experimentando as profundezas de jesus cristo através da oração

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  • Experimentando as Profundezas de Jesus Cristo

    AAttrraavvss ddaa OOrraaoo Madame Guyon

    Reeditado por SusanaCap

    HTTP://SUSANACAP.PHPBB.INSTANT-FORUM.COM

  • Editora dos Clssicos, 2002 Srie: Riquezas de Cristo

    ISBN: 85-87832-35-2 Ttulo do original em ingls:

    Experiencing the depths of Jesus Christ Traduo: Moiss Cavalheiro de Moraes

    Capa: Marcelo da Cruz

    S um r i o : PREFCIO EDIO EM PORTUGUS PREFCIO ORIGINAL 1. DO LUGAR RASO PARA AS PROFUNDEZAS 3. AS PROFUNDEZAS MESMO PARA OS ILETRADOS 4. O SEGUNDO NVEL 5. PERODOS DE SEQUIDO 6. ABANDONO 7. ABANDONO E SOFRIMENTO 8. ABANDONO E REVELAO 9. O ABANDONO E A VIDA SANTA 10. PORTAS ADENTRO 11. EM DIREO AO CENTRO 12. ORAO CONTNUA 13. ABUNDNCIA 14. SILNCIO 15. UMA NOVA VISO DA CONFISSO DE PECADOS 16. A ESCRITURA 17. ORAO DE PEDIDOS? 18. DISTRAES 19. TENTAO 20. CONSUMIDO 21. SILNCIO NAS PROFUNDEZAS 22. O ESTADO CONSTANTE 23. AOS OBREIROS CRISTOS 24. A REALIZAO FINAL DO CRISTO SOBRE A AUTORA

    Este e-book foi montado a partir de 2 fontes diferentes, o que poder ser notado claramente durante a leitura:

    Prefcios, Captulos 1, 2 e 23: do original da edio brasileira; Captulos 3 a 22, 24 e 25: a partir de uma traduo resumida que

    circulou com o nome "Um mtodo de orao curto e simples". Como este livro est esgotado e no se encontra mais venda,

    espero que o leitor possa apreci-lo, apesar das bvias diferenas. SusanaCap

  • Prefcio Edio em Portugus J h muito tempo a EDITORA DOS CLSSICOS buscava em Deus

    publicar obras para ajudar os sedentos por Jesus a trilharem o caminho da orao. No entanto, nosso encargo publicar obras geradas por pessoas que andaram com Deus, cujo objetivo no era escrever livros, mas sim compartilhar os segredos que experimentaram com Ele atravs da orao.

    Quando o foco ajudar espiritualmente as pessoas a conhecer e a se relacionar com Deus, a doutrina tem pouco proveito se no for acompanhada do testemunho da experincia.

    Por estes motivos, apresentamos aos leitores de lngua portuguesa esta maravilhosa obra de Madame Guyon em sua verso original e completa, que tem sido mundialmente reconhecida como um dos maiores clssicos cristos sobre orao.

    Ela foi conhecida por volta de 1685, quando provocou tremenda revoluo espiritual na Frana, e desde ento vem sendo usada por Deus para gerar avivamento em muitas partes do mundo.

    Em minha pequena carreira no Senhor, algumas obras foram usadas por Ele de forma especial para me ajudar a conhec-Lo melhor e a Sua Palavra. No entanto, confesso que jamais experimentei algo to sobrenatural quando, anos atrs, li pela primeira vez este livro.

    Como uma das responsabilidades que o Senhor tem nos dado ultimamente produzir alimento saudvel para os novos cristos, esta obra comida essencial para os novos na f e remdio eficaz para os que j caminham h mais tempo, mesmo para os obreiros, visto que uma das piores doenas dos ltimos tempos a perda da comunho profunda com Deus atravs da orao. Como dizia Andrew Murray:

    Como a Igreja de Cristo e a vida espiritual de milhares de seus membros sofrem da doena da raiz, da negligncia de uma comunho secreta com Deus!

    E Madame Guyon ressalta, no captulo 23, Aos Obreiros:

  • Que tremendo dano os novos cristos de fato, a maioria dos cristos sofrem por causa da perda de uma relao espiritual, interior, com Jesus Cristo.

    Vocs que esto em autoridade sobre crentes novos, um dia daro contas a Deus por aqueles que lhes foram confiados pelo Senhor. Tero que dar contas do fato de no terem descoberto para vocs mesmos este tesouro oculto esta relao interior com Cristo e tambm sero avaliados por no terem dado esse tesouro queles que esto sob seu encargo.

    Ao Senhor, para quem vivemos e trabalhamos, encomendamos esta obra com a orao de que seja usada pelo Esprito Santo para ajudar os santos a experimentarem as profundezas de Jesus Cristo e a viverem a vida abundante de Cristo.

    Pelos interesses de Cristo,

    Gerson Lima

    Editor

    So Paulo, setembro de 2005.

    Prefcio Original Escrito no final do sculo XVII

    Este pequeno livro, concebido em grande simplicidade, no foi escrito para ser publicado. Eu o escrevi para poucas pessoas, que desejavam amar a Deus com todo o seu corao. Mas, por causa do proveito que tiveram ao ler o manuscrito, muitos pediram uma cpia para si. Por causa de tais pedidos este livrinho foi entregue ao prelo.

    Deixei o livro em sua simplicidade original. No contm qualquer crtica aos ensinos de outros que j escreveram a respeito de coisas espirituais. Pelo contrrio, refora tais ensinos.

    Agora submeto o livro inteiro ao julgamento dos homens eruditos e experientes, com apenas um pedido: por favor, no parem na superfcie,

  • mas entrem no meu principal propsito ao escrev-lo. Esse propsito levar todo o mundo a amar a Deus e servi-Lo de um modo mais fcil e mais simples do que qualquer pessoa pode imagin-lo.

    Tenho escrito este livro, intencionalmente, voltado para aqueles queridos e simples seguidores de Jesus Cristo que no esto qualificados para a pesquisa intensiva, mas, todavia, desejam dar-se completamente a Deus.

    O leitor que vem a este livro sem preconceito encontrar, escondida debaixo das mais simples expresses, uma secreta uno. Essa uno o excitar a procurar aquela felicidade interior que todos os discpulos do Senhor deveriam ter o desejo de possuir e gozar.

    Tenho afirmado que a perfeio pode ser facilmente adquirida, e isso verdadeiro. Jesus Cristo a perfeio, e quando O procuramos dentro de ns mesmos, Ele facilmente encontrado.

    Talvez, porm, voc responda: Mas o Senhor no disse: Haveis de procurar-me, e no me achareis; tambm aonde eu estou, vs no podeis ir? (Jo 7.34). Ah! Mas o Senhor, que no pode contradizer-Se, tambm disse a todos: Buscai e encontrareis (Mt 7.7).

    Sim verdade: se voc procura o Senhor e, todavia, no quer parar de pecar, no O encontrar. Por qu? Porque voc O procura em um lugar onde Ele no est. Por isso est dito:

    Morrereis em vossos pecados.

    Mas se voc aceitar a tarefa de procurar Deus em seu prprio corao, e se sinceramente abandonar seus pecados, de modo que possa aproximar-se Dele, voc infalivelmente O encontrar.

    Eu percebo que a perspectiva de viver uma vida de piedade seja perturbadora para a maioria dos cristos! E a orao seja vista como uma realizao muito difcil. Conseqentemente, muitos crentes ficam desencorajados logo no comeo, mesmo para dar os primeiros passos nessa direo. verdade que, se voc considera a dificuldade de uma nova acometida, isso pode seguramente lev-lo ao desespero e faz-lo relutar em comear. Por outro lado, o desejvel de tal aventura e a idia de que pode ser facilmente realizada pode fazer com que voc se arremeta com todo o vigor.

  • Este livro, portanto, ilumina o caminho do desejvel, do prazer, das vantagens e do fcil destes dois assuntos: a orao e a piedade.

    Oh, se somente por uma vez pudssemos ser convencidos da bondade de Deus para com todos os Seus filhos e do Seu desejo de revelar-Se a eles! No mais buscaramos realizar nossos prprios desejos egostas. No seramos to rapidamente desencorajados de seguir atrs do que Ele est suspirando por dar-nos.

    Aquele que no poupou seu prprio Filho, antes o entregou por ns todos, como no nos dar tambm com ele todas as coisas? (Romanos 8.32).

    Precisamos somente de um pouco de coragem e perseverana.

    Realmente, temos o bastante de ambos em nossos afazeres terrestres, mas no totalmente na nica coisa que realmente interessa (Lc 10.42).

    Alguns de vocs podem duvidar de que Deus possa realmente ser encontrado facilmente. Se assim, no apenas tomem minha palavra. Ao invs disso, tentem por si mesmos o que estou propondo. Pois estou segura de que sua prpria experincia o convencer de que essa realidade bem maior do que lhe tenho dito.

    Amado leitor, leia este pequeno livro com um esprito sincero e honesto. Leia-o em humildade de mente, sem a inclinao crtica. Se voc o fizer, no fracassar em ter lucro nisso. Escrevi este livro com um desejo de que voc possa dar-se inteiramente a Deus.

    Por favor, receba este livro com o mesmo desejo em seu corao. Ele no tem outro propsito alm deste: convidar os simples e os que so como crianas a se aproximarem de seu Pai um Pai que se delicia em ver a humilde confiana de Seus filhos e entristecido pela desconfiana deles.

    Portanto, com um sincero desejo de alcanar sua prpria salvao, nada procure neste livro a no ser o amor de Deus.

    Com tal expectativa, voc seguramente obter esse amor.

    No estou dizendo que este caminho melhor do que qualquer outro. Estou declarando, honestamente, por minha prpria experincia, e tambm de outros, a alegria encontrada em seguir o Senhor desta maneira.

  • H muitos outros assuntos que poderamos abordar, de grande significado espiritual, mas foram omitidos porque no se relacionam ao nosso pensamento principal: experincia com o Senhor Jesus.

    Sem dvida, nada se achar aqui que venha a ofender se o livro for lido apenas no mesmo esprito em que foi escrito.

    Mais ainda, aqueles que honestamente provarem este meio, seguramente acharo que escrevi a verdade.

    Oh, Senhor Jesus, s Tu somente Quem amas o simples e o inocente. Teu prazer morar com os filhos dos homens (Pv 8.31), com aqueles que esto dispostos a se tornarem como crianas (Mt 18.3). Tu s o nico que pode fazer com que este pequeno livro seja de algum valor. Amado Senhor, escreve-o no corao daqueles que o lerem e leva-os a Te procurarem dentro deles mesmos. l que Tu repousas, como na manjedoura, esperando receber as provas de amor deles e dar-lhes, em troca, testemunho de Teu amor. Oh! verdade que a falha deles, por no experimentarem tudo que ests to desejoso de conceder. E, contudo, oh, Filho Todo-poderoso, Amor no-criado, Palavra Silenciosa e Oniabrangente, est em Tuas mos fazer-Te amado, desfrutado e entendido. Podes faz-lo, e sei que Tu o fars neste pequeno livro, pois ele Te pertence inteiramente. Saiu completamente de Ti; e ele aponta somente para Ti!

    Jeanne Guyon

    Grenoble, Frana

    Cerca de 1685

    1. Do Lugar Raso para as Profundezas Enquanto voc l este livro, pode sentir que simplesmente no

    uma daquelas pessoas capazes de uma profunda experincia com Jesus Cristo. A maioria dos cristos no percebe que chamada para uma relao mais profunda, interior, com o seu Senhor. Mas todos ns fomos chamados s profundezas de Cristo, to certo como fomos chamados para a salvao.

  • Que quero dizer quando falo desta profunda e interior relao com Cristo Jesus? De fato, algo muito simples. apenas voltar-se e render seu corao ao Senhor. a expresso de amor por Ele, dentro do seu corao.

    Voc h de estar lembrado de que Paulo nos encoraja a orar sem cessar (1 Ts 5.17). O Senhor tambm nos convida a vigiar e orar (Mc 13.33, 37). claro, por estes dois versculos, bem como por muitos outros, que todos ns vivemos desta espcie de experincia, esta orao, assim como vivemos pelo amor.

    Certa vez, o Senhor disse: Aconselho-te que de mim compres ouro refinado pelo fogo para te enriqueceres (Ap 3.18).

    Querido leitor, h ouro disponvel para voc. Este ouro muito mais facilmente obtido do que voc jamais poderia imaginar.

    Esta sua disposio. O propsito deste livro lanar voc nesta explorao e nesta descoberta.

    Fao-lhe um convite: se voc tem sede, venha s guas vivas. No gaste seu precioso tempo cavando poos que no tm guas (Jo 7.37; Jr 2.13).

    Se voc est faminto e nada pode achar para satisfazer a sua fome, ento venha. Venha e ficar satisfeito.

    Voc que pobre, venha! Voc que est aflito, venha!

    Voc que est abatido com seu fardo de misria e de dor, venha!

    Voc ser confortado!

    Voc que est enfermo e precisa de um mdico, venha! No hesite por causa das suas enfermidades. Venha ao seu Senhor e mostre-Lhe todas as suas doenas, e elas sero curadas!

    Querido filho de Deus, seu Pai tem Seus braos de amor, largamente, abertos para voc. Atire-se em Seus braos. Voc que tem andado errante e desgarrado como uma ovelha, volte-se ao seu Pastor. Vocs que andam em pecado, venham ao seu Salvador.

    Dirijo-me, especialmente, queles que so muito simples e incultos, mesmo a voc que no pode ler e escrever. Voc pode pensar que a pessoa mais incapaz para esta experincia permanente de Cristo, para esta orao de simplicidade.

  • Voc pode pensar de si mesmo como o mais distante de uma profunda experincia com o Senhor; mas, de fato, o Senhor tem escolhido especialmente voc! Voc o mais ajustado para conhec-Lo bem.

    Que ningum se sinta deixado de fora. Jesus Cristo chama a todos.

    Oh, suponho que h um grupo que deixado de fora!

    No venha, se voc no tem um corao. Veja: antes de vir, h uma coisa que voc precisa fazer. Primeiro, precisa dar seu corao ao Senhor.

    Mas no sei como dar meu corao ao Senhor!

    Bem, neste livrinho voc aprender o que significa dar seu corao ao Senhor, e como fazer esta ddiva a Ele. Deixe-me perguntar-lhe, ento: voc deseja conhecer o Senhor de uma maneira profunda? Deus fez que tal experincia, tal caminhar, seja possvel para voc. Fez com que isso fosse possvel, atravs da graa que tem dado a todos os Seus filhos remidos. Ele o fez por meio de Seu Santo Esprito.

    Como, ento, voc ir ao Senhor para conhec-Lo de um modo profundo? A orao a chave. Mas tenho em mente certo tipo de orao. um tipo de orao que muito simples e, contudo, assegura a chave para a perfeio e para a bondade coisas que so achadas somente em Deus mesmo. O tipo de orao que tenho em mente libertar voc da escravido de todo o pecado. uma orao que o libertar para cada virtude da piedade.

    Voc v: o nico caminho para ser perfeito e andar na presena de Deus. O nico modo pelo qual voc pode viver na Sua presena, em comunho ininterrupta, por meio da orao, mas um tipo muito especial de orao. uma orao que o leva presena de Deus e o conserva a por todo o tempo; uma orao que pode ser experimentada sob qualquer condio, em qualquer lugar, a qualquer tempo.

    H mesmo tal tipo de orao? Existe realmente tal experincia com Cristo? Sim, h tal orao! uma orao que no interfere nas atividades exteriores de sua rotina diria, que pode ser praticada por reis, sacerdotes, soldados, operrios, crianas, mulheres e tambm pelos enfermos.

    Permita-me apressar-me em dizer que esta espcie de orao a que me refiro no uma orao que vem da mente. uma orao que comea no corao. No vem do seu entendimento ou de seus pensamentos. Orao oferecida ao Senhor, que sai da sua mente, simplesmente no ser

  • adequada. Por qu? Porque sua mente muito limitada. A mente pode dar ateno a somente uma coisa de cada vez. A orao que brota do corao no interrompida pelo pensamento! Vou to longe, a ponto de dizer que nada pode interromper a orao!

    a orao da simplicidade.

    Oh, sim, h uma coisa que a pode interromper. Desejos egostas podem fazer com que esta orao cesse. Mas, mesmo assim, h encorajamento, pois uma vez que voc comea a se alegrar no seu Senhor e a provar a doura de Seu amor, ver que mesmo seus desejos egostas no tero qualquer poder.

    Voc ver que impossvel ter prazer em qualquer outra coisa, exceto Nele!

    Compreendo que alguns de vocs podem sentir que so muito vagarosos, que tm uma compreenso pobre e que so pouco espirituais. Caro leitor, nada h neste universo que seja mais fcil de obter do que o gozo de Cristo Jesus! Seu Senhor mais presente a voc do que voc mesmo! Mais ainda, Seu desejo de dar-Se a voc maior do que seu desejo de assegurar-se Dele.

    Como, ento, voc comea? Precisa somente de uma coisa.

    Precisa somente saber como procur-Lo. Quando achar o modo de busc-Lo, descobrir que este caminho para Deus mais natural e mais fcil do que aspirar o ar.

    Por esta orao de simplicidade, este experimentar de Cristo, profundamente, voc poder viver pelo prprio Deus, com menor dificuldade e com menos interrupo do que viver pelo ar que respira. Se isto verdade, ento pergunto: no ser pecado no orar? Sim, seria um pecado. Mas uma vez que voc tenha aprendido como buscar Jesus Cristo e como assegurar-se Dele, voc O achar to facilmente que no mais negligenciar esta relao com seu Senhor.

    Vamos adiante, portanto, e aprendamos esse modo simples de orar.

  • 2. Iniciando-se Gostaria de dirigir-me a voc como se voc fosse um iniciante em

    Cristo, procurando conhec-Lo. Assim fazendo, deixe-me sugerir dois modos de voc ir ao Senhor. Ao primeiro chamarei de orar a Escritura; ao segundo chamarei de contemplar o Senhor ou de esperar em Sua Presena.

    Orar a Escritura um modo especial de lidar com a Escritura; envolve tanto a leitura como a orao. Eis aqui como comear.

    Abra a Escritura; escolha alguma passagem que seja simples e suficientemente prtica. A seguir, v ao Senhor, quieto e humildemente. A, diante Dele, leia uma pequena parte da passagem que voc escolheu. Seja cuidadoso enquanto l. Tome o que est lendo de modo completo e gentil. Prove-o e digira-o medida que l.

    No passado, pode ter sido seu hbito de, enquanto lia, mover-se rapidamente de um versculo para outro, at que lesse toda a passagem. Talvez estivesse procurando o ponto principal do texto. Ao chegar ao Senhor, porm, por meio de orar a Escritura, voc no ler assim rpido; far isso bem devagar. No se mover de uma passagem para outra at que tenha sentido o verdadeiro corao daquilo que est lendo. Poder ento tomar a parte da Escritura que o tocou e transform-la em orao.

    Depois de ter sentido algo da passagem, e depois de saber que a sua essncia j foi extrada e que todo o sentido mais profundo dela j saiu, ento, bem devagar, suavemente, e de modo tranqilo, comece a ler a prxima parte do texto. Voc ficar surpreso por ver que seu tempo com o Senhor terminou, e que ter lido muito pouco, provavelmente no mais de meia pgina.

    Orar a Escritura no se julga pelo quanto voc l, mas pela maneira que l.

    Se voc ler rapidamente, isso lhe trar pouco benefcio.

    Voc ser como uma abelha que apenas desliza na superfcie de uma flor. Ao invs disso, nesta nova maneira de ler, com orao, voc precisa tornar-se como a abelha que penetra nas profundezas da flor, mergulhando muito nela para retirar seu nctar mais profundo.

  • Naturalmente, h um tipo de leitura da Escritura para a erudio e para o estudo mas no agora. O tipo de leitura erudita no o ajudar, quando se tratar de assuntos que so divinos! Para receber qualquer proveito ulterior e profundo da Escritura, voc precisa ler como acabei de descrever. Mergulhe nas prprias profundezas das palavras que l, at que a revelao, como um doce aroma, se derrame sobre voc.

    Estou certa de que, se voc seguir esta linha de conduta, pouco a pouco chegar experincia de orao muito rica, que fluir do seu interior.

    Vamos agora segunda espcie de orao que mencionei.

    O segundo tipo de orao que designei como contemplar o Senhor ou esperar no Senhor tambm faz uso da Escritura, mas realmente no se trata de um tempo de leitura.

    Lembre-se: dirijo-me a voc como se voc fosse um novo convertido. Eis aqui seu segundo modo de encontrar a Cristo.

    E este segundo caminho para Cristo, embora voc use a Escritura, tem um propsito diferente do outro que chamei de orar a Escritura. Por isso voc deve separar tempo para apenas esperar Nele.

    No orar a Escritura, voc procura encontrar o Senhor naquilo que est lendo, nas prprias palavras. Agora, neste outro caminho o contedo da Escritura no o ponto focal como naquele, cujo propsito tomar tudo que, na passagem, revela o Senhor a voc. E neste outro caminho?

    Ao olhar para o Senhor, voc vai ao Senhor de um modo totalmente diferente. Talvez, neste ponto, eu preciso partilhar com voc a maior dificuldade que ter em esperar no Senhor.

    E tem a ver com sua mente. A mente tem uma tendncia muito forte a afastar-se do Senhor. Portanto, quando voc for diante do seu Senhor, para sentar-se em Sua presena, contemplando-O, use a Escritura para aquietar a sua mente.

    A maneira de executar isso muito simples. Primeiro, leia uma passagem da Escritura. Uma vez que sinta a presena do Senhor, o contedo do que voc leu no o mais importante.

    A Escritura j serviu a seu propsito; acalmou sua mente; trouxe voc para Ele.

  • Para que voc possa ver isso mais claramente, deixe-me descrever-lhe o modo como voc chega ao Senhor pelo simples ato de contempl-Lo e esper-Lo.

    Voc comea separando tempo para estar com o Senhor.

    Quando for a Ele, v calmamente. Volte seu corao presena de Deus. Como far isso? Pela f. Voc cr que foi Sua presena.

    Depois, enquanto est diante do Senhor, comece a ler alguma parte da Escritura. medida que l, faa uma pausa. A pausa deve ser completamente em calma. Voc pra, de modo a colocar sua mente, interiormente, em Cristo.

    (Voc deve sempre lembrar que no est fazendo isso para obter algum entendimento do que est lendo; ao contrrio, voc est lendo a fim de voltar sua mente das coisas exteriores para as regies profundas de seu ser. No o est fazendo, na realidade, para aprender ou para ler, mas sim para experimentar a presena de seu Senhor.)

    Enquanto voc est diante do Senhor, mantenha seu corao na Sua presena. Como? Isso tambm pela f. Sim, pela f voc pode manter seu corao na presena do Senhor. Agora, esperando diante Dele, volte toda sua ateno para seu esprito.

    No permita que sua mente vagueie. Se sua mente comear a passear, volte sua ateno para as partes interiores de seu ser.

    Voc ficar livre de andar dispersivamente livre de qualquer distrao exterior e ser levado para perto de Deus.

    (O Senhor encontrado somente dentro de seu esprito, no recesso de seu ser, no Santo dos Santos; ai que Ele habita.

    O Senhor certa vez prometeu que viria morar dentro de voc [Jo 14.23]. Prometeu a encontrar aqueles que O adoram e fazem Sua vontade. O Senhor encontrar voc no seu esprito.

    Foi Santo Agostinho quem, certa vez, disse que havia perdido muito tempo, no comeo de sua experincia crist, tentando encontrar o Senhor, externamente, ao invs de voltar-se para o interior.)

    Uma vez que seu corao se tenha voltado, interiormente, para o Senhor, voc ter uma noo de Sua presena. Ser capaz de notar Sua

  • presena mais agudamente, porque seus sentidos exteriores se tornaram agora muito calmos e tranqilos.

    Sua ateno no est mais em coisas exteriores ou nos pensamentos superficiais de sua mente; ao invs disso, doce e silenciosamente, sua mente se torna ocupada com o que leu e pelo toque de Sua presena.

    Oh, no se trata do que voc h de pensar sobre o que leu, mas voc se alimentar do que leu. Por causa do amor ao Senhor, voc exercitar sua vontade para manter sua mente quieta diante Dele. Quando chegar a este estado, voc deve permitir que sua mente repouse. Como descreverei o que vir a seguir?

    Neste estado muito cheio de paz, engula o que voc j provou. No princpio, isso pode parecer difcil, mas talvez eu lhe possa mostrar quo simples . Voc no tem, por vezes, gostado do sabor de uma comida muito gostosa? Mas a menos que esteja disposto a engolir a comida, no receber qualquer nutrio. a mesma coisa com sua alma. Neste estado de calma, paz e simplicidade, apenas tome o que lhe oferecido como nutrio.

    E quanto s distraes: digamos que sua mente comece a ficar errante. Uma vez que voc tenha sido profundamente tocado pelo Esprito do Senhor e se distraia, seja diligente em trazer sua mente errante de volta ao Senhor. Este o modo mais simples do mundo de sobrepujar as distraes externas.

    Quando sua mente vagueia, no tente for-la a mudar de pensamento. Veja: se voc concentra-se no que est pensando, apenas irritar sua mente e instig-la- ainda mais. Ao invs disso, retire-se de sua mente! Retorne interiormente para a presena do Senhor. Fazendo assim, voc vencer as guerras contra sua mente errante e, todavia, nunca se envolver diretamente na batalha!

    Antes de encerrarmos este captulo, gostaria de destacar mais um ou dois pontos.

    Vamos falar sobre revelao divina. No passado, seu hbito de leitura pode ter sido o de saltar de um assunto para outro.

    Mas o melhor meio de entender os mistrios que esto ocultos na revelao de Deus e goz-los, completamente, deix-los ser impressos profundamente em seu corao. Como? Voc pode fazer isso ao

  • permanecer nessa revelao por tanto tempo quanto lhe d o senso da presena do Senhor. No se apresse em ir de um pensamento a outro. Permanea com o que o SENHOR lhe tenha revelado; permanea a tanto tempo quanto o senso do Senhor tambm a estiver.

    Ao comear esta nova aventura, voc descobrir, claro, que difcil manter sua mente sob controle.

    Por que assim? Porque por longos anos de hbito sua mente adquiriu a habilidade de errar por toda parte, como lhe agrada; assim, o que falo aqui algo que serve para disciplinar sua mente.

    Esteja certo de que, medida que sua alma se acostumar a fixar-se em coisas mais interiores, este processo se tornar muito mais fcil.

    H duas razes pelas quais voc O encontrar mais facilmente a cada vez que trouxer sua mente sob sujeio ao Senhor. Uma que a mente, depois de muita prtica, formar novo hbito, o de voltar-se profunda- mente para dentro. A segunda que voc tem um gracioso Senhor!

    O principal desejo do Senhor revelar-se a voc e, a fim de fazer isso, Ele lhe d abundante graa. O Senhor lhe d a experincia de gozar de Sua presena. Ele lhe toca, e Seu toque to delicioso que, mais do que nunca, voc atrado interiormente para Ele.

    3. As Profundezas Mesmo Para os Iletrados Aqueles que no podem ler, no esto excludos da orao. O

    grande livro que ensina todas as coisas, escrito por toda sua extenso, por dentro e por fora, o prprio Jesus Cristo.

    O mtodo que devem praticar o seguinte: Em primeiro lugar, assimilem esta verdade fundamental: "O Reino de Deus est no meio de vs" (Lc 17.21) e somente ali deve ser procurado.

    O clero foi encarregado de transmitir esta verdade aos fiis, tanto no catecismo como na orao. bem verdade que pregam sobre a finalidade da criao do homem, mas no fornecem instrues suficientes de como alcan-la.

  • Os fiis devem ser ensinados, desde o princpio, por um ato de profunda adorao e anulao diante de Deus: fechem os olhos corporais e abram os da alma; reconheam interiormente, atravs de uma f viva, o Deus que habita ali; penetrem na presena Divina, sem permitir que os sentidos se desviem, mas mantendo-os submissos o quanto possvel.

    Repitam a orao do Senhor, na lngua materna, ponderando sobre os significados das palavras e sobre o infinito desejo do Deus interior de tornar-Se, de fato, SEU PAI. Neste estado, derramem suas necessidades diante Dele e ao pronunciarem a palavra Pai, permaneam por alguns minutos em silncio reverenciai, esperando surgir aquele desejo de que o Pai celestial seja manifestado.

    Mais uma vez, o Cristo, num estado de frgil criana, endurecida e machucada por repetidas faltas, sem foras para resistir, ou sem poder de purificar a si prprio, deve colocar sua deplorvel situao diante dos olhos do Pai, em humilde vergonha, inserindo algumas palavras de amor e pesar; mergulhando novamente no silncio diante Dele. Continuem ento a orao do Senhor, implorando a este Rei da Glria para que reine em cada um de vocs; abandonem-se em Deus, a fim de que Ele possa habitar em vocs e reconhecer seu Direito de governar.

    Se sentirem uma inclinao paz e ao silncio, no continuem com as palavras da orao enquanto perdurar esta sensao; quando ela diminuir continuem com a segunda petio: "SEJA FEITA A VOSSA VONTADE ASSIM NA TERRA COMO NO CU"; permitam assim, humildes suplicantes, que Deus realize em vocs e atravs de vocs a Sua vontade, entreguem os coraes e a liberdade nas mos de Deus, para serem dispostos como Lhe aprouver. Quando descobrirem que a vontade deve ser empregada amorosamente, desejaro amar e imploraro a Deus pelo seu AMOR; tudo isso ocorrer doce e tranqilamente; o mesmo se aplica ao resto da orao.

    No se sobrecarreguem com repeties freqentes de frmulas ou oraes decoradas, pois a orao que o Senhor nos ensinou, uma vez realizada como acabo de descrever, produzir frutos abundantes.

    Em outros momentos, podero se colocar como ovelhas diante de seu Pastor, buscando o verdadeiro alimento: "Oh, divino Pastor, tu alimentas teu rebanho de ti mesmo, sendo, de fato, o po dirio". Mostrem a Ele as necessidades de seus familiares: mas que tudo seja feito a partir do princpio e da grande viso de f, de que Deus est dentro de cada

  • um.Todas as imaginaes sobre Deus no levam a nada; uma f viva em sua presena, basta. Pois, no devemos formar nenhuma imagem da Divindade, embora possamos formar uma imagem de Jesus Cristo, observando seu nascimento, crucificao ou algum outro estado ou mistrio, fazendo com que a alma O busque sempre em seu prprio centro.

    Em outra oportunidade, podemos busc-Lo como a um Terapeuta, apresentando Sua virtude curadora, todas as nossas doenas, mas sempre sem perturbaes e com pausas de tempo, a fim de que o silncio seja intercalado com a ao e gradualmente estendido; para que nosso prprio esforo seja ouvido, at que pelo contnuo apelo pelas operaes divinas, com o tempo, Ele obtenha a completa ascendncia, como explicaremos mais adiante.

    Quando a presena divina nos confiada e gradualmente comeamos a apreciar o silncio e o repouso, este desfrutar experimental da presena de Deus introduz a alma no segundo grau da orao, que realizada pelos procedimentos descritos acima, alcanada tanto por analfabetos, como por eruditos; algumas almas privilegiadas, de fato, so favorecidas por esta presena, desde o incio.

    4. O Segundo Nvel Alguns chamam o segundo nvel da orao de CONTEMPLAO, a

    orao da f e da quietude; outros o chamam de ORAO DA SIMPLICIDADE. Devo usar aqui esta segunda denominao, por ser mais justa que a primeira, a qual implica num estado mais avanado do que aquele que tratando agora.

    Quando a alma exercitada por algum tempo no caminho mencionado, gradualmente descobre ser capaz de abordar a Deus com facilidade, que o recolhimento conseguido com menos dificuldades e que a orao torna-se fcil, doce e prazerosa; reconhece que este o verdadeiro caminho para encontrar a Deus e sente que "teu nome como um leo escorrendo" (Ct. 1.3). O mtodo deve ser alterado neste momento, e o que aqui descrevo deve ser buscado com coragem e fidelidade, sem deixar se abater pelas dificuldades do caminho.

    Primeiro, uma vez que a alma, atravs da f se coloque na presena de Deus e se alinhe diante Dele, deve permanecer assim por alguns

  • instantes, em respeitoso silncio. Mas, se no comeo, ao formar o ato de f, sentir uma pequena e agradvel sensao da presena Divina, permanea assim, sem perturbao, nutrindo esta sensao pelo tempo que puder. Quando ela diminuir, estimule a vontade atravs de algum sentimento carinhoso; caso a doce paz seja restabelecida, que assim permanea; o fogo deve ser ventilado gentilmente, mas uma vez aceso, preciso diminuir os esforos, ou o extinguiremos com a nossa atividade.

    Recomendo que nunca terminem a orao sem permanecer um tempo em respeitoso silncio. muito importante para a alma dirigir-se orao com coragem e trazer consigo um amor puro e desinteressado, que no busca nada de Deus, seno agrad-Lo e fazer a Sua vontade; pois um servo que mede seus esforos apenas pela recompensa, no digno de recompensa alguma. Dirija-se orao, no esperando desfrutar dos deleites espirituais, mas para estar exatamente da forma que agrada a Deus. Isto ir preservar seu esprito tranqilo tanto na aridez como na consolao, evitando que seu ser seja surpreendido com a aparente ausncia ou rejeio de Deus.

    5. Perodos de Sequido Ainda que Deus no tenha outro desejo alm de conceder-Se alma

    amorosa que O busca, Ele freqentemente Se oculta dela, a fim de que a alma seja despertada da lentido e impelida a busc-Lo com fidelidade e amor. Mas com que imensa bondade recompensa a fidelidade de seus bem-amados! E quo freqente Suas aparentes retiradas so sucedidas por carcias de amor.

    Nestes momentos, temos a tendncia de acreditar que ele prova a nossa fidelidade e mostra a necessidade de maior ardor de sentimento ao busc-Lo, atravs de nossas prprias foras e atividade e que isso O induzir a nos revisitar mais rapidamente. No, queridas almas, acreditem, este no o melhor caminho neste estgio da orao. Espere o retorno do Amado com amor paciente, autonegao e humildade; com o flego renovado de um sentimento ardente, mas pacfico e com um silncio repleto de venerao.

    Demonstre assim, que procura somente a Ele e seu jbilo, no os deleites egostas de nossas prprias sensaes ao am-Lo. dito:

  • "Endireita teu corao e s constante, no te apavores no tempo da adversidade. Une-te a ele e no te separes, afim de seres exaltado no teu ltimo dia". (Eclo 2 2,3).

    Seja paciente na orao, embora durante todo o perodo de tua vida no tenhas outra coisa a fazer que esperar o retorno do Amado num esprito de humildade, abandono, contentamento e resignao. Mais que tudo, em perfeita orao! A vida ser intercalada com sinais de amor pleno! Esta conduta mais agradvel ao corao de Deus e ir, acima de outras, forar O seu retorno.

    6. Abandono Neste ponto, devemos comear a ABANDONAR e a ENTREGAR toda a

    nossa existncia a Deus, com a forte e positiva convico, que as ocorrncias momentneas resultam de sua vontade imediata e permisso, e so exatamente o que o nosso estado necessita. Tal convico nos far sentir felizes com todas as coisas; nos far considerar tudo o que acontece, no do ponto de vista da criatura, mas do ponto de vista de Deus.

    Mas, queridos e amados, quem quer que queira se entregar sinceramente a Deus, eu vos imploro a no se retirarem aps terem feito a doao; lembrem-se: um presente dado no mais est disposio de quem o deu.

    O abandono uma questo de grande importncia para o progresso; a chave para a corte interior, de modo que aquele que sabe verdadeiramente se abandonar, rapidamente atinge a perfeio. Devemos, portanto, continuar firmes e imveis, sem dar ouvidos razo natural. Uma grande f produz grande abandono; devemos confiar em Deus, "esperando contra toda esperana" (Rm 4,18).

    Abandono perder os cuidados egostas, para que possamos estar todos ao dispor divino. Todos os cristos so exortados ao abandono, pois dito: "De fato, so os gentios que esto procura de tudo isso: o vosso Pai celeste sabe que tendes necessidade de todas essas coisas." (Mt 6,32). "em todos os teus caminhos, reconhece-o, e ele endireitar as tuas veredas" (Pr 3,6). "Recomenda a Iahweh tuas obras, e teus projetos iro se realizar" (Pr 16,3). "Entrega teu caminho a Iahweh, confia nele, e ele agir" (SI 37,5).

  • Portanto, o abandono deve ser tanto ao que diz respeito as coisas internas como externas; abandonar absolutamente todas as preocupaes nas mos de Deus, esquecendo de ns e lembrando somente Dele, por quem o corao permanecer sempre desimpedido, livre e em paz.O abandono praticado com o contnuo abandonar da vontade prpria na vontade de Deus; renunciando toda inclinao particular, to logo surja e por melhor que possa parecer, a fim de permanecermos indiferentes com relao a ns mesmos, desejando apenas aquilo que Deus tem desejado desde toda eternidade; nos resignando em todas as coisas, tanto do corpo como da alma, temporria ou eternamente; esquecendo o passado, deixando o futuro para a Providncia e devotando o presente a Deus; estejamos satisfeitos com o momento presente, que traz consigo a ordem eterna de Deus; trata-se de uma infalvel declarao da Sua vontade, na medida em que inevitvel e comum a todos; que nada do que nos acontea seja atribudo criatura, mas a Deus; vejam todas as coisas, exceto os nossos pecados, como infalivelmente procedentes de Deus.

    Entreguem-se, ento, orientao e a disposio de Deus, tanto no que se refere ao estado exterior, como interior.

    7. Abandono e Sofrimento Sejam pacientes diante de todo sofrimento; se o amor por Deus

    puro, no iro procur-Lo menos no calvrio do que no Tabor; certamente Ele deve ser mais amado nos momentos difceis do que em outros, j que foi no Calvrio que deu a maior demonstrao de amor.

    No sejam como aqueles que se doam em um momento e se retiram em outro. Estes se doam apenas para serem acariciados e se arrancam quando so crucificados, ou buscam o consolo das criaturas.

    No, queridas almas, no h consolo em nada seno no amor da cruz e no total abandono;quem no experimenta a cruz, no experimenta as coisas de Deus (veja Mt 16,23). impossvel amar a Deus sem amar a cruz; um corao que experimenta a cruz, considera as coisas mais amargas uma doura: "Garganta saciada despreza o favo de mel, garganta faminta acha doce todo amargo'" (Pr 27,7); pois, ela tem fome de Deus, na proporo de sua fome pela cruz. Deus nos d a cruz e a cruz nos d Deus.

  • preciso ter a convico de que h um avano interno, quando h um progresso no caminho da cruz; o abandono e a cruz andam de mos dadas.

    To logo lhe seja apresentado algo na forma de sofrimento, provocando uma certa repugnncia, resigne-se a Deus imediatamente, oferecendo-se a Ele em sacrifcio: voc ir descobrir ento que quando a cruz chegar, no ser to difcil de carregar, pois voc a desejou. Isso no nos impede de sentir o seu peso, como alguns acreditam; pois quando no sentimos a cruz, no sofremos. A sensibilidade de sofrer uma das principais partes do sofrimento em si. Jesus Cristo escolheu enfrentar seu maior rigor. Normalmente suportamos a cruz na fraqueza, s vezes na fora; tudo deve ser semelhante para ns na vontade de Deus.

    8. Abandono e Revelao O objetivo deste mtodo o de eliminar a existncia de mistrios

    gravados na mente; mas, caso isso ocorra, que seja um meio peculiar de compartilh-los com a alma. Jesus Cristo, a quem nos abandonamos e a quem seguimos como sendo o Caminho, a quem ouvimos como sendo a Verdade e sendo aquele que nos anima como a Vida (Jo 14,6), ao se impregnar na alma, imprimi ali as caractersticas destes diferentes estados. Carregar todos os estados de Jesus Cristo, algo muito maior do que simplesmente meditar sobre eles. So Paulo carregou em seu corpo os estados de Jesus Cristo, "Doravante ningum mais me moleste; Pois eu trago em meu corpo as marcas de Jesus" (Gl 6,17), mas ele no diz imaginar tais estados.

    Neste estado de abandono, Jesus Cristo freqentemente comunica algumas vises peculiares ou revelaes de seus estados, o que se deve aceitar agradecidamente; preciso se colocar disposio daquilo que parece ser a Sua vontade; receber igualmente qualquer forma que Ele possa usar e no ter outra escolha seno a de busc-Lo ardentemente, de habitar sempre com Ele e de mergulhar no nada diante Dele; aceitar indiscriminadamente todas as suas ddivas, sejam elas obscuridades ou iluminao; fecundidade ou infertilidade; fraqueza ou fora; doura ou amargor; tentaes, distraes, dores, exausto ou incerteza, e que nada disso retarde o nosso curso, nem por um minuto.

  • Deus compromete alguns, por vrios anos, na contemplao e na experimentao de um nico mistrio; sua simples viso ou contemplao recolhe a alma; que sejam fiis a este momento; mas, to logo Deus queira retirar esta viso da alma, aceitem livremente a privao. Algumas privaes so penosas diante da dificuldade de meditar sobre certos mistrios; mas no h motivos para tal dificuldade, j que um apego amoroso a Deus inclui todo tipo de devoo e aquele que se encontra tranqilamente unido a Deus, est, de fato, perfeita e efetivamente aplicado a cada mistrio divino. Quem ama a Deus, ama a tudo o que lhe pertence.

    9. O Abandono e a Vida Santa assim que adquirimos virtudes com facilidade e segurana; pois

    como Deus o princpio de toda virtude, tudo herda quem O possui; na mesma proporo em que avanamos em direo sua posse, recebemos as mais eminentes virtudes. Pois, toda virtude como uma mscara, uma aparncia externa, mutvel como as nossas vestes, se no forem concedidas do interior; s assim que se pode dizer de forma genuna, essencial e permanente: "A filha de Tiro alegrar teu rosto com seus presentes, e os povos mais ricos com muitas jias cravejadas de ouro" (Sl 45,13). Estas almas, acima de todas as outras, praticam a virtude nos graus mais elevados, embora no chamem ateno para nenhuma virtude em particular. Deus, a quem esto unidas, as conduz a sua prtica mais extensiva; Ele extremamente ciumento e no lhes permiti o menor prazer.

    Que nsia pelo sofrimento possui estas almas, que assim ardem em amor divino! Como se precipitariam em austeridades excessivas, se tivessem permisso de seguir a prpria inclinao! No pensam em nada seno como agradar o Amado; comeam a negligenciar e a esquecer de si mesmas, e na medida em que cresce o amor a Deus, aumenta tambm o desinteresse pela criatura.

    Uma vez que se atinja esse mtodo, um caminho que serve a todos, desde o mais ignorante ao mais erudito, toda a Igreja de Deus facilmente reformada! Somente o AMOR requisitado: "AMEM", diz Santo Agostinho, "e ento faam o que quiserem". Pois, quando amamos

  • verdadeiramente, no podemos fazer nada que possa ofender o objeto de nossos sentimentos.

    10. Portas Adentro Digo que praticamente impossvel alcanar a perfeita mortificao

    dos sentidos e das paixes. A razo bvia: a alma d vigor e energia aos sentidos; os sentidos surgem e estimulam as paixes; um corpo morto no tem sensaes, nem paixes, porque sua conexo com a alma est dissolvida. Todos os esforos para simplesmente retificar o exterior impelem a alma a se afastar ainda mais daquilo com que est tenra e zelosamente comprometida. Seus poderes tornam-se difusos e dispersados; pois, sendo sua ateno imediatamente direcionada a austeridade e a outras coisas externas, ela d vigor a esses mesmos sentidos que deseja subjugar. Pois os sentidos no tm outra origem, de onde deriva seu vigor, do que a aplicao da alma a eles; o grau de sua vida e atividade proporcional ao grau de ateno que a alma presta a eles. Esta vida dos sentidos se agita e provoca as paixes, ao invs de suprimi-las ou subjug-las; a austeridade pode, de fato, enfraquecer o corpo, mas pelas razes j mencionadas, nunca pode tirar a vitalidade dos sentidos, muito menos sua atividade.

    O nico mtodo para efetivar a mortificao o recolhimento interior, atravs do qual a alma se volta totalmente e por inteiro para o interior, para possuir um Deus presente. Se direcionar todo seu vigor e energia a isso, esse ato simples a separa dos sentidos e, empregando todos os seus poderes internamente, faz com que eles enfraqueam; quanto mais perto de Deus, mais separada estar do EU. Assim, naqueles em quem as atraes da graa so muito poderosas, geralmente o homem exterior fraco e dbil, inclusive sujeitos a desmaios.

    No quero com isso, desencorajar a mortificao; ela deve sempre acompanhar a orao, segundo o estado e a fora individual ou como a obedincia demanda. Mas, digo que a mortificao no deve ser nossa prtica principal, nem devemos nos prescrever austeridades, mas simplesmente seguir as atraes internas da graa e nos preocupar com a divina presena; sem pensar particularmente na mortificao, Deus nos permitir realizar vrias espcies de mortificaes. Aqueles que

  • sinceramente se abandonam em Deus, Ele no d descanso at ter subjugado neles tudo o que precisa ser mortificado.

    Portanto, sigamos firmes na dedicao a Deus, e tudo ser feito perfeitamente. Nem todos so capazes de austeridades externas, mas todos so capazes desta firmeza de ateno; na mortificao de olhos e ouvidos, que bombardeiam continuamente a ocupada imaginao com novos assuntos, h pouco perigo de se cair no excesso; mas Deus ir nos ensinar isso tambm, s precisamos seguir Seu Esprito.

    A alma tem uma dupla vantagem procedendo desta maneira; pois, se retirando de objetivos exteriores, estar se aproximando cada vez mais de Deus; alm disso, os poderes e virtudes sustentadores e preservadores secretos que a alma recebe, afasta o homem do pecado, enquanto esse se aproxima de Deus; desta forma, a converso da alma torna-se firmemente estabelecida por uma questo de hbito.

    11. Em Direo Ao Centro "Voltai para aquele contra o qual se rebelaram to profundamente os

    filhos de Israel" (Is 31,6). A converso nada mais do que um afastar-se da criatura para retornar Deus.

    Ela no perfeita quando consiste simplesmente em afastar-se do pecado para voltar-se graa (embora isso seja bom e essencial para a salvao).

    Quando a alma se volta para Deus uma nica vez, encontra uma maravilhosa facilidade em continuar firme na converso; quanto mais ela permanece convertida, mais perto de Deus se aproxima e mais firmemente a Ele se adere; quanto mais atrada para Ele, se faz necessrio que o pai a remova da criatura, que Lhe to contrria; isso est to estabelecido na converso, que o estado torna-se habitual e natural.Ora, no pensemos que isto ocorre atravs do violento exerccio de seus prprios poderes; pois a alma no capaz de realizar tal obra, nem buscaria outra cooperao junto graa divina do que auxili-la a se retirar de assuntos externos, a fim de que se volte para o interior; assim sendo, a alma nada mais tem a fazer alm de continuar firme em sua aderncia Deus.

  • Deus possui uma virtude atrativa que atrai a alma para Si de forma cada vez mais poderosa, ao atrair, Ele purifica; o mesmo ocorre com o vapor grosseiro que emana do sol; enquanto ascende gradualmente, ele rarefeito e se torna puro; de fato, o vapor contribui para sua ascenso apenas por ser passivo; mas a alma coopera livre e voluntariamente.

    Este tipo de introverso muito fcil e faz com que a alma avance naturalmente, sem esforo, porque Deus o nosso centro. O centro sempre exerce uma virtude atrativa bastante poderosa; quanto mais a alma for espiritual e exaltada, mais violenta e irresistvel so as suas atraes.

    Alm da virtude atrativa do centro, h, em cada criatura, uma forte tendncia reunio com seu centro, que vigorosa e ativa na proporo da espiritualidade e perfeio do sujeito.

    Caso algo no se volte para seu centro, precipitado nesta direo com extrema rapidez, a menos que esteja impedido por algum obstculo invencvel. Uma pedra segura na mo no se encontra desimpedida a ponto de cair na terra, como sendo seu centro, pelo prprio peso. Quando a alma, pelo prprio esforo, recolhe-se, traz consigo a influncia da tendncia central, ela cai gradualmente para seu prprio centro, sem qualquer outra fora alm do peso do amor. Quanto mais passiva e tranqila permanecer e quanto mais livre da passionalidade, mais rpido a alma avana, porque a energia da virtude atrativa central est desobstruda, podendo agir com total liberdade.

    Toda nossa preocupao deve estar direcionada em conquistar o maior grau de recolhimento interior possvel; que no sejamos desencorajados pelas dificuldades encontradas neste exerccio; logo seremos recompensados por Deus com abundantes suprimentos da graa; o trabalho se tornar fcil se sincera e humildemente retirarmos nossos coraes das distraes e ocupaes exteriores, retornando ao nosso centro, com sentimentos repletos de ternura e serenidade. Quando, em qualquer momento, as paixes esto turbulentas, uma gentil retratao interior para com um Deus presente, basta para extingui-las; quaisquer outras formas de se opor s paixes mais as irritam do que as apaziguam.

  • 12. Orao Contnua A alma fiel ao exerccio de amor e aderncia a Deus, descrita acima,

    fica surpresa ao senti-Lo gradualmente tomar posse de todo o seu ser; ela desfruta de uma contnua sensao da presena, que vai se tornando natural; assim como a orao, a presena divina torna-se uma questo de hbito. A alma sente uma serenidade incomum penetrando gradualmente todas as suas faculdades. O Silncio constitui agora todo a sua orao; enquanto Deus comunica um amor infundido, que o princpio da beno inefvel.

    Ah, se me fosse permitido continuar com este assunto e descrever alguns graus da progresso infinita dos estados subseqentes? Mas, no momento, escrevo para os principiantes e no devo ir alm, mas aguardar o tempo de nosso Senhor para desenvolver o que pode ser aplicado a cada estado.

    No entanto, preciso interromper urgentemente toda auto-ao e auto-aplicao, a fim de que Deus unicamente possa atuar: Ele disse atravs do profeta Davi: "Aquietai-vos, e sabei que eu sou Deus" (Sl 46,10). Mas a criatura est to desprovida de amor e to apegada a seu prprio trabalho, que no acredita que isso possa funcionar, a menos que sentir, conhecer e distinguir todas as suas operaes. Ignora que a dificuldade de observar seu movimento, ocasionada pela velocidade de seu progresso; e que as operaes de Deus absorvem aquelas da criatura, na medida em que aumenta mais e mais; as estrelas brilham antes do nascer do sol, mas gradualmente vo desaparecendo com o avano de sua luz e tornam-se invisveis, no por falta de luz em si, mas pelo excesso de luz no sol.

    O mesmo ocorre aqui, pois h uma luz forte e universal que absorve todas as pequenas luzes distintas da alma; elas vo diminuindo e desaparecem sob sua poderosa influncia; a atividade prpria no mais distinta.

    Aqueles que acusam esta orao de inatividade, carregam um peso que s pode ser atribudo a falta de experincia. Ah, se pudessem ao menos fazer alguns esforos para alcan-la, rapidamente ficariam cheio de luzes e conhecimento sobre ela!

    A aparente inao , de fato, no uma conseqncia da esterilidade, mas de abundncia, como ser facilmente percebido pela alma experiente;

  • ela ir reconhecer que o silncio est repleto e cheio de uno por causa da plenitude.

    H dois tipos de pessoas que guardam silncio: aqueles que no tem nada a dizer e aqueles que tem muito a dizer. Este o caso neste estado; o silncio ocasionado pelo excesso e no pela falta.

    Afogar-se e morrer de sede so mortes muito diferentes; ainda assim se pode dizer que a gua foi a causa de ambas; em um caso o que destri a abundncia, no outro, a falta. Assim, a plenitude da graa paralisa a atividade do ser; portanto, de extrema importncia manter o mximo de silncio.

    A criana pendurada no seio de sua me, uma ilustrao viva do nosso assunto; ela comea a extrair o leite ao movimentar seus pequenos lbios; mas quando seu alimento flui abundantemente, contenta-se em engolir sem esforos; qualquer outra atitude iria machuc-la, derramar o leite e a foraria a largar o peito.

    Devemos atuar da mesma forma no incio da orao, ao movimentar os lbios dos sentimentos; mas, to logo o leite da graa divina flua livremente, nada devemos fazer seno ingeri-la docemente, em quietude; quando ela deixar de fluir, movimentar novamente os sentimentos, assim como a criana movimenta seus lbios. Quem atua de outra forma, no pode fazer melhor uso da graa, que concedida para levar a alma ao repouso do Amor, e no para empurr-la para a multiplicidade do ser.

    Mas o que ocorre com o beb que gentilmente e sem esforo bebe o leite? Quem acreditaria que assim receberia a nutrio? Quanto mais pacificamente se alimentar, melhor se desenvolve. O que se torna essa criana? Ela adormece no seio de sua me. Assim, a alma tranqila e pacfica na orao, mergulha freqentemente num adormecer mstico, onde todos os seus poderes ficam em repouso, at que esteja totalmente preparada para este estado, do qual desfruta estas antecipaes transitrias. Vejam que nesse processo a alma guiada naturalmente, sem problemas, esforos, cincia ou estudo.

    O interior no uma fortaleza, para ser tomado com fora e violncia; mas um reino de paz, que deve ser conquistado unicamente pelo amor. Se algum pretende seguir o pequeno caminho que apontei, ser guiado orao infundida. Deus no necessita de nada extraordinrio e

  • nem muito difcil; pelo contrrio, Ele se agrada enormemente pela conduta simples e pueril.

    As mais sublimes conquistas na religio, so aquelas facilmente alcanadas; as mais necessrias ordenaes so as menos difceis. O mesmo ocorre para as coisas naturais; se algum pretende alcanaro mar, deve embarcar num rio, e ir ser conduzido a ele, sem sentir e sem erro. Se quiser ir at Deus, siga este caminho doce e simples, e chegar ao objeto desejado, com uma jornada to fcil que causar surpresa.

    Que possam ao menos tomar o caminho uma vez! Rapidamente iro perceber que tudo o que disse pequeno, e que a experincia prpria os conduziro muito mais longe! O que temem? Por que no se lanam imediatamente nos braos do AMOR, estendendo-se na cruz para que Ele possa abra-los? Que riscos correm ao dependerem unicamente de Deus e ao abandonar-se inteiramente a Ele? Ah, ele no ir decepcionar, mas conceder uma abundncia alm de suas maiores expectativas; mas aqueles que esperam tudo de si mesmos, devem ouvir esta repreenso de Deus ao profeta Isaias: "De tanto andar ficaste cansada, mas nem por isso disseste: Isso de desanimar!" (Is. 57,10 Vulg).

    13. Abundncia A alma que j avanou a este ponto, no precisa de outra preparao

    alm da quietude: pois, a presena de Deus durante o dia, que o grande efeito, ou melhor, a continuao da orao, comea a ser infundida e quase ininterrupta. A alma certamente desfruta de bnos transcendentes e descobre que Deus est mais intimamente presente a ela do que ela est para si mesma.

    O nico caminho de encontr-lo pela introverso. To logo os olhos do corpo se fecham, a alma se entrega orao: ela se surpreende diante de to grande graa e desfruta de uma conversa interna, que os assuntos exteriores no podem interromper.

    O mesmo pode ser dito sobre as oraes da sabedoria: "com ela me vieram todos os bens" (Sb 7,11). Pois, as virtudes fluem da alma para o exerccio com tanta doura e facilidade, que lhe parece natural, e a

  • primavera viva desabrocha abundante e facilmente para todo o bem e numa insensibilidade para todo mal.

    Que ela permanea ento fiel a este estado; e cuidado na escolha ou busca de outra disposio que no seja este simples repouso, como preparao tanto para a confisso como para a comunho, para a ao ou orao; pois sua nica vocao ser preenchida por esta expanso divina. Eu no seria compreendida se falasse sobre as preparaes necessrias para as ordenaes, mas sim sobre a mais perfeita disposio interior onde podem ser recebidas.

    14. Silncio "Mas Iahweh est em Seu santurio sagrado: Silncio em sua

    presena, terra inteira!" (Hab 2,20). O motivo pelo qual o silncio interior se faz indispensvel a

    natureza essencial e eterna do Verbo; ele necessariamente requer disposies na alma correspondentes, em certo grau, Sua natureza, como uma espcie de capacidade para a Sua prpria recepo. A audio um sentido formado para receber sons e mais passivo do que ativo; ela recebe, mas no comunica sensaes; se quisermos ouvir devemos prestar o ouvido para este fim. Cristo, o Verbo eterno, que deve ser comunicado a alma, a fim de conceder-lhe vida nova, requer a mais intensa ateno sua voz, assim que nos falar interiormente.

    As Sagradas Escrituras freqentemente nos alerta a ouvir e a estar atento voz de Deus; Aponto algumas das numerosas exortaes a este respeito: "Atende-me, povo meu, d-me ouvidos, gente minha! Porque de mim sair uma lei, farei brilhar o meu direito como uma luz entre os povos" (Is.51,4); novamente: "Ouvi-me, vs, da casa de Jac, tudo o que resta da casa de Israel, vs, a quem carreguei desde o seio materno, a quem levei desde o bero" (Is 46,3); tambm nos Salmos: "Ouve, filha; v, d ateno; esquece o teu povo e a casa de teu pai. Ento o rei cobiar a tua formosura; pois ele o teu Senhor" (Sl. 45,10,11).

    Devemos esquecer de ns mesmos e de todo interesse prprio para escutar e estar atento a Deus; estas duas aes simples, ou melhor,

  • disposies passivas, produzem o amor de extrema beleza, que Ele mesmo comunica.

    O silncio exterior bastante requisitado para o cultivo e melhoramento do interior; de fato, impossvel nos voltarmos verdadeiramente ao interior, sem amar o silncio e o retiro. Deus disse pela boca de seu profeta: "Portanto, eis que eu a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao corao", sem dvidas, o ser engajado a Deus internamente incompatvel com o ser exterior guiado por milhares de insignificncias.

    Quando, por conta da fraqueza, nos encontramos descentrados, devemos voltar imediatamente para o interior; esse processo deve ser repetido to logo ocorra a distrao. No de grande valia estar recolhido e devotado por uma ou meia hora, se a uno e o esprito da orao no continua conosco durante todo o dia.

    15. Uma Nova Viso da Confisso de Pecados O auto-exame deve sempre preceder a confisso, mas a sua forma

    deve ser compatvel com a alma. O trabalho daqueles que j avanaram ao grau que agora tratamos abrir totalmente sua alma a Deus; Ele no deixar de ilumin4as e permitir que vejam a natureza peculiar de suas faltas. Este exame, contudo, deve ser pacfico e tranqilo; devemos contar com Deus, a fim de descobrir e conhecer nossos pecados, muito mais do que com a diligncia de nossa prpria inspeo.

    Quando foramos o auto-exame, freqentemente somos trados e enganados pelo amor prprio, o que conduz ao erro: "Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem mal" (Is. 5,20); mas quando mentimos descaradamente diante do Sol da retido, seus raios divinos tornam os menores tomos visveis. Devemos, ento, perdoar o eu, e abandonar nossas almas em Deus, assim como no exame da confisso.

    Quando as almas atingem este tipo de orao, nenhuma falta escapa da repreenso de Deus; assim que cometidas, so imediatamente reprovadas por uma queimao interna e uma dolorosa confuso. Tais so as inspees Daquele que no possui mal algum a ser consolado; o nico

  • caminho simplesmente se voltar a Deus e suportar a dor e as correes que Ele inflige.

    Na medida em que Ele se torna o examinador incansvel da alma, esta no pode mais se examinar; se for fiel ao seu abandono, a experincia provar que muito mais efetivamente sondada por esta luz divina, do que por seu empenho prprio.

    Aqueles que trilham o caminho devem ser orientados na questo da confisso, na qual podem se enganar. Quando comeam a prestar contas de seus pecados, ao invs de arrependimento e contrio, devem comear a sentir; descobrem ento, que o amor e a tranqilidade penetram a alma docemente: mas, aqueles que no so propriamente instrudos resistem esta sensao, e formam um ato de contrio; isso porque ouviram falar, e com verdade, que ela um requisito. Mas no se do conta que agindo desta forma perdem a contrio genuna ou o amor infundido, que supera infinitamente qualquer efeito produzido pela auto-correo; a contrio genuna permite a compreenso de outros atos como parte de um ato principal, em uma perfeio muito mais elevada, do que se fossem considerados distintamente. No se preocupem em atuar de outra forma, sendo que Deus atua to perfeitamente em neles e por eles. Desprezar o pecado desta forma, desprez-lo da mesma forma que Deus o faz. O amor mais puro aquele que de imediata operao na alma; por que ento devemos ficar to ansiosos pela ao? Permaneamos no estado que ele nos designa, concordando com as instrues do homem sbio: "No admires a conduta do pecador, mas confia no Senhor e permanece no teu trabalho" (Ec 11,22).

    A alma se surpreender tambm diante da dificuldade de lembrar de suas faltas. Isso, porm no deve causar desconforto, primeiro porque o esquecimento de nossas faltas uma prova de nossa purificao com relao a elas; neste grau de desenvolvimento, melhor esquecer todo tipo de preocupao, a fim de que possamos nos lembrar unicamente de Deus. Em segundo lugar, porque, quando a confisso um dever, Deus no deixar de mostrar nossas maiores faltas, j que Ele prprio nos examina; a alma sentir o fim do exame mais bem realizado, do que poderia ser atravs de nossos prprios esforos.

    Estas instrues, contudo, seriam todas incabveis aos graus precedentes, enquanto a alma continua em seu estado ativo, quando certo e necessrio que em todas as coisas deve se exercer, na proporo de

  • seu avano. Eu exorto aqueles que chegaram a este estado mais avanado, que sigam estas instrues, e no variem suas ocupaes simples, mesmo ao aproximarem-se da comunho; que permaneam em silncio, e permitam que Deus atue livremente. Ele no pode ser mais bem recebido do que por Ele mesmo.

    16. A Escritura Neste estado, o mtodo da leitura deve ser interrompido quando

    nos sentirmos recolhidos; permaneamos ento, quietos, lendo pouco e sempre deixando a leitura quando atrados internamente.

    A alma chamada a um estado de silncio interior, no deve se ocupar de oraes vocais; sempre que fizer uso delas e encontrar ali uma dificuldade e uma atrao ao silncio, que no faa uso da compulso de perseverar, mas que se entregue aos impulsos internos, a no ser que a repetio destas oraes seja uma obrigao. Em qualquer outro caso, muito melhor no se queimar com nenhum apego repetio de frmulas, mas se deixar conduzir pelo Esprito Santo; desta forma, toda espcie de devoo alcanada num grau mais eminente.

    17. Orao de Pedidos? A alma no deveria se surpreender ao se sentir incapaz de oferecer a

    Deus as peties que tem formalizado com facilidade; pois, neste estado, o Esprito intercede por ela de acordo com a vontade de Deus; esse Esprito que auxilia nossas enfermidades; "Assim tambm o Esprito socorre a nossa fraqueza, Pois no sabemos o que pedir como convm; mas o prprio Esprito intercede por ns com gemidos inefveis" (Rm 8,26). Devemos seguir os projetos de Deus, que tendem a nos desvestir de toda operao prpria, para que as Suas possam substitu-las.

    Que assim seja ento em cada um de ns; no estejamos atados a nada, por melhor que possa parecer; nada vlido, se de alguma forma nos afasta daquilo que Deus deseja para cada um de ns. A vontade divina mais valiosa que qualquer outro bem. Afastemos ento todo

  • interesse prprio e vivamos pela f e pelo abandono; neste ponto que aquela f genuna comea a operar.

    18. Distraes Em caso de nos desviarmos por coisas externas ou cometermos uma

    falta, devemos nos voltar para o interior imediatamente; pois tendo com isso nos afastado de Deus, preciso voltar para Ele o mais rpido possvel, sofrendo a pena que Ele inflige.

    muito importante evitar a inquietao por conta de nossas faltas; ela surge de uma raiz secreta do orgulho, e de um amor pela nossa prpria excelncia; somos feridos ao sentirmos o que somos.

    Se nos desencorajamos, enfraquecemos ainda mais; e das reflexes sobre nossas imperfeies, surge uma mortificao, que normalmente pior do que as prprias imperfeies.

    A alma verdadeiramente humilde no se surpreende diante de seus defeitos e faltas; quanto mais miservel se considera, mais se abandona a Deus, forando uma aliana mais ntima com Ele, diante da necessidade que sente de seu auxlio. Devemos preferir a induo desta atuao, como o prprio Deus disse: "Vou instruir-te, indicando o caminho a seguir, com os olhos sobre ti, eu serei teu conselho". (Sl, 32,8).

    19. Tentao Um confronto direto com as distraes e as tentaes s serve para

    aument-las e extrair a alma da aderncia a Deus, que deveria ser sua nica ocupao. Deveramos simplesmente nos voltar contra o mal, e nos aproximar cada vez mais de Deus. Uma criancinha, ao perceber um monstro, no espera para lutar com ele, e dificilmente volta seus olhos para ele, mas rapidamente se encolhe no seio de sua me, garantindo sua segurana. "Deus est no meio dela", diz o Salmista, "jamais ser abalada. Deus a ajudar desde antemanh.". (Sl. 46,5).

    Se atuarmos de outra forma, tentarmos atacar os inimigos com a nossa fraqueza, fatalmente iremos nos ferir, quando no totalmente

  • derrotados; mas, permanecendo simplesmente na presena de Deus, encontraremos suplementos de fora a nos apoiar. Esta era a fonte de Davi: "Coloco Iahweh minha frente sem cessar, com ele minha direita eu nunca vacilo. Por isso meu corao se alegra, minhas entranhas exultam e minha carne repousa em segurana" (Sl 16 8,9). No xodo dito: "O Senhor pelejar por vs, e vs vos calareis" (Ex. 14,14).

    20. Consumido A devoo e o sacrifcio fazem parte da orao, a qual, segundo So

    Joo, um incenso cuja fumaa ascende a Deus; portanto, dito no Apocalipse: "Veio outro anjo e ficou de p junto ao altar, com um incensrio de ouro, e foi-lhe dado muito incenso para oferec-lo com as oraes de todos os santos" (Ap. 8,3).

    A orao a efuso do corao na presena de Deus: "venho derramando a minha alma perante o Senhor", disse a me de Samuel (1 Sm. 1,15). A orao dos Reis Magos aos ps de Cristo no estbulo de Belm, foi indicada pelo incenso que ofereceram.A orao um certo calor de amor derretendo, dissolvendo e sublimando a alma, fazendo com que ascenda a Deus; como a alma encontra-se dissolvida, o odor dela emana; estas doces exalaes procedem do fogo do amor consumidor.

    Isso est ilustrado nos Cnticos (Ct 1,12), onde a esposa diz: "Enquanto o rei est assentado sua mesa, o meu nardo exala o seu perfume". A mesa o centro da alma; quando Deus est ali e sabemos como habitar por perto e nos manter com Ele, a sagrada presena gradualmente dissolve a dureza da alma; ao se derreter, uma fragrncia exalada; assim que o Amado fala sobre sua esposa, ao ver sua alma derreter enquanto fala: "Que isso que sobe ao deserto, como colunas de fumo, perfumado de mirra e de incenso?" (Ct. 3,6).

    A alma ascende a Deus ao entregar o EU ao poder destruidor e aniquilador do amor divino. Esse um estado de sacrifcio essencial religio Crist, no qual a alma permite ser destruda e aniquilada, a fim de prestar reverncia soberania de Deus; como est escrito: "O poder do Senhor grande e Ele s honrado pelos humildes" (Ec 3,21). Pela destruio do EU, reconhecemos a suprema existncia de Deus. Devemos deixar de existir no EU, a fim de que o Esprito do Verbo Eterno possa existir em ns:

  • desistindo da prpria vida, que damos lugar sua chegada; ao morrer para ns, fazemos com que Ele viva em ns.

    Devemos entregar todo o nosso ser a Jesus Cristo e deixar de viver em ns mesmos, para que Ele se torne a nossa vida; "porque morrestes, e a vossa vida est oculta juntamente com Cristo, em Deus" (Col.3,3). "Passem para mim", diz Deus, "todos vs que buscam a mim com sinceridade" (Ec.24,16). Mas como este passar para Deus? No outra coisa seno nos deixar e nos abandonar, para que possamos estar perdidos em Deus; isso s pode ser efetivado pela aniquilao, a qual constituindo-se na verdadeira orao de adorao, devota unicamente Deus todo louvor, honra, glria e domnio, pelos sculos dos sculos "(Ap. 5,13).

    Esta orao da verdade "adorar a Deus em Esprito e em Verdade" (Jo 4,23). "Em Esprito", porque penetramos a pureza daquele Esprito que ora em nosso interior e somos retirados de nosso prprio mtodo carnal e humano; "Em Verdade", porque somos assim, situados na verdade do todo de Deus, e do nada da criatura.

    No h mais nada do que estas duas verdades, o TODO e o NADA; tudo o mais falsidade. Podemos prestar homenagem ao TODO de Deus, somente em nossa prpria aniquilao; esta no alcanada antes que Ele, que nunca sofreu qualquer anulao na natureza, nos preencha instantaneamente de Si mesmo.

    Ah, se pelo menos conhecssemos as virtudes e as bnos que a alma extrai desta orao, no teramos vontade de fazer qualquer outra coisa; Trata-se da prola de grande valor; o tesouro oculto, (Mt. 13 44,45); aquele que a encontra, venderia livremente todos os seus bens para possu-la; a roda da gua viva, de onde brota toda vida. a adorao de Deus "em esprito e em verdade" (Jo 4 14,23); a completa atuao dos mais puros preceitos evanglicos.

    Jesus Cristo nos assegura de que "o reino de Deus est dentro de ns". (Lc 17,21) o que verdade em dois sentidos: primeiro, quando Deus torna-se o Mestre e o Senhor pleno em ns; quando nada resiste ao seu domnio e nosso interior transforma-se em seu reino; quando possumos a Deus, que o Bem Supremo, tambm possumos seu reino, onde h plenitude de alegria e onde alcanamos o fim de nossa criao. Assim, dito: "servir a Deus reinar". O fim de nossa criao, de fato, desfrutar de Deus, at mesmo nesta vida; mas, quem pensa assim?

  • 21. Silncio Nas Profundezas Algumas pessoas quando ouvem falar da orao do silncio,

    imaginam erroneamente que a alma permanece obtusa, morta e inativa; mas, inquestionavelmente, ela age de forma mais nobre e extensiva do que jamais tenha agido anteriormente; pois, o prprio Deus seu motor e ela se movimenta pela ao de Seu Esprito. So Paulo nos teria "guiado pelo Esprito de Deus". (Rm 8,14).

    No significa que devemos interromper a ao, mas sim atuar atravs da intermediao interna de sua graa. Isso est muito bem representado pela viso das rodas do profeta Ezequiel, que possuam um Esprito vivo; onde fosse o Esprito elas o acompanhavam; elas subiam e desciam, pois o Esprito da vida estava nelas, e quando iam no retornavam. (Ez 1 18,21). Da mesma forma, a alma poderia servir a vontade deste esprito vivificante, que nela se encontra, seguindo voluntariamente apenas o seu movimento. Estes movimentos nunca tendem ao retorno nas reflexes sobre as criaturas ou sobre o EU; ao contrrio, vo sempre adiante, num incessante aproximar-se do fim.

    Esta atividade da alma se apresenta com a maior tranqilidade. Quando ela age por si s, o ato forado e contrariado e, portanto, mais facilmente distinguvel; mas quando a ao est sob a influncia do Esprito da Graa, ela to livre, fcil e natural, que parece como que se no agisse. "Trouxe-me para um lugar espaoso; livrou-me porque ele se agradou de mim" (Sl. 18,19).

    Quando a alma est centrada ou, em outras palavras, volta ao recolhimento, a atrao central d incio a mais potente atividade, superando infinitamente em energia qualquer outra espcie. Nada, de fato, pode igualar a velocidade desta tendncia ao centro; e ainda que seja uma atividade, ela to nobre, pacfica e cheia de tranqilidade, to natural e espontnea, que aparece para a alma como se no fosse nada.

    Quando uma roda gira lentamente possvel perceber suas partes; mas, quando seu movimento rpido no se distingue nada. Ento, a alma que repousa em Deus, possui uma atividade muito mais nobre e elevada, ainda que ambas sejam pacficas; quanto mais pacfica ela for,

  • mais rpido o seu curso; porque est se entregando quele Esprito pelo qual movida e direcionada.

    Este Esprito que atrai no outro seno o prprio Deus, que ao nos atrair, nos faz correr para Ele. Como compreende isso a esposa, quando diz: "Leva-me aps ti, apressemos-nos" (Ct. 1,4). Atraia-me para Ti, O meu centro divino, pelo secreto surgimento da minha existncia, e todos os meus poderes e sentidos Te seguiro! Esta simples atrao tanto um ungento para cura como um perfume para o encantamento: ns seguimos, ela diz, a fragrncia de teus perfumes; embora a atrao seja to poderosa, seguida pela alma livremente, sem constrangimento; pois igualmente deleitoso e impetuoso; e enquanto atrai pelo seu poder, nos carrega por sua doura. "Atraia-me", diz a esposa, "e iremos correr atrs de Ti". Ela fala de si e para si: "atraia-me" - manteve a unidade do centro que atrado! "iremos correr" - manteve a correspondncia e o curso de todos os sentidos e poderes em seguir a atrao do centro!

    Ao invs de uma animadora lentido, promovemos uma alta atividade ao incorporar uma total dependncia do Esprito de Deus, como o princpio que nos move; pois Nele vivemos, nos movemos e existimos (At. 17,28). Esta humilde dependncia do Esprito de Deus indispensavelmente necessria, e faz com que a alma logo se atenha unidade e simplicidade na qual foi criada.

    Devemos, portanto, abandonar nossas mltiplas atividades, para penetrar a simplicidade e a unidade de Deus, em cuja imagem fomos originalmente formados (Gn 1,27). "O Esprito um em mltiplo" (Sab. 7,22); sua unidade no impede sua multiplicidade. Entramos em sua unidade quando estamos unidos ao seu Esprito, e desta forma temos um e o mesmo esprito com Ele; somos mltiplos com relao a execuo exterior de sua vontade, sem abandonar nosso estado de unio.

    Assim, quando somos totalmente movidos pelo Esprito Divino, que infinitamente ativo, nossa atividade deve, de fato, ser mais energtica do que aquela que nos prpria. Devemos nos render orientao da sabedoria, "A sabedoria mais mvel que qualquer movimento e, por sua pureza, tudo atravessa e penetra" (Sb. 7,24) e abdicando da dependncia de sua ao, nossa atividade ser verdadeiramente eficiente.

    "Todas as coisas foram feitas por intermdio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez" (Jo 1,3). Deus nos formou originalmente em sua

  • prpria imagem e semelhana. Ele soprou em ns o Esprito de seu Verbo, aquele Sopro de Vida (Gn 2,7) que nos deu no momento da criao, que consiste na participao da imagem de Deus. Ora, esta VIDA uma, simples, pura, ntima e sempre fecunda.

    Tendo o demnio quebrado e deformado a imagem divina na alma atravs do pecado, a intersesso daquele mesmo Verbo soprado no momento de nossa criao, torna-se absolutamente necessria para a renovao. Era necessrio que fosse Ele, porque Ele a imagem expressa de seu Pai; nenhuma imagem pode ser reparada por seu prprio esforo, mas deve permanecer passiva para este fim, nas mos daquele que labora.

    Nossa atividade deve consistir em nos colocarmos num estado de suscetibilidade s impresses divinas e ter flexibilidade com todas as operaes do Verbo Eterno. Enquanto uma tela no est fixa, o pintor no pode produzir uma pintura correta sobre ela; cada movimento do EU produz contornos errneos; isso interrompe a obra e deforma o projeto deste adorvel Pintor. Devemos ento, permanecer em paz, e nos movimentarmos apenas quando Ele se movimenta em ns. "Porque assim como o Pai tem vida em si mesmo, tambm concedeu ao Filho ter vida em si mesmo" (Jo 5,26) e Ele deve dar vida a cada forma vivente.

    O esprito da Igreja de Deus o esprito do divino movimento. Seria ela idlatra, estril ou infrutfera? No; ela atua, mas sua atividade depende do Esprito de Deus, que a move e a governa. O mesmo deve acontecer com seus membros; para que sejam filhos espirituais da Igreja, devem ser movimentados pelo Esprito.

    Como toda ao s pode ser estimada na proporo da grandeza e dignidade do princpio eficiente, esta ao incontestavelmente mais NOBRE do que qualquer outra. Aes produzidas por um princpio divino, so DIVINAS; mas, aes da criatura, por melhor que possam parecer, so apenas HUMANAS, ou pelo menos virtuosas, mesmo que acompanhadas pela graa.

    Jesus Cristo diz que Ele tem a Vida em Si: todos os outros seres possuem apenas uma vida emprestada; mas o Verbo possui a Vida em Si; comunicando a sua natureza, deseja conced-la ao homem. Devemos fazer um espao para os influxos desta vida, o que s ocorre pela expulso e perda da vida Admica e da supresso da atividade do ser. Isto est de acordo com a afirmao de So Paulo: "E assim, se algum est em Cristo,

  • nova criatura; as coisas antigas j passaram; eis que se fizeram novas" (2 Cor 5, 17), mas este estado s pode ser conquistado morrendo para ns mesmos e para todas as nossas atividades prprias, para que possam ser substitudas pela atividade de Deus.

    Jesus Cristo exemplificou no Evangelho. Marta fez o que era correto; mas, como fez em seu prprio esprito, Cristo a reprovou. O esprito do homem inquieto e turbulento; por esta razo ele realiza pouco, embora parea fazer grande coisa. "Marta", diz o Cristo, "andas inquieta e te preocupa com muitas coisas;. Entretanto, pouco necessrio, ou mesmo uma s coisa; Maria pois escolheu aboa parte e esta no lhe ser tirada". (Lc 10 41,42). E o que fez de Maria a escolhida? Repouso, tranqilidade e paz. Ela aparentemente havia parado de agir, para que o Esprito de Cristo agisse nela; ela parou de viver, para que Cristo pudesse ser a sua vida.

    Isso mostra quo necessrio a renncia de ns mesmos e de toda nossa atividade, para seguir o Cristo; pois no podemos segui-lo, se no formos animados pelo seu Esprito. Para que seu esprito possa ser admitido, preciso que o nosso seja banido: "Mas aquele que se une ao Senhor um esprito com ele" (1 Cor. 6,17). Davi disse que era bom estar junto a Deus e Nele colocar o seu refgio (Sl 73,28). O que estar junto a Deus? o princpio da unio.

    A unio divina tem o seu comeo, seu progresso, suas conquistas e sua consumao. A princpio, ela uma inclinao para com Deus. Quando a alma se encontra introvertida, do modo j descrito, adquire a influncia da atrao central, e um ardente desejo de unio; este o comeo. A alma se adere a Ele na medida em que mais se aproxima e finalmente se torna um, ou seja, um esprito com Ele; ento aquele esprito que se afastou de Deus, retorna ao seu fim.

    Neste caminho, se faz necessrio que penetremos o que movimento divino e esprito de Jesus Cristo. So Paulo diz: "Se algum no tem o esprito de Cristo, no pertence a ele" (Rm 8,9); portanto, para ser de Cristo, preciso estar preenchido do seu Esprito, e vazio do nosso prprio. O Apstolo, na mesma passagem, prova a necessidade de sua divina influncia: "Pois todos os que so guiados pelo Esprito de Deus so filhos de Deus" (Rm 8,14).

  • O esprito da filiao divina , ento, o esprito do movimento divino: ele acrescenta "Porque no recebestes o esprito de escravido para viverdes outra vez atemorizados, mas recebestes o esprito de adoo, baseados no qual clamamos: Aba, Pai (Rm 8, 15). Este esprito o esprito de Cristo, atravs do qual participamos de sua filiao; "O prprio Esprito testifica com o nosso esprito que somos filhos de Deus" (Rm 8,16).

    Quando a alma se entrega influncia deste Esprito abenoado, percebe o testemunho de sua divina filiao; ela sente tambm, com redobrada satisfao, que recebeu, no o esprito da escravido, mas o da liberdade, a liberdade dos filhos de Deus; descobre que age livre e docemente, ainda que com vigor e infalibilidade.

    O esprito da ao divina to necessrio em todas as coisas, que So Paulo, na mesma passagem comenta sobre a dificuldade em saber o que pedir quando oramos: "O Esprito socorre a nossa fraqueza. Pois no sabemos o que pedir como convm; mas o prprio Esprito intercede por ns com gemidos inefveis" (Rm 8,26): Isso basta. Se no sabemos o que precisamos e nem orar como convm, e se o Esprito que est em ns, e ao qual nos resignamos, deve pedir por ns, no deveramos permitir que Ele d abertura aos inefveis gemidos nosso favor?

    Este Esprito o Esprito do Verbo, que sempre ouvido, enquanto diz a Si mesmo: "Eu sabia que sempre me ouves" (Jo 11,42); se admitirmos livremente que este Esprito ore e interceda por ns, tambm seremos sempre ouvidos. Por que? Aprendamos do mesmo grande Apstolo, o Mstico habilidoso e Mestre da vida interior, quando acrescenta: "e aquele que perscruta os coraes sabe qual o desejo do Esprito; pois, segundo Deus que ele intercede pelos santos" (Rm 8,27); ou seja, o Esprito demanda apenas o que est em conformidade com a vontade de Deus. A vontade de Deus que sejamos salvos e que nos tornemos perfeitos. Ele, portanto, intercede para que seja feito todo o necessrio para a nossa perfeio.

    Por que ento, deveramos perder tempo com coisas suprfluas, e nos perder na multiplicidade de nossos caminhos, sem ao menos dizer, vamos descansar em paz. O prprio Deus nos convida a deixar todas as preocupaes por Ele; Ele reclama em Isaias, com inefvel bondade, que a alma tem desperdiado seus poderes e seus tesouros com milhares de questes exteriores, quando h to pouco a fazer para obter tudo o que precisa e deseja: "Por que gastais dinheiro com aquilo que no po, e o produto

  • do vosso trabalho com aquilo que no pode satisfazer? Ouvi-me com toda ateno e comei o que bom: haveis de deleitar-vos com manjares revigorantes" (Is. 55,2).

    O se ao menos conhecssemos as benes de ouvir a Deus, e como a alma se fortalece com isso! "Silncio, toda carne, diante do Senhor" (Zc 2,13); tudo deve parar to logo Ele aparea. Mas para nos comprometermos ainda mais a um abandono, sem reservas, Deus nos assegura, atravs do mesmo profeta, de que nada devemos temer, porque ele cuida especialmente de ns: "Por acaso uma mulher se esquecer da sua criancinha de peito? No se compadecer ela do filho do seu ventre? Ainda que as mulheres se esquecessem eu no me esqueceria de ti" (Is. 49,15). , palavras repletas de consolo! Quem ento temeria abandonar-se totalmente orientao de Deus?

    22. O Estado Constante Os atos so distintos em interiores e exteriores. Exteriores so os que

    aparecem externamente, tm relao com algum assunto perceptvel e no tem carter moral, exceto aqueles derivados do princpio do qual procedem. Pretendo tratar aqui unicamente dos atos interiores, as energias da alma, atravs das quais ela se volta internamente para alguns assuntos e se afasta de outros.

    Se durante minha devoo a Deus, tivesse que formar uma vontade para transformar a natureza de meu ato, deveria me afastar de Deus e me voltar para assuntos criados, num maior ou menor grau, segundo a fora do ato: e se, quando estiver voltada para a criatura, quisesse retornar a Deus, deveria necessariamente formar um ato para este propsito; quanto mais perfeito for este ato, mais completa a converso.

    At que esta converso seja perfeita, muitos atos reiterados so necessrios; pois a converso ocorre de forma progressiva, embora para alguns seja instantnea. Meu ato, contudo, deve se constituir num contnuo voltar-se para Deus, um exerccio de cada faculdade e poder da alma puramente por Ele, de acordo s instrues do filho de Sirac: "Ilude tuas inquietaes, consola teu corao, afasta para longe a tristeza" (Ec 30,24); e ao exemplo de Davi: "Vou manter toda minha fora por ti" (SI 59,9, vulg.); isso se faz atravs do reentrar em ns mesmos; como diz Isaias: "Volte-se para o seu corao" (Is 46,8 vulg.). Pois, nos desviamos de nossos coraes

  • atravs do pecado, e unicamente o nosso corao o que Deus requer: "Meu filho, d-me o teu corao, e que teus olhos gostem dos meus caminhos" (Pr. 23,26). Entregar o corao a Deus, ter toda a energia da alma centrada Nele, sempre, a fim de estarmos de acordo com Sua vontade. Devemos, portanto, continuar invariavelmente voltados a Deus, desde nossa primeira petio.

    Mas, sendo o esprito instvel, e a alma acostumada a se voltar para o exterior, distrair-se muito fcil. Este mal pode ser contido se nos recolocarmos instantaneamente Nele, to logo percebamos o desvio, com um ato puro de retorno a Deus; tal ato deve ser mantido enquanto durar a converso, pela poderosa influncia de um simples e sincero retorno a Deus.

    Como muitos atos reiterados formam um hbito, a alma adquire o hbito da converso; e aquele ato distinto e anteriormente interrompido torna-se habitual.

    A alma no precisa ficar perplexa, ento, sobre formar um ato j mantido, e que, de fato, no se pode tentar formar sem grande dificuldade; ela at descobre que retirada de seu prprio estado, com a pretenso de buscar aquilo que , na realidade, adquirido, tendo em vista o hbito j formado, e que confirmado na converso e no amor habitual. Trata-se de buscar um ato com o auxlio de muitos, ao invs de se apegar a Deus por um nico ato simples.

    Devemos frisar, que s vezes formamos muitos atos distintos porm, simples; o que mostra que estivemos perdidos, e que reentramos em nosso corao aps ter dele se afastado; assim que reentramos ali, devemos permanecer em paz. Erramos, portanto, ao supor que no devemos formar atos; os formamos continuamente: mas que estejam de acordo com o grau de nosso avano espiritual.

    A grande dificuldade da maioria das pessoas espiritualizadas surge da no compreenso deste assunto. Alguns atos so transitrios e distintos, outros so contnuos; alguns so diretos, outros reflexivos. Nossos atos no podem ser todos breves e distintos; nem todos esto num estado apropriado para serem contnuos. Os primeiros so prprios daquele que se extraviou; este precisa se esforar mais, de acordo com a extenso de seu desvio; se o desvio irrelevante, um ato simples suficiente.

  • Ato contnuo aquele pelo qual a alma se encontra totalmente voltada para Deus por um ato direto, que sempre permanente e que nunca renovado, a menos que interrompido. Quando a alma se encontra neste estado ela est em caridade e habita na caridade; "E ns temos reconhecido o amor de Deus por ns, e nele acreditamos. Deus Amor: aquele que permanece no amor permanece em Deus e Deus permanece nele" (1 Jo 4, 16). A alma, ento, existe e repousa neste ato habitual. Ela est livre da lentido pois, ainda h um ato ininterrupto e permanente, que um doce mergulhar na Divindade, cuja atrao se torna mais e mais poderosa. Seguindo est potente atrao e habitando no amor e na caridade, a alma mergulha continuamente e mais profundo naquele Amor, mantendo uma atividade infinitamente mais poderosa, vigorosa e efetiva do que aquela que serviu para alcanar seu primeiro retorno.

    Ora, a alma profunda e vigorosamente ativa, totalmente entregue a Deus, no percebe este ato, porque se trata de um ato direto e no reflexivo. Esta a razo pela qual alguns, no se expressando adequadamente, afirmam no atuar; isso um engano, pois nunca estiveram mais verdadeira e nobremente ativos; deveriam dizer que no distingue seus atos, e no que no agem. Garanto que no agem por eles mesmos; mas, so atrados e seguem a atrao. O Amor o peso que os fazem mergulhar. Como algum que cai no mar, mergulhariam mais e mais fundo por toda eternidade, se o mar fosse infinito, para que pudessem, sem perceber a descida, gotejar com inconcebvel rapidez nas maiores profundezas.

    portanto, imprprio dizer que no atuamos; todos formamos atos, mas a maneira que o formamos no a mesma para todos. O erro ocorre aqui: todos os que sabem que devem atuar desejam faz-lo de forma distinta e perceptvel; isso no possvel; atos sensveis so para principiantes; h outros para aqueles num estado mais avanado. Parar com os primeiros, que so fracos e pouco benficos, nos privar dos segundos; da mesma forma, tentar alcanar o segundo, sem passar pelo primeiro no um erro menor.

    "H um momento para tudo e um tempo para todo propsito debaixo do cu"(Ec 3,1): todo estado tem seu incio, seu progresso e sua consumao; trata-se de um erro infeliz parar no princpio. No h cincia seno onde houver progresso; primeiro, trabalhamos pesado, mas no final, colhemos o fruto do nosso esforo.

  • Quando uma caravela est no porto, os marinheiros so obrigados a empregar toda fora, a fim de limp-la a tempo e coloc-la ao mar; depois podem diminuir o ritmo. Da mesma forma, enquanto a alma permanece no pecado e na criatura, muitos esforos so requisitados para efetivar sua liberdade; os cabos que a prendem devem ser soltos; com grandes e vigorosos esforos a alma concentra-se no interior, sendo dragada gradualmente do velho porto do Eu; deixando-o para trs, prossegue, mais e mais, ao interior ou ao cu to desejado.

    Quando a caravela inicia viagem deixa a praia ao longe; quanto mais longe est da terra, menor trabalho requisitado para avanar. Aos poucos ela se torna fcil de navegar, e segue rapidamente seu curso, a ponto de se colocar os esforos de lado. Com que se ocupa ento o capito? Contenta-se em espalhar as velas e segurar o leme. Espalhar as velas curvar-se diante de Deus, na orao da simples exposio, a fim de ser movimentado por seu Esprito; segurar o leme impedir que o corao se desvie do verdadeiro curso, chamando-o novamente e de forma gentil para que seja guiado com firmeza pelos ditames do Esprito de Deus, que gradualmente ganha posse do corao, assim como a brisa empurra as velas e movimenta o barco. Enquanto os ventos so calmos, os marinheiros e o capito descansam do trabalho. Que progresso eles garantem agora, sem grandes esforos! Avanam mais em uma hora, enquanto descansam e deixam a caravela ao vento, do que avanavam em um longo perodo de tempo e por seus prprios esforos; mesmo que quisessem se esforar mais, neste momento, alm de se cansarem iriam apenas retardar a caravela com esforos inteis.

    Assim o nosso prprio curso interior; avanamos mais pelo impulso divino, num curto espao de tempo, do que atravs de muitos atos reiterados de auto-esforo. Quem se arriscar neste caminho, ver que o mais fcil do mundo.

    Se o vento for contrrio e trazer uma tempestade, devemos lanar ncora ao mar, para segurar o barco. Esta ncora simplesmente a confiana em Deus e a esperana em sua bondade, aguardando pacientemente o acalmar da tempestade e o retorno de um vento favorvel; assim fez Davi: "Esperei ansiosamente por Iahweh: ele se inclinou para mim e ouviu o meu grito" (Sl. 40,1). Devemos nos resignar ao Esprito de Deus, nos entregando totalmente Sua orientao.

  • 23. Aos Obreiros Cristos Ao chegarmos perto do fim deste pequeno livro, gostaria de dirigir-

    me, numa palavra de exortao, aos obreiros cristos que