo queseus fósseis são muito comuns nas rochas desta era. No ambiente marinho osmoluscos escavadores passaram a dominar as comunidades. A maior partedos grupos que sobreviveram à extinção do Permiano realizou a recolonizaçãodos ambientes marinhos por meio de um modo de vida vágil (não fi xado aofundo), um contraste se comparado às comunidades marinhas paleozóicas,amplamente dominadas por organismos sésseis (fi xados ao fundo, incapazes

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de se locomover). Nos continentes, as plantas com sementes, mas ainda semfl ores, as gimnospermas, se espalharam e passaram a dominar a paisagem.Pouco antes do fi nal da Era Mesozóica, no entanto, as plantas com fl ores, asangiospermas, já eram comuns nos trópicos (ver capítulo 5). Sua superiorida-de ecológica causou o deslocamento das gimnospermas para as montanhas epara as regiões mais frias da Terra, assim como vemos hoje em dia.

Embora o clima tenha sido propício para vida na maior parte da Era Me-sozóica, duas grandes extinções aconteceram, afetando um grande número deespécies e exterminando para sempre alguns grupos de animais. Três períodoscompõem a Era Mesozóica: Triássico, Jurássico e Cretáceo.

2.4.2.1 Triássico (do grego, Trias, três; referente a três camadas de rochas que

ocorrem no noroeste da Europa) 251 – 199Ma.

O Período Triássico marcou o início de um novo mundo no Pangeia. Osvertebrados sobreviventes da extinção do fi nal do Paleozóico deram continui-dade à vida, como os sinápsidos (dicinodontes e mamíferos) e os saurópsidos(tartarugas, ictiossauros, plesiossauros, rincossauros, crocodilos, pterossaurose dinossauros). Destes, quatro grupos seriam comuns nos dois períodos se-guintes: os dinossauros em terra fi rme, os pterossauros no céu, e os ictiossau-ros e plesiossauros nos oceanos e mares.

No fi nal do Triássico, outra extinção em massa ocorreu, abrindo defi nitiva-mente o caminho para estes animais, que reinariam no restante da Era Meso-zóica. As razões desta extinção são incertas. Alguns acreditam que o vulcanis-mo relacionado à fragmentação do Pangeia tenha tido um papel importante.Por outro lado, os geólogos encontraram evidências em todo o mundo de quenesse tempo o nível do mar recuou e em seguida avançou, desestabilizandoa vida nas regiões costeiras. Fósseis de mamíferos apareceram pela primeiravez no fi nal deste período, mas muitas características de mamíferos já esta-vam presentes em seus ancestrais do início do Triássico, como o Th rinaxodon.Contudo, a concorrência com os dinossauros era dura demais e os mamíferosestiveram na sombra destes gigantes até o fi m da Era Mesozóica.

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2.4.2.2 Jurássico (do alemão, Jura, referente às montanhas entre a França e a Suíça)

199 – 145Ma.

No Período Jurássico os dinossauros herbívoros cresceram para se tornaros maiores animais que já viveram sobre os continentes. O Camarasaurus, Di-plodocus, Stegosaurus e o Brachiosauros são alguns desses dinossauros. Parapoder caçar esses gigantes, os dinossauros carnívoros como o Allosaurus, Car-notaurus e Ceratosaurus eram igualmente imensos. Nos mares, os ictiossaurose plesiossauros também foram grandes predadores. No fi nal do Jurássico teveinício a fragmentação do continente Pangeia, que resultou novamente no iso-lamento do Gondwana no Hemisfério Sul, e em vários continentes menoresno Hemisfério Norte. Por esse tempo, os dinossauros já estavam espalhadospor toda a Terra. Durante o fi nal do período Jurássico e início do Cretáceo, umimenso deserto de dunas cobria parte da América do Sul. Alguns dinossaurose pequenos mamíferos deixaram suas pegadas nestas areias.

2.4.2.3 Cretáceo (do latim, creta, referente a calcário) 145 – 65Ma.

Durante o Período Cretáceo, a forma e o tamanho dos continentes muda-ram. A fragmentação do Gondwana deu origem à América do Sul e à África, eentre eles nasceu o Oceano Atlântico. A Índia, que antes esteve colada à Áfri-ca, se pôs a caminho da Ásia, com quem mais tarde iria colidir para formaras montanhas do Himalaia. O mundo também mudou por causa do apareci-mento das plantas com fl ores, as angiospermas. Novas cores e novos perfumestransformaram as paisagens. Os pterossauros chegaram ao seu auge de diver-sidade, com alguns deles alcançando até 12 metros de envergadura. No Brasil,onde hoje se situa a Chapada do Araripe, no Estado do Ceará, está o maior emais importante sítio paleontológico de pterossauros do mundo.

Praticamente metade dos dinossauros viveu durante o Período Cretáceo, amaior parte durante os últimos milhões de anos da Era Mesozóica. A extinçãode dinossauros, pterossauros e de muitos animais marinhos marcou o fi naldo Período Cretáceo e da Era Mesozóica. Dentre os dinossauros que desa-pareceram, estava o Tyrannosaurus rex, considerado por muitos um terrívelpredador, apesar de alguns paleontólogos acreditarem que ele não era capaz decorrer e se alimentava apenas de restos de animais mortos.

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Os eventos climáticos que causaram esta extinção em massa podem tersido desencadeados pelo choque de um asteroide com a Terra, há 65 milhõesde anos. Uma cratera com 170 km de diâmetro no Golfo do México pode sero registro deste impacto. Os geólogos estimam que esta cratera foi formadapor um asteroide com cerca de 10 km de diâmetro! Marcas das ondas e peda-ços de rochas derretidas pelo impacto são encontradas em rochas do PeríodoCretáceo na periferia daquela região. Mas a evidência mais forte desta teoriaé uma camada de poeira de asteroide encontrada em toda a Terra em rochassedimentares datadas de 65 milhões de anos, exatamente o tempo da extinção.Esta fi na camada de não muito mais que alguns centímetros de espessura éenriquecida pelo mineral metálico irídio, um mineral muito comum no inte-rior da Terra e na composição de asteroides. Esta camada já foi detectada emtodo o mundo, até mesmo na Antártica. Acima dela, em rochas mais novas daEra Cenozóica, os fósseis dos dinossauros desaparecem, exceto por um gruposobrevivente de dinossauros terópodes – as aves.

2.4.3 Cenozóico (do grego kainos, recente, zoikos, animal) 65Ma – até o presente.

Na Era Cenozóica os continentes começaram a tomar uma forma muitoparecida com a atual, com sete continentes e três oceanos principais. NestaEra, ocorreu a explosão de vida dos mamíferos, que durante toda a era Me-sozóica foram pisoteados e comidos pelos dinossauros. Esta Era foi tambémmarcada pela glaciação da Antártica e de muitas glaciações menores no He-misfério Norte.

A Era Cenozóica é dividida nas épocas Paleoceno, Eoceno, Oligoceno,Mioceno, Plioceno, Pleistoceno e Holoceno, que é a época atual.

2.4.3.1 Paleoceno (do grego, palaios, antigo, kainos, recente) 65 – 56Ma.

No Paleoceno, os mamíferos assumiram o espaço deixado pelos dinossauros.Muitos fósseis de mamíferos são encontrados nas rochas sedimentares desde en-tão. A América do Sul perdeu sua conexão terrestre com os continentes vizinhos,permanecendo como uma grande ilha nos 60 milhões de anos seguintes.

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2.4.3.2 Eoceno (do grego, eos, alvorada) 56 – 34Ma.

No Eoceno teve início a colisão entre a Índia e a Ásia, que levou à formaçãoda cadeia de montanhas do Himalaia. Ao mesmo tempo, a Austrália começoua separar-se da Antártica. A vida teve grandes conquistas na pele dos mamí-feros. Muitos dos grupos que conhecemos hoje, tais como os cavalos, bois ebaleias têm seus ancestrais fósseis em rochas dessa época.

2.4.3.3 Oligoceno (do grego, oligon, pouco) 34 – 23Ma.

Durante o Oligoceno ocorreram eventos que mudaram mais uma vez ocaminho da vida. Talvez o mais importante tenha sido o estabelecimento deum oceano profundo separando a Antártica dos outros continentes. Esse even-to deu início ao congelamento do continente antártico, e mudou para sempreo clima da Terra, dando início a uma nova era glacial. No Oligoceno, as pri-meiras gramíneas e os primeiros elefantes apareceram. No fi nal desta Época,viveu no Brasil o Paraphysornis brasiliensis, uma ave com dois metros de altu-ra, predadora de pequenos mamíferos. Seus fósseis foram retirados de rochasformadas no fundo de um lago onde hoje é a cidade de Taubaté, no Estado deSão Paulo.

2.4.3.4 Mioceno (do grego, meion, mais) 23 – 5.3Ma.

No Mioceno, a Antártica já estava completamente coberta por mantos degelo. Curiosamente, o clima foi mais quente nessa época que nas épocas ante-rior e posterior, Oligoceno e Plioceno. Com o aparecimento de um clima maisárido, os campos de gramíneas se desenvolveram. Nestes campos, os cavalos,que antes viviam apenas nos bosques, cresceram e desenvolveram dentes comgrandes coroas capazes de triturar capim, bem como longas pernas facilitandoa fuga de predadores.

Um aspecto notável do Mioceno é que este intervalo de tempo registra asmais antigas evidências de membros representantes da linhagem de primatas(Hominidae) que deu origem ao Homem cerca de 6 a 7 milhões de anos atrás.Os hominídeos (expressão científi ca para denominar a família dos seres hu-manos, ou seja, primatas com postura ereta, e, portanto, bípedes), pertencema um grupo de mamíferos placentários (Primatas), que conta com mais de

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duas centenas de espécies, incluindo os lêmures, tarsos, macacos e os grandessímios. Todos os primatas compartilham algumas características que lhes sãocomuns relacionadas ao hábito de vida arborícola (vida nas árvores), incluindoa visão binocular colorida (em três dimensões, com sobreposição de camposvisuais), membros e mãos com unhas em vez de garras, adaptadas para agarrar,a habilidade de manusear objetos, além de um cérebro com grande volumerelativamente ao tamanho corporal.

Embora alguns grupos não apresentem mais o hábito de vida arborícola,condição inicial de desenvolvimento dos Hominidae, nós ainda conservamosalgumas características típicas de nossos ancestrais. Dentre estas, destacam-seos ombros com ampla movimentação e dedos capazes de agarrar fortementeos objetos, mas também apresentamos traços que nos tornam únicos, comocérebro muito desenvolvido, bipedalismo (andar ereto sobre os 2 membrosposteriores) e estruturas vocalizadoras que permitem a fala.

Evidências moleculares (relógio molecular) sugerem que a divergênciaentre chimpanzés e os membros da linhagem humana (Hominidae) ocor-reu entre 8 a 4 milhões de anos atrás, portanto, durante o Mioceno. Infe-lizmente, o registro fóssil dos primeiros membros da linhagem humana éainda escasso, em parte, devido à baixa probabilidade de preservação deseus restos, pois esses primatas viveram e/ou morreram em áreas fl oresta-das, um ambiente não propício à fossilização (solos de áreas fl orestadas sãoácidos, devido à decomposição de matéria orgânica vegetal, levando à des-truição dos restos ósseos por dissolução). Além disso, nas áreas continentaisemersas as taxas de sedimentação são muito baixas e, portanto, os restos deorganismos mortos não sofrem recobrimento por sedimentos, processo quefavoreceria a preservação porque limitaria a ação de organismos necrófagose decompositores.

Mas quais as causas para a evolução dos Hominidae, durante o Mioceno?Existem quatro hipóteses principais para explicar esta questão. Segundo a

Hipótese das Savanas ou Hipótese dos Campos Abertos (HCA), o clima globalteria esfriado e se tornado mais seco no Mioceno. Paralelamente, ocorrerammudanças no relevo do leste africano devido a formação de cadeia de monta-nhas e vales associados decorrentes da movimentação das placas tectônicas.

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Estas mudanças tiveram como consequência transformações na vegetação quepassou de fl oresta tropical pluvial a savanas. Assim sendo, as populações deprimatas que viviam na região tiveram que se adaptar ao novo clima e à novavegetação. Consequentemente, foram selecionadas preferencialmente as ca-racterísticas morfológicas e comportamentais que favoreciam o hábito terres-tre bípede, os hábitos sociais e a comunicação. Em outras palavras, a teoria dassavanas sustenta que os antepassados dos atuais humanos saíram das árvorese começaram a caminhar por causa de uma expansão das savanas, as planíciescom arbustos e escassa vegetação arbustiva.

Já de acordo com a Hipótese da Vegetação em Mosaico, o desenvolvimentodos australopitecíneos (vide adiante) teria se dado em áreas de vegetação emmosaico, com a combinação de tipos de vegetação com fl orestas e savanas,e que essas áreas possibilitariam o desenvolvimento de hábitos terrestres ouarbóreos. Os primatas que se adaptaram às condições terrestres deram origemaos australopitecíneos.

Por sua vez, a Hipótese da Variabilidade sugere que os australopitecíneos sedesenvolveram em área com vegetações diferentes, tais como savanas, fl ores-tas, com espécies vegetais com copas altas. Assim sendo, os australopitecíneosteriam se adaptado aos mais diversos ambientes. Evidências paleontológicas egeológicas mostram que regiões com uma alta variedade de vegetações eramcomuns na época dos primeiros australopitecíneos.

Finalmente, existe a Hipótese Aquática (Aquatic Ape Hypothesis) ou Teoriado Macaco Aquático (Aquatic Ape Th eory), que é muito controversa e poucoaceita pelos paleontólogos. De acordo com essa teoria, os hominídeos passa-ram por uma fase semiaquática durante a evolução, como indicado pela grandequantidade de gordura subcutânea, pele com pouca cobertura de pelos (cober-tura de pelos diminuiu ao longo do tempo), postura ereta, habilidade natatória ede mergulho. Os partidários dessa teoria chamam a atenção para o fato de que oHomem possui a habilidade natatória e a tendência de entrar na água por prazerou para se refrescar. A despeito do fato de alguns animais terrestres terem a capa-cidade de nadar na superfície da água, poucos são capazes de nadar e mergulhardebaixo da água. Já o ser humano está entre os animais tipicamente terrestrescom tais habilidades, constituindo uma grande exceção.

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Os primeiros fósseis da linhagem humana preservados em rochas miocê-nicas, são representativos das espécies Sahelanthropus tchadensis, com aproxi-madamente 7 milhões de anos, e Orrorin tugenensis, com cerca de 6 milhõesde anos. Em ambas as espécies já são nítidas as feições anatômicas indicativas.No fi nal do Mioceno, início do Plioceno, um novo grupo de hominídeos surge,incluindo os representantes do gênero Ardipithecus (5.5–4.4 milhões de anos),que inclui as espécies Ardipithecus kadabba e Ardipithecus ramidus. Fósseisassociados aos restos de Ardipithecus kadabba sugerem que essa espécie viveuem áreas com densa vegetação, às margens de corpos aquosos permanentes(rios e lagos), sugerindo que a hipótese de savanização não encontra suporteno registro fóssil.

2.4.3.5 Plioceno (do grego, pleion, mais ainda) 5.3 – 1.8Ma.

Durante o Plioceno, o movimento das placas tectônicas e um grande vul-canismo deu origem a uma ponte continental que ligou a América do Sul àAmérica do Norte. Essa ponte fi cou conhecida como Istmo do Panamá, e setornou um corredor para a grande troca de faunas ocorrida neste período. Pre-guiças gigantes e gliptodontes migraram em direção ao norte, enquanto quepara o sul vieram elefantes e o terrível tigre-de-dente-de-sabre. Fósseis dessesanimais são comuns em cavernas por todo o Brasil.

Espécies de hominídeos do gênero Australopithecus evoluíram no leste afri-cano há cerca de 4 milhões de anos. Os australopitecíneos tinham cerca de 1,20a 1,40 metros de altura, peso de 27 a 32 quilos e seu volume cerebral (500cm3)era cerca de 65% menor do que o mostrado pelo Homem moderno (Homo sa-piens). Várias espécies são conhecidas, dentre elas, Australopithecus anamensis,A. afarensis, A. sediba e A. africanus. Essa última espécie parece ter dado origemàs espécies do gênero Homo. A feição mais notável dos membros desse gêneroé a anatomia já bem adaptada ao andar bípede e a presença de caninos comtamanho reduzido. O bipedalismo exigiu algumas mudanças anatômicas nosaustralopitecíneos, incluindo a presença de osso pélvico mais amplo e côncavopara abrigar órgãos internos e dar mais estabilidade durante a caminhada. Oângulo das pernas e a posição dos joelhos são adaptados para suportar o pesodo corpo. Os dedos dos pés são mais curtos e menos fl exíveis que em outros

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primatas. A coluna vertebral apresenta forma de “S”, o que auxilia no equilíbriodo corpo durante o caminhar bípede. O forame magno, isto é, a abertura nabase do osso occipital, está em posição bem baixa, possibilitando a passagem damedula e suas membranas. As vantagens do bipedalismo seriam muitas, comopor exemplo, as mãos livres para carregar alimento ou produzir ferramentas,se defender contra a predação, visão ampliada sobre a vegetação herbácea, re-dução da área corporal exposta ao sol e aumento da área corporal exposta aovento. Houve também modifi cação na arcada dentária e no tamanho de algunsdentes. Os primeiros australopitecíneos, por exemplo, tinham os caninos bemmaiores que os humanos modernos, mas ainda assim inferiores em tamanho aodos símios. Nesse grupo, os machos, usam seus longos e pontiagudos caninoscomo verdadeiras armas. Caninos bem reduzidos e chatos passaram a se desen-volver nos australopitecíneos, no Plioceno, por volta de 4 milhões de anos atrás,provavelmente acompanhado por um aumento na cooperação social. De fato,a descoberta de que indivíduos da espécie Australopithecus afarensis provavel-mente viviam em grupos, permite inferir que os primeiros hominídeos tambémtinham um comportamento social. Assim, a própria redução dos caninos deveter sido uma adaptação à vida social, já que os caninos em primatas que nãotêm vida social são usados pelo macho para agredir e subjugar outros machos.Os australopitecíneos se extiguiram há aproximadamente 2 milhões de anos.

No fi nal do Plioceno, entre 2,5 e 2,3 milhões de anos atrás, ocorreu o sur-gimento do gênero Homo, o qual acredita-se que esteja diretamente relacio-nado com uma única característica: o desenvolvimento do cérebro. Esse de-senvolvimento parece estar relacionado à fabricação e ao uso de ferramentas,à variação da dieta, com adição de alimentos mais densos (proteicos = carne),o desenvolvimento da fala e do pensamento abstrato e corporativo (vida emsociedade).

O Homo habilis é a espécie de hominídeo que viveu no fi nal do Plioceno einício do Pleistoceno, há cerca de 1,5 a 2 milhões de anos. Pesando de 30 a 40quilos e com volume craniano ainda pequeno, mas 30% maior do que o dosaustralopitecíneos, foram os primeiros representantes do gênero Homo. Já ela-boravam objetos ou ferramentas de pedra lascada, ossos e madeira, e levavamuma vida nômade. Achados recentes indicam que o Homo habilis conviveu,

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lado-a-lado, com o Homo erectus (vide mais adiante). Em outras palavras, umaespécie não sucedeu a outra no tempo, ou seja, a primeira espécie (H. habilis)não deu origem à segunda (H. erectus). Ambos os hominídeos devem ter umancestral comum e ocuparam os seus próprios nichos ecológicos. De fato, oHomo habilis tinha morfologia dos dentes e mandíbula adaptada à alimenta-ção mais rígida, de origem vegetal, incluindo nozes, tubérculos etc., enquantoo Homo erectus tinha um regime alimentar que incluía mais carne, gordurasanimais, além de outros alimentos mais tenros, como indicado pelos fósseis dedentes e mandíbulas menos potentes.

2.4.3.6 Pleistoceno (do grego, pleiston, máximo) 1,8Ma – 10 mil anos.

Durante os últimos 800 mil anos, mantos de gelo avançaram e recuarammuitas vezes sobre os continentes do Hemisfério Norte. Esses eventos são cha-mados de Eras Glaciais, e perduravam por até dezenas de milhares de anos.Isso ocorre periodicamente devido a variações na intensidade de energia solarrecebida pela Terra, em função de seus movimentos orbitais. Estes fenômenossão conhecidos como Ciclos de Milankovich.

Ainda no Pleistoceno, cerca de 300 mil anos atrás (alguns fósseis podemter até 50 mil anos) surgiu o Homo erectus. Representantes dessa espécie me-diam entre 1,30 e 1,70m de altura e tinham um volume craniano médio daordem de 900cm3. O Homo erectus surgiu na África e sua postura era tipi-camente ereta. Foi o primeiro hominídeo a dominar o fogo, o que conduziua uma modifi cação na musculatura da mastigação, pois a carne aquecida émais macia do que o alimento cru. O fogo permitiu, também, a expansãodo seu território para zonas mais frias, levando à migração das populaçõesde Homo erectus da África para a Europa e Ásia. Evidências indicam queo Homo erectus caçava animais de grande porte e para isso eram necessá-rios alguma organização e espírito de grupo. Desenvolveu a “indústria lítica”,com separação de lascas, depois usadas como pontas de seta e facas. Possi-velmente, produziram também objetos em madeira, mas esses não fi carampreservados.

Outro hominídeo do Pleistoceno é o Homo neanderthalensis, uma espécieque viveu na Europa e Ásia ocidental entre 135 mil e 29 mil anos atrás. Viveram

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tanto em períodos interglaciais, como glaciais, estando morfologicamente adap-tados a essas condições (corpos robustos, narizes largos e volumosos, aparelhomastigador para triturar alimentos bastante rígidos). Com volume craniano de1400 a 1500cm3, que excede o do Homo sapiens moderno, a área de fala do cé-rebro neandertalense não era tão desenvolvida quanto a nossa. Produziam fer-ramentas de pedra lascada através do desgaste em leque de um núcleo rochoso,originando lascas a partir das quais outros instrumentos diversos (ex. machados)eram produzidos. Suas populações eram geografi camente limitadas a Europa eOriente próximo e conviviam com as populações de Homo sapiens.

2.4.3.7 Holoceno (do grego, holos, completo) 10 mil anos até o presente

É nesta época que se encontra o registro das atividades humanas, o apa-recimento e a queda de civilizações, o avanço tecnológico e também muitossinais de mudanças climáticas.

A liberação descontrolada de gases do efeito estufa e a destruição da ca-mada de ozônio é uma combinação perigosa. A história do planeta Terra nosmostra que as variações climáticas foram as principais responsáveis pelas ex-tinções de espécies.

A destruição do meio ambiente causada pela atividade humana nos últi-mos 10.000 anos levou milhares de espécies à extinção.

As mudanças causadas pelas atividades humanas são tão marcantes que oscientistas puderam identifi car um novo intervalo geológico, o Antropoceno.

2.4.3.8 Antropoceno (do grego: antropo, humano; ceno, periodo) ano de 1850 até o

presente

Foi visto que o Holoceno é o período de tempo compreendido entre osúltimos 10.000 anos até o presente. Uma característica importante é que, nes-se intervalo de tempo, as populações humanas permaneceram relativamentepequenas até aproximadamente 8.000 anos. Porém, a partir daí, o Homemdesenvolveu a agricultura, bem como a criação de diversos grupos de ani-mais, substituindo os cultivos de plantas e a caça de subsistência. Além disso,foi nesse intervalo de tempo que teve inicio o desmatamento das fl orestasnaturais, resultando nas primeiras emissões de gases do efeito estufa. Contu-

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do, as principais alterações ambientais e de caráter mais global passam a sernotadas somente nos últimos dois séculos. Tais mudanças estão diretamenterelacionadas com a revolução industrial ocorrida em 1850. Um aspecto no-tável decorrente desse evento diz respeito ao aumento nas concentrações deCO2 (dióxido de carbono) atmosférico, principalmente devido à queima decombustíveis fósseis (petróleo, gás, carvão), dentre outras causas. No últimomilhão de anos, a variação natural da concentração de CO2 foi da ordem de100ppm, saindo de 180 para 280ppm. O valor de 280 ppm é considerado areferência para o Holoceno ou valor de “equilíbrio” pré-industrial. Medidasrecentes (2005/2006) dão conta de que a concentração atual de CO2 atmosfé-rico é da ordem de 383ppm. Em outras palavras, a atividade humana produ-ziu nos últimos duzentos anos um aumento da ordem de 100ppm, o que sobcondições naturais levaria um milhão de anos. Estimativas e projeções para ofuturo, isso é para o ano de 2100 sugerem que a concentração de CO2 será daordem de 680ppm, ou seja, muito acima do ponto de “equilíbrio”. Com essevalor os sistemas naturais terrestres estarão operando com concentrações deCO2 jamais observadas na história geológica da Terra, e cujas consequênciasclimáticas são imprevisíveis.

Desde a revolução industrial (1850), a atividade humana passou a ser qua-litativamente diferenciada da atividade biológica na modelagem da Biosfera eGeosfera, desencadeando processos cujos efeitos e intensidades superam emmuito os processos naturais do planeta Terra.

O Antropoceno compreende a época ou a mais recente subdivisão dotempo geológico, abrangendo os últimos duzentos anos, com início em 1850.A característica marcante desse intervalo de tempo diz respeito às mudançasambientais globais, derivadas da atividade humana. Os efeitos diretos são sen-tidos nos recursos hídricos (incluindo a perda ou redução da cobertura degelo), nos ciclos biogeoquímicos (especialmente a circulação de N e P, cujasconcentrações dobraram), na atmosfera (aumento da concentração dos gasesde efeito estufa) e na fauna e fl ora (extinções, invasões), dentre outros. Comoconsequência esse intervalo de tempo é marcado pelo aquecimento global ea perda da diversidade biológica. Entretanto, é importante destacar que essestemas são ainda controversos.

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Apenas a título de exemplo, a década de 1990 foi a mais quente desde 1861quando tiveram início os primeiros registros instrumentais. Desde então, oano de 1998 foi o que registrou a mais alta temperatura. O aumento da tem-peratura média ocorrido no século 20 foi o maior registrado nos últimos 1000anos, sendo que os 10 registros anuais de temperaturas mais elevados ocorre-ram todos a partir de 1983.

Já foi visto que a história da espécie humana na face da Terra ocupa apenasa milésima parte do tempo desde que a vida no planeta. A espécie humana é,portanto, muito jovem e deve estar apenas no início da sua evolução; mas qualo futuro do Homem?

O principal modo de controle do Homem sobre o meio ambiente se deupela domesticação, tanto de plantas, quanto de animais, conforme visto ante-riormente (para mais informações sobre aspectos da relação do Homem como ambiente, ao longo de sua história evolutiva, consultar Ehrlich et al., 1975).Provavelmente, essa interação ocorreu independentemente em várias regiõesdo mundo; as cabras no Oriente Médio, aves como as galinhas no leste asiáticoe as lhamas na América do Sul, apenas para citar alguns exemplos. A domesti-cação das plantas levou ao surgimento da agricultura, possibilitando a estoca-gem de alimentos (para eventuais emergências), o que conduziu ao abandonodo hábito de vida nômade e adoção do sedentarismo como hábito de vida pre-dominante. Os seres humanos passaram a viver em comunidades, o que deuorigem às megacidades após a revolução industrial. O sedentarismo tambémteve como efeitos negativos a dependência de certos tipos de alimentos e amodifi cação do meio ambiente para manutenção das culturas. Paralelamente,o Homem tornou-se cosmopolita e com isso teve origem uma tendência paraa homogeneização das características humanas, pois as barreiras geográfi cas eculturais estão progressivamente desaparecendo em um mundo cada vez maisglobalizado. O progresso tecnológico e científi co tem possibilitado ao ser hu-mano um aumento substancial no tempo médio de vida. Isto signifi ca que aspopulações incluem, simultaneamente, cada vez mais gerações. Além disso,a ação da seleção natural tem sido reduzida por meio da medicina. Portanto,considerando um longo intervalo de tempo, haverá cada vez mais indivíduosportadores de genes deletérios, os quais serão transmitidos em maior número

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às gerações futuras. Assim, a medicina é vantajosa para o indivíduo, mas, emlongo prazo, parece ser prejudicial à espécie. Por outro lado, novos agentes se-letivos tem surgido, como os produtos geneticamente modifi cados, a presençade radiações atômicas e as alterações ambientais, em escala regional e global.As consequências decorrentes desses processos são ainda difíceis de seremavaliadas, o que deverá ser visível apenas daqui a muitas gerações. Entretanto,a exploração desastrosa dos recursos naturais em um planeta com recursosgeológicos e biológicos fi nitos, deve ser combatida, sob pena de encurtar aevolução da espécie humana na Terra.

Os temas relativos à Evolução do Homem, Antropoceno, Mudanças Climá-ticas e Aquecimento Global são muito controversos, com novos dados surgindoquase que diariamente. Portanto, livros textos tornam-se rapidamente desatuali-zados ou incompletos. Algumas fontes disponíveis na WordWideWeb, tais comoa Wikipédia (enciclopédia livre) e o sítio do Th e Institute of Human Origins, daUniversidade Estadual do Arizona (http://becominghuman.org/) possuem textoscom bom conteúdo, relativamente atualizados, para alguns desses temas e que po-dem servir de fonte inicial de pesquisa, sobretudo para o público em geral.

2.5 EXPERIMENTANDO UMA IDEIA

2.5.1 Construindo uma linha do tempo geológico

O objetivo desta atividade é o de consolidar conceitos sobre o Tempo Geo-lógico, sua magnitude e principais eventos da história geológica da vida.

Foi visto no capítulo “Uma breve história do tempo geológico“, que, emrelação à idade da Terra, o tempo de existência do Homem neste planeta écomparável a um piscar de olhos. Então, se compararmos a idade da Terra àexistência de um ser humano, que pode chegar a 80 ou até 100 anos de idade,este lapso de tempo se tornará praticamente imperceptível.

Como podemos, por exemplo, ter a dimensão do que seja a extensão deum bilhão de anos?

Neste exercício você construirá um modelo gráfi co que o ajudará a en-tender a dimensão da história geológica da Terra, bem como, o momento de

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surgimento (primeira ocorrência) de grupos de organismos que marcaram ahistória evolutiva da vida no nosso planeta.

Materiais

Régua de um metro de comprimento ou fi ta métrica;•Cinco metros de papel de máquina de somar, ou tira de papel de •embrulho de aproximadamente 7- 8cm;Lápis (preto e vermelho).•

Procedimento Defi nindo uma escala e os acontecimentos geológicos em uma linha

do tempo

Separe 5 metros do rolo de papel de máquina de somar. Caso não consigaeste tipo de papel, poderá substituí-lo por tiras de 7 – 8cm de largura de papelde embrulho.

Distenda a faixa de papel sobre o chão. A um centímetro da extremidadeda faixa que fi ca à sua direita, faça um traço transversal de 4cm sobre o papel,com lápis preto bem apontado. Sobre esse traço escreva a palavra Presente.

Seguindo as idades indicadas no texto “Uma breve história do tempo ge-ológico“ do Presente para o tempo passado, portanto, da extremidade direitapara a extremidade esquerda da faixa, você irá marcar os limites entre os di-versos períodos citados, do Holoceno, iniciado há 10 mil anos, até o início daTerra há 4,6 bilhões de anos.

Para isso, será preciso estabelecer uma escala, isto é, a faixa deverá ser dividi-da em partes iguais e cada uma dessas dimensões em centímetros corresponderáàs distâncias reais, neste caso, dadas pelo tempo geológico (para detalhes sobrea construção de linhas do tempo veja CHIARELLI e PALEARI, 2000). Tenha emmente que, na linha do tempo que será construída, cada centímetro equivalerá a1 milhão de anos. Assim, na escala sugerida, em que de 4,6 metros deve equiva-ler a 4,6 bilhões de anos, será praticamente impossível marcar o traço transversalequivalente ao início do Holoceno, porque teria de fi car a 0,01 milímetro dedistância do Presente. Você, no entanto, poderá representar esta linha colada à

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linha do Presente. Sendo assim, o início do Antropoceno – 200 anos atrás – fi ca-rá apenas na sua imaginação, entre a linha do Holoceno e a do Presente.

Dando continuidade à construção da linha do tempo, para representar operíodo Pleistoceno, que teve início há um milhão e 800 mil anos antes do Pre-sente, você deverá medir, da direita para a esquerda, a partir do traço transver-sal que marca o Presente, 1,8mm. Risque mais um traço transversal neste pon-to e escreva sobre ele a palavra Pleistoceno. Dessa forma, faça o mesmo paratodos os períodos citados no texto até o início da Terra, que corresponde a 4,6metros antes do Presente. Por exemplo, o início da Era Cenozóica ocorreu 65milhões de anos atrás, isto é, 65mm ou 6,5 centímetros do Presente.

Desta forma, você terá subdividido o tempo geológico como fazem oscientistas.

A história da vida na linha do tempo

Depois de ter registrado nos 5m da tira de papel, os principais aconteci-mentos geológicos (linha do tempo geológico), faça o mesmo com os eventosbiológicos, que são oferecidos na tabela 1.

Observações:Não se esqueça de medir sempre a partir do • Presente para o passado,portanto, da direita para a esquerda na faixa de papel. A conversão do tempo para centímetros é relativamente simples: cada•bilhão de anos é igual a um metro, e cada milhão de anos é igual a 1mm.

Agora, com vários dos principais acontecimentos da vida ao longo do tem-po geológico, você poderá pesquisar outras informações curiosas e acrescentarà sua linha do tempo. Procure por fatos interessantes, tais como a idade dasprimeiras fl orestas, o tempo da maior dentre todas as extinções, o aparecimen-to das primeiras baleias etc.

Encontre em sua casa uma parede com pouco mais de 4,6 metros de com-primento e cole a linha do tempo geológico que você construiu com a tirade papel, para, de vez em quando, apreciar e refl etir sobre o tempo do nossoaparecimento na Terra.

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Outras atividades interessantes

Acesse o endereço do livro “Livro Digital de Paleontologia: a paleonto-logia na sala de aula” www.ufrgs.br/paleodigital, da Sociedade Brasileira dePaleontologia e descubra outras atividades referentes ao Tempo Geológico.

Tabela 1 Relação de eventos biológicos ocorridos ao longo do tempo evolutivo da Terra

Eventos Biológicos Tempo (anos)

a. Presente (0 anos)

b. Mais antigo Homo sapiens conhecido (180 mil anos, ou 0,18 milhões de anos)

c. Primeiros Australopithecus (4 milhões de anos)

d. Mais antigos fósseis de morcegos (52 milhões de anos)

e. Os mais antigos primatas conhecidos (60 milhões de anos)

f. Idade em que viveu o Tyrannosaurus rex (62 milhões de anos)

g. As mais antigas angiospermas (plantas com fl ores) (130 milhões de anos)

h. Os mais antigos mamíferos conhecidos (215 milhões de anos)

i. Os primeiros dinossauros (228 milhões de anos)

j. Os primeiros besouros e plantas com sementes (280 milhões de anos)

k. Os primeiros vertebrados amniotas (330 milhões de anos)

l. Os primeiros peixes (430 milhões de anos)

m. Fósseis do folhelho Burgess (505 milhões de anos)

n. Intervalo da Explosão Cambriana (535-515 milhões de anos)

o. A misteriosa fauna de Ediacara (570 milhões de anos)

p. Primeiros organismos multicelulares (1,2 bilhões de anos)

q. primeiras células eucariontes (1,85 bilhões de anos)

r. surgem as bactérias cianofícieas fotossintetizantes (3,0 bilhões de anos)

s. mais antigas evidências visíveis de vida, osestromatólitos

(3,5 bilhões de anos)

t. mais antigas evidências químicas de vida (3,8 bilhões de anos)

u. rochas mais antigas conhecidas (4,1 bilhão de anos)

2.6 BIBLIOGRAFIA

CHIARELLI, A. E; PALEARI, L. M. O tempo tem linha? São Paulo: Editora da Unesp,?2000. 20p.

DAWKINS, R. A Grande História da Evolução. Companhia das Letras: São Paulo,2009. 528p.

EHRLICH, P.R.; HOLDREN, J.P.; HOLM, R.W. El hombre y la ecosfera. Madri: Edito-rial Blume, 1975. 341p.

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FORTEY, R. Vida: uma biografi a não-autorizada. Record: Rio de Janeiro, 2000. 362p.

LAMBERT, D.; NAISH, D.; WYSE, E. Enciclopédia dos dinossauros e da vida pré-histó-rica. Editora Ciranda Cultural: São Paulo, 2004. 375p.

MORGAN, E. Th e aquatic Ape hypothesis. Souvenir Press, 1997.224p.

TEIXEIRA, W.; FAIRCHILD, T.R.; TAIOLI, F.; TOLEDO, M.C.M. (org.). Decifrando aTerra. Companhia Editora Nacional: São Paulo, 2008. 558p.

WEINER, J. Planeta Terra. São Paulo: Martins Fontes, 1988. 262p.

ZALASIEWICZ, J. e colaboradores. Are we now living in the Anthropocene? GSAToday, v. 18 n. 2. 2008, p.4-8.

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3PALEONTOLOGIA, FÓSSEIS E O PROCESSO DEFOSSILIZAÇÃOLuiz E. Anelli1

Marcello G. Simões2

3.1 INTRODUÇÃO

Fósseis, termo latino que signifi ca “ser desenterrado” ou “extraído daTerra”, compreendem restos ou vestígios (traços) de animais, vegetais e deoutros micro-organismos como algas, fungos e bactérias, que viveram emtempos pré-históricos e estão naturalmente preservados nas rochas sedi-mentares e mais raramente nas rochas metamórfi cas. Embora exista ten-dência para considerarmos fósseis apenas as ossadas de dinossauros e deoutros grandes vertebrados pré-históricos extintos, na realidade, o registrofóssil contém representantes da maioria dos grupos biológicos, incluindodesde restos do Homem fóssil até aqueles grupos representados por formasde vida microscópica, que só podem ser vistos com o uso de instrumentosópticos. Os fósseis podem incluir os restos de seres vivos, como os ossos,conchas, troncos, esporos microscópicos etc., os quais são denominados defósseis corporais, ou apenas os vestígios, que são as marcas de atividades oua impressão de parte dos animais, como pistas, pegadas, ovos, escavações,moldes de conchas etc. A esta categoria os paleontólogos denominam defósseis traço ou icnofósseis.

A ciência que estuda os fósseis, que compõe o vasto documentário de vidapré-histórica preservado nas rochas, é a Paleontologia. Essa ciência ocupa-seda descrição e da classifi cação dos fósseis, da evolução biológica e da interaçãodos seres pré-históricos com os antigos ambientes onde viveram, bem como dadistribuição e da datação das rochas portadoras de fósseis, além das variaçõesda diversidade dos organismos ao longo do tempo geológico, investigando aorigem e a extinção dos diferentes grupos de organismos.

1. USP – Instituto de Geociências, Rua do Lago, 562, CEP 05508-080, São Paulo, SP [email protected] 2. UNESP – Departamento de Zoologia, IB CP 510, 18618-970 Botucatu, SP [email protected]

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O termo Paleontologia é formado por três palavras gregas – Palaios = an-tigo; ontos = ser; logos = estudo” e signifi ca “o estudo da vida antiga”. A Paleon-tologia tornou-se estabelecida como ciência a partir dos estudos anatômicosrealizados na França, por George Cuvier, durante o fi nal do século 18 e iníciodo século 19. Trata-se de uma ciência relevante, pois, conforme comentadomais adiante, os fósseis constituem evidência importante sobre a evolução domundo orgânico.

3.2 O REGISTRO FÓSSIL

O Registro Fóssil inclui a totalidade dos fósseis já descobertos e descri-tos, bem como aqueles que ainda serão descobertos pelos paleontológos, ouseja, que ainda não foram escavados ou extraídos das rochas. As descobertaspaleontológicas indicam que as evidências mais antigas de vida na Terra têmaproximadamente 3.5 bilhões de anos. Portanto, o registro fóssil engloba umvasto período de tempo (ver capítulo 2 sobre a Linha do Tempo), desde 3.5bilhões de anos atrás, até aproximadamente, os registros de vida do chamadoperíodo histórico, quando os humanos desenvolveram a escrita, há cerca de5.500 anos.

Conforme visto no capitulo 2, durante esse vasto período de tempo a vidase originou e deu origem a incontáveis novas formas por meio da evoluçãobiológica, inicialmente nos oceanos, a partir de organismos simples, unicelula-res, procariontes, semelhantes às bactérias. Destas, posteriormente, derivaramos primeiros organismos unicelulares eucariontes, tais como as algas e, maistarde, os primeiros protozoários. Em seguida, o grande passo evolutivo ocor-reu com o surgimento dos organismos multicelulares, tais como os fungos, asplantas e por fi m os animais, hoje informalmente reunidos em dois grandesgrupos, os invertebrados e os vertebrados. Ao longo do tempo geológico, mi-lhares de novos grupos animais e vegetais surgiram no intrincado processo daevolução. Da mesma forma, e por diferentes razões, estes organismos encon-traram um fi m, ou por processos naturais de seleção natural ou em eventos deextinção decorrentes, na maioria dos casos, de mudanças ambientais bruscase de escala global. Em um destes eventos, ocorrido por volta de 65 milhões de

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anos atrás, a maioria dos grupos de dinossauros desapareceu em um grandeevento de extinção em massa. Notavelmente, alguns dentre os mais antigosgrupos de animais e plantas, possuem representantes viventes nos ecossiste-mas modernos, tais como os musgos e peixes ágnatos, como a lampréia. Porcausa das características muito antigas ainda retidas nestes animais e vegetais,que lembram os primeiros representantes das linhagens originados centenasde milhões de anos atrás, estes organismos são chamados de fósseis-vivos.

Mesmo que parte de toda a diversidade atual já seja conhecida ou ao me-nos estimada em números, e acessível para ser estudada ainda com organismosvivos, a diversidade da pré-história não o é. Devemos aos fósseis tudo que co-nhecemos sobre a forma, os modos de vida e a diversidade da vida passada.

3.3 A IMPORTÂNCIA DOS FÓSSEIS

O que torna a Paleontologia tão interessante é o fato de que os fósseis nospermitem investigar e, de certa forma, especular, sobre os seres vivos bemcomo sua relação com os ambientes onde viveram no passado geológico. Osfósseis constituem também uma importante fonte de informação para o en-tendimento dos processos evolutivos. Eles permitem aos cientistas a determi-nação do parentesco entre as espécies, bem como das séries de transformaçõesseguidas pelas diferentes linhagens dando origem a toda a diversidade atual.Além disso, os fósseis são úteis para o reconhecimento de pacotes de rochascontemporâneos e da sucessão temporal ordenada das camadas, ainda que es-tas não estejam empilhadas em uma mesma seção geológica, isto é, pelo exa-me dos fósseis é possível dizer qual rocha é mais antiga e qual é a mais nova.Examinando sua ocorrência geográfi ca atual, os fósseis permitem também oreconhecimento da distribuição e disposição dos antigos mares e continentes,bem como das grandes variações climáticas ocorridas durante o imenso tem-po geológico. Ou seja, os fósseis são importantes ferramentas para a reconsti-tuição da paleogeografi a e paleoclimas. Os fósseis são ferramentas essenciaistambém para a reconstrução dos ambientes antigos de sedimentação e a aná-lise detalhada das acumulações nos permitem interpretar os processos físicose ou biológicos responsáveis pela morte e acumulação dos organismos, uma

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disciplina da Paleontologia que ganhou muita importância nas últimas déca-das chamada de Tafonomia (ciência que estuda o processo de fossilização). Doponto de vista econômico, os fósseis são importantes na indústria do petróleoe do carvão.

Assim, vamos entender as possibilidades e principais processos que leva-ram à preservação de um organismo ou mesmo de somente algumas de suaspartes, e também dos vestígios deixados pelas suas atividades.

3.4 TORNANDO-SE FÓSSIL

O potencial (ou probabilidade) de fossilização de um organismo está re-lacionado a fatores que podem ser intrínsecos ao organismo, isto é, podemestar diretamente ligados à sua anatomia e estratégia de vida adotada, ou ex-trínsecos, que são aqueles ligados às inúmeras características do seu ambien-te de vida. É ainda importante considerarmos o tipo de morte que tiveram,bem como os processos físicos e biológicos que atuaram neste organismo nointervalo de tempo compreendido entre a sua morte e o momento do seu so-terramento fi nal. Do ponto de vista do processo de fossilização, o intervaloque vai da morte do organismo até o seu recobrimento ou soterramento fi nal édenominado de bioestratinomia. As diferentes possibilidades oferecidas peladinâmica dos ambientes antigos (mares, rios, desertos etc.), bem como as ca-racterísticas morfológicas e ecológicas apresentadas pelos diferentes grupos deseres vivos do passado, ofereceram aos paleontólogos uma grande variedadede processos de fossilização, resultando em distintos tipos de preservação.

Ao contrário do que muitos pensam, os fósseis são extremamente raros. Naverdade, considerando todas as etapas pelas quais um organismo passa após asua morte até que se torne um fóssil, é quase um milagre que os encontremosimersos nas rochas, muitas vezes perfeitamente preservados. Ao considerar-mos ainda a estimativa do número de espécies e de indivíduos que existiramno passado, chegaremos à conclusão de que para alguns grupos de organismosapenas uma parte desprezível fi cou preservada.

Em suma, as características do organismo, tais como sua arquitetura cor-poral, sua estratégia de vida, o tipo de morte que sofreu e o conjunto quase

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inumerável de possibilidades de eventos ocorridos até que seja defi nitivamenteprotegido por sedimentos, ou, como veremos, por outros raros agentes de pro-teção, determinarão ou não a chance de fossilização ou preservação. Portanto,consideraremos passo a passo, algumas das características que determinarãoas chances de conservação de um organismo no registro geológico.

Iniciaremos com o exame da árvore universal da vida, ou seja, que com-preende todos os seres vivos. Vamos viajar rapidamente pelos três grandes ra-mos que a compõem e identifi car que grupos podem apresentar característicasintrínsecas que favorecerão ou aumentarão suas chances de preservação.

3.5 A ÁRVORE DA VIDA

3.5.1 Os diferentes grupos de seres vivos e suas chances de preservação

Os seres vivos são atualmente reunidos em três grandes domínios: as Bac-terias e Archaea unicelulares, microscópicas e procariontes, e os Eukaria, ondese encontram organismos algumas centenas de vezes maiores e mais comple-xos, porém ainda microscópicos unicelulares, e todo o restante da vida visívelconhecida, incluindo os fungos, algas e plantas e os animais (veja fi gura 1).

3.5.2 O registro da vida durante o Pré-Cambriano

Como veremos adiante, a presença de partes duras como testas, espículas,conchas, carapaças, e tecidos mineralizados, os ossos, farão a maior diferençapara a fossilização de um organismo. Desta forma, analisando os três grandesdomínios da grande árvore universal da vida, notamos que partes mineraliza-das com alguma chance de preservação nas rochas aparecem somente em umapequena fração dos seres vivos conhecidos (ver fi gura 2). No que diz respeito arestos corporais, o registro geológico da vida privilegiou praticamente apenasos Eukaria.

Não queremos dizer com isso que não existem registros nas rochas da vidaprocariótica ou eucariótica unicelular microscópica. Restos carbonizados de

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bactérias fotossintetizantes, as cianofícias, com cerca de 3,5 bilhões de anosde idade, já foram encontradas na Austrália imersas em sílex, bem como emmuitos outros lugares e idades do mundo. Além disso, as atividades destasbactérias no ambiente marinho costeiro induziram por todo o tempo geoló-gico a formação de corpos carbonáticos numerosos e muitas vezes métricos,denominados pelos paleontólogos de estromatólitos. Os estromatólitos forampor cerca de 3 bilhões de anos da história da vida (de 3,5 bilhões de anos até600 milhões de anos atrás) as únicas evidências visíveis de atividade biológica.A proliferação destas estruturas nos ambientes marinhos até a profundidadena qual luz sufi ciente para a realização da fotossíntese alcançava, deixou umregistro vestigial abundante em todas as regiões da Terra. Os estromatólitossão profusos em rochas dos eons Arqueano e Proterozóico (ver linha do tempono capítulo 2), mas sofreram forte declínio no início do Eon Fanerozóico como fl orescimento dos animais.

Figura 1 Árvore universal da vida, mostrando os três domínios e o grande número de grupos biológicos que, aparentemente, poderiam ter deixado restos e/ou vestígios no registro fossilífero.

Organismos Eucariontes surgidos por volta de 2 bilhões de anos atrás tam-bém encontraram ambientes especiais e seus restos carbonizados são registrados

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igualmente em rochas muito antigas. Porém, diferente das bactérias, suas ativi-dades não induziam a deposição de domos ou camadas de sedimentos de modoque seu registro se resume a raríssimos restos dos seus tecidos carbonizados.

Assim, por quase todo o tempo Pré-Cambriano, fi cou preservado nas ro-chas o que tinha para ser preservado, isto é, restos carbonizados de bactériasfotossintetizantes e os estromatólitos decorrentes de suas atividades, bem comorestos de algas e outros raríssimos e duvidosos microfósseis e icnofósseis.

Com isso, tratamos do registro fossilífero de boa parte do tempo geológicocompreendido entre 3,8 bilhões de anos e 600 milhões de anos atrás, e dois dosgrandes ramos da árvore da vida procariótica, Bacteria e Achaea, e tambémboa parte do ramo dos Eukaria compostos exclusivamente por organismosunicelulares microscópicos (veja fi gura 1).

3.5.3 A presença de partes duras na arquitetura corporal

Vamos agora nos concentrar na porção da árvore da vida que restou queinclui seres vivos eucariontes unicelulares e multicelulares, onde algum tipode parte dura faz parte da arquitetura corporal do organismo, isto é, algunsgrupos de protozoários, algumas algas, plantas, e outros poucos metazoários,isto é, os animais.

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Figura 2 Árvore universal da vida, mostrando somente grupos (Reinos) que contém partesesqueléticas rígidas, mineralizadas e, portanto, apresentando maior probabilidade de fossilização.

3.6 MICROSCÓPICOS, UNICELULARES, MAS COM CARAPAÇAS DURAS

3.6.1 O Reino Rhizaria

Alguns protozoários microscópicos representantes dos Rhizaria deixaramum extenso registro fossilífero que data do início do Eon Fanerozóico. O quefez a diferença para a preservação destes organismos unicelulares, na maioriados casos microscópicos, foi a presença de um esqueleto rígido na sua consti-tuição (Figura 3). Foraminíferos com testas calcárias e Radiolários, com testassilicosas, foram extensamente preservados em rochas depositadas em ambien-te marinho desde suas origens por volta de 540 milhões de anos atrás.

Figura 3 Testas de foraminíferos calcários, provenientes de testemunho de sondagem coletado na porção oeste do Atlântico Sul. Os espécimes têm aproximadamente 20.000 mil anos (Pleistoceno).

A – Uvigerina mediterranea. B – Globobulimina affi nis. Fotos: Prof. Dr. Cristiano M. Chiessi(EACH-USP).

3.6.2 O REINO FUNGI

Os fungos, abundantes em quase todos os ambientes terrestres atuais, sur-giram e viveram inicialmente no ambiente aquático e tem sua origem estimadaem cerca de um bilhão de anos atrás. Estes organismos foram, provavelmente,

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os primeiros eucariontes a colonizar o ambiente terrestre já no período Cam-briano. Embora não apresentem partes rígidas, e, ainda que raros e duvidosos,as hifas e esporos das formas aquáticas são encontrados fossilizados em rochasde origem marinha com quase um bilhão de anos. Somente nos períodos Or-doviciano e Siluriano esporos que se assemelham aos das formas terrestresaparecem no registro indicando que estes organismos haviam alcançado a par-te seca dos continentes. No entanto, eles se tornam comuns no registro fóssilapenas a partir do período Devoniano.

Embora não tenham partes mineralizadas em sua constituição, suas hifase esporos são feitos de substâncias orgânicas rígidas e resistentes que conferema eles alguma chance de preservação.

3.7 O REINO ARQUEOPLASTIDA – AS PLANTAS

3.7.1 As algas verdes e vermelhas

As algas verdes e vermelhas precipitam carbonato de cálcio em seus tecidos e,portanto, estão amplamente representadas no registro fossilífero. Fósseis das maisantigas algas vermelhas datam de meados do Eon Proterozóico, pouco mais deum bilhão de anos atrás. Fósseis de algas verdes aparecem no registro bem maistarde no início do Eon Fanerozóico, no Período Cambriano, cerca de 530 milhõesde anos atrás. As algas verdes são particularmente importantes porque durante operíodo Jurássico uma nova linhagem surgiu, as diatomáceas, algas dotadas departes duras chamadas frústulas, encontradas em sedimentos marinhos e de águadoce. Elas se tornaram tão abundantes durante o Período Cretáceo que rochasinteiras são formadas quase que completamente pelas suas carapaças silicosas.

É importante ressaltar que evidências genéticas indicam o aparecimento dasdiatomáceas durante o período Triássico. No entanto, seus primeiros fósseis sóaparecem milhões de anos mais tarde no período Jurássico, devido ao apareci-mento das frústulas silicosas, carapaças feitas de sílica, um exemplo claro de quea presença de partes duras faz a diferença na preservação dos organismos.

3.7.2 PLANTAS TERRESTRES

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Por volta do Ordoviciano apareceram sobre os continentes as primeirasplantas terrestres, não vasculares, tais como as hepáticas, musgos, licopodi-ófi tas e os antóceras, todos com restos fossilizados raríssimos ou até mesmoduvidosos devido à falta de tecidos fi brosos rígidos. Foi durante o Devonianoque as plantas vasculares, ou Fanerógamas, desenvolveram tecidos fi brosospara sustentação e transporte de seiva (ver capítulo 5).

As células vegetais possuem uma espessa parede celulósica formada porlongas camadas carbonosas muito estáveis química e fi sicamente no interiordas rochas. Com as plantas, o mundo eucarionte ganhou os continentes no quediz respeito ao registro, pois o tamanho dos organismos cresceu de maneiracolossal. Como veremos, as plantas crescem normalmente próximas dos am-bientes aquáticos onde a preservação de seus restos é normalmente favorecida.Ainda no Devoniano as primeiras fl orestas surgiram e desde então as plantasdeixaram um extenso registro nas rochas, muitas vezes em espessas camadasde carvão mineral.

3.7.3 Pólens e esporos

As plantas superiores possuem outro elemento rígido que deixou um ex-tenso registro nas rochas, possivelmente até mesmo maior e mais completode que as partes mais conhecidas, como os troncos, sementes e frutos. Estecomponente das plantas cuja preservação pode parecer inacreditável para amaioria das pessoas é também de grande aplicação nos estudos geológicos epaleontológicos ligados à determinação da idade relativa das rochas: os espo-ros e pólens (Figura 4). Revestidos por uma camada muito resistente compostapor uma substância chamada de esporopolenina, os mais antigos esporos deplantas terrestres conhecidos foram encontrados em rochas do Siluriano, e ospólens, exclusivos das Gimnospermas e Angiospermas, aparecem pouco maistarde em rochas de idade devoniana. Como sempre partes resistentes fi zerama diferença.

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Figura 4 Imagens de palinomorfos da Bacia do Paraná: Cicatrico sisporites - esporo de Filicopsida, Cretáceo, Bacia do Paraná, Formação Bauru (A); Lundbladispora braziliensis – Imagem em

microscopia óptica de tétrade de esporo de Lycopsida do Permiano, Bacia do Paraná, Formação RioBonito (B); Gnetacea pollenites – Imagem em microscopia óptica de grão de pólen de Gimnosperma

do Cretáceo, Bacia do Paraná, Formação Bauru (C); Lundbladispora braziliensis – Imagem em microscopia óptica de grão de pólen de Gimnosperma do Permiano, Bacia do Paraná, Formação Irati

(D). Fotos do Laboratório de Palinologia Marleni Marques Toigo, da Universidade Federal do RioGrande do Sul, gentilmente cedidas por seu coordenador Prof. Dr. Paulo Alves de Souza.

3.8 O REINO ANIMALIA

Finalmente chegamos ao reino dos animais, os metazoários, organismosque deixaram o maior e mais variado registro fossilífero. Embora existam evi-dências de que alguma diversidade de animais já existisse por volta 1 bilhão deanos atrás, foi por volta de 530 milhões de anos, em meados do Cambriano,

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que uma grande explosão de diversidade ocorreu, seguramente devido ao apa-recimento de partes rígidas, conchas e carapaças, em algumas das linhagens.

No entanto, a análise um pouco mais detalhada das 35 linhagens (Filos)de animais conhecidas atualmente, nos mostra mais uma vez que o registroprivilegiou criaturas com partes duras, mineralizadas, ou seja, aquelas comcarapaças, conchas e ossos. Observe a tabela abaixo.

Tabela 1 Filos viventes do Reino Animalia (Metazoa) e características conhecidas da sua presença no registro fossilífero Fanerozóico.

Filos sem registro fóssil= 10

Filos com registro pontual= 8

Filos com raros registros= 9

Filos com vasto registro= 8

Sem partes duras Sem partes duras Sem partes duras Com partes duras

Orthonectida Nemertea Ctenophora Porifera

Rhombozoa Entoprocta Platyhelminthes Cnidaria

Gastrotricha Annelida Rotifera Mollusca

Gnathostomulida Echiura Priapulida Arthropoda

Monoblastozoa Sipuncula Nematoda Brachiopoda

Kinorhyncha Pogonophora Tardigrada Bryozoa

Vestimentifera Pentastomida Onycophora Echinodermata

Loricifera Phoronida Chaetognatha Chordata

Acanthocephala Hemichordata

Nematomorpra

Dos 35 fi los conhecidos, 10 não deixaram registro fóssil e 8 apresentamregistro apenas pontual, isto é, menos de 10 ocorrências fósseis em todo omundo em rochas de todas as idades. Nove fi los têm registros consideradosraros. No entanto, as afi nidades fi logenéticas, bem como o relógio molecularindicam para todos estes um surgimento precoce no tempo geológico, se nãono pré-Cambriano, ao menos no Cambriano.

Do número total de linhagens, apenas oito estão bem representadas no regis-tro, essas englobam praticamente todo o universo de fósseis animais estudadospelos paleontólogos. O gráfi co (Figura 5) nos mostra que, do reino Animal, oque vemos no registro fossilífero é somente uma pequena parcela do que existiu.De certa forma, a história geológica de um reino inteiro é contada apenas par-cialmente, como um livro que teve a maioria de suas páginas arrancadas.

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Figura 5 Proporção dos fi los do Reino Animal com registro fóssil abundante (vermelho) e registro pontual, raro ou inexistente (azul).

Se examinarmos novamente a árvore universal da vida, veremos que a vidamicroscópica procarionte e eucarionte sem partes duras deixou um registromínimo. Da vida micro e macroscópica, somente pequena parte da diversi-dade de protozoários, plantas e animais, fi cou preservada, e sempre graças àpresença de partes duras. Portanto, o que veríamos preservado nas rochas, noque diz respeito à diversidade da vida animal desde sua origem há cerca de 530milhões de anos atrás, e caso todos os organismos de alguma forma deixassemalgum registro, é muito escasso. Isto porque até agora consideramos apenas seos organismos têm ou não partes duras a serem preservadas.

Vamos considerar a seguir outros fatores que poderão determinar ou nãoa preservação de um organismo na rocha, tenham eles partes duras ou não,fatores estes ligados também ao ambiente onde viveram e ao modo de vida quetiveram.

3.9 AMBIENTES E ESTRATÉGIAS DE VIDA

A fi m de compreendermos o registro fóssil dos organismos, é muito im-portante considerarmos onde e como viviam. Os fósseis não se formam emqualquer ambiente e alguns organismos, apesar das suas partes duras, assumi-ram um estilo de vida no qual sua fossilização é potencialmente muito baixa.

No ambiente marinho, um organismo pode viver em águas rasas ou pro-fundas, com ou sem a infl uência de correntes, sobre um substrato estável ou

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instável, e ter como companhia diferentes tipos de organismos. Quanto à suaestratégia de vida, ele pode viver fi xo ou ter alguma mobilidade – andar, ras-tejar, pode ser capaz de nadar, viver profundamente enterrado no substratomarinho (organismos bentônicos de infauna, estratégia protegida), presos ouem cavidades nas rochas, sobre o substrato (organismos bentônicos de epifau-na estratégia exposta) ou mesmo sobre outros organismos (epibiontes). Essestêm estratégia de vida exposta.

Em ambientes continentais, os organismos podem viver ou não próximosde corpos de água, como rios e suas planícies de inundação, junto a lagos,fl orestas ou desertos. Podem ainda viver entocados ou no alto de montanhas,com grandes variações nas possibilidades de preservação.

Diferentes espécies podem viver em populações com alta densidade, taiscomo manadas, cardumes, e moluscos nas áreas costeiras, formando grandesbancos de conchas, enquanto outras podem se reunir em pequenos grupos oumesmo apresentar modo de vida solitário. Levando em consideração o núme-ro de indivíduos, é simples compreendermos que organismos que vivem empopulações densas terão maior chance de preservação.

Imagine, por exemplo, que um casal de lobo-guará ocupa 16 km quadra-dos de território, enquanto em uma mesma área vivem milhares de jacarés.Pensando somente no quesito densidade, qual animal teria mais chance depreservação?

Esta foi uma lista sucinta das variações em um ambiente e modos de vidade organismos marinhos e terrestres. Poderíamos aumentá-la, para um númeroquase infi nito de situações, porque a diversidade de espécies vivas é muito gran-de e as incontáveis variações ambientais igualmente numerosas. Pense então naspossibilidades se considerarmos estes dois quesitos em ambientes pretéritos, so-frendo variações contínuas ao longo de centenas de milhões de anos.

Além disso, todos estes ambientes podem ou não estar sujeitos ao recebi-mento de sedimentos trazidos pelos rios, pelo vento, ou precipitados a partirda coluna de água. Estes sedimentos, normalmente muito fi nos, como lama,silte e areia, como veremos, serão fundamentais no recobrimento e proteçãodos restos dos organismos, mas os sedimentos nem sempre chegam aos locaisonde estão os esqueletos ou carapaças de animais recém mortos. Em muitos

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casos, as carcaças são transportadas por correntes e rios ou mesmo por preda-dores para os locais onde serão fossilizadas.

Apenas para concluir, notamos então que a completude do registro fós-sil, ou seja, a representatividade de um táxon ou grupo taxonômico no re-gistro sedimentar é variável. Como resultado, o registro paleontológico não écompleto, com determinados grupos taxonômicos (por exemplo, moluscos)possuindo melhor representatividade do que outros (por exemplo, cnidáriosmedusóides). Esse fato é claramente demonstrado pelo escasso registro fóssilde organismos desprovidos de partes duras mineralizadas. A preservação deorganismos de corpo mole (por exemplo, a famosa fauna de Ediacara, Austrá-lia) requer condições deposicionais particulares, as quais são geologicamenteraras, ocorrendo em intervalos de tempo muito distintos e sob condições am-bientais muito específi cas.

3.10 TORNANDO-SE FÓSSIL: DO MUNDO ORGÂNICO À ROCHA

O processo de fossilização é melhor compreendido quando suas diferentesfases são examinadas individualmente, porém, devemos ter em mente que oprocesso não é linear, nem idêntico para todos os tipos de organismos. Algu-mas fases podem ocorrer também, simultaneamente, de modo que as fases aquiapresentadas e a sequencia mostrada constituem apenas um guia para melhorcompreensão dos fatores e processos que conduzem a preservação dos orga-nismos. Em teoria, a fossilização tem início com os processos necrológicos,envolvendo a morte e a decomposição (necrólise) dos organismos, seguindoos processos bioestratinômicos, incluindo, por exemplo, a desarticulação, otransporte/retrabalhamento dos restos esqueletais e o soterramento fi nal.Por último, atuam os processos diagenéticos, ou seja, aqueles que ocorremapós o soterramento fi nal, bem como as alterações produzidas pelos processostectônicos, que soerguem os estratos rochosos, expondo-os à superfície terres-tre e ao clima e ao intemperismo.

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3.10.1 O início do processo: morte e necrólise

Ao contrário do que, geralmente, imagina-se a morte, em si, não é, neces-sariamente, pré-condição para que os restos esqueletais dos organismos sejamincorporados aos sedimentos. Olhe para as matas, parques e jardim e vocêirá observar que alguns grupos vegetais perdem suas partes (folhas) atravésde mecanismos fi siológicos. As folhas, por exemplo, podem ser descartadasdurante o outono, ou ainda desconectadas durante fortes tempestades, assimcomo os frutos e as sementes. Obviamente, essas estruturas orgânicas não per-tencem a um indivíduo morto. Outro exemplo é oferecido por determinadosgrupos de invertebrados, os quais durante o crescimento (desenvolvimentoontogenético) produzem ecdise. Essas são incorporadas ao registro fóssil, casobem conhecido para os trilobites e outros artrópodes. Obviamente, as ecdisesnão representam indivíduos mortos. Já os mamíferos perdem, naturalmente,os dentes. Em todos esses exemplos, ocorreram perdas naturais de partes durasbiomineralizadas, as quais poderão ser incorporadas aos sedimentos sem que,necessariamente, ocorra a morte dos indivíduos. De qualquer modo, entretan-to, na grande maioria das vezes, a morte é o ponto de partida para a “vida” deum fóssil (início do processo de fossilização).

Os tipos de morte que podem ocorrer com os organismos estão intima-mente ligados às variações do ambiente onde vivem e ao modo de vida quepossuem. Por isso, a morte pode ocorrer em um número quase infi nito desituações e ter conseqüências igualmente diversifi cadas. A chamada morte ca-tastrófi ca (ou não seletiva), normalmente, põe um fi m à vida de um grandenúmero de organismos (milhares, milhões), ocorrem em intervalos de tempogeologicamente mais curtos, em eventos mais distantes temporalmente um dooutro. Na natureza, estes eventos de mortalidade em massa (processo que afe-ta indiscriminadamente a todos os indivíduos de uma dada população) sãocomumente episódicos (breves no tempo) e ocorrem normalmente devido agrandes mudanças climáticas, envolvendo variações bruscas da temperatura,grandes tempestades que remobilizam fundos oceânicos ou lacustres, erup-ções vulcânicas e/ou imensos deslocamentos de sedimento durante tempesta-des ou deslizamentos do fundo oceânico.

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Os organismos podem ainda morrer devido a fatores não catastrófi cos ounaturais, tais como velhice, doenças ou ao ataque de um predador. Esse tipode morte é chamado de morte seletiva, já que normalmente incide em faixasmuito específi cas da população. Por exemplo, indivíduos jovens são mais sus-cetíveis às doenças (já notou como os fi lhotes de cachorros tomam vacinas nosprimeiros meses de vida?) e ao ataque de predadores. O mesmo ocorre com osindivíduos mais idosos da população. Registros fósseis que indicam este tipode morte são mais raros, porque normalmente não envolvem grande númerode indivíduos, mudanças drásticas no volume de deposição dos sedimentos e,normalmente, não envolvem o acúmulo denso de restos esqueléticos.

Após a morte ou descarte das partes esqueletais, segue-se à decomposição(necrólise), por ação bacteriana e de outros organismos necrófagos ou de-compositores. Esse processo é muito importante na história de preservação dequalquer organismo, pois é nessa etapa que ocorrerá em maior ou menor grau,o consumo dos tecidos de conexão orgânica, favorecendo a desarticulação daspartes esqueletais. A decomposição é um processo contínuo que leva de ho-ras a anos para se processar, dependendo das condições ambientais. As ca-racterísticas morfológicas dos organismos (invertebrados versus vertebrados),os diferentes hábitos de vida (estratégia protegida=infauna versus estratégiaexposta=epifauna), os distintos ambientes de morte e decomposição (mari-nho versus continental desértico) exercem infl uência no processo de necrólise.Para simplifi car a necrólise pode ser entendida como o processo de remoçãoou consumo dos tecidos moles, ou seja, a esqueletonização. Sob condiçõesfavoráveis (presença de bactérias, organismos necrófagos, oxigênio) a decom-posição dos tecidos é rápida, poucos meses a um ano (no caso de vertebra-dos) e, desse modo, somente em casos excepcionais os tecidos moles fi carãopreservados (vide mais adiante). Desse modo, somente as partes duras dosorganismos são aquelas que têm maiores chances de preservação, pois em suacomposição química existem grandes quantidades de elementos inorgânicos.Para entender bem esse processo não deixe de realizar o experimento sugeridoao fi nal desse capítulo.

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3.10.2 Bioestratinomia – da morte ao sepultamento

Bioestratinomia é uma subdisciplina da Tafonomia que envolve o estudoe interpretação dos eventos ocorridos desde a morte até o soterramento de umorganismo ou de partes deles, nos sedimentos. As possibilidades que podemocorrer nesta fase são também numerosas. Portanto, essa etapa é mais umadura prova para os restos dos organismos que têm possibilidade de um diaconstituírem o registro fóssil. Porém, essa etapa pode ainda não existir, ser cur-ta ou prolongada. Restos de organismos podem chegar intactos ao momentodo sepultamento, parcialmente destruídos ou mesmo desaparecer, antes quesejam soterrados ou recobertos. Atravessar essa etapa é um grande começopara o candidato a fóssil.

Sobre os continentes

Voltemos ao exemplo do pantanal mato-grossense. Um fi lhote de veadocampeiro ou mesmo um adulto capturado por uma onça terá boa parte dos seustecidos moles devorada e parte dos seus ossos desarticulados e transportadospara alimentação dos fi lhotes. Sua carcaça será posteriormente abandonada e anecrólise bacteriana continuará o trabalho de destruição das partes moles junta-mente com larvas de insetos e vertebrados carniceiros como tatus e gambás. Osossos mais robustos como os fêmures e úmeros, bem como os dentes, serão pro-vavelmente os únicos restos sobreviventes da carnifi cina. Como o Pantanal é umabacia sedimentar em atividade, e periodicamente inundada nas cheias, quandoum volume considerável de sedimento é levado para a planície de inundação,além das margens dos rios, é possível que os poucos restos que sobraram destacarcaça sejam recobertos por sedimentos e cheguem ao menos aos pedaços aofi nal da fase bioestratinômica, antes de serem recobertos por sedimentos. Para opaleontólogo, pequenos fragmentos são muito, infi nitamente melhores que nada.O problema aqui é a densidade. Quanto menor o número de partes fossilizadas,menor a chance de que os fósseis resultantes venham a ser encontrados.

No entanto, atenuantes desta situação podem ocorrer. O comportamentode alguns predadores pode, na verdade, favorecer a acumulação de partes es-

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queléticas em locais preferenciais. Se por um lado os grandes felinos tendem adestruir suas presas, por outro, estes animais normalmente criam gerações defi lhotes em tocas, onde estes nascem e permanecem por até dois anos sendoalimentados pelos pais. Estes locais costumam fi car preservados como sitiosde acumulação, os quais são ricos em restos esqueléticos. Sedimentos de idadepleistocênica (cerca de 1,8 milhões de anos) encontrados em cavernas na Es-panha guardavam milhares de partes esqueléticas de animais herbívoros commarcas de predação, e que foram transportados até ali pelos predadores, tigres-de-dente-de-sabre cujos restos também foram encontrados.

Por outro lado, restos de vertebrados terrestres que vivem, por exemplo,nas savanas africanas, como as zebras, gnus, elefantes e rinocerontes, são caça-dos ou morrem naturalmente e suas carcaças fi cam normalmente expostas so-bre o solo longe das planícies de inundação. Esses ossos sofrem intemperismo,tornando-se mais frágeis. O processo bioestratinômico destrutivo começarácom os predadores, seguidos por uma lista imensa de animais carniceiros, dashienas às cinco espécies de abutres que perfurarão suas carcaças e triturarãoseus ossos. Suas partes serão ainda espalhadas pelos carniceiros em fuga e pos-sivelmente pisoteados por alguma manada. Todo este processo teve ainda acontribuição constante das bactérias, larvas de insetos, besouros carniceiros,do sol, da chuva e do oxigênio. Longe de um reservatório de água ou de umaduna onde seus restos pudessem ser encobertos e protegidos por sedimentos,sua destruição e desaparecimento é quase certo.

Após a morte em terra fi rme, carcaças de animais vertebrados como ma-míferos e répteis podem ainda ser transportadas para rios e lagos onde pro-vavelmente encontrarão alguma chance de preservação. À vezes, esqueletosinteiros e articulados (=carcaças d’água) são transportados. Portanto, o altograu de articulação de uma carapaça não implica necessariamente na ausênciade transporte, pré-soterramento fi nal. Muitas vezes, carcaças inchadas pelosgases da putrefação podem ser transportadas por longas distâncias antes queos gases escapem e a carcaça afunde. Esse processo é bastante importante deser observado, já que muitas vezes organismos são encontrados longe do seuverdadeiro habitat e caso o transporte não seja levado em consideração, o pa-leontólogo poderá interpretar erroneamente a presença deste grupo, num de-

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terminado ambiente. Identifi car as chamadas carcaças d’água pode ser feitoquando o esqueleto articulado apresentar um modo caótico na disposição dosossos, sem a curvatura cervical observada em elementos articulados que foramsoterrados, sem terem sido transportados, já que, quando os gases intestinaisescapam, o organismo afunda e a preservação ocorre do jeito que a carcaça seacomodou junto ao fundo do corpo d’água, caso a sedimentação ocorra nessemomento.

A Formação Morrison, que contém as camadas de rochas jurássicas maisricas em restos de dinossauros na América do Norte, formou-se em regiões declima úmido, pantanosas, com planícies inundadas muito semelhantes ao am-biente que hoje caracteriza o pantanal mato-grossense. As carcaças de animaismortos nestas planícies eram, a cada cheia, recobertas por uma nova camadade sedimentos. As águas, bem como os predadores dos grandes dinossaurossaurópodos que por lá viviam, não tinham força sufi ciente para desmembrar edispersar seus ossos de modo que boa parte dos esqueletos encontrados nestasrochas estão quase completamente articulados e completos.

No Brasil, o ambiente predominante durante praticamente todo o Cretá-ceo, o período onde foi encontrada a maioria dos dinossauros brasileiros, eradiferente, pois predominanva a condição de clima semi-árido. Nessa condição,as chuvas, que se concentravam em curto período do ano, eram torrenciais, edavam origem a um tipo de sistema fl uvial diferente, sem planícies de inun-dação, onde grandes volumes de sedimentos eram remobilizados por canaismuito instáveis, um ambiente especialmente impróprio para a armazenagemde esqueletos. Assim, as carcaças e ossos que se acumulavam nestes ambien-tes, eram transportados, retrabalhados e praticamente destruídos durantes asinundações. Não é por menos que quase todos os esqueletos encontrados emrochas Cretácicas no Brasil apresentam menos de 50% dos ossos preservadosou íntegros, alguns deles com apenas 5 ou 6 ossos, dos cerca de 200 que pode-riam apresentar. Neste caso, a deposição de sedimentos em ambiente de altaenergia, não favorecia a preservação dos esqueletos.

Este mesmo clima e ambiente, no entanto, propiciou a preservação de ou-tro tipo de vertebrado terrestre simplesmente porque este apresentava estra-tégia de vida diferente. As mesmas condicionantes climáticas e deposicionais

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que destruíam as carcaças e esqueletos dos dinossauros, favoreceram a preser-vação de esqueletos de crocodilos. Durante os longos períodos de estiagem,crocodilos terrestres que andaram por aqui também durante o Cretáceo, semantinham em suas tocas esperando a época das chuvas onde água e alimen-to estariam disponíveis em maior quantidade. Um destes crocodilos fósseis,o Uberabasuchus, foi encontrado fossilizado dentro de sua toca, tendo sidoprovavelmente pego de surpresa pelas águas durante as primeiras tempestadesque caíram durante aquele ano.

Nos mares e oceanos

Os vertebrados

No fundo dos mares e oceanos os processos bioestratinomicos que atuarãosobre as carcaças de vertebrados como peixes e grandes mamíferos ocorrerãona coluna de água. Lá também estão as bactérias, os predadores, os carnicei-ros, e organismos incrustantes e perfuradoras, bem como os processos físicose químicos que os restos dos organismos terão que enfrentar durante a fasebioestratinômica subaquática.

Esta fase destruidora de partes esqueléticas e carapaças pode ocorrer tam-bém em locais onde a chance de preservação é quase certa. Organismos car-niceiros que penetram e devoram carcaças e os detritívoros (que vasculhamo interior do substrato em busca de matéria orgânica), podem desarticular eespalhar partes esqueléticas de peixes ou esqueletos de mamíferos que che-gam ao leito marinho após a morte. Da mesma forma, correntes marinhas defundo ou mesmo a base das ondas de tempestades que varrem o substrato aprofundidades maiores do que aquelas que ocorrem cotidianamente, podemigualmente desarticular e separar os esqueletos.

Peixes fósseis de idade Oligocênica que ocorrem em camadas de rochasdepositadas em um antigo lago, encontradas na região de Taubaté, estão ar-ticulados e também caoticamente espalhados na rocha, provavelmente de-vido à atividade de organismos bentônicos carniceiros e/ou detritívoros quese alimentavam das suas carcaças. Intercaladas a estas camadas, no entanto,

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esqueletos fossilizados de rãs, morcegos, pequenas mariposas, e peixes, sãoencontrados intactos. É bem possível que correntes de fundo e organismosbioturbadores atuassem no fundo da lagoa apenas periodicamente, causandoesta intermitência de camadas ora com esqueletos fósseis articulados, ora de-sarticulados.

Um exemplo de fundo marinho onde os processos bioestratinômicos pra-ticamente não existiram ocorreu na laguna cretácica que existiu na região daChapada do Araripe. Rochas daquela região contém peixes fossilizados e demuitos outros animais e plantas, como em nenhum outro lugar do mundo. Aausência de correntes que remobilizassem a água próxima do substrato deuorigem a um fundo anóxico (desprovido de oxigênio) e venenoso, onde orga-nismos detritívoros não podiam se estabelecer. Por isso, as carcaças de peixes eoutros organismos que alcançavam o substrato lodoso, permaneciam intactoscom escamas, membros e todos os ossos ou partes de carapaças perfeitamentearticuladas. Destas rochas são retiradas libélulas com as quatro asas intactas,na mesma posição que as mantinhas quando estavam vivas.

Este caso parece representar uma situação ideal para a preservação de fós-seis porque as mesmas águas estagnadas, anóxicas e venenosas que impossibi-litavam a presença de organismos detritívoros e carniceiros, eram as mesmasque durante as tempestades eram lançadas para a coluna de água habitável,causando eventos de mortalidade em massa. Mais adiante voltaremos a essaocorrência excepcional de preservação.

Os invertebrados

No reino dos animais, o mundo dos invertebrados marinhos é o queguarda o maior e mais completo registro paleontológico se comparado aosvertebrados terrestres. Como vimos, uma pequena parte dos fi los, cerca desete, possuem representantes dotados de concha ou carapaça rígida. Em con-trapartida, todos estes grupos tiveram sua origem e inúmeros pulsos de di-versidade no ambiente marinho, e viveram durante todo o tempo geológicoem populações normalmente compostas por um grande número de indiví-duos. Eles, portanto, preenchem um bom número de requisitos para terem

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seus restos preservados nas rochas: partes duras, ambiente favorável e popu-lações numerosas.

Pense por exemplo, nas chances de preservação do Onicóforo Peripatus.Ele não tem partes duras, é solitário, e vive sob troncos caídos no interior defl orestas no Estado da Bahia. Alguns raros fósseis de onicóforos já encontra-dos porque preencheram ao menos um dos requisitos, estavam no lugar certo,ainda viviam no mar durante a Era Paleozóica.

Mas estamos falando agora de organismos com partes duras.Estes organismos ocuparam todos os ambientes marinhos rasos ou pro-

fundos, sujeitos ou não a correntes marinhas de fundo, com substratos fi rmesou instáveis e, portanto, estiveram sujeitos a todos os tipos de processos bioes-tratinômicos. Invertebrados que escavavam profundamente o substrato foramusualmente preservados sem qualquer tipo de remobilização e são mais co-mumente encontrados no registro geológico preservados ainda na posição emque viviam (in situ), pois esta estratégia de vida os protegia dos eventos físicos,químicos ou biológicos atuantes na superfície ou nos primeiros centímetroslogo abaixo do substrato. Faunas ou fl oras fósseis encontradas preservadas naposição original em que viviam são chamadas de autóctones.

Os processos bioestratinômicos foram intensos, diversifi cados e maisamplamente estudados nos organismos marinhos dotados de partes rígidas.Após a morte, os restos rígidos deixados sobre a superfície ou imediatamenteabaixo no interior do substrato, poderiam participar dos episódios cotidianosmarinhos. Animais escavadores rasos mortos no interior do substrato tinhamsuas conchas remobilizadas pela fauna detritívora que circulava na areia oulama em busca de alimento (Figura 6A), normalmente moluscos bivalves de-tritívoros, equinodermos escavadores e vermes detritívoros como poliquetos eoutros anelídeos. Conchas e carapaças multi-elementos (formadas por múlti-plas partes, céfalo, tórax etc.) de organismos escavadores como equinodermos,trilobitas e moluscos bivalves tinham suas partes desarticuladas, separadas eretiradas da posição preferencial de vida (veja Figura 6A e B).

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Figura 6 Bloco esquem

ático mostrando possiveis cam

inhos seguidos pelos restos de um m

olusco bivalve após sua morte (bioestratinom

ia) e soterramento

(diagênese). A, preservação em

vida, dissolução e moldagem

; B, Exumação, transporte, fragm

entação, erosão, bioerosão e soterramento; C

, compactação; D

,preservação da com

posição original, recristalização, silicifi cação (Modifi cado de A

nelli e colaboradores, 2009).

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Correntes de fundo poderiam ainda exumar a fauna escavadora lançan-do-a para cima do substrato, onde, de fato, os processos bioestratinômicos nu-merosos e diversifi cados ocorrem de maneira contínua.

Sobre o substrato, após a morte, o primeiro ataque é desferido pelas bac-térias e pelo oxigênio contra as partes moles dos organismos. Ao mesmotempo, os tecidos atraem animais carniceiros que promovem o rápido de-saparecimento das partes moles. Em algumas horas ou poucos dias, partesesqueléticas unidas por tecidos moles se desassociam. Estas partes podemser transportadas por correntes de fundo se estas existirem, e serem retraba-lhadas, sofrer erosão e fragmentadas até desaparecerem (Figura 6B). Podemainda seguir por outras vias biostratinômicas, e serem soterradas como par-tes dissociadas, porém ainda intactas. A permanência por longos períodossobre o substrato pode ser acompanhada de organismos incrustantes queconstruirão tubos e/ou cavidades sobre as conchas (Figura 6B), enfraque-cendo sua estrutura e resistência.

As correntes marinhas de fundo podem retrabalhar os fósseis sem retirá-los do ambiente onde viviam, resultando em assembléias fósseis chamadas deparautóctones. Por outro lado, a ação de correntes pode transportar carcaçasou apenas as partes rígidas de organismos mortos para fora do ambiente ondeviviam, misturando conchas que jamais conviveram em um mesmo ambien-te, uma ocorrência designada como apresentando mistura geográfi ca. Estasfaunas são designadas como alóctones (não pertenciam ao local onde forampreservadas).

É importante mencionar que todas as características impressas nos res-tos dos organismos durante a fase bioestratinômica são muito importantes,como fonte de informações geológicas e paleontológicas. Eventos episódicosde soterramento, a atuação prolongada de correntes marinhas, ondas, atuaçãode organismos incrustantes, dentre muitos outros, imprimem nos restos es-queléticos impressões denominadas de assinaturas tafonômicas e oferecemaos paleontólogos informações ricas e variadas sobre os processos geológicose biológicos atuantes na dinâmica paleoambiental local. Por exemplo, conchasmuito fragmentadas ou desarticuladas podem ser indicativos de transporteprolongado, antes do soterramento fi nal.

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3.11 RECOBRIMENTO OU SOTERRAMENTO: A PROTEÇÃO FUNDAMENTAL

Partes orgânicas moles ou rígidas (biomineralizadas) não serão fossiliza-das se não forem de alguma forma protegidas da longa exposição aos pro-cessos bioestratinômicos, anteriormente apresentados. Nenhuma parte dura,incluindo os materiais mais rígidos produzidos pelos organismos, como, porexemplo, os dentes, resistirá por alguns anos, centenas, milhares ou milhões deanos sem que sejam protegidos por algum tipo de cobertura.

Materiais de origem orgânica, isto é, elaborado pelos seres vivos, normal-mente possuem, por assim dizer, muitos “inimigos”. Uma vez recobertos, es-tarão protegidos primeiramente dos efeitos do oxigênio. O oxigênio é um ele-mento muito reativo e se liga praticamente a todos os outros elementos quími-cos, promovendo a oxidação. Matéria orgânica, ossos, conchas e todo o mun-do orgânico, simplesmente não resistem e se desfazem à exposição prolongadaao O2. Além disso, restos não encobertos estarão sujeitos a todos os outrosprocessos já mencionados acima, de modo que uma cobertura é simplesmentedeterminante para preservação de um organismo ou partes desses.

As coberturas podem variar, desde o gelo até os espessos pacotes de sedi-mentos ou partículas sedimentares, tais como argila, silte ou areia. Mas qual-quer outra cobertura que proteja o ambiente da atuação do oxigênio e, comoconseqüência, iniba a presença de organismos decompositores e carniceiros(necrófagos), aumentará a chance de fossilização. Portanto, ambientes anóxi-cos normalmente preservam restos orgânicos, de vegetais e animais, e muitasvezes até tecidos moles, e por milhões de anos (vide, mais adiante o tópicopreservação excepcional).

3.11.1 Recobrimento por asfalto

Lagos de Asfalto existentes no Estado da Califórnia, atualmente dentroda cidade de Los Angeles, serviram de armadilha para milhares de animais eplantas, e até mesmo para seres humanos milhares de anos atrás quando aque-la região acolhia uma diversifi cada fauna de vertebrados terrestres, incluindograndes mamutes, cervos e tigres-de-dente-de-sabre.

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Nestas rochas, o óleo afl orante na superfície deixa que suas frações maisvoláteis escapem tornando-se em uma massa mais densa e espessa chamadaasfalto. Este material foi usado no passado para a impermeabilização de telha-dos, e também impermeabilizava o solo onde brotava da subsuperfície, propi-ciando que grandes volumes de água fossem ali acumulados. Muitos dos ani-mais que se aproximavam e ali adentravam em busca de água fi cavam presos,morriam e acabavam por atrair muitos outros animais.

Estes lagos são ótimos para a coleta de fósseis porque por dezenas de mi-lhares de anos, milhões de animais foram capturados aí e devido a alta den-sidade do asfalto, os ossos dos animais simplesmente fl utuam na superfície.Oitenta e três espécies de animais e 11 de plantas já foram retirados dali, sendoque o mais antigo possui cerca de 38 mil anos.

3.11.2 Recobrimento por gelo

Todos já ouviram falar dos mamutes encontrados no solo congelado da Sibéria.Não apenas estes grandes animais, mas representantes de boa parte da fauna queviveu naquela região durante a Era do Gelo pode ser encontrada fossilizada por con-gelamento. Estes animais foram aprisionados nas grandes fi ssuras no solo congelado,os chamados permafrost, e permaneceram intactos até os dias atuais. Não se tratamttde fósseis muito antigos, mas foram incrivelmente bem preservados por milhares deanos. A mais recente descoberta, um fi lhote de mamute chamado Khroma teve suaidade estimada em 32 mil anos, o mais antigo ser vivo congelado já encontrado.

3.11.3 Recobrimento por âmbar

Não é incomum nos depararmos com pelotas de resina de cor amareladasob as árvores quando andamos pelos parques da cidade. Estas resinas, muitasvezes pegajosas, escorrem das árvores normalmente pela ação de insetos her-bívoros que perfuram o caule para se alimentar da seiva nutritiva. Estas massasfuncionam também como “papel pega moscas” para pequenos artrópodes que,de alguma forma foram atraídos, pousam e fi cam presos pelas pernas. Tam-bém foi assim no passado.

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Cerca de 40 milhões de anos atrás, as árvores que formavam extensas fl o-restas de coníferas que cobriam o norte da Europa, vertiam a resina capturan-do animais hoje extintos (Figura 7). As massas endurecidas contendo todotipo de organismos eram em seguida transportadas até que depositassem efossem encobertos por sedimentos e, por fi m, fossilizados. Milhões de frag-mentos de resina contendo artrópodes (Figura 7A e B), répteis, e até pequenosmamíferos, são encontrados nas praias polonesas banhadas pelo Mar Báltico.Resinas fossilizadas ocorrem em todo o mundo e as mais antigas datam doPeríodo Carbonífero, com cerca de 300 milhões de anos.

Outras situações e tipos de coberturas podem assegurar a conservação derestos de organismos, como por exemplo o fundo lamoso anóxico de regiõespantanosas estagnadas e cinzas vulcânicas. No entanto, nenhum material foitão efi ciente no tempo geológico quanto os sedimentos que foram transforma-dos em rochas.

Figura 7 Artrópodos aprisionados em âmbar (A e B); resina que extravasou e endureceu sobre a casca de uma árvore (C)

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3.11.4 Recobrimento por sedimentos clásticos ou siliciclásticos

Em geologia denominamos de sedimentos clásticos ou siliciclásticos (ouainda mecânicos) aquelas partículas que são derivadas do intemperismo e ero-são de rochas pré-existentes e que são levadas por agentes físicos (água, vento egelo) às bacias de deposição. Esses sedimentos são classifi cados de acordo como tamanho em milímetros da partícula e não com base na composição mine-ralógica dos grãos. Assim, são reconhecidas as partículas grossas (cascalho)e partículas fi nas (areia) e muito fi nas (silte e argila). Tais partículas em seuestado incoerente (ainda soltas), especialmente as areias, o silte e as arigilas,constituem a cobertura sedimentar mais comum e efi ciente, dando origem àsrochas sedimentares coerentes (consolidadas ou litifi cadas, vide mais adiante),denominadas de arenito, siltito e argilito. Por quase todo o tempo geológicomares epicontinentais cobriram as grandes depressões das crostas continen-tais, formando enormes bacias sedimentares onde espessas sucessões de ro-chas sedimentares foram geradas. Essas abrigam uma enorme variedade detipos de organismos marinhos, quer sejam invertebrados e vertebrados e mes-mo vegetais fósseis. Além disso, a fauna e fl ora vivente nos grandes desertos,fl orestas e sistemas com rios e lagos que, por vezes, tomava conta da superfícieadjacente a esses ambientes, também preservaram espessas camadas de rochascontendo fósseis de todos os tipos.

3.11.5 A história continua: a diagênese ou litifi cação

Com o passar do tempo, sucessivas camadas de sedimentos contendo con-chas e outros restos orgânicos em seu interior são acumuladas. Como os grãosainda estão soltos, o sedimento é ainda incoerente (como na areia de umapraia). Dentre outros fatores, no interior do sedimento, o peso das repetidascamadas (como em um bolo de aniversário, contendo várias camadas) contri-bui para a compressão e perda dos espaços vazios entre os grãos, resultandona sua compactação. Concomitantemente, a água que infi ltra entre os espa-ços ainda vazios entre os grãos pode favorecer a precipitação de minerais que,como uma argamassa, contribui para a união ou cimentação de cada partícula,

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bem como dos restos orgânicos. A partir de então, os sedimentos terão sidotransformados em rocha coerente, dura, ou melhor, litifi cada ou petrifi cada.Outros fatores, como a precipitação secundária ou o crescimento secundáriode minerais pode contribuir ainda mais para a litifi cação da rocha e o conte-údo orgânico ali presente. Os geólogos denominam essa fase de formação darocha coerente de diagênese ou litifi cação.

Por outro lado, em alguns casos durante o processo de compactação e li-tifi cação, os fl uídos que se movem através dos grãos sedimentares podem serpotencialmente destrutivos para os restos orgânicos. O quão destrutivos elesserão irá depender de fatores como o grau de acidez do solo, dado pelos valo-res de pH (concentração de íons hidrogênio “H+”) e de Eh (potencial de oxi-redução) da água de percolação, e a composição mineral dos restos orgânicospresentes. Por exemplo, especialmente para as conchas e carapaças compostaspor carbonato de cálcio, como no caso dos moluscos, braquiópodes e equino-dermos, condições de águas percolantes ácidas tendem a dissolver os restos aliincorporados. Você já imaginou o seguinte, um organismo (molusco) morre esua concha sobrevive as várias etapas de fossilização até a diagênese, mas nessafase a água de percolação apresenta pH incompatível com as condições mine-ralógicas da concha e então ela é dissolvida. Essa concha quase fossilizou-se,mas no fi nal do processo acabou sendo eliminada, ou seja sofre dissolução.

Por sua vez, dependendo das características químicas dos fl uidos de infi l-tração, da pressão e temperatura dos sedimentos que recobrem os materiaisorgânicos, estes poderão sofrer recristalização ou substituição por outrosminerais. Normalmente, a substituição se dá por um elemento abundante naágua de infi ltração, como por exemplo, a sílica (Figura6, D). Além disso, restosporosos, como ossos de vertebrados e troncos vegetais, normalmente, tem seusporos preenchidos por substâncias dissolvidas nas rochas, especialmente a síli-ca coloidal (SiO2), em um processo denominado de permineralização. Nessascondições boa parte do resto original é preservado, porém todos os poros e es-paços não ocupados encontram-se preenchidos por ouras substâncias. Por ou-tro lado, restos de vegetais e organismos com carapaças quitinosas, tais comomuitos artrópodes e alguns braquiópodes, comumente sofrem o processo deincarbonização, pela perda de elementos voláteis (água), restando apenas às

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moléculas da cadeia do carbono, as quais dão origem a um fi lme (ou película)carbonoso, lembrando a aparência original do organismo. Como visto, váriosfatores físico-químicos podem contribuir para a formação de diferentes tiposde fósseis, os quais, resumidamente, são listados abaixo:

Conservação de partes duras• . Partes rígidas de organismos que não sofreram qualquer tipo de processo, preservando a composição e a arquitetura original dos minerais que as compõem.Recristalização• . Trata-se de uma variação da conservação de partesduras, na qual a composição original de um esqueleto é preservada (por exemplo, Carbonato de Cálcio, Aragonita), mas sua arquitetura é modifi cada (por exemplo, quando a aragonita transforma-se em seupolimorfo calcita, ver Figura 6, D). Permineralização. • Ocorre comumente quando partes rígidas porosas,como troncos e ossos, têm suas cavidades preenchidas por algum mineral da rocha circundante, mais comumente a sílica, que se encontra dissolvido. Troncos fósseis são freqüentemente preservados por este tipode processo. Moldagem• . Inclui a produção de moldes internos e externos deorganismos cujas partes rígidas foram dissolvidas (ver Figura 6, A). Portratar-se de vestígios apenas, estas impressões podem ser consideradas como Icnofósseis.Substituição• . Processo que ocorre quando o material original quecompõe os restos esqueléticos é gradualmente substituído por outrosminerais, mais comumente a sílica, mas também pirita, limonita ehematita.Incarbonização• . A incarbonização ocorre em partes rígidas compostas por substâncias formadas por longas cadeias carbonosas, tais como a celulose e a quitina. Após a morte e deposição dos sedimentos, a perdade componentes como água (H20), gás carbônico (CO2), amônia (NH3),dentre outros, tem como resultado o aumento da concentração do carbono, e a produção de uma fi na película enegrecida normalmentecom o formato original da carapaça. Os efeitos da incarbonização podem

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ser facilmente observados em uma casca de banana reservada por alguns dias. O enegrecimento gradual ocorre devido ao mesmo processo queocorre com os fósseis no interior das rochas.Outros modos de preservação chamados de• Conservação Total ocorremquando organismos são aprisionados em resinas vegetais (Ambar, Copal) ou até mesmo no gelo (criopreservação).

3.2 A PROVA FINAL

Até aqui você deve ter percebido que a “história de vida” de um fóssil ou desua formação é constituída por diferentes fases, apenas relembrando, no iníciotemos a morte ou o descarte de restos biológicos, a qual se segue a necrólise e,em seguida, a fase bioestratinômica e, por fi m, a fase diagenética. Note que nasfases iniciais do processo de fossilização (morte-bioestratinomia) predominamos fatores de natureza biológica (decomposição bacteriana) e física (desarti-culação, recobrimento), enquanto na fase diagenética, dominam os processosfísicos-químicos (substituição). Porém, o fato de estar incluído na rocha e tersobrevivido a todas essas fases não garante que o fóssil irá ser encontrado oupermanecer indefi nidamente na rocha, pois esses precisarão ainda resistir àdinâmica terrestre.

A Terra é um planeta geologicamente vivo, pois possui dinâmica interna(tectônica de placas) e externa (intemperismo). Com isso os pacotes de rochaspotencialmente fossilíferas poderão ser expostos à superfície (soerguimentode cadeias de montanhas) e essas, muitas vezes, são rochas sedimentares deidade paleozóica e mesozóica, ricas em restos fossilizados. A pressão exercidanessas rochas, durante o movimento das placas tectônicas, além de deformá-las plasticamente, incluem uma série de transformações físicas e químicas,que muitas vezes destroem ou modifi cam grandemente a forma e a estruturamineralógica dos fósseis ali contidos. Do mesmo modo, o clima pode contri-buir, signifi cativamente, para destruição das rochas e dos fósseis expostos nasuperfície. Você já notou como, no Brasil, as rochas e os solos possuem coresavermelhadas. Isso porque o ferro e outro minerais ferromagnesianos, nessasrochas, estão sendo oxidados. Já a água de chuva possui pH ácido, o que é

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ainda mais intensifi cado pela presença de matéria orgânica de origem vegetalno solo. Assim sendo, essa água de chuva percolando (infi ltrando) o solo e asrochas expostas à superfície podem contribuir para destruição dos fósseis quepoderiam estar ali presentes. Finalmente, se os restos orgânicos passarem ile-sos por todas essas fases e processos eles terão ainda uma última e derradeirabarreira, ou seja, o martelo do paleontólogo!

Vimos até aqui que a formação dos fósseis envolve diversas fases e que, nãoé simples para um resto orgânico biomineralizado (concha, osso) entrar parao registro fóssil, dada as vicissitudes (=altos e baixos) do processo de preserva-ção. A despeito disso, porém, o registro fóssil contém alguns depósitos onde háconservação excepcional, tanto em número (abundância), como em qualidadede preservação dos fósseis, preservando detalhes anatômicos únicos.

3.3 PRESERVAÇÃO EXCEPCIONAL: FÓSSIL-LAGERSTÄTTEN

Os paleontólogos empregam o termo alemão fossil-lagerstätten para de-signar “um corpo rochoso que contém, devido à qualidade e quantidade, umnúmero incomum de informações paleontológicas”. Quando esses depósitossão examinados, dois tipos básicos podem ser reconhecidos: a- depósitos porconcentração (Konzentrat-lagerstätten) e b- depósitos por conservação (Kon-servat-lagerstätten). O termo fossil-lagerstätten se popularizou na literaturapaleontológica e hoje os profi ssionais dessa área se referem a eles apenas comolagerstätten (singular lagerstätte).

Os depósitos do tipo Konservat-lagerstätten são, normalmente, formadospor eventos catastrófi cos, associados ao soterramento instantâneo. Esses depó-sitos são particularmente comuns em determinados ambientes sedimentares,como o marinho, plataformal e o lacustre. Em geral, a preservação excepcio-nal dos organismos está associada à ausência de organismos decompositores,devido à anoxia do substrato, a hipersalinidade e o rápido soterramento damatéria orgânica. Além disso, em determinados ambientes, como o marinho,por exemplo, a presença de esteiras microbianas, junto ao fundo é importantepara a preservação das partes moles, por promover a rápida mineralização dostecidos. As ocorrências em âmbar, lagos de asfalto e gelo etc., são consideradas

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como armadilhas de preservação, envolvendo ambientes muito específi cos.Importante lembrar que os depósitos de Konservat-lagerstätten poderão con-ter elementos transportados, misturados a outros elementos preservados insitu, ou seja no local onde viveram. O segundo tipo (Konservat-lagerstätten),representa concentrações caracterizadas por decomposição incompleta dasproteínas, preservando substâncias orgânicas não mineralizadas (e.g., quitina)e esqueletos completos, sendo que vários fatores podem impedir sua decom-posição (e.g., sedimento sapropélico, armadilhas de conservação como turfei-ras ou âmbar, fl uxos de massas). Se examinarmos o que foi visto em termos derecobrimento, durante o processo de fossilização, notaremos que o primeirotipo é, em geral, aquele formado por sedimentos clásticos, acumulados devi-do a tempestades, deslizamentos etc. excepcionais. Já o segundo tipo é o queenvolve, muitas vezes, os recobrimentos por asfalto, gelo ou deposição de par-tículas sedimentares fi nas (silte/argila) também durante eventos excepcionaisde deposição (ver tabela 2).

No Brasil, alguns depósitos da chamada Formação Santana (Cretáceo), daBacia do Araripe, contendo uma diversifi cada fauna de peixes, vertebradosterrestres e semiaquáticos, insetos e vegetais, dentre outros fósseis excepcio-nalmente bem preservados, constituem exemplos de lagerstätten. Existem ain-da outros exemplos importantes, como os da Formação Santa Maria (Triás-sico), Bacia do Paraná, no Estado do Rio Grande do Sul e as acumulações derestos de mamíferos pleistocênicos da Bacia de São José de Itaboraí, no Estadodo Rio de Janeiro.

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Tabela 02 Principais ocorrências mundiais de depósitos com preservação excepcional, do tipo Lagerstätten. Idades em milhões de anos. Fonte: Simões e colaboradores (2010).

Era Período/ÉpocaNome do depósito

LagerstättenAmbiente deDeposição

Fósseis Preservados

Cenozóico(0-65 Ma)

Eoceno (34-53 Ma)Monte Bolca

Lagunar Peixes, plantas e insetos

Mesozóico(65-250 Ma)

Cretáceo (65-145 Ma)

Formação SantanaLagunar

Vertebrados, invertebrados,plantas

Formação Yixian Lacustre Dinossauros, aves, plantas

Jurássico (145-200Ma)

Calcário Solnhofen Lagunar Archeopteryx e Compsognathus

Folhelho Posidonia Marinho Invertebrados marinhos

Triássico (200-251 Ma)

Ictiossauros de Berlin Marinho Ictiossauros

Monte San GiorgioLagunar Répteis, peixes, invertebrados

Formação Grès á Voltzia

DeltáicoPlantas, insetos, crustáceos e

peixes

Paleozóico(251-543 Ma)

Carbonífero(295-355 Ma)

Formação MazonCreek

Deltáico,marinho raso

Plantas, invertebrados marinhos

Bear GulchMarinho

PlataformalPeixes e invertebrados

Devoniano(355-410 Ma)

Filito HunsrückMarinho

PlataformalInvertebrados, vertebrados e

esporos

Ordoviciano(440-495 Ma)

Trilobites de Beecher Marinho Trilobites

Cambriano(495-543 Ma)

Orsten Marinho Trilobites

Folhelho Burgess

Marinhoplataformal-

profundoInvertebrados e vertebrados

Chengjiang

Marinhoplataformal-

profundoInvertebrados e vertebrados

Neoproterozóico(543-1000 Ma)

Vendiano (543-600Ma)

EdiacaraFormação Doushantuo

Marinho Invertebrados e

Marinho Embriões

3.4 EXPERIMENTANDO UMA IDEIA

3.4.1 Tornando-se fóssil: construindo um tanque de fossilização

O objetivo desta atividade é consolidar conceitos sobre o Processo de Fos-silização, em especial a seletividade do processo que, em certos casos, tende aprivilegiar alguns grupos em detrimento de outros.

Foi visto no capítulo “Paleontologia, fósseis e o processo de fossilização”,que, muitas vezes, os organismos com partes duras, biomineralizadas tem po-

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tencial (probabilidade) de preservação maior do que aqueles constituídos ape-nas por tecidos e água (por exemplo, uma medusa).

Como podemos perceber, por exemplo, que organismos sem parte duras,biomineralizadas são mais facilmente degradados e, conseqüentemente, só se-rão preservados em casos especiais?

Nesta atividade você irá simular o que acontece com alguns organismosnas fases iniciais do processo de preservação. Note que o tempo de atividade élongo, o exercício exige observações separadas no tempo, em duas ocasiões.

Materiais

Bacia de plástico ou metal, com diâmetro superior a 30 cm e•profundidade de, pelo menos, 15 cm;Areia de construção, sufi ciente para cobrir mais da metade do volume da •bacia;2 pepinos grandes;•2 fl ores (rosas, margaridas etc., apenas a fl or);•2 maçãs;•5 conchas de moluscos (mexilhão, caracol etc.), limpas (sem tecidos). •Podem ser obtidas em peixarias ou mesmo em supermercados;11 palitos de sorvete.•

Procedimento

Inicialmente separe um pepino e uma maçã inteiros, ou seja, sem removera casca ou cortá-los ao meio. Do restante, remova a casca e parta-os ao meio.Pegue as rosas ou as fl ores disponíveis, procure não remover suas partes (porexemplo, as pétalas) e anote a coloração. Faça o mesmo com as conchas, se elaspossuírem cor. Feitas as anotações iniciais, cubra 1/3 da bacia com areia deconstrução e, em seguida, disponha o material que será “fossilizado”. Não háqualquer regra para disposição do material, mas não se esqueça de descascare partir ao meio, ao menos um pepino e uma maçã. Por exemplo, os materiaisdescascados podem ser dispostos imediatamente ao lado dos seus semelhantes

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não descascados. Com cuidado, recubra todos os materiais com o restante daareia, o sufi ciente para que, pelo menos, uns 10 cm de areia, cubra o material.Marque a disposição do material enterrado com os palitos de sorvete. Você po-derá adotar palitos com cores diferentes, para facilitar o “encontro” quando daescavação do material. Tendo seguido os procedimentos acima, deixe a baciadescansando, isolada, por 4 semanas. Não é necessário cobrir a bacia, mas éimportante evitar que animais domésticos escavem o material enterrado. Apósesse período remova a areia com cuidado (com uma colher) e descreva o queaconteceu com os materiais que foram enterrados. Por exemplo, procure ob-servar se:

Existem diferenças entre as maçãs e os pepinos que foram enterrados come sem casca? Estão eles exatamente com as mesmas dimensões?

Qual(is) apresenta(m) decomposição mais avançada? Por quê?O que aconteceu com as fl ores? Estão inteiras? A cor permaneceu inalte-

rada? Por quê?O que houve com as conchas? Alguma alteração visível? Por quê?Compare os materiais sem partes duras, com os que possuem partes bio-

mineraizadas o que é notado?Passe agora a raciocinar sob os seguintes pontos: se o pepino descascado

ou a maçã servissem como modelo para fossilização de um animal cujo corpoé constituído por tecidos e água apenas, com que velocidade você imagina sedaria a sua decomposição, em um ambiente com condições favoráveis (oxi-genado e com organismos necrófagos)? A perda de água durante as fases ini-ciais do processo (vide os matérias com casca e sem casca) poderia resultar emque tipos de alterações na morfologia do animal (por exemplo, achatamento)?Quais as implicações para a futura análise morfológica do fóssil? Por outrolado, pense agora nas conchas, o que ocorreu? Houve alguma mudança (naforma, dimensão)? O que você conclui com relação ao processo de preserva-ção e os organismos com maior ou menor potencial de fossilização?

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3.5 BIBLIOGRAFIA

ANELLI, L. E. Extinção é para sempre: A história dos mamíferos gigantes da Améri-ca do Sul. 2. ed. São Paulo: Ofi cina de Textos, 2005. 24p.

ANELLI, L. E. (Org.). Dinossauros e outros animais préhistóricos. 1. ed. São Paulo:Gabinete Cultura, 2006. 104p.

ANELLI, L. E. Evolução dos bichos. 1. ed. São Paulo: Ofi cina de textos, 2007. 60p.

ANELLI, L. E.; ROCHA-CAMPOS, Antonio Carlos; FAIRCHILD, Th omas Rich Pale-ontologia – Uma introdução ao estudo dos fósseis. São Paulo: Gráfi ca do Institutode Geociências da USP (Guia de aulas práticas), 2002. 180p.

HOLZ, M. & SIMÕES, M.G. Elementos Fundamentais de Tafonomia. 1. ed. PortoAlegre: Editora da Universidade – EDUFRGS, 2002. v. 1, 231p.

LAMBERT, D.; NAISH, D.; WYSE, E. Enciclopédia dos dinossauros e da vida pré-histórica. Editora Ciranda Cultural: São Paulo, 2004. 375p.

SIMÕES, M.G.; RODRIGUES, S.C.; BERTONI-MACHADO, C. & HOLZ, M.Tafonomia: processos e ambientes de fossilização. In: CARVALHO, I.S. (Org.).Paleontologia. 3 ed. Rio de Janeiro, RJ: Interciências, 2010. v. 1, p. 19-52.

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4CLASSIFICAÇÃO BIOLÓGICA:DESAFIOS NA HISTÓRIA DA BIOLOGIA

Felipe A. P. L. Costa1

Marinês Eiterer2rrLucia Maria Paleari3

4.1 INTRODUÇÃO

Quem já não organizou uma coleção de selos, bonecas, bolinhas de gude,fi gurinhas, conchas, rochas ou folhas secas? Sabemos desde crianças que umacoleção é bem mais do que um amontoado aleatório de objetos. Trata-se de umarranjo bem elaborado que cada colecionador faz e que revela a maneira comoele entende ou valoriza as relações, sejam elas reais ou imaginárias, entre os ele-mentos que compõem a coleção. Selos podem ser organizados por países, mo-tivos estampados ou datas; bolinhas de gude selecionadas por tamanho, cor oupelo tipo de material de que são constituídas; conchas podem ser compostas ousimples e com desenhos indicando padrões característicos; já as rochas podemser divididas em duras ou friáveis, cristalinas ou não; e assim por diante.

O que serve de base para um colecionador, ou qualquer pessoa que várealizar esse trabalho, é o que denominamos de critério. Assim, dependendodos critérios adotados, um mesmo conjunto de objetos poderá ser arranjadode maneiras diferentes. Por exemplo, podemos reunir em um mesmo grupoum conjunto de pedras e um conjunto de plantas, se o critério for ‘elementosda natureza’. Todavia, se o critério for ‘seres vivos’, teremos de manter pedras eplantas em grupos distintos. Portanto, reunimos em um mesmo grupo os ele-mentos que possuem algo em comum, mantendo-os separados daqueles quesão diferentes, a depender do critério de classifi cação adotado.

O sistema de classifi cação também pode ser hierárquico. Dizemos que umaclassifi cação é hierárquica quando ela é formada por uma sucessão de níveis dife-

1. Biólogo; [email protected] 2. Bióloga; [email protected]. Unesp – Departamento de Educação, IB CP 510, 18618-970 Botucatu, SP [email protected]

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rentes, havendo entre eles alguma relação de pertinência – isto é, grupos contêmsubgrupos que contêm subgrupos ainda menores e assim por diante. Os critériosque estabelecem essas relações entre grupos e subgrupos podem ser estabeleci-dos pela lógica do classifi cador. Por exemplo, alguém poderia decidir organizaras edições diárias de um jornal em blocos mensais e, em seguida, guardar essesblocos em armários de aço numerados em ordem anual crescente.

Esse tipo de classifi cação é de grande utilidade prática. Basta ver, por exem-plo, o que ocorre quando visitamos uma biblioteca à procura de um livro: ovolume desejado é obtido em pouco tempo. Em casos assim, é fundamental aexperiência do classifi cador para defi nir as características e estabelecer os limi-tes de cada grupo, bem como a posição de cada um no espaço físico ocupadona biblioteca. O mesmo vale para bibliotecas e sítios eletrônicos virtuais. Aoclassifi carmos os conteúdos, e defi nirmos os descritores que levarão os visi-tantes até eles, poderemos tornar a busca ágil e efi ciente ou penosa, cheia deentradas inglórias.

De modo geral, esses sistemas de classifi cações dão conta dos arranjos, de-fi nindo os grupos, subgrupos e suas respectivas características, possibilitandorápida identifi cação de cada componente.

4.2 DA EXPERIÊNCIA PRÁTICA À CIÊNCIA DA CLASSIFICAÇÃO

Nosso cérebro trabalha organizando as sensações que temos do mundo;nesse processo, são utilizados critérios para estabelecer as associações. Ao fi -nal, as informações são mantidas na memória, geralmente implícita, isto é,que pode ser recuperada sem que para isso tenhamos de agir conscientemente.Aquilo que vemos, ouvimos ou sentimos, de algum modo adquire certa ordem,que fará sentido para cada organizador e para todos aqueles que compartilhemda mesma lógica e adotem os mesmos critérios de classifi cação.

Essa atividade, que muitas vezes passa despercebida (memória implícita),tem um papel importante tanto para a nossa sobrevivência como para o enten-dimento que buscamos ter da natureza.

A quantidade de conhecimento empírico que os seres humanos acumulamao longo da vida pode ser impressionante. Conversar com um adulto experien-

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te, por exemplo, daqueles que viveram a infância toda de árvore em árvore,nadando e pescando, é descortinar um mundo de aventuras e conhecimen-tos, muitas vezes estranhos aos moradores das cidades. Um sujeito criado nocampo não costuma ter difi culdade para diferenciar cores e cantos de pássarosou os odores de fl ores, nem para falar sobre a idade de árvores e a época emque elas fl orescem, sequer titubeiam ao indicar a técnica mais adequada decapturar esse ou aquele peixe comestível. Entre duas ervas muito parecidas,ele não erra na hora de escolher de qual delas coletará folhas, fl ores ou raízespara preparar uma infusão ou temperar o almoço. Sabe os segredos das poçõesvegetais que curam e é também exímio conhecedor de trilhas e animais daregião onde vive.

Muitos pesquisadores que periodicamente vão a campo para estudos emecologia, botânica, zoologia ou mesmo farmacologia, já se deram conta disso.Para encontrar os materiais que procuram para os inventários de fl ora e fauna etambém para reunir conhecimentos valiosos que lhes auxiliem nas investigaçõese compreensão de seus achados científi cos, eles não hesitam em contratar matei-ros e travar longas conversas com curandeiros e moradores das pequenas vilas.

O que esses peritos de campo são capazes de fazer é detectar as caracte-rísticas peculiares de cada planta e animal, isto é, são capazes de identifi car,reconhecendo um exemplar de interesse particular, mesmo quando está emmeio a um conjunto de outros elementos extremamente parecidos. Esse tipode atividade, que já foi determinante para a sobrevivência dos nossos ances-trais – permitia-lhes, por exemplo, evitar plantas tóxicas ou ser atacado poranimais peçonhentos –, é hoje de suma importância em estudos científi cosque investigam diferentes aspectos e propriedades de seres vivos e materiaisbiológicos de modo geral.

4.3 CLASSIFICANDO OBJETOS VIVOS

O que foi dito até aqui vale tanto para a classifi cação ordenada de objetos vivoscomo de não-vivos. Nesse ponto, porém, cabe chamar a atenção para uma parti-cularidade dos modernos sistemas de classifi cação de seres vivos: ao contrário doque se passa com selos, bolas de gude e outros objetos não-vivos, a classifi cação dos

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seres vivos deve refl etir a históriaa e asa relações de parentesco existentes entre asdiferentes linhagens. Os selos no álbum de um fi latelista ou os livros nas estantesde uma biblioteca podem ser arranjados de vários modos lógicos e efi cientes; ne-nhum deles, porém, é o modo certo ou resulta em um arranjo sem equívocos – édiscutível, por exemplo, se um livro de geoquímica deve fi car na seção de geologiada biblioteca ou na seção de química. Esse tipo de problema não ocorre com a clas-sifi cação dos seres vivos, pois há entre eles uma relação unidirecional de pertinên-cia, movida pela sucessão das gerações, de tal modo que as espécies mais recentesdescendem de espécies mais antigas, e não o contrário.

Você é fi lho de seus pais, que são fi lhos de seus avós e assim por diante.Essa sucessão de gerações não pode ser invertida – você jamais será o pai ou amãe dos seus pais ou o avô ou a avó dos seus avós. Tendo isso como pano defundo, o grande desafi o que os taxonomistas – especialistas que lidam com ossistemas de classifi cação biológica – têm pela frente é conseguir reconstituir ahistória da vida (leia-se, das ramifi cações das linhagens) do modo mais con-sistente possível. É um desafi o e tanto. Primeiro, porque o número de espéciesenvolvidas é muito grande; e, segundo, porque as pistas que indicam o grau deparentesco entre diferentes grupos de organismos nem sempre são óbvias.

4.4 DESCREVENDO A BIODIVERSIDADE

Foi o naturalista sueco Carl von Linné (1707-1778) – ou simplesmente Lineu –quem fi xou as bases da nomenclatura biológica moderna, segundo a qual cada es-pécie deve ser referida por um binômio latino exclusivo4. Desde então, sucessivasgerações de biólogos e naturalistas já descreveram e nomearam formalmente cercade 1,7 milhão de espécies. Embora esse número por si só seja bastante impressio-nante, ele não representa mais do que uma parcela da biodiversidade da Terra, quedeve abrigar um total estimado entre 5 milhões e 50 milhões de espécies, incluindomicrorganismos (bactérias e protoctistas), animais, fungos e plantas.

Na verdade, a busca por um sistema de classifi cação dos seres vivos começoubem antes de Lineu. Aristóteles (384-322 a.C.), por exemplo, propôs um sistema

4. O nome científi co do cão doméstico, por exemplo, é Canis familiaris, sendo Canis o nome do gênero e a ex-pressão Canis familiaris o nome da espécie. A palavra familiaris sozinha é chamada de epíteto específi co.

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de acordo com o qual os animais eram divididos em terrestres, aquáticos e aére-os, enquanto as plantas eram divididas em ervas, arbustos e árvores. Entre o sis-tema de Aristóteles e o de Lineu, muitas outras ideias e sistemas de classifi caçãoapareceram, muitos dos quais têm hoje valor meramente histórico.

O grande mérito do trabalho de Lineu pouco ou nada teve a ver com oseu sistema de classifi cação. Seu trabalho se converteu em um marco princi-palmente por propor soluções consistentes a problemas tidos até então comoinsolúveis. Uma dessas soluções foi estabelecer como padrão a nomenclaturabinomial – até então as espécies eram descritas por expressões polinomiais.Outra foi adotar o latim como língua padrão universal, nos textos usados pararegistrar, e dar a conhecer aos interessados, as espécies descritas – antes dissoos autores costumavam usar seu próprio idioma, o que só difi cultava a comu-nicação e o entendimento entre autores de línguas diferentes.

Com relação propriamente à classifi cação dos seres vivos, cabe ressaltarque Lineu adotou um sistema hierárquico. De acordo com tal hierarquia, asespécies devem ser reunidas em grupos cada vez mais amplos e inclusivos, acomeçar pelo nível mais baixo e exclusivo (espécie) e culminando com o maisalto e inclusivo (reino). Os sistemas atuais também são hierárquicos, adotandocomo principais níveis de classifi cação, em ordem descendente: o reino, o fi lo(ou divisão), a classe, a ordem, a família, o gênero e a espécie. Existem aindadiversos níveis intermediários (subclasse, infraclasse, subfamília etc.), usadospara acomodar todas as diferentes linhagens, principalmente no caso de fi loscom muitas espécies.

4.5 CONSTRUINDO FILOGENIAS

Cada indivíduo recém-nascido é o elo mais novo em uma cadeia inin-terrupta de gerações que retrocede até a aurora dos tempos. Ao longo dessaimpressionante jornada, inúmeras espécies surgiram, irradiaram-se em novaslinhagens e então desapareceram, naturalmente. A fi logenia de uma linhagemé uma tentativa de reconstituição de sua história evolutiva. Fazendo isso, osestudiosos podem obter um panorama geral das ‘relações de parentesco’ entreas diversas espécies que surgiram ao longo do tempo – a maioria das quais, na

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maioria dos casos, é bom que se diga, já foi extinta.Na prática, montar fi logenias é um quebra-cabeça difícil e meticuloso, tanto

pelas dimensões do empreendimento como pela escassez de restos fósseis. Não éde estranhar, portanto, que a história evolutiva de tantas linhagens de seres vivosesteja repleta de ‘elos perdidos’, dando margem a interpretações divergentes.

Atualmente, a construção de fi logenias – e os esquemas classifi catórios re-sultantes – está ancorada na análise cladística e na obtenção de cladogramas eárvores fi logenéticas. Em uma árvore fi logenética, a posição relativa de cadagrupo (espécie, gênero, família etc.) indica, em certa medida, o ‘parentesco’ oua proximidade evolutiva em relação aos grupos próximos. Na árvore fi logené-tica que pode ser vista na Figura 1, por exemplo, gibões e grandes símios estãomais próximos entre si do que com qualquer dos demais grupos mostrados.

G: monos, micos e outros macacos do Novo Mundo (128)

F: grandes símios e sereshumanos (7)

E: gibões (14)

D: babuínos, colobos e outros macacos do Velho Mundo (132)

C: társios e outros (7)

B: lêmures e outros (60)

A: lórises e outros (28)

70 60 50 40 30 20 10 Hoje

Milhões de anos atrás

Figura 1 Modelo simplifi cado para a fi logenia dos grandes subgrupos de primatas viventes: estrepsirrinos (A+B) e haplorrinos (C-G). A origem dos társios (C) é controversa, embora as

evidências mais fortes indiquem que eles sejam haplorrinos. Os haplorrinos que não são társiossão referidos como antropoides (D-G) e estão subdivididos em platirrinos (G) e catarrinos (D-F).

Estes últimos incluem os hominídeos (F). O último ancestral comum a todos os subgruposmostrados teria vivido há quase 70 milhões de anos. Os valores entre parêntesis indicam o número

de espécies viventes conhecidas. Várias fontes, mas principalmente HICKMAN et al. (2004) e WILSON & REEDER (2005).

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A árvore fi logenética anterior poderia sustentar o seguinte esquema declassifi cação dos primatas:5

Primatas (formalmente, ordem Primatae)Estrepsirrinos (subordem Strepsirrhini) Lóris e outros Lêmures e outrosHaplorrinos (subordem Haplorrhini)TársiosMacacos e símios Platirrinos Monos, micos e outros macacos do Novo Mundo Catarrinos Colobos, babuínos e outros macacos do Velho Mundo Símios Gibões Grandes símios e humanos

4.6 OS REINOS DA VIDA

No tempo de Aristóteles, os objetos do mundo natural eram classifi cadosem três ‘reinos’: animal, vegetal ou mineral. Essa visão persistiu durante mui-tos séculos. O próprio Lineu manteve a tradição de classifi car os seres vivos emapenas dois reinos: animal ou vegetal. Assim, o que não cabia em um reino,forçosamente teria de caber no outro.

A dicotomia animal-vegetal passou a ser questionada mais seriamente apartir da publicação da teoria da evolução por seleção natural, em meadosdo século 19. Foi quando os sistemas artifi ciais passaram a ser substituídospor sistemas mais naturais, que levavam em conta a história da vida e o graude parentesco entre os vários grupos de seres vivos. Desde então, os sistemasartifi ciais, construídos com base em caracteres estabelecidos arbitrariamente

5. Para mais detalhes, o leitor interessado deve consultar LEWIN (1999).

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pelo observador (como foi o caso do sistema criado por Lineu), foram sendosubstituídos por sistemas naturais, que são os sistemas adotados hoje em dia.

Um sistema natural pioneiro foi proposto pelo naturalista alemão ErnestHaeckel (1834-1919). Em 1866, ele publicou um sistema segundo o qual os se-res vivos eram divididos em três reinos: animal, vegetal e protista. Sua propos-ta teve o grande mérito de chamar a atenção para a situação algo problemáticade muitos grupos de seres vivos, grupos esses que não podiam ser facilmenteacomodados no sistema tradicional de dois reinos.

O primeiro sistema de classifi cação verdadeiramente moderno, no entan-to, só apareceu em meados do século 20, fruto do trabalho do biólogo ameri-cano Herbert F. Copeland (1902-1968). O sistema de Copeland (Figura 2), pu-blicado em um livro que ele próprio custeou, dividia os seres vivos em quatroreinos: moneras (bactérias), plantas, animais e protistas. As ideias de Copelandserviram como importante ponto de partida para que, no fi m da década de1960, o biólogo americano Robert H. Whittaker (1920-1980) publicasse umsistema de classifi cação que divide os seres vivos em cinco reinos: moneras(bactérias), protistas, fungos, animais e vegetais.

ANIMALIA1,2 milhão espécies

Eucariontes

Procariontes

PLANTAE350 mil espécies

FUNGI55 mil espécies

PROTOCTISTA60 mil espécies

BACTERIA10 mil espécies

Figura 2 Modelo bastante simplifi cado mostrando as relações fi logenéticas existentes entre os cinco reinos de seres vivos, conforme a defi nição adotada neste capítulo (ver texto; para mais

detalhes, ver CAVALIER-SMITH 2004).

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Com algumas modifi cações, o sistema proposto por Whittaker é usadoainda hoje (e.g., MARGULIS e SCHWARTZ, 2001). No que segue, fazemosuma breve apresentação de cada um desses cinco reinos: 6

a) Império ou super-reino Prokaryota: procariontes (sem núcleo, ribosso-mos e cromonema circular no mesmo compartimento); desprovidos de cito-esqueleto interno e endomembranas.

Reino 1. • Bacteria (Monera): unicelulares, às vezes reunidos em colônias;autótrofos (quimio ou fotossintetizantes) ou heterótrofos; ao menos 10mil espécies conhecidas, arranjadas hoje nos seguintes grupos:Proteobacteria: bactérias gram-negativas quimio-heterotrófi cas;•subgrupos distintivos de proteobactérias são designados por letras gregas; temos assim as α (alfa), β (beta), γ (gama), δ (delta), e ε (épsilon) proteobactérias.Bactérias gram-negativas não-proteobactérias: inclui bactérias•fotossintetizantes características, tanto morfológica comofi siologicamente; estão aqui as cianobactérias (fi lo Cyanobacteria), asbactérias verdes sulfurosas (Chlorobi) e as não-sulfurosas (Chlorofl exi).Filos variados: Chlamydiae, Spirochaetes, Bacteroidetes e Fusobacteria.•

b) Império ou super-reino Eukaryota: eucariontes (núcleo presente, ri-bossomos e cromossomos em compartimentos distintos); células providas decitoesqueleto interno e endomembranas.

Reino 2. • Protoctista (Protista): unicelulares, às vezes reunidos emcolônias, ou pluricelulares; autótrofos (fotossintetizantes) ou heterótrofos;cerca de 60 mil espécies, arranjadas de modo ainda precário em umavariedade de fi los. Alguns desses fi los são provavelmente monofi léticos e têm sido reconhecidos por diferentes autores; outros, no entanto, são agrupamentos taxonômicos instáveis que ainda não foram devidamente caracterizados e estabelecidos. Eis um modo conveniente, emboraprovisório, de mapear a diversidade do reino Protoctista:

6. Várias fontes, mas principalmente: HICKMAN et al. (2004), RAVEN et al. (2007), RUPPERT et al. (2005)e TORTORA et al. (2006); para um sistema de seis reinos, no qual Protoctista é subdividido em doisreinos, Chromista e Protozoa, ver CAVALIER-SMITH (2004).

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Grupo 1. Protoctistas primitivamente fagotrófi cos e sem plastídeos; inclui •boa parte dos antigos ‘protozoários’, arranjados em dois subgrupos e umtotal de 13 fi los, a saber: subgrupos Sarcomastigota (fi los Amoebozoa e Choanozoa) e Biciliata (fi los Cercozoa, Foraminifera, Radiozoa, Loukozoa, Percolozoa, Euglenozoa, Metamonada, Myzozoa, Ciliophora,Apusozoa e Heliozoa).Grupo 2. Protoctistas tipicamente foto-autotrófi cos, com cloroplastos •(clorofi la c), mas alguns são heterótrofos; inclui boa parte das antigas‘algas’, arranjadas em dois subgrupos e um total de cinco fi los, a saber: subgrupo Cryptista (fi lo Cryptista) e Chromobiota (fi los Ochrophyta,Pseudofungi, Opalozoa e Haptophyta).

Reino 3. • Animalia: pluricelulares; heterótrofos por ingestão; cerca de 1,2milhão de espécies, arranjadas em 33 fi los. Em linhas gerais, podemos resumir a classifi cação geral do reino animal da seguinte maneira:· Grupo 1. Filo Porifera· Grupo 2. Filo Placozoa· Grupo 3. Eumetazoa: epitélio verdadeiro com células interconectadas;31 fi los.

· 3.1. Filo Cnidaria. Dois folhetos germinativos embrionários.· 3.2. Triploblástica. Três folhetos germinativos embrionários (ecto-derme, mesoderme e endoderme); 30 fi los.

· 3.2.1. Filo Ctenophora. Simetria radial (birradial).· 3.2.2. Bilateria. Simetria bilateral (ou secundariamente radial);cefalização; 29 fi los.

a) Protostomia. Blastóporo dá origem à boca; espécies arran-jadas em dois subgrupos e um total de 26 fi los, a saber: Lo-photrochozoa (16 fi los, incluindo Platyhelminthes, Molluscae Annelida) e Ecdysozoa (10 fi los, incluindo Nematoda e Ar-thropoda).b) Deuterostomia. Blastóporo dá origem ao ânus; três fi los(Hemichordata, Echinodermata e Chordata).

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Reino 4. • Fungi: pluricelulares ou, às vezes, unicelulares; célulasreforçadas por parede celular de quitina ou β-glicano; heterótrofos porabsorção; ao menos 55 mil espécies conhecidas, arranjadas em quatrofi los (ou divisões), a saber: 1. Filo Chytridiomycota: quase todos aquáticos; uni ou multicelulares,estes últimos predominantemente cenocíticos (isto é, formados por hifascenocíticas); nos unicelulares, o corpo todo se transforma em estruturareprodutiva; cerca de 800 espécies conhecidas.2. Filo Zygomycota: muitos vivem no solo ou sobre restos em decomposição,alguns formam associações mutualísticas obrigatórias com certas plantas(endomicorrizas); são quase sempre multicelulares; reprodução principal-mente assexuada, mas formam esporos de resistência (zigósporos) por viasexuada, estes podem permanecer durante meses dentro de uma estruturade paredes espessas, chamada zigosporângio, desenvolvendo-se quando ascircunstâncias forem favoráveis; pouco mais de mil espécies.3. Filo Ascomycota: incluem muitas espécies familiares e economicamenteimportantes, como bolores que estragam alimentos e as leveduras; corpofi lamentoso, com exceção das leveduras, que são unicelulares; diferente-mente dos zigomicetos, os ascomicetos produzem esporos assexuados ex-ternamente como conídios; a reprodução sexuada sempre envolve a for-mação de um asco, estrutura em forma de saco dentro da qual se formamos ascósporos; mais de 32 mil espécies.4. Filo Basidiomycota: inclui diversas espécies conhecidas e importantes, comoos cogumelos, orelhas-de-pau e as ferrugens; o micélio é sempre septado e osseptos são perfurados; caracterizam-se pela produção de basidióporos, forma-dos do lado de fora de uma estrutura chamada basídio; mais de 22 mil espécies.

Reino 5. • Plantae: pluricelulares ou, às vezes, unicelulares; célulasreforçadas por parede celulósica; autótrofos (fotossintetizantes); cerca de 350 mil espécies, arranjadas em 15 fi los (ou divisões), a saber: · Grupo 1. Biliphyta: tilacóides únicos; amido no citosol; dois fi los.

1.1. Filo Glaucocisphyta: unicelulares, raros e ainda pouco estudados;menos de 10 espécies conhecidas.

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1.2. Filo Rhodophyta: 4-6 mil espécies de algas vermelhas, principal-mente marinhas, maioria é multicelular

· Grupo 2. Viridaeplantae: ‘plantas verdes’; tilacóides empilhados; amidoarmazenado no estroma dos plastídeos; 13 fi los, além de um grupo de al-gas obscuras e de posição ainda incerta.

2.1. Filo Chlorophyta: 17 mil espécies de algas verdes, maioria é aquática.2.2. Embriófi tas: plantas com embrião.

2.2.1 Atracheophyta (16 mil espécies): embriófi tas sem traqueídes;cerca de 16 mil espécies, arranjadas em três fi los (Hepatophyta,Anthocerophyta e Bryophyta).2.2.2. Tracheophyta (300 mil espécies): embriófi tas com traqueídes.a) Traqueófi tas sem sementes; cerca de 13 mil espécies, arranjadasem quatro fi los (Lycophyta, Sphenophyta, Psilotophyta e Pterido-phyta).b) Traqueófi tas com sementes; demais espécies, arranjadas em doissubgrupos e um total de cinco fi los, a saber: Gimnospermae (me-nos de mil espécies; quatro fi los: Cycadophyta, Ginkgophyta, Co-niferophyta e Gnetophyta) e Angiospermae (fi lo Anthophyta, in-cluindo 200 mil eudicotiledôneas e 90 mil de monocotiledôneas).

4.7 BIODIVERSIDADE ANINHADA

Em todos os níveis da hierarquia taxonômica, de reinos a gêneros, há umaacentuada assimetria de tamanho. Isso porque a grande maioria das espéciesestá concentrada (‘aninhada’) em uns poucos grupos. Essa concentração ocor-re já entre os cinco reinos: o reino Animalia é bem maior do que os outrosquatro (Figura 3).

Esse mesmo padrão de biodiversidade aninhada ocorre dentro dos reinos:a grande maioria das espécies se concentra em uns poucos fi los, nos quais amaioria das espécies se concentra em umas poucas classes. O padrão se repetenas ordens que formam as classes, nas famílias que formam as ordens e nosgêneros que formam as famílias – para não mencionar os níveis taxonômicosintermediários, como subclasses, sub-ordens, subfamílias, tribos etc.

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Figura 3 Tamanho relativo dos cinco reinos (legenda à direita), levando em conta o número de espécies conhecidas. Observe que quase 3/4 de todas as espécies conhecidas pertencem ao reino

Animalia (ver texto para detalhes).

Mais de uma hipótese já foi proposta para explicar esses padrões hierár-quicos aninhados e o debate tem prosperado nos últimos anos, principalmentecom a aproximação e a infl uência mútua entre análises fi logenéticas e estudosecológicos (e.g., PURVIS & HECTOR 2000). A universalização do fenômeno,no entanto, sugere que estamos diante de um processo análogo à taxa de ex-tinção de paleoespécies: ao longo da história da vida sobre a Terra, essa taxatem se mantido mais ou menos constante, sendo virtualmente independenteda taxonomia – i.e., o ‘tempo de vida’ das paleoespécies foi aproximadamenteo mesmo, não importando muito se decidimos ilustrar a conversa com exem-plos de crustáceos, moluscos ou samambaias (ver VALENTINE 1985; ZIM-MER 2003). No fi m das contas, a impressão que fi ca desse padrão recorrentede distribuição desigual de espécies entre categorias taxonômicas equivalentesparece nos dizer o seguinte: o processo ordinário de ramifi cação da árvore davida – i.e., produção de novas linhagens (espécies) – em geral se esgota rapi-damente; em alguns casos, no entanto, a ramifi cação chega no ‘lugar certo’, ébem-sucedida e o processo de especiação torna-se explosivo.

Animalia1 232

000

Plantae350

000

Bacteria10

000Protoctista

60 000

Fungi55

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4.8 EVITANDO ERROS E MAL-ENTENDIDOS CONCEITUAIS

Ao contrário do que possa parecer, palavras como ‘sistemática’ e ‘classifi ca-ção’ não são sinônimos e, portanto, não devem ser confundidas entre si. Eis aspalavras de Raw (2003) sobre o assunto:

Sistemática• . Ciência que estuda a diversidade dos seres vivos e seuspadrões de parentesco e evolução. Inclui a taxonomia e a fi logenia (estudo das relações evolutivas entre os organismos).Taxonomia• . Parte da sistemática que trata do estudo teórico de classifi cação e da criação das regras de nomenclatura. O signifi cado literal do termo – ‘leisde arranjo’ – vem das palavras gregas taxis (arranjo) e nomos (lei).Classifi cação• . Agrupamento de organismos em categorias naturais emfunção de características compartilhadas. Na prática, o termo tem dois sentidos: a colocação dos organismos em grupos supostamente naturais ea criação do esquema de classifi cação resultante desse ato.Identifi cação• . Atividade de identifi car, saber quem é determinadoorganismo [Ver item “Experimentando uma ideia”]. Ocupa a maior partedo tempo do taxonomista e o leigo imagina que é apenas isso que esseprofi ssional faz.Cladística• . Método de análise das relações evolutivas entre gruposde organismos, através da identifi cação de seus caracteres primitivose derivados. O conhecimento desses caracteres permite montarcladogramas (diagramas de clades, termo derivado da palavra grega klados, que signifi ca ‘ramo’), os quais constituem hipóteses explícitas etestáveis dessas relações.

4.9 O TRICENTENÁRIO DE LINEU

O tricentenário de nascimento de Carl von Linné (Carl Linnaeus, CarolusLinnaeus ou simplesmente Lineu), o criador da nomenclatura binária que usa-mos para designar os seres vivos, foi comemorado em 2007.

Lineu nasceu em 23/5/1707, no vilarejo de Råshult, na Suécia. Quando tinhaapenas dois anos, a família mudou-se para a vizinha Stenbrohult. Filho de Nils

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Ingemarsson (1674-1748) e Christina Brodersonia (1688-1733), ele era o primo-gênito de cinco irmãos (dois homens e três mulheres). O pai foi pastor luteranoe, de acordo com a tradição, precisou adotar um sobrenome latinizado. Comobase para o seu novo nome, Nils escolheu a palavra em sueco que designava umaárvore, ‘linn’ (Tilia odorata), encontrada na fazenda de seu pai. Tornou-se entãoNils Ingemarsson Linnaeus. Em 1757, em reconhecimento pelo seu trabalho,Carl ganharia um título de nobreza das mãos do rei da Suécia, Adolf Fredrik (1710-1771), adotando a partir de então o nome Carl von Linné.

Estimulado pelo próprio pai, Lineu manifestou interesse pelas ciências na-turais ainda na infância. Foi estudar na cidade de Växjö, pois, a exemplo dopai, deveria seguir a carreira de clérigo. Ele, porém, não se adaptou à escola ecomeçou a negligenciar os estudos. Ainda assim, no entanto, conseguia se sairbem em ciências naturais, a ponto do seu professor, Johan Stensson Rothman(1684-1763), persuadi-lo a estudar medicina, o que desagradou à mãe. Foi Ro-thman quem mostrou ao jovem Lineu o sistema de classifi cação de Joseph Pit-ton de Tournefort (1656-1708) e as opiniões de Sebastian Vaillant (1669-1722)sobre a estrutura e função das fl ores (ver capítulo 5). Ele prontamente aceitoua noção de que as plantas também eram seres sexuados, passando a prestaratenção aos detalhes da estrutura fl oral.

Lineu começou seus estudos de medicina na Universidade de Lund, masfoi concluir o curso na Universidade de Uppsala. Enquanto estudava, teve detrabalhar para se sustentar. Em 1729, com apenas vinte e dois anos, escreveuPraeludia Sponsaliorum Plantarum. O livro, ainda que cheio de metáforas,chocou a opinião pública com suas ideias sobre a vida sexual das plantas.

Poucos anos depois, Lineu tomou uma importante decisão: ir para a Ho-landa, onde fi cou durante três anos (1735-1738). Nesse período, conviveu como renomado médico e botânico Herman Boerhaave (1668-1738). Boerhaave oencorajou a publicar os manuscritos que trouxera da Suécia, entre os quais Sys-tema Naturae (esboço geral de suas ideias sobre classifi cação dos seres vivos,cuja primeira edição tinha apenas 10 páginas), Fundamenta Botanica e GeneraPlantarum.

Em 1735, ainda na Holanda, obteve o título de doutor pela Universidadede Harderwijk, com uma tese sobre malária. Após os três anos na Holanda, es-

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teve na Inglaterra e na França, onde conviveu com os irmãos Jussieu. De voltaà Suécia, chegou a se estabelecer como médico em Estocolmo. Em 1741, foi en-tão nomeado professor da cadeira de medicina da Universidade de Uppsala.

Lineu era um professor muito popular entre os alunos da universidade. Ao queparece, sua popularidade era fruto do método de ensinar que adotara e tambémdo seu entusiasmo. Atraiu um grande número de estudantes estrangeiros para per-to de si, criando condições para que muitos deles participassem de expedições,algo muito importante na época. Ele mesmo pouco viajou, mas seus auxiliares decampo – ou ‘apóstolos’, como gostava de dizer – percorreram os quatro cantos domundo atrás de espécimes novos a serem descritos e nomeados.

Teve ao longo da vida 17 auxiliares de campo, alguns dos quais morreramem expedição de trabalho. De todos eles, apenas Daniel Solander esteve no Bra-sil, em 1768. Eis a lista completa: Adam Afzelius (1750-1837), Anders Sparrman(1748-1820), Andreas Berlin (1746-1773, morto em expedição), Anton Rolands-son Martin (1729-1785), Carl Fredrik Adler (1720-1761, morto em expedição),Carl Peter Th unberg (1743-1828), Christopher Tärnström (1711-1746, mortoem expedição), Daniel Rolander (1725-1793), Daniel Solander (1733-1782),Fredrik Hasselquist (1722-1752, morto em expedição), Göran Rothman (1739-1778), Johan Peter Falck (1732-1774, morto em expedição), Olof Torén (1718-1753), Pehr Kalm (1716-1779), Pehr Löfl ing (1729-1756, morto em expedição),Pehr Osbeck (1723-1805) e Peter Forsskål, (1732-1763, morto em expedição).Como um modo de homenagear alguns de seus auxiliares, Lineu usou o nomedeles para batizar gêneros novos de plantas (e.g., Kalmia, Torenia, Osbeckia).

Antes de Lineu propor o sistema binário, as plantas eram designadas porsentenças longas (polinomiais), contendo uma descrição sumária da planta.Além disso, ainda não havia uma língua botânica universal, o que gerava inú-meras confusões e mal-entendidos. Com base no conceito de espécie de JohnRay (1623-1705), ele desenvolveu um sistema de nomenclatura a partir de es-pécies individuais; separou o nome da planta de sua descrição; estabeleceuuma nomenclatura binomial e, por fi m, adotou o latim como língua botânicauniversal. Ao longo da vida, nomeou e descreveu cerca de 10 mil espécies ve-getais – desde então, sucessivas gerações de botânicos nomearam e descreve-ram formalmente mais de 300 mil espécies.

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Lineu foi casado com Sara Elisabeth [Lisa] Morea (1716-1806); tiveramsete fi lhos, cinco dos quais atingiram a idade adulta (um homem e quatromulheres). Carl von Linné Jr. (1741-1783) seguiu a carreira do pai, mas semo mesmo entusiasmo. Lineu morreu em 10/01/1778, aos 70 anos, e seu cor-po foi enterrado na catedral de Uppsala. Após sua morte, Carl Jr. assumiu acadeira de professor universitário do pai, mas morreu precocemente, aos 42anos. Após a morte de Carl Jr., Sara Lisa vendeu as coleções e os livros deseu marido para o botânico inglês James Edward Smith (1759-1828). Todoo material está hoje em Londres, na famosa Linnean Society, fundada pelopróprio Smith, em 1788.

4.10 EXPERIMENTANDO UMA IDEIA

4.10.1 Um exercício genial de classifi cação

Imaginemos uma coleção composta por um conjunto de botões, dentre osquais botões grandes, pequenos, de metal, de plástico e de madeira, sem furos(botões de pressão), perfurados (com dois, três ou quatro furos) e de diversascores. Se os dispusermos em ordem crescente de tamanho (diâmetro) e, emseguida, levarmos também em conta o número de furos, um arranjo com lacu-nas em determinados lugares terá sido construído.

De acordo com os critérios utilizados (diâmetro e número de furos) previ-mos que determinados tipos de botões deveriam se encaixar nesses respectivoslugares que deixamos vazios. Todavia, quando procedemos à classifi cação, es-ses tipos ainda não haviam sido encontrados para fazer parte da coleção.

O que torna este exercício genial? Em primeiro lugar, ele nos permite tratar de um aspecto fundamental de

um sistema de classifi cação, que é a ‘defi nição dos critérios’; além disso, permi-te que façamos ‘previsões’ sobre a existência de certos tipos de botões, o que éuma das características fundamentais do empreendimento científi co.

Com esse exercício, simula-se o que fez o químico russo Dimitri IvanovichMendeleiev (1834-1907), quando organizou pela primeira vez os elementosquímicos com base nas respectivas propriedades físico-químicas.

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Até meados do século 19, com base em investigações empíricas, 63 ele-mentos químicos eram já conhecidos, bem como a existência de alguns pa-drões intrigantes entre eles. Algumas tentativas de classifi cá-los foram feitas,mas coube a Mendeleiev, em 1869, apresentar um primeiro esboço satisfatóriodaquela que viria a ser conhecida mais tarde como ‘Tabela Periódica dos Ele-mentos Químicos’.

Nessa tabela Mendeleiev organizou os elementos de acordo com as suaspropriedades físico-químicas (arranjos verticais) e com o número crescente desuas massas atômicas (arranjos horizontais), deixando espaços corresponden-tes para a colocação de elementos desconhecidos até então.

A proposta de dispor os elementos dessa forma foi tão genial e consistente,que ele não só organizou os elementos até então conhecidos, como também foicapaz de especular sobre a existência de elementos adicionais, dos quais apre-sentou algumas das características esperadas (STRATHERN, 2002; TOLEN-TINO, 1997). Esses elementos adicionais foram identifi cados posteriormentepelos químicos, preenchendo os seus respectivos espaços na tabela, que hojeconta com 112 incluindo os 92 elementos naturais (encontrados normalmenteno ambiente) e os 20 artifi ciais (átomos obtidos em laboratório) e reconheci-dos pela União Internacional de Química Pura e Aplicada (ver http: //www.iupac.org/web/nt/2010-02-20_112_Copernicium).

Se consultarmos a coluna 1 (antiga 1A) da tabela periódica, encontrare-mos, por exemplo, lítio, sódio e potássio. De acordo com o que Mendeleiev propôs, podemos esperar semelhanças entre esses elementos, que, de fato aspossuem: reagem bem com a água, possuem brilho e são acinzentados. Algoparecido acontece com o cloro, bromo e iodo, que estão próximos na coluna17 (antiga 7A): todos eles são formadores de sais (para mais exemplos: verATKINS, 1996).

O exercício com botões, apresentado anteriormente, foi proposto por umprofessor de matemática, como estratégia para o desenvolvimento de uma pro-posta interdisciplinar, destinada ao Ensino Médio. As discussões, com a cola-boração de colegas das áreas de química, fi losofi a e psicologia, sobre aborda-gens interdisciplinares, basearam-se no episódio “O sonho de Mendeleiev”, dasérie ‘Grandes questões: A ciência em foco’, apresentado pela TV Escola (http:

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//portal.mec.gov.br/index2.php?option=com_content&do_pdf=1&id=5618).Essa estratégia de ensino mostra-se valorosa por proporcionar um exercícioteórico-prático investigativo, por meio do qual é possível buscar e encontrarregularidades de elementos, fazer previsibilidade, analogias tecendo paraleloentre as práticas de classifi cação conduzidas em diferentes áreas, retrospectivashistóricas e abordagem interdisciplinar.

4.10.2 Construindo uma chave de identifi cação

4.10.2.1 Orientações gerais

Existem cerca de 1,7 milhões de espécies conhecidas e outras milhões ain-da devem vir a ser descritas. Descrever espécies novas é apenas uma das ta-refas dos taxonomistas, que também se veem às voltas com a necessidade deorganizar as espécies conhecidas em grupos hierárquicos mais inclusivos (gê-neros, famílias etc.). Quando fazem esse trabalho de organização, os taxono-mistas costumam também preparar uma ‘chave de identifi cação’ – mecanismoque permite a qualquer interessado identifi car exemplares daquele grupo. Porexemplo, uma chave de identifi cação das famílias de moscas deve permitir aqualquer um descobrir a família da(s) mosca(s) que tenha em mãos.

Na construção das chaves, os taxonomistas em geral não estão preocupa-dos em distribuir os grupos em ordem fi logenética. Diz-se por isso que sãochaves artifi ciais. Há mais de um tipo de chave. Aqui, veremos um exemplode chave de acesso simples ou chave dicotômica (dividida em dois). Ao queparece, o pioneiro no uso da chave dicotômica foi o botânico inglês RobertMorison (1620-1683).

As chaves dicotômicas usam uma série de pares de frases curtas ou ins-truções mutuamente excludentes; ao fi nal de cada frase, devemos fazer umaopção. Vejamos um exemplo de chave dicotômica para identifi cação de quatroinsetos (A, B, C, D). As instruções são numeradas em ordem crescente; à direi-ta de cada frase encontram-se números que indicam o novo número para ondedevemos seguir ou o resultado.

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1. Asas presentes ............................................................................................... 21’. Asas ausentes ....................................................................................Inseto A 2. Asas anteriores e posteriores desiguais ................................................ 3 2’. Asas anteriores e posteriores iguais ..........................................Inseto B 3. Inseto grande (> 10 cm), com abdome volumoso ............Inseto C 3’. Inseto pequeno (< 10 cm), sem abdome volumoso ........ Inseto D

4.10.2.2 Concretizando a ideia

Materiais

5 objetos ‘aparentados’, mas desiguais (folhas secas caídas no chão, por •exemplo)papel•lápis•borracha•

Procedimentos

Observe cada objeto separadamente, anotando suas características maispeculiares e distintivas (isto é, que o tornam único frente a todos os demais).

Agrupe as características em ordem hierárquica. Por exemplo, folhas demargem inteira ou serrilhada são notadamente diferentes, mas podem ser todasagrupadas em uma categoria hierárquica de nível superior – como a das folhassimples ou compostas. Dentro de categorias mais amplas, como é o caso de ‘folhasimples’, vamos criando subcategorias de níveis hierárquicos inferiores até che-gar em cada uma das folhas utilizadas. (Fazemos o mesmo com a outra categoriageral, a das folhas compostas.) A categoria das ‘folhas simples’ poderia abrigar,por exemplo, as subcategorias ‘glabras’ e ‘pilosas’; por sua vez, as folhas glabraspoderiam ser subdivididas em ‘coriáceas’ e ‘membranosas’, e assim por diante.

Forme subgrupos de objetos que partilham características semelhantes.Comece a construção da chave utilizando as características mais gerais,

que servem para caracterizar subgrupos. Repita o procedimento, separandosubgrupos cada vez menores.

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A melhor chave será aquela que permitir chegar mais rapidamente à iden-tidade correta dos objetos. Em outras palavras, a melhor chave é aquela queidentifi ca corretamente todos os objetos, usando para isso o menor númeropossível de níveis hierárquicos.

4.11 BIBLIOGRAFIA

ATKINS, P. W. O reino periódico. Rio de Janeiro: Rocco, 1996. 140 p.

CAVALIER-SMITH, T. “Only six kingdoms of life”. Proceedings of the Royal Society of London (B), n.271, p.1251-62. 2004.

HICKMAN, C. P., JR.; ROBERTS, L. S.; LARSON, A. Princípios integrados de zoologia.11.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. 846p.

LEWIN, R. Evolução humana. São Paulo: Atheneu, 1999. 526p.

MARGULIS, L.; SCHWARTZ, K. V. Cinco reinos, 3 ed. Rio de Janeiro: GuanabaraKoogan, 2001. 497p.

PURVIS, A.; HECTOR, A. “Getting the measure of biodiversity”. Nature, n.405, p.212-219. 2000.

RAVEN, P. H.; EVERT, R. F.; EICHHORN, S. E. Biologia vegetal, 7 ed. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan, 2007. 830 p.

RAW, A. “Sistemática biológica no currículo universitário”. Ciência Hoje, n.190, p.59-61. 2003.

RUPPERT, E. E.; FOX, R. S.; BARNES, R. D. Zoologia dos invertebrados: uma aborda-gem funcional-evolutiva, 7 ed. São Paulo: Roca, 2005. 1145p.

STRATHERN, P. O sonho de Mendeleiev. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. 264p.

TORTORA, G. J.; FUNKE, B. R.; CASE, C. L. Microbiologia. 8 ed. Porto Alegre: Art-med, 2006. 894p.

VALENTINE, J. Phanerozoic diversity patterns. Princeton & San Francisco: PrincetonUniversity Press & AAAS, 1985. 441p.

WILSON, D. E.; REEDER, D. M. Mammals species of the world: a taxonomic and geo-graphic reference, 3 ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2005. 2142p.

ZIMMER, C. O livro de ouro da evolução. Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. 598 p.

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4.12 PARA SABER MAIS

Tabela periódica interativa (em inglês): Disponível em: <http: //www.periodicvideos.com/>. Acesso em: maio, 2010.

TOLENTINO, MARIO; ROCHA-FILHO, ROMEU C. & CHAGAS, Aécio Pereira.“Alguns aspectos históricos da classifi cação periódica dos elementos químicos”.Química Nova n. 20, p. 103-117, 1997. Disponível em: <http: //www.scielo.br/scie-lo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-40421997000100014 &lng=en&nrm=iso>.Acesso em: maio, 2010).

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5DA FLOR AO FRUTOElza Guimarães1

Silvia Rodrigues Machado2

Poderia existir um outro modo de considerar a natureza, não em seus aspectos isoladose fragmentários, mas como coisa atuante e vivente, procurando-se apresentá-la como uma

totalidade evidenciada em suas várias partes.Johann Wolfgang von Goethe (1760).

Como surgiram as fl ores? Em que momento da história evolutiva dasplantas se deu esse acontecimento? Como elas estão estruturadas? Como elasfuncionam? De que forma interagem com o meio físico e com os outros orga-nismos?

A Terra, desde sua origem vem experimentando modifi cações físico/quí-micas e biológicas. Nos últimos 550 milhões de anos, como decorrência da tec-tônica global, novos oceanos e continentes se formaram e desapareceram e avida macroscópica, os Metazoários, se expandiu desde então (Veja Capítulo 2).O clima experimentou períodos nos quais as temperaturas médias oscilaramacima e abaixo das atuais. Paralelamente, surgiram cordilheiras, que foram ni-veladas pela erosão e glaciação; apareceram extensões de terra interligandocontinentes, que tempos depois deixaram de existir; vulcões entraram em ati-vidade e voltaram a se acalmar; o mar invadiu as áreas continentais emersase retrocedeu, e os continentes se reuniram e se separaram, por diversas vezes.Esses processos conduziram a uma diversidade de fatores que continuam, ain-da hoje, infl uenciando os mundos físico/químico e biológico.

Considerando o exposto, começaremos este capítulo tratando de aconte-cimentos que ocorreram no cenário evolutivo da Terra. Assim, vamos relem-brar alguns pontos importantes sobre a origem e evolução das plantas, sobre aorigem das sementes e fi nalmente, seguindo a cronologia dos acontecimentos,sobre a origem e evolução das fl ores e frutos.

1. Unesp – Departamento de Botânica, IB CP 510, 18618-970 Botucatu, SP [email protected]. Unesp – Departamento de Botânica, IB CP 510, 18618-970 Botucatu, SP [email protected]

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5.1 A ORIGEM E A EVOLUÇÃO DAS FLORES E FRUTOS

5.1.1 A trajetória das plantas: do surgimento na água à ocupação dos continentes

As plantas têm uma longa história evolutiva, assim como outros organis-mos que se originaram já no início da história geológica da Terra. O planetaTerra tem cerca de 4,5 bilhões de anos e os registros mais antigos de vida têmentre 3,3 e 3,5 bilhões de anos.

A ideia de que a vida surgiu a partir de uma sopa primordial tem se man-tido desde que Charles Darwin, em 1871, sugeriu que “a vida teve seu inícioem uma pequena lagoa morna”. Além dele, Aleksander Oparin, um cientistarusso, propôs em 1930, que a atuação dos relâmpagos e da energia solar sobreos compostos orgânicos, formados a partir dos gases vulcânicos e acumuladosnos oceanos, deu origem às primeiras formas de vida (Tabela 01).

Estes organismos primordiais foram se tornando mais complexos e orga-nizados, capazes de crescer e de se reproduzir. Entretanto, eles eram heteró-trofos (do grego heteros = outro; trophos = alimentador), ou seja, dependiamde uma fonte externa para obter energia. Supõe-se que à medida que estesorganismos proliferavam, as moléculas orgânicas que lhes serviam de alimen-to foram se exaurindo. Tal acontecimento levou a um processo de competiçãoque durou milhões de anos, e foi acompanhado do surgimento de organismosmais complexos, capazes de produzir suas próprias moléculas orgânicas a par-tir da energia solar. Estes organismos autótrofos (do grego auto = auto; trophos= alimentador), que apresentavam um sistema de pigmentos capaz de capturara energia do sol e de armazená-la em uma molécula orgânica, foram os maisbem sucedidos naquele momento (RAVEN et al., 2001).

Os organismos fotossintetizantes começaram então a liberar moléculas deoxigênio (O2) na atmosfera e a alterar o ambiente na superfície terrestre, ini-ciando uma nova forma de fl uxo de energia na biosfera, que vem se mantendohá pelo menos 3,4 bilhões de anos.

As importantes transformações ocorridas na atmosfera terrestre favorece-ram a ocupação da superfície emersa dos continentes onde havia luz, oxigênio,dióxido de carbono e nutrientes em abundância.

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Da fl or ao fruto | 113

Nos períodos Cambriano e Ordoviciano (Tabela 01) houve intensa ativi-dade de movimentação das placas tectônicas que fazem parte da superfície donosso planeta. Com as mudanças na organização dessas placas, houve altera-ções nos níveis nos oceanos, nas correntes marítimas, no clima e consequente-mente na distribuição geográfi ca dos organismos (para mais detalhes veja KA-RASAWA, 2009). Um dos eventos marcantes foi a intensa glaciação ocorridahá cerca de 440 milhões de anos, que levou a uma drástica redução de cerca de70 metros no nível do mar.

É interessante notar que as primeiras evidências de colonização terrestre,datam justamente do período Ordoviciano. A mortalidade nessa superfícieque fi cou emersa deve ter sido intensa devido à dessecação, radiação e difi cul-dade para obtenção de nutrientes e oxigênio.

Tabela 1 Escala do tempo geológico e relação dos principais eventos ocorridos na Terra

Era Período Início (Ma)* Eventos biológicos importantes

Cenozóica Quaternário 1,8 Aparecimento dos seres humanos

Terciário 65Surgem paisagens campestres. Ocorre grande diversifi cação de mamíferos, aves e insetos polinizadores. Angiospermas dominam a paisagem.

Mesozóica Cretáceo 144Surgem as angiospermas. Muitos grupos de organismos, inclusive dinossauros, tornam-se extintos.

Jurássico 206 Diversifi cação dos dinossauros e aparecimento das aves.

Triássico 245Gimnospermas dominam a paisagem. Surgem os dinossauros e os mamíferos.

Paleozóica Permiano 290Extinção de muitas espécies animais marinhas e terrestres. Diversifi cação dos répteis.

Carbonífero 363Florestas e plantas vasculares sem sementes amplamentedistribuídas. Surgem as plantas com sementes e os répteis.

Devoniano 409Diversifi cação dos peixes. Aparecimento dos anfíbios einsetos.

Siluriano 439Diversifi cação das primeiras plantas vasculares. Aparecimento dos peixes.

Ordoviciano 510 Plantas e animais colonizam a superfície terrestre.

Cambriano 543 Aparece a maioria dos fi los animais modernos.

Pré-Cambriana 4600Aparecem os procariotos seguidos pelas células eucarióticas. Surgem os animais invertebrados e algas.

*Ma – milhões de anos

Entretanto, é provável que alguns poucos organismos tenham conseguidose manter nesse novo ambiente, por apresentarem certas características quelhes possibilitaram os ajustes necessários.

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A partir de então, surgiram diversas mudanças na estrutura, na forma eno funcionamento das plantas que possibilitaram a conquista e a ocupação doambiente terrestre por uma diversidade cada vez maior de organismos. Essenovo passo foi resultado de um longo processo evolutivo que envolveu o apa-recimento de estruturas de fi xação, de elevação da massa corpórea e de produ-ção de fotoassimilados, que correspondem, respectivamente, às raízes, caulese folhas. O sucesso na ocupação desses novos espaços foi dependente tambémde estruturas que conferiram proteção do corpo vegetal contra a perda excessi-va de água, como a cutícula e de estruturas que favoreceram as trocas gasosas,como os estômatos.

A partir do desenvolvimento do sistema vascular, que conecta todo o cor-po da planta distribuindo água e nutrientes, e do crescimento dos troncos emespessura, as plantas começaram a apresentar variações no porte. Assim, avegetação que até então se caracterizava por certa uniformidade fi sionômica,passou a apresentar distintos níveis de estratifi cação vertical e, consequente-mente, maior diversidade de nichos ecológicos.

Entretanto, todos estes passos não teriam se consolidado na história evo-lutiva das plantas se as mesmas não tivessem adquirido características que lhesassegurassem a reprodução no ambiente terrestre. Os eventos mais importan-tes foram a produção de esporos resistentes à dessecação e a proteção das cé-lulas reprodutoras por envoltórios estéreis oriundos da planta-mãe. No casodas espermatófi tas (esperma = semente; fi to = planta), também se fi xaram osenvoltórios que protegem o embrião, originando uma nova estrutura deno-minada semente, que se constitui em uma das mais espetaculares inovaçõessurgidas durante a evolução das plantas vasculares (RAVEN et al., 2001; KA-RASAWA, 2009).

5.2 A EVOLUÇÃO DA SEMENTE

A presença de sementes é uma das principais características responsáveispela dominância das espermatófi tas na fl ora atual, principalmente devido àsua maior capacidade de sobrevivência. Essa capacidade é conferida pela nu-trição e pela proteção do embrião contra o dessecamento. Além disso, as re-

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servas da semente desempenham papel fundamental nos estágios iniciais dagerminação e no estabelecimento da plântula no ambiente.

Já desde o início do período Devoniano há registros fósseis que eviden-ciam o surgimento de diversas formas de estruturas reprodutivas, as quaisforam evoluindo por 400 Ma (milhões de anos), passando, possivelmente apartir de uma mutação, da homosporia (gr. esporo = esporo, com prefi xo homo= igual – nesse caso, do mesmo tamanho) para a heterosporia (gr. esporo =esporo com prefi xo hetero = diferente – nesse caso, de diferentes tamanhos). Apartir de então, estas espécies passaram a apresentar micrósporos (prefi xo gr.micro = pequeno), estruturas que originam os grãos de pólen (microgametófi -to) e megásporos (prefi xo gr. mega = grande), estruturas que originam o sacoembrionário (megagametófi to). Este acontecimento é considerado um marcoevolutivo no surgimento das plantas com sementes (WILLIS e MCELWAIN,2002; KARASAWA, 2009), sendo a produção de sementes considerada umaforma extrema de heterosporia.

Mais tarde (370Ma), o megásporo, ainda muito susceptível à dessecaçãopassou a ter uma proteção da planta mãe constituída por três elementos so-brepostos: o macrósporo dentro do nucelo (macrosporângio) envolvido portegumentos, que se abrem na região da micrópila (Figura 1).

Figura 1 Organização típica de um óvulo

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Além disso, surge nas angiospermas uma nova condição ‘de óvulos enve-lopados’ (NEPI, 2009), ou seja, óvulos envoltos por um carpelo fechado, o quesignifi cou um importante mecanismo de proteção, favorecendo a ocupação doambiente terrestre (WILLIS e MCELWAIN, 2002).

Representantes vivos atuais das plantas com sementes (espermatófi tas) en-contram-se agrupados em cinco fi los, sendo que um deles compreende as plan-tas com fl ores, chamadas angiospermas (angeion = urna, envoltório; sperma =semente) e os outros quatro foram reunidos em um grupo conhecido comogimnospermas (gymnos = nu ; sperma = semente) (RAVEN et al., 2001).

Figura 2 Sementes em corte longitudinal: (A) Família Araucariaceae (gimnosperma); (B) Família Euphorbiaceae (angiosperma).

Uma semente é um óvulo fecundado e desenvolvido, contendo um em-brião, envolto por material de reserva (endosperma) e por tegumento, comose pode observar na Figura 2. Embora as plantas com fl ores só tenham sur-gido no cenário evolutivo após o surgimento das sementes e do desenvolvi-mento de uma série de características vegetativas, elas dominaram rapidamen-te a paisagem, formando um conjunto impressionante por sua diversidade ecomplexidade morfológica e funcional.

Essa alta diversidade de plantas foi fundamental à evolução da humanida-de, que surgiu muito tempo depois, mas obteve aí a base da sua alimentação,seja diretamente através dos frutos e raízes que coletavam, seja indiretamente

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como base da nutrição dos herbívoros, que também compunham uma im-portante parte da alimentação das sociedades primitivas. Além disso, muitasespécies de angiospermas representavam a possibilidade de tratamento paraenfermidades ou eram, ainda, utilizadas em rituais religiosos representandoum importante componente na estrutura social dessas comunidades.

5.3 ORIGEM E EVOLUÇÃO DA FLOR

Até o fi nal do Carbonífero e início do Cretáceo (ver Tabela 01) as estru-turas reprodutivas encontravam-se espacialmente separadas como se observanas gimnospermas atuais, por exemplo pinheiros, que apresentam estróbilosmasculinos e femininos separados. Mas, durante a evolução das espermatófi -tas, elementos masculinos e femininos passaram a ser encontrados em umaúnica estrutura em grupos que estão atualmente extintos. A partir desses an-cestrais, surgiram no cenário evolutivo das plantas as sépalas e as pétalas que,juntamente com os elementos reprodutores, compuseram as fl ores. Estudosdos órgãos fl orais dos períodos Cretáceo e Terciário demonstram que houveum incremento na diversidade morfológica das fl ores ao longo da evolução(KARASAWA, 2009).

Assim, é possível dizer que a evolução das angiospermas está relacionadaao surgimento de duas novas características: presença de verticilos fl orais ex-ternos (sépalas e pétalas) e presença de dois verticilos fl orais internos (andro-ceu e gineceu) reunidos em uma mesma fl or. Todas as fl ores assim constituídassão denominadas hermafroditas, bissexuadas, monóclinas ou ainda, andrógi-nas (Figura 3).

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Figura 3 Organização de uma fl or completa (presença de quatro verticilos: androceu, gineceu, cálice e corola)

5.4 A NATUREZA DA FLOR

Como escreveram Proctor e Yeo em 1979, em sua clássica obra, Th e polli-nation of fl owers, é muito mais fácil reconhecer uma fl or do que defi ni-la.

Mesmo que seja difícil dar uma defi nição que leve em consideração todasas variações que as fl ores podem apresentar e que encontremos distintas abor-dagens quando buscamos os conceitos em livros de morfologia, de ecologia,ou ainda em livros gerais de botânica, é importante entendermos qual é a es-trutura básica de uma fl or.

Duas interpretações distintas sobre a natureza da fl or foram propostas esão apresentadas por Camefort e Boué (1980). A mais antiga, denominada ‘Ateoria da metamorfose’ sugere a natureza foliar das peças fl orais. Essa teoria foi’formulada pelo poeta, fi lósofo e naturalista alemão Johann Wolfgang von Goe-

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the, em 1790. Segundo essa concepção, ocorre a transformação progressiva defolhas em sépalas, depois em pétalas, em estames e, fi nalmente, em carpelos.Em algumas plantas, como os nenúfares, é possível observar todas as formasintermediárias entre as peças fl orais próximas. Essa observação sugere umainteração entre dois verticilos consecutivos, hipótese validada atualmente porestudos moleculares, justifi cando a teoria visionária de Goethe. Assim, umafl or seria formada por fi lomas, homólogos entre si e em relação às folhas ebrácteas. Este termo, fi loma, de origem grega, expressa a mais ampla ideia defolha, que, deste modo, não fi ca circunscrita apenas à folha propriamente dita(nomofi los), estrutura geralmente verde que encontramos nos ramos caulina-res, mas compreende desde os cotilédones, presentes nas sementes (ver Figura2), as folhas fl orais (antófi los), as folhas que protegem as gemas (catafi los) eas brácteas (hipsofi los), ou seja, tudo que é considerado de natureza foliar naplanta (Font Quer, 1953). Assim, sépalas, pétalas, estames e carpelos seriamfolhas modifi cadas e todos homólogos entre si e em relação às folhas.

A outra interpretação, posterior à de Goethe, foi enunciada por Plantefol,em 1949, e se apóia essencialmente na ontogenia (onto = ser, ente; genia =formação). Seu autor postula que ‘As peças férteis da fl or (estames e carpelos)não são de natureza foliar’. Neste caso, dois meristemas (tecido embrionário, apartir do qual se formam tecidos adultos e diferenciados) intervêm sucessiva-mente na formação de uma fl or: o anel inicial e a l zona apical. O primeiro estáassociado à produção do cálice e da corola à semelhança do que ocorre comas folhas vegetativas (nomofi los), e o segundo está relacionado à formação doandroceu e gineceu, a partir da transformação de um ponto vegetativo emmeristema fl oral. Como para se estabelecer a homologia entre dois tipos de ór-gãos é necessário que eles tenham origens embrionárias idênticas, os compo-nentes do androceu e do gineceu não poderiam ser considerados homólogosàs folhas, sépalas e pétalas.

Atualmente, sabe-se que o meristema fl oral apresenta diferentes territóriosconcêntricos, cada um destinado à produção de um número determinado depeças fl orais. Os territórios periféricos, correspondentes ao anel inicial, produ-zem sucessivamente os três primeiros verticilos, enquanto a zona apical axialproduz os carpelos (MEYER et al., 2004)

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O eixo onde se prende a fl or, o pedúnculo, é uma estrutura que nunca seramifi ca e recebe o nome de receptáculo na sua porção terminal, que é geral-mente dilatada e sustenta os fi lomas fl orais (GUÉDES, 1979).

O desenvolvimento da fl or ou de uma infl orescência é resultado de mu-danças na forma e na fi siologia do ápice caulinar, que é transformado em ápicereprodutivo e passa a apresentar crescimento determinado. Normalmente afl or é uma estrutura heterotrófi ca, ou seja, que não se autossustenta e portantodepende das partes verdes da plantas para sua nutrição, razão de Valla (1979)referir-se a ela como “parasita” do resto da planta. Embora, em muitos casosas fl ores representem um alto custo energético para a planta, há espécies cujocálice é persistente e fotossintetizante e pode enviar fotoassimilados para a fl ore para o fruto em desenvolvimento.

5.5 CONSTITUIÇÃO DE UMA FLOR

Uma fl or, considerada completa, é aquela em que todos os verticilos estãopresentes, portanto, apresenta cálice, corola, androceu e gineceu (Figura 3).

Na verdade, se entende por verticilo fl oral, o conjunto de dois ou mais ele-mentos que nascem em um mesmo nível do eixo fl oral e se dispõem em círcu-los concêntricos no receptáculo. Entretanto, as fl ores possuem crescimento de-fi nido e entrenós extremamente curtos e, portanto, às vezes, não é fácil defi nirse as diversas peças fl orais constituem-se em verticilos ou não. Mas, segundoFont Quer (1953), mesmo que os elementos fl orais não sejam precisamenteverticilados, quando se trata de fl ores, sempre se utiliza o termo verticilo parase referir ao cálice, corola, androceu e gineceu.

Se os elementos se dispõem em verdadeiros verticilos, as fl ores são chama-das cíclicas (Figura 3). Quando os elementos encontram-se dispostos em espi-ral, as fl ores são chamadas acíclicas e quando há uma mistura dos dois tipos dearranjo são denominadas hemicíclicas.

As evidências fósseis indicam que no Cretáceo inferior (Tabela 1) a dis-posição dos elementos fl orais era em espiral, em um receptáculo cônico, in-dicando um predomínio de fl ores acíclicas. No início do Cretáceo superiorfl ores acíclicas e hemicíclicas já estavam bem estabelecidas e dispersas, mas

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sua importância decresceu com a diversifi cação das fl ores cíclicas, formadaspelo encurtamento e achatamento do receptáculo (ver Karasawa, 2009 e refe-rências).

Embora a disposição dos elementos fl orais no eixo possa variar, a ordemdos verticilos fl orais é sempre a mesma, seguindo o padrão mostrado na Figu-ra 3. Em uma fl or completa o primeiro verticilo a se formar no eixo e, portanto,o mais externo, é o cálice, composto por sépalas; o segundo é a corola, com-posta por pétalas, o terceiro é o ‘androceu’, composto por estames e, no centroda fl or, encontramos o quarto verticilo, o mais interno e protegido de todos, o‘gineceu’, composto por um ou mais ‘carpelos’ contendo os ‘óvulos’ que, depoisde fertilizados podem se desenvolver em uma semente.

Os dois verticilos mais externos, o cálice e a corola, são chamados tambémde verticilos protetores. Quando o cálice e a corola são diferentes quanto aotamanho, forma, cor e consistência, os verticilos protetores recebem o nomede perianto e a fl or é considerada heteroclamídea (heteros = distinto; clamidos= vestido) (Figura 4A) e, quando eles são iguais, os dois verticilos em conjuntorecebem o nome de perigônio e suas peças passam a chamar-se tépalas, poisnão há distinção entre sépalas e pétalas. Nesse caso a fl or é chamada homocla-mídea (gr.: homos = iguais; clamidos = vestido) (Figura 4B). Se um dos vertici-los estiver ausente a fl or á chamada monoclamídea (gr. mono = único; clamidos= vestido) e se os dois verticilos estiverem ausentes a fl or é chamada aclamídeaou nua (partícula a = privado; clamidos = vestido).

Indo em direção ao centro do eixo fl oral encontramos outros dois vertici-los que são fundamentais na fl or, o androceu e o gineceu, também chamadosde verticilos reprodutores (Figura 3).

Em termos botânicos, não existe fl or, no sentido restrito, sem pelo menosum dos dois verticilos reprodutores. Pode faltar o androceu ou o gineceu queela continuará sendo fl or (fl or unissexual ou fl or imperfeita(( ), pode faltar o cáli-ce ou a corola (fl or monoclamídea), ou pode ainda faltar o perianto completo(fl or aclamídea), mas nunca poderão faltar os dois verticilos reprodutores emuma mesma fl or (FONT QUER, 1953).

Apesar de toda a variação que pode ser encontrada nas angiospermas, hácertas tendências evolutivas entre as fl ores que incluem a redução e a defi nição

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no número de peças fl orais; a diminuição do número de verticilos e o encurta-mento do eixo fl oral; a fusão das peças fl orais; a diferenciação do cálice e corolae a presença de ovário ínfero. Além disso, há uma tendência na mudança desimetria radial ou actinomorfa (gr. actino = raios de uma roda; morfa = forma– ou seja quando há pelo menos dois planos de simetria, que dividem a fl or emvárias partes iguais) (Figura 5A) para simetria bilateral ou zigomorfa (gr. zigo= par; morfa = forma – quando há apenas um plano de simetria, que divide afl or em duas partes iguais) (Figura 5B) (RAVEN et al., 2001).

Figura 4 A. Flores heteroclamídeas, família Bignoniaceae. B. Flores homoclamídeas, família Velloziaceae

Figura 5 Tipos de simetria fl oral. A. Flor actinomorfa de Passifl oraceae. B. Flor zigomorfa de Bignoniaceae.

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Acredita-se que essas tendências tenham sido fortemente direcionadas pelapolinização zoófi la, especialmente pela polinização efetuada pelos insetos (ento-mófi la), que estava presente desde o início da evolução das fl ores das angiosper-mas. Em um estudo publicado em 2008, Hu e seus colaboradores apresentamdados que mostram que os fósseis mais antigos de angiospermas são de espéciespolinizadas por insetos e indicam que a polinização zoófi la é o estado ancestral.

Outro estudo ainda mais recente, publicado na revista Science em 2009 porRen e seus colaboradores, indica que já havia plantas com sementes produzi-das por zoofi lia antes de surgirem as plantas com fl ores. Os possíveis poliniza-dores, presentes na era Mesozóica, seriam as “moscas-escorpião” (Mecoptera),capazes de se alimentar de fl uidos semelhantes ao néctar, produzidos por umgrupo de plantas com sementes, mas sem fl ores, que atualmente está extinto.Segundo Nepi et al. (2009), quantidades substanciais desses fl uidos estavamdisponíveis para estes animais sugadores, com peças bucais relativamente lon-gas, já nas plantas da era Mesozóica.

A pesquisa de Ren e colaboradores (2009) coloca em xeque a antiga noçãoque as angiospermas evoluíram em um mundo predominantemente anemó-fi lo. Além disso, ela nos leva a repensar a hipótese de que os primeiros polini-zadores eram insetos generalistas de línguas curtas, que podiam explorar ape-nas fl ores abertas com néctar facilmente acessível. Ao que tudo indica, a EraMesozóica foi biologicamente mais rica e mais complexa do que se imaginavapreviamente (OLLERTON e COULTHARD, 2009).

5.6 A POLINIZAÇÃO

Em 1966 foi lançada a primeira edição de um livro que se tornou um mar-co no estudo da polinização, Th e principles of pollination ecology, escrito porKnut Faegri, um pesquisador norueguês e por Leendendert van der Pijl, umpesquisador holandês. Segundo esses autores a polinização se desenvolve tipi-camente em três fases: (1) liberação do pólen da parte ‘masculina’ de uma fl or,(2) transferência da parte paterna para a materna, (3) deposição adequada dopólen sobre a superfície receptiva da parte materna, seguida da germinação dogrão de pólen.

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Essas etapas antecedem a próxima fase, que é a fertilização. Utilizamos otermo fertilização com o signifi cado de fusão de gametas e como sinônimode fecundação. Há certas particularidades com relação ao uso destes termosque merecem ser esclarecidas. Em inglês se utiliza apenas o termo fertilização,enquanto nas línguas de origem latina como italiano, francês e espanhol, é co-mum se utilizar também do termo fecundação. No Brasil, na área de botânica,os dois termos foram adotados e vêm sendo utilizados como sinônimos.

Faegri e van der Pijl (1979) verifi caram que certos padrões de forma, co-loração, odor e antese da fl or associados aos recursos disponíveis para os visi-tantes, apareciam mais do que outros, produzindo então determinados tiposde fl ores, com certas características morfológicas e funcionais, que podiamser caracterizados por mecanismos de polinização defi nidos. Esse conjunto decaracterísticas ou atributos recebeu o nome de “síndrome de polinização”.

Diversos atributos fl orais estão relacionados a adaptações das plantas aospolinizadores, mas Faegri e van der Pijl (1979) ressaltam que “isso não signi-fi ca que todas as características típicas estão presentes em todos os casos, massim que há uma certa síndrome característica, que corresponde a um dadotipo de polinização”. Apesar dessa ressalva, a ideia de síndrome foi bastantecriticada no fi nal do século passado e no início desse, porque alguns pesquisa-dores consideram que sistemas de polinização muito específi cos são raros nanatureza. Um importante ensaio sobre este tema foi escrito por Carlos Herreraem 1996.

Estas críticas e os debates que as sucederam foram extremamente frutífe-ros e, atualmente, há autores que reafi rmam a validade do conceito de síndro-me de polinização em estudos de comunidades. Martins e Batalha (2006), porexemplo, verifi caram que para espécies de cerrado polinizadas por besouros,mariposas, aves e morcegos as inferências baseadas em atributos fl orais sãoválidas, entretanto para espécies polinizadas por abelhas e pequenos insetosas inferências baseadas nas características fl orais não são recomendadas, por-que há certa sobreposição que não permite a distinção satisfatória entre estesgrupos, possivelmente devido à falta de especifi cidade na interação planta-polinizador.

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5.7 POR QUE OS ANIMAIS PROCURAM AS FLORES?

Os animais visitam as fl ores porque elas normalmente contêm recursosenergéticos como o néctar (Figuras 6A, 11E-F), rico em açúcares, e o pólen,rico em proteínas (Figuras 6C-D, 11A-B). Mas as fl ores podem oferecer aindarecursos importantes para a manutenção das crias e dos ninhos, como óleos(Figura 6E) e resinas fl orais, além de servir como local de acasalamento, ouainda, fornecer recursos associados à reprodução dos visitantes, como as fra-grâncias fl orais que são coletadas por machos de abelhas euglossinas. Alémdestes recursos, também chamados de atrativos primários, as fl ores exibemdiversos tipos de atrativos secundários que atuam como sinalizadores para osvisitantes, tais como coloração (Figura 7A-D), odores (Figura 7A-B), guias vi-suais (Figura 7B-D) e até guias acústicos (GUREVITCH et al., 2006).

No caso da polinização por vetores bióticos, ou polinização zoófi la, há inú-meras possibilidades de combinação de características fl orais, incluindo atra-tivos primários e secundários, que podem ser mais frequentemente associadascom determinados grupos de polinizadores do que com outros, constituindoas síndromes de polinização, como veremos a seguir. Para descrições mais de-talhadas consultar a obra de Faegri e van der Pijl (1979).

A polinização realizada por himenópteros engloba alguns dos grupos maisevoluídos e economicamente importantes de insetos, que são as abelhas e asformigas. Mas também há espécies polinizadas por vespas, as quais parecemnão apresentar uma síndrome marcante e suas fl ores normalmente apresentamfácil acesso ao néctar. Já as formigas estão comumente associadas aos nectáriosextrafl orais e podem, inclusive, desempenhar importante funções ecológicasassociadas ao sucesso reprodutivo de algumas espécies de plantas. Mas, a po-linização efetuada por formigas parece também ser rara na natureza. Nessecaso, Faegri e van der Pijl (1979) referem que as fl ores apresentariam nectáriospequenos, com reduzidas quantidades de néctar, expostas próximas ao solo ecom pouca atração visual.

A melitofi lia inclui fl ores que são polinizadas por diversos tipos de abe-lhas. Estas apresentam cores vivas e contrastantes, sendo as amarelas e azuismuito frequentes (Figura 6B-D). Os grãos de pólen geralmente apresentam

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ornamentações (ver link – http: //www.telegraph.co.uk/science/picture-galleries/7606811/Hayfever-suff erers-know-your-enemy-Scanning-Electron-Microscope-pictures-of-grains-of-pollen.html) ou substâncias pegajosascomo “pollenkit”, que favorecem a adesão dos mesmos ao corpo das abelhas.Existem padrões de coloração caracterizados por raios ou manchas na corola(Figura 7A-C) que atuam como guias de néctar, às vezes revelados por meiode radiações de comprimentos de onda mais curtos do que o espectro per-cebido pelo olho humano, como o ultravioleta. Comprimentos mais longos,como o vermelho não são percebidos muito efi cientemente pelas abelhas. Tan-to machos quanto fêmeas utilizam os recursos fl orais para sua sobrevivência,sendo que os primeiros coletam apenas néctar para sua própria nutrição. Jáas fêmeas, além do néctar para sua nutrição, coletam também pólen (Figu-ras 6C-D, 11A-B), óleos fl orais (Figura 6E), resinas fl orais, que servem paraa nutrição das crias, assim como para a construção e impermeabilização dosninhos. Alguns machos coletam fragrâncias fl orais, especialmente em espéciesde orquídeas, cuja função ainda não está bem estabelecida, mas acredita-seque esteja relacionada ao cortejo das fêmeas no período de procriação das es-pécies (ROUBIK e HANSON, 2004).

Figura 6 Flores visitadas por insetos: (A) Tipo de fl or visitada por abelhas grandes, com tubo deaproximadamente 4 cm de comprimento, (B) Tipo de fl or visitada por abelhas pequenas, com diâmetro de aproximadamente 1cm; (C-D) Flores com anteras poricidas, visitadas por abelhas vibradoras; (E) Flor

produtora de óleo nas glândulas do cálice (elaióforos), visitada por abelhas coletoras de óleo.

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Figura 7 Flores visitadas por animais: (A-B) Guias de néctar em espécies visitadas por abelhas,note a presença de indicadores olfativos nos dois casos; (C-D) Guias visuais, com contraste de

cores em espécies visitadas por beija-fl ores.

É importante notar que, da mesma forma que os animais podem ser in-dispensáveis para a reprodução de algumas espécies de plantas, os recursosobtidos nas fl ores podem ser indispensáveis para a reprodução de algumasespécies de animais, especialmente de certos insetos.

Flores polinizadas por moscas (miofi lia) geralmente apresentam cores cla-ras, guias de néctar, odor imperceptível e são abertas ou na forma de tubos re-duzidos, o que permitem o acesso ao néctar por parte destes insetos de línguacurta. Apenas algumas espécies, que apresentam língua mais longa (10mm),conseguem acessar o néctar em locais mais profundos. As moscas coletam re-cursos para sua própria alimentação, pois diferentemente das abelhas, elas nãocuidam da prole. Assim, obtêm no néctar carboidratos para seu metabolismoalém de, em alguns casos, utilizarem também o pólen, como fonte de proteí-nas. Há ainda uma síndrome específi ca denominada sapromiofi lia que incluifl ores escuras, odor desagradável semelhante a carne em putrefação, em for-

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mato de armadilha e geralmente sem néctar ou qualquer outro atrativo primá-rio. Neste caso a polinização normalmente ocorre “por engano”, pois as moscasvisitam as fl ores atraídas pelo odor mas não encontram nenhum recurso.

Flores polinizadas por borboletas (psicofi lia) (Figura 8A-B) e por maripo-sas (falenofi lia) (Figura 9D) são semelhantes: apresentam tubos longos, geral-mente estreitos, com pequena plataforma de pouso na porção apical e produ-zem néctar como recurso. Este néctar normalmente se acumula no fundo dotubo fl oral ou em esporões fi cando acessível apenas a animais, que possuemaparatos bucais sugadores longos e fi nos, como aqueles das Figuras 8 e 9D.As fl ores que são visitadas por borboletas e por mariposas diurnas são de co-res variadas, incluindo o vermelho. Já as polinizadas por mariposas noturnasapresentam coloração branca e odor adocicado. Há uma família de mariposascom características peculiares, Sphingidae, que tem capacidade de visitar asfl ores em voo pairado. Estes animais têm maiores requerimentos energéticose apresentam longas probóscides, sendo a síndrome associada a eles denomi-nada esfi ngofi lia.

A cantarofi lia é a síndrome que inclui fl ores normalmente grandes ou reu-nidas em infl orescências; com estrutura robusta, partes carnosas; cores clarasou verdes; odor forte, às vezes associado com a ocorrência de termogênese(Gottsberger e Silberbauer-Gottsberger, 2006), que são polinizadas por besou-ros. Essas fl ores apresentam como recurso primário os próprios tecidos fl orais,pólen e, às vezes, néctar, podendo servir também como local de acasalamento(Figura 9A-B).

As fl ores polinizadas por aves (ornitofi lia) normalmente oferecem comorecurso o néctar, embora algumas aves polinizadoras também se alimentemde tecidos fl orais e de insetos que ali vivem. Nos neotrópicos os principaispolinizadores dentre as aves são os beija-fl ores, que buscam nas fl ores o néctar(Figura 8C). Geralmente as fl ores de espécies ornitófi las apresentam coloraçãovermelha ou alaranjada, que contrastam ou se destacam em relação à folha-gem circundante, pois a orientação visual é fundamental para as aves (Figura7C-D). As fl ores geralmente são de formato tubular (Figura 8D), inodoras eproduzem grandes quantidades de néctar, rico em sacarose, com concentra-ções de açúcar variando entre 20 e 25% (NICOLSON et al., 2007).

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Figura 8 Infl orescências de espécies zoófi las: (A-B) Infl orescências da família Verbenaceae, com fl ores polinizadas por borboletas; (C) Infl orescência de Fabaceae (Mimosoideae) com

fl ores vermelhas visitadas por beija-fl ores; (D) Infl orescência de Asteraceae com fl ores tubulares alaranjadas, tipicamente ornitófi las.

Flores polinizadas por morcegos (quiropterofi lia) podem ser encontradastanto no Velho como no Novo Mundo. As fl ores, grandes, com numerososestames e de cores claras (Figura 9C), se destacam da folhagem, favorecendoa aproximação do morcego em voo (SAZIMA e SAZIMA, 1975). Abrem-sedurante a noite e apresentam um forte odor, às vezes semelhante à fermenta-ção, e grande quantidade de néctar, que diversas espécies de morcegos sorvemem voo pairado, com suas longas línguas providas de papilas. Os morcegostambém se alimentam de pólen obtendo assim quantidades signifi cativas deproteína para a sua nutrição.

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Figura 9 Flores visitadas preferencialmente por animais de hábitos crepusculares e noturnos: (A eB) Chegada de besouros a uma infl orescência da família Araceae, no fi m de uma tarde, e saída delas, após a liberação do pólen, no dia seguinte, respectivamente; (C) Flor da dedaleira, família Lythraceae,

visitada por morcegos; (D) Flor de uma espécie da família Rutaceae visitada por mariposas.

5.8 QUEM POLINIZA FLORES QUE NÃO OFERECEM ATRATIVOS?

Flores que não produzem atrativos primários ou secundários são, normal-mente, polinizadas pelo vento e pela água. Nestes casos são as propriedadesfísicas, tais como leveza, aerodinâmica e fl utuabilidade, que propiciam a che-gada do grão de pólen às estruturas reprodutivas femininas.

Apesar do pólen ser transportado aleatoriamente pelo vento, as plantasanemófi las apresentam mecanismos que aumentam as chances de polinização.Nas espécies polinizadas pelo vento encontramos fl ores com verticilos pro-tetores reduzidos ou ausentes, de modo que as estruturas reprodutivas fi camtotalmente expostas. Os estigmas são geralmente bem desenvolvidos, longos,plumosos, com grande superfície de captura e os grãos de pólen normalmentesão abundantes, pulverulentos, leves, às vezes dotados de estruturas especiaisque aumentam sua aerodinâmica. Apesar de tudo isso, a dispersão pelo ventonormalmente não ultrapassa um raio de 100 metros da planta mãe e, assim,

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os indivíduos de espécies anemófi las se encontram, geralmente, distribuídospróximos entre si.

A polinização pela água (hidrofi lia) é errática e dependente do movimentodas correntes, sejam atmosféricas, sejam aquáticas. Há poucas angiospermasque tem na água seu vetor de transporte de pólen, pois as angiospermas aquá-ticas normalmente são polinizadas pelo vento ou por insetos (Figura 10A-C).Contudo, em uns raros casos as fl ores podem funcionar submersas e o trans-porte do pólen ser efetuado pela água, levando à polinização. Nestes casos,o perianto é extremamente reduzido, ausente ou extremamente modifi cado,conferindo às fl ores a capacidade de fl utuar, como no famoso caso de hidrofi liaem Vallisneria, descrito por Faegri e van der Pijl (1979). Os autores referemainda a possibilidade de polinização por água da chuva, mas ressaltam que estemecanismo sempre leva à autopolinização.

Figura 10 Flores de plantas aquáticas com atributos de polinização zoófi la.

5.9 QUEM SÃO OS POLINIZADORES E QUEM SÃO OS PILHADORES?

Para que um animal seja polinizador há uma série de requisitos que de-vem ser preenchidos. É importante que ele tenha as dimensões corporais ade-

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quadas para contatar as estruturas reprodutivas no momento em que buscaos recursos fl orais, visitando, deste modo, de forma legítima as fl ores. Alémdisso, o horário de visita deve corresponder aos horários de receptividade deestigma e de liberação do pólen, permitindo assim o transporte do mesmo nomomento adequado para a planta.

Entretanto, há visitantes fl orais que coletam diversos tipos de recursos,como o néctar (Figura 11C-F), sem tocar em nenhum momento as estrutu-ras reprodutivas da fl or. Outros visitantes, especialmente abelhas pequenas,que coletam pólen ativamente sem tocar a superfície estigmática (Figura 11B).Estes tipos de visitantes são chamados de pilhadores. Mas, dependendo dadisposição das anteras e do estigma, pode haver deposição de pólen sobre oestigma, resultando, prioritariamente, em autopolinizações, já que essas abe-lhas depositam essencialmente os grãos de pólen da mesma fl or durante suasmanobras de coleta nas anteras.

Figura 11 Pilhadores de pólen: (A) Abelha com a perna repleta de grãos de pólen brancosoriundos de uma única fl or de Bromeliacae; (B) Abelhas coletando pólen em fl or de pequi.

Pilhadores de néctar: (C) Abelha coletando néctar em orifício que fez em fl or de uma espécie da família Malvaceae; (D) Abelha retirando néctar através de uma fenda produzida por seu aparato

bucal na base da corola de uma espécie da família Bignoniaceae; (E-F) Pássaro (Coereba fl aveolata) e beija-fl or (Epetoneuma macroura) inserindo o bico entre o cálice e a corola da fl or de uma

espécie da família Mavaceae, para conseguir o néctar.

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Alguns pilhadores podem ter uma atuação bastante ostensiva, como é ocaso de abelhas pequenas que perfuram o cálice e a corola (Figura 11C) naregião em que se acumula o néctar, coletando-o sem entrar na fl or, ou comoacontece com abelhas do gênero Oxaea (Figura 11D), que pilham néctar dasfl ores de diversas espécies da família Bignoniaceae que ocorrem no Cerrado(Silberbauer-Gottsberger e Gottsberger, 2006; Guimarães et al., 2008). Hátambém aves que atuam como pilhadoras de néctar, como por exemplo ‘pas-sarinhos’ (Figura 11E) e beija-fl ores (Figura 11F). Nos dois casos, as avesnão visitam legitimamente as fl ores, coletando néctar através de orifícios queproduzem com o bico na corola e/ou no cálice, sem tocar as estruturas re-produtivas.

5.10 A FECUNDAÇÃO: RECONSTITUIÇÃO DO TRAJETO DO GRÃO DE PÓLEN NO

MOMENTO DA FECUNDAÇÃO DAS ANGIOSPERMAS

O grão de pólen chega ao gineceu e se adere ao estigma. Se há sucesso noreconhecimento o grão de pólen é hidratado e germina, projetando um tuboque desce ao longo do estilete até o ovário. Os dois gametas masculinos, conti-dos dentro do grão de pólen, são assim transportados passivamente dentro dotubo até o saco embrionário.

Esta primeira fase da fecundação, caracterizada pela sucessão de intera-ções entre pólen e gineceu (adesão, hidratação e germinação do tubo polínico)é denominada fase pró-gâmica. A fase seguinte, dita fase singâmica, é defi nidapela fusão de um gameta masculino (n) com o gameta feminino (oosfera) (n),originando o zigoto diplóide, e de outro gameta masculino(n) com a célulacentral (2n), produzindo a célula mãe do endosperma (3n), que formará otecido que irá nutrir o embrião.

Essa dupla fecundação é uma característica essencial das angiospermas.Ela foi descoberta há pouco mais de um século independentemente pelo russoSergius Nawashin em 1898 e pelo francês Français Leon Grignard em 1899.

Após a dupla fecundação, o óvulo se transforma em semente e o ovárioem fruto.

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5.11 O FRUTO: DO ÓVULO À SEMENTE E DO OVÁRIO AO FRUTO

Após a polinização e a fecundação, o ovário se expande e se desenvolveem fruto, enquanto os óvulos fecundados se desenvolvem em sementes. Nessemomento, em geral, ocorre a queda das outras partes fl orais: perianto, estames,estilete e estigma. Essa transformação é a frutifi cação.

Em certos casos o fruto deriva unicamente do ovário desenvolvido, masem outros casos, órgãos extracarpelares como receptáculo (morango), hipanto(maçã), sépalas, pétalas, tépalas (amora), brácteas (abacaxi), estames e pedún-culo (caju), sofrem modifi cações mais ou menos profundas associando-se aoovário modifi cado, sendo o conjunto considerado fruto.

Essa diversifi cação na natureza do fruto tem gerado a utilização de diferentestermos como ‘pseudofruto’ (gr. pseudo = mentira, falso ou ilegítimo), ‘falso fruto’,‘fruto propriamente dito’ e ‘fruto verdadeiro’. Os termos ‘pseudo fruto’ e ‘falso fruto’têm sido usados quando a parte comestível do fruto é oriunda de órgãos extra-carpelares e os termos ‘fruto propriamente dito’ e ‘fruto verdadeiro’ têm sido usa-dos para designar aqueles frutos originados unicamente do ovário desenvolvido.Entretanto, há uma outra corrente de pensamento, liderada por autores europeus(Camefort e Boué, 1980), que considera fruto como sendo uma unidade consti-tuída pelo ovário e outras partes fl orais com ele concrescidas após a fecundação,conceito este que, se adotado, eliminaria o uso dos demais termos.

5.12 CONSTITUIÇÃO DO FRUTO MADURO

O fruto maduro e fértil é constituído por pericarpo (parede do ovário mo-difi cada) e sementes. O pericarpo pode ser carnoso (com alto teor de água)(Figura 12A-D) ou seco (Figura 13 A-D).

O pericarpo é subdividido em três regiões: o epicarpo ou exocarpo, o me-socarpo e o endocarpo. Essas regiões nem sempre são visualmente identifi ca-das, sendo necessárias análises microscópicas para tal.

O epicarpo ou exocarpo conhecidos como a “pele” ou “casca” do fruto,correspondem à epiderme externa da folha carpelar e pode apresentar aspec-tos muito diversos. Pode ser liso como na pimenta dedo-de-moça e na cereja,

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coberto de ceras como nas uvas e na ameixa, glandular como nos frutos cí-tricos, pubescente como no pêssego, ou com ganchos como no maxixe e nocarrapicho.

Figura 12 Frutos com pericarpo de consistência carnosa: (A) Buriti, uma espécie da família Arecaceae; (B) espécie da família Melastomataceae; (C) Fruta-do-lobo com marcas de dentes, uma

espécie da família Solanaceae; (D) espécie da família Myrtaceae.

O mesocarpo corresponde ao mesofi lo da folha carpelar e pode ser poucodesenvolvido tornando-se delgado e seco como nas vagens de algumas legu-minosas, ou espesso e carnoso como no pêssego, mamão, berinjela; neste caso,quando maduro, armazena diversas substâncias como açúcares, amido, lipíde-os, pigmentos, vitaminas, etc.

O endocarpo corresponde geralmente à epiderme interna do carpelo, po-dendo incluir também algumas camadas do mesofi lo. Pode ter consistênciacarnosa como a uva, papiráceo como a vagem do feijão, pétrea ou óssea for-mando um “caroço” como a azeitona, ou ter pelos glandulares cheios de suco,como a laranja.

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Figura 13 Frutos com pericarpo de consistência seca: (A) Espécie da família Bromeliaceae; (B)Espécie da Orquidaceae; (C) Edaleira, espécie da família Lythraceae; (D) Painerinha-do-cerrado,

espécie da família Bombacacae.

5.13 CLASSIFICAÇÃO DOS FRUTOS

Considerando a diversidade de estruturas fl orais que podem compor ofruto e as possibilidades de desenvolvimento de pericarpo existe uma enormevariação na morfologia dos frutos. Esta variabilidade originou diversas classi-fi cações, algumas muito complexas e, ao mesmo tempo, uma ampla termino-logia carpológica que atende a caracteres específi cos.

Uma das classifi cações mais simples é aquela que considera a consistên-cia fi nal do pericarpo, classifi cando os frutos em dois grandes grupos: secos ecarnosos.

No grupo dos frutos secos se distinguem aqueles que se abrem espontane-amente quando maduros, permitindo a saída das sementes e aqueles que nãose abrem na maturidade sendo denominados respectivamente frutos deiscen-tes e frutos indeiscentes.

É importante distinguir os frutos simples, aqueles que derivam de uma sófl or com um único ovário, quer seja uni ou pluricarpelar (Figura 14A), daque-

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les que resultam da concrescência de vários frutos produzidos por fl ores deuma infl orescência, resultando então em uma infrutescência, ou frutos múl-tiplos (Figura 14B). Já os frutos agregados são aqueles oriundos de uma únicafl or com gineceu dialicarpelar (Figura 14C). Nesse caso, os carpelos livres, per-tencentes à mesma fl or, formam os “frutíolos” que permanecem reunidos noreceptáculo fl oral, que geralmente é carnoso, como no caso do morango.

Figura 14 Frutos: (A) Fruto simples de uma espécie da família Myrtaceae; (B) Infrutescência (fruto múltiplo) de uma espécie da família Bromeliacae; (C) Fruto agregado de uma espécie da família

Ochnaceae.

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5.14 A DISPERSÃO DOS FRUTOS E DAS SEMENTES NAS ANGIOSPERMAS

A dispersão de frutos e de sementes nas angiospermas é muito variada. Osfrutos e as sementes são dispersos naturalmente, assegurando dessa forma queas novas plantas ocupem locais diferentes da planta mãe.

As características morfoanatômicas dos frutos e das sementes constituemuma adaptação ao seu modo de transporte, que pode ser abiótico (vento, água)ou biótico (animais). De acordo com esses vetores podem ser distinguidos vá-rios tipos de dispersão que são expostos a seguir.

Autocoria (auto = por si mesmo, coro = mudar de lugar) é a dispersãoproduzida por deiscência (= abertura) elástica do fruto. Os frutos explosivosprojetam suas sementes a curtas distâncias da planta mãe, como por exemploa pata-de-vaca e a maria-sem-vergonha.

Barocoria (baros = peso) é o tipo de dispersão em que frutos ou sementescaem, por seu próprio peso ao pé da planta mãe, como por exemplo, o abacatee a jaca.

Anemocoria (anemo = vento) é quando frutos e/ou sementes leves, pequenos,plumosos (dente-de-leão) ou alados (ipês) fl utuam no ar carregados pelo ventopodendo ser transportados a distâncias um pouco maiores da planta mãe.

Hidrocoria (ùdôr = água) ocorre quando os frutos ou sementes são disper-sos pela água, podendo levar ao transporte a longas distâncias no caso de caí-rem em fl uxo fl uvial ou marítimo. É comum nos frutos dispersos pela água odesenvolvimento de tecido aerífero, que diminui o peso específi co permitindosua fl utuação, como por exemplo no ingá, uma espécie que ocorre nas margensdos rios, e no coco-da-baía, que ocorre em áreas litorâneas.

Zoocoria (zoo = animal) é o tipo de dispersão em que os frutos ou semen-tes são munidos de ganchos, espículas ou tricomas secretores de substânciaspegajosas, que aderem à pelagem ou plumagem (epizoocoria), como no casodo picão preto e do carrapicho. Os frutos ou sementes carnosos também po-dem ser dispersos quando são ingeridos por animais e eliminados nas suasfezes ou regurgitados (endozoocoria), como no caso das fi gueiras.

As numerosas estratégias de dispersão da espécie pela semente ou fruto,juntamente com numerosos casos de coevolução com animais dispersores

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constituem características da reprodução sexuada que, provavelmente, confe-rem vantagens às plantas no meio aéreo-terrestre.

5.15 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O primeiro sistema original de classifi cação das angiospermas, propos-to no século XVIII pelo botânico sueco Carl Linnaeus (ver capítulo 4), estáfundamentado no estudo morfológico das fl ores e dos órgãos reprodutores.Atualmente, conhecemos cerca de 275000 espécies de angiospermas que estãogrupadas em aproximadamente 300 famílias.

Estudos moleculares estão permitindo unifi car essa grande diversidade deformas e de estruturas fl orais a partir de um modelo de desenvolvimento dafl or, simples e comum ao conjunto das angiospermas.

A origem das plantas com fl ores remonta ao Cretáceo inferior, ou seja há100-130 Ma. Atualmente, elas são de longe os vegetais mais diversos e cosmo-politas da Terra. Elas colonizam todas as latitudes e todos os ambientes, o queevidencia sua grande capacidade de adaptação, associada à ampla variedade demecanismos envolvidos na reprodução sexual.

Os registros fósseis indicam um aumento constante na diversidade de or-ganismos desde a Era Paleozóica o que tem levado a uma complexidade ecoló-gica cada vez maior nas interações planta-animal. Nesse sentido, a reproduçãodas angiospermas tem um papel preponderante, especialmente nos trópicosonde as interações com animais polinizadores e dispersores de frutos e semen-tes predominam sobre a polinização e dispersão abiótica.

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5.16 EXPERIMENTANDO UMA IDEIA

Helton Otsuka3

5.16.1 Modelos simples para a visualização da polinização

Como foi salientado, o processo de polinização (Figura 15) é o transportedos grãos de pólen até o estigma de uma fl or, e pode ser feito pelos animais oupor fatores abióticos.

Figura 15 Representação esquemática do processo de polinização e formação de um fruto.

Para facilitar a compreensão desse processo apresento dois modelos sim-ples e interativos, que ilustram a polinização realizada pelos animais e pelovento.

3. Bacharel e Licenciado em Ciências Biológicas, Unesp – Botucatu, SP [email protected]

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5.16.2 Modelo para simulação de polinização realizada por animais

O modelo da zoofi lia consiste em duas fl ores construídas de papel crepomgrosso ou creponzão, dentro, na base das quais serão colocadas balas ou gomasde mascar, para representar o néctar (recompensa das fl ores aos polinizado-res).

Abaixo apresento os materiais utilizados na confecção deste modelo ea sequência de montagem das fl ores.

Materiais

papel crepom grosso “creponzão”, utilizado em fl oriculturas, de cor •vermelha, com 48 cm (largura) x 250 cm (comprimento)2 esferas de isopor de 15 cm de diâmetro•pistola de cola quente e refi s•algodão em forma de bolinhas•giz de lousa laranja•barbante•cartolina branca•EVA branco•elásticos de borracha•gomas de mascar ou balas•

Montagem

Com a cartolina branca, faça dois canudos com 50 cm de comprimento e2 cm de diâmetro (Figura 16A). Em uma das extremidades de cada canudo,faça três cortes longitudinais de 2 cm e dobre para fora as áreas retangularesformadas (Figura 16B). Estas serão as bases de fi xação dos canudos nos hemis-férios de isopor.

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Figura 16 Esquema da preparação do canudo que representará o estilete da fl or.

Figura 17 Esquema da montagem do ‘estigma’ e fi xação do ‘estilete’ na base de isopor.

Com o EVA branco faça dois pequenos chumaços (Figura 17A) e os en-caixe nas extremidades não cortadas dos canudos de cartolina (Figura 17B).Fixe cada canudo de cartolina na parte interna, no centro, dos hemisférios deisopor (Figura 17C), usando cola quente ou fi ta adesiva.

Para cada metade da esfera de isopor corte um pedaço de papel crepomgrosso com 48 cm de altura e comprimento um pouco maior que o perímetroda esfera (Figura 18a1). Aplique cola quente na superfície externa de cada he-misfério e cole o papel crepom, formando um cilindro, cuja base é o hemisfé-rio de isopor (Figura 18a2).

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Figura 18 Etapas fi nais da construção de um modelo de fl or para demonstração de polinizaçãorealizada por animais.

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Na parte superior de cada cilindro formado, dobre para fora cerca de 10 cmdo papel crepom (Figura 18b1). Com as mãos, modele o papel crepom, deixan-do-o em um formato de fl or semelhante àquela que se pode observar na fi gura18b1. Aloque um elástico de borracha sob a aba formada na parte superior decada fl or, estreitando um pouco as aberturas dos cilindros (Figura 18b2).

Com o barbante, prenda quatro bolinhas de algodão na abertura de cadafl or (Figura 18c1). Para isso, faça dois furos no papel crepom, passe o barbantee, entre o barbante e o papel crepom coloque o algodão, fazendo um laço, dolado de fora das fl ores, com o barbante. Para dar sustentação às fl ores, utilizedois hemisférios de isopor recortando os ápices, que deverão ser guardadospara compor os modelos de desenvolvimento do fruto. Sobre os hemisférios,agora sem os ápices, fi xe as respectivas fl ores, usando cola quente (Figura18c2). Por fi m, coloque as balas dentro das duas fl ores confeccionadas (Figura18C). Triture o giz de lousa até obter um pó colorido. Pulverize este pó, querepresenta os grãos de pólen, sobre as bolinhas de algodão, que representamas anteras (Figura 19).

Figura 19 Modelos de fl ores polinizadas por animais, recebendo pó de giz sobre as bolinhas dealgodão para simular grãos de pólen.

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5.16.3 Modo de utilização do modelo da polinização por animais

As fl ores servirão para facilitar a compreensão do processo de polinizaçãorealizado pelos animais. Para isso os alunos terão que interagir com o modeloconfeccionado. O processo é simples e será descrito a seguir.

Peça que um aluno pegue uma bala, que representa o néctar, de dentro deuma das fl ores. Feito isto, diga-lhe para que pegue outra bala dentro da outrafl or, com o mesmo braço. Pronto! Ele acabou de atuar como um agente poli-nizador. Ao colocar a mão dentro da primeira fl or, os algodões com pó de giz,que representam, respectivamente, as anteras e o pólen, entram em contatocom o braço do aluno, e o pó adere ao seu braço, especialmente aos pelos. Nomomento em que o aluno insere o mesmo braço na outra fl or, o pó de giz jáaderido, entra em contato com o estigma (o chumaço de EVA) desta fl or, ondefi cará depositado. Esse processo é análogo ao que acontece entre as fl ores e osanimais.

5.16.4 Modelo para simulação de polinização realizada pelo vento

Agora, apresento-lhes um modelo que ilustra o processo de polinizaçãorealizado por um fator abiótico: o vento. Este modelo, além de representar oprocesso de polinização, também permite ao professor discutir com seus alu-nos a seleção natural.

Materiais

1 garrafa PET de 2L•1 cartolina branca•1 canudo de papelão de 30 cm (daqueles que servem de suporte para•papel toalha ou papel alumínio em rolo)1 folha de papel sulfi te•1 metade de esfera de isopor de 15 cm de diâmetro•cola quente•gel de cabelo incolor•

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bolinhas de isopor de três tamanhos diferentes: 2-3mm (placa de isopor•esmigalhada); 1 cm e 3 cm de diâmetro1 ventilador•

Montagem

Corte transversalmente a garrafa PET (Figura 20a1), desprezando a parteinferior. Encape o canudo de papelão com o papel sulfi te, dobrando o excessodeste papel para o interior do canudo. Encaixe e fi xe o canudo no gargalo daparte superior da garrafa PET (Figura 20a2).

Recorte a metade da esfera de isopor, modelando três curvas (Figura 20b1).Cole esta estrutura na extremidade superior do canudo de papelão encapado(Figura 20b2), que representará o estigma.

Recorte 4 pedaços de cartolina branca no formato de pétalas, com compri-mento de 20 cm (Figura 20c1). Cole, com a cola quente, essas quatro pétalas nabase do ovário de garrafa PET (Figura 20c2).

5.16.5 Modo de utilização do modelo de polinização pelo vento

Após montar a fl or, fi xe-a com cola a uma distância de cerca de 30 cm doventilador. Passe gel de cabelo por toda a superfície interior do estigma. Essegel atuará como as substâncias viscosas produzidas pelos estigmas das fl orespara capturar os grãos de pólen. Note que esta fl or não possui os estames,sendo uma fl or unissexual feminina. Aproveite para relembrar os alunos queexistem fl ores hermafroditas (monóica) e unissexuais (dióicas).

Ao ligar o ventilador, já temos nosso agente polinizador: o vento. Pegue asbolinhas de isopor de maior tamanho e solte-as na frente do ventilador. Por se-rem mais pesadas, essas bolinhas não chegarão ao estigma da fl or. Em seguida,solte as bolinhas de tamanho intermediário. Estas serão carregadas pelo vento,mas não o sufi ciente para chegarem até o estigma. Finalmente, pegue um pou-co das bolinhas de menor tamanho e solte-as. Por serem muito leves, o ventoserá capaz de carregá-las e algumas fi carão retidas no gel de cabelo com o qualse besuntou o estigma da fl or (Figura 21).

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Figura 20 Etapas da construção de um modelo de fl or para demonstração de polinização realizada pelo vento.

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Após esta demonstração, pergunte aos alunos qual tamanho deve ter o pó-len para que o vento seja capaz de carregá-lo até o estigma da fl or. Conduzaa discussão para que os próprios alunos cheguem à conclusão de que o tama-nho do pólen deve ser o menor possível. Também, faça com que os alunospercebam que a probabilidade do pólen chegar até o estigma da fl or é muitopequena e, por isso, as plantas que utilizam o vento como agente polinizadorproduzem grande quantidade de grãos de pólen.

Sugeri a confecção de pétalas com cartolina branca para mostrar aos alu-nos que as plantas que utilizam o vento como polinizador (Figura 21) investemseus recursos na produção de grande quantidade de pólen, ao invés de inves-tirem na produção de atrativos, como pétalas coloridas e néctar. Muitas vezes,essas fl ores são até aperiantadas, ou seja, não possuem os verticilos protetorescomo cálice e corola. Além disso, este modelo permite tratar de um aspectoevolutivo, sobre o papel da seleção natural, dado que as plantas possuidoras depólen de menor tamanho, produzido em grande quantidade, foram seleciona-das para terem o vento como agente polinizador.

Figura 21 Esquema da demonstração de polinização pelo vento.

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5.16.6 Frutos em segundos: modelos que ilustram a formação dos frutos

Logo após a polinização, o grão de pólen germina, formando o tubo polí-nico, possível de ser observado apenas ao microscópio. O tubo polínico con-duzirá os gametas masculinos até o ovário, fertilizando o óvulo. Em seguida,dá-se início aos processos de formação da semente e dos frutos, que serãoilustrados por meio de 3 modelos.

O primeiro modelo representa uma fl or de ovário súpero. Este tipo de ová-rio é livre, com os demais verticilos inseridos abaixo do gineceu, e, neste mo-delo, originará um fruto simples carnoso. O outro modelo também representauma fl or de ovário súpero, porém formará um fruto, originário do desenvolvi-mento do pedúnculo e do ovário. Por último, um modelo representando umafl or de ovário ínfero. Este tipo de ovário é concrescido com o receptáculo e osdemais verticilos inseridos acima do gineceu. Neste modelo a corola é caduca,as pétalas murcham e se desprendem da fl or, e também formará um fruto, ori-ginário do desenvolvimento do receptáculo e do ovário.

Para facilitar a compreensão, deve ser feita uma padronização de cores dasestruturas. Adotamos a seguinte padronização: a) pétalas vermelhas, b) recep-táculo amarelo, c) ovário azul, e d) pedúnculo verde.

Os modelos a serem construídos são simplifi cados, não apresentando to-das as estruturas que uma fl or pode ter. Todos são feitos com balões de festade aniversário e funcionam com o auxílio de uma bomba de ar, por exemplo,a bomba que é utilizada para encher colchões infl áveis. Caso não tenha dispo-nível uma bomba deste tipo, adapte seu modelo para a bomba que tenha à suadisposição.

5.16.7 Modelo da fl or de ovário súpero que originará um fruto simples carnoso

As estruturas representativas das pétalas, neste modelo, não se despren-dem da fl or no momento em que ocorre a formação do fruto (pétalas marces-centes), fenômeno de rara ocorrência na Natureza. Pelo fato de a maioria dasfl ores possuírem pétalas caducas, o ideal neste modelo seria que estas caíssem,porém não foi possível obter tal feito.

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Materiais

Papel crepom grosso “creponzão” vermelho•2 balões de festa azuis (bexigas) e 1 balão verde•1 dos ápices de isopor (ver instruções referentes à fi gura 18c2)•tinta guache amarela•ápice de uma garrafa PET com o gargalo•cola quente•mangueira de 1,5 cm de diâmetro•

Montagem

Coloque uma bexiga azul dentro da outra bexiga azul. Com o auxílio dabomba de ar, infl e a bexiga interna e dê um nó no seu gargalo, deixando-asolta no interior da bexiga externa. Este conjunto representará o ovário da fl or(Figura 22A).

Recorte 5 pétalas de papel crepom grosso, com cerca de 30 cm de com-primento. Faça uma dobra no meio de cada pétala, como mostra a fi gura 22B,para que elas fi quem mais fi rmes.

No ápice de isopor, pintado de amarelo com tinta guache, faça um furocom cerca de 1,5 cm de diâmetro. Esta estrutura representará o receptáculo dafl or (Figura 22C).

Recorte o ápice de uma garrafa PET com o gargalo, tomando cuidado paranão fi car com borda cortante (gume). Cubra-o com a bexiga verde. Faça umpequeno furo no fundo da bexiga para passar a mangueira. Se preferir, pinte-ocom tinta acrílica. Este será o pedúnculo da fl or (Figura 22D).

Na parte superior do receptáculo de isopor cole as pétalas e na parte infe-rior cole o pedúnculo (Figura 22E).

Passe a mangueira pelo interior do receptáculo e do pedúnculo, e na ex-tremidade acima das pétalas, prenda a bexiga azul externa. Puxe a mangueiraposicionando o ovário sobre as pétalas e o receptáculo (Figura 23).

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Figura 22 Etapas de montagem das partes de uma fl or de ovário súpero.

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Figura 23 Modelo de uma fl or de ovário súpero, que originará um fruto simples carnoso.

5.16.8 Modelo da fl or de ovário súpero que originará um Fruto com

desenvolvimento do pedúnculo

Este modelo é muito parecido com o anterior, porém a bexiga que irá infl arserá a do pedúnculo. Neste caso usaremos duas bexigas verdes e uma bexigaazul. Abaixo descrevo detalhadamente os materiais e o modo de montagem.

Materiais

papel crepom grosso “creponzão” vermelho•1 bexiga azul e 2 bexigas verdes•1 ápice de garrafa PET com gargalo•1 ápice de isopor (ver instruções referentes à fi gura 18c2)•tinta guache amarela•1 arame encapado, daqueles utilizados para lacrar embalagem de pão de•fôrmamangueira de 1,5 cm de diâmetro•

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Montagem

Infl e a bexiga azul, formando uma esfera de mais ou menos 8 cm de diâme-tro. Dê um nó o mais próximo possível da “boca” da bexiga. Este será o ovário.

Repita os seguintes passos do processo de montagem anterior: passo 2 (Fi-gura 22B) variando a forma da pétala e diminuindo seu tamanho (pétalas comcerca de 15 cm de comprimento ou menores); passo 3 (Figura 22C); e o passo 4(Figura 22D), sendo necessário, desta vez, colar com cola quente a bexiga verdeque encapa o gargalo da garrafa, ou pintar o gargalo com tinta acrílica verde.

Cole as pétalas na parte superior do receptáculo de isopor. Após colar to-das as pétalas, faça dois furos distantes cerca de 1 cm um do outro e passe oarame encapado usado em embalagens de pão de fôrma, formando um arco(Figura 24).

Figura 24 Etapas da fi xação das pétalas e do arame encapado no receptáculo (ápice do hemisfério de isopor).

Pegue a outra bexiga verde e prenda seu fundo no arco de arame da parte su-perior do receptáculo, e, ao mesmo tempo, prenda a boca da bexiga azul infl adana parte inferior do receptáculo com auxilio do arame. Para facilitar a visualiza-ção, as pétalas não foram representadas nos esquemas abaixo (Figura 25).

Passe a mangueira pelo gargalo da garrafa e prenda sua extremidade nabexiga verde. Utilize a saliência formada pelo arame encapado para encaixara fl or no pedúnculo (gargalo da garrafa PET). Para isso o pedúnculo deve serfi xado em um ângulo de 45º, sustentando a fl or. A bexiga verde murcha deveser colocada no interior do gargalo da garrafa (Figura 26). Atenção, a fl or deve

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fi car solta, não cole a fl or no pedúnculo. Para facilitar a visualização, as pétalasnão foram representadas nos esquemas da Figura 26.

Figura 25 Etapas da fi xação do pedúnculo (bexiga verde) e do ovário (bexiga azul).

Figura 26 Modelo da fl or que originará um fruto pelo desenvolvimento do pedúnculo e do ovário, mostrando, à esquerda, como deverá ser posicionada e, à direita, que a fl or não deverá ser

colada ao pedúnculo (gargalo da garrafa).

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5.16.9 Modelo da fl or de ovário ínfero que originará um fruto pelo desenvolvimento

do receptáculo

Este modelo é o único que apresenta pétalas caducas, ou seja, pétalas quecaem no momento da formação do fruto. Por este motivo, é um dos modelosque mais impressiona a quem observa o processo.

Materiais:

Papel crepom grosso “creponzão” vermelho•fi ta adesiva transparente•pedaço de plástico de uma garrafa PET•ápice com gargalo de uma garrafi nha de água mineral de 510 ml•1 bexiga amarela, 1 bexiga de cor escura e 1 bexiga verde•1 balão para escultura•talco•mangueira transparente de 2,5 cm de diâmetro•

Montagem

Vire a bexiga amarela do avesso. Limpe essa bexiga e a bexiga de cor escuraretirando todo o talco existente, que normalmente vem com elas. Prenda umabexiga na outra utilizando fi ta adesiva (Figura 27a1). Desvire a bexiga amarela,de modo à bexiga de cor escura fi car no interior da primeira (Figura 27a2).

Infl e a bexiga de cor escura, com um volume sufi ciente para preencher ogargalo da garrafi nha de água, sem fi car muito apertado ou muito folgado. Dêum nó na bexiga escura (Figura 27a3) e amarre a bexiga para escultura, antesdo nó (Figura 27a4).

Coloque essa estrutura formada por bexigas no interior do gargalo da gar-rafa d’água. Cubra a extremidade recortada do gargalo da garrafa com fi ta ade-siva transparente, para que proteja a bexiga de possíveis pontas existentes. Façaum furo na bexiga verde e cubra, com essa bexiga, a região da garrafa apontadano esquema (a bexiga verde não está representada), sendo esse o pedúnculo

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(Figura 27b1). Prenda a boca da bexiga amarela na extremidade da mangueiracom fi ta adesiva transparente (Figura 27b2).

Figura 27 Etapas de montagem da fl or de ovário ínfero que originará um fruto pelo desenvolvimento do receptáculo e do ovário.

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Recorte 4 pétalas de papel crepom com cerca de 12 cm de comprimento(Figura 27c1). Recorte o plástico de garrafa PET em forma de “unhas”, com cer-ca de 1,5 cm de largura e 2 cm de comprimento (Figura 27c2). Cole as “unhas”na extremidade mais fi na de cada pétala, utilizando a fi ta adesiva transparente(Figura 27c3).

Passe talco no interior do gargalo e na superfície externa da bexiga ama-rela. Passe talco nas unhas depois de coladas nas pétalas. Acomode as pétalasentre a bexiga amarela e o gargalo da garrafa (Figura 27D). Atenção, somenteencaixe as pétalas, não as fi xe com cola. O talco diminuirá o atrito entre essasestruturas, possibilitando o movimento.

5.16.10 Modo de utilização dos modelos de fl ores que originarão frutos

Como dito anteriormente, todos os três modelos apresentados acima fun-cionam com o auxílio de uma bomba de ar. Para melhorar a apresentação,os modelos foram dispostos em um chapeleiro e as aberturas das mangueirascolocadas bem próximas umas das outras.

Após contar a história da polinização, com auxílio desses modelos descri-tos anteriormente, chega o momento de mostrarmos como ocorre a formaçãodas sementes e dos frutos. Já é sabido que os frutos têm a função de proteçãodas sementes e auxiliam na dispersão das mesmas. Na Figura 28 são apresen-tados os esquemas de como fi cam os modelos quando as bexigas são infl adase a seguir, na Figura 29, uma foto do modelo pronto, utilizado no dia de expo-sição. Os vídeos sobre o funcionamento dos modelos, durante essa exposição,podem ser visto em: http://www.youtube.com/watch?v=mA4MbzYrO18 (Par-te I) e http://www.youtube.com/watch?v=msdLyg6c1-4 (Parte II)

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Figura 28 Ilustrações de como fi carão os modelos, após serem infl adas as bexigas.

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Figura 29 Modelos de frutos apresentados no evento “Experimentando Ciência, a Biologia e seus fundamentos”: (1) Suporte com fl ores que permitirão simular o desenvolvimento de diferentes

estruturas, dando origem a diferentes tipos de frutos; (2) Desenvolvimento do ovário; (3) Desenvolvimento do pedúnculo e (4) Desenvolvimento do receptáculo.

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5.17 BIBLIOGRAFIA

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6A CÉLULA POR DENTRO:UMA ABORDAGEM DINÂMICA DO PROCESSO DA SÍNTESE PROTEICA

Daniel Bassetto Jesuino1

6.1 INTRODUÇÃO

Não há como falar de Biologia Celular, sem antes pensar em como esteramo da Ciência originou-se e desenvolveu-se até atingir o estágio atual.

Se observarmos o vocábulo “Ciência” no dicionário Merriam-Webster, ve-remos que Ciência é conhecimento sistematizado, derivado de observações eexperimentações realizadas para determinar os princípios envolvidos em de-terminado fenômeno.

Portanto, a Biologia Celular é o ramo da Ciência que sistematiza os co-nhecimentos derivados de observações e experimentações acerca das peque-nas estruturas, blocos constituintes de todos os seres vivos, hoje denomina-dos células.

Esses conhecimentos, assim como acontece em outras áreas da ciência, sãoexplicações para os fenômenos, com base nos resultados de experimentos, quepodem ser revistas, aprimoradas ou até mesmo substituídas, quando fatos no-vos surgem e exigem adequação. Esse processo dinâmico pode ser verifi cadopor meio dos registros históricos da Biologia Celular, que teve o seu início comos avanços tecnológicos em microscopia.

Em 1665, o inglês Robert Hooke, utilizou um conjunto bastante simples delentes de aumento e observou, em uma fi na camada de cortiça, um conjuntode alvéolos. Denominou cada um destes de “célula”, baseado na palavra latinacellula ou cella, que signifi ca pequena câmara. Na realidade, o que Hooke ob-servou foram as paredes das células mortas do tecido que forma a cortiça.

Dez anos mais tarde, o naturalista holandês Antoine van Leewenhoek, ob-servou em uma amostra de água de um lago organismos vivos que ele denomi-nou de micróbios. Na década de 30, século XIX, Robert Brown descreveu pela

1. Unesp, Agência Unesp de Inovação – 01049-010 São Paulo, SP, [email protected]

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primeira vez o núcleo celular, para no ano seguinte, 1831, constatar que esteera um componente constante e fundamental das células.

Contudo, foi somente em 1838, que a comunidade científi ca passou a seinteressar pelos micróbios de Leewenhoek e as células de Hooke, época em queo botânico Mathias Schleiden (1838) e o zoólogo Th eodor Schwann (1839)afi rmaram que as plantas e os animais eram constituídos de células. Estavaformulada a Teoria Celular e seus três postulados que dizem:

Todos os organismos vivos são compostos de uma ou mais células onde1. ocorrem os processos vitais de metabolismo e herança.As células são a unidade básica de organização de todos os organismos e 2. as menores porções dotadas de vida.Células surgem somente da divisão de outras células já existentes.3.

Estes postulados são válidos até hoje, embora ainda existam questões de-licadas para as quais não temos a devida compreensão, como acontece comos vírus e outros organismos sub-celulares que não se enquadram nesses trêspostulados, mas possuem estrutura molecular própria de ser vivo e/ou se com-portam como tal.

Embora seja possível que a vida tenha evoluído em uma atmosfera inorgâ-nica, rica em hidrogênio, é consenso entre os biólogos que células novas nãosurgem naturalmente nas condições atuais da atmosfera.

Os conhecimentos em biologia celular, infl uenciam os estudos nos diferen-tes ramos da biologia. Esses conhecimentos são indispensáveis à compreensãode inúmeros fenômenos, que envolvem os seres vivos e suas interações, desdeo mundo microscópico até as grandes populações de plantas e animais.

Ao longo da história várias contribuições foram essenciais à construção doconhecimento existente hoje.

Em 1890, Waldeyer comprovou que o processo fundamental na mitose, oudivisão celular igualitária, é marcado pela formação de fi lamentos nucleares osquais são reunidos em dois grupos iguais que acabam por integrar os núcleosdas células-fi lhas; Waldeyer denominou esses fi lamentos de cromossomos.

Sua contribuição foi um passo importante para a elucidação do meca-nismo de herança biológica, quando os botânicos Correns, Tschermack e De

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A célula por dentro: uma abordagem dinâmica do processo da síntese proteica | 165

Vries, em 1901, “redescobriram” as leis de Mendel (1865). Nessa época, foipossível compreender e explicar os mecanismos de distribuição das “unidadeshereditárias” postuladas por Gregor Mendel. A essa época já se sabia que emorganismos sexuados as células somáticas eram diplóides e as reprodutoras,ou gametas, eram haplóides, portanto, foi possível deduzir que o processo dameiose estava relacionado aos fenômenos hereditários.

Depois disso, as observações levaram à identifi cação de cromossomos di-ferentes em machos e fêmeas, fato que levou Mc Clung, entre 1901 e 1902, a su-gerir que a determinação do sexo estava vinculada a cromossomos especiais.

A Teoria Hereditária dos Cromossomos só foi formulada em 1903 pelo ge-neticista Walter Sutton, que infl uenciou James Watson e Francis Crick a proporo modelo de dupla-hélice para a estrutura do DNA cinqüenta anos depois.

Ao longo desse tempo outras contribuições favoreceram a compreensão deprocessos que ocorrem nas células, como foi o caso da descoberta das enzimas,pelos bioquímicos Eduard e Hans Buchner, em 1897, estudando a fermentação.

No início da década de 50, século XX, o primeiro microscópio eletrônicofoi utilizado para fi ns biológicos na Alemanha. Ele permitiu um aumento dasestruturas estudadas em 100.000 vezes, o que levou à visualização e descober-ta das organelas e de estruturas como a membrana plasmática, mitocôndrias,plastídios etc.

A Teoria de Sutton e o modelo de Watson&Crick constituiram os primei-ros passos para elucidar os mecanismos e processos celulares, como a duplica-ção e transcrição do DNA, que, aliados à decodifi cação do código genético em1968, tornaram possível o entendimento da síntese protéica e impulsionaramos estudos atuais em biologia celular e molecular.

Hoje é difícil encontrar uma linha de pesquisa em ciências biológicasque não se utilize dos conhecimentos em biologia celular e molecular, ge-rados ao longo desses anos. As pesquisas mais recentes envolvendo doençascomo câncer, AIDS, doenças neurodegenerativas, doenças cardiovasculares,pesquisas com células-tronco, produção de novos medicamentos e vacinas,prevenção de doenças genéticas, criação e desenvolvimento de novas formasde produção de alimentos e energia são apenas alguns exemplos da aplicaçãodesses conhecimentos.

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6.2 O AMBIENTE CELULAR

Ao estudar o ambiente celular e suas estruturas temos a impressão equivo-cada de que ele é estático. Isto não é correto, visto que a célula é uma estruturadinâmica. Nela, a todo instante, vesículas entram e saem, íons atravessam amembrana, moléculas são geradas e consumidas, substâncias complexas sãodigeridas, componentes velhos são reciclados e energia é gerada para, no ins-tante seguinte, ser consumida.

Todos os processos envolvidos na manutenção da célula, e de seu ciclode vida, ocorrem ao mesmo tempo em regiões distintas, mas comunicam-seconstantemente e interagem por meio de processos simples e complexos, emlongas cascatas de reações bioquímicas ou simples quebra de moléculas.

6.3 ORGANELAS: PEQUENOS ÓRGÃOS DE UMA ESTRUTURA PERFEITA!

Para entendermos o funcionamento de uma célula precisamos antes sabercomo ela é constituída. A maioria de seus componentes não pode ser visuali-zada por técnicas de microscopia óptica comuns, o que difi culta ainda mais asua compreensão e elaboração de modelos explicativos. Porém, hoje em dia, jádispomos de potentes microscópios e técnicas sofi sticadas que têm permitidoconsideráveis avanços.

A membrana plasmática é a estrutura que delimita o ambiente interno (intra-celular) e externo (extra-celular) de uma célula. Ela é uma estrutura complexacomposta de moléculas de lipídeos, proteínas e açucares uma característica mui-to importante que é a permeabilidade seletiva. Esta característica permite que so-mente algumas substâncias muito pequenas e as lipossolúveis tenham passagemlivre pela membrana. Substâncias maiores penetram nas células através de canaise transportadores, ou seja, proteínas com funções especiais de transporte.

O citoesqueleto, constituído por uma trama de proteínas está distribuídopelo citosol e em contato com a membrana plasmática. Sua função é dar sus-tentação e forma à célula, transportar vesículas de uma região para outra e per-mitir a locomoção de algumas células. Substâncias podem ser transportadaspor vesículas, delimitadas por membranas ligadas ao citoesqueleto.

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A parede celular é um componente encontrado em bactérias, algas e cé-lulas vegetais. É uma estrutura rígida localizada externamente à membranaplasmática e pode ser formada por diferentes materiais tais como açúcares eproteínas, conferindo proteção e rigidez à célula.

A maioria das funções e reações bioquímicas dentro da célula, como ageração de energia, a síntese de novos componentes e a digestão, ocorre nasorganelas celulares que são: o núcleo celular, as mitocôndrias, os ribossomos,o aparelho de Golgi, o retículo endoplasmático liso (REL), o retículo endoplas-mático rugoso (RER), os lisossomos, os centríolos, os cloroplastos, os vacúolose os peroxissomos.

O núcleo celular funciona como uma biblioteca onde estão armazenadastodas as informações para o funcionamento da célula, dos tecidos e de todoorganismo! Essas informações estão contidas no material genético.

O material genético de todos os organismos vivos é composto de lon-gas moléculas de ácido desoxirribonucleico (DNA, sigla em inglês mais co-mum, ou em português ADN), com 2 nm de espessura (dois bilionésimosde metro). O núcleo é delimitado por uma membrana dupla semelhanteà membrana plasmática, denominada carioteca. No seu interior o mate-rial genético está imerso em um fl uido denominado de nucleoplasma. Acarioteca possui vários poros que permitem a troca de informação com orestante da célula. Em bactérias não há carioteca e o material genético fi camergulhado no citosol.

Comparando uma célula com uma cidade grande, as mitocôndrias seriamsuas centrais elétricas, onde ocorre a geração de energia que será distribuídapara os diversos pontos de consumo. Por isso, as mitocôndrias são essenciais emuito numerosas em células com alta atividade e pouco numerosas em célulascom baixa atividade.

É comum observarmos uma concentração maior de mitocôndrias nos lo-cais onde a célula mais necessita de energia, encurtando a distância e o tempoentre a geração e o consumo. Essa organela possui um DNA próprio, DNAmitocondrial (mDNA), que se duplica por um processo independente da du-plicação celular. Isso lhe confere uma independência parcial, sugerindo umasimbiose entre ela e a célula.

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Os ribossomos são pequenas organelas compostas de ácido ribonucléico(RNA) e proteínas. Encontram-se dispersos pelo citosol, ou associados ao re-tículo endoplasmático, que recebeu o nome de Retículo Endoplasmático Ru-goso (RER). Livres ou adensados ao retículo, os ribossomos são vitais parao processo de síntese proteica. Embora muito pequenos, os ribossomos sãoformados por duas partes: uma subunidade maior e uma subunidade menor.

O aparelho de Golgi tem esse nome porque homenageia o médico e bió-logo italiano Camillo Golgi, que usando impregnação de prata em cortes detecido observou coloração negra em forma de retículo ao redor de núcleos decélulas nervosas, que denominou “Aparato Reticular”. Este aparelho é formadopor uma pilha de pequenos sacos membranosos e vesículas que brotam daspilhas e se deslocam. Sua função é modifi car e fi nalizar as proteínas de expor-tação e lisossomais produzidas pela célula.

O REL e o RER são porções distintas de uma mesma organela e são forma-dos por um conjunto de ductos e canais, delimitados por membranas, algumasbrotando diretamente da membrana nuclear externa.

Diferentes do RER, nas membranas do Retículo Endoplasmático Liso(REL) não há a síntese de proteína, mas a síntese dos lipídeos que compõemas membranas celulares. Também o REL trabalha na desintoxicação do or-ganismo, em célula de órgão específi co, por ação de enzimas especiais quetornam as substâncias tóxicas mais solúveis em água e, portanto, mais fáceisde serem eliminadas. Outra função importante do REL acontece nas célulasdo fígado e rins, denominada glicogenólise, que é o processo de obter glicosea partir de glicogênio, por ação de uma enzima específi ca localizada no REL:a glicose-6-fosfatase.

Os lisossomos contêm enzimas hidrolíticas que quebram diferentes mo-léculas em pH baixo (meio ácido). Moléculas ingeridas pela célula ou perten-centes a organelas da própria célula que precisa ser destruída, acabam che-gando ao lisossomo onde são degradadas até seus produtos fi nais, tais comoaminoácidos, açúcares e nucleotídeos, que são devolvidos ao citoplasma paraserem reaproveitados para a produção de novas moléculas.

Os peroxissomos possuem enzimas que utilizam o oxigênio molecular paraoxidar (remover átomos de hidrogênio) substratos orgânicos, e cuja reação

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produz água oxigenada. Como essa substância é tóxica à célula o peroxissomopossui também a enzima catalase que converte a água oxigenada em água eoxigênio. Uma função principal do peroxissomos é o processo de β-oxidaçãoresultando na quebra de longas cadeias de ácidos graxos em blocos com doisátomos de carbono, produzindo acetil-CoA, que pode penetrar na mitocôn-dria e participar da síntese de Adenosina Trifosfato (ATP).

Nem todas as organelas estão presentes em todas as células. Os centríolossão exemplos de organelas exclusivas de animais enquanto os cloroplastos sãoencontrados apenas nos vegetais.

A função dos centríolos ainda não está defi nida apesar de muitos estudosem andamento, embora já saibamos que eles estão envolvidos na divisão celu-lar, o processo pelo qual uma célula dá origem a duas células-fi lhas.

Já os cloroplastos são organelas importantes por serem responsáveis pelaconversão da energia luminosa vinda do sol em energia química durante oprocesso de Fotossíntese.

Sabemos que o surgimento de seres capazes de produzir seu próprio ali-mento foi um grande passo na evolução da vida na Terra (ver capítulo 2),e que esse avanço possibilitou o desenvolvimento posterior de organismosheterotrófi cos.

Uma outra estrutura encontrada em todas as células é o vacúolo, bastantedesenvolvido e visível ao microscópio óptico, nas células vegetais. Nestas cé-lulas ele chega a ocupar mais da metade do citosol e além de ser responsávelpelo equilíbrio entre a quantidade de íons e água no citosol e no meio exter-no, também mantém a membrana plasmática distendida. Bastante versátil, ovacúolo da célula vegetal acumula nutrientes, metabólitos e pode constituirdepósitos de substâncias específi cas da espécie, como proteínas, látex, ópioou substâncias tóxicas e de sabor desagradável que protegem as plantas deseus predadores. Pode também funcionar como os lisossomos das célulasanimais.

Em células animais há vacúolos pequenos com funções diversas comoaquelas formadas pela endocitose. Em alguns protozoários, por exemplo, osvacúolos podem ter a capacidade de pulsar ou de se contrair para facilitar aregulação osmótica.

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6.4 SÍNTESE PROTEICA: POR QUE ESTE PROCESSO É TÃO IMPORTANTE?

Talvez a resposta para esta pergunta esteja no fato de que a produção deproteínas seja o meio pelo qual as informações contidas no material genéticosão transmitidas para outras regiões da própria célula, para o ambiente externoa ela e às outras células.

O processo é encontrado em todas as células vivas conhecidas até o mo-mento e em todas elas ocorrem os mesmos princípios básicos, diferindo ape-nas na complexidade das enzimas e de outros componentes envolvidos. É uti-lizando a síntese protéica que uma bactéria gera outra, que um protozoário semovimenta, que um músculo se contrai e que as células nervosas se comuni-cam para comandar o organismo.

A síntese proteica inicia-se no núcleo, quando a informação da constitui-ção da proteína que será produzida é selecionada no material genético. A por-ção do DNA que contém a informação da proteína a ser sintetizada é expostano emaranhado do material genético.

O DNA é formado por duas fi tas paralelas retorcidas conectadas por meiode ligações químicas denominadas de pontes de hidrogênio, em um arranjotridimensional denominado de modelo de dupla hélice.

Cada fi ta de DNA é formada por nucleotídeos, cada qual constituídopor um açúcar, a desoxirribose, um grupamento fosfato e uma base nitro-genada. Existem quatro tipos diferentes de bases nitrogenadas no DNA: aadenina, a timina, a citosina e a guanina. Estas bases formam pares quemantêm a molécula de DNA intacta e são a chave para a compreensão docódigo genético. A adenina pareia-se com a timina (A+T) e a citosina coma guanina (C+G).

No local com a informação da proteína desejada, a fi ta de DNA é expostae enzimas específi cas desfazem as pontes de hidrogênio, separando as fi tas deDNA e expõem uma seqüência de bases nitrogenadas para servirem de mo-delo à produção de uma molécula de ácido ribonucléico (RNA), denominadaRNA mensageiro (mRNA). Esta molécula é muito semelhante à do DNA, dife-rindo no tipo do açúcar, que neste caso é a ribose, na estrutura geral que é emfi ta simples e na ausência da base timina, substituída pela uracila.

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A produção do mRNA, processo este denominado de transcrição, acontecepor ação de outra enzima, que se liga à seqüência de nucleotídeos do DNA, pa-reando nucleotídeos de acordo com o padrão de combinação (A+U e C+G).

A função do mRNA é a de selecionar a informação contida no DNA e levá-lo até os ribossomos, organelas responsáveis pela “leitura” da informação con-tida e produção da proteína. Vale lembrar que a “mensagem” transmitida pelomRNA não é modifi cada, ela é apenas escrita de maneira diferente, utilizandoa uracila no lugar da timina, para que possa ser transportada pelos poros dacarioteca até os ribossomos.

Ao sair do núcleo o mRNA se dirige aos ribossomos onde se insere entre asduas subunidades e expõe, em um local próprio dentro da subunidade maior,uma seqüência de três bases, o códon.

No citosol, existem outras moléculas de RNA, cuja função é a de transpor-tar aminoácidos (AA), ou seja, a matéria-prima das proteínas. Em razão de suafunção, estas moléculas foram denominadas de RNA transportadores (tRNA). OstRNAs possuem uma seqüência de três bases nitrogenadas complementares aosdiversos códons do código genético, o anti-códon. Isto permite que cada transpor-tador, carregando um aminoácido específi co, se ligue ao códon correspondente.

Após a exposição do códon na subunidade maior do ribossomo, um tRNAtrazendo um AA pareia seu anti-códon ao códon exposto. Em seguida, a subu-nidade maior se desloca sobre o mRNA expondo mais um códon, mas não li-berando o primeiro tRNA. Um segundo tRNA carregando mais um AA, pareiacom o segundo códon exposto ocorrendo a primeira ligação entre os AA. Estaligação é denominada de ligação peptídica e dá início à proteína propriamentedita. Em seqüência o primeiro AA se desliga do tRNA, a subunidade maior sedesloca novamente expondo o terceiro códon e o primeiro tRNA é liberado doRibossomo para o citosol. Esta sequência de reações ocorre sucessivamente atéque o mRNA exponha o códon de parada, cuja seqüência não indica nenhumAA, mas sinaliza o fi nal da proteína.

Esse processo é chamado de Tradução, ou seja, a mensagem transcrita emnucleotídeos do mRNA, é traduzida em uma seqüência de aminoácidos. Atradução ocorre da mesma maneira para produzir polipeptídeos ou proteínasgrandes com 300, ou 500 aminoácidos.

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Todavia, a seqüência polipeptídica recém sintetizada nem sempre corres-ponde à seqüência de proteína funcional. As sintetizadas ao nível do RER, ne-cessariamente passarão pelo aparelho de Golgi antes de chegarem ao destinofi nal. No Golgi sofrerão vários processos desde a quebra da molécula até glico-silação, sulfatação e acetilação de seus aminoácidos.

Nem sempre as seqüências de aminoácidos formam uma proteína. Muitasproteínas necessitam de transformações no aparelho de Golgi para que todas asmodifi cações de sua estrutura sejam realizadas e, assim, elas possam exercer suafunção dentro da dinâmica celular. A seqüência de aminoácidos pode sair em umavesícula do RER ou ser transportada pelo citosol até o aparelho de Golgi. As trans-formações mais comuns no aparelho de Golgi são a adição de moléculas comoaçúcar e lipídeos, além de mudanças na forma tri-dimensional da seqüência.

6.5 EXPERIMENTANDO UMA IDEIA

6.5.1 Criatividade, trabalho e educação

Todo esse dinamismo celular não é fácil de ser observado e mais difícilainda é demonstrá-lo em sala de aula, visto que os recursos didáticos mais co-muns ou são os modelos planos encontrados nos livros, ou são as preparaçõeshistológicas permanentes, utilizadas para observação de células e tecidos, que,para serem confeccionadas necessitam de fi xadores e corantes, que matam ascélulas e as deixam igualmente estáticas e planas.

Para abordar esses assuntos de forma simples e signifi cativa propusemo-nos a construir um modelo que representasse uma célula inteira com todaa sua dinâmica e que permitisse aos visitantes compreender o conjunto dosprocessos celulares.

Entretanto, ao iniciar o planejamento, deparamo-nos com o seguinte pro-blema:

- Como representar a dinâmica dos processos celulares, se estes são inú-meros e complexos?

Para resolver esta questão decidimos enfocar apenas um processo, que en-volvesse vários segmentos da célula e que fosse indispensável ao seu funciona-

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mento. Também nos atentamos para o fato de que tal processo ocorresse emtodas as células de forma semelhante. Foi neste contexto que escolhemos oprocesso de Síntese Proteica, descrito anteriormente.

Assim, defi nido o tema, o próximo passo foi entender detalhadamente osprocessos e pensar em maneiras de representá-los. Foi então que tivemos aideia, dentro de um turbilhão criativo, de permitir que o visitante adentrasse omodelo para com ele interagir, conduzindo os processos.

Toda a ambiência foi pensada com base nas percepções e no imaginário daequipe sobre o interior de uma célula. A criação de um ambiente com poucaluminosidade permitiria o uso de um jogo de luz e sombra que facilitaria acomposição do cenário e serviria de guia, dentro dela, permitindo ao visitante,explorar os processos envolvidos na Síntese Proteica. Pensamos, também emdar condições para que o visitante pudesse explorar, com certa liberdade, astexturas e cores do ambiente, sem que tivesse que ser obrigatoriamente guiadopor um monitor.

Sabíamos que não seria viável, nesse momento, criar modelos interativospara todos os componentes da célula, visto que eles são muitos e nem todosestão envolvidos no processo de síntese protéica. Entretanto esses componen-tes existem, por isso, decidimos utilizar uma célula eucarionte animal comomodelo e determinamos quais organelas seriam construídas para a interaçãocom o visitante e quais apenas fariam parte do ambiente.

Pensamos também que seria necessário preparar os visitantes para queentrassem no ‘clima’ dessa ideia antes de iniciar a jornada pelo interior domodelo. Para isso, planejamos uma ante-sala, onde faríamos um breve res-gate de conhecimentos básicos de Citologia e apresentaríamos um vídeo ex-plicativo que, além de auxiliar na compreensão dos processos, excitasse oimaginário infanto-juvenil com uma história arrojada e intrigante. Foi entãoque escrevemos e gravamos em vídeo, o processo de “criação” de uma célulacom proporções gigantes, por uma equipe de cientistas extravagantes, nosquais nós nos transformamos para a encenação (veja o item “Filmando umaequipe muito louca”).

O planejamento foi crucial, para tentar evitar e transpor os muitos obstá-culos que surgem durante o processo construtivo. Todo o modelo foi discutido

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detalhadamente antes do início da produção, e, visualizando as diversas fases doprocesso construtivo, formulamos esquemas, desenhos e descrições. A estruturageral e disposição das organelas é um exemplo que pode ser visto na Figura 1.

Figura 1 Diagrama da estrutura geral do modelo da célula gigante com a disposição das organelas no seu interior e localização da sala de recepção dos visitantes. (A) Entrada da ante-sala; (B) entrada do modelo; (C) Saída do modelo; (1) trajeto de entrada ao modelo; (2) Mitocôndria;

(3) Núcleo celular; (4) Ribossomo; (5) Aparelho de Golgi; (6) Membrana plasmática e (7) aparelhoaudiovisual. Escala 1:50 cm.

Também se fez necessário pensar nos materiais utilizados, afi nal, nossoobjetivo era fazer com que o modelo pudesse ser reproduzido em qualquer lu-gar, a baixo custo e baixa geração de resíduos, ou seja, reciclar era a palavra deordem. Planejamos um ambiente de 16m2, que pudesse ser facilmente trans-portado e cuja montagem não levasse mais do que três dias.

Olhando de fora deveria ser impossível saber o quê havia e acontecia nointerior do modelo. Esperávamos que os sons e ruídos, produzidos no interiorda célula, despertassem a curiosidade dos visitantes.

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6.5.2 Uma célula começa a funcionar

Logo ao chegar, os visitantes eram conduzidos à ante-sala, em grupos dedez pessoas, onde passavam pela preparação, assistindo ao vídeo e responden-do às perguntas dos monitores. Ao fi nal do vídeo, dois visitantes eram solicita-dos a entrar na célula portando representações de uma molécula de Glicose ede um átomo de Oxigênio, sem saber o que fariam com eles.

Ao entrar os visitantes encontravam um ambiente com pouca luminosida-de, onde somente a Mitocôndria podia ser visualizada. Isto fazia com que osvisitantes se dirigissem diretamente a ela. Ali o monitor os indagava sobre oque estavam vendo e qual era a função daquele componente.

Quando os visitantes se familiarizavam com a Mitocôndria, o monitor ex-plicava que o “combustível” para a célula não chegava pronto para uso. Por isso,ele solicitava que o portador da glicose, “quebrasse” a molécula, separando-aem duas metades, cada qual representando uma molécula de piruvato.

Em seguida, o monitor solicitava aos portadores das moléculas de oxigênioe de piruvato, que as colocassem nas aberturas correspondentes e observassematentamente os respectivos acontecimentos.

Ao colocar a molécula de piruvato e a de oxigênio no interior da Mitocôn-dria, os voluntários ativavam a via de obtenção de energia da célula. Comoconseqüência, todas as luzes do ambiente eram acesas sugerindo a ativaçãoda célula, e a mitocôndria iniciava a liberação de bolhas, que simulavam aprodução de Gás Carbônico resultantes do processo de oxidação fosforilativa(Figura 2).

Com o funcionamento da célula ativado, o monitor chamava a atençãodos visitantes para as mudanças provocadas no ambiente e os encaminhava aoNúcleo Celular, onde novo resgate de conhecimentos era realizado.

Os visitantes podiam observar a estrutura do material genético disperso nonúcleo e a composição da molécula de DNA. Neste ponto o monitor fazia umabreve explanação sobre como a mensagem do código genético era decifradapela célula. Solicitava, então, aos visitantes, que confeccionassem um mRNAa partir de uma das fi tas de DNA, utilizando os nucleotídeos disponíveis nonúcleo (Figura 3).

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Figura 2 Vista frontal do modelo da mitocôndria em funcionamento no evento Experimentando Ciência. As setas indicam a área acesa (sinal de funcionamento da organela) com bolhas de ar que

representam o CO2 liberado na respiração celular.

De posse da mensagem no mRNA, os visitantes eram orientados a buscarpelo ribossomo, que é o componente celular responsável pela decodifi caçãoou ‘leitura’ da mensagem. Nele, o RNA mensageiro (mRNA) era encaixadoentre as duas subunidades para que sua mensagem pudesse ser decodifi cada.O monitor explicava como a mensagem era ‘lida’ pelo ribossomo, mostrandocomo eram expostos os códons e solicitava aos visitantes que encontrassemo RNA transportador (tRNAs) correto para aquele códon, que se encontravapendurado entre muitos outros ao redor da organela (Figura 14). Cada tRNAestava ligado a um aminoácido e somente um tRNA possuía as bases comple-mentares formando o anti-códon, que se encaixaria no códon exposto.

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Figura 3 Interior do núcleo: Detalhe das fi tas de DNA abertas e o mRNA complementar entre elas.

Figura 4 Ribossomo: Interior evidenciando o códon do mRNA acoplado ao anti-códon do tRNA.

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O tRNA era encaixado (Figura 4) e, em seguida, o monitor expunha outrocódon para que os visitantes encontrassem o segundo tRNA. Com a ligação dosegundo tRNA carregando o segundo aminoácido, os visitantes eram orientadosa fazer a primeira ligação peptídica da proteína em formação, ligando os doisaminoácidos. Quando o terceiro códon era exposto, o primeiro tRNA era desli-gado do mRNA, e o aminoácido era liberado. O quarto e último códon levava aum tRNA que não possuía um aminoácido, sinalizando o fi nal do processo.

De posse da seqüência de aminoácidos, e antes de prosseguirem, os vi-sitantes ouviam uma breve explicação sobre a realidade do processo celular,esclarecendo que as proteínas produzidas pelas células tinham muitos amino-ácidos, mas que eram produzidas da mesma forma que aquela, e que a sequên-cia de aminoácidos, que eles tinham em mãos, ainda precisaria ser fi nalizada eempacotada para que pudesse exercer sua função.

Nesse momento, então, os visitantes dirigiam-se ao aparelho de Golgi parafi nalizar a proteína. Instruídos pelo monitor, eles colocavam a sequência deaminoácidos no interior do aparelho de Golgi e recebiam informações sobre ofuncionamento daquela organela. Em seguida eles retiravam a vesícula (pro-teínas envoltas em membrana) do aparelho de Golgi e eram orientados a ob-servar as mudanças ocorridas na seqüência de aminoácidos, agora modifi cadapara exercer a função de proteína (Figura 5).

Figura 5 Representação da Vesícula contendo a proteína modifi cada pelo aparelho de Golgi.

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De posse da vesícula, os visitantes dirigiam-se ao último componente inte-rativo do modelo, a membrana plasmática. Nela eram informados sobre o seutamanho e que, mesmo que pudéssemos enxergar as organelas, não seria pos-sível enxergar a membrana plasmática daquela forma. Os visitantes podiamobservar os diversos componentes da membrana e realizar a fusão da vesícula,que tinham em mãos, com a membrana.

O monitor informava aos visitantes que a função da proteína produzidanesse processo era a de fazer parte da membrana plasmática, que a viagempela célula gigante terminava ali, e que eles podiam explorar o ambiente e tirardúvidas com os monitores.

6.5.3 Uma célula-gigante emerge do papel

A construção do modelo de célula-gigante foi totalmente manual e utili-zando-se, sempre que possível, materiais reciclados e de baixo custo.

A estrutura do modelo de célula gigante, um paralelepípedo com lados de4m por 2m de altura, foi confeccionada em tubos e conexões de PVC, dessesencontrados em lojas de materiais para construção, com arestas secundárias(AS) de bambu, cortado ao meio no sentido longitudinal, de 2m de altura acada uma das faces da estrutura, com espaçamento de 1,30m a partir das ares-tas principais (APs) conforme esquema apresentado na fi gura 6.

Figura 6 Estrutura do modelo. (A.P.) Arestas principais de PVC.; (T.S.) Travessas secundárias de bambu; (A e B) travas de 45º.

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Figura 7 Estrutura do modelo antes do acabamento com TNT. As paredes de papelão estão representadas em cor cinza.

No teto do modelo, utilizamos duas varas de bambu, de aproximadamente5,80m, cortadas ao meio no sentido longitudinal e dispostas nas duas diago-nais, formando um ‘X’. Nos ângulos do lado superior esquerdo foram coloca-das travas de bambu de aproximadamente 1,80m de comprimento, afi xadasem ângulo de 45º. Estas serviram de suporte para fi xar o Ribossomo e o apare-lho de Golgi. Todas as varas de bambu foram fi xadas no PVC com parafusos,sendo que com as ASs fi xadas de forma alternada na face interna e externa dostubos superior e inferior.

Para compor as paredes do modelo, confeccionamos dez placas de papelãoreciclado, sendo quatro de 1,40m X 2,0m e seis de 1,30m X 2,0m. As placasforam construídas utilizando embalagens de papelão, fi xadas com fi ta adesivae cola quente. Dois espaços de 1,30m X por 2,0m foram deixados abertos paracompor a entrada e a saída do modelo (Figura 7). Em cada um dos vértices doteto, foram fi xadas amarras de fi o de Nylon® de 0.40mm de diâmetro para darmaior estabilidade ao modelo.

O sistema elétrico do modelo foi composto por dois circuitos elétricos in-dependentes (Figura 8) sendo que o primeiro alimentaria os equipamentos deáudio e vídeo localizados na ante-sala, a lâmpada de luz negra acima da mito-côndria e os ventiladores utilizados no interior, e o segundo circuito, acionaria

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as luzes internas e a interatividade das organelas. A fi ação foi fi xada nos tubosde PVC e nas varas diagonais do teto com fi ta adesiva.

Figura 8 Diagrama dos circuitos elétricos. (M e R) Mitocôndria e Ribossomo; (*) tomada localizada junto ao chão.

Para compor o ambiente de baixa luminosidade, toda a face externa daestrutura foi coberta com TNT de cor preta, minimizando a entrada de luzambiente. Na face interna, a texturização foi feita com TNT vermelho. A uti-lização da cor vermelha foi devido ao consenso entre o grupo de que umacélula animal estaria em constante contato com o sangue e isto faria com queseu interior fosse vermelho. Claro que esta foi somente uma opção dos autorespara a representação do interior da célula visto que é impossível afi rmar a realcoloração do interior de uma célula animal.

A confecção do chão do modelo foi realizada utilizando jornal amassado eespuma de polipropileno (espuma comum) cobertos com TNT vermelho para

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permitir uma textura macia ao andar, contribuindo para a ideia de que umacélula não teria seu interior rígido e uniforme.

Para completar a cenografi a e as ideias do interior de uma célula animalcolocamos quatro lâmpadas vermelhas de 25W de potência em cada um dosvértices internos superiores. As lâmpadas foram fi xadas na estrutura de PVCcom arame grosso, de forma a permitir a movimentação do bocal e mantercerta distância do TNT de revestimento interno, evitando aquecimento domesmo. Também colocamos dois pontos de luz de 100W, posicionados nomeio das paredes frontal e traseira, encostados na face interna.

Os pontos de luz foram confeccionados colocando bocais de lâmpadacomuns em latas de mantimentos com a face externa pintada de preto. Naabertura superior foram colocados “chapéus” de papel cartonado grosso, comfi ltros de papel Crepon vermelho. A Figura 9 mostra a disposição das luzes doambiente interno.

Figura 9 Distribuição das luzes no ambiente interno. O detalhe (à esquerda) mostra a confecção dos pontos de luz de 100W. a) lata de alumínio ou latão; b) lâmpada comum; c) “chapéu” de

papel cartonado; d) Filtro de papel Crepon®.

Para permitir as trocas de ar entre o ambiente interno e externo do mode-lo, foram criadas saídas de ar no teto. Cada uma delas foi feita com pequenoscilindros de papel cartonado cobertos, em uma extremidade, com TNT pretopara evitar a entrada de luz. Acima das quatro lâmpadas vermelhas, foramcolocadas saídas feitas com anéis de PVC de cerca de 10cm de diâmetro (4 po-legadas) cobertos com TNT preto. No interior do ambiente, foram utilizadosdois ventiladores cobertos com TNT vermelho, para forçar a circulação de ar.

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6.5.4 Criando organelas

Os componentes celulares que foram construídos para a interação com ovisitante foram: mitocôndria, núcleo celular, ribossomo, aparelho de Golgi emembrana plasmática. Estes possuíam mecanismos internos ou externos quepermitiam ao visitante realizar a função daquela organela ou observar mudan-ças no ambiente, devido ao funcionamento da mesma.

Os demais componentes foram confeccionados para compor a cenografi ado modelo, sendo eles: lisossomos, citoesqueleto, retículo endoplasmático lisoe rugoso, mitocôndrias e ribossomos em tamanho menor e centríolos.

A representação da molécula de glicose era simplesmente uma bola de si-nuca envolta em três camadas de bexigas de festa. Bolas de vidro (bolinha-de-gude) azuis se tornaram as representações dos átomos de oxigênio.

A mitocôndria era composta de duas partes: a parte externa e o mecanis-mo interno. Para a confecção da parte externa, foi utilizado um bloco de es-puma de 70cm X 45cm X 15cm que foi esculpido com a utilização de tesourase lâminas de bisturi. Inicialmente, o bloco de espuma foi riscado com canetapara escrita em tecido, utilizando como modelo uma eletromicrografi a de umamitocôndria. O desenho foi realizado de forma a aparentar um corte superfi -cial em sentido longitudinal.

Em seguida as bordas foram aparadas com tesoura e o compartimentointerno da mitocôndria foi esculpido com a lâmina de bisturi. Para o acaba-mento fi nal, pintamos com três camadas de uma mistura de tinta para tecido,cola branca escolar e tinta acrílica, em menor proporção. A face externa damitocôndria foi pintada de alaranjado e a face interna, de azul cobrindo porcompleto as linhas-guia da escultura.

O mecanismo interno de funcionamento da mitocôndria foi montado emuma caixa de papelão de 70cm X 45cm X 30cm. No interior foram colocadosum aquário de 10cm X 7cm X 3cm, uma bomba de aeração de aquários, umacanaleta, com obstáculos, de 25cm e um tubo de PVC de 4 polegadas.

A extremidade superior do tubo foi cortada em ângulo de 60° enquantoque na extremidade inferior foi afi xado um interruptor de fase elétrica. Umaabertura retangular foi cortada a 5cm da extremidade inferior. Esta abertura

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permitia a recuperação do “piruvato” e desligamento do sistema elétrico ligadoao interruptor de fase (Figura 10).

Figura 10 Mitocôndria. À frente, mecanismo de acionamento do sistema elétrico, por meio da bola de bilhar. Ao fundo, canaleta com pequenos segmentos de madeira, por onde a bolinha de

gude passa produzindo efeito sonoro.

O aquário foi colocado em um suporte de madeira de 15cm de altura, fi xadona parede da caixa de papelão com fi ta adesiva. Dentro dele foi colada uma man-gueira de silicone com uma extremidade vedada e outra ligada à bomba. Na par-te da mangueira que fi cou dentro do aquário, fi zemos pequenos furos por ondesaíram as bolhas de ar representando a geração de Gás Carbônico. Um corte nacaixa de papelão e duas aberturas no bloco de espuma permitiam que as bolhasfossem vistas. Para esconder o mecanismo, as faces laterais e traseira do aquárioforam envoltas em papel laminado (“papel-alumínio” comum) e um anteparo foicolocado na lateral direita. A água do aquário foi colorida com corante de anilinaazul diluída até que a cor estivesse próxima a da espuma.

Precisamos instalar uma lâmpada branca de 25W acima do aquário para me-lhor visualização das bolhas e uma lâmpada de luz ultra-violeta (luz-negra) foi afi -xada acima da caixa de papelão permanentemente ligada para guiar os visitantes.

Para construir o núcleo celular foram necessários uma mesa plástica redon-da, de 1m de diâmetro, mangueiras de borracha de uma polegada, utilizadas emconstrução civil, conexões próprias para as mangueiras, arame grosso, isopor,lâminas de Espuma Vinílica Acetinada (EVA) colorida, Velcro®, cartolina azul epreta, fi ta adesiva, papelão, palitos para espetinhos, fi os de cobre e TNT roxo.

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Fizemos dois anéis de 1m de diâmetro com as mangueiras de borracha,utilizando as conexões e arame grosso. Em seguida, montamos a mesa plás-tica e colocamos os anéis perpendicularmente, de modo que formassem um“X” acima da mesa e que pudessem ser fi xados aos pés da mesma. Fixamos asmangueiras à mesa com arame grosso e fi ta adesiva.

Com os anéis bem presos à mesa, fi zemos, com arame grosso, vários anéisparalelos ao tampo, permitindo, assim, a formação do corpo da esfera. A fi a-ção que alimentou as lâmpadas internas do núcleo celular foram fi xadas nestaetapa. Foram utilizadas três lâmpadas azuis sendo uma de 25W e duas de 7Wfi xadas com arame nas mangueiras de borracha, sendo que a de 25W fi coubem ao centro e as duas de 7W colocadas à altura dos olhos.

A estrutura foi coberta por duas camadas, uma interna e outra externa, deTNT Roxo, cobrindo o tampo da mesa e deixando apenas 1/8 da esfera totalsem cobertura. Esta abertura permitiu a manipulação dos componentes dointerior do núcleo como um tabuleiro de jogos. Círculos de cartolina pretaforam colados com cola quente ao redor da face externa para representar osporos nucleares.

Em paralelo à construção do núcleo celular, foram construídas peças re-presentativas dos nucleotídeos com isopor e EVA colorido. Este mesmo mode-lo foi aplicado aos nucleotídeos que compuseram a fi ta de DNA aberta dentrodo núcleo celular, os nucleotídeos formadores do mRNA e os anti-códons dostRNAs. Para fi ns didáticos, foram omitidos os demais componentes do nucle-otídeo, sendo representada somente a base nitrogenada.

As bases nitrogenadas eram peças com uma base retangular, encaixe e co-res específi cos para cada base. Elas foram confeccionadas em dois jogos com-plementares, sendo um com ponta triangular e sulco triangular e outro componta quadrada e sulco quadrado.

As peças foram construídas em isopor de 30mm de espessura e envolvidascom EVA colorido, colado com cola instantânea. Na região do encaixe e nabase foi fi xado Velcro® para permitir um encaixe estável no suporte de mRNA.A Figura 11 mostra as bases em detalhes.

Também foram confeccionadas as peças que formaram a porção abertada fi ta de DNA do núcleo celular e que fi caram imóveis. Nestas peças não foi

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utilizado Velcro®, entretanto, todas tiveram que ser furadas longitudinalmentepara a passagem de arame.

Figura 11 Representações das bases nitrogenadas. (T) timina; (A) adenina; (C) citosina e (G) guanina; as superfícies em preto foram cobertas com Velcro®

Para permitir a construção do mRNA pelos visitantes e conseqüentetransporte até o ribossomo, construímos um suporte de papelão e palitospara espetinho envoltos em cartolina azul e fi ta adesiva transparente. Estefoi mais um recurso didático aplicado, visto que não existe suporte algum narealidade, entretanto, sua ausência difi cultaria muito o transporte do mRNAaté o ribossomo.

No interior do núcleo celular, demonstramos de forma simplifi cada as pos-sibilidades de apresentação do material genético. Ao centro, fi xado nas man-gueiras de borracha, fi zemos uma “esfera” de fi os de cobre para representar onucléolo. Dentro dela escondemos uma das lâmpadas internas. Sobre o tampoda mesa, fi os de arame grosso foram espalhados por toda a extensão, de for-ma aleatória, formando um “emaranhado” que fi nalizava com uma pequenadupla-hélice que se abria em frente à abertura da carioteca.

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Neste ponto, o arame do fi lamento de DNA transpassava as peças que for-maram o código genético deixando ambas as fi tas expostas para o processode Transcrição. O aspecto fi nal da disposição do interior do núcleo celular émostrado na Figura 12.

Figura 12 Foto do núcleo que integrou o modelo apresentado no evento ExperimentandoCiência. Ao fundo, podemos ver o Nucléolo, em verde, à frente, as duas fi tas de DNA apoiadas na

base (laterais), o mRNA (centro - bases fi xadas em pedaço de madeira) e os fi lamentos de DNA dispersos pelo núcleo (fundo).

A construção do ribossomo foi uma tarefa desafi adora visto que esta seriaa organela mais manipulada pelos visitantes e que estaria suspensa no “cito-sol”. Apesar de sofi sticado em seu funcionamento, o ribossomo foi construídocom uma caixa de papelão de 50cm X 20cm X 15cm, formando a subunidademaior, e uma caixa de 35cm X 15cm X 10cm, formando a subunidade menor.

Na caixa maior foram feitos cortes (Figura 13) para permitir a passagemdo mRNA, dos tRNAs, da ligação tRNA-aminoácido e a face frontal foi retira-da. A caixa menor foi colada com cola quente na maior e foi responsável pelaestabilidade da estrutura. Também foram amarrados quatro fi os de Nylon®0.40mm na caixa menor e fi xados na trava 45° do canto superior esquerdo domodelo.

Para dar um aspecto menos retangular e mais irregular, colamos jornalamassado ao redor de ambas as caixas e cobrimos com papel Crepon® verde-claro, na subunidade menor, e verde-escuro na subunidade maior, dando for-ma ao Crepon® para disfarçar os cantos das caixas de papelão.

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Figura 13 Estrutura interna do Ribossomo. As marcas em preto representam os cortes por onde passaram o mRNA e os tRNAs. a – 2,0 cm; b – 5,0 cm; c – 15,0 cm; d – 5,0 cm

Figura 14 Representações do Ribossomo e tRNAs usadas no modelo de célula gigante.

Foi preciso colocar uma lâmpada de 25W, verde, no interior da subunidademaior do Ribossomo para auxiliar na visualização dos códons do mRNA. Na

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trava de 45º foram amarrados fi os de Nylon® 0.40mm com ganchos de aramena extremidade para servir de suporte aos tRNAs.

Como os tRNAs fi cam dispersos no citosol, ao pendurá-los com fi os deNylon®, os visitantes tinham a impressão de que eles estavam fl utuando aoredor do ribossomo. Cada tRNA foi construído com arame grosso dobradocom base nos modelos de tRNAs mais utilizados em Citologia. O anti-códonera uma peça única de isopor, com formato complementar ao códon, cobertocom lâminas de EVA colorido, nas cores específi cas, e com Velcro® na face doencaixe.

Na extremidade oposta ao anti-códon, ganchos de arame ligavam o tRNAao seu aminoácido específi co. Estes foram feitos com bolas de isopor de 8cmde diâmetro, pintadas com 2 camadas de tinta guache escolar, em cores dife-rentes das utilizadas nas bases nitrogenadas.

Cada aminoácido tinha anéis perpendiculares de arame grosso que man-tinham presos os ganchos que ligavam-nos aos tRNAs e em cada uma daslaterais, pequenos fechos, destes utilizados para confeccionar bijuterias, queformariam as ligações peptídicas.

Os mesmos aminoácidos da seqüência foram utilizados para a proteínafi nalizada, mas com fi os de cobre retorcidos no lugar dos ganchos de bijuteriase dentro de um saco de papel celofane furta-cor transparente.

O outro componente celular suspenso no ambiente era o aparelho de Gol-gi. Para a sua construção, utilizamos um cotovelo de PVC de 1 polegada e umamanta de espuma de 1.5cm de espessura. Fixamos os fi os de Nylon® no PVCque sustentaria o componente e amarramos na trava de 45º do canto subse-qüente ao ribossomo.

Foi feito um corte no ângulo do PVC para a colocação de uma barreirainterna no tubo. Esta barreira criou dois compartimentos que abrigaram a se-qüencia de AAs e a proteína fi nalizada e encapsulada.

O cotovelo de PVC foi colocado no interior da manta de espuma e estafoi dobrada para dar o formato saculiforme do aparelho de Golgi. Fixamos amanta ao tubo com grampos de escritório, cola quente e fi ta adesiva. Os espa-ços dos “sacos” formados foram pintados com tinta automotiva preta em spraypara dar a impressão de profundidade e pequenos sacos de papel celofane

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furta-cor transparente foram colados na face externa representando as vesícu-las que estão em constante movimento (Figura 15).

Figura 15 Foto do aparelho de Golgi montado no modelo.

Para construir a membrana plasmática, utilizamos embalagens de refrigeran-te de 2 L feitas de PET transparente. Primeiramente, as garrafas foram cortadasao meio e a porção do gargalo foi descartada. Depois moldamos uma mistura depapel celofane vermelho e furta-cor transparente no interior da garrafa.

As garrafas foram coladas com cola quente em uma tira de cartolina ver-melha de 0,4m X 2m em duas fi leiras, com a abertura voltada para a cartolina.Os canais e proteínas transmembrana foram representados com garrafas PETcoloridas ou cobertas com EVA colorido, enquanto que as porções transparen-tes representavam as cabeças lipídicas do mosaico fl uido. A Figura 16 mostraem detalhes a composição fi nal da membrana plasmática.

Além dos componentes interativos, criamos modelos para compor a ceno-grafi a do interior da célula. Estes componentes estão presentes na célula masnão participam diretamente da síntese proteica.

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Os lisossomos foram confeccionados com bexigão de festas, cheio de fl o-cos de espuma e TNT, fi xado no teto com fi ta adesiva. O citoesqueleto foi feitocom pedaços de mangueiras de borracha de 1 polegada, ½ polegada e ¼ depolegada, encaixados nos cantos inferiores do modelo.

Figura 16 Detalhes da membrana plasmática fi nalizada no modelo

O retículo endoplasmático liso e rugoso foram desenhados em cartolinaamarela, recortados e colados ao teto, no espaço entre o núcleo celular e oribossomo. No retículo endoplasmático rugoso (RER), foram coladas lam-padinhas de decoração (“luzes de Natal”) cobertas com papel Crepon® verdeclaro, para representar os ribossomos associados ao RER. O piscar das luzesdemonstrava a atividade dos ribossomos.

Para construir os centríolos, utilizamos quatro latas de refrigerante vaziase encapadas com papel cartonado vermelho, recortamos quatro círculos dopapel e colamos tudo com cola quente, obtendo dois cilindros vermelhos. Oscilindros foram posicionados perpendicularmente e colados com cola quentena parede do modelo.

Em cartolina alaranjada, e utilizando o mesmo modelo, desenhamosmitocôndrias de cerca de 20cm X 10cm e colorimos a porção interior comcaneta hidrocor azul. As mitocôndrias menores foram coladas nas paredesdo modelo.

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6.5.5 Filmando uma equipe muito louca

Sabíamos que o nosso público, no decorrer do evento seria muito variadoe sendo assim, teria diferentes níveis de conhecimento sobre Citologia. Este foium desafi o que a equipe transpôs com muita criatividade ao criar um vídeoexplicativo que, ao mesmo tempo, tentava aproximar os conhecimentos dogrupo e incitar o imaginário para o que estava por vir.

O lúdico foi utilizado como recurso didático para explicar algumas im-perfeições conhecidas da equipe antes da elaboração do modelo. Uma delase talvez a mais importante foi a proporção das organelas, moléculas e demaiscomponentes celulares que não pôde ser mantida.

Como já descrevemos anteriormente, os componentes celulares são medi-dos em escala micrométrica e as moléculas de DNA, em escala nanométrica,ou seja, para que uma pessoa pudesse enxergar uma molécula de DNA com20cm de espessura, em uma célula epitelial humana, esta última teria que ter300.000cm de altura! Seria um modelo da altura de um prédio de 15 andares!

Visto que isto não é viável, a história narrada no vídeo descrevia um grupode cientistas malucos que tentou em laboratório criar uma célula-gigante e,no processo de ampliação desta célula, alguns componentes foram ampliadosmais que outros para que o grupo pudesse estudá-la. Com isso, consegui-mos excitar o imaginário infanto-juvenil para uma verdadeira viagem ao inte-rior de uma célula.

O vídeo foi fi lmado pelos próprios alunos, nas dependências da Universi-dade Estadual Paulista (UNESP), campus de Botucatu, utilizando equipamen-tos de proteção individual, vidrarias laboratoriais, gelo seco, nitrogênio líquido,luzes coloridas, animações e ilustrações. Entre uma cena e outra, as animaçõeseram narradas com informações sobre o funcionamento de cada componenteinterativo, a dinâmica dos processos celulares e o processo de síntese proteica.

Toda essa caminhada pelo interior da célula e as explicações sobre os pro-cessos de transcrição e tradução, bem como da constituição das estruturas ce-lulares do modelo e seus respectivos mecanismos, poderão ser obtidas nos en-dereços: http://www.youtube.com/watch?v=Z2WUZ2zZf5A (Parte I) e http://www.youtube.com/watch?v=Jy2mxrhxOGo (Parte II).

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6.6 AGRADECIMENTOS

A construção e execução da proposta, durante o evento ExperimentandoCiência 2007 – A Biologia e seus Fundamentos foi possível graças ao traba-lho em equipe de cinco amigos aos quais sou eternamente grato. São eles AnaCarolina Machado Poppe, Christian Campero Murillo, Fernando Careli deCarvalho, Fernando Endrigo Belezia Poletto e Patrícia Alexandra de CarvalhoGomes Teixeira.

6.7 PARA SABER MAIS

ALBERTS, Bruce; BRAY, Dennis; HOPKIN, Karen; JOHNSON, Alexander; LEWIS,Julian; RAFF, Martin; ROBERTS, Keith; WALTER, Peter. Fundamentos da biologiacelular. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

BECKER, Wayne M.; KLEINSMITH, Lewis J.; HARDIN, Jeff . Th e world of the cell. 4th

ed. San Francisco: Addison Wesley Longman Inc., 2000.

COOPER, Geoff rei M. – A célula: Uma abordagem molecular. 2ª ed. Porto Alegre:Artmed Editora, 2001.

CRICK, F.H.C. 1996. “Th e genetic code III”. Scientifi c American. 215:55-62

JUNQUEIRA, Luis C.; CARNEIRO, José. Biologia celular e molecular. 8ª ed. Rio deJaneiro: Guanabara Koogan, 2005.

KARP, Gerald – Biologia celular e molecular: Conceitos e experimentos. Barueri: Ma-nole, 2005.

RAVEN, Peter H.; JOHNSON George B. Biology. 3rd ed. St. Louwis: Mosby-Year Book Inc., 1992.

WATSON, James D. Th e Double Helix. New York: Atheneum, 1968.

Para saber da história do desenvolvimento do modelo da dupla hélice

WATSON, James e Berry, A. DNA O segredo da vida. São Paulo:Companhia das Letras,2005.

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6.8 SÍTIOS DA INTERNET

Biblioteca Digital em Ciências – Sítio com conteúdo em Ciências gratuito para down-load. – http://www.ib.unicamp.br/lte/lte/

Merriam-Websters Dictionary of English Language – Dicionário online. Sítio m Inglês.– www.merriam-webster.com/dictionary

Núcleo de apoio didático do Instituto de Biociências de Botucatu – Sítio eletrônico commateriais e orientações ao professor, nos diversos ramos das Ciências Biológicas.Acesso ao acervo do Museu Escola. – http://www.ibb.unesp.br/nadi/index.php

Portal da Biologia – Porto de acesso aos conteúdos das Ciências Biológicas.Informa-ções sobre todas as áreas, incluído Citologia. – http://www.portalbiologia.com.br/biologia/principal/conteudo.asp?id=1444

Revista Nova Escola edição de Abril/2001. – Reportagem da Revista Nova Escola abordamecanismos da Síntese Proteica. – http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0141/aberto/mt_247369.shtml

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7MUCO:CONSTITUIÇÃO E PAPEL NO ORGANISMO

Leonardo Biral dos Santos1

7.1 INTRODUÇÃO

O muco é uma substância pegajosa e elástica que tem como função protegere lubrifi car superfícies internas do nosso corpo. Ele é encontrado em diversoslugares, como no estômago, intestinos, bexiga, vagina, nariz etc. Problemas nacomposição e na produção do muco refl etem em disfunções fi siológicas e algu-mas doenças, das quais podemos citar a úlcera gástrica como a mais comum.

Diferentes tipos de células secretam muco, sendo que todas possuem em co-mum a presença de grandes grânulos de secreção distribuídos pelo citoplasma.A célula mucosa mais conhecida é a caliciforme, que possui esse nome por apre-sentar os grânulos concentrados na região apical mais dilatada, dando a ela umformato parecido com o de um cálice. Contudo, outras células secretoras acabampor receber esse nome (caliciforme) independente do formato que possuam.

Uma célula caliciforme pode secretar muco numa taxa basal e constante.Nesse caso, a secreção é regulada por movimentos contínuos do citoesqueleto,ou seja, movimentos internos da própria estrutura da célula.

Outra forma de secreção é regulada por estímulos, como hormônios ouneurotransmissores. Nesse tipo de regulação a taxa de secreção da célula variaconforme o estímulo podendo, inclusive, atingir um pico de secreção máximorapidamente.

O principal componente do muco são as glicoproteínas. Também podemosencontrar vários eletrólitos (Na, Cl, K, HCO3) e enzimas de função imunológi-ca como a imunoglobulina A (IgA) e a imunoglobulina G (IgG), presentes nomuco nasal; as proteínas de função bactericida prezam pela defesa do nossoorganismo. As proteínas do muco, conhecidas por mucinas, formam um con-junto de substâncias de alto peso molecular. Elas apresentam cadeias laterais

1. Unesp, Departamento de Botânica, IB 199 – CEP: 13506-900 Rio Claro, SP [email protected]

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de açúcar sulfatado. Portanto, pode-se dizer que, em linhas gerais, as glicopro-teínas formadoras do muco são proteínas comuns unidas a carboidratos.

A síntese do muco envolve boa parte da maquinaria celular (ver capítulo6). O processo se inicia com as cadeias polipeptídicas produzidas no retículoendoplasmático rugoso. Do retículo as proteínas seguem para o aparelho deGolgi – organela essa muito desenvolvida nas células mucosas, onde, glicí-dios são acrescidos às proteínas que constituirão o muco. Ao sair dessa orga-nela, as moléculas, agora na forma de glicoproteínas, estão contidas em vesí-culas de secreção e serão excretadas da célula por um processo de exocitose,que é a fusão dessas vesículas com a membrana plasmática. As glicoproteínassão moléculas hidrófi las, ou seja, que apresentam afi nidade química com asmoléculas de água. Ao serem liberadas da célula para o meio externo, elassão hidratadas transformando-se num gel viscoso, que é o muco propria-mente dito.

7.2 MUCO EM AÇÃO

Não apenas nós, humanos, produzimos muco. A classe Gastropoda, per-tencente ao fi lo Mollusca, possui bons exemplos de animais que produzemmuco. Dentre eles, há as lesmas que secretam uma substância pegajosa paraenvolver seu corpo e protegê-lo contra a desidratação. Esse muco tem tambémcomo função a lubrifi cação do corpo na região de contato com o substrato,facilitando o deslocamento do animal por reduzir o atrito. Por onde a lesmapassa pode-se observar rastros brilhantes desse muco, que depois de deixadono chão, desidrata-se. Já os caracóis utilizam o muco como uma espécie decola, que os ajuda na fi xação em superfícies verticais.

Além dos moluscos, quando pegamos um peixe com as mãos, sentimosque uma substância viscosa o recobre. Isso também é muco. Esse muco osprotege contra a ação de bactérias e fungos. Se retirarmos esse muco e devol-vermos o peixe na água estaremos deixando-o mais susceptível a doenças.

O baba-de-boi, Palythoa caribaeorum, cnidário habitante de recifes de co-rais e costões rochosos, é outro animal exemplo de secretor de muco. Comumno litoral de Pernambucano, sua secreção mucosa evita a desidratação do ani-

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mal, quando a maré está baixa, e é usado principalmente por pescadores do sulde Pernambuco para amenizar a dor de ferimentos.

Esses são alguns exemplos de animais que produzem muco. Apesar da pre-sença em diferentes situações, o muco sempre está relacionado à defesa e aobom funcionamento dos organismos.

7.3 MUCO E DIGESTÃO

No ser humano, a digestão dos alimentos se inicia no estômago com aparticipação ativa do suco gástrico, que é uma combinação de ácido clorídrico(HCl), um ácido forte e corrosivo, e pepsinas, que são as enzimas responsáveispela quebra parcial das proteínas dos alimentos. Essas enzimas precisam deum meio ácido para trabalhar e, nesse caso, é o HCl que acidifi ca o local.

Sendo o estômago constituído de proteínas, por que ele não se autodigere?O suco gástrico não digere as paredes do estômago e nem as corrói porque

as células mucosas superfi ciais secretam muco e bicarbonato, que protege oórgão da ação do suco gástrico (HCl + pepsinas). Portanto, esse muco impedeque as pepsinas fi quem em contato direto com as células da parede do estô-mago e, por ser uma substância alcalina, neutraliza o ácido presente no sucogástrico, inibindo a corrosão da parede interna do estômago.

A produção de muco pelo estômago é constante ao longo do tempo. Estaprodução pode ser aumentada através de estímulos neurais, como a acetilcoli-na, um neurotransmissor, ou através das prostaglandinas. A ação destas subs-tâncias é promover uma maior secreção de muco e bicarbonato e aumentar ofl uxo sanguíneo. Essa ação conjunta aumenta a proteção do muco contra açãodo suco gástrico.

Quando o estômago não tem uma produção sufi ciente de muco, para seproteger da acidez provocada pelo suco gástrico, ou em condições prolonga-das de estresse, o corpo diminui a produção de muco ou aumenta a síntese deácido clorídrico, que provocará o surgimento de feridas na superfície interna.Essas feridas são denominadas de úlceras peptídicas, e se iniciam por desca-mações da mucosa do estômago, ou seja, da primeira camada de pele internadesse órgão.

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Além das condições de estresse, tanto físico como mental, a alimentaçãotambém pode ser responsável pelo aparecimento das úlceras. Alimentos gor-durosos e excesso de refrigerantes e bebidas alcoólicas têm sido apontadoscomo fatores que favorecem o aparecimento das feridas gástricas, pois levam adiminuição da camada de muco da parede interna estomacal. Fumo, vômitosfrequentes e uso de alguns remédios (como antiinfl amatórios não esteróides)também contribuem para o surgimento das úlceras. Mais recentemente foicomprovado que a presença de uma bactéria no estômago pode levar as pes-soas a desenvolverem úlcera. Cerca de 10% das pessoas portadoras da bactériaHelicobacter pylori acabam por desenvolver a doença.

A bactéria quando instalada no estômago (sob as células gástricas) promo-ve um aumento da permeabilidade da barreira mucosa gástrica, isto permiteque o HCl e a pepsina entrem em contato mais facilmente com as células. Ou-tro fator que a bactéria promove é um aumento na secreção de gastrina e comoconsequência um aumento na secreção de HCl (controle hormonal).

O principal sintoma da úlcera é o desconforto abdominal, uma dor ou sen-sação de queimação no estômago. Esse sintoma costuma ocorrer de 3 a 4 horasdepois da alimentação, quando o estômago está vazio. A cicatrização dessasferidas não é rápida. Normalmente requer cuidados com a alimentação e o usode remédios. Usam-se, principalmente, antiácidos baseados em sais de magné-sio e alumínio que neutralizam a acidez e aliviam os sintomas (“queimação”)ou, em casos mais graves, o uso de inibidores da secreção gástrica. Tambémsão usados antibióticos (normalmente uma combinação de dois ou três destes)com o intuito de eliminar a bactéria H. pylori.

Muito confundida com a úlcera é a gastrite. Mas qual a diferença?A principal diferença está no tamanho da lesão. Uma lesão pequena, leve,

é denominada de gastrite, que nada mais é do que uma infl amação da mucosagástrica. Uma úlcera, por sua vez, é uma lesão mais severa provocando umaerosão do epitélio gástrico.

Também pode acontecer um aumento na secreção de HCl por estímulosneurais (acetilcolina), hormonais (gastrina) e parácrinos (histamina). Estessão fatores fi siológicos, porém pode ocorrer um aumento na secreção do HCl

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por fatores patológicos como o gastrinoma ou síndrome de Zollinger Ellison.O muco também está presente em nosso nariz. Quando respiramos, mui-

tas partículas que estão dispersas no ar entram por nossas narinas. Essas par-tículas incluem uma gama de substâncias como, por exemplo, poeira, fuligem,grãos de pólen, eventuais bactérias, esporos de fungos e vírus, que podem pro-vocar diversos tipos de problemas de saúde. Atuando como um fi ltro prote-tor, uma camada de pelos reveste o interior de nossas narinas fi ltrando essaspartículas, que acabam retidas no muco liberado por dezenas de glândulasseromucosas presentes no nariz, as quais chegam a produzir, diariamente, 400ml desse material pegajoso.

O muco nasal é formado por água e uma mistura de secreções produzi-das pelas células caliciformes, pelas glândulas submucosas e pelas glândulaslacrimais. Além de proteínas o muco nasal contém imunoglobulinas, que sãosubstâncias responsáveis pela defesa do nosso organismo frente a patógenos.Todavia, a composição do muco não é constante; conforme as condições pa-tológicas em que nos encontramos ele sofre alterações tanto de composiçãocomo de viscosidade de forma a melhor proteger nosso corpo.

A movimentação de muco no interior do trato respiratório se dá por meiodos cílios. Normalmente todo o muco produzido é deglutido e vai parar no estô-mago com as eventuais partículas apreendidas. Conforme fi camos mais velhos onúmero de cílios diminui, e com isto verifi ca-se uma redução na mobilidade domuco, que também pode se acumular no que conhecemos como “catarro”, comoacontece em fumantes crônicos, devido a danos provocados nas células ciliadas.

Outra situação na qual o muco fi ca acima do normal acontece quando esta-mos resfriados. Como a secreção acumula no interior das nossas narinas, fi ca-mos com o que todos conhecem como “nariz trancado”. Como descongestionan-tes para irrigar e limpar a cavidade nasal, usamos soluções salinas que possuemágua e também substâncias mucolíticas, as quais têm como propriedade quebraras moléculas de glicoproteínas do muco e diminuir sua adesividade.

O muco cervical, isto é, o muco presente no cólon uterino, é também pega-joso e constitui uma barreira natural à entrada dos espermatozóides no canalcervical. As glândulas endocervicais presentes nas criptas são responsáveis pelasua produção, como resultado de ação hormonal. Sob efeito do estrógeno ele se

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torna mais fl uido, assumindo, assim, aspecto semelhante ao de uma clara de ovo,o que indica período de fertilidade da mulher. Nessa condição, sua função é a dealimentar e servir de meio para a movimentação dos espermatozóides que vãoao encontro do óvulo para que ocorra a fertilização. Após esse período fértil, teráinício a menstruação e o muco regredirá aos poucos até desaparecer.

7.4 EXPERIMENTANDO UMA IDEIA

Este trabalho objetivou produzir uma substância semelhante ao muco esimular algumas de suas formas de atuação. Tendo em vista que o muco éformado basicamente por água, proteínas e carboidratos, preparamos mucoartifi cial misturando substâncias semelhantes, nas mesmas proporções queexiste no muco produzido pelo nosso corpo. Sendo assim, para representar aproteína usaremos gelatina comercial também rica em proteína. Como fontede carboidrato empregaremos sacarose, no caso o conhecido como açúcar decozinha, que é formado por moléculas de frutose e glicose.

7.4.1 Fazendo um muco

Aquecer a água até quase seu ponto de ebulição;Preencher 2/3 ou 3/4, aproximadamente, de um copo com a água quente e

dissolver dois ou três pacotes de gelatina;Mexer e adicionar o açúcar (3 colheres das de sobremesa).

É recomendável intercalar os pacotes de gelatina com algumas das colhe-res contendo açúcar, até se encontrar uma consistência ideal, isto é, viscosa epegajosa.

Conforme a água perde calor o muco artifi cial tende a fi car mais espesso.Quando isso acontece basta adicionar um pouco mais de água quente e mexer.O ideal é fazer o experimento com gelatina sem sabor.

Com esse muco artifi cial produzido, simular as ações que aconteceriamdentro do organismo é relativamente simples, mas se faz necessário prepararum modelo de narina para ilustrar melhor o experimento.

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Figura 1 Equipamento preparado para demonstrar o papel do muco no corpo humano. Caixa de papelão com ventilador no interior, para simular o ar impulsionando partículas de sujeira que acabam

no interior das narinas (A); tubo revestido com muco artifi cial, representando as narinas (B) .

Para essa representação foram usados canos de PVC de aproximada-mente 5 cm de diâmetro e 30 cm de comprimento. Faça um corte longitudi-nal dividindo o cano ao meio (Figura 1 - cano amarelo na mão do apresen-tador). Com uma fi ta adesiva construa uma articulação entre essas partes,de modo a poder abrir para observar com clareza o papel do muco, o qualdeverá ser usado para recobrir o interior do tubo (Figura 1B). Essa possibi-lidade de abertura também facilitará a limpeza, após as demonstrações dopapel do muco.

O cano com o muco, que representa a narina, será usado para simular oque ocorre na inspiração, quando várias partículas são aspiradas para dentrodo nosso corpo. Para representar essas partículas, prepare bolinhas de isopor,de papel ou grãos de arroz (ou outro cereal).

Uma caixa de madeira ou de papelão, onde caiba um ventilador, deverá tero centro de uma das paredes perfurado de forma a permitir o encaixe do canocom muco (Figura 1A). A parede oposta a essa, deverá ser retirada para faci-litar o manuseio do material que fi cará no interior da caixa. Independente dotipo de material de que for feito essa caixa, encape-a para melhor efeito estéti-co. Acoplado dentro da caixa e voltado para esse buraco deve haver um cano,de mesmo calibre que aquele a representar uma narina, contendo bolinhas deisopor. Atrás dele, coloca-se um ventilador, de modo que quando ligado gereum fl uxo de ar que impulsione as partículas através do orifício existente à fren-te, na parede da caixa, para dentro do outro cano que simula a narina

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Ao passarem pelo cano com muco (ou seja, nossa narina!), a maioria daspartículas impulsionadas pelo ventilador fi cará retida no cano, de forma se-melhante ao que acontece no nosso nariz, quando passa o ar inspirado, con-tendo poeira, fuligem, pólen, micro-organismos, etc. indesejáveis ao nossoorganismo.

7.4.2 Sugestões para o experimento

Com uma grande placa de isopor você pode construir um nariz gigante.Modele no isopor o formato de um nariz, pinte-o e acople esse experimentoem seu interior.

Você também pode simular a parede de um estômago. Como você já leu,muitas substâncias corroem a mucosa do estômago. Que tal você testar essassubstâncias em uma superfície protegida e não protegida com nosso mucoartifi cial?

É muito simples demonstrar como o ácido clorídrico (HCl) é corrosivo. Váa uma marmoraria e procure por pedaços de calcário. O calcário é uma rochasedimentar composta predominantemente por calcita (CaCO3), substânciaesta que reage com o HCl provocando efervescência. Pingue sobre o calcárioHCl diluído. O ácido vai reagir com a calcita através da seguinte reação: 2HCl+ CaCO3 = CaCl2 + H2CO3. Como o ácido carbônico (H2CO3) é instável, logo sedissocia em H2O e CO2. A efervescência que observamos na rocha, ao pingar oácido, nada mais é que dióxido de carbono sendo liberado na reação.

Se o ácido é tão forte que corrói a rocha, imagine o que ele poderia fazer naparede interna do nosso estômago se não fosse o muco!

Vídeo desse modelo no evento “Experimentando Ciência” poderá ser aces-sado no endereço: http://www.youtube.com/watch?v=K9loUYvk2tI.

7.5 BIBLIOGRAFIA

GÓES, R. M.; TABOGA, S. R. Células caliciformes. In: CARAVALHO, H. F.; COL-LARES-BUZAT, C. B. (Eds.). Células: uma abordagem multidisciplinar. Barueri:Manole, 2005. p. 163-173.

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TRINDADE, S. H. K. et al. Métodos de estudos do transporte mucociliar. Revista Bra-sileira de Otorrinolaringologia, v.73, n.5, sep./oct. 2007.

UNIFESP. Universidade Federal de São Paulo. Ciclo menstrual. Disponível em: <http://www.unifesp.br/grupos/rhumana/ciclo.>. Acesso em: 5 mai. 2008.

WOLFF, C. H.; SEGAL, F.; WOLFF, F. Úlcera peptídica. ABC da Saúde. Disponível em:<http://www.abcdasaude.com.br/artigo.php?441.html.>. Acesso em: 11 abr. 2008.

7.6 PARA SABER MAIS

FALCÃO, V. “Animal que vive em coral tem efeito analgésico”. Jornal do Comércio,Recife, dia 23 de fevereiro de 2003.

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8ASPECTOS TEÓRICOS E PRÁTICOS DA FISIOLOGIADA CIRCULAÇÃOJuliana Irani Fratucci de Gobbi1

O objetivo, com este capítulo, é apresentar alguns aspectos teóricos da fi -siologia da circulação, que culminará com a apresentação de um modelo de-senvolvido para simular os mecanismos físico-químicos de trocas gasosas queocorrem no corpo humano.

8.1 INTRODUÇÃO

Pequenos animais, de até aproximadamente 1 mm de diâmetro, conse-guem fazer troca de substâncias com o meio por difusão, um processo muitosimples que se resume à entrada e saída de substâncias através da membranacelular. Dessa forma, conseguem obter o necessário para viver e eliminar osprodutos resultantes do metabolismo, que lhes são prejudiciais.

Com a evolução, à medida que os animais se tornaram cada vez maiores emais complexos, fez-se necessário o desenvolvimento de um sistema de trans-porte: sistema circulatório ou cardiovascular. A função de difusão tornara-seinviável para o sucesso de troca de substâncias entre diversos órgãos dentrode uma grande massa de células, por exemplo, entre fígado e rins. Além docontato de todas as células do organismo com o meio externo, este facilmentealcançado pelos pulmões, rins e intestinos, a circulação sistêmica também de-veria promover a interação das células do organismo umas com as outras.

Nos animais mais complexos e metabolicamente muito ativos, caso dosmamíferos, os sistemas circulatórios estão envolvidos no transporte de gasesrespiratórios, nutrientes, produtos residuais, hormônios, anticorpos, sais, águae outros materiais entre os diversos órgãos do corpo.

Todos os sistemas circulatórios, em diferentes animais, possuem algunsconstituintes básicos com funções semelhantes, tais como:

1. Unesp – Departamento de Fisiologia, IB CP 510, 18618-970 Botucatu, SP [email protected]

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Órgão propulsor, geralmente o coração, gerador da força que impulsiona •o sangue pelos diferentes sistemas e órgãos;Artérias, onde as pressões são mais altas, responsáveis por distribuir o •sangue;Capilares que são locais de troca ou transferência de materiais entre •sangue e tecidos;Veias, responsáveis por retornar o sangue ao coração, mas que também •funcionam como um grande reservatório de sangue dentro do sistemacirculatório.

No interior do sistema circulatório, encontra-se o sangue que é um tecidoem estado líquido e que serve de meio de transporte para inúmeras moléculase íons, além de diversos tipos de células. Uma característica do sangue é a pre-sença de um pigmento, a hemoglobina contida nas hemácias, que é responsá-vel pelo transporte de oxigênio.

Uma vez que ninguém fi ca impassível ao funcionamento do coração nasdiferentes atividades do dia-a-dia, como, por exemplo, frente a uma atividadefísica ou a emoção de encontrar alguém querido, o coração já foi concebidocomo o centro das emoções e até a sede da alma humana. Durante o séculoXVII, o inglês Willian Harvey (1578- 1657), após um extenso estudo a partirda autópsia de diferentes animais vertebrados, concebeu o coração como umabomba propulsora de onde o sangue era impulsionado para o corpo todo edepois a ele retornava, dentro de um circuito fechado. Por isso, Harvey é con-siderado o pai da cardiologia (cardio= coração, logia= estudo).

8.2 SISTEMA CIRCULATÓRIO

O sistema circulatório, constituído pelo coração e vasos, está associado aosistema sanguíneo e sistema linfático. Cada um desses órgãos e sistemas, porsua vez, é formado por outras estruturas.

A circulação sanguínea é gerada por um mecanismo biofísico e pro-porciona o transporte de diversas substâncias pelo corpo. Dentre elas es-tão os nutrientes, absorvidos durante o processo de digestão dos alimentos

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e o gás oxigênio, retirado do ar inspirado. Nutrientes e oxigênio, depoisde incorporados à circulação sanguínea, são levados a todas as células doorganismo para participar do processo de obtenção de energia. Tambémhormônios produzidos por diferentes glândulas e células de defesa comoleucócitos são transportados dos locais de onde são produzidos para seuslocais de ação.

Durante o processo de obtenção de energia, como resultado do metabo-lismo celular, gás carbônico é formado e liberado pelas células para os espaçosintercelulares. Dada a necessidade da sua eliminação, devido ao efeito tóxi-co quando acumulado no corpo, sua retirada é providenciada pela circulaçãosanguínea, que o transporta para os pulmões de onde é expirado. As célulasdos tecidos do corpo liberam também outros resíduos, que o sangue recebe etransporta até órgãos excretores específi cos (geralmente os rins) para seremeliminados. É possível perceber que o sistema circulatório é um sistema dinâ-mico, tendo como principal função manter em condições adequadas o meioonde as células sobrevivem, ou seja, a homeostase.

O movimento do sangue só é possível, devido aos seguintes fatores:força proporcionada pelas contrações rítmicas do coração;•força elástica que as paredes das artérias exercem sobre o sangue que •entra no seu interior a cada batimento cardíaco. As artérias apresentam tecido elástico e músculo liso. Como todo elástico, depois de estirado, eletende a retornar ao repouso, o que determina sua retração. Essa retraçãoajuda a movimentar o sangue dentro do sistema de tubos, que são os vasos;compressão dos vasos sanguíneos durante a contração dos músculos •esqueléticos do corpo quando em movimento.

8.3 CORAÇÃO

O coração é formado por um tecido muscular denominado de músculoestriado cardíaco ou miocárdio. Esse músculo estriado cardíaco possui a ca-pacidade de gerar sua própria contração por meio do ‘automatismo’, proprie-dade de algumas células desse músculo que determina contrações rítmicas e

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regulares. As contrações cardíacas fornecem energia necessária para mover osangue pelos vasos.

Os corações em diferentes espécies são formados por uma ou mais câ-maras musculares conectadas em série e separadas por válvulas, as quais fa-cilitam o fl uxo do sangue em uma única direção. Evolutivamente, o coraçãopassou de uma forma tubular contráctil presente em invertebrados, para umaestrutura diferenciada composta de câmaras nos animais mais evoluídos. Nosmamíferos, como se pode ver na fi gura 1, há quatro câmaras (dois átrios e doisventrículos), com total separação entre coração direito e esquerdo (um átrio eum ventrículo de cada lado). O coração esquerdo bombeia sangue oxigenado,portanto, vindo dos pulmões, e o coração direito bombeia sangue com menosoxigênio e mais gás carbônico, oriundo de todas as células do corpo (Figura1). O lado arterial da circulação recebe o sangue impulsionado pelo coração, oque gera certa pressão e, por essa razão, as artérias precisam ter paredes maisespessas e elásticas do que as veias, que recebem o sangue que volta para ocoração.

Cada átrio é separado do respectivo ventrículo adjacente por uma válvulaque garante o fl uxo unidirecional do sangue dentro deste sistema, isto é, doátrio para o ventrículo. Do lado direto há a válvula tricúspide separando oátrio direito do ventrículo direito, e do lado esquerdo há a válvula bicúspide(ou mitral) separando o átrio esquerdo do ventrículo esquerdo. Além dessasválvulas, temos a válvula pulmonar entre o ventrículo direito e a artéria pul-monar principal ou tronco pulmonar, e a válvula aórtica entre ventrículo es-querdo e artéria aorta. Ambas desempenham o mesmo papel, que é de impediro refl uxo de sangue para o coração.

As veias cavas inferior e superior chegam ao átrio direito trazendo o san-gue que percorreu todo o organismo. Do ventrículo direito emerge o troncopulmonar, bifurcando-se em artérias pulmonares direita e esquerda que levamo sangue para ser oxigenado nos pulmões. As veias pulmonares chegam aoátrio esquerdo trazendo o sangue que foi oxigenado na circulação pulmonare a artéria aorta, que emerge do ventrículo esquerdo, leva sangue oxigenadopara todo o organismo (Figura 1).

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Figura 1 Desenho esquemático de um coração de mamífero (baseado em Brandwein et al., 1968): Lado direito com átrio direito (AD) e ventrículo direito (VD), por onde circula sangue

com maior concentração de gás carbônico e lado esquerdo com átrio esquerdo (AE) e ventrículoesquerdo (VE), por onde circula sangue com maior concentração de gás oxigênio.

O fl uxo sanguíneo segue a seguinte orientação na circulação sistêmica:

Artérias arteríolas capilares vênulas veias coração

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Estruturalmente, as artérias, se comparadas às veias, são mais cilíndricas, pos-suem uma parede mais espessa, elástica de calibre menor e composta de músculoliso. Uma peculiaridade das veias é a presença das válvulas venosas, cuja função éimpedir o refl uxo sanguíneo (Figura 2). Quando essas válvulas apresentam algumproblema e não retêm mais o sangue com efi ciência, os vasos sofrem uma dilata-ção que conhecemos como varizes. Os capilares, por sua vez, são estruturalmentemicroscópicos, formados por uma única camada celular, o endotélio, que facilita,assim, as trocas de gases e substâncias entre o sangue e as células.

Figura 2 Desenhos das posições das válvulas venosas (baseado em Brandwein et al., 1968)durante a circulação sanguínea: ao voltar o sangue preenche as pregas, que se ajustam e impedem

o retorno.

8.5 COMPOSIÇÃO E FUNÇÕES DO SANGUE

O sangue é um tecido em estado líquido, constituído por células dispersasnum meio líquido denominado plasma. Os componentes celulares são os gló-bulos vermelhos (hemácias ou eritrócitos), os glóbulos brancos (leucócitos) eas plaquetas. O plasma é composto principalmente por água e proteínas, alémde outras substâncias (hormônios, glicose, colesterol, triglicerídeos, etc) e íons(sódio, potássio, cloreto etc).

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8.5.1 Hemácias

Nos adultos, as hemácias são produzidas pela medula óssea vermelha (te-cido hematopoiético) dos ossos chatos (costelas, esterno etc.). Nos primeirosanos de vida, os ossos longos são importantes produtores de hemácias, masperdem essa função na vida adulta. Na fase embrionária as hemácias são pro-duzidas principalmente pelo fígado e, parcialmente, pelo baço e linfonodos.Os eritrócitos sobrevivem aproximadamente 120 dias na circulação, sendo de-pois desse tempo destruídos principalmente no baço e fígado.

No interior das hemácias encontra-se grande quantidade de hemoglobina,cuja função é transportar o oxigênio dos pulmões para os tecidos. Além disso,também se encontra no interior das hemácias grande quantidade da enzimaanidrase carbônica, responsável por catalisar, isto é, acelerar a reação reversívelentre gás carbônico (CO2) e água para formar ácido carbônico (H2CO3), umácido fraco, facilmente dissociável. Assim, grandes quantidades de gás carbô-nico são transportadas na forma de íon bicarbonato (HCO3ˉ) dos tecidos paraos pulmões onde o íon bicarbonato é novamente convertido em CO2 e, então,eliminado na atmosfera.

8.5.2 Leucócitos

Os leucócitos também são produzidos pela medula óssea vermelha dos os-sos chatos e variam muito quanto à forma do núcleo e reação a corantes. Têma função de proteger o organismo, participando, assim, de respostas de defesa,imunológicas e infl amatórias. Os leucócitos encontrados em maior númerono sangue circulante são os neutrófi los (cerca de 70%), que podem sair da cir-culação e alcançar determinado tecido para eliminar elementos indesejáveis,como bactérias, principalmente por meio da fagocitose, processo de engloba-mento e destruição do agente estranho. Os linfócitos são o segundo tipo maisfrequente (24%) e defendem o organismo principalmente através da produçãode anticorpos.

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8.5.3 Plaquetas

As plaquetas, também denominadas de trombócitos, são fragmentos celu-lares provenientes de células gigantes da medula óssea vermelha, os megacari-ócitos. Elas são importantes para obstruir lesões nos vasos e colaboram para acoagulação sanguínea, evitando, assim, as hemorragias.

8.6 CIRCULAÇÃO PULMONAR E CIRCULAÇÃO SISTÊMICA

O sangue venoso, mais rico em gás carbônico, procedente dos tecidos,chega no átrio direito de onde é impulsionado para o ventrículo direito (Fi-gura 3, cor azul); deste, ele é conduzido através das artérias pulmonares paraos pulmões, onde ocorre a hematose (troca do gás carbônico pelo oxigênio).Dos pulmões, o sangue arterial, mais rico em gás oxigênio, retorna pelas veiaspulmonares para o átrio esquerdo (Figura 3, cor vermelha). Este caminho: co-ração – pulmão – coração é denominado de pequena circulação ou circulaçãopulmonar.

Do átrio esquerdo, o sangue arterial atinge o ventrículo esquerdo, de ondeé bombeado para a artéria aorta, para ser distribuído para todo o organismo.Nos tecidos, os capilares presentes promovem uma nova troca gasosa. No en-tanto, ao contrário da hematose pulmonar, na troca gasosa que acontece nostecidos, o sangue absorve o gás carbônico produzido na respiração celular eliberado pelas células para os espaços intercelulares, enquanto as hemácias li-beraram o oxigênio para os tecidos. Esse processo torna o sangue venoso, maisrico em gás carbônico, e é dessa forma que ele retorna para o lado direito docoração e é encaminhado aos pulmões, fechando–se, assim, o circuito. Estecaminho: coração – tecidos – coração é chamado de grande circulação ou cir-culação sistêmica (Figura 3).

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Figura 3 Esquema geral da circulação pulmonar (coração – pulmão – coração) e circulaçãosistêmica (coração – tecidos do corpo – coração)

8.7 DISTÚRBIOS CIRCULATÓRIOS

O sistema circulatório pode ser acometido de alguns distúrbios que são degrande importância clínica e, por essa razão, merecerem algumas considerações.

8.7.1 Hipertensão arterial

A hipertensão arterial (HA) é o fator de risco mais comum para doençascardiovasculares nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Popular-mente conhecida como “pressão alta” atinge de 15 a 20% da população adultacom mais de 15 anos, chegando a 50% nas pessoas idosas.

A pressão arterial é a pressão que o sangue exerce contra as paredes dasartérias. Esta pressão é caracterizada como a pressão diastólica (mínima, cor-

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respondendo ao relaxamento do coração entre cada batimento cardíaco) e apressão sistólica (máxima, correspondendo à contração do coração para im-pulsionar o sangue dentro do sistema circulatório). A medida para a pressãoarterial é expressa em mmHg (milímetros de mercúrio). Uma pressão arterialconsiderada saudável é aquela em níveis abaixo ou até os valores de 120mmHg(sistólica) e 80 mmHg (diastólica). Pressão arterial em níveis acima destes, porperíodos de tempo prolongados, pode causar danos nos vasos sanguíneos, le-vando a trombose (ver abaixo) e aneurismas ou até rompimento do vaso, se oaumento de pressão for excessivo mesmo num curto período de tempo.

A hipertensão arterial é um problema de saúde pública e merece muita aten-ção. Na maior parte dos casos a hipertensão é uma doença “silenciosa”, não pro-duz sintomas ou sinais de que a pressão está elevada. Assim, torna-se necessárioa aferição da pressão arterial que deve ser feita pelo menos a cada quatro oucinco meses, especialmente se houver casos de hipertensão arterial na família.

8.7.2 Trombose e Embolia

O bom funcionamento do sistema circulatório requer a manutenção dosangue no estado fl uido, livre de coágulos em vasos normais. No entanto, numlocal de lesão vascular, faz-se necessária a formação de um tampão hemostáti-co, o coágulo. O coágulo é formado pela aderência de plaquetas e acúmulo deproteínas plasmáticas (fi brinas), bem localizado e delimitado, fechando apenaso local da lesão. O controle do local e tamanho do coágulo é proporcionadopelo sistema fi brinolítico, um mecanismo contra-regulador que restringe otampão ao local da lesão. Porém, quando estes mecanismos estão desequili-brados, ocorre o crescimento desordenado do coágulo, denominado tromboseque pode obstruir artérias e veias.

Pelo menos três fatores podem facilitar o aparecimento da trombose: lesãoendotelial, fl uxo sanguíneo anormal e hipercoagulabilidade. A lesão endotelial(lesão da camada de células que revestem o vaso internamente) expõe estrutu-ras que ativam a coagulação dentro do vaso. Nestes pontos de lesão endotelialpode ocorrer fl uxo sanguíneo anormal, quando o fl uxo laminar, no qual o san-gue fl ui sem perturbações, é alterado, tornando-se turbulento ou de fl uxo lento

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(estase). A hipercoagulabilidade é resultado de uma alteração das vias de coa-gulação, contribuindo, com menor frequência, para os estados trombóticos.

Clinicamente, a formação do êmbolo é uma das piores consequências da trom-bose. O êmbolo se caracteriza por massas trombóticas (de sangue coagulado) quese desprendem do local onde se formaram e passam a se movimentar no interiordos vasos, podendo assim, alojar-se em um vaso de menor calibre, provocando suaobstrução. Os trombos venosos podem causar embolização pulmonar e os trom-bos arteriais podem causar obstrução em outros vasos do organismo.

8.7.3 Aterosclerose

A aterosclerose é uma doença das artérias de grande ou médio calibre carac-terizada por alterações da camada íntima (primeira camada mais próxima da luzdas artérias) proporcionadas pelo acúmulo de lipídios, componentes do sangue,células e materiais intercelulares, que leva a redução da luz do vaso podendochegar a uma obstrução praticamente completa do vaso. Uma característica daaterosclerose é que seu desenvolvimento decorre muito do estilo de vida ado-tado, em especial com alimentação inadequada e sedentarismo. Com relação àalimentação inadequada, vale ressaltar, que desde a adolescência devemos nospreocupar com uma alimentação saudável, reduzir o consumo de frituras emgeral e alimentos com grande quantidade de gorduras de origem animal, umavez que este acúmulo de lipídios é gradual, e na maioria das vezes cumulativo.

8.8 EXPERIMENTANDO UMA IDEIA

Lucia Maria Paleari2

8.8.1 Um modelo didático da circulação sanguínea e suas trocas gasosas

8.8.1.1 Passos Iniciais: idealização e resolução de problemas

O modelo descrito a seguir, para demonstrar como acontece a circulaçãodo sangue, os principais órgãos que dela participam e os processos de troca

2. Unesp – Departamento de Educação, IB CP 510, 18618-970 Botucatu, SP [email protected]

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envolvidos no corpo e entre este e o ambiente no qual está inserido o ser vivo,foi elaborado por Lujani Camilo e Rafael Barros, hoje bacharéis em biomedici-na, durante atuação como voluntários junto aos alunos do Projeto de ExtensãoUniversitária Colorir3.

O desafi o, quando convidados a participar do evento ‘ExperimentandoCiência – Biologia e seus Fundamentos’, foi o de criar oportunidade para en-volver os adolescentes do referido projeto na preparação de um experimento,de tal forma que aliassem teoria e prática acerca de um tema da Biologia a umprocesso de ensino-aprendizagem. O tema escolhido foi: circulação sanguíneahumana. A partir dele seria construído um modelo didático. Este material ela-borado seria, então, utilizado pelos adolescentes para divulgação do assunto,interagindo com os participantes do evento.

Defi nido o tema, discutidas as ideias iniciais e a exequibilidade da pro-posta, os dois graduandos empreenderam as buscas, para defi nir e adequarmateriais e equipamentos ao que fora idealizado.

A necessidade de um indicador químico, que, acrescentado ao líquido querepresentaria o sangue, simulasse mudanças devido às trocas gasosas que nor-malmente ocorrem nos tecidos do corpo e nos pulmões levou-os ao Dr. JúlioToshimi Doyama, químico do Instituto de Biociências, Unesp-Botucatu. Aten-cioso e colaborador, o professor Júlio inteirou-se da proposta e das necessidadesespecífi cas do modelo idealizado, para poder defi nir uma substância indicadorae testar concentrações em busca do ponto ideal de virada de cor, para a simula-ção pretendida. O trabalho foi um sucesso, apesar das difi culdades técnicas. Essafoi uma conquista fundamental, mas havia ainda outros desafi os:

Como simular um coração humano, com 4 câmaras (ver Figura 1), quetrabalhasse no bombeamento do líquido? Como simular pulmões e tecidos docorpo, onde se processam as trocas gasosas? Como simular os gases oxigênioe carbônico, entrando e saindo do sistema em cada uma dessas duas situaçõesespecífi cas?

Considerando que modelo é uma representação simplifi cada e que, para onosso objetivo, deveria permitir manipulação, a primeira questão foi resolvida

3. http://www.ibb.unesp.br/extensao/projetos/colorir/projeto_colorir.php

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construindo um ‘coração’ de tecido onde foram embutidas duas bombas detransferência de fl uido. Essa bombas, ao serem pressionadas, impulsionariamo líquido (~sangue) contido no sistema, para os tubos a elas ligados. Porém, o‘sangue’ ao chegar ao ‘coração’, iria novamente para as bombas e não para duasoutras câmaras a representar os átrios. Por isso, a solução encontrada foi a demanter o modelo do coração, feito de tecido, fechado. Deixou-se apenas umaabertura para a introdução e retirada das bombas de transferência de fl uidos,que durante as apresentações era mantida fechada por meio de uma tira develcro ali afi xada.

O pulmão e os tecidos neste modelo, à semelhança do que normalmenteacontece no corpo, seriam os locais onde trocas gasosas deveriam deixar olíquido que chegasse, menos e mais ácido, respectivamente. Dessa forma,o indicador provocaria as mudanças de cor, para representar ‘sangue’ maisoxigenado (pulmão) e menos oxigenado, com mais gás carbônico (tecidosdo corpo).

Duas cubas de vidro, devidamente adaptadas, serviram para representar oque acontece nos pulmões e nos tecidos do corpo. Assoprando com um canu-do para dentro do líquido da cuba que passou a representar os tecidos, o gáscarbônico determinaria a redução do pH e, consequentemente, mudança decor do líquido, que passaria a ser o ‘sangue’ repleto de gás carbônico. Daí eleseguiria para o ‘coração’ e deste para a outra cuba de vidro, que representaria oque se passa nos pulmões. Nesta, uma bombinha de aquário injetando ar, de-terminaria a renovação gasosa, com redução do gás carbônico, o que elevariao pH do meio e, com isso, nova mudança de cor do líquido, que voltaria a ter acor original, quer dizer, antes de receber o gás carbônico na cuba a representaros tecidos do corpo. Desta forma, foi respondida a última pergunta, portanto,já seria possível avançar e dar o passo rumo à concretização da proposta.

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8.8.2 Construção do modelo

Materiais necessários à estrutura:

duas cubas de vidro de aproximadamente 15 cm de largura X 15 cm de •comprimento X 25,5 cm de altura;...litros de água •Aproximadamente 1 colher das de sopa de alizarina (indicador) •4 mangueiras de borracha (ou silicone) com 1 cm de diâmetro (incluindo•a parede, em ambos os lados) e aproximadamente 1 m de comprimento;Um pedaço de mangueira de borracha (ou silicone) com 1 cm de•diâmetro e aproximadamente 40 cm de comprimento;dois transferidores de fl uido;•uma bombinha de aquário;•um pedaço de feltro vermelho•velcro + cola de contato (ou linha e agulha de costura)•uma bisnaga de silicone para vedação.•

Montagem

Faça dois furos de 1 cm de diâmetro em lados opostos em cada uma dascubas, posicionando um na base (+ 5 cm acima dela, Figura 4 A) e outro pró-ximo à abertura (+ 10-12 cm abaixo dela, fi gura 4B). Introduza uma manguei-ra em cada um desses furos e vede bem com silicone. Como o diâmetro damangueira é de 1 cm, às vezes se faz necessário abrir um pouquinho mais osorifícios das cubas.

Costure um ‘coração’ com o feltro deixando uma abertura lateral, para in-troduzir os dois transferidores de fl uido (Figura 5). Essa abertura poderá serfechada com velcro. Deixe ainda dois orifícios na região superior e dois naregião inferior para serem atravessados pelas mangueiras.

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Figura 4 Cuba de vidro para simular das trocas gasosas nos tecidos e nos pulmões; as letras ‘A’ e‘B’ indicam os furos de saída e entrada do líquido que representa o sangue.

Figura 5 (A) ‘Coração’ feito de tecido e (B) uma bomba transferidora de fl uido acomodada em um dos lados, do coração; lateral clara (parte superior) é velcro para o fechamento.

Coloque a extremidade da mangueira, oposta àquela fi xada no furo basalda cuba ‘tecidos do corpo’ (CT), na abertura superior do lado direito do cora-ção e acople, vedando bem, ao respectivo transferidor de fl uidos (Figura 6). Aoutra mangueira fi xada no furo superior desta mesma cuba deverá ter a extre-midade oposta introduzida na abertura do lado esquerdo inferior do ‘coração’e acoplada ao transferidor de fl uidos (Figura 6). Todos esses encaixes deverãoser completamente vedados com silicone.

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Figura 6 Esquema geral de montagem do modelo de sistema circulatório: Circulação pulmonar (à esquerda, cuba com líquido cor de vinho) e Circulação sistêmica (à direita, cuba com líquido

vermelho claro).

Na outra cuba (CP), que representa o pulmão, a mangueira fi xada no furo dabase deverá ter a extremidade oposta introduzida no orifício do lado esquerdodo ‘coração’ e acoplada ao respectivo transferidor de fl uidos, enquanto a man-gueira fi xada no orifício superior desta mesma cuba deverá ter a extremidadeoposta introduzida no furo inferior do lado direito do ‘coração’ (Figura 6). Todosestes encaixes também deverão ser completamente vedados com silicone.

Em um balde de 10 litros, semelhante àquele que se encontra entre as duascubas da Figura 6, coloque aproximadamente 8 litros de água mineral (pHneutro) e uma colher das de sopa de alizarina, indicador cujo ponto de vira-gem (mudança de cor) fi ca em torno de pH 7.2. Dessa forma, a solução fi carácor de vinho quando o meio estiver levemente básico, isto é, acima de 7,2 emudará de cor, passando a vermelho claro, quando o meio estiver levementeácido, isto é, abaixo de pH 7,2.

Com cuidado, introduza este preparado nas duas cubas, uma que repre-senta os pulmões (Figura 6, cuba do lado esquerdo) e a outra que representa ostecidos do corpo (Figura 6, cuba do lado direito).

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Funcionamento

Aperte o lado esquerdo do ‘coração’ (Figura 7). O ‘sangue’ que vem do‘pulmão’ será conduzido até a ‘artéria aorta’ e daí seguirá até a extremidadeda mangueira que está acoplada ao orifício superior da cuba que representaos tecidos do corpo. O ‘sangue’ cairá na cuba, onde um pedaço de mangueiranele introduzido (ver fi gura 7) permitirá que uma pessoa, ao assoprar por ele,borbulhe gás carbônico no seu interior (Figura 8); o bastante para acidifi car omeio (redução do pH), como acontece quando as nossas células, depois de fa-zer a respiração celular, liberam o gás carbônico. Com isso, o indicador mudade cor. O ‘sangue’ torna-se vermelho mais claro, cor que indica um sangue ve-noso (muito gás carbônico e pouco gás oxigênio). Esse ‘sangue’ sai pelo orifícioda base da cuba ‘tecidos do corpo’ e segue por veias para o coração, onde chegapela veia cava. É hora de bombear esse ‘sangue para a cuba que representa ospulmões, para que seja oxigenado e o gás carbônico seja expulso.

Figura 7 Bombeamento do ‘sangue’ para os ‘tecidos do corpo’.

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Figura 8 Aluno do ensino fundamental introduz gás carbônico no ‘sangue’, ao assoprar pelocanudo, fazendo borbulhar o líquido.

Aperte o lado direito do ‘coração’ (Figura 9). O ‘sangue’ vermelho claro,portanto venoso, repleto de gás carbônico, que aí chegou, sairá pela artériapulmonar e será conduzido até a cuba que representa os pulmões, onde entrapelo orifício superior. Nesse local, uma bombinha de aquário em funciona-mento borbulha ar e faz com que gás carbônico seja expulso do ambiente, istoé do ‘sangue’. Dessa forma, ele torna-se básico e muda de cor, voltando à corde vinho, característica do ‘sangue’ oxigenado. Pelo orifício inferior da cuba‘pulmão’ esse sangue segue para o ‘coração’, de onde poderá ser bombeado paraa cuba ‘tecidos do corpo’, levando oxigênio para que as células dos tecidos pos-sam obter energia realizando o processo de respiração celular.

A explicação de todo esse processo de construção e funcionamento domodelo, gravada em vídeo durante o evento Experimentando Ciência”, poderáser obtida no endereço: http://www.youtube.com/watch?v=DTblMSgF9dQ.

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8.9 AGRADECIMENTOS

Quero expressar meus sinceros agradecimentos à Lujani e ao Rafael, nãosó pela preparação do modelo aqui apresentado, mas especialmente pelo tra-balho voluntário de longo prazo desenvolvido com os adolescentes do ProjetoColorir.

Figura 9 Bombeamento do ‘sangue’ dos ‘tecidos do corpo’ para os ‘pulmões’.

8.10 BIBLIOGRAFIA

COLTRO, R. S.; MIZUTANI, B.M.; MUTTI, A.; DELIA, M.P.B.; MARTINELLI,L.B.M.; COGNI, A.L.; MATSUBARA, B.B. “Frequência de fatores de risco cardio-vascular em voluntários participantes de evento de educação em saúde”. Revista daAssociação de Médica Brasileira, 2009, vol.55, no.5, p.606-610, 2009.

GUYTON A.C.; HALL J.E. Tratado de Fisiologia Médica. 11 ed. Rio de Janeiro: Guana-bara Koogan, 2006, capítulos 9,10,14,15, 39 e 40.

MARTINS, I.S.; COELHO, L.T.; MAZZILLI, R.N.; J.M.; DE SOUZA, C.U.; ANTONIE-TO, JR., A.E.; PASINI, U.; NIETO, R.A.; ÁLVARES, E.D.; OKANI, E.T. “Doenças

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cardiovasculares ateroscleróticas, dislipidemias, hipertensão, obesidade e diabetesmelito em população da área metropolitana da região sudeste do Brasil: I – Meto-dologia da pesquisa”. Revista Saúde Pública, vol.27, no.4, p.250-261, 1993.

RANDALL D.; BURGGREN W.; FRENCH K. Fisiologia Animal. 4 ed. Rio de Janeiro:Guanabara Koogan, 2000, capítulo 12, 433-435 p.

SILVERTHORN, D.U. Fisiologia Humana: uma Abordagem Integrada. 2 ed. Barueri,SP: Manole, 2003, capítulos 14,15 e 16.

WOODS S. L.; FROELICHER E.S.S.; MOTZER S.U. Enfermagem em Cardiologia. 4ed. Barueri, SP: Manole, 2005, capítulo 1, 3-58 p., capítulo 32, 909-954.

8.11 SÍTIOS DA INTERNET

http://publicacoes.cardiol.br/caminhos/08/default.asp – acesso em abril de 2010,hospedado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.

http://www.cdcc.usp.br/ciencia/artigos/art_46/aprendendo.html – acesso em abril de 2010

8.12 PARA SABER MAIS

http://www.ibb.unesp.br/museu_escola/index.php, vários temas para o ensino médio

http://www.ibb.unesp.br/departamentos/Fisiologia/mural_links.php, cartilhas sobrehipertensão e plantas medicinais, hábitos alimentares e insufi ciência cardíaca

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9MECANISMOS DE LOCOMOÇÃO EM EQUINODERMOS, MOLUSCOS E PEIXESRaquel Sanzovo Pires de Campos1

Luis Henrique Batista Ramos2

9.1 INTRODUÇÃO

Há um desafi o atual para que se desenvolvam diferentes conteúdos pro-gramáticos do Ciclo Básico de forma articulada, permitindo ao aluno a com-preensão contextualizada dos assuntos. A interdisciplinaridade, sugerida nosParâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), é uma proposta de traba-lho que exige o entrelaçamento de diferentes disciplinas, para a construção deconhecimento integrado e coerente. Promover essa articulação nem sempre éuma tarefa fácil, dados os nossos condicionamentos impostos pelas estruturascurriculares clássicas, nas quais as disciplinas se dão de maneira isolada.

No entanto, criatividade e empenho na busca de explicações para fenôme-nos da Natureza, aliados a um sólido conhecimento teórico do assunto a sertratado, pode resultar em propostas dinâmicas e favorecedoras de conheci-mento signifi cativo.

Neste capítulo desenvolveremos um conteúdo das ciências biológicas deforma a integrá-lo aos fundamentos de física utilizando-se da biodinâmica,ciência que tem por objetivo explicar o conjunto de fenômenos que ocorremcom corpos estáticos ou em movimento. Deste modo, nos propomos a respon-der a seguinte pergunta: Como promover ensino integrado de física e biologia,explicando as diferenças na locomoção de seres vivos?

Para tal, optamos por abordar os fenômenos da locomoção dos animaisaquáticos, dando maior foco aos grupos dos equinodermos, moluscos e peixes.

1. Unesp – Departamento de Educação, FC 17033-360 Bauru, SP [email protected]. Unesp – Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas, Botucatu, SP [email protected]

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9.2 FINALIDADES E VANTAGENS DO MOVIMENTO

A locomoção é o ato de mover-se de um lugar para outro, buscando seaproximar ou distanciar de determinados estímulos, locais ou recursos. Umanimal pode se deslocar em busca de condições para a sua sobrevivência, comoacontece, por exemplo, com as aves migratórias, que chegam a atravessar con-tinentes inteiros em busca de um recurso específi co ou de um local de climamais ameno em determinada época do ano, ou ainda de ambos.

Um peixe pode se deslocar por caminhos adversos e vencer as corrente-zas do rio para encontrar um lugar apropriado para a reprodução e garantiro desenvolvimento de sua prole. Portanto, ao se deslocarem os animais estãointeragindo com o ambiente.

Aliás, o tipo de locomoção adotado está diretamente relacionado com ascaracterísticas do ambiente em questão. Por exemplo, o ambiente aquático,apesar de possuir uma grande diversidade de habitat, tem características pró-prias, por exemplo, a de como oferecer maior resistência ao deslocamento dosanimais quando comparado ao ambiente terrestre. Sendo assim, os animaishabitantes do ambiente aquático possuem corpos com particularidades parase locomover na água.

9.3 TIPOS DE MOVIMENTO

A locomoção pode ser realizada considerando três tipos básicos de movi-mentos: o amebóide, o ciliado-fl agelar e o muscular.

O movimento amebóide, realizado por alguns protozoários e fungos, ébaseado em mudanças na forma das células que emitem expansões celulareschamadas de pseudópodes. Quando uma ameba se movimenta ela confi guraa membrana citoplasmática em pseudópodes, para onde transfere conteúdo docitoplasma. Esse deslocamento no pseudópodo indica a direção do movimento.

Cílios e fl agelos são estruturas que se projetam para o exterior da célula,uma vez em batimento acabam por deslocar a água existente no meio, o queimpulsiona o animal. Entretanto, apesar de muito semelhantes, cílios e fl agelosapresentam diferentes padrões de movimento: os fl agelos realizam um mo-

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vimento parecido com de uma onda simétrica, e os cílios, assimetricamentecomo uma chicoteada.

Os músculos são tecidos que geram e transmitem força. O conjunto dasforças cuja origem se dá neste tecido é chamado de força muscular. Direcio-nado, e com o auxílio do sistema esquelético no qual se apóia, este conjuntode forças, musculares pode promover um movimento, através da mudança daconformação de algumas proteínas.

A contração dos músculos é resultado da transformação de energia quí-mica em energia mecânica, com a dispersão de energia térmica (liberaçãode calor). Mesmo que em diferentes níveis de organização e complexidade, épossível se observar a movimentação orientada por músculos na maioria dosinvertebrados e dos vertebrados. Nas Tabelas 1 e 2 foram reunidos diferentesgrupos taxonômicos cujos representantes são exemplos dos principais modosde locomoção nos invertebrados e vertebrados, respectivamente.

Tabela 1 Características gerais da locomoção nos diferentes fi los de invertebrados.

Filo Características gerais da Locomoção

Cnidários

Pólipos: maioria séssil•Medusas: nadam por jato-propulsão comprimindo seus sinos. •Hydras e anêmonas-do-mar: Algumas rastejam sua base ou dão cambalhotas.•

Platelmintos

Cílios para deslizamento sobre superfícies.•Movimentos rastejantes•Natação muscular•

Nematelmintos

Musculatura bem-desenvolvida abaixo da epiderme.•Locomoção ondulatória pela contração dos músculos longitudinais.•Alguns podem nadar e rastejar pelo substrato.•

AnelídeosApresentam músculos e alguns podem possuir cerdas.•Podem escavar, rastejar e nadar para realizar seus deslocamentos.•

Moluscos

Maioria apresenta grande pé muscular localizado na região ventral.•Movem-se, principalmente, por contrações musculares ondulares.•Cefalópodes nadam rapidamente expelindo água da cavidade do manto.•(Veja item 5.5)

Artrópodes Músculos fl exores e extensores ligados ao exoesqueleto.•

Equinodermos

Determinada pela confi guração global do corpo.•Alguns lírios-do-mar são sésseis.•Utilizam-se do Sistema Ambulacral (ver item 5.4).•Braços articulados podem permitir a natação.•

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Tabela 2 A Locomoção nos vertebrados

Vertebrados Características gerais da Locomoção

Peixes

Natação•Músculos e esqueletos•Nadadeiras•Órgãos internos: bexiga natatória e fígados desenvolvidos. •

Anfíbios

A maioria apresenta quatro membros. •Movimento conhecido como trote-andador (membros diagonais movimentam ao •mesmo tempo), e também podem nadar e saltar.

Répteis Podem nadar, correr, cavar, trepar e até planar pelo ar.•

Aves

Podem voar, caminhar, correr e nadar.•Asas, penas e sistema esquelético particular para o voo.•Membros posteriores (pernas).•

Mamíferos

Membros variados dependendo do modo de vida. •Quase todos os tipos de locomoção. Podem correr, saltar, cavar, subir em árvores, •planar no ar, voar ou nadar.

9.4 PECULIARIDADES DA LOCOMOÇÃO NA ÁGUA

Independente do tipo de locomoção, para realizá-lo há um custo meta-bólico, ou seja, um gasto energético. A medida desta quantidade de energia,necessária para deslocar uma determinada massa por certa distância, é usual-mente expressa em unidades de quilocalorias necessárias por quilograma e porquilômetro percorrido.

Vários fatores têm interferência direta no custo metabólico. A quantida-de de massa é, seguramente, um dos maiores fatores de interferência, deter-minando que animais maiores gastem menos energia para mover uma dadamassa por certa distância. Acredita-se que este fato pode ser explicado, princi-palmente, pela maior efi ciência dos músculos. Há também um extenso núme-ro de fatores externos aos animais que interferem diretamente na locomoção.Temos, por exemplo, a inércia, que é a propriedade da matéria de permanecerno seu estado de movimento ou repouso em que é colocada, e o atrito, forçaque resulta da fricção de duas superfícies que se colocam em contato e que seopõem ao movimento.

Além disso, o meio em que o indivíduo se encontra (água, ar ou terra)também exerce grande infl uência na locomoção, resultado das diferenças naviscosidade e densidade dos diferentes meios. Por isso, certos fatores são mais

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pronunciados na água do que no ar, impondo difi culdades mecânicas, comomaior resistência à realização de movimentos, o que demanda maior gasto deenergia pelo animal. Mas, os seres vivos aquáticos desenvolvem estratégiaspara economizar energia, seja por meio de formas hidrodinâmicas, estruturasde baixa densidade, ou de mecanismos bioquímicos mais efi cientes.

Mas, ter um ambiente aquático como moradia também apresenta algumasvantagens. Quando um animal se locomove é necessário que ele desempenheuma força para sustentar o seu corpo a fi m de poder direcionar seu movimento.Ao mesmo tempo em que a densidade, mais pronunciada quando comparadaà do ar, difi culta um movimento mais veloz, ela proporciona, também, maiorfacilidade para sustentação dos corpos neste ambiente. Deste modo, o gastoenergético necessário para o animal é menor se comparado ao de um animalque se desloca pelo ar. Portanto, um animal na água pode utilizar a energia,antes gasta para sustentar seu corpo, para impulsioná-lo na direção desejada.

9.5 CAMINHANDO PELO MAR – PASSO-A-PASSO COM OS EQUINODERMOS

Esse grupo de seres vivos, que possui simetria radial, apresenta mais de6.000 espécies, todas marinhas. Os exemplos mais conhecidos são as estrelas-do-mar, ouriços-do-mar, serpentes-do-mar, bolachas-da-praia (corrupios),pepinos-do-mar e lírios-do-mar.

Os mais primitivos equinodermos tinham como perfi l a vida séssil e a ali-mentação à base de partículas em suspensão, característica que pode ser ob-servada no grupo dos lírios-do-mar, que mantém até hoje esta particularidade.Mas fora exceções como essa, praticamente todos os principais viventes decada grupo dos equinodermos são, ao menos, parcialmente móveis.

É próprio do grupo um sistema de canais conhecido como Sistema vascu-lar aquífero, ou sistema ambulacral (ambulare, do latim, caminhar), podendoainda ser denominado de sistema hidrovascular (ver Figura 1). Este sistema,responsável pela locomoção, participa também da alimentação, das trocas ga-sosas e da circulação. Constitui-se de uma rede de canais que se ramifi campor todo o corpo do animal. Através deste sistema de ductos a água penetrapelo madreporito (Figura 1A) e é conduzida para todo o indivíduo, chegando

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aos pés ambulacrais, que são projeções do sistema de canais internos. Os pésambulacrais atravessam o endoesqueleto e se projetam para o meio externo,toda vez que a musculatura da ampola (Figura 2) é contraída. A água presentenesta estrutura é lançada para o pé ambulacral, que então se alonga. Exceto emalguns animais que vivem em substratos moles, os demais têm uma ventosana extremidade do pé, que lhes permite fi xar ao substrato e então se mover. Aventosa fi xada é então liberada e o pé é recolhido.

Figura 1 Esquema do sistema ambulacral dos equinodermos. (A) madreporito, local de penetração da água; (B) ampola; (C) pé ambulacral (D) ventosa na extremidade externa do pé

ambulacral.

Figura 2 Mudanças na posição de um pé ambulacral que leva o animal a se mover no sentido da seta.

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Visto em conjunto, a ação coordenada de adesão-descolamento dos pésambulacrais dos equinodermos se assemelha muito a um deslizamento, e podeainda ser comparada ao movimento dos nossos pés, como um vagaroso cami-nhar passo a passo.

No caso dos Asteroidea (estrelas-do-mar) o deslocamento é comandadopor um ou dois braços, que defi nem a direção a ser tomada pelos demais, sejapara frente ou para trás. Além disso, a ação combinada de ventosas aderidas aum substrato permite movimentos mais complexos e de maior difi culdade deexecução, como acontece na escalada de uma superfície lisa.

Mas não são todos os equinodermos que se movimentam vagarosamente.Os ofi uróides, que estão entre os integrantes mais ágeis do grupo, conseguemrealizar movimentos, por meio dos quais o corpo é propelido aos saltos, atra-vés da batida de dois braços laterais como uma espécie de remada.

Alguns equinodermos podem, ainda, realizar o movimento chamado derefl exo de endireitamento. Toda vez que uma estrela-do-mar é virada com aregião oral para cima, ela pode, apoiando um ou mais braços no substrato, ras-tejar todo o corpo até que a superfície oral retorne à posição correta, voltadaao substrato.

É importante lembrar que a fl exibilidade e presença de estruturas de ri-gidez infl uenciam diretamente na locomoção de indivíduos do grupo. Algu-mas espécies, tais como os ouriços-do-mar e as bolachas-da-praia, apresentamplacas calcárias fundidas, formando uma carapaça rígida recoberta por umafi na epiderme, constituindo um endoesqueleto. Em outros indivíduos, comoas estrelas-do-mar e as serpentes-do-mar, essas placas calcárias são reduzidasa pequenos ossículos conferindo, assim, fl exibilidade ao animal. Há ainda osindivíduos nos quais estas placas apresentam dimensões microscópicas, comoos pepinos-do-mar, animais também bastante fl exíveis.

Outra característica que pode infl uenciar na locomoção dos indivíduosdeste grupo é a presença ou ausência de outras projeções externas além dos pésambulacrais, como os espinhos, que caracterizam e conferem o nome ao grupo(echinos, do grego, espinho). Estes espinhos são projeções do endoesqueletoe podem ser curtos, servindo unicamente para proteção, ou longos e móveis,auxiliando na movimentação, como acontece com o ouriço-do-mar.

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9.6 MOLUSCOS EM MOVIMENTO A JATO.

O fi lo Mollusca (mollis, do latim, mole, macio) reúne animais tais comoostras, lulas, polvos, mariscos, caracóis, lesmas e outros, totalizando, na faunaatual, aproximadamente 100 mil espécies.

Devido à grande diferença morfológica entre os grupos dentro do fi lo, tra-taremos apenas da classe dos cefalópodes, que compreende os moluscos maiscomplexos e mais ativos, todos marinhos e, na sua maioria, pelágicos, isto é,que vivem em mar aberto onde nadam livremente (Ex: lulas, sépias, sibas, náu-tilos e argonautas). Trata-se dos maiores invertebrados existentes.

Por serem exclusivamente predadores, os cefalópodes, que apresentamcorpo alongado, pé e cabeça volumosa, precisam ser ágeis e rápidos. O grandepé muscular utilizado para deslocamento na maioria dos moluscos, nos cefaló-podes se modifi ca durante a fase embrionária originando braços com ventosaao redor da boca e ao funil.

Colabora também para o sucesso da locomoção dos indivíduos deste grupoa ausência da rígida concha calcária externa, tão característica em outros indi-víduos do fi lo. Nas lulas a concha é interna e reduzida, já, nos polvos, ela é total-mente ausente. A forma alongada da lula e alguns tipos de tentáculos de polvosrepresentam também uma adaptação para um movimento mais ágil. Não é à toaque os cefalópodes empregam diferentes tipos de movimentação, vários tipos denado e alguns movimentos inusitados como o caminhar com tentáculos e “voar”,como fazem algumas lulas que se lançam para fora da água com grande força.

Mas, a mais efi caz forma de movimento é através de um jato, que faz oanimal se movimentar em pulsos e ritmicamente expelindo água da cavida-de existente no manto. Este compartimento, além de ser capaz de armazenarágua, também orienta e defi ne a direção do movimento. Em seu interior háa membrana valvulada, responsável pelo controle da pressão, auxiliando nocontrole da entrada e saída da água. Quando a cavidade está vazia, a pressãoda água exterior é maior e o movimento da água tende, portanto, a ser do meioexterior para o interior, uma vez aberta a membrana valvulada. Quando a ca-vidade está cheia, a membrana valvulada se fecha completamente tornando apressão interior maior que a exterior.

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Também auxiliam neste processo de movimentar a água para o interior, acontração dos músculos radiais e o relaxamento dos músculos circulares. Demaneira oposta, o relaxamento dos músculos radiais e a contração dos múscu-los circulares promovem a expulsão da água.

Assim, a água que se encontrava dentro do manto é liberada em jato atra-vés do sifão e a direção do movimento do animal é sempre contrária a ele. Oprincípio de ação e reação explica com facilidade este ocorrido: toda força deação provoca uma força de reação. Essas forças são iguais, porém de sentidoscontrários. Ou seja, a lula empurra a água, a água empurra a lula (Figura 3).

Figura 3 Desenho esquemático de uma lula, indicando o sentido de saída de água do corpo, que é contrário ao sentido do movimento – Propulsão a jato – do animal.

Ocorrido isto, todas as estruturas voltam à conformação inicial e o pro-cesso pode iniciar-se novamente de tal modo que as repetidas contrações domanto permitem uma locomoção efi ciente.

Alguns representantes possuem ainda, uma estrutura de proteção, umaglândula de tinta localizada próxima ao sifão. A tinta, que é produzida peloanimal, tem uma densidade maior que a da água, por isso, após ser liberadademora a se diluir, mantendo a água escura, tempo em que o animal foge depredadores, escapando ileso.

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9.7 O SOBE E DESCE DOS PEIXES

O corpo dos peixes pode apresentar várias formas, resultado de especiali-zações a diferentes ambientes, e pode nos informar características sobre o seumodo de vida, como por exemplo, se eles se locomovem em alta ou baixa ve-locidade, se habitam regiões mais profundas, entre outras. O corpo dos peixesapresenta formato hidrodinâmico, que favorece o nado, reduzindo o atrito e asdifi culdades impostas pela maior densidade do ambiente aquático. Tambémconta com o auxílio de estruturas morfológicas externas como as nadadeiras,as escamas (peixes ósseos) ou dentículos dérmicos (peixes cartilaginosos) e deórgãos internos como bexiga natatória, vesículas, fígados e outros.

9.7.1 Estruturas externas ligadas à Locomoção

A locomoção pode ser considerada a característica única mais reconhecí-vel dentro da enorme diversidade de peixes. Ela é realizada através da natação,que é o resultado de contrações e relaxamentos musculares sequenciais do cor-po dos peixes.

Na natação os movimentos musculares podem originar ondulações pro-vocando a formação de ondas que passam pelo corpo dos peixes, ou oscila-ções, que fazem o corpo do peixe se movimentar de um lado para o outro.Esses dois movimentos são os responsáveis pela propulsão dos peixes nomeio aquático. Alguns peixes utilizam ambos os movimentos enquanto ou-tros apenas uns deles.

As principais estruturas externas responsáveis pela natação dos peixes sãoo tronco e as nadadeiras.

9.7.1.1 Tronco

O tronco é classifi cado de acordo com a forma: fusiforme, atenuado oualongado, truncado (curtos), comprimido e deprimido. O corpo fusiforme éideal para locomoção à alta velocidade, e apresenta um maior desempenhoem regiões onde não encontram obstáculos e podem alcançar alta velocida-de de natação. Os peixes de corpos comprimidos (achatados lateralmente e

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altos dorso-ventralmente) e curtos apresentam maior facilidade em realizarmanobras, e por isso apresentam maior desempenho em lagos ricos em ve-getações ou recifes de corais pela grande exigência de manobras. Já os peixesdeprimidos habitam preferencialmente regiões próximas aos sedimentos, poisseu corpo achatado dorso-ventralmente permite um melhor desempenho nalocomoção sobre os sedimentos.

9.7.1.2 NADADEIRAS

Dentre as várias funções exercidas pelas nadadeiras, a locomoção aquáticaé a de maior destaque. De acordo com os aspectos funcionais as nadadeirasserão apresentadas em grupos: a) caudal; b) dorsal, anal e adiposa; c) peitoraise pélvicas (Figura 4).

Figura 4 Desenho esquemático de um peixe ósseo, salientando os tipos de nadadeiras.

Caudal: a nadadeira caudal é localizada na extremidade da região posteriordo peixe, e é única. Sua principal função é produzir impulso para a locomoçãona direção horizontal.

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Dorsal, anal e adiposa: são nadadeiras geralmente únicas. A nadadeira dor-sal se encontra quase sempre ao longo do dorso. A nadadeira anal encontra-sepredominantemente na região ventral e posterior ao ânus. A nadadeira adiposana maioria das vezes está localizada na região dorsal posterior do peixe. Uma dasprincipais funções dessas nadadeiras é proporcionar estabilidade e impedir rota-ções no eixo horizontal do animal, principalmente em movimentos bruscos.

Peitorais e pélvicas: são nadadeiras pares. As peitorais estão localizadas naparte anterior, próximas à região ventro-lateral do corpo. As pélvicas estão loca-lizadas na parte anterior próximas à região ventral do corpo. A principal funçãodessas nadadeiras é a de realizar as manobras de subida e descida do peixe.

9.7.2 Estruturas internas ligadas à locomoção

Todo corpo sempre tende a cair por causa do efeito exercido pela gravi-dade e no ambiente aquático não é diferente. Apesar da grande densidade daágua diminuir o efeito da gravidade, os peixes sofrem a pressão exercida pelovolume de água localizado acima de seus corpos e assim precisam se manterem movimento para não afundar, uma vez que a maioria dos peixes necessi-tam permanecer em profundidades específi cas. Para os peixes se manteremem profundidades específi cas ou se locomoverem com um menor gasto deenergia (gasta para não afundar) eles precisam atingir uma fl utuabilidade, ouseja, igualar a densidade de seu corpo à densidade do meio aquático. São pou-cos os organismos aquáticos que possuem uma densidade menor ou igual à daágua, sem a ajuda de órgãos especializados. Dentre esses órgãos especializadosdestacam-se a bexiga natatória nos peixes ósseos e a grande reserva de óleo nospeixes cartilaginosos.

9.7.2.1 BEXIGA NATATÓRIA

A bexiga natatória é uma bolsa oval (Figura 5), de paredes moles, locali-zada no interior do peixe. Sua forma é bastante variada, mas o seu volume éconstante nas diferentes espécies.

A principal função da bexiga natatória é atuar na fl utuabilidade dos pei-xes e assim facilitar a sua locomoção principalmente na direção vertical. Isso

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acontece porque na parede da bexiga natatória há uma glândula de gás irrigadacom sangue que circula por uma rede de vasos (Rete mirabile) (Figura 5). Osgases presentes no sangue dessa rede de vasos invadem as paredes moles dabexiga natatória e tendem a expandi-la, aumentando o seu volume. Por outrolado, quando esses gases deixam as paredes moles, a bexiga tende a murchar eassim diminuir o seu volume.

Figura 5 Desenho esquemático de uma bexiga natatória.

Considerando que a densidade é uma relação entre a massa e o volume deum corpo (D = m/v, sendo “D” a densidade, “m” a massa e “v” o volume docorpo), quanto maior a massa e menor o volume de um corpo, maior será asua densidade, portanto, maior a sua tendência para afundar. Com o aumentodo volume e a permanência da mesma massa, ocorre uma diminuição da den-sidade, que ao se igualar à da água resulta em fl utuabilidade para o peixe, istoé, ele não mais afundará. Assim, menos energia será gasta com atividade desustentação do corpo, facilitando a natação.

Desse modo, se um peixe deseja descer na coluna de água com maior fa-cilidade ele aumenta sua densidade corpórea através da retirada de gás de suabexiga. Por outro lado, se um peixe deseja subir na coluna de água com umamaior facilidade ele diminui sua densidade corpórea enchendo de gás sua be-xiga natatória através da glândula de gás localizada na parede da bexiga.

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Sendo assim, podemos dizer que a bexiga natatória não é um órgão lo-comotor e não atua diretamente na locomoção dos peixes ósseos, mas simfacilita a natação dos peixes que é realizada principalmente pelo tronco e pelasnadadeiras.

Vale ainda salientar que a bexiga natatória, não ocorre em todos os peixes.Por exemplo, peixes cartilaginosos não possuem bexiga natatória, tendo resol-vido a questão da fl utuabilidade por meio de um fígado maior, constituído por75% de óleo, que faz com que eles tenham a densidade reduzida.

9.8 EXPERIMENTANDO UMA IDEIA

9.8.1 Nasce uma estrela

Para uma melhor visualização do sistema de canais internos, foi propostauma maquete, que precisou, para a sua construção, dos seguintes materiais:

40 bicos de chupetas,•Tinta plástica PVA para artesanato, cor cerâmica.•40 miçangas redondas de 0,5mm de diâmetro•Cola acrílica•Massa corrida•3 placas de isopor 1,0 x1,0m•Cartolina•5 metros de mangueira de látex (conhecida popularmente como “Tripa •de mico”)Furadeira elétrica•

Um molde em formato de estrela, feito em cartolina, foi usado como mo-delo para recortar em isopor duas estrelas, sendo a primeira (estrela 1) usadapara receber o sistema ambulacrário no seu interior, e a segunda (estrela 2),para servir de cobertura.

Com o isopor restante foram feitas dez tiras de ½ cm de espessura. Estasforam coladas com cola acrílica, colocada contornando a face interna dos bra-ços da estrela 1 (Figura 6).

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Figura 6 Modelos de estrela-do-mar, com vista dorsal (à esquerda) e ventral (à direita): estrutura externa com pés ambulacrais (A) e estrutura interna com sistema ambulacral (B).

Do mesmo modo, colamos triângulos de isopor no seu interior, para indi-car uma profundidade na estrela e que, portanto, o sistema ambulacrário estáno seu interior. O processo foi repetido com outro molde de estrela, que serviude tampa (estrela 2).

À parte, foi feito o sistema de canais com a mangueira de látex e cola ins-tantânea, sendo este construído antes de ser introduzido no modelo da estrela1. No mesmo molde de cartolina foram marcadas as extremidades de cadacanal, para que se pudesse transferir com menor taxa de erros para a maquetede isopor. Cada extremidade do canal foi escavada no molde com furadeiraelétrica. Com o molde sobre a estrela 1 repassamos os furos. Colamos o moldede cartolina já pintado no interior da estrela para trazer mais rigidez ao isopor.O sistema de canais foi então colado à estrela já com os furos e com o molde decartolina, e depois colamos as miçangas com cola instantânea, simbolizando aampola. Na estrela 2 fi zemos apenas um furo também com furadeira e colamosum pedaço de 2,5cm de tripa de mico para representar o madreporito e o canalpétreo, como local de acesso da água.

Esperamos secar por algumas horas e em seguida lixamos e revestimoscom massa corrida as partes externas das estrelas tentando deixar a aparência

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA BBBBBBBBBBBBBBBBBB

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de “espinhos” para que fi casse mais real. Da mesma cor do molde, toda a es-trela foi pintada.

Figura 7 Locomoção em estrelas-do-mar: Exemplares fi xados por via seca – um modo errôneo deapresentar a locomoção nestes animais, utilizando as extremidades dos braços (A); pés ambulacrais(seta vermelha) situados ventralmente, usados pelo animal para sua locomoção (B); modelo de pés

ambulacrais e de todas as partes do sistema ambulacral, respectivamente (C e D).

Por último, adicionamos ao lado externo da nossa estrela 1 as extremida-des de chupetas aqui simbolizando nossas ventosas (Figura 7-C).

É importante ressaltar aqui que a cola instantânea e tintas do tipo “spray”podem corroer materiais como isopor, por isso há a necessidade de se tomarmuito cuidado.

9.8.2 Caminhando como uma estrela

Materiais

02 bicos de chupeta•02 ventosas de grande aderência•

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02 miçangas de 4 cm de diâmetro•Fio de náilon resistente•Papelão•Tinta plástica P.V.A para artesanato, cor cerâmica•02 Bexigas compridas tipo modelagem•Apoio para o fi o•Papel contact•01 canudo•

Montagem

Amarramos a boca de uma bexiga a uma miçanga e colocamos este con-junto dentro de um bico de chupeta. Este conjunto miçanga-bexiga deve fi carbem preso dentro do bico de chupeta. O processo foi repetido com mais umabexiga.

Um pedaço de papelão foi cortado e pintado da mesma cor da maquetepara simbolizar o braço de uma estrela. Este papelão recebeu dois furos ondese encaixaram cada uma das bexigas, de modo que o bico da chupeta fi cassepara cima e as pontas livres das bexigas atravessassem seu furo corresponden-te. As pontas livres das bexigas foram amarradas às ventosas.

Na parte de baixo do papelão foram colados dois pedaços de canudinhoque servirão como um trilho ao fi o de náilon, que foi passado por dentro ca-nudo e preso ao apoio. Adornamos este apoio para fi car mais atrativo aos olhosdos alunos. Repare que usamos uma mesa de madeira inversa, recoberta compapel contact (ver fi gura 8). Além da função decorativa, o contact é importantepor aumentar a adesão da ventosa à superfície do suporte, desde que não hajabolhas e ondulações.

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Figura 8 Estrutura do modelo utilizado para representação da locomoção de uma estrela-do-mar (A – braço com um par de pés ambulacrais (1); ampola (2); canal hidráulico unindo a ampola

à ventosa (3) e ventosa da extremidade do pé ambulacral (4)) e representação das etapas do movimento (B a E).

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9.8.3 Simulando a jato-propulsão

Materiais

01 bexiga•01 reservatório para água•01 seringa sem ponteira•Tinta hidrossolúvel qualquer.•

Modo de utilização

Com auxílio da seringa, enchemos a pequena bexiga com tinta hidrosso-lúvel, de tal maneira que o líquido dentro dela pudesse ser armazenado comcerta pressão. Quando soltamos a boca da bexiga, a água com tinta sai comcerta força e empurra a bexiga em sentido contrário. Simulamos com isso ajato-propulsão e a estratégia de liberação de tinta para proteção em um mode-lo simples de fácil aplicabilidade (Figura 9 H-K).

Figura 9 Modelo, em isopor, de uma lula com aspecto externo (A – B) e aspecto interno (C – D); espécimes fi xados com detalhe do sifão e ventosa, respectivamente, sendo apontados (E-F); polvo

com detalhe das ventosas (G). Exemplifi cação seqüencial da jato propulsão e com a conjunta liberação de tinta para proteção (H,I,J e K).

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9.8.4 Construção de um modelo de peixe com a bexiga natatória

A bexiga natatória é um órgão interno que pode auxiliar a locomoção dospeixes, mas embora extremamente relevante, não pode ser vista facilmente.Com o objetivo de demonstrar o funcionamento desse órgão, sugerimos o se-guinte experimento de fácil execução e grande viabilidade.

Para a representação de um peixe e sua bexiga natatória foi proposto umobjeto (Figura 10) construído com os seguintes materiais:

1 Garrafa PET transparente 250 ml•Pesos•1 presilha•1 bexiga fi na e longa •1 bico de plástico fi no e rígido•0,5 metros de arame fi no•

Delimite o corpo do peixe pela garrafa PET na posição horizontal “deita-da”. Em seguida fi xe dois pesos no centro da superfície da garrafa através deuma presilha. Esses pesos servem como âncoras para não permitir que o peixe“garrafa” suba na coluna d’água e assim permaneça no fundo do aquário.

Em seguida faça um furo na tampa da garrafa PET e introduza nesse furoo bico de plástico rígido. Uma extremidade desse bico permanecerá no lado dedentro da garrafa onde deve ser fi xada uma bexiga fi na e longa por meio de umarame fi no. Na outra extremidade que fi cou do lado de fora da garrafa encaixeuma mangueira de látex “tripa de mico” de aproximadamente meio metro decomprimento.

Modo de utilização

Para a demonstração do movimento dos peixes na coluna de água atravésde sua bexiga natatória utilize o “peixe” construído acima e os seguintes ma-teriais:

1 aquário (40 cm de comprimento X 20 cm de largura e 25 cm de altura)•0,5 metros de mangueira de látex “tripa de mico”•

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1 compressor de ar•Água•

Encaixe uma mangueira de látex de meio metro de comprimento na extre-midade do bico de plástico que fi cou do lado de fora do “peixe”. Em seguidaconecte a extremidade livre da mangueira a um compressor de ar localizadofora do aquário.

9.8.5 O mecanismo de movimentação vertical dos peixes

A subida

No inicio do processo o “peixe” permanece parado no fundo do aquáriocom sua bexiga vazia. Em seguida, o compressor de ar é ativado e através da“tripa de mico” o ar é conduzido para dentro da bexiga localizada dentro do“peixe”. Ao receber o ar a bexiga começa a se expandir, aumenta o seu volume,e consequentemente diminui sua densidade. Com a densidade menor que a daágua, o peixe atinge uma alta fl utuabilidade e desse modo começa a subir atéatingir a superfície d’água (Figura 10).

A descida

Quando o “peixe” atinge a superfície, sua bexiga está expandida e sua den-sidade menor que a da água. Em seguida, o compressor é desligado e assim o arpára de entrar na bexiga e sai dela e da garrafa através da “tripa de mico”. Comoconsequência, a bexiga murcha, diminui o seu volume e a densidade por sua vezaumenta, e passa a ser maior que da água. Desse modo, o “peixe” perde a suafl utuabilidade e começa a descer até atingir o fundo do aquário (Figura 10).

As explicações de todos esses processos de locomoção, de construção e defuncionamento do modelo, gravadas em vídeo durante o evento Experimen-tando Ciência”, poderão ser obtidas nos endereços: http://www.youtube.com/watch?v=dWoqjb0lMsw (Parte I); http://www.youtube.com/watch?v=xba7k09jARI(Parte II) e http://www.youtube.com/watch?v=K9loUYvk2tI (Parte III).

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Figura 10 Representação de um peixe (frasco de refrigerante) e sua bexiga natatória (balão de borracha vermelho ‘bexiga’ – dentro do frasco): Bexiga sendo preenchida com ar (A a C); bexiga

cheia de ar e ‘peixe’ na superfície da água (D).

9.9 BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais.Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRUSCA, R.C; BRUSCA, G.J. Invertebrates. 2 ed. Sinauer Associates, Inc Publisher.2003. 936p.

LONG, J. A. Th e rise of fi shes, 500 milions years of evolution. Maryland, Johns HopkinsUniversity Press, 1995. 223p.

NISHIDA, S. M. Capítulo 06: Fisiologia Muscular. Disponível em: http://www.ibb.unesp.br/departamentos/Fisiologia/material_didatico/Fisio_Comparada/6_mo-tricidade.pdf. Acesso em: fev 2010.

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Mecanismos de locomoção em equinodermos, moluscos e peixes | 247

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10FORMIGAS CORTADEIRAS:BIOLOGIA E TÉCNICAS DE MANUTENÇÃO EM CATIVEIRO

Lilian Saemi Arita1

Ricardo Toshio Fujihara2

Luiz Carlos Forti3

10.1 INTRODUÇÃO

As formigas representam o auge evolutivo do comportamento social nosinsetos, sendo o grupo mais bem organizado e geografi camente distribuído noambiente terrestre. Representam aproximadamente 20% de toda a biomassaanimal, tendo iniciado sua diversifi cação há cerca de 100 milhões de anos,com os primeiros fósseis registrados entre 140 a 168 milhões de anos. Os am-bientes primários por elas habitados são o solo e a vegetação em decomposiçãosobre este e secundariamente troncos de árvores ocos e cavidades subcorticaisúmidas (semelhantes ao ambiente subterrâneo) (HÖLLDOBLER; WILSON,1990).

Os primeiros registros de formigas cortadeiras no continente americanodatam de 50 milhões de anos. São popularmente conhecidas como saúvas (gê-nero Atta) e quenquéns (gênero Acromyrmex), sendo abundantes na regiãoNeotropical devido a certas características biológicas e comportamentais: a) oaltruísmo, que proporciona grandes vantagens no que se refere à alocação derecursos, sobrevivência, reprodução e divisão de tarefas; b) a associação comfungo simbionte que lhes serve de alimento, o qual é cultivado com substratosvegetais; c) a complexa estrutura dos ninhos. Além disso, essas característicasdifi cultam o desenvolvimento de tecnologias para seu controle (HÖLLDO-BLER; WILSON, 1990).

1. Unifesp – Laboratório de Rim e Hormônios 04023-900 São Paulo, SP [email protected]. Unesp – Departamento Produção Vegetal, FCA 18610-307 Botucatu, SP [email protected]. Unesp – Departamento Produção Vegetal, FCA 18610-307 Botucatu, SP [email protected]

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10.2 DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA

A tribo Attini inclui todas as espécies de formigas cultivadoras de fungos,dentre elas as pertencentes aos gêneros Atta e Acromyrmex, distribuídos empraticamente todo o continente americano (Figura 1), desde o sul dos EUA(latitude 33º N) até o centro da Argentina (latitude 33º S), excluindo-se o Chile(MARICONI, 1970).

São descritas 14 espécies de Atta e 26 de Acromyrmex (FERNÁNDEZ,x2003). Somente no Brasil, ocorrem 9 espécies e 3 subespécies de Atta (DELLALUCIA, 2003) e 21 espécies e 11 subespécies de Acromyrmex (GONÇALVES,x1961; BRANDÃO, 1991).

Figura 1 Distribuição geográfi ca das formigas cortadeiras (Fonte: FORTI, 1997).

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10.3 O ESTUDO DAS FORMIGAS CORTADEIRAS

O estudo das formigas fornece maior riqueza de informações quandocomparado à pesquisa biológica básica de organismos não sociais devido a co-lônia ser considerada um superorganismo (HÖLLDOBLER; WILSON, 1990).Um superorganismo, segundo Wheeler (1911) pode ser defi nido como “umsistema de atividades complexo, coordenado e individualizado, primeiramentedirecionado para obter e assimilar substâncias de um ambiente para produziroutros sistemas similares, chamados de cria, e para proteger a si e sua cria deperturbações advindas desse ambiente”.

Além disso, o pequeno tamanho dos indivíduos de um formigueiro e afacilidade de sua criação em cativeiro colaboram com testes experimentais naverifi cação de hipóteses sobre a biologia, ecologia, natureza da sociedade ecomportamento dos organismos (HÖLLDOBLER; WILSON, 1990).

As formigas cortadeiras são prejudiciais às áreas de pastagens, fl orestaise agrícolas, pois coletam grande quantidade de material vegetal fresco para asustentação de sua colônia. Sendo assim, tornam-se objeto importante de es-tudo para o desenvolvimento de inseticidas e outros métodos para o controlede pragas. Em função de suas atividades forrageiras podem ocasionalmentecompetir com o gado no consumo de gramíneas (FOWLER et al., 1986). Alémdisso, ao escavarem o solo inviabilizam-no para o crescimento de gramíneastanto na superfície, quanto na área escavada, devido ao rápido acúmulo demontes de terra sobre ele. O desmoronamento das câmaras dos ninhos podecausar acidentes como perda de maquinarias nas áreas de pastagens, queda emorte de animais como, por exemplo, o gado. Um problema sério a ser con-siderado é a substituição de fl orestas por áreas de pastagens, que facilitam aexpansão e colonização de muitas espécies de formigas cortadeiras, razão dadensidade elevada de colônias em grandes áreas de pastagem. A prática dequeimadas também favorece o estabelecimento de grandes populações de for-migas cortadeiras em pastos e savanas (FOWLER et al., 1986).

No entanto, nem sempre são consideradas um problema e seus efeitos be-néfi cos nos ecossistemas são bem maiores que os danos causados em certassituações como pragas ocasionais na agricultura introduzida. Elas atuam como

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consumidoras primárias nos ecossistemas e também servem de alimento paraoutros consumidores secundários, inclusive o homem, além de promoverem aaeração dos solos, ciclagem de nutrientes e realizarem a poda natural em váriasespécies de plantas, garantindo seu fl orescimento e frutifi cação (FOWLER et al., 1991).

10.4 BIOLOGIA DAS FORMIGAS CORTADEIRAS

10.4.1 Alimentação

As formigas cortadeiras não se alimentam de folhas. São assim conhecidaspor utilizarem partes de vegetais frescos (folhas, caules e fl ores) para nutriremo fungo da espécie Leucoagaricus gongylophorus (Ordem Agaricales, FamíliaBasidiomycota), do qual se alimentam e mantêm relações simbióticas obriga-tórias. O fungo cultivado no interior do ninho, além de servir de alimento paratoda a população, aloja os ovos, larvas, pupas, formigas operárias, rainha e, nocaso de colônias adultas, abrigam as formas aladas (machos e fêmeas) que sãoproduzidas em determinada época do ano (DELLA LUCIA, 1993).

Nos períodos mais quentes do ano, saúvas e quenquéns são mais ativas du-rante a noite. Porém, em locais sombreados, a atividade de corte e transportede folhas pode ocorrer durante o dia; no inverno, as operárias forrageiras sãoativas apenas durante o dia. As formigas cortadeiras geralmente fazem trilhas(carreiros) por onde se locomovem. No caso das saúvas essas trilhas podemchegar a 70 metros de comprimento e 20 cm de largura, em saúva-limão (Attasexdens), variam de 1,0 a 34 metros de comprimento, enquanto no caso dasquenquéns as trilhas são mais curtas e estreitas (FORTI; SILVEIRA-NETO;PEREIRA-DA-SILVA, 1985).

A orientação das operárias à fonte de substrato ocorre devido à deposi-ção de substâncias químicas na trilha, conhecidas como feromônios de tri-lha, produzidos na extremidade do abdome das operárias (DELLA LUCIA,1993). A atividade forrageira de Atta e Acromyrmex é realizada pelas operá-xrias, as quais saem das colônias e, nos locais escolhidos, sobem nas plantas ecortam os pedaços de folhas que serão transportados para os ninhos. No caso

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da saúva-limão e de várias outras espécies de formigas cortadeiras, verifi ca-seuma divisão nas atividades das operárias, podendo ser responsáveis pelo cortedas folhas ou pelo transporte dos pedaços caídos no chão (MARICONI, 1970;AMANTE, 1972).

As formigas cortadeiras são seletivas, demonstrando preferências por de-terminadas espécies vegetais. Há saúvas que preferem gramíneas e ocasional-mente podem cortar dicotiledôneas, e outras que preferem dicotiledôneas, masque em alguns casos cortam gramíneas (CHERRETT, 1986). As partes maistenras como folhas jovens e fl ores constituem o material predileto. No entanto,folhas maduras (velhas) e secas, de preferência caídas no chão, também podemser alvo das saúvas, que, ocasionalmente, transportam papéis, sementes, plásti-cos, fezes de animais, pedaços de pão, etc. O material coletado é transportadopara o interior do ninho, sendo cortado em pedaços bem pequenos que são“lambidos” pelas formigas antes da inoculação do fungo (MARICONI, 1970).

10.4.2 ÉPOCA DE REPRODUÇÃO: REVOADA OU VOO NUPCIAL

De acordo com Mariconi (1970), a revoada ou voo nupcial é a época deacasalamento entre formigas aladas macho (bitu) e fêmea (tanajura ou içá).Essa fase do ciclo de vida das formigas cortadeiras acontece anualmente ecoincide com a época quente e chuvosa.

Na pré-revoada, fase que ocorre cinco semanas antes da revoada, os olhei-ros (orifícios) dos formigueiros fi cam bem limpos, abertos e os canais maisalargados. Nesta época, fora do ninho, as operárias tornam-se agitadas e ossoldados agressivos, prontos para o ataque a intrusos (AUTUORI, 1941).

No Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, a revoada ocorre entre setembro edezembro, e no Sul, de junho a dezembro, época em que os alados saem deseus ninhos para fundarem novas colônias e perpetuarem suas espécies. Umsauveiro de saúva-limão origina cerca de 2.900 içás e 14.250 bitus (MARICO-NI, 1970).

O processo inicial da fundação de um novo formigueiro ocorre com a saí-da dos alados para o chamado “voo nupcial”, no qual macho e fêmea se encon-tram e acasalam. As rainhas costumam ser fecundadas por mais de um macho,

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sendo que no caso da saúva-limão, estas copulam em média com 5,3 machos,resultando em cerca de 206 a 320 milhões de espermatozóides em suas es-permatecas (estruturas acessórias do aparelho reprodutor que armazenam osespermatozóides) (KERR, 1961). Terminada a fecundação, o macho morre e afêmea, agora chamada de rainha, desce ao solo, retira suas asas e escolhe umlocal para dar início à construção do novo ninho (MARICONI, 1970).

O processo de fundação da colônia tem duração de aproximadamente10 horas, permanecendo a rainha enclausurada em uma câmara inicial porela escavada. Após 48 horas, ela depositará uma porção de fungo (trazida da“colônia-mãe” na cavidade infrabucal), que será cultivada durante cerca de 80a 100 dias utilizando suas próprias fezes e secreções. Nesse período tambémocorre a deposição de ovos trófi cos ou de alimentação (grandes e de cascamole) para a nutrição das larvas e da própria rainha e a postura de ovos repro-dutivos (pequenos e contendo material genético), que originarão as operáriasjardineiras e carregadeiras. Além disso, a rainha realiza uma rigorosa limpezado seu corpo, das larvas e pupas, assim como o transporte dos imaturos deum lado para outro dentro do ninho. Com o surgimento das primeiras ope-rárias, a rainha cessa seu trabalho de cuidados com o fungo, larvas e pupas, ese encarrega apenas da oviposição até o fi m de sua vida (MARICONI, 1970;CHERRETT, 1986).

Após o período de aproximadamente 80 a 100 dias, as primeiras formigasoperárias forrageiras e escavadoras retiram a terra que obstrui o canal e saempara o exterior para cortar as plantas. Após a abertura do segundo olheiro(cerca de 421 dias), o sauveiro expande-se rapidamente (MARICONI, 1970) equando a colônia atinge determinado tamanho em consequência do forragea-mento e cultivo do fungo pelas operárias, a deposição dos ovos de alimentaçãoé interrompida ocorrendo apenas a oviposição de ovos reprodutivos (MARI-CONI, 1970; CHERRETT, 1986). Cabe ressaltar que, segundo Autuori (1950),apenas 0,05% das colônias iniciais fundadas sobrevivem às resistências am-bientais e ataques de predadores.

Com a maturação da colônia (a partir de três anos nos sauveiros e dois anosnos quenquenzeiros), a rainha deposita ovos que darão origem as operáriassoldados (além de todos os outros tamanhos de operárias) e também os que

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irão produzir futuras rainhas e machos alados. Aqueles que originarão machossão produzidos por partenogênese, ou seja, não são fertilizados no momentoda postura e surgem por divisão mitótica, gerando indivíduos haplóides (MA-RICONI, 1970). Em formigas cortadeiras, não existem registros sobre a substi-tuição da rainha em caso de morte (DELLA LUCIA et al., 2003). Sendo assim,o formigueiro extingue-se em aproximadamente três meses porque não haveráreposição de novos indivíduos anteriormente gerados pela rainha.

As colônias de saúvas são as maiores entre os insetos sociais. A populaçãode operárias numa colônia adulta de Atta vollenweideri pode conter, em mé-dia, 7 milhões de indivíduos, enquanto que em Atta laevigata (saúva-cabeça-de-vidro) pode atingir 3,5 milhões e em A. sexdens rubropilosa até 8 milhões(RILEY et al., 1974 )

10.5 ORGANIZAÇÃO SOCIAL: CASTAS DE FORMIGAS CORTADEIRAS

No formigueiro existem castas de reprodutores e de operárias, e as dife-renças morfológicas entre os indivíduos (polimorfi smo) estão relacionadascom as funções que desempenham na colônia e com sua idade (polietismo).O crescimento das operárias ocorre apenas na fase larval, sendo que na faseadulta apresentam tamanhos fi xos, ou seja, não se desenvolvem mais. As cas-tas permanentes são a da rainha fundadora e a das operárias (fêmeas estéreisápteras); e as castas temporárias são as das formas sexuadas aladas, ou seja, asiçás (fêmeas) e bitus (machos), produzidos apenas na época reprodutiva dacolônia (WILSON, 1980).

As operárias constituem a maior parte da população das saúvas e são asresponsáveis pela alimentação do fungo e, consequentemente, de todos os in-divíduos da colônia. Segundo Wilson (1980), as operárias podem ser divididasem quatro categorias de acordo com o tamanho do corpo, largura da cabeça efunção:

jardineiras ou enfermeiras: apresentam comprimento máximo do corpo•de 2 mm e largura da cabeça de 1 mm. São responsáveis pelo cultivo do fungo inoculando hifas ao substrato vegetal, pela limpeza necessária paraevitar contaminação e pela alimentação dos outros indivíduos.

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generalistas (formigas médias pequenas): possuem 1,4 mm de largura da•cabeça; trabalham dentro do ninho cortando e lambendo os vegetais, que são incorporados à cultura de fungo, cuidam da rainha, descartam o lixo e constroem a esponja de fungo.forrageiras e escavadoras (formigas médias grandes): têm cápsula cefálica • (estrutura que envolve a cabeça) de 2,2 mm; são escoteiras, ou seja, exploram a vegetação nova, cortam e transportam as folhas e escavam o ninho.soldados: na realidade também são fêmeas e possuem cápsula cefálica •igual ou maior do que 3 mm e são encarregados da defesa da colônia.Os machos (bitus), com cabeça de 2,9 mm de largura, têm como única•função fertilizar a rainha. As rainhas apresentam 5,2 mm de largura dacabeça e são as fundadoras da colônia e encarregadas da produção de vários tipos de ovos e propagação da espécie.

10.6 ARQUITETURA DOS NINHOS

O sauveiro é constituído de câmaras escavadas no solo e interligadas porcanais (túneis). Um formigueiro de saúva contém câmaras de fungo, que abri-gam culturas de fungo; câmaras de lixo, destinadas ao depósito de resíduosvegetais, fungos e formigas mortas; câmaras de terra, que contêm basicamen-te terra solta em seu interior; câmaras vazias, que são aquelas desprovidasde conteúdo e que posteriormente poderão ser ocupadas por fungo ou lixo;olheiros, que são as aberturas externas dos ninhos e canais, que interligam ascâmaras entre si e estas aos olheiros. Externamente, existem os carreiros (outrilhas) que são os caminhos pelos quais as formigas transitam para obtençãode substrato para o cultivo de fungo (MARICONI, 1970).

As câmaras podem estar situadas além de 6 metros de profundidade de-pendendo do tipo de solo. Em uma escavação de colônia de saúva-limão (77meses de idade) foram encontradas 1.920 câmaras, nas quais 248 continhamfungo, 1.219 estavam vazias, 157 apresentavam terra e 296 eram de lixo (AU-TUORI, 1947). A escavação de uma colônia de saúva cabeça-de-vidro apresen-tou 5.890 câmaras com cultivo de fungo, 889 câmaras vazias e 426 câmaras delixo e terra, totalizando 7.164 câmaras (MOREIRA et al., 2004).

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10.7 EXPERIMENTANDO UMA IDEIA

A instalação desenvolvida no evento ‘Experimentando Ciência – biologiae seus fundamentos’, teve como objetivo levar aos estudantes do ciclo básico edemais visitantes maiores informações sobre a biologia e ecologia das formigascortadeiras. Apresentamos, por meio de uma colônia viva, o cotidiano dessesinsetos, que se organizam de modo cooperativo e com tarefas bem defi nidas.Apesar de tratar-se de um assunto muito curioso, é pouco conhecido do pú-blico em geral.

Por essa razão, preparamos para esse evento uma colônia de Atta laeviga-ta, conhecida popularmente como saúva cabeça-de-vidro, em um conjuntode recipientes de plástico e tubos, que representavam as câmaras e canais, res-pectivamente. Dessa forma, as pessoas puderam conhecer aspectos relativosa arquitetura, biologia e ecologia das formigas cortadeiras: a estrutura de umformigueiro, os processos de fundação, a formação das castas, a divisão de ta-refas relacionada com o polimorfi smo, a expectativa de vida média da rainha,a média populacional do formigueiro, a atividade forrageira e alimentação, ovoo nupcial, a comunicação, como também acompanhar o trabalho rotineirodas formigas. Além disso, foram dadas instruções (oral e escrita) para que aspessoas interessadas pudessem aprender passo-a-passo como montar e manteruma colônia sob condições controladas.

Exemplares de coleção ilustraram a relação entre o polimorfi smo dos in-divíduos e as respectivas tarefas desempenhadas no ninho. Foram expostoscartazes do ciclo de desenvolvimento, fotografi as das cabeças de operárias dediferentes espécies de saúvas e ilustrações de como realizar a manutenção deum formigueiro.

10.7.1 Orientações para a montagem de um formigueiro

Diversos modelos de formigueiros foram propostos e testados para o de-senvolvimento de pesquisas, demonstrações e fi ns didáticos, mas são três ostipos básicos: fechado, parcialmente aberto e aberto (Figura 2). O primeiro éconstituído de recipientes plásticos transparentes conectados por tubos plásti-

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cos; o segundo apresenta um dos compartimentos abertos (geralmente o quecontêm folhas) permitindo a observação das atividades das formigas; o tercei-ro é totalmente aberto e, portanto, deve-se tomar o cuidado para evitar a fugadas formigas. No caso do sistema parcialmente aberto é importante mantero controle da temperatura ambiente e umidade dos recipientes. Em sistemasfechados, deve-se tomar cuidado principalmente com o excesso de umidade,pois a proliferação de organismos oportunistas, como ácaros e outros fungos, éfavorecida no interior dos recipientes, o que prejudica o crescimento do fungosimbiôntico Leucoagaricus gongylophorus (DELLA LUCIA, 1993).

Dos diferentes modelos existentes para a manutenção de colônias de for-migas cortadeiras, foi descrito o do tipo fechado, criado pelo professor LuizCarlos Forti e colaboradores em 1994 (comunicação pessoal), para o desen-volvimento de bioensaios que testam a efi ciência de inseticidas no controle deformigas cortadeiras. Este pode ser reproduzido por aqueles que gostariam deter uma criação em casa e/ou em sala de aula (Figura 2).

Figura 2 Sistemas de manutenção de formigas cortadeiras (adaptado de DELLA LUCIA, 1991).

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Materiais necessários:

1. Recipientes de plástico transparente

Recipientes plásticos de 250 mL (Figura 3A) – No início da formação do •formigueiro é necessário apenas um para cada rainha, mas, na medidaque o formigueiro cresce, é necessário que se estabeleçam conexões com outros compartimentos maiores (500mL, 1 L e 1,5 L). É preciso criar também um compartimento para colocar folhas, que servirão para alimentar o fungo.Pedaços de mangueira transparente de 15 cm de comprimento por 2 cm•de diâmetro (Figura 3B);

Figura 3 Alguns dos materiais necessários para a manutenção de formigas cortadeiras. A. Potesde plástico de diferentes volumes. B. Pedaços de tubo de plástico transparente (mangueira de

fi ltro). C. Bandeja de plástico.

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2. Materiais para a manutenção

1 bandeja de plástico de tamanho que comporte o formigueiro (Figura•3C);Talco neutro inodoro (pequena quantidade);•Luvas de borracha; •Obs: para manuseio do formigueiro, é aconselhável o uso das luvas de borracha, para proteção contra possíveis ataques das formigas.Seringa descartável 70 mL com agulha.•Um pacote de gesso de 1 kg;•

Preparo do gesso

Dissolva o gesso em pó em água (Figuras 4A e B), conforme instruções dofabricante, até a mistura atingir uma consistência cremosa. Adicione essa mis-tura, ainda mole, no recipiente de plástico até formar uma camada de mais oumenos 1 cm (Figura 4C). Para que a superfície do gesso fi que uniformementelisa e plana, bata o pote várias vezes contra uma superfície dura. Deixe secarcompletamente ao sol durante 1 a 3 dias.

Figura 4 A e B Gesso em pó sendo misturado com água até obter uma massa cremosa e homogênea. C. Mistura que foi colocada no pote de plástico e alisada para deixar a superfície plana.

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Para iniciar a criação de uma colônia de formigas é preciso capturar asrainhas logo após a revoada. Como são territorialistas e lutam pelo seu espaço,cada rainha deverá ser colocada individualmente em um recipiente de plásticode 250 mL (Figura 3A) já contendo a camada de gesso no fundo (Figura 4C).Esse recipiente deverá ser tampado para evitar a fuga da rainha. Para o melhordesenvolvimento do formigueiro inicial não é aconselhável utilizar recipientesmaiores que o indicado porque num formigueiro jovem há poucas formigaspara realizar a limpeza da área total, o que poderia comprometer o crescimen-to da colônia.

Quatro meses após o surgimento das primeiras operárias, faz-se uma co-nexão deste recipiente de 250 ml com a câmara de lixo, usando um objetometálico aquecido, como um cano de metal para perfurar o plástico (Figura5A), onde se introduz a mangueira. O cano de metal deve ser do mesmo diâ-metro que o tubo de plástico a ser inserido, para que fi que bem ajustado ao serencaixado (Figura 5B). Quando o fungo atingir um tamanho mais ou menosequivalente ao do recipiente, deve-se realizar a sua transferência para outro de500 mL. Após esta mudança são estabelecidas as conexões para a câmara delixo e câmara de folhas (Figura 6). Quanto mais velho o formigueiro, maioro crescimento do fungo e da colônia, o que exige do criador a construção denovas conexões para novas câmaras.

Para realizar a mudança de recipiente, é aconselhável o uso de uma ban-deja de plástico polvilhada com talco inodoro nas bordas para impedir a fugadas formigas. Tire o excesso de talco antes de utilizar a bandeja, invertendo-apara baixo. As formigas que saírem dos potes poderão ser recuperadas, poisfi carão retidas na bandeja (Figura 6A). Para evitar a fuga de formigas duranteo manuseio do formigueiro para mudança do fungo, pode-se também utilizaruma rolha ou papel toalha para vedar o orifício das mangueiras de plástico(Figura 6B).

Periodicamente o gesso deve ser umedecido, tomando-se o cuidado paranão o encharcar, utilizando-se uma seringa ou pipeta (Figura 6C). O formiguei-ro deve ainda ser mantido em local sem muita variação de temperatura e longede insolação direta. Esses dois procedimentos servem para manter as condiçõesambientais adequadas para evitar a desidratação do fungo. Com o passar do

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tempo, o gesso pode se tornar escuro e impermeável, indicando que deve sertrocado. Por isso, um novo recipiente com gesso deverá ser preparado.

Figura 5 Formigueiro inicial preparado – cano de ferro usado para fazer uma abertura que receberá o tubo conector (A); câmara inicial, onde é colocado o fungo e a rainha fundadora do

formigueiro, já conectada à câmara de lixo (B).

É necessário realizar periodicamente a limpeza do compartimento de lixo,para evitar acúmulo excessivo e não comprometer o desenvolvimento da colô-nia. Enquanto o formigueiro for jovem, não é aconselhável a retirada de todoo lixo para que as formigas saibam o local correto de deposição dos materiaisnão aproveitados. Se isso não for feito, elas poderão fi car desorientadas e have-rá a possibilidade de levarem o lixo para outro local.

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Se o formigueiro atingir a idade adulta, o que acontece após três anos, de-ver-se-á construir mais compartimentos de lixo e de fungo, tornando-o maiscomplexo.

Figura 6 Etapas de manutenção de um formigueiro (no texto, detalhes explicativos das etapas).

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Lembretes importantes

A rainha carrega a porção de fungo na cavidade infrabucal e o deposita nosolo 48 horas após a fundação da colônia. Se após o período de 80 a 100 diasela não depositar ovos de operárias, isto signifi ca que não está fecundada e acolônia não se desenvolverá.

Como não é possível reconhecer a espécie de saúva por meio da rainha,assim que eclodirem as primeiras operárias deve-se oferecer tanto espécies deplantas monocotiledôneas quanto dicotiledôneas e observar a preferência dacolônia. Assim é possível supor qual a espécie em questão.

O material vegetal fornecido às formigas deve estar livre de produtos tóxi-cos. Além disso, é importante sempre adicionar folhas frescas e não se esquecerde variar as espécies. A variedade do substrato fornece grandes quantidades denutrientes benefi ciando o crescimento do fungo. Roseiras, hibisco, citros, mo-rangueiros, pata-de-vaca, eucalipto, acalifa e ligustro ou alfeneiro são plantasbem aceitas por formigas cortadeiras de plantas dicotiledôneas (Figura 7). Nocaso das que cortam monocotiledôneas, podem ser oferecidas gramíneas e fo-lhas de cana-de-açúcar cortadas em pedaços pequenos.

A explicação de todo esse processo de construção e funcionamento domodelo, gravada em vídeo durante o evento Experimentando Ciência”, poderáser obtida nos endereços: http://www.youtube.com/watch?v=xnD7WCQl8vo(Parte I) e http://www.youtube.com/watch?v=bfq4kxPI00U (Parte II).

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Figura 7 Tipos de substratos normalmente utilizados por formigas, para alimentação dos fungos.

10.8 BIBLIOGRAFIA

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10.10 SÍTIO DA INTERNET

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11CANA:AÇÚCAR, ETANOL E AS QUESTÕES SOCIAIS

Amanda Cristina Esteves Amaro1

Loreta Casquel1

Marina Begali Carvalho1

11.1 INTRODUÇÃO

Todo ser vivo captura e processa substâncias específi cas do ambiente ondevive, para obter energia e realizar suas funções vitais de crescer, reproduzir erestaurar estruturas dos corpos. Alguns, como as bactérias quimioautotrófi -cas, utilizam compostos inorgânicos como fonte de energia, e o gás carbônicocomo fonte de carbono, para produzirem os compostos orgânicos (compos-tos formados de carbono) que farão parte de seus organismos, ou que serãodegradados para liberar a energia necessária. No entanto, a maior parte dosprodutores, as cianobactérias e os vegetais, é fototrófi ca, isto é, utiliza a luz dosol para produzir os compostos de carbono, nos quais armazenam a energiaquímica que lhes servirá para manter os processos metabólicos.

Por serem capazes de elaborar seus próprios alimentos, esses dois gruposde seres vivos são denominados de produtores nas cadeias alimentares. Sãoeles que garantem a existência dos consumidores, como os animais, que ob-têm energia a partir do consumo dos compostos orgânicos, principalmenteos açúcares que são elaborados pelos produtores. Ao degradar os compostosorgânicos para a obtenção de energia, as células dão origem a moléculas degás carbônico (CO2), que serão eliminadas para a atmosfera. Certa quantidadedeste CO2 poderá ser capturada em algum outro momento pelos produtores enovamente servir para a produção de compostos orgânicos.

Além dessa energia química obtida dos compostos orgânicos, fundamen-tal para a vida e responsável pela capacidade dos animais de realizar todasas tarefas diárias (andar, caçar, brincar etc.), o ser humano descobriu outras

1. Unesp – Licenciadas e Bacharéis em Biologia, campus de Botucatu, SP [email protected]

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formas de obter energia e de usá-la em seu favor, quer seja movendo máquinasque realizam trabalhos pesados, quer seja alimentando aparelhos que garan-tem comunicação e entretenimento.

De caçador-coletor o Homem tornou-se sedentário, domesticou plantas eanimais, constituiu famílias e aglomerados de pessoas. A Terra que abrigavade 2 a 5 milhões de habitantes, quando o ser humano iniciou essas atividadesagropastoris, viu a população dessa espécie saltar para, aproximadamente, 1bilhão de indivíduos em 1900 e 6 bilhões no início do século XXI. Esse au-mento vertiginoso implicou em descomunal demanda de energia, tanto para amanutenção e desenvolvimento dos indivíduos como da sociedade.

Depois da invenção da máquina a vapor, que marcou o período da revoluçãoindustrial em meados do século XVIII, a demanda energética na sociedade hu-mana foi crescente. De início a madeira, o carvão e o gás natural constituíam asmatérias primas essenciais ao funcionamento das fábricas e dos trens. Mais tar-de, a energia petrolífera e a hidrelétrica destacaram-se no cenário da vida urbanae rural, alimentando veículos automotores e aeronaves, sofi sticadas máquinasindustriais, aparelhos eletrodomésticos e iluminação das casas e ruas.

De alimentos a microcomputadores, a cadeia produtiva e de consumo au-mentaram em complexidade e resultaram na geração de resíduos cada vez maisdiversifi cados, volumosos e nocivos aos seres vivos, como o gás carbônico, umdos responsáveis pelo efeito estufa. Oriundo da respiração dos seres vivos, daserupções vulcânicas e queimadas naturais, o CO2 teve um aumento que girouao redor de 100 partes por milhão (ppm) nos últimos duzentos anos (ver ca-pítulo 2, período Holoceno), advindo principalmente da queima de combus-tíveis fósseis pelas máquinas industriais e veículos automotivos, os quais têmfrota estimada em mais de 600 bilhões de unidades no mundo todo.

Diante de um panorama inquietante como esse, a necessidade de produ-ção e distribuição efi ciente de alimentos e de combustíveis com baixas taxas deemissão de carbono, como acontece com aqueles de origem vegetal, passou aintegrar agendas políticas, econômicas, sociais, ambientais e científi cas. Conhe-cidos como biocombustíveis esses produtos podem ser derivados de plantasoleaginosas – o biodiesel, ou serem obtidos do processamento e fermentação deplantas ricas em carboidratos (ex. cereais, seivas, ervas e madeira) – o bioetanol,

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ambos apontados como solução altamente vantajosa, por serem consideradosfonte de energia limpa. Mas não podemos nos esquecer que a vida dos indiví-duos depende de diversos tipos de alimentos e não propriamente de álcool ouexclusivamente de alimentos energéticos como os açúcares (ex. amido, sacarose,frutose, maltose, glicose). Os seres vivos estruturam seus corpos com proteínas eregulam funções gerais com vitaminas, sais minerais e água.

No Brasil, dois fatos históricos de crises internacionais acabaram por noscolocar em posição de destaque no que se refere à produção de biocombustí-veis, liderados pelo etanol da cana-de-açúcar, cultura que em meados do sé-culo XVI prosperou sobremaneira ao ponto de ultrapassar todos os demaisprodutos agrícolas produzidos em solo brasileiro.

Uma das crises foi a quebra da bolsa de Nova York, que implicou na quedada cotação internacional do açúcar e, consequentemente, em uma crise inter-na, porque o Brasil era um grande exportador do produto. Para amenizar oproblema interno, Getúlio Vargas determinou que se acrescentasse 5% de eta-nol à gasolina e criou em 1933 o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), órgãoregulamentador, que exercia o controle da produção e, dessa forma, podia con-ter os preços do produto, mas também liberava fi nanciamento para a constru-ção de destilarias. As decisões de Getúlio promoveram a retomada do plantioda cana e produção de álcool, em especial no interior do Estado de São Paulo,com redução concomitante da produção de açúcar. Durante a segunda guerramundial a gasolina no Brasil chegou a receber até 42% de álcool, valor quecaiu para 7% no estado de São Paulo e 2,9% no restante do país, nas décadas de1950 e 1960, quando o álcool como combustível tornou-se desinteressante.

Outro acontecimento que favoreceu o Brasil, com relação ao biocombustíveletanol, foi a crise internacional do petróleo que irrompeu em dois momentos dadécada de 1970, nos anos de 73 e 79. Este problema levou o governo brasileiroa estimular a produção do etanol, que chegou a superar a produção de açúcarentre 1980 e 1990, quando, sem o IAA, as leis de mercado e os interesses dos pro-dutores passaram a dominar, regulando a produção e oferta do etanol e açúcar.

De lá para cá, são altos os investimentos em pesquisas para o melhoramen-to de cultivares da cana, visando o aumento da sua produtividade agrícola emaior resistência a fi tófagos e agentes causadores de doenças, que culminam

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com o refi namento de técnicas industriais de processamento para a obtençãodo açúcar e do álcool.

O desenvolvimento de tecnologia específi ca permitiu que em 1979 en-trasse no mercado um carro movido a álcool, que foi suplantado em 2003pelo carro com motor fl ex fuel, ou seja, movido a etanol, gasolina ou a umamistura desses dois combustíveis. Esta evolução, com aprimoramento tecno-lógico no desempenho dos carros e os apelos para as reduções nas emissõesde carbono serviram para aumentar a popularidade do etanol e o sucesso doscarros fl ex fuel.

Hoje o Brasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, com safra daordem de 653.181.799 toneladas (ver Figura 1), segundo dados do IBGE para2008 (http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1298), abastecendo o mercado mundial com mais de 40% deetanol, valor suplantado apenas pelos Estados Unidos, que investem basica-mente no milho como matéria prima para a produção desse álcool.

Produção de cana-de-açúcar nos estados brasileiros, com destaque para São Paulo, com 59,3% da produção nacional, que equivale a 387,5 milhões de toneladas. (fonte: http://www.

ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1298)

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O álcool etílico ou etanol (C2H5OH) pode ser obtido a partir de vegetaisricos em açúcares. Trata-se de um álcool amplamente utilizado nos mais diver-sos seguimentos industriais, desde a indústria alimentícia até a indústria quí-mica, passando pela de cosméticos, farmacêutica, automotivas, de tintas etc.

No entanto, estamos diante de um impasse a ser considerado, a ser devi-damente avaliado:

- Quanto se pode plantar para obter biocombustível, sem comprometer aprodução de alimentos que necessitamos e sem comprometer a vida silvestreque caracteriza os diferentes ecossistemas?

- Quanto se pode plantar para obter biocombustível sem comprometer avida silvestre que é fundamental para a manutenção das redes de relações quegarantem: a) o bem estar e a vida humana; b) a maior produtividade de lavou-ras, ao manter sob controle o tamanho populacional de espécies causadoras dedanos às espécies cultivadas por meio de parasitóides e predadores e c) garan-tindo a polinização de fl ores e a produção de frutos (ver capítulo 5)?

11.2 CANA-DE-AÇÚCAR: ASPECTOS BOTÂNICOS E ECOLÓGICOS

A cana-de-açúcar, cientifi camente conhecida por Saccharum offi cinarum,é planta classifi cada na família Poaceae, no grupo das angiospermas mono-cotiledôneas (Figura 2). Trata-se de uma planta perene, ereta e cespitosa, istoé, apresenta vários troncos surgindo a partir da mesma raiz, com folhas sim-ples e alternadas. Esses troncos são formados por uma sequência de colmoscilíndricos, de coloração variável, com regiões denominadas de nós, situadasentre eles. Os colmos, também conhecidos por entrenós, revestidos ou não decamada cerosa, podem ser retos ou em ziguezague, variando muito em com-primento e em espessura.

O grande volume de sacarose (açúcar dissacarídeo formado pela combina-ção de uma molécula de frutose, com uma de glicose), presente nos colmos éresponsável pelo destaque dessa planta na produção de açúcar e álcool.

Segundo alguns historiadores, não há condições de precisar a data em quea cana-de-açúcar, originária da Índia, foi introduzida no Brasil. O que se sabeé que isso aconteceu antes de 1532, quando Martim Afonso de Souza trouxe

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técnicos especialistas da Ilha da Madeira e pessoas de diversas nacionalidadesexperientes na produção de açúcar, para incrementar a produção. Essa ativi-dade prosperou, com plantações e engenhos em toda a faixa litorânea, hojepertencente aos estados de São Paulo a Pernambuco. Nesse período o Nordestedestacou-se no plantio da cana e produção do açúcar e tal sucesso costuma seratribuído a um conjunto de fatores: maior proximidade geográfi ca de Portugal,clima e solos propícios e mão de obra escrava.

Figura 2 Touceira de cana-de-açúcar (A) e detalhe da estrutura dos ramos com entrenó oucolmo, nó e gema (B).

Desde então, o açúcar teve períodos de maior e menor volume de expor-tação, mas até meados do século XIX foi o produto mais importante da eco-nomia do Brasil, apesar das quedas na demanda, no século XVII, devido aguerras enfrentadas pelos países importadores e pelas invasões holandesas aonordeste do Brasil.

Afora os aspectos econômicos determinados por conjunturas sociais, a ca-na-de-açúcar pode sofrer baixas determinadas por agentes biológicos com os

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quais interage direta ou indiretamente. Como se trata de uma monocultura, asvastas áreas cobertas apenas por esse vegetal atraem espécies de herbívoros queencontram nesses espaços alimento sufi ciente para procriar intensivamente edar origem a muitos descendentes. Dessa forma, concorrem com o Homem aoconsumir estruturas vegetais da cultura, o que pode implicar em grandes per-das, seja por reduzir a área foliar, responsável pela fotossíntese, por consumir ocolmo de onde se extrai o caldo doce, ou as raízes, responsáveis pela absorçãode água e sais minerais. Também agentes causadores de doenças, como fungose bactérias, podem levar a perdas ao se utilizarem da cana cultivada.

Além disso, existem plantas ruderais, conhecidas como daninhas ou inva-soras, que podem competir com a cana por nutrientes, ou difi cultar seu cres-cimento e a colheita.

Portanto, conhecer essas espécies associadas à cana-de-açúcar, seus res-pectivos ciclos de vida e ecologia são de importância fundamental. Só assim, épossível saber o impacto causado por elas na obtenção da matéria prima paraa produção do açúcar e do álcool e estudar formas de mantê-las sob contro-le para evitar grande perda de produção e, consequentemente, grande perdaeconômica.

11.3 AGENTES BIOLÓGICOS DE IMPORTÂNCIA ECONÔMICA

Muitos herbívoros associam-se à cana-de-açúcar, mas alguns se destacampelo potencial que têm de dano às culturas. Dentre eles estão:

Broca da cana-de-açúcar, que ataca os colmos – • Diatraea saccharalisLagartas desfolhadoras•Cigarrinha sugadora de raízes –• Mahanarva fi mbriolataCigarrinha sugadora de folhas – • Mahanarva posticataFormigas cortadeiras de folhas•Besouro migdolus, destruidor do sistema radicular –• Migdolus fryanusSphenophorus• ou besouro bicudo da cana-de-açúcar, que ataca colmos e perfi lhos (ramifi cação subterrânea) – Sphenophorus levisCupins e outras pragas de solo•Broca gigante ou• Castnia – Castnia licus

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Em geral, os insetos e também plantas que invadem a lavoura da cana sãocontrolados por meio de agroquímicos. No entanto, o controle desses herbí-voros e das plantas invasoras por meio de inseticidas e herbicidas, respectiva-mente, implica em riscos de contaminação do solo, de mananciais de água, dotécnico aplicador e de todos os seres vivos envolvidos nas cadeias alimentaresque utilizam de algum recurso contaminado. Além disso, os insetos têm ci-clos de vida curtos, o que lhes permite ter muitas gerações em um único ano.Como consequência, eles conseguem, em pouco tempo, resistência ao agrotó-xico obrigando as indústrias a desenvolver novas fórmulas, até mesmo maispotentes. O mesmo não acontece com o ser humano, que continua vulnerávela todas elas.

Além disso, elimina-se com mais facilidade os inimigos naturais de herbívo-ros indesejáveis, do que estes, bem como insetos benéfi cos, dentre os quais abe-lhas e outros polinizadores, que são bastante sensíveis aos venenos químicos.

Não podemos deixar de destacar também, que nos últimos tempos umagrande pressão tem sido feita pelos importadores, principalmente dos paíseseuropeus, para que os alimentos sejam isentos ou possuam a menor quanti-dade possível de resíduos de produtos químicos e de contaminação micro-biológica, assim como exigem que as condições sócio-ambientais das áreas decultura sejam de respeito à vida do trabalhador e a toda rede de relações, quemantêm os ecossistemas silvestres circundantes, sejam eles fl orestas, vegetaçãoripária, nascentes, cursos d’água etc.

Por essas razões têm-se intensifi cado investimentos em pesquisas visandoo controle biológico, que está baseado no uso de predadores, parasitóides epatógenos (fungos, vírus e bactérias) das espécies indesejáveis. Esta alternati-va, para certas espécies, é vantajosa do ponto de vista da efi ciência do agenteempregado e também por implicar em redução no uso de agrotóxicos. Emgeral, as práticas de controle biológico associam-se ao que foi denominado demanejo integrado de espécies, isto é, o uso de diferentes técnicas de plantio ede controle que permitem evitar que seja atingido o nível econômico de dano.Quando agrotóxicos são integrados a um sistema de manejo, privilegiam-seaqueles de ação seletiva (atuam em alvos específi cos) e, mesmo assim, em pe-quenas doses.

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Por se tratar de um inseto frequente nos canaviais, principalmente do Es-tado de São Paulo, e causar muitos prejuízos, a Diatraea saccharalis é um dosherbívoros alvo de controle. Suas larvas causam dano direto, consumindo ocolmo, e dano indireto, ao favorecer o ataque de fungo. No entanto, o hábitobrocador difi culta a ação de agroquímicos e obriga a que se realizem investi-mentos em técnicas mais específi cas e efi cientes.

11.4 A BROCA-DA-CANA E O SEU CONTROLE

A Diatraea saccharalis é um inseto da ordem Lepidoptera, grupo das bor-boletas e mariposas, que apresenta desenvolvimento holometábolo, conhecidotambém por metamorfose completa. Isso quer dizer que a broca-da-cana, quetem um ciclo 58 a 90 dias, passa por 4 fases durante o seu desenvolvimento:ovos, larva (lagarta), pupa e adulto.

A mariposa adulta possui coloração amarelo-palha com manchas escurassemelhantes a dois “V” invertidos nas asas e vive de 2 a 9 dias.

Depois de acasalar as fêmeas deixam geralmente nas folhas da cana-de-açúcar, de 300 a 600 ovos, que são depositados em grupos de 5 a 50 (desovas).As larvas eclodem depois de 4 a 12 dias e iniciam o consumo de folhas, paradepois perfurar o colmo pela parte mais mole, próxima às gemas laterais (verFigura 1) na região do entrenó. Enquanto se alimentam e crescem, entre 20 a79 dias, elas constroem galerias até atingir a fase de pupa que dura de 6 a 14dias. Depois desse tempo, o adulto emerge saindo do interior do colmo por umorifício feito pela larva.

Dentre os danos diretos que a broca pode causar estão: a perda de pesoda planta, devido ao seu desenvolvimento reduzido, morte de algumas plan-tas, enraizamento aéreo, germinação das gemas laterais, morte da gema apicalquando as lagartas se alimentam da região do palmito, no ápice da planta etc.

O dano indireto resulta da ação de microorganismos como os fungos Colle-totrichum falcatum e Fusarium moniliforme, que entram pelos orifícios abertospela broca. Eles convertem a sacarose armazenada na planta transformando-aem glicose, composto que difi culta a cristalização do açúcar e contamina ocaldo, provocando má fermentação alcoólica. Para cada 1% de infestação de

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broca, ocorre perda de 0,77% na produtividade da cana, e redução de 0,25% naprodução de açúcar e 0,20% de álcool.

Na tentativa de reduzir os impactos provocados pelos agrotóxicos e aten-der às demandas na produção de alimentos e adequação sócio-ambiental exi-gida por importadores, diversas medidas têm sido tomadas.

No que se refere ao controle biológico, a cana-de-açúcar possui dois dosmaiores programas do mundo, sendo um deles voltado para D. saccharalis,contra a qual se utiliza a vespinha Cotesia fl avipes, e o outro para as cigarrinhasMahanarva fi mbriolata e Mahanarva posticata, realizado com a aplicação dofungo Metharhizium anisopliae.

Com relação a D. saccharalis, o controle biológico tem se destacado, in-clusive porque é muito difícil atingir a lagarta dentro do colmo com inseti-cida. Por outro lado, em todas as fases de desenvolvimento a broca-da-canatem uma grande diversidade de predadores e de parasitóides, seus inimigosnaturais (IN), que atuam, principalmente nas fases de larva e ovo. A Cotesiafl avipes, himenóptero da família Braconidae, é, atualmente, o principal agentebiológico utilizado no combate às larvas da broca.

O parasitismo por essa vespinha inicia-se com a fêmea introduzindo seuovipositor na lagarta, por meio do qual deposita grande quantidade de ovosno interior do de seu corpo. Desses ovos eclodem as larvas parasitóides que sealimentam da lagarta brocadora, que morre após algum tempo. As larvas deC. fl avipes, quando terminam de se desenvolver saem do cadáver da lagarta ese transformam em pupa. Essas pupas são revestidas por casulos brancos, que,unidos, dão origem a uma massa branca, de onde, após alguns dias, emergemas vespinhas adultas, que têm de 2 a 3mm de comprimento e coloração preta.Logo depois do nascimento elas acasalam-se e as fêmeas procuram outras la-gartas de D. saccharalis para parasitar.

As fêmeas desse parasitóide, que também é um inseto holometábolo, co-loca de 120 a 200 ovos que, depois de 1 ou 2 dias, dão origem às larvas, quese transformam em pupas depois de 10 a 18 dias. Dessas pupas emergem osadultos em 3 a 6 dias, completando o ciclo que, no total, dura de 18 a 32 dias.

Para a criação da C. fl avipes, são necessários laboratórios que mantêmgrandes populações de Diatraea saccharalis, para hospedar as larvas do para-

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sitóide. É preciso considerar que o sucesso no uso do parasitóide como agentebiológico depende da efi ciência do método de produção em laboratório, ma-nejo, distribuição e liberação do organismo no campo.

A liberação da C. fl avipes, realizada após 12 horas do início da emergên-cia dos adultos, é feita utilizando-se recipientes de plástico (copos), contendocerca de 1500 indivíduos cada um, sempre que a população no campo atingirde 800 a 1000 lagartas por hectare. Geralmente, são liberadas 6000 vespas porhectare (4 copos/ha). Cada grupo de 1500 indivíduos liberado no campo geraum total de indivíduos que é 13 vezes maior do que esse valor.

Frequentemente é liberado o conteúdo de um recipiente por ponto no hec-tare, que contém geralmente quatro pontos no total, porém, esse número variade acordo com o nível da infestação. A pessoa que libera as vespas caminha deum ponto a outro com o copo aberto e, ao chegar pendura-o entre as folhagensde modo que as vespas possam sair. As liberações devem ser feitas pela manhã,quando as temperaturas são mais amenas.

Depois de 15 dias da liberação, uma amostragem é realizada, e no casode constatar-se parasitismo inferior a 20% uma nova liberação deverá ser re-alizada. Dessa forma, mantendo-se o monitoramento da população da praga,realizado através de levantamentos amostrais da quantidade de lagartas, e por-centagem de parasitismo, é possível saber o momento certo de intervir comliberação de parasitóides, para garantir o controle da broca.

A estimativa dos danos é calculada coletando-se 20 colmos por hectare, ouna recepção da usina, na qual são retirados cinco colmos por carga ao acasonos veículos de transporte. Os colmos são partidos ao meio, longitudinalmen-te, e os números de internódios totais e daqueles brocados são anotados, parao cálculo do índice de intensidade de infestação.

Existem outras técnicas para controlar a broca como, por exemplo, o usode armadilhas de feromônio contendo fêmeas virgens para atrair machos, queserão aprisionados e mortos. Com menos machos na área reduz-se a probabi-lidade de acasalamentos e, consequentemente, de novas gerações de broca.

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11.5 PROCESSO AGROINDUSTRIAL DA CANA-DE-AÇÚCAR

11.5.1 Do Plantio À Usina

Um ano antes da colheita inicia-se o processo de planejamento e plantioda cana, que passa pela escolha de variedades adequadas ao tipo de solo e cli-ma da região onde será instalada a cultura. Operações como adubação e cala-gem do solo, controle de herbívoros, doenças e plantas invasoras indesejáveis àcultura e aquisição de maquinários e de trabalhadores também são realizadasnessa etapa.

O plantio pode ser manual envolvendo uma grande quantidade de mão deobra, ou mecanizado, com máquinas especiais que continuam sendo desenvol-vidas e aprimoradas. De acordo com o planejamento, que leva em consideraçãoas condições geoclimáticas e interesses do produtor, o plantio direto pode seradotado para reduzir o risco de erosão do solo, que também tem sido preveni-da, após o plantio, com a manutenção da palha da cana sobre ele.

Essa prática difere do plantio convencional, baseado na aração do solo, queo expõe não só à erosão pelos ventos e chuva, mas também à ação do sol quepode afetar os microorganismos responsáveis pela decomposição e ciclagemdos nutrientes.

Antes de receber as mudas, o solo recebe fertilizantes nitrogenados, fosfa-tados e potássicos inorgânicos e fertilizantes orgânicos oriundos do processoindustrial como a vinhaça, torta e a fuligem, que são indispensáveis para obom desenvolvimento da cana-planta (muda transplantada) e da cana-soca(brotamento da planta cortada). Em áreas mais próximas às usinas pode acon-tecer ainda o que se denomina de fertirrigação, prática de borrifar a vinhaça eáguas residuárias liberadas das usinas, nas plantações, com o objetivo de de-volver ou mesmo de aumentar a concentração de potássio, no solo.

Cana vigorosa e plantada em extensas áreas interessa tanto ao produtor deaçúcar como ao de álcool, que terão a colheita de grandes quantidades facilitada,porém essas extensas áreas também serão um forte atrativo para outras espéciesde animais herbívoros, especialmente insetos (ver item anterior: Agentes Bioló-gicos De Importância Econômica), que delas se utilizam como alimento.

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Depois de madura, fase que depende das condições de boa umidade e tem-peraturas mais elevadas, para proporcionar o máximo potencial de sacarosedas variedades, a cana é colhida. Apesar do processo de corte e colheita da canapoder ser mecanizado, o corte manual tem sido o mais empregado na regiãode maior produção do Brasil, que é o interior do estado de São Paulo. Como adespalha da cana favorece esse tipo de trabalho de corte, aumentando a pro-dutividade e otimizando o transporte, o método mais tradicional e menos dis-pendioso para o produtor, de atear fogo ao canavial, é utilizado massivamente,apesar dos enormes danos que causa. Apesar de reduzir os riscos de ataquepor animais peçonhentos, por exemplo, não redime o cortador do pesado es-forço físico e da insalubridade do ambiente, condições que vão de encontro àsexigências do importador europeu, que pode recusar os produtos derivados.Felizmente, por conta da pressão principalmente internacional, esta práticaestá com os dias contados; o prazo fi nal é 2014.

Após a queimada os eitos (sequência) de 5 linhas (5 “ruas”) são cortadoscom auxílio de facão (“podão”). As canas inteiras e despontadas são dispostas emmontes (“enleriadas”), de onde são elevadas por carregadeiras para o caminhão.

Para que uma colheita seja totalmente mecanizada é necessário que osterrenos tenham menos de 12% de declive, ou seja, que as áreas sejam relati-vamente planas. Neste caso, as próprias colheitadeiras extraem a palha e defi -nem a quantidade que fi cará no campo e aquela que será transportada para aindústria, com destino à produção de energia. Os maiores atrativos deste novosistema de colheita são os benefícios ambientais. Dentre eles estão: a) cober-tura do solo com a palha aumentando a proteção contra os agentes erosivos;b) eliminação da queimada que implica em melhoria na qualidade do ar e,consequentemente, melhoria na saúde respiratória do trabalhador e da popu-lação em geral; c) produção de energia extra a partir da biomassa, mitigandoo efeito estufa.

O carregamento dessa cana, que passa por processo de colheita todo meca-nizado, é realizado concomitantemente ao corte por colheitadeiras mecânicas,que descarregam a cana, muitas vezes já picada, diretamente nos caminhões ouem unidades de transbordo, que farão o transporte do campo até a usina. Assimnão há contato da cana com a superfície do solo, como na colheita manual.

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O transporte da cana é realizado por veículos automotores compostos deum cavalo mecânico e carretas, denominados romeu-e-julieta, rodotrem e tre-minhão, que oferecem diversos tipos de transtornos e perigos a quem trafegapelas mesmas estradas. Cargas excessivas, desprendimento de ramos, cami-nhões muito longos e dirigidos com velocidades acima do indicado são algunsdos problemas gerados por esses tipos de transportes rodoviários.

As diversas etapas pelas quais a cana-de-açúcar passa, antes de chegar àusina, são apresentadas na Figura 3.

Figura 3 Esquema do plantio e colheita da cana, que será conduzida à usina de açúcar e álcoolem caminhão.

11.5.2 Industrialização da cana-de-açúcar

A cana-de-açúcar é uma matéria prima que vale especialmente pelo teor desacarose que contém. Quanto maior o teor, maior será a produção de açúcare de álcool, portanto maior ganho para o usineiro e melhor o pagamento aoprodutor. Além disso, serve para indicar os ajustes necessários no processo demoagem e de produção, isto é, defi nir quais procedimentos agrícolas deverãoser empregados para manter a produção com índices elevados de sacarose. Porisso, quando o caminhão carregado chega à usina ele é pesado antes e após odescarregamento, em balanças eletrônicas, o que permite obter o peso real da

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cana entregue, a partir da diferença entre as duas medidas. Amostras aleatóriasde cana são tomadas por meio de sonda extratora e depois de homogeneizada etriturada, são analisadas em laboratório para determinação do teor de sacarose.

Depois disso, a cana é descarregada em uma mesa alimentadora ou, quan-do estiver picada, diretamente em esteiras, e posteriormente lavada. Depois delimpa a cana é conduzida por uma esteira metálica para o picador (todo pro-cesso está representado no esquema da Figura 4). Trata-se de um equipamentorotativo, que gira no mesmo sentido do movimento da cana na esteira. Depoisde picada a cana é desfi brada para ser transformada em um material mais ho-mogêneo e com fi bras longas, que têm as células rompidas para facilitar a etapaseguinte, que é a de extração do caldo. Antes de seguir para a extração, a massade cana passa por eletroímã para a retirada de materiais ferrosos que por ven-tura estejam presentes.

Após preparada, a cana é encaminhada até as moendas ou difusores, nosquais haverá a separação da fração líquida (caldo) da fração fi bra da cana.

Figura 4 Ilustração esquemática das etapas principais do processo de industrialização da cana até a produção de álcool. 1 – Esteiras; 2 – Picador; 3 – Desfi brador; 4 – Ternos da moenda; 5 –

Caldeira; 6 – Peneiras; 7 – Armazenamento do mel; 8 – Armazenamento do caldo; 9 – Garapeira;10 – Dornas de fermentação; 11 – Centrífuga; 12 – Cubas de fermentação; 13 – Dorna volante;

14 – Destilaria.

Na moagem, a cana passa por um conjunto de 3 rolos de esmagamento deno-minados ternos. Inicialmente a cana entra num duto para aumentar a densidade

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da massa (Chute Donnelly), depois é esmagada no primeiro terno, obtendo-se ocaldo primário. A massa continua sendo esmagada no segundo terno até passarpara o último terno, de onde o bagaço fi nal segue para as caldeiras. Neste pro-cesso ocorre a embebição da massa, com água, em cada terno de moenda, emcontracorrente com a direção da moagem, favorecendo a lixiviação da sacarosecontida na massa. Obtém-se, portanto, no segundo terno o caldo misto.

Na difusão, diferentemente da moenda, não ocorre esmagamento, o cal-do da cana é extraído por lixiviação em contracorrente da camada de canadesfi brada. A cana desfi brada alimenta um transportador de cana com fundoperfurado para permitir a passagem do caldo extraído. A camada de cana pre-parada dentro do difusor é de aproximadamente 1 m, e a água empregada naembebição, aquecida a 90°C, é aplicada no fi nal do difusor. Ao fi nal do difusoro que se consegue é separar o caldo residual do bagaço.

O caldo de cana obtido no processo de extração apresenta impurezas solú-veis e insolúveis, que são eliminadas por tratamento físico-químico. O tratamen-to químico consiste na coagulação, fl oculação e precipitação destas impurezas,que são eliminadas por sedimentação, à semelhança do processo que aconteceem uma estação de tratamento de água, para a retirada de impurezas.

Após a obtenção e retirada das impurezas do caldo, este passa por um pro-cesso de tratamento, que envolve a caleagem, que é a adição de Ca(OH)2 (leitede cal) para a redução da acidez; e o aquecimento a 105ºC, para acelerar efacilitar a decantação e a degasagem, isto é, a retirada de gases do caldo. Aclarifi cação e a fi ltração também são empregadas com a fi nalidade de retirarimpurezas. Finalmente, obtém-se a concentração do caldo, que passa a ser de-nominado de xarope, conseguido por meio de evaporação. A sulfi tação, adiçãode anidrido sulfuroso (SO2) ao caldo, é uma etapa que só acontece na fabrica-ção do açúcar branco, tendo a fi nalidade de diminuir a viscosidade do caldofacilitando as etapas de evaporação e cozimento do xarope.

11.5.3 FABRICAÇÃO DE AÇÚCAR CRISTAL E ETANOL

Preparado o xarope, este é concentrado ainda mais para a formação doscristais de açúcar, em equipamentos denominados cozedores (ou vácuos).

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Com a evaporação da água obtém-se uma mistura de 45% de cristais envolvi-dos em ‘mel’, uma solução açucarada.

A massa cozida é descarregada nos cristalizadores, onde sofrerá resfria-mento lento. Esta operação visa recuperar parte da sacarose que ainda se en-contra dissolvida no ‘mel’, e possibilitar o aumento do tamanho dos cristais.Depois disso, o material será resfriado para que se consiga manter no recipien-te apenas os cristais de sacarose. O ‘mel’ removido é coletado em um tanque eretorna aos cozedores para recuperação do açúcar ainda dissolvido. É o ‘mel’fi nal do segundo cozimento, ou até de um terceiro, se necessário, que é enviadopara a fabricação de etanol.

Obtido o açúcar, este ainda precisará passar por resfriamento e secagem,processos que são realizados em secador rotativo, antes de ser ensacado. Istoé feito após os cristais serem recolhidos em uma moega com fundo afuniladode onde seguem de forma descontínua diretamente para a embalagem, que éconcomitantemente pesada durante o ensacamento do açúcar.

O ‘mel’ do segundo, ou até de um terceiro cozimento, resultante do proces-so de cristalização do açúcar, denominado de mosto, é uma solução açucaradautilizada na fermentação alcoólica realizada por leveduras. Essa transforma-ção dos açúcares em etanol ocorre em tanques, denominados de dornas defermentação, onde há a mistura do mosto, solução de açúcar com concentra-ção ajustada para facilitar a sua fermentação e do pé-de-cuba, que é a levedurarecuperada do processo, diluída e tratada com ácido para destruir bactériascontaminantes (para mais detalhes veja http://www.copersucar.com.br/ins-titucional/por/academia/alcool.asp). O tempo de fermentação varia de 6 a 8horas. Ao fi nal deste período praticamente todo o açúcar é consumido. Aoterminar a fermentação, o teor médio de etanol nestas dornas é de 7 a 11°GL.E essa mistura recebe o nome de vinho fermentado.

Por ser a fermentação uma série de reações bioquímicas exotérmicas (exo= para fora; térmico = relativo ao calor), há grande desprendimento de calordo processo. Este fato exige a remoção de calor do interior dos fermentadoresatravés de trocadores de calor externo/interno.

O passo seguinte é a destilação desse líquido, isto é, a separação das subs-tâncias componentes, que são basicamente a água, o etanol, etanóis superiores,

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ácido acético e aldeídos, técnica que leva em conta o fato desses componentesterem diferentes pontos de ebulição.

Além da geração, aproveitamento e venda de energia elétrica a partir doprocesso de produção de açúcar e álcool, bem como queima do bagaço dacana, muitas usinas possuem instalações para produção de levedura seca, ma-téria prima para a produção de ração animal.

11.6 CANA, ETANOL E AS QUESTÕES SÓCIO-AMBIENTAIS

11.6.1 Considerações sobre o conceito de energia limpa

Tem-se considerado como energia limpa aquela que agride menos o ecossis-tema e utiliza fontes renováveis. No entanto, o conceito de energia ‘limpa’ ou ‘re-novável’ deve ser discutido a partir de uma visão mais ampla, que considere osaspectos socioeconômicos e ambientais, que no caso do etanol vai desde o cultivoe o processamento da cana, até o consumo fi nal do etanol como biocombustível.

A cana de açúcar nos dias atuais é destaque no cenário nacional e interna-cional. Além do papel na produção de recursos energéticos para a manutençãoda vida biológica (ex. açúcar), e para a manutenção de interesses econômico-sociais (ex. etanol), há ainda profundas implicações ambientais e ao que serefere à justiça social, resultantes da visão de mundo e práticas adotadas pelosprodutores de açúcar e álcool, que não se pode ignorar.

São extensas áreas, muitas vezes de solos férteis e com vocação para culturas decereais, ocupadas por uma monocultura não tão exigente e que, não raro, avançapor espaços que deveriam ser ocupados pelas matas de galeria e minas d´água.

Se considerarmos ainda as bacias hidrográfi cas brasileiras, veremos queas 356 unidades produtoras sucroenergética do país, concentram-se em tornodelas, especialmente na do Rio Paraná. Isso implica em forte pressão sobre aqualidade desses ecossistemas aquáticos, já sofridos com os resíduos de outrasatividades humanas.

Na lavoura da cana de açúcar detectam-se problemas que se referem às prá-ticas agrícolas disseminadas: o uso de fertilizantes e agrotóxicos para melhorar aprodutividade e o fogo para a retirada da palha da cana, que facilita a colheita.

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Os fertilizantes que com as chuvas chegam aos mananciais podem provocarum fenômeno, que leva à proliferação em demasia de algas, com consequenteexcesso de consumo de oxigênio, provocando a morte de animais que fi cam semoxigênio sufi ciente para respirar. Esse fenômeno, conhecido como eutrofi zação,pode ainda ser potencializado por agrotóxicos usados no combate a espéciesconsideradas ‘pragas’. Além de contaminar os solos e afetar as espécies que alivivem, acabarão sendo levados pelas chuvas aos mananciais de água da região,como nascentes, rios, lagos e lençóis freáticos. Uma vez que entrem nas cadeiasalimentares poderão provocar a morte de muitos organismos diretamente oupor meio do efeito cumulativo, que atinge principalmente consumidores secun-dários, terciários, localizados mais no topo das cadeias trófi cas.

Os venenos químicos, que acarretam riscos à vida do trabalhador ruralque lida diretamente com eles, também se espalham com o vento e podemcontaminar muitos ambientes, levando também outras pessoas a problemasde saúde graves.

Além desses problemas, o uso tradicional do fogo para a colheita aumentaos riscos de incêndios descontrolados e causa poluição do ar. A reboque dessesperigosos acontecimentos vem o aumento da incidência de problemas respi-ratórios na população e as justas reclamações das donas de casa que precisamlavar novamente roupas estendidas nos varais e gastar mais água tratada paralavar quintais e calçadas, que fi cam cobertos, sujos com a palha carbonizada.

Não podemos nos esquecer do gás carbônico e sua contribuição ao efeitoestufa e da destruição da matéria orgânica e de microorganismos decompo-sitores, que existem nos solos, cuja umidade também é reduzida com o fogo.Apesar dos inúmeros malefícios decorrentes dessa prática, os fazendeiros con-seguiram 30 anos de prazo para mudá-la. Não restam dúvidas de que a colheitamecanizada é uma excelente opção, apesar do alto custo do maquinário e dainicial redução no número de postos de trabalho, por trazer mais benefícios aosetor sucroalcooleiro e à população em geral.

No que se refere às questões sociais e de saúde humana há também osproblemas específi cos dos trabalhadores rurais, especialmente os cortadoresde cana, explorados e exauridos em suas forças físicas, mantidos em moradiasinsalubres e sem condições adequadas de alimentação. Nessa linha de avalia-

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ção devemos considerar que a expansão do setor canavieiro fez crescer a ofertade empregos no Brasil. Por outro lado, as condições de trabalho e remuneraçãodestes trabalhadores braçais, os chamados bóias-frias, são péssimas. Arreba-nhados por um agente intermediário, o ‘gato’, que realiza serviço terceirizadopara a indústria, os trabalhadores recebem de acordo com o volume de canacortada. Como o valor base é muito baixo, o trabalhador precisa de um esforçofísico descomunal para atingir um volume de cana cortada que lhe permitaao menos cobrir os gastos com algumas das necessidades básicas. Estudos ereportagens em meios de divulgação de massa evidenciam a exploração a essestrabalhadores. Atraídos por falsas promessas do agenciador (‘gato’), homenssão arrebanhados em estados brasileiros para trabalhar nas lavouras de ou-tros estados que se destacam na produção de açúcar e álcool. Os dados obti-dos recentemente por pesquisador da Universidade de Brasília (ver texto nobox – Produção de etanol não traz desenvolvimento socia l). Trata-se de umproblema sério de exploração do trabalhador, que merece maior atenção derepresentantes de órgãos governamentais e medidas enérgicas a fi m de queseja combatido.

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Produção de etanol não traz desenvolvimento social

Pesquisador do Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) analisa 306 mu-nicípios produtores de cana-de-açúcar e conclui que impulso econômico não se tra-duziu em melhora para a população

Por: Juliana Braga – Da Secretaria de Comunicação da UnB

Os municípios produtores de etanol no estado de São Paulo não praticam um tipo sustentável de lavoura e nem conseguiram melhorar seu desenvolvimento so-cioeconômico. É o que aponta a dissertação Sustentabilidade Ambiental do Etanol no Estado de São Paulo, defendida nesta terça-feira, 3 de agosto, por Antônio Juliani, no Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da UnB.

Juliani analisou 306 municípios paulistas com área de produção de cana de açú-car superior a 5 mil hectares. Segundo o pesquisador, 218 deles têm baixo índice de desenvolvimento socioeconômico, ou seja, 71%. Quando analisada somente a sus-tentabilidade ambiental, somente oito (2%) apresentam índice satisfatório.

O autor sustenta que muito se fala sobre as implicações ambientais da produ-ção da cana-de-açúcar para biocombustíveis, mas pouco sobre as condições de vida das populações das regiões produtoras. “Parece que está tudo bem desde que não se plante na Amazônia”, pondera. Segundo ele, não se pode desconsiderar os níveis de escolaridade e renda das populações, porque isso tem também implicações ambien-tais. “Uma população em condição de vulnerabilidade social tem menos consciência da necessidade de preocupar-se com o meio ambiente”, defende.

Outra causa para os baixos níveis de sustentabilidade ambiental é a falta de en-volvimento das prefeituras com políticas voltadas para a área. “É necessário criar leis que regulamentem e fi scalizem a produção de etanol”, sugere.

ÍNDICE – Para medir o desenvolvimento socioeconômico, o pesquisador uti-lizou o Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS), que mede a riqueza do município e a escolaridade e longevidade da população. “Ele se difere do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) porque pondera outras variáveis, como a faixa etária ou o consumo de energia elétrica”, conta. Também utilizou o Índice Paulista e Vulnerabilidade Social (IPVS), que mede a difi culdade de acesso a questões básicas como saúde e educação. Casando os dois índices, Juliani montou o índice de desen-volvimento sócio-econômico (ID).

Para medir a sustentabilidade ambiental, o autor utilizou indicadores relaciona-dos à biodiversidade, qualidade do ar, qualidade da água, concentração da cultura de cana de açúcar, nível de mecanização da lavoura, uso de adubação verde e adequação ao zoneamento agroambiental para o setor no estado de São Paulo.

“O trabalho do Juliani é relevante porque se preocupa com as práticas por trás da produção do etanol”, sustenta o professor da Universidade Federal de Santa Cata-rina, Hans Bellen. Segundo ele, o índice tem a preocupação de mostrar o lado social por trás do desenvolvimento econômico nos municípios. A professora Vanessa Cas-tro, do CDS/UnB, destaca o grande número de municípios analisados. “É relevante porque faz grande estudo de caso e ainda traz grupo de comparação. É quase um censo da produção de etanol no estado de São Paulo”, diz.

Fonte: http://www.unb.br/noticias/unbagencia/unbagencia.php?id=3689 acesso em 9/VII/2010

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Portanto, antes de taxarmos o etanol como uma energia limpa, até mesmoconsiderando o potencial que começa a ser mais amplamente explorado dos2/3 da matéria-prima composto pela biomassa da palha, ponteiro e bagaço, épreciso fazer uma análise mais minuciosa e abrangente de todas as questõesque envolvem o cultivo, colheita, transporte, processamento e produção doaçúcar e do álcool.

Nas usinas, a produção do bioetanol envolve um ciclo fechado, em que aenergia para a refi naria e processo de destilação provém da queima do bagaçoda cana-de-açúcar. Também ocorre o reaproveitamento de resíduos, como avinhaça, torta de fi ltro, palha, que voltam para o solo na forma de adubo. Atémesmo o gás carbônico (CO2), liberado no processo de fermentação do álcool,pode ser reaproveitado como, por exemplo, o que ocorre em uma empresa doParaná onde o CO2 liberado na produção do álcool é utilizado para fabricarbicarbonato de sódio. Esse bicarbonato de sódio denominado de bicarbonato“verde” é altamente consumido no país, sendo utilizado em diversos produtos,desde creme dental, alimentos e ração, até fármacos.

Com o aumento da demanda dos biocombustíveis e a ganância de inves-tidores, não há terras que cheguem para a plantação de culturas energéticas.A necessidade de extensões de terra cada vez maiores está contribuindo paraaumentar o desmatamento e, consequentemente, a extinção de espécies. As ex-tensas culturas fonte de energia também ocupam terras valiosas, que poderiamser utilizadas para cultivo de alimentos, como soja, feijão, trigo, milho, etc. Istonão acontecendo, fi camos sujeitos ao aumento do custo desses alimentos e deoutros indiretamente relacionados, como, por exemplo, a carne, uma vez queas rações à base de milho, por exemplo, teriam seus preços aumentados.

Em 2007, algumas reportagens realizadas por canais de televisão do in-terior paulista, mostraram tratoristas trabalhando durante a madrugada, naderrubada de matas e aterramento de minas d’água, orientados por patrõesinescrupulosos e ávidos de lucro, que queriam, com isso, não só aumentar aárea agriculturável, como facilitar o trânsito de caminhões.

Em relação à utilização do etanol, sabemos que a combustão é mais fácil doque a da gasolina, devido ao oxigênio existente em sua composição. Sabemosainda, que durante a sua queima, menos poluente é liberado. Dependendo da

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regulagem do motor, o etanol libera em média 25% menos monóxido de car-bono (CO) e 35% menos óxido de nitrogênio (NO) que a gasolina.

Que conclusão podemos tirar, contrabalançando os diversos aspectos en-volvidos na produção do biocombustível etanol?

Não existe energia limpa!Por mais ou menos impactante que seja uma fonte de energia, ela não é

totalmente limpa. Para considerar-se uma energia limpa, ela deveria não re-sultar em dano ambiental, aos seres vivos e ao mundo físico; não deveria afetarnegativamente as pessoas, quer seja no que se refere à saúde biológica ou àsaúde socioeconômica.

Por isso, uma palavra muito ouvida ultimamente é sustentabilidade. Todotipo de energia dever ser utilizada de uma maneira sustentável, ou seja, atingirdemandas energéticas sem consequências negativas.

O bioetanol como combustível é considerado, sim, uma boa alternativa,sob diversos aspectos técnicos. Trata-se de uma energia renovável, cíclica, e,por ser proveniente da biomassa, é praticamente inesgotável, ao contrário doscombustíveis fósseis, que são esgotáveis e emitem altas taxas de CO2, um dosprincipais responsáveis pelo superaquecimento do planeta. Contudo, diversosoutros aspectos sociais problemáticos, já discutidos anteriormente, devem sertratados com mais empenho, para que tenhamos nessa fonte energética umaalternativa que nos viabilize por mais tempo no planeta e com justiça social.

11.7 EXPERIMENTANDO UMA IDEIA

Com o objetivo de apresentar ao público os aspectos biológicos, agronô-micos, sociais e tecnológicos envolvidos na produção do etanol e discutir comos visitantes essa questão da energia limpa e a sustentabilidade ambiental apartir do seu uso, dividimos o nosso trabalho em cinco etapas. São elas: con-trole biológico, funcionamento da usina (com a utilização de uma maquetepara a representação), fermentação, destilação e a discussão sobre o etanol seruma forma de energia limpa ou não.

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11.7.1 Controle biológico

11.7.1.1 Modelo da broca

Construímos um pequeno modelo que representa um colmo de cana ata-cado pela broca na cana de açúcar, a Diatrea saccharalis (Figura 5), que foi, porsua vez, atacada por Cotesia fl avipes, parasitóide, que o produtor de cana podeutilizar para controlar a infestação.

Primeiramente, usamos uma bóia de piscina cilíndrica (espaguete) e mar-camos, com caneta, três partes iguais de modo que representassem três colmosde um ramo de cana de açúcar (Figura 5A). Cada uma dessas marcas corres-pondia a um entrenó.

Em seguida, cortamos a bóia longitudinalmente com um estilete, deixandoas duas partes unidas por uma estreita camada lateral que funcionou comodobradiça (Figura 5B). Depois disso, fi zemos 3 cortes transversais até a metadedo diâmetro da bóia, nas marcações que correspondiam aos entrenós, para quecada ‘colmo’ pudesse ser aberto.

No espaço interno dos ‘colmos’ perfuramos para representar o caminhoda broca e, em seguida, pintamos de vermelho para simbolizar a podridãovermelha, causada por fungo (Figura 5C e D).

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Figura 5 Modelo de cana atacada por Diatraea saccharalis: Colmo atacado pela broca da cana (A a D); Diatraea saccaralis no interior do colmo, que está com sinais de ataque do fungo causador da podridão vermelha (B a D); Larva parasitada por Cotesia fl avipes (C); larva escura, morta devido ao

parasitismo (D).

Para representar a broca usamos 3 pedaços de bastão de cola quente commais ou menos 10cm, sendo dois deles de cor amarela e um de cor preta. Coma pistola para cola quente, moldamos os pedaços de cola quente para que ad-quirissem o formato da lagarta Diatraea saccahalis. Em seguida, fi xamos, comcola quente, duas bolinhas pretas de massa de modelar na parte superior des-sas ‘lagartas’ para que simbolizassem os olhos e outra bolinha para simbolizaro rostro (ou rosto).

A Cotesia foi feita unindo duas bolinhas de massa de modelar preta. As an-tenas foram feitas com arame e as asas com pedaços de plástico duro cortadono formato das asas.

No primeiro entrenó fi zemos um pequeno buraco representando o local deentrada da Diatraea saccharalis, e colocamos, no interior do colmo, na galeriaesculpida, o modelo da lagarta, feito com a cola quente amarela, simbolizando

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uma broca. No segundo entrenó, colocamos a segunda broca amarela, e sobela, colamos o modelo da Cotesia, representando o parasitismo. No terceirocolmo, para fi nalizar essa sequência de eventos, normalmente separados notempo, colocamos a broca preta que representa os indivíduos já mortos, depoisde serem parasitados.

Esse conjunto se presta a uma atividade na qual o visitante pode manusearos modelos ampliados e conhecer não só as estruturas dos insetos, mas a dinâ-mica da infestação da cana e do parasitismo das lagartas.

11.7.1.2 Representação do ciclo biológico

Para entender o conceito de controle biológico e poder planejar ações quevisem o controle de uma população, é necessário entender como ocorre o ci-clo de vida dos organismos envolvidos. Por essa razão, representamos o ciclobiológico da Diatraea saccharalis e da Cotesia fl avipes usando exemplares dasrespectivas espécies e recipientes nos quais são criadas em laboratório (Figura6A). As fases foram interligadas com setas e, em cada fase, registramos o nomee intervalo de duração, assim como o intervalo de duração total dos respecti-vos ciclos.

11.7.2 Estrutura E Organização De Uma Usina De Açúcar

Para tratarmos das várias etapas da dinâmica de produção, transporte eprocessamento da cana na usina construímos uma maquete em uma placa demadeira compensada, de 2 metros de comprimento por 1 metro de largura.

Os materiais utilizados para representar cada elemento representado na(Figura 7) foram: papel crepom e jornal para as canas de açúcar presentes naplantação (Figura 7 A1), sucata para os equipamentos da fábrica e treminhão,e hastes de telhas e tela de galinheiro para confeccionar a parte suspensa damaquete. A plantação em pé foi representada com pedaços de papel crepomverde, enrolados em palitos de dente, e as canas já queimadas foram feitas compedaços de jornal.

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Figura 6 Material utilizado para mostrar o ciclo de vida da Diatraea saccharalis, à direita e de Cotesia fl avipes, seu parasitóide, à esquerda (A) e detalhes do parasitóide em (B) e da broca da

cana em álcool (C). O material foi gentilmente cedido pelas pessoas responsáveis pela Usina SãoManoel.

O treminhão (Figura 7 E1) foi feito com a parte frontal e rodas de umcarrinho de brinquedo e caixas de remédio recortadas para simbolizar a carro-ceria. Na recepção da cana-de-açúcar, uma esteira (Figura 7 E2) foi feita compapel sanfonado prateado (para simbolizar a parte de metal), e a outra comEVA preto simbolizando a parte de borracha, ambas suspensas por caixas depalito de fósforo (Figura 7 E6).

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Figura 7 Imagens da maquete construída, para representar uma usina de produção de etanol: Plantação da cana-de-açúcar e representação da cana já queimada (A); Detalhes de estruturas da usina

(B a D); Centrífuga (D1) e pé-de-cuba (D2); Treminhão (E1); Esteiras (E2); Picador (E3); Desfi brador (E4); Três ternos da moenda (E5); Duas peneiras (E6); Esteira (E7); Caldeira (E8); Armazenamento do

‘mel’ (E9); Armazenamento do caldo (E10); Garapeira (E11); Três dornas de fermentação (E12); Dorna volante (E13); Destilaria (E14); Tanque de armazenamento do etanol (E15).

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O picador (Figura 7 E3) e o desfi brador (E4) foram feitos com caixas desabonete; os ternos da moenda (E4), com caixas de creme dental, e as esteirasentre os ternos com papel sanfonado prateado. As peneiras (E6) foram confec-cionadas com copos de iogurte furados, a esteira (Figura 7 E7), entre os ternosda moenda e a caldeira, foi feita da mesma forma que E2; a caldeira (E8) comuma lata de farinha láctea; os armazenadores de mel e de caldo (Figura 7 E9 eE10, respectivamente) com potes de requeijão e as dornas de fermentação e agarapeira (Figura 7 E11 e E12) com latas de achocolatado. A centrífuga (D1)foi feita com lata de atum, o pé-de-cuba (Figura 7 D2) e a dorna volante (Figu-ra 7 E13) com latas de molho de tomate.

Na parte de destilação (Figura 7 E14), os condensadores foram feitos derolos de papel toalha cortados; a coluna A foi feita de garrafa de óleo; as colu-nas B e C foram feitas de latas de batata “chips” e a coluna P de rolo de papelcom metade de uma bola de isopor na extremidade. O tanque de armazena-mento (Figura 7 E15) foi feito com lata de tinta.

Todos os materiais foram pintados com tinta guache, e as partes de plásti-co, com tinta acrílica. As conexões entre os equipamentos foram feitas com fi osde cobre encapado e barbante.

11.7.3 Fermentação

Para a visualização das leveduras utilizamos um microscópio e lâminascontendo levedura corada com solução de azul de metileno, o qual cora as cé-lulas, mas também as matam. Por isso, é necessário realizar trocas do materialfi xado de tempos em tempos, para que se possa observar as leveduras vivas eem movimento.

Para ilustrarmos a ocorrência de fermentação, utilizamos um experimentosimples que revela a produção crescente de gás carbônico. Colocamos caldo decana (garapa) em uma garrafa de plástico junto com o fermento utilizado nafermentação do caldo (leveduras) e fechamos a boca dessa garrafa com umabexiga que foi presa ao gargalo (Figura 8). Conforme a fermentação ocorria, aliberação de gás carbônico infl ava vagarosamente a bexiga e causava a eferves-cência do líquido. Além disso, ocorre liberação de calor, que pôde ser perce-

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bida pelo aquecimento da parede externa da garrafa. Os dois acontecimentosforam indicativos da ocorrência da reação.

Figura 8 Experimento utilizado para demonstrar a fermentação: o caldo de cana com levedura na garrafa PET no início da fermentação – note o balão de gás não distendido (esquerda) e o mesmo

caldo de cana após algumas horas, que fez o balão fi car evidentemente distendido devido aoacumulo de gás carbônico produzido pelas leveduras (direita).

11.7.4 Destilação simples

Nas usinas o processo de destilação do álcool é chamado de destilação fracio-nada, porque envolve a separação de diversos componentes da mesma mistura.Essa separação baseia-se no fato dos componentes possuírem pontos de ebuliçãodistintos. Para explicar a destilação realizamos um processo menos complexo, cha-mado de destilação simples, que é utilizado para separar misturas homogêneas,quando um componente sólido está diluído em um líquido. No caso do caldo fer-mentado, vai separar somente as substâncias voláteis (água, álcool etílico, aldeídos,álcoois superiores, ácido acético, gás carbônico etc.) das não voláteis (células deleveduras, bactérias, sólidos em suspensão, sais minerais etc.).

Para a demonstração montamos um aparato, conforme ilustrado na fi gura9, para realizar uma destilação simples e explicar os conceitos envolvidos noprocesso.

O aparato era constituído por um bico de Bunsen ligado a um botijão degás; um tripé de ferro coberto por uma tela de ferro com amianto; um balão

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volumétrico, o qual continha o caldo fermentado; um suporte universal parasustentar o condensador de vidro; mangueiras de borracha para entrada e sa-ída do fl uxo de água refrigerada dentro do condensador e um béquer paracaptura do líquido destilado. O fl uxo constante de água no condensador foimantido com o auxílio de uma bomba de aquário dentro de uma bacia comágua, e para manter a água refrigerada acrescentávamos blocos de gelo.

Figura 9 Equipamento de destilação simples: Caldo de cana sendo destilado (A) e ao lado umesquema do aparelho de destilação (B).

Aquecendo-se a mistura nesta aparelhagem, o líquido entra em ebuliçãoe, como o vapor produzido é menos denso, sairá pela parte superior do balãode destilação chegando ao condensador, onde é refrigerado pela água que cor-re no compartimento externo do condensador, transformando-se em líquido.Esse líquido corre pelo tubo do condensador, que está inclinado, e é recolhidoem um recipiente adequado e pode ser analisado pelo visitante. O sólido per-manece no balão de destilação.

11.7.5 Avaliação interativa do etanol como energia limpa

Para abordar de maneira interativa o conceito de energia limpa, utiliza-mos três painéis de ferro sustentados por cavaletes de madeira (Figura 10). Nopainel do meio foram colocadas todas as afi rmações referentes às etapas envol-vidas na produção do bioetanol, que deveriam ser separadas, pelos visitantes,como pertencentes à categoria “sim” (resultado da compreensão de que se trata

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de uma ação benéfi ca, portanto o etanol é considerado uma energia limpa –painel da esquerda na Figura 10) ou como pertencente à categoria “não” (resul-tado da compreensão de que se trata de uma ação maléfi ca, portanto o etanolé considerado uma energia não limpa – painel da direita da Figura 10). Essasafi rmações foram impressas em papel sulfi te e, depois de plastifi cadas, recebe-ram pedaços de imã colados na parte de trás, para que fi cassem mais fi rmes epermitissem fácil manuseio e fi xação.

Figura 10 Foto dos painéis utilizados para discussão, com o público visitante, do tema energia limpa.

As afi rmações utilizadas foram:Promessa de criação de empregos•SIM. As usinas geram empregos tanto na plantação e colheita quanto na

própria indústria. É um aspecto positivo.

Geração da própria energia utilizada•SIM. As usinas geram energia através da queima do bagaço. Toda a energia

utilizada na produção do etanol é gerada pela própria usina.

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Emite menos CO• 2 do que os combustíveis fósseisSIM. Combustíveis fósseis são os derivados do petróleo, como a gasolina

e o diesel, por exemplo. Portanto a queima do etanol pelos automóveis emitemenor quantidade de CO2.

Reaproveitamento de resíduos•SIM. Durante o processo de produção do etanol não sobra nenhum resí-

duo, tudo é reaproveitado em outras etapas. É um aspecto positivo.

Uso de fertilizantes e de agrotóxicos•NÃO. Nas lavouras além do controle biológico ainda ocorre o uso de fer-

tilizantes e agrotóxicos, práticas que representam um aspecto desfavorável daprodução, pois contaminam o solo e os lençóis freáticos.

Condições precárias dos cortadores de cana•NÃO. Trabalham exaustivamente porque ganham por tonelada de cana

cortada e não por tempo de trabalho. Com isso, podem ocorrer diversos feri-mentos que quando não tratados adequadamente levam a infecções graves ealguns trabalhadores chegam a falecer por conta disso.

Aumento do custo dos alimentos•NÃO. Para produzir grandes quantidades de bioetanol é necessário a utili-

zação de grandes extensões de terra para plantação de cana. Surge o problemada monocultura já que deixam de utilizar terras para plantar outras culturasalimentícias como soja, feijão, trigo etc., causando um aumento no custo des-ses alimentos.

Desmatamento e extinção de espécies•NÃO. Por causa da plantação em grande escala, ocorrem desmatamentos

de novas terras e conseqüentemente a extinção de espécies que viviam lá.

Outros dados podem ser acrescentados na medida em que os alunos pes-quisem e encontrem informações relevantes para compor a análise sobre as

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questões que envolvem o cultivo da cana de açúcar e o conceito de energialimpa.

Como sugestão para melhorar a demonstração do funcionamento da usinapropomos uma mecanização da maquete, que poderia envolver, no ensino médio,o professor de física, já que o professor de matemática e química poderiam serenvolvidos na proposta para o planejamento da maquete (estudo das proporções –escala) e estudos para a montagem do processo de destilação do álcool, respectiva-mente. No caso da mecanização, ela começaria com a preparação de uma espéciede pinça hidráulica, a ser usada no carregamento das canas cortadas à carroceriado treminhão e as colocaria na esteira de recepção. As esteiras teriam um sistemade rolagem, que levaria as canas primeiramente para a lavagem, depois para o pi-cador, desfribrador e espalhador e, fi nalmente, para as moendas.

Dessa forma, a maquete não só fi caria mais interessante, atraente e eluci-dativa, como permitiria que os alunos e professores trabalhassem interdiscipli-narmente, tratando de conhecimentos tanto das Ciências Naturais, como dasCiências Humanas de forma mais apropriada, abrangente e profunda.

As explicações de todo esse processo de construção e funcionamento domodelo, gravadas em vídeo durante o evento Experimentando Ciência”, pode-rão ser obtidas nos endereços: http://www.youtube.com/watch?v=B51a52fBcP4(Parte I); http://www.youtube.com/watch?v=9Tw38RpIc-g (Parte II) e http://www.youtube.com/watch?v=9nwVoxh0iGU (Parte III).

11.8 BIBLIOGRAFIA

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12A CAMUFLAGEM E O MIMETISMO NOS ANIMAISBruna Pozzi Rufato1

Helton Otsuka1

12.1 INTRODUÇÃO

Imagine dois animais: um grande leão e uma delicada borboleta. O leão,com duzentos quilos, costuma caçar grandes mamíferos, como zebras e búfa-los. Geralmente é utilizado como exemplo de força e dominância, sendo con-siderado o rei dos animais. A borboleta, também macho, com menos de umgrama de peso, alimenta-se de néctar. É admirada pelo seu colorido, sendosímbolo de leveza e delicadeza.

Considerando esses animais, vamos imaginar uma situação um tanto ab-surda. Um determinado dia, por uma determinada razão, a borboleta enfrentao leão em uma disputa de vida ou morte. Qual deles você acha que venceria?Com absoluta certeza o leão venceria, que com apenas uma patada poria fi mà vida da borboleta.

Agora, vamos imaginar um mesmo ambiente, no qual o leão e a borboleta,juntamente com uma leoa e uma borboleta fêmea, seriam os únicos animaisviventes. Imaginemos um ambiente desértico, em que apenas alguns cactos eplantas arbustivas fl orescem no meio da terra craquelada, sem nenhuma gran-de sombra que fosse sufi ciente para nos esconder. Um sol escaldante secoutodos os rios e lagos desse ambiente, existindo água apenas sob a terra. Nestasituação, qual das duas espécies sobreviveria?

Desta vez, a borboleta se sairia melhor. No ambiente em que imaginamos,a borboleta teria todas as condições para sobreviver. As plantas sobreviveriamapenas com a água sob a terra. Com isso, o néctar das fl ores serviria de alimen-to e algumas das plantas arbustivas poderiam ser plantas hospedeiras para odesenvolvimento das lagartas. Mas note que o leão e a leoa não teriam comosobreviver. Sem alimento e sem água, rapidamente morreriam desnutridos e

1. Licenciados e Bacharéis em Ciências Biológicas – UNESP, IB CP50 – CEP 18618-970, Botucatu, [email protected]

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desidratados. A força muscular dos leões não traria nenhuma vantagem paraesta situação. Por isso, na natureza, não são os mais fortes fi sicamente que so-brevivem, mas aqueles que estão bem ajustados ao meio ambiente. E esse ajus-te ao meio ambiente é o que chamamos de adaptação.

Porém, os ambientes estão em constante modifi cação. O que conhecemoshoje como Floresta Amazônica, provavelmente era bem diferente alguns mi-lhões de anos atrás. Os desertos da África, no passado, poderiam ser fl ores-tas densas ou até mesmo grandes lagos. E mesmo o ambiente desértico queimaginamos em nosso exemplo poderia ter sido uma savana como as que co-nhecemos atualmente no continente Africano, repleta de grandes mamíferosherbívoros que poderiam servir de alimento aos leões. Mas, alguma alteraçãoclimática pode ter ocorrido e matado as plantas que serviam de alimento aesses herbívoros. Com isso, eles também morreriam. Sem eles, seu predadoresnão teriam alimento e também morreriam. Aqueles animais que conseguissemresolver, de alguma forma, o problema alimentar causado pela alteração cli-mática teriam chance de sobreviver. Também sobreviveriam aqueles que nãofossem afetados pelo problema climático. Assim, ocorre uma seleção, em queos animais não adaptados às novas condições do ambiente são extintos. Nocaso da borboleta, pode ter sobrevivido, pois o novo ambiente formado erapropício ao seu desenvolvimento. Este é um exemplo do processo chamado deseleção natural.

Nesse exemplo, um fenômeno climático foi o responsável por modifi caro ambiente. Mas outros fatores também podem agir. A invasão de espéciespredadoras ou melhores competidoras em novos habitats, a propagação de umvírus ou de alguma doença, as mudanças dos gases da atmosfera, entre outrosfatores, podem modifi car o ambiente e selecionar, como mais adaptados, al-gumas espécies ou mesmo alguns indivíduos dentro de uma espécie. Logo, aseleção natural pode atuar tanto em nível específi co (selecionando espécies)quanto em nível individual (selecionando indivíduos dentro de uma espécie).

A seleção dos indivíduos dentro de uma mesma espécie ocorre somenteporque existe variação entre os indivíduos dessa espécie. Veja que não é pelofato de pertencerem a uma mesma espécie que todos os indivíduos são exata-mente iguais entre si. Essa diferença é determinada pela genética do indivíduo

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(nível genotípico) e também por condições de vida. A variação genética entreos indivíduos é resultado tanto da reprodução sexuada, como das mutações,que são qualquer mudança no genótipo de um organismo que ocorra no níveldo gene, cromossomo ou genoma.

Em nível fenotípico, que é a aparência física de um organismo, os indiví-duos de uma mesma espécie podem parecer iguais, mas no genótipo podemapresentar algumas diferenças entre si. Como exemplo, podemos citar a sus-ceptibilidade aos vírus patogênicos. Entre os humanos, alguns são mais sus-ceptíveis aos vírus, sempre contraindo alguma virose. Caso ocorresse algumamutação em um desses vírus, tornando-o letal, essas pessoas teriam as maioreschances de ir a óbito. Assim, ocorreria uma seleção daqueles que seriam resis-tentes ao vírus.

Além dessas variações genéticas, algumas espécies desenvolveram estra-tégias comportamentais para sobreviver. Para não serem extintas, as espéciesque são presas e convivem em um mesmo hábitat que seus predadores devemse proteger. Uma forma de se proteger é escondendo-se no próprio ambienteou fazendo-se parecer com outro organismo. Ao mesmo tempo, muitas espé-cies que são predadoras devem abordar suas presas de surpresa. Para isso, nãoserem percebidas, ou serem consideradas inofensivas, é fundamental.

Essas estratégias de sobrevivência serão abordadas neste capítulo. Elas nosrevelam toda magia, sincronia e, principalmente, toda a força da seleção na-tural para moldar as espécies que vivem na natureza. São estratégias incríveis,algumas extremamente complexas, que mostram o resultado incrível desseprocesso de seleção natural. Nesse contexto, podemos refl etir e entender quetodas as espécies são produtos dessa seleção, sendo seus mecanismos de ata-que e defesa selecionados nessa longa história durante muitas gerações. Essepanorama das espécies nos faz refl etir o quanto o ser humano é apenas maisuma espécie, com suas vantagens e desvantagens para sobreviver no planeta.Por essa razão, numa abordagem biológica não se deve considerar o homemsuperior a outras espécies. Ele é apenas diferente, como cada espécie é diferen-te uma da outra.

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12.2 ONDE ESTOU?

12.2.1 A camufl agem

Camufl agem é a estratégia utilizada pelos animais para difi cultar que seusinimigos os distingam do meio que os cerca (Futuyma, 2002). Nela, a forma, acor ou o tipo de cobertura do animal o torna muito parecido com o ambienteonde vive. Esse tipo de adaptação pode ser útil tanto para defesa, aumentandoas chances de uma presa se esconder do predador, como para o ataque, auxi-liando um predador a se aproximar das presas sem ser percebido (Figura 1).

Figura 1 lagarto camufl ado em meio ao folhiço.

A camufl agem é muito comum na natureza, aparece em todos os gruposanimais. Os seres humanos também usam a tática da camufl agem, quando, porexemplo, os soldados usam os uniformes de guerra.

Há dois tipos de camufl agem: a homotipia e a homocromia.Homotipia• : quando a forma do corpo do animal se assemelha a algo doambiente. Um exemplo de homotipia é o do bicho-pau e do percevejo na

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fi gura 2. O primeiro, como o próprio nome já diz, tem o corpo alongado efi no, extremamente parecido com um graveto ou galho. O comportamentodo bicho-pau também auxilia no seu disfarce: ele fi ca imóvel a maior partedo tempo, nos galhos das árvores das quais se alimenta, e os movimentosdo seu corpo imitam os movimentos dos galhos quando são balançadospelo vento. Isso nos mostra que na homotipia tanto o comportamentoquanto a morfologia são necessários.

Figura 2 Um percevejo (Hemiptera) como o da fi gura acima muitas vezes passa desapercebido, dada a sua coloração, que é muito parecida com a da planta que ele uma como alimento.

Homocromia• : quando a cor do animal o camufl a no ambiente (Figura 3).É o que faz o urso polar. Apesar de ter a pele escura, os pêlos translúcidosdo urso refl etem a cor branca, o que o torna branco e quase imperceptívelnos meios gelados e cobertos de neve onde vive. Assim, fi ca mais difícilpara as presas detectarem a presença do urso polar e fugirem a tempo. Seucomportamento também auxilia, mostrando, mais uma vez, a participaçãoda morfologia e do comportamento numa resposta adaptativa.

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12.2.2 Mudança de cor

Os animais têm ótimas estratégias para se camufl ar no meio onde vivem.Porém, o habitat nem sempre mantém suas características constantes durante oano todo. O que fazer quando o ambiente se transforma, e a camufl agem perdesua função? Alguns mamíferos e aves de regiões temperadas têm a capacidadede trocar de pelagem nas estações frias do ano. Quando o inverno se aproxi-ma, as mudanças na temperatura ou no fotoperíodo (período de luz no dia)desencadeiam reações hormonais que levam à troca dos pêlos ou penas. Du-rante o verão, a lebre-do-ártico, por exemplo, apresenta coloração castanha, quea esconde entre a vegetação do tipo tundra, característica das regiões onde esseanimal vive. Já nas estações frias, a lebre troca seus pêlos amarronzados por umapelagem branca, camufl ando-se na neve que cobre toda a região nesse período.

Figura 3 Um siri camufl ado na areia da praia.

Outros mecanismos de camufl agem envolvem os cromatóforos. Croma-tóforos são células de formato estrelado, responsáveis pela pigmentação nas

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superfícies dos organismos (WITHERS, 1992). Um cromatóforo pode conterum ou mais tipos de pigmento. A movimentação dessas células, ou a mudançana distribuição dos pigmentos dentro delas, pode provocar rápida alteração nacor do animal. Diferentes sinais, como estímulos visuais do ambiente, estresse etemperatura, podem desencadear essa alteração, por ação neural ou hormonal.Alguns cefalópodes (por ex., lulas e polvos) apresentam esse comportamento,parecendo verdadeiros arco-íris submarinos! A dieta também pode alterar onúmero, tipo e distribuição dos cromatóforos, interferindo na cor do animal.

12.2.2.1 E os camaleões?

Os camaleões sempre são referência quando o assunto é camufl agem. Ape-sar da fama, não se têm evidências científi cas de que a mudança de cor nessesanimais esteja relacionada com o habitat. As mudanças ocorrem como formasde sinalização entre os indivíduos da mesma espécie (intraespecífi ca).

12.3 QUEM SOU EU?

12.3.1 O mimetismo

Mimetismo é uma palavra que deriva do grego mimetés, que signifi ca ‘imi-tador’. Nesse tipo de adaptação, o animal “imita” outro de espécie diferente,tanto espantando predadores quanto atraindo presas. Vejamos quais são ostipos de mimetismo:

12.3.1.1 Mimetismo Batesiano

Este mimetismo tem o nome em homenagem ao primeiro pesquisador aobservá-lo. Trata-se de Henry Walter Bates, um naturalista inglês que viveuno século XIX. Ele notou o fenômeno em borboletas da Floresta Amazônica.Muitas espécies de borboletas são evitadas como alimento porque possuemsubstâncias repulsivas e venenosas. Essas substâncias são geralmente alcalói-des de origem vegetal, absorvidos pelas lagartas que se alimentam de plantastóxicas. Um predador que tente comer essas borboletas irá associá-las ao gostoruim, e nas investidas seguintes, irá evitar qualquer presa que se assemelhe a

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essa lagarta de gosto “ruim”. Pelo mimetismo batesiano, espécies de borboletasque não possuem essas substâncias tóxicas têm cores e formas muito parecidascom aquelas que apresentam essas substâncias. Assim, acabam sendo menospredadas. Nesse tipo de mimetismo, a espécie mimética é confundida coma espécie modelo. Essa espécie modelo é aquela que causa, de fato, o efeito“ruim” no predador, podendo ser impalatável, agressiva ou difícil de capturar(CAMPÓN, 2007). Os predadores aprendem a evitar essa espécie modelo e,conseqüentemente, a espécie que a imita. Para que esse tipo de mimetismotenha sucesso, a espécie modelo deve estar presente em maior número na na-tureza, de forma que seja mais encontrada pelo predador do que a espéciemimética e assim, ocorra o aprendizado. As falsas cobras corais também seutilizam desta estratégia, já que seu padrão de cores as tornam indistinguíveisdas corais verdadeiras, produtoras de um potente veneno.

12.3.1.2 Mimetismo Mulleriano

O mimetismo batesiano não explicava as situações onde ambas espécies,modelo e mimética, apresentam as características que repelem os predadores,como acontece com a borboleta-monarca e a borboleta vice-rei, que ambassão impalatáveis. O naturalista alemão Fritz Muller propôs um esclarecimentopara o problema, em 1878. Ele sugeriu que, nessa situação, as duas espéciesseriam benefi ciadas, pois qualquer delas que coma associaria a também a ou-tra espécie com o sabor desagradável. Assim, o mimetismo mulleriano é umarelação mutualística, onde as duas espécies participantes obtêm vantagens.

12.3.1.3 Mimetismo Peckhaminano

O mimetismo também é usado por predadores, sendo nesse caso chamadode mimetismo de ataque, ou mimetismo Peckhaminano, estudado por Georgee Elizabeth Peckham. Aqui, é o predador que se assemelha a uma espécie ino-fensiva, para assim se aproximar das presa sem ser notado. Algumas aranhastêm o corpo extremamente parecido com o de formigas e se comportam deforma a aumentar essa semelhança. Ao invés de andarem sobre as oito pernas,essas aranhas utilizam somente seis para a locomoção, erguendo o primeiropar à frente do corpo, imitando as antenas das formigas. Dessa forma, a ara-

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nha consegue entrar despercebida nas trilhas das formigas e predá-las quandoestas se aproximam.

12.3.1.4 Automimetismo

Outro conceito, porém menos conhecido, é o de automimetismo. Estefenômeno descreve vantagens obtidas por membros de uma espécie por suasemelhança com outros membros da mesma espécie. Por exemplo, machosde muitas espécies de abelhas e vespas, apesar de inofensivos, se protegem dospredadores por serem parecidos com as fêmeas, pois estas são equipadas compoderosos ferrões.

12.3.2 Mimetismo e Camufl agem Químicos

Desde que mimetismo foi defi nido por H.W. Bates, em 1862, várias pessoastentam descobrir novos exemplos deste fenômeno, porém todos eles procurampor mimetismos visuais (DETTNER e LIEPERT, 1994). Uma outra forma demimetismo e camufl agem, pouco abordada, é a química e, em vários animais,resulta na obtenção de comida, parceiros sexuais e outros importantes recursos.

O sistema de mimetismo e camufl agem químicos envolve três partes: umorganismo mimético, um organismo modelo e um organismo executante. Asdefi nições de mimetismo e camufl agem químicos diferem das defi nições apre-sentadas nos outros casos de mimetismo. Mimetismo químico é quando umorganismo mimético sintetiza uma substância química muito parecida comuma substância do organismo modelo. Já a camufl agem química é quandoo organismo mimético adquire a substância química do organismo modelo(HOWARD et al., 1990). Ainda existem várias outras defi nições e classifi ca-ções que se baseiam na resposta do organismo executante, mas que não serãoabordadas neste texto.

A seguir apresentamos exemplos fantásticos dessas interações.

12.3.2.1 Inquilinos de colônias de insetos

Os insetos sociais são aqueles que vivem cooperativamente em colônias.Esse modo de vida lhes traz alguns benefícios, como manutenção da tempe-

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ratura constante e reserva de alimentos. Por esse motivo, muitos insetos nãosociais tentam viver nessas colônias (verdadeiros “inquilinos”), roubando osrecursos alimentares, ou predando membros da colônia, ou ainda aproveitan-do outros benefícios da convivência social, como a proteção contra inimigos.Mas, conseguir entrar em uma colônia de insetos sociais não é tarefa fácil. Osinsetos sociais utilizam substâncias químicas para diferenciar os integrantes dacolônia dos intrusos. Assim, muitos “inquilinos” das colônias desenvolveram acapacidade de produzir essas substâncias.

A borboleta azul, Aloeides dentatis, é um exemplo desses “inquilinos”. Suaslagartas imitam as substâncias químicas das larvas de formigas, vivendo nointerior das colônias, e aproveitam-se da proteção desses ambientes durante odia. À noite, quando as lagartas saem para se alimentar, as formigas as acom-panham e as protegem.

As lagartas de outra espécie de borboleta, Lepidochrysops ignota, estão as-sociadas com as formigas da espécie Camponotus niveosetosus. Essas lagartasproduzem uma substância química que faz com que as formigas operárias asreconheçam como larvas dessas formigas, sendo carregadas para o interior dacolônia. Lá, elas predam as larvas das formigas.

Além das larvas de borboletas, algumas espécies de moscas também são “in-quilinos” das colônias de formigas. As larvas de moscas das espécies Microdonalgicomatus e Microdon pipeti são predadoras obrigatórias de larvas de formigas.iElas produzem substâncias químicas que permitem seu livre acesso no interior dascolônias e são reconhecidas pelas formigas adultas como suas próprias larvas.

Citamos alguns exemplos em que o inseto “inquilino” produz a substânciaquímica reconhecida pelas formigas. Mas existem insetos que não têm a ca-pacidade de produzir essas substâncias; em compensação, eles são capazes deadquirir o cheiro da colônia. Um exemplo é do besouro Diploeciton neverman-ni, que vive em ninhos da formiga Neivamyrmex pilosus. Esse besouro lambe acabeça e o tórax das operárias e esfrega suas pernas no corpo dessas formigas,adquirindo, assim, a substância que o reconhece como integrante da colônia.

Além dos “inquilinos” de colônias de formigas, outros insetos usam asmesmas estratégias apresentadas acima para tornarem-se “inquilinos” de co-lônias de cupins e de abelhas.

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12.3.2.2 Cleptoparasitas

O roubo de alimento que já estava disponível para o consumo, tambémchamado de cleptoparasitismo, pode ocorrer dentro de uma mesma espécie ouentre indivíduos de diferentes espécies (GONZAGA, 2007). Um exemplo des-se último é a interação entre abelhas do gênero Nomada e as abelhas do gêneroAndrena. As fêmeas do gênero Nomada têm livre acesso aos ninhos das abe-lhas Andrena, graças ao mimetismo químico. A fêmea Nomada consegue assubstâncias químicas que permitem seu acesso aos ninhos de Andrena duranteo ato copulatório, quando o macho Nomada lança secreções de sua glândulamandibular sobre ela. Essas secreções têm composição química corresponden-te às secreções de uma glândula da fêmea hospedeira, que as utilizam paracobrir o interior do ninho.

12.3.2.3 Atraindo presas

Alguns artrópodes predadores não costumam agir ativamente na busca desuas presas. Ao contrário, eles as atraem usando sinais químicos. As aranhas-boleadeiras (da tribo Mastophoreae) são exemplos desses predadores (CAM-PÓN, 2007). As fêmeas adultas dessas aranhas imitam sinais químicos produzi-dos por mariposas fêmeas para capturar as mariposas machos. Elas produzemum fi o de teia com uma gota de uma substância adesiva em sua extremidade.Quando as mariposas machos se aproximam da aranha, atraídos pelo odorproduzido por ela, esta começa a girar essa teia com a gota que, eventualmente,entra em contato com o macho, prendendo-o (EBEHARD, 1980).

Outro exemplo é o besouro da espécie Leistotrophus versicolor. Este besouropreda pequenas moscas que se alimentam de fezes de vertebrados ou de carcaçasem decomposição. Quando esses alimentos não estão disponíveis no ambiente,o besouro deposita uma substância de seu abdômen sobre o substrato e perma-nece à espera de suas presas em um local exposto como folhas ou rochas.

12.3.2.4 Imitadores de feromônios sexuais

Alguns insetos simulam sinais químicos que são normalmente usados nareprodução. Eles são usados com dois propósitos diferentes: ou para atrair oupara repelir outro indivíduo.

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Machos sexualmente ativos da espécie de besouro Aleochara curcula sãomuito agressivos uns com os outros quando estão numa carcaça, onde se ali-mentam de larvas de moscas e procuram por parceiras sexuais. Especialmentemachos jovens, mas também machos famintos, produzem feromônio sexualfeminino, evitando, assim, serem atacados pelos outros machos. Os machosmais velhos, quando encontram essas pseudo-fêmeas, exibem comportamentode cortejamento sexual e não expulsam os machos miméticos da carcaça. Avantagem de simular o feromônio sexual feminino é que os machos jovens eos famintos não são expulsos da carcaça onde podem se alimentar. Entretanto,suas investidas de cópula falham, pois as fêmeas têm comportamento agressi-vo contra indivíduos que carregam o feromônio sexual feminino.

Outro exemplo, agora envolvendo feromônios masculinos, é o caso das fêmeasda mosca Drosophila melanogaster. Essas moscas são muito conhecidas por teremsido utilizadas como modelo experimental em genética. Ocorre que poucos conhe-cem seu interessante comportamento mimético. As fêmeas que já copularam evi-tam outros machos sexualmente ativos liberando o feromônio sexual masculino.Ela recebe essa substância durante o contato direto com o macho durante a cópula.No entanto, entre quatro a seis horas depois da cópula, as fêmeas recém acasaladascomeçam a sintetizar esse feromônio. A vantagem dessas fêmeas produzirem esseferomônio e se passarem por machos é que elas evitam o molestamento de machossexualmente ativos, obtendo mais tempo para alimentação.

12.4 EXPERIMENTANDO UMA IDEIA

Neste capítulo apresentamos exemplos de mimetismo e camufl agem dosanimais. Esse assunto desperta grande interesse pelo fato de muitas pessoasnão conhecerem as diferentes aparências de alguns insetos, como o bicho-pau,ou o incrível comportamento das aranhas que mimetizam formigas. Além dis-so, o fato de alguns animais terem a capacidade de mudar de cor instantanea-mente também impressiona os humanos, pois é algo que nossa espécie não écapaz. Por esses motivos, este assunto costuma prender a atenção de qualquerpessoa. Mas, como mostrar esses comportamentos se as espécies citadas aci-ma, geralmente, não estão à nossa disposição?

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Um animal muito comum, que pode ser encontrado em qualquer viveirode peixe, é a tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus). Este peixe é facilmentecriado e comercializado e também é altamente resistente à poluição. Assim,como não é nativo do Brasil, tem se tornado praga em muitos rios brasileiros.Mas, poucos sabem que este animal tem a capacidade de mudar de cor. Emambientes claros estes animais perdem algumas listras pretas de seu corpo,e quando são colocados em ambientes escuros, essas listras reaparecem (vercromatóforos acima). Por esse motivo podemos utilizar esses peixes para exem-plifi car a camufl agem.

O experimento é simples! Você precisará de alguns exemplares dessa espé-cie, um aquário, e uma cartolina branca e uma preta. Com cada cartolina, façauma estrutura que cubra as laterais, a parte de trás e o fundo do aquário. Deixeas tilápias por alguns minutos no fundo preto. Depois disso, mude o fundopara o branco e observe as listras pretas no corpo dos peixes. Elas rapidamentediminuirão. Pronto! Você acabou de constatar um exemplo de camufl agemnos animais.

Uma outra forma de se apresentar o tema aos alunos é com o uso de fi gu-ras. Mostre fotos de animais camufl ados e peça aos alunos que os encontrem edigam quais características do bicho (cor, formato etc.) o ajudam a se misturarcom o meio. As fi guras também podem ser utilizadas para exemplifi car o mi-metismo. Mostre algumas fi guras de animais e peça aos estudantes que digamqual é o animal modelo e qual é o mimético, ou apresente somente o miméticoe pergunte com que animal se parece. Dessa maneira, é possível obter maiorinteração dos alunos em aulas sobre este assunto.

12.5 BIBLIOGRAFIA

CAMPÓN, M.F.F. “Aranhas que enganam: estratégias de ilusão utilizadas por espé-cies miméticas”. In: GONZAGA, M.O.; SANTOS, A.J. & JAPYASSÚ, H.F. (Org.)Ecologia e comportamento de aranhas. Rio de Janeiro: Ed. Interciência, 2007. p.256-275.

DETTNER, K. & LIEPERT, C. “Chemical mimicry and camoufl age”. Annual Review Entomology, n. 39, p. 129-154, 1994.

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EBEHARD, W.G. “Th e natural history and behavior of the bolas spider Mastophoradizzydeani sp. n. (Araneidae)”. Psyche, n. 87, p. 143-169, 1980.

FUTUYMA, D.J. Biologia Evolutiva. São Paulo: FUNPEC, 2002. 632p.

GONZAGA, M.O. “Araneofagia e cleptoparasitismo”. In: GONZAGA, M.O.; SAN-TOS, A.J. & JAPYASSÚ, H.F. (Org.) Ecologia e comportamento de aranhas. Rio deJaneiro: Ed. Interciência, 2007. p. 239-255.

HOWARD, R.W.; AKRE, R.D. & GARNETT, W.B. “Chemical mimicry of an obligatepredator of carpenter ants (Hymenoptera: Formicidae)”. Annals of the Entomologi-cal Society of America, v. 83, p. 607-616, 1990.

WITHERS, P.C. Comparative animal physiology. Flórida: Saunders College Publishing,1992. 949p.

12.6 PARA SABER MAIS

Abaixo apresentamos alguns artigos mais específi cos, com informaçõesmais detalhadas sobre o tema. Porém, alguns são de acesso restrito. Caso tenhainteresse, mande um pedido via e-mail especifi cando o artigo, que teremos oprazer de lhe enviar.KAISER, R. “Flowers and fungi use scents to mimic each other”. Science, v. 311, p.

806-807, 2006.

PASTEUR, G. “A classifi catory review of mimicry systems”. Annual Review of Ecology and Systematics. n. 13, p. 169-199, 1982.

PINHEIRO, C.E.G. “Does müllerian mimicry work in nature? Experiments with but-terfl ies and birds (Tyrannidae)”. Biotropica, v. 35, n. 3, p. 356-364, 2003.

STUART-FOX, D. & MOUSSALLI, A. “Selection for social signalling drives the evolu-tion of chameleon colour change”. PLoS Biology, v.6, n.1, p.e25. 2008. Disponívelem: <http://www.plosbiology.org/article/info:doi/10.1371/journal.pbio.0060025>.Acesso em: 15 set. 2010.

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13CÉLULAS-TRONCO:OS ATUAIS DESAFIOS DA VIDA

Andrei Moroz1

Daniel Bassetto Jesuino2

Elenice Deff une3

13.1 INTRODUÇÃO

Tratar de um assunto tão novo e polêmico, como o das células-tronco, deforma imparcial é uma tarefa muito complicada. Mais difícil ainda é tratar deum tema dessa natureza sem ter informações sólidas, verídicas e claras sobreética e legislação, além dos conhecimentos das Ciências Biológicas, para nosrespaldar as refl exões, condutas e decisões.

Assim, pretendemos abordar as células-tronco de forma a esclarecer as dú-vidas em torno deste assunto, passando ao largo dos jargões tecno-científi cosda área, para que todo educador, estudante e cidadão comum possa compre-ender essa nova alternativa da medicina e elaborar, respaldado por dados con-fi áveis, sua própria opinião no debate.

Assuntos como o uso de células-tronco em pesquisa e terapia, bem comosuas formas e locais de obtenção, têm gerado debates calorosos entre indivídu-os dos mais diferentes ramos da sociedade, especialmente pela contraposiçãoentre seus benefícios e valores religiosos e éticos.

Para iniciar, gostaríamos de atentar o leitor para o próprio termo: células-tronco. Este termo, tradução literal do inglês stem cells, fi rmou-se nos meiosde comunicação, apesar de sua inadequação à língua portuguesa, deixando,assim, de expressar a totalidade de seu signifi cado. A palavra stem pode sertraduzida também como originar, o que esclarece melhor o termo.

Nos demais países de língua de origem latina, há uma tendência a denomi-nar este tipo celular de célula estaminal (português de Portugal), l célula madre

1. Unesp, Divisão de Hemocentro, Faculdade de Medicina de Botucatu 18603-970 [email protected]. Unesp, Agência Unesp de Inovação – 01049-010 São Paulo, SP 3. Unesp, Divisão de Hemocentro, Faculdade de Medicina de Botucatu 18603-970

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(castelhano), cellula staminale (italiano) ou céllule souche (francês). Como ointuito deste texto é esclarecer dúvidas que podem ter origem em reportagensveiculadas na grande mídia, utilizaremos a expressão células-tronco para faci-litar a associação.

A comunidade médica e científi ca tem despendido um grande esforço paraavançar nas pesquisas com células-tronco porque as doenças que fi guram compossibilidade de cura são aquelas que apresentam os maiores índices de morta-lidade e de morbidade, ou seja, de elevação tanto no número de mortos comono de pessoas que não gozam de boa qualidade de vida, respectivamente. E,como para a maioria dessas doenças, sejam elas cardiovasculares, respirató-rias, genéticas, diabetes mellitus ou câncer, não existem alternativas terapêuti-cas, muitas esperanças são depositadas na terapia com células-tronco.

13.2 MAS AFINAL, QUEM OU O QUE SÃO ‘CÉLULAS-TRONCO’?

As células-tronco (CTs) são encontradas em diversos mamíferos como ca-mundongos, ratos, coelhos e macacos, mas ainda não foram identifi cadas emoutros grupos animais. Agora direcionaremos nossa discussão acerca do temapara células-tronco humanas, porque é nessa área que as pesquisas despertammaior interesse da sociedade.

As primeiras CTs a serem estudadas foram as células progenitoras do san-gue, cuja descoberta ocorreu por volta de 1939, quando pesquisadores ten-taram e conseguiram restabelecer a função sanguínea de um paciente comanemia grave, injetando sangue de seu irmão. A partir daí, diversos estudosforam realizados para descobrir o componente do sangue responsável por res-tabelecer a condição normal do paciente.

Esses estudos levaram os cientistas da época à descoberta da existência de cé-lulas especiais capazes de originar qualquer tipo de célula do sangue. Esses estudosforam fundamentais para que chegássemos ao grau de conhecimento que temose que atualmente nos permite tratar de doenças graves do sangue por meio dotransplante dessas células especiais, que, neste caso, foram denominadas de célulasprogenitoras hematopoéticas. Deste modo, despertou-se a curiosidade, na comu-nidade científi ca, pela existência de células semelhantes em outros tecidos.

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Como sabemos, um organismo é formado por muitos tecidos e, cada umdeles, é formado por um conjunto particular de células, as quais se diferen-ciam das células dos demais grupos tanto na aparência como na função queexercem.

As mudanças específi cas que ocorrerão na morfologia e fi siologia de umacélula durante o seu desenvolvimento vão determinar o tipo celular ao qual elavai pertencer, isto é, de que tecido do corpo ela fará parte. Poderá ser uma célu-la do tecido cardíaco (coração), do tecido ósseo (esqueleto), do tecido epitelial(revestimento) etc. A série de alterações que levará a célula a se transformarem um tipo específi co é gradativa e cada passo dessa jornada restringe a ca-pacidade dela de originar diversos outros tecidos e exercer múltiplas funções.Denominamos este fenômeno de especialização ou de diferenciação celular.

A diferenciação celular é um processo muito complexo que envolve umprograma genético, fatores ambientais e fatores bioquímicos internos de umacélula. Sem dúvida, a compreensão dos mecanismos e dos fatores envolvidosno controle da diferenciação celular é o maior desafi o enfrentado por pesqui-sadores em biologia celular, assim como por aqueles que realizam pesquisascom células-tronco.

Nesse processo, além da restrição das funções da célula, ocorre também asua caracterização, ou seja, proteínas específi cas são sintetizadas (ver capítulo6, A célula por dentro: uma abordagem dinâmica da síntese proteica), e ligadasà superfície externa da sua membrana plasmática, dando identidade a ela. De-nominamos estas proteínas de marcadores de superfície, os quais permitem aoorganismo reconhecer cada tipo de célula que faz parte de seus tecidos, e tam-bém permitem às células de mesmo tipo reconhecerem-se e se comunicaremcom maior efi ciência.

Assim, podemos afi rmar que célula-tronco é uma célula que ainda não seespecializou, portanto, é indiferenciada. Como célula indiferenciada, ela tem acapacidade de se dividir formando novas CTs e de, posteriormente, especiali-zar-se. Todo esse processo garante crescimento, amadurecimento e reparo dostecidos ao longo do desenvolvimento do indivíduo.

Todas as CTs partilham uma característica comum: podem dividir-se inú-meras vezes. Esta divisão é conhecida como assimétrica devido ao fato de uma

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única CT originar uma célula especializada, constituinte do tecido onde a pri-meira se encontra, e uma outra CT, igualmente indiferenciada e com todas ascaracterísticas da célula-mãe, porém menor em tamanho. Isto permite que otecido seja acrescido de células especializadas e mantenha a população de CTsconstante.

Mesmo com características comuns, as CTs não são todas iguais (ver Fi-gura 1).

Figura 1 Graus de diferenciação das células tronco (CT) a – CT totipotente; b – célula originária dos tecidos da Placenta; c – CT pluripotente; d – CTs multipotentes; e – CTs uni ou monopotentes;

f – células especializadas.

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Elas podem ser classifi cadas, quanto à sua capacidade de gerar diferentestecidos, em:

Células-tronco totipotentes• : são CTs que possuem a capacidadede originar qualquer tecido do organismo. Estas células são encontradasapenas após as primeiras divisões celulares do embrião.Células-tronco pluripotentes• : são CTs que possuem a capacidade de originar cada um dos mais de 250 tipos de tecidos adultos, mas não podem originar os tecidos responsáveis pela ligação do embrião ao útero(implantação).Células-tronco multipotentes• : são CTs que possuem capacidade um pouco mais restrita de diferenciação, em estágios mais avançadosdo desenvolvimento, podendo originar grupos específi cos de tecidos relacionados com o folheto embrionário de sua origem.Células-tronco unipotentes ou monopotentes• : são CTs tecido-específi cas e só podem originar novas CTs ou células diferenciadas do tecido de sua origem.As células-tronco podem também ser denominadas de acordo com o local

onde ocorrem, de acordo com as células diferenciadas que produzem (ex. CTshematopoéticas, CTs neurais, CTs germinativas) e ainda de acordo com o teci-do de origem (ex. embrionárias ou adultas).

As células-tronco adultas (CTAs) são encontradas em diversos tecidos jáformados ou em fase de crescimento e maturação. Devido ao estágio avança-do de diferenciação, é muito frequente a presença de CTAs unipotentes, outecido-específi cas, e oligopotentes, enquanto que são raras as populações deCTAs multipotentes. Existem estudos que indicam a presença de CTAs mul-tipotentes, entretanto, estes estudos ainda são insufi cientes para dizer a frequ-ência destas células, sua relação com as demais e se será possível obtê-las emquantidade sufi ciente para o uso em terapia.

As CTAs podem ser denominadas de: CTAs hematopoéticas• : são as células progenitoras ou precursoras do sangue. São encontradas na medula ósseas e no sangue periférico.Neste último, são encontradas uma a cada 10 mil células circulantes. São responsáveis pela renovação das células sanguíneas.

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CTAs mesenquimais ou células-tronco mesenquimais• (CTMs):também são encontradas na medula óssea, porém são diferentes dasCTAs hematopoéticas. Podem ser cultivadas com facilidade e podemdiferenciar-se em tecido ósseo, cartilaginoso, adiposo (gordura) e muscular.CTAs tecido-específicas• : geralmente são unipotentes, responsáveis pelo crescimento e reparo dos tecidos onde se encontram. Podem serencontradas em grande quantidade em tecido adiposo, pele, mucosa intestinal, folículos capilares e polpa dentária. Também são encontradasno cérebro, fígado, pulmões, tecido olfativo, córnea, retina e músculos esqueléticos e cardíacos. Recebem a nomenclatura referente ao tecido deorigem. Ex. CTAs neurais, CTAs hepáticas.CTAs multipotentes• : este grupo de células foi descrito recentemente por alguns cientistas e ainda está em estudo. Foram identifi cadas namedula óssea e no sangue de cordão umbilical. Podem ser fontessignifi cativas de obtenção de CTs multipotentes para a terapia.Uma forma alternativa de obtenção de CTAs oligopotentes é a utilização

de tecidos nervosos do feto em caso de aborto espontâneo. O sistema nervosocentral do feto possui grande concentração de CTAs, entretanto, a coleta dematerial biológico é difícil visto que depende de uma situação complicada enão desejável, como o aborto espontâneo.

As células-tronco embrionárias (CTEs) são células indiferenciadas, mul-tipotentes, presentes no embrião ou nos tecidos do feto, fatos que justifi cama denominação “embrionárias”. Estas células podem ser obtidas em diferentesfases do desenvolvimento, o que também implica em células com diferentesfases de diferenciação, podendo ser:

CTEs totipotentes• : são as células originadas logo após a fertilização.São ditas totipotentes, pois são as únicas capazes de originar os tecidos da placenta, que serão responsáveis pela ligação do embrião ao útero e nutrição do feto. Não são indicadas para a terapia por serem pouco numerosas e pela impossibilidade de isolamento das células que originarão os tecidos do feto.CTEs da massa celular interna• : são as células mais fáceis de serem

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obtidas até o presente momento. Cerca de cinco dias após a fertilização,o embrião se apresenta em uma massa esférica de células com duas populações defi nidas. A primeira, mais externa, dará origem aos tecidosplacentários, enquanto que a segunda, a massa celular interna (MCI), dará origem a todos os tecidos do feto. Estas células da MCI podem serretiradas por técnicas de micromanipulação e cultivadas para a utilizaçãoem terapia ou estudos.CTEs germinais• : são células retiradas do feto num estágio mais avançado do desenvolvimento. Podem ser obtidas entre a 5ª e a 10ª semana de gestação, da região denominada prega gonadal. Esta região éresponsável pela origem das células germinais (reprodutivas) do adulto.Outra forma de obtenção de CTEs é a que acontece por meio da utilização

da técnica denominada de Transferência do Núcleo Somático. Nesta técnica,um óvulo não fertilizado tem seu núcleo retirado, para, no seu lugar, colocar-se o núcleo de uma célula adulta, geralmente de pele, mantida em cultivo. Anova célula, assim formada, pode ser estimulada a sofrer divisões e originaruma massa semelhante à MCI, que pode ser retirada e cultivada como CTE.

Como dito anteriormente, à medida que a diferenciação celular acontece, apossibilidade de diferenciação em outros tipos de tecido vai diminuindo até quea célula torne-se, enfi m, uma célula tecido-específi ca, seja ela especializada ounão. No decorrer do desenvolvimento embrionário, as CTEs da MCI originarãoas três primeiras camadas do embrião, chamadas de folhetos embrionários.

Os folhetos embrionários não são tecidos propriamente ditos, pois suascélulas não são especializadas e organizadas para desempenhar uma funçãoem um órgão, mas são separações das células existentes no estágio anterior.Eles são denominados ectoderma, mesoderma e endoderma. Cada um destestrês folhetos dará origem a um grupo de tecidos e, portanto, conhecendo-seo folheto onde a célula se localiza, podemos defi nir quais os possíveis tecidosque ela originará. Do ectoderma serão originadas as células que constituirão apele e os tecidos nervosos; as células do mesoderma originarão as células san-guíneas, as CTAs hematopoéticas, tecido ósseo, cartilaginoso, adiposo, célulasmusculares, o músculo cardíaco e os vasos sanguíneos; por fi m, o endodermadará origem às células dos pulmões, fígado e pâncreas.

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13.3 TERAPIA CELULAR: ESPERANÇAS E DESAFIOS EM IGUAL TAMANHO

A terapia celular consiste no uso de células ou mesmo genes para o tra-tamento de doenças nas quais existe morte tecidual (necrose), com perda oudiminuição da função fi siológica do tecido afetado. Em razão disto, os médicosbuscam a regeneração do tecido danifi cado. Este tipo de terapia vem sendoestudado desde a década de 40, século XX, e utilizado com sucesso desde adécada seguinte.

Para que as células possam ser utilizadas em terapia, elas devem ser iso-ladas, cultivadas in vitro e preparadas para a terapia, procedimentos estes quedevem ser executados em laboratório. O isolamento consiste na separação dascélulas de interesse das demais presentes no tecido de origem. Esta etapa nemsempre é necessária, dependerá da forma de terapia celular a ser utilizada.

O cultivo in vitro, signifi ca que estas células serão mantidas em condiçõesespeciais de laboratório, com nutrientes, temperatura e espaço controlados.A expressão latina in vitro signifi ca em vidro, em alusão aos primeiros labo-ratórios, nos quais os experimentos eram realizados em recipientes de vidro.As células cultivadas in vitro dependem exclusivamente do pesquisador, quefornece as condições adequadas para mantê-las vivas.

O transplante de medula óssea foi a primeira modalidade bem realizada deterapia celular (RIFÓN, 2006) e se aplica a pessoas que têm doença resultante demau funcionamento do sistema hematopoético, ou mesmo de destruição deste.

O transplante de CTAs hematopoéticas é uma técnica terapêutica utilizadapara regenerar o tecido hematopoiético cuja função é insufi ciente, seja em de-corrência de doença da medula óssea (órgão formador do sangue), tratamentocom drogas muito fortes (quimioterapia) ou exposição terapêutica à radiaçãointensa (radioterapia) (RIFÓN, 2006).

Em 1950, demonstrou-se a capacidade de se restaurar a função hemato-poiética de ratos submetidos a doses letais de radiação, mediante infusão decélulas hematopoéticas de outros ratos (RIFÓN, 2006). Somente em 1968, re-alizaram-se os dois primeiros transplantes de medula óssea bem sucedidos emcrianças, com cinco meses e dois anos de idade, afetadas por graves distúrbiosdo sistema imunológico (LOCATELLI e BURGIO, 1998).

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Em 1977, Th omas e colaboradores realizaram 100 transplantes em pacien-tes portadores de leucemia aguda avançada, um tipo de câncer da medula ós-sea, que pode levar à morte. Os doadores e os benefi ciados eram irmãos, emuitos dos receptores tiveram suas doenças curadas (RIFÓN, 2006). Isto só foipossível porque, sendo os doadores irmãos, suas CTAs hematopoéticas possu-íam marcadores de superfície celular idênticos, o que permitiu ao organismodo receptor reconhecê-las e integrá-las ao seu próprio tecido defi citário.

O sucesso dessa terapia fez crescer o interesse médico e social pela criaçãode bancos de dados com registros de doadores e receptores de medula óssea,que tornaria o processo de identifi cação desses pares compatíveis menos ár-duo, mais ágil, uma vez que a probabilidade de se encontrar um doador com-patível, não aparentado, é de 1:1.000.000.

Novas técnicas, medicamentos e desenvolvimento de áreas estagnadastransformaram o transplante de medula óssea em uma efi caz ferramenta daclínica médica. Hoje, novas fontes de CTAs hematopoéticas são utilizadas,como, por exemplo, o sangue de cordão umbilical.

Com o sucesso do transplante de medula óssea, alcançado nos anos 80,esta fonte de CTAs tornou-se foco de investigação científi ca para aplicação notratamento de outras doenças, além daquelas de origem hematológica para asquais o transplante foi idealizado.

13.3.1 Terapia celular em cardiologia

O coração, estrutura que exerce um papel semelhante ao de uma bombamecânica, promove o fl uxo sanguíneo nos vasos do corpo humano (ver capí-tulo 8 “Aspectos Teóricos e Práticos da Fisiologia da Circulação”). Diante deum aumento da carga de trabalho, ele reage de diversas formas, por meio doaumento do ritmo cardíaco, da força de contração, ou até mesmo do aumen-to do tamanho das células do músculo cardíaco.

Nos últimos 50 anos acreditava-se que o coração adulto era incapaz desubstituir as células mortas em condições de função irregular, fato comumapenas na vida pré-natal (ANVERSA et al., 2006). Entretanto, inúmeras des-cobertas demonstraram o potencial de regeneração do coração adulto, que já

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teve células-tronco isoladas do ventrículo e mantidas em culturas por longosperíodos (ANVERSA et al., 2006).

Enquanto essas células-tronco nativas parecem ser insufi cientes para res-taurar a função fi siológica de corações enfartados ou com doença de Chagas,infusão de células de medula óssea permitiram a regeneração de miocárdioenfartado (ORLIC et al., 2001).

Em particular, as células-tronco mesenquimais (CTMs), que dependendo doambiente local podem diferenciar-se em células de tecido muscular, cartilaginoso,ósseo e adiposo, têm sido amplamente estudadas em cardiologia porque acredita-se que estas células podem estimular a criação de novos vasos no coração, o queaumentaria a função cardíaca (SCHULERI et al., 2007; WANG e LI, 2007).

No Brasil, Carvalho e colaboradores (2006) induziram doença de Cha-gas e infarto agudo do miocárdio (IAM) em dois grupos de ratos, que foramposteriormente tratados com injeção de dois tipos celulares misturados e pre-viamente cultivados in vitro: de CTMs e células musculares. Em comparaçãocom o grupo controle (sem tratamento), foi constatada melhora signifi cativada fração de ejeção ventricular (o que signifi ca melhora da força do coração),e nos cortes histológicos foram observadas fi bras musculares, derivadas dascélulas musculares, e a presença de novos vasos sanguíneos, que refl ete a açãodas CTMs.

Em humanos com corações lesados, a injeção intracoronariana de CTMsdemonstrou melhora das funções mecânicas desse orgão. Outros estudos têmutilizado o fator de estimulação de colônias de granulócitos (G-CSF), fator decrescimento que mobiliza as CTAs presentes na medula óssea para a correntesanguínea. Acredita-se que as células, uma vez na corrente sanguínea, migrempara o local da lesão e, de alguma forma, contribuam para a melhora fi siológi-ca do coração (KURDI e BOOZ, 2007).

Análises moleculares e eletrofi siológicas indicam que as CTEs (células-tronco embrionárias), uma vez diferenciadas, demonstram característicaspróprias de células dos átrios e ventrículos e até mesmo de sistemas de condu-ção. Embora estes dados estejam bem delineados em modelos experimentaisrealizados com camundongos, análises iniciais revelam similaridades com ascélulas humanas (DOWELL et al., 2006).

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Todavia, ao contrário do uso de CTAs (células-tronco adultas) em terapiacelular, em que muitas vezes elas são apenas obtidas e injetadas, as CTEs ne-cessitam de um período de cultura in vitro, para sofrerem diferenciação emcélulas do músculo cardíaco, antes de serem injetadas com estabilidade no co-ração (DOWELL et al., 2006).

Embora os resultados obtidos indiquem um caminho fecundo no uso decélulas-tronco em terapias cardíacas, temos necessidade de aprofundar as pes-quisas, para determinar o número de células a ser implantado para restaurar afunção de corações humanos debilitados. Além disso, a rejeição das células dodoador é um problema que também requer estudos e estratégias de ação bemfundamentadas teoricamente. Caso estes obstáculos sejam transpostos, o usode CTEs emergirá como promissora intervenção no tratamento das doençasdo coração (DOWELL et al., 2006).

13.3.2 Terapia celular em ortopedia

Tecidos ósseos são capazes de regeneração e lesões ósseas podem até curar-se espontaneamente. Já a cartilagem, os tendões e os ligamentos após uma le-são podem formar tecidos fi brosos, que não desempenham as mesmas funçõesque o respectivo tecido sadio.

Mesmo apresentando essa capacidade espontânea de regeneração, o tecidoósseo também pode se benefi ciar da biotecnologia. Esses avanços em biotec-nologia estão revolucionando a terapêutica em ortopedia de tal forma que hojehá muitas empresas no exterior oferecendo terapia celular como tratamentode doenças ortopédicas. No Brasil, essas atividades estão começando a ganharespaço.

Nos casos de fraturas que não se unem, malformações congênitas que re-querem crescimento ósseo, tumores ou perda óssea decorrente de trauma ouinfecções, a biotecnologia e a terapia celular são ótimas alternativas (HUANGet al., 2006).

Enxertos ósseos de uma mesma pessoa são outra possibilidade terapêutica,como atesta o exemplo trazido por Huang et al. (2006). Cinco meses após tereminjetado sangue e CTAs de medula óssea de um paciente, para uma área da lesão

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de não-união de fratura do mesmo indivíduo, houve formação de considerávelquantidade de tecido ósseo, capaz de sustentar o peso do corpo. No entanto, essetipo de tratamento é restringido pela escassez de área doadora.

Doenças da cartilagem articular são outro campo promissor para o uso decélulas-tronco em terapia celular. Tais doenças constituem em um problema desaúde pública em muitos países como os Estados Unidos, onde a osteoartrite éresponsável por mais de 39 milhões de consultas médicas por ano (HUANG et al., 2006). Essas lesões, que não se regeneram se não atingirem o tecido ósseoe o compartimento de CTMs (células-tronco mesenquimais) da medula óssea,têm a terapia celular, com técnicas como o transplante de cartilagem do pró-prio paciente, ou com o uso de CTMs, como uma alternativa promissora, que,gradativamente, torna-se um tratamento de rotina.

Outra perspectiva é a modifi cação genética de células da cartilagem deadultos ou CTMs, para que estas secretem fatores de crescimento que estimu-lem a síntese de matriz extracelular ou a diferenciação em tecido cartilaginoso,evidenciadas pelos estudos realizados por Mandel e colaboradores e Nixon ecolaboradores (HUANG et al., 2006).

13.3.3 Terapia celular em doenças auto-imunes

Doenças auto-imunes são causadas por um descontrole do sistema imu-nológico, que passa a combater as células do próprio indivíduo. Essas doenças,como a esclerose múltipla, a esclerodermia e o lúpus eritematoso sistêmico,são de difícil tratamento convencional e causam diversos danos ao organis-mo do paciente, tornando-se o principal alvo da terapia celular. Nestes casos,o transplante de células-tronco hematopoiéticas é ferramenta efi caz e segurapara tratamento. Acredita-se que o sistema imunológico desses pacientes, queestava atuando de forma incorreta, reprograme-se e volte a funcionar normal-mente (DAZZI et al., 2007).

Outra doença auto-imune, o diabetes tipo I, é causado pela destruição dascélulas beta do pâncreas, produtoras de insulina. O resultado é a falta de insu-lina, que causa hiperglicemia e, consequentemente, doenças cardiovasculares,cegueira, falha dos rins, distúrbios hormonais, entre outros (LIAO et al., 2007).

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As formas atuais de tratamento da pessoa com esse tipo de diabetes são o usode insulina e o transplante de ilhotas pancreáticas, contendo as células produ-toras de insulina.

Como todo transplante, existe a necessidade de retirada de tecidos sadiospara serem transplantados. No entanto, devido à diversos fatores, entre eleso tamanho do pâncreas, as áreas doadoras são escassas, mesmo em doadoresperfeitamente sadios. Portanto, a terapia com células-tronco é uma alternativaque poderá resolver esse problema (LIAO et al., 2007), após estudos que noslevem a compreender o funcionamento de estruturas tão especiais como asilhotas pancreáticas e a relação das CTs com a sua regeneração.

13.3.4 Terapia celular em doenças neurodegenerativas

As doenças neurodegenerativas como o mal de Alzheimer, esclerose lateralamiotrófi ca, mal de Parkinson, doença de Huntington, entre outras, atingiramcerca de 24 milhões de pessoas no mundo todo (OMS, 2008). Essas doençascausam lesões irreversíveis no sistema nervoso, levando à perda de diversasfunções corporais.

Mesmo com a presença de células-tronco neurais nativas, a capacidadede regeneração do sistema nervoso após uma lesão é limitada, provavelmentedevido ao baixo número dessas células, ou a questões do microambiente, quepode não dar suporte e estímulo para a diferenciação (GONZÁLES et al., 2006).Se essas células forem isoladas, cultivadas in vitro, diferenciadas e implantadas,pode-se transpor este obstáculo. Elas são vistas como uma boa possibilidadede tratamento, com base em suas características biológicas, destacando o fatode se diferenciarem não apenas em neurônios, mas também em outras célu-las do tecido nervoso. Além disso, elas também podem ser modifi cadas porengenharia genética para produzir substâncias benéfi cas para o equilíbrio dosistema neural (GONZÁLES et al., 2006). Devido a isso, estudos para aprofun-damento na biologia destas células são fundamentais para que o potencial dasCTs neurais seja utilizado com a máxima efi ciência em terapia.

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13.4 ENGENHARIA TECIDUAL: PROPOSTAS OUSADAS TRANSPONDO GRANDES

DESAFIOS

Atualmente, a terapia celular tem conseguido maior êxito nas suas propos-tas, mas ainda assim existem casos em que os danos causados ao órgão foramtão extensos, que, mesmo com a terapia celular, a chance de recuperação totaldo órgão é muito pequena. Tais casos são encaminhados para transplante deórgãos, que pode demorar muito tempo devido à difi culdade em se encontrarum doador compatível com o receptor.

A engenharia tecidual é uma nova área de pesquisa que visa, entre outrascoisas, reduzir a fi la de espera para transplantes de órgãos. Nesta modalidadede terapia, pesquisadores buscam utilizar o potencial de diferenciação das CTspara produzir tecidos in vitro em moldes que possam ser absorvidos pelo cor-po e, futuramente, criar órgãos inteiros para transplantes.

A proposta da engenharia tecidual é coletar CTs do paciente que necessitado transplante, cultivá-las in vitro, estimulá-las a diferenciar no tecido do ór-gão necessitado, revestir um molde que possa ser absorvido pelo corpo comeste tecido e criar um novo órgão. Esta proposta eliminaria o problema darejeição do órgão já que ele seria composto de células novas originadas dasCTs do paciente.

Outra proposta da engenharia tecidual é produzir partes de órgãos como apele para o tratamento de feridas crônicas e queimaduras graves, tecido ósseopara a reconstrução de partes removidas por fraturas graves, doenças ou perdade dentição pela idade, e tecido adiposo para a cirurgia estética como as plás-ticas de reconstituição de mama, glúteos e regiões da face.

Entretanto, essas são apenas proposições científi cas que dependem demuito estudo e do desenvolvimento de metodologia adequada para que, nofuturo, a humanidade possa usufruir de avanços da medicina regenerativa. NoBrasil, os avanços estão sendo feitos com a utilização de CTs no tratamento deferidas crônicas, produção de pele e tecido ósseo.

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13.5 BIOÉTICA: A POLÊMICA POR TRÁS DOS ESTUDOS COM CÉLULAS-TRONCO

A comunidade científi ca já tem experiência histórica de polêmicas envol-vendo novas descobertas. Desde Galileu Galilei, Isaac Newton, Gregor Mendel,Charles Darwin até Albert Einstein, Alexander Flemming e Watson & Crick,muitas descobertas foram estabelecidas sob controvérsias e protestos tanto dacomunidade científi ca quanto da sociedade civil.

Não poderia ser diferente com a terapia envolvendo células-tronco, que tocaem uma questão que intriga o Homem desde o princípio: a vida. A manipulaçãode embriões, sejam eles humanos ou não, envolve questões ainda não respondidase talvez muito longe de o serem, acerca da origem da vida de um indivíduo. Ques-tões como “Quando se inicia a vida?” ou “Um grupo de células já representa umavida?” ou ainda “Quando termina uma vida já existente e se inicia uma nova?”incitam debates acalorados e pesquisas, estudos e refl exões intermináveis

Não é intenção dos autores deste texto, tentar responder a tais questões.Apenas queremos colocar alguns pontos que possam facilitar o debate acercado tema principal deste capítulo.

Do ponto de vista biológico, a vida se manifesta de formas tão diversas quenenhum biólogo ou grupo de biologistas, conseguiu até hoje, limitá-la a umadefi nição. Em outros campos, como por exemplo, a medicina, algumas limi-tações foram estabelecidas para que a prática desta atividade fosse possível,mas ainda assim, não há uma defi nição única para vida. O direito, do mesmomodo, tem suas limitações, por vezes ainda mais minuciosas, sobre a vida doindivíduo, do ser humano, dos animais, entre outras.

A sociedade também tem concepções acerca da vida, sejam elas oriundasdas muitas manifestações religiosas, ou de valores familiares ou, simplesmente,intuitivos.

Portanto, quando estes segmentos todos, com suas diferentes opiniões,juntam-se para discorrer sobre o mesmo tema, é possível antever que ocor-rerão divergências e que muitos pontos serão defendidos por certos gruposenquanto atacados por outros.

Foi assim com o desenvolvimento dos antibióticos por Alexander Flem-ming e também das campanhas de vacinação realizadas por Oswaldo Cruz em

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nosso país e, mais recentemente, com as técnicas de reprodução assistida e fer-tilização in vitro no mundo todo. Tais práticas necessitaram de anos de estudospara que a população desse credibilidade e confi ança àqueles que a executampermitindo que hoje os debates sejam citados apenas como fato histórico.

Os estudos com células-tronco foram iniciados por uma forte demanda dasociedade, acometida por doenças cruéis e impiedosas que aos poucos retirama saúde e a vida de indivíduos, sem que a medicina lhes possa oferecer outraalternativa senão, conforto. Não há como dizer, atualmente, que a terapia comCTs irá trazer algum malefício coletivo à humanidade, nem mesmo que osbenefícios hoje prometidos serão alcançados. A única forma de saber é nãoimpedir que estudos sejam realizados, pois, muito mais importante que desco-brir algo que faz bem, é descobrir algo que pode fazer mal e prevenir seu usoou contato.

Nem a sociedade civil, nem a comunidade científi ca desejam repetir epi-sódios passados onde tecnologias foram mal utilizadas, terapias foram desas-trosamente aplicadas sem fundamento teórico ou novos medicamentos foramcomercializados sem que todos os testes fossem realizados. Estes são fatos quedevem estar presentes na história da Humanidade e da Ciência para lembrar osnovos cientistas de todas as precauções que devem ser tomadas.

Na impossibilidade de defi nir ou estabelecer com clareza quando, para fa-zer Ciência, atentamos contra a vida em sua forma inicial de desenvolvimento,partiremos do exposto pelo Direito para justifi car nosso apoio ao estudo e uti-lização de embriões em pesquisa.

O Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.) defi neque: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas alei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”. No latim, nasciturusignifi ca “aquele que há de nascer”, ou seja, no caso discutido, o embrião que jáse encontra implantado, ligado ao útero materno e tem potencial de vida paranascer.

O mesmo Código deixa claro que versa sobre o embrião intra-útero quan-do se refere ao nascituro desde a concepção. Porém, com as técnicas de repro-dução assistida criou-se a possibilidade de existência de embriões extra-útero,ou seja, in vitro. Esses embriões não se tornarão nascituros desde que não im-

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plantados em um útero e, a maioria deles, que foi produzida e mantida desdehá muito, não tem mais condições biológicas de tornar-se um indivíduo. Por-tanto, por que não permitir que essas células vivas prolonguem ou melhoremas condições de vida de pessoas que delas necessitam?

O importante é ressaltar que as pesquisas nesta área merecem e devem serprioridades nas universidades, hospitais, ou em qualquer lugar onde elas sejamconduzidas. As perspectivas para o uso das células-tronco tanto na medicina,para uso em terapia, quanto na biologia, para o conhecimento do ser humano,seu desenvolvimento e os mecanismos que controlam a vida, são infi nitas e de-vem ser exploradas valorizando a vida da pessoa humana, seja ela já existenteou em condição de existir.

13.6 BIBLIOGRAFIA

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Revista Nova Escola on-line: sítio eletrônico que permite acesso ao conteúdo das repor-tagens publicadas. – www.revistaescola.abril.com.br

Portal ABC da Saúde: Portal direcionado ao público em geral que tem por objetivo ainformação, divulgação e educação sobre temas de saúde. – http://www.abcdasau-de.com.br/

National Institutes of Health – sítio eletrônico em inglês da agência nacional de pesqui-sa em saúde dos Estados Unidos. – www.nih.gov

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SOBRE OS ORGANIZADORES

Lucia Maria Paleari é mestre e doutora em Ecologia pela Universidade Es-tadual de Campinas, Unicamp (1997); Bacharel e Licenciada em Ciências Físi-cas e Biológicas pela Faculdade de Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu,FCMBB (1976); professora visitante na Universidade Federal do Pará, UFPA(1993); professora de Ciências na Escola Comunitária de Campinas e em esco-las da Rede Pública de Ensino desta mesma cidade (1982-1991); desde 1997 édocente no departamento de Educação, da UNESP em Botucatu, responsávelpor Estágios Supervisionados.

Raquel Sanzovo Pires de Campos é licenciada e bacharel em Ciências Bio-lógicas pela Universidade Estadual Paulista, UNESP, Botucatu (2008); atual-mente é mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação para a Ciên-cias da Faculdade de Ciências- UNESP/ Campus Bauru com estudo sobre “OUso de Textos Alternativos para o Ensino de Ciências e a Formação Inicial deProfessores de Ciências”, e professora efetiva da Rede Pública de Ensino doEstado de São Paulo.

Helton Otsuka é lincenciado e bacharel em Ciências Biológicas pela Univer-sidade Estadual Paulista, UNESP, Botucatu (2008). Durante 3 anos desenvol-veu projeto no Depto. de Parasitologia, IBB UNESP Botucatu, na área de En-tomologia Forense, o que o levou a seguir a área criminal. Atualmente é PeritoCriminal da Superintendência da Polícia Técnico-Científi ca da Secretaria deSegurança Pública do Estado de São Paulo.

Marina Begali Carvalho é licenciada e bacharel em Ciências Biológicaspela Universidade Estadual Paulista, UNESP (2009); iniciou sua trajetória empesquisa participando de estudos em Biologia Floral e levantamento fl orístico.Atualmente é mestranda do programa de pós-graduação em Agricultura Tro-pical e Subtropical do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).

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