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EXCELENTÍSSIMO(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA COMARCA DE ITABIRITO MG A desproteção de um bem cultural aniquila as raízes formadoras de uma nação. Apunhala o povo na forma mais severa, não só a sua dignidade humana (também princípio fundamental da República) como também extirpa a própria identidade personificada do meio em que se vive - Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS , pelos Promotores de Justiça ao final assinadas, com fulcro nos artigos. 129, III, 216 e 225 da CF/88, e demais dispositivos legais abaixo invocados, embasado nos autos do Inquérito Civil nº. MPMG-0319.14.000065-8, vem à presença de Vossa Excelência propor a presente: AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO PATRIMÔNIO CULTURAL COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA Em face do MUNICÍPIO DE ITABIRITO/MG, pessoa jurídica de direito público interno, inscrita no CNPJ com o n.º 18.307.835/0001-54, a ser citado na pessoa do seu Prefeito Municipal, Sr. Alexander Silva Salvador de Oliveira, com endereço na Avenida Queiroz Júnior, n.° 635, Centro de Itabirito/MG, CEP n.° 35450-000; Pelas razões de fato e de direito adiante expendidas:

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EXCELENTÍSSIMO(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA COMARCA DE ITABIRITO – MG

A desproteção de um bem cultural aniquila as

raízes formadoras de uma nação. Apunhala o

povo na forma mais severa, não só a sua

dignidade humana (também princípio

fundamental da República) como também extirpa

a própria identidade personificada do meio em que

se vive - Celso Antonio Pacheco Fiorillo e

Marcelo Abelha Rodrigues

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, pelos

Promotores de Justiça ao final assinadas, com fulcro nos artigos. 129, III, 216 e 225 da CF/88,

e demais dispositivos legais abaixo invocados, embasado nos autos do Inquérito Civil nº.

MPMG-0319.14.000065-8, vem à presença de Vossa Excelência propor a presente:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA DO PATRIMÔNIO CULTURAL

COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA

Em face do MUNICÍPIO DE ITABIRITO/MG, pessoa jurídica de direito público

interno, inscrita no CNPJ com o n.º 18.307.835/0001-54, a ser citado na pessoa do seu

Prefeito Municipal, Sr. Alexander Silva Salvador de Oliveira, com endereço na Avenida

Queiroz Júnior, n.° 635, Centro de Itabirito/MG, CEP n.° 35450-000;

Pelas razões de fato e de direito adiante expendidas:

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I – DO OBJETO DA LIDE

O objeto da presente ação civil pública em defesa do patrimônio cultural está

circunscrito na obtenção de provimento judicial, de natureza declaratória, que afirme o valor

cultural da área referente ao Complexo Arqueológico de Arêdes, localizado no Município de

Itabirito/MG, para fins de promoção e proteção para as presentes e futuras gerações.

II - DOS FATOS

1. O local conhecido como Arêdes1 pertence ao município de Itabirito e encontra-se

implantado próximo à antiga mina de Cata Branca e ao Pico do Itabirito, integrando a região

do chamado Quadrilátero Ferrífero.

A história de Arêdes é a história da ocupação da região central de Minas Gerais e

produziu vestígios que resistiram ao tempo e são valiosos elementos para compreensão da

dinâmica social da região à época do Ciclo do Ouro.

Segundo o Relatório Final da Pesquisa Histórico-Arqueológica sobre Arêdes2,

A memória coletiva local aponta ainda para a presença da tribo

dos Aredês, Arêdes ou Aredez, grupo indígena habitante da Cadeia do

Espinhaço na altura das cabeceiras do Rio das Velhas que podem ter

sido os primeiros povoadores da região de Itabirito. Ainda, há

rumores que o topônimo local de Arêdes seja uma referência ao

sobrenome de um colonizador português. Todavia, desconhecem-se,

até o momento, quaisquer documentos que comprovem tal afirmação.

(...) a Fazenda Arêdes remonta ao primeiro quartel do século

XVIII, tendo pertencido à família Abreu. Dedicada à exploração do

ouro, a propriedade teria entrado em decadência no decorrer da

segunda metade do século XVIII. (...) A Fazenda Arêdes é citada no

Traslado do testamento do Alferes Maximo Rodrigues de Abreu,

1 Antes da colonização do território pelos portugueses, a região de Itabirito contava com a presença de várias tribos

indígenas, sendo que a origem do nome Arêdes pode estar associada à existência de uma destas tribos, ou, segundo uma outra versão, a denominação seria o sobrenome de um português que colonizou a região. 2 RELATÓRIO FINAL: Pesquisa Histórico-Arqueológica sobre Arêdes – Município de Itabirito/MG Cooperativa dos Empreendedores em Ações Culturais – Cooperativa Cultura e Laboratório de Arqueologia da Fafich/UFMG - Coordenação: Prof. Carlos Magno Guimarães.

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realizado no ano de 1817, como propriedade do Alferes adquirida de

sua mãe, Dionísia de Abreu, através de compra. O Alferes é citado por

Eschwege (1814) como proprietário da lavra Arêdes, onde

trabalhavam 16 escravos e produzia-se 50 oitavas de ouro. Em

documento datado de 1822 deu-se o auto de seqüestro dos “bens de

Manoel Roiz de Abreu, testamenteiro de Maximo Rodrigues de

Abreu”, segundo o qual a herança das propriedades localizadas em

Arêdes deveriam obrigatoriamente passar a fazer parte do cabedal de

Joaquim Dias Leite, também citado por Eschwege como proprietário

da lavra Arêdes, onde trabalhavam cinco escravos. Tratava-se de (...)

huma Fazenda com lavras, seos capoens com campos de criar, cazas

de vivenda, senzalas, capela, huma caza grande de pedra que serve de

venda, todas cobertas de telha com suas agoas respetivas (...).

Posteriormente a propriedade foi adquirida por Francisco de Sousa

Coutinho, o Conde de Linhares. Em 1832 a concessão de exploração e

lavra das minas de ouro de Arêdes foi adquirida pela empresa de

capital inglês, Brazilian Company, que explorou a região até 1844,

quando, em função de um acidente, foi fechada e vendida para a St.

John d’El Rey Mining Company, Limited, cujas atividades se

concentraram mormente na Mina de Morro Vermelho em Nova Lima.

A partir deste período Arêdes foi desativada. Somente entre fins do

século XIX as terras próximas ao Pico do Itabirito foram revalorizadas

para a extração do minério de ferro. (...)

No que se refere aos vestígios identificados, é possível dizer que os mesmos remetem

às diferentes atividades econômicas e ao cotidiano da população que habitou e explorou a área.

Considerados em grandes tipos, podem ser identificados

vestígios relacionados à atividade de mineração, como canais, arrimos

e cortes, açudes/tanques, montes de refugo/rejeito, cavas, áreas de

desmonte, mundéus, encabeçamentos de bicame; vestígios associados

à pecuária, como currais, muros de divisa e áreas de pastagem;

vestígios relacionados ao comércio, principalmente no conjunto

principal de habitação, o que foi inferido principalmente pela

documentação realizada; e vestígios associados à religiosidade, sendo a

capela o mais significativo exemplo. Foram averiguados ainda

vestígios associados à escravidão, atestados pela existência de uma

senzala, além de outros indícios que apontam para um trabalho

escravo coletivo sob um comando unificado; e vestígios que remetem

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ao cotidiano do local, localizados principalmente no entorno das

habitações. Um exemplo disso são os vestígios de um moinho (que

remete a uma atividade de transformação).

2. Desta feita, segundo o Relatório Final da Pesquisa Histórico-Arqueológica sobre

Arêdes, a área abriga um significativo conjunto de ruínas, que, associado a vários outros

vestígios arqueológicos (canais, catas, muros de contenção) permite considerá-la como um

verdadeiro “complexo arqueológico”, apresentando grande potencial para estudos e

pesquisas.

De fato, a região estudada apresenta expressivo acervo arqueológico, a maior parte

relacionada às antigas atividades de mineração de ouro, dentro do contexto do Ciclo do Ouro,

definindo sua relevância para a História de Minas Gerais, apesar do enorme impacto

provocado por mineradoras nas últimas décadas.

A relevância, entretanto, não se circunscreve ao século XVIII, adentrando pelo século

XIX no contexto da implantação das grandes mineradoras estrangeiras, como ocorreu no caso

das Minas de Cata Branca. Os vestígios arqueológicos de maior visibilidade são certamente

aqueles constituídos pelas estruturas remanescentes de antigas edificações. As ruínas de

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Arêdes, dentre as quais se destaca a capela, os currais e a provável senzala, possuem presença

marcante na paisagem impactada em que se encontram inseridas. São estruturas construídas

em alvenaria de pedras que ainda se encontram bem preservadas.

Outras importantes ocorrências arqueológicas podem ser identificadas na região, dentre

as quais pode-se destacar lavras, galerias, canais, muros, tanques, montes de rejeito e trilhas.

3. O valor cultural do Complexo Arqueológico de Arêdes é, portanto, inegável.

Expressamente, o Relatório Final da Pesquisa Histórico-Arqueológica sobre Arêdes

conclui que:

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A estratégia adotada para a prospecção arqueológica permitiu

captar a relevância do Complexo de Arêdes. A área de ocorrência dos

vestígios arqueológicos é muito maior do que aquela imaginada

inicialmente, bem como a riqueza dos vestígios nela localizados, que

são de grande expressão para estudos mais aprofundados visando

compreender a dinâmica das atividades relacionadas à mineração

colonial e provincial desenvolvida em Minas Gerais. É necessário

reafirmar a necessidade de se preservar esse sítio que guarda um

importante acervo de informações que irá contribuir para a

reconstituição do processo histórico das Minas Gerais dos séculos

XVIII e XIX.

No mesmo sentido, o Laudo Técnico n º 32/2013 produzido pela CPPC concluiu que

Deve-se considerar que o patrimônio arqueológico constitui

testemunho essencial sobre as atividades humanas do passado.

Portanto, sua preservação é indispensável não apenas em nome das

gerações futuras, como também do ponto de vista da produção do

conhecimento científico. (...)

A região que compreende a Estação Ecológica de Arêdes

apresenta elevado potencial arqueológico, sobretudo, no que diz

respeito à Arqueologia Histórica, tendo em vista que abrigou, dentre

outros, grandes empreendimentos minerários ao longo dos séculos

XVIII e XIX. Embora a região continue sendo intensamente

explorada e já tenha sofrido danos irreversíveis, os vestígios

arqueológicos remanescentes possuem inegável relevância do ponto

de vista científico-cultural. Paradoxalmente, as ocorrências

arqueológicas presentes na região, que tiveram origem a partir da

mineração, estão sob risco de impacto imediato justamente em função

da prática das atividades minerárias que ainda imperam na região. Os

interesses de exploração e aproveitamento de recursos minerais no

entorno da Estação Ecológica de Arêdes são diversos e crescentes,

comprometendo a integridade do conjunto arqueológico que nela se

encontra inserido. O Complexo Arqueológico de Arêdes possui valor

cultural, ou seja, possui atributos e significados que justificam a sua

preservação. Acumula valores paisagísticos, turísticos, históricos (de

antiguidade), de testemunho, raridade e identidade. Portanto, sugere-se

sua proteção por meio do tombamento municipal. O Poder Público,

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através desta medida, estará contribuindo para assegurar a proteção

deste importante patrimônio que se insere no universo dos bens

culturais relevantes do município de Itabirito.

O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais - IEPHA,

por meio do ofício n.° 322/2013 (fl. 54 do IC), reconheceu a necessidade de proteção do

Complexo Arqueológico de Arêdes:

(…) este Instituto por meio da Diretoria de Proteção e Memória

avaliou que, realmente, o Complexo Arqueológico de Arêdes,

Situado no Município de Itabirito, merece receber proteção não

só pelo Valor Cultural, como também para minimizar os danos

provocados pela atividade mineradora, presente na região (...)

Ainda, o laudo CEAT ID 20662573, elaborado pela Central de Apoio Técnico do

Ministério Público estabelece:

A região que compreende a Estação Ecológica de Arêdes

apresenta elevado potencial arqueológico, sobretudo, no que diz

respeito à Arqueologia Histórica, tendo em vista que abrigou, dentre

outros, grandes empreendimentos minerários ao longo dos séculos

XVIII e XIX. Embora a região continue sendo intensamente

explorada e já tenha sofrido danos irreversíveis, os vestígios

arqueológicos remanescentes, ainda que inseridos numa

paisagem profundamente impactada, possuem inegável

relevância do ponto de vista científico-cultural.

No mesmo sentido, manifestou-se o IEF4:

(...) Desta maneira, considerando a questão patrimonial,

Arêdes, visto enquanto um conjunto arqueológico, apresenta grande

potencialidade para gerar novos conhecimentos para a história do

Estado de Minas Gerais, e assim necessita de medidas que o

3 CEAT – Laudo Técnico - ID: 2066257 - SISCEAT: 16154645 – Disponível em http://patrimoniocultural.blog.br/wp-content/uploads/2018/02/Protocolo-CEAT-ID-2066257-PAAF-0024.12.007.722-7-an%C3%A1lise-da-Esta%C3%A7%C3%A3o-Ecol%C3%B3gica-de-Arêdes.pdf 4 Apud CEAT - SGDP: 2545221/CPPC: Parecer Técnico 06/2015 – Disponível em http://patrimoniocultural.blog.br/wp-content/uploads/2018/02/SGDP-2545221-Esta%C3%A7%C3%A3o-Ecol%C3%B3gica-de-Ar%C3%AAdes-EEA.pdf

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preservem de forma integral. Além de ser um patrimônio cultural,

este local também possui potencial para a realização de

pesquisas científicas voltadas para a arqueologia e recuperação

de áreas mineradas.

Ainda, o laudo técnico produzido pelo Instituto Prístino (IP. 016.2018):

A expressão deste sítio do ponto de vista arqueológico,

histórico, cultural e paisagístico é tamanha que todos os estudos

consultados formam posição unânime acerca da sua relevância e

necessidade premente de conservação, por caracterizar uma

unidade produtiva diversificada do período colonial. Os primeiros

registros históricos são de 1723, no período colonial, e também há

evidências de uso e ocupação ao longo do século XIX e XX. Foram

reconhecidos vestígios de atividades diversas que conformaram,

no passado, um núcleo produtivo e populacional expressivo a

ponto de ter sido mencionado por diversos viajantes, autoridades e

cronistas históricos.

Por este motivo, os vestígios identificados caracterizam uma

das poucas unidades arqueológicas que ainda detém sua

integridade material, contextual, sintática e paisagística na região

das minas coloniais, atual Quadrilátero Ferrífero. Por esta

completude, poderia ser considerado o testemunho arqueológico

histórico de maior expressão da região, com caracteres

representativos de outros sítios arqueológicos ao mesmo tempo

em que apresenta acentuada singularidade em relação aos demais.

Silva (2016) assim caracteriza alguns valores arqueológicos imbricados

no sítio em questão, exaltando sua relevância:

“O Complexo de Arêdes pode ser um importante testemunho

de antigas atividades agrícolas que caminhavam em paralelo com as

atividades de extração aurífera, representando um dos raros vestígios

dessa atividade e pode auxiliar a redimensionar a importância

dessas atividades na historiografia.” Silva, p.349

De se mencionar que a riqueza existente na região de Arêdes sempre foi notória na

sociedade. Em 26 de agosto de 2005, foi publicado no jornal “Gazeta de Itabirito5”, artigo

5 SANTOS, Célio dos. Gazeta de Itabirito, 26/08/2005.

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escrito por Célio dos Santos, intitulado “Região dos Arêdes – Patrimônio Natural, Ambiental,

Histórico e Turístico”, donde se extrai:

Felizmente, ainda guarda, apesar de relegada à própria sorte,

características e vestígios da era do ciclo do ouro, como catas; sítios

arqueológicos; diversas e magníficas edificações de pedras, “em

ruínas”, - dignas de pesquisa e estudos de avaliação pelo Conselho

Consultivo Municipal de Patrimônio Histórico e Artístico de Itabirito,

(que atualmente é tão bem composto por arquiteto, jurista,

historiadores e outros). Espera-se que este colendo Conselho

promova “o processo de Tombamento Municipal desta Região”,

contemplando também o entorno e não só o maciço do Pico de

Itabirito mas também as ruínas da Mina de Cata Branca. Fazendo o

necessário encaminhamento ao IEPHA e ao IPHAN para que

procedam os respectivos tombamentos estadual e nacional. Contrasta

com uma paisagem de beleza cênica, notadamente exuberante

vegetação de matas de galeria, cerrados e campos rupestres; inúmeras

“nascentes” e as de “águas minerais” que jorram naturalmente como

um poço artesiano; córregos e o “Ribeirão do Silva com água classe I,

que ó o principal tributário formador do Rio Itabirito. Essa região é

cortada pela histórica e lendária “Estrada do Prata”, que segue pelas

“Calçadas e passa defronte a Fazenda do Cocho, contornando o lado

Sul do Pico do Itabirito – Monumento natural – segue pela Fazenda

do Sapecado (hoje, com trecho interrompido pela extração do minério

da Mina do Sapecado), continuando e atravessando o córrego do

Bugre (que secou causado pela atividade mineraria, hoje com vazões

intermitentes, através de bombeamentos) ; passando pelo Arêdes em

direção à Moeda (atravessa a Br 040). Foi um importante elo de

ligação entre Itabirito e a cidade de Moeda, por onde passavam os

tropeiros transportando alimentos para abastecer os diversos garimpos

da época. Nessa região há significativas jazidas de minério de ferro e

minério de ferro com alto teor de manganês, que vem sendo

explorado de modo questionável.”

No mesmo sentido, a obra Arêdes6: Recuperação Ambiental e Valorização de um Sítio

Histórico-Arqueológico:

6 Arêdes: recuperação ambiental e valorização de um sítio histórico-arqueológico. Alenice Baeta e Henrique Piló. Belo Horizonte: Orange Editorial, 2016

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(…)

A história de Arêdes se confunde com a história da ocupação

da região central de Minas Gerais. A substituição do domínio indígena,

a sedimentação dos colonizadores, a experiência inglesa e a expansão

indiscriminada da exploração mineral representam, conforme o

tempo, mudanças nas formas de significar o espaço e de exercer o

poder.

Por isso, a conservação de suas terras e, principalmente, de

suas ruínas, longe de ser um mero fetiche preservacionista, significa a

possibilidade de compreender o passado de Arêdes e de refletir sobre

o modelo de desenvolvimento sustentável e de proteção patrimonial e

ambiental que tanto se almeja. (p. 124)

(…)

Arêdes apresenta grande relevância de ordem ecológica e

cultural, contudo ela não foge à exceção quanto às pressões políticas

para atender interesses econômicos. Devido à presença de atividades

minerárias no seu entorno, houve tentativas de buscar, através do

poder legislativo, a desafetação de partes importantes da Unidade de

Conservação em benefício da exploração mineral. (p. 352)

A preservação das origens mais antigas das populações

coloniais mineiras é fundamental para que nossa sociedade mantenha

suas referências históricas no tempo e no espaço para evitar o

desenraizamento e o esfacelamento identitário, tão marcantes no

mundo contemporâneo. Cabe ao poder público promover sua efetiva

proteção, a fim de que a sociedade mineira tenha assegurado o direito

de ter acesso tanto a um meio ambiente saudável, tanto o seu

patrimônio arqueológico.

Se os olhos são a janela da alma, as inúmeras janelas

remanescentes de Arêdes são os olhos que testemunharam as

transformações do uso e ocupação da paisagem ao longo do tempo,

de um empreendimento agrominerário baseado na mão de obra

escrava, na criação de uma unidade de conservação de proteção

integral. Segundo o arqueólogo Julian Thomas, os elementos

antrópicos de uma paisagem também fazem parte da cultura material

que tem o poder de nos provocar diversas percepções sensoriais a

partir das cores, dos cheiros, dos sons, das dimensões, das formas, etc.

(THOMAS, 2001, 2008; MACGRECOR, 2013), e a monumentalidade

do Complexo Arqueológico de Arêdes, principal atrativo dessa

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Unidade de Conservação, tem a capacidade de atrair, surpreender e

luminar.

Diante da notória relevância cultural do complexo de Arêdes, foi então elaborado um

dossiê7 para seu tombamento, que conclui que

(...) O Complexo Arqueológico de Arêdes, localizado na

Estação Ecológica de Arêdes, Zona Rural do município de

Itabirito/MG, apresenta grande valor histórico, arqueológico e

ambiental que permitem indentificá-lo com um Bem Cultural que

merece ser tombado, para que se efetive sua preservação, conservação

e valorização.

(…)

Considerando-se os riscos de impacto que a região vem

sofrendo em função da atividade das empresas mineradoras situadas

no entorno, o tombamento municipal permitirá ao Poder Público de

Itabirito atuar, ao lado do Instituto Estadual de Florestas, e do

Ministério Público Estadual como mais um parceiro, fortalecendo os

mecanismos de proteção do patrimônio Cultural.

Registre-se que o mencionado dossiê, acostado às fls. 385/533 do Inquérito Civil que

instrui a presente ação, com cópia às fls. 124/265, indica o tombamento de um perímetro de

23.266,68m e área de 1.19663ha, coincidente com a estrutura fundiária de propriedade do

Estado de Minas Gerais, delimitado pelos pontos descritos às fls. 482-verso/492-verso. O

perímetro de entorno de tombamento também foi indicado no dossiê, conforme se verifica às

fls. 494/498.

Há que se destacar que, diante da importância da região, em 14 de junho de 2010, foi

criada a Estação Ecológica de Arêdes, como uma Unidade de Conservação de proteção

integral do Estado de Minas Gerais, por meio do Decreto n.º 45.397, com área de

1.157,8556ha e perímetro de 22.523,29m, compreendida dentro dos limites do município de

Itabirito.

A Estação Ecológica de Arêdes foi criada, dentre outras finalidades, para promover o

desenvolvimento de pesquisas científicas e proteção do patrimônio arqueológico. Segundo o

artigo 4º do Decreto Estadual n.º 45.397, de 14 de junho de 2010:

7 Dossiê de Tombamento do Complexo Arqueológico de Arêdes. Elaborado por Adriana Paiva de Assis e Carlos Magno Guimarães. p. 519

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Art. 4º – São declarados essenciais aos objetivos de

conservação e manejo da Estação Ecológica de Arêdes:

I – o complexo arqueológico de Arêdes e todas as suas

ocorrências e vestígios;

II – os antigos conjuntos de ruínas das Fazendas Arêdes e

Águas Quentes: casa sede, senzala, capela e curral de pedras;

(...)

Segundo Nota Técnica para a criação da Estação Ecológica de Arêdes, elaborada pelo

IEF em junho de 2010, a inclusão de tal unidade na categoria Estação Ecológica, teve como

principais justificativas justamente:

Estudos Preliminares de Aproveitamento e Valorização

da Área, elaborados pela Fundação João Pinheiro (1976), previam a

potencialidade para a instalação de um Centro de Altos Estudos;

Recomendações contidas no Estudo de Prospecção

Arqueológica (2010), que ressaltam a necessidade de desenvolvimento

de projetos de pesquisa para que o patrimônio possa vir a ser

conhecido e sua apresentação ao público possa ser viabilizada através

da criação de uma infraestrutura adequada às visitações. Nessa

perspectiva, são fundamentais ações de recuperação ambiental e a

adoção de critérios rigorosos para evitar que a área e o patrimônio

arqueológico continuem a ser alvo de impactos destrutivos e de

vandalismo.

Possibilidade de visualização do histórico e

desenvolvimento das atividades minerárias, levando-se em conta desde

os sítios arqueológicos ali existentes (ciclo do ouro) até os processos

atuais ainda em atividade no entorno da unidade de conservação;

Existência de sítios arqueológicos e necessidade de

estudos que possibilitem sua compreensão, conservação, restauração

(quando cabível) e melhor destinação;

Ocorrências Geológicas únicas que possibilitam a

interpretação dos eventos tectônicos e vulcânicos de formação de

nosso planeta;

Inexistência de atrativos comumente destinados ao uso

público turístico em unidades de conservação;

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A criação da Estação Ecológica significou o primeiro passo para proteção de uma

unidade de extrema relevância, cuja área é de propriedade do Estado de Minas Gerais (CETEC

e IEF), sendo uma das poucas Unidades de Conservação que não apresentam problemas com

regularização fundiária.

O laudo elaborado pelo Coordenador do Laboratório de Arqueologia da

Fafich/UFMG esclarece que

A área da Estação Ecológica de Arêdes contém (em seu

espaço delimitado) um imenso acervo arqueológico que está ligado às

origens da colonização das Minas Gerais através da atividade

minerária, (que inclusive determinou o nome do próprio estado). O

referido acervo não está limitado pelo contorno da Estação ecológica,

mas ultrapassa, de muito, os seus limites. (...) Os diferentes tipos de

vestígios arqueológicos configuram um imenso conjunto o que

evidencia sua importância nos contextos da História de Minas Gerais

dos séculos XVIII e XIX. (...)

A proteção do patrimônio arqueológico contempla ainda a

possibilidade de proteção/recuperação ambiental. Determinados tipos

de vestígios arqueológicos criam espaços protegidos para a fauna e a

flora, possibilitando assim recuperação e a preservação da

biodiversidade no contexto ambiental em que estão inseridos.

Exemplos deste tipo são inúmeros na Estação Ecológica de Arêdes.

Outro aspecto que deve ser destacado: o potencial

acadêmico/educacional que a Estação Ecológica de Arêdes tem

apresentado desde sua criação. Professores da UFMG têm se

beneficiado da Estação Ecológica na condição de sítio-escola, onde

alunos de diferentes cursos têm oportunidade de estabelecer contatos

com múltiplos aspectos da realidade ambiental atual e/ou

arqueológica, que remete ao passado.

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4. No entanto, como será exposto, a criação da unidade de conservação não foi medida

suficiente para garantir a proteção deste importante patrimônio cultural mineiro, que se

encontra ameaçado.

4.1. Apesar do inegável valor cultural da região de Arêdes, o Município de Itabirito

está se esquivando de proceder ao tombamento do Complexo Arqueológico de Arêdes, por

motivos que não guardam relação com seu valor cultural.

Conforme verifica-se do Inquérito Civil Público, o Ministério Público recomendou ao

município de Itabirito - Recomendação Conjunta n.° 02/2013 - a abertura de procedimento

administrativo objetivando a efetivação do tombamento de todo o Complexo Arqueológico de

Arêdes.

Entretanto, decorridos quase cinco anos da expedição da mencionada recomendação, o

tombamento não foi efetivado pelo Município de Itabirito.

Não obstante a existência de parecer subscrito pelo Secretário Municipal de Patrimônio

Cultural e Turismo de Itabirito, manifestando-se de forma favorável à deliberação do Conselho

Deliberativo e Consultivo Municipal do Patrimônio Cultural e Natural de Itabirito quanto ao

tombamento municipal do Complexo Arqueológico de Arêdes, a Secretaria Municipal de

Patrimônio Cultural e Turismo, por meio do Memorando n.° 033/2015 (fls. 116/119),

informou à Procuradoria do Município de Itabirito que, em reunião do Conselho Deliberativo

e Consultivo Municipal do Patrimônio Cultural e Natural local, dois conselheiros

representantes do Poder Público alegaram que a realização do tombamento do Complexo

Arqueológico de Arêdes, na forma sugerida pelo dossiê, “traria um comprometimento inconveniente

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para o desenvolvimento econômico do município”. Resta patente que tais conselheiros estão subjugando

o relevantíssimo valor cultural de Arêdes ao interesse econômico de empresas mineradoras.

Em declarações prestadas junto ao Ministério Público, no dia 1° de março de 2018,

Ubiraney de Figueiredo Silva, Secretário Municipal de Cultura e Presidente do Conselho

Municipal de Patrimônio Cultural de Itabirito, ao ser indagado quanto ao valor cultural do

Complexo Arqueológico de Arêdes, “respondeu que não há dúvida sobre o valor cultural do bem, pois as

referências dizem respeito a trajetória do desenvolvimento histórico-cultural cidade.” (fl. 705-verso do IC).

Contudo, o Conselheiro Ubiraney também afirmou que não houve a devida proteção

do complexo arqueológico porque alguns conselheiros alegaram uma série de situações, “como o

raio de proteção muito grande”, sendo que “fizeram várias tentativas de diminuir essa área e os impactos que

causariam, principalmente quanto à ocupação urbana, uma vez que a cidade tem possibilidade de crescimento

para aquela região. (Fls. 705-verso e 706)

De se destacar, contudo, que a área do Complexo Arqueológico de Arêdes para a qual

se pretende tombamento pertence ao Estado de Minas Gerais e é cercada de minerações, não

havendo previsão de ocupação urbana no local.

Ao seu turno, Maura Fátima Mendonça de Goffredo Costa dos Santos, que integrou o

COMPATRI de Itabirito, em declarações prestadas ao Ministério Público, conforme fl. 707 e

verso, afirmou que “acredita que há uma confusão grande de delimitação da área do que

realmente precisa ser protegido” e “que a área é muito grande e para o conselheiro que não

tem formação técnica, é complicado definir a delimitação da área da forma como foi

apresentado”.

A ex-conselheira ainda revelou ter votado pelo tombamento isolado das estruturas

integrantes do complexo arqueológico, não por questões técnicas, mas por influência de outros

dois conselheiros, representantes do Poder Público.

Por sua vez, Antônio Marcos Generoso Cotta, Secretário Municipal de Meio Ambiente

de Itabirito e membro do COMPATRI, declarou ao Ministério Público, nos termos de fls.

708/709 do IC, que não existem dúvidas quanto ao valor cultural do complexo arqueológico

de Arêdes, mas ao ser indagado o motivo de não promover o tombamento do complexo como

um todo, respondeu apenas que os estudos realizados estariam “errados”.

Nesse mesmo sentido, Marco Aurélio Rocha, Secretário Municipal de Urbanismo de

Itabirito e membro do COMPATRI, declarou ao Ministério Público, nos termos de fls.

710/711 do IC, declarou que “nunca houve dúvida quanto ao valor cultural” do complexo

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arqueológico de Arêdes, mas “a dúvida está no motivo do tombamento de uma área tão grande”, “porque

o entorno da área é cheio de disputas, como por exemplo com relação às mineradoras que estão no entorno de

Arêdes, quais as consequências econômicas que poderiam causar ao município quanto ao tombamento da área

que se pedia”, uma vez que “o município é extremamente dependente de mineração”.

Verifica-se, portanto, que os conselheiros agem com PATENTE DESVIO DE

FINALIDADE visto que, embora reconheçam o valor cultural do Complexo Arqueológico de

Arêdes - cuja área, repita-se, pertence integralmente ao Estado de Minas Gerais -, estão

permitindo que os interesses de empresas mineradoras que querem explorar a área em proveito

próprio prevaleçam sobre os interesses da sociedade.

Não se pode deixar de ressaltar que ao deixar de reconhecer o valor cultural do

Complexo Arqueológico de Arêdes, o Município de Itabirito está abrindo mão de receita

oriunda de repasses estaduais à título de ICMS Cultural. Os interesses privados estão se

sobrepondo ao interesse público, portanto.

Ainda, tecnicamente, é necessário o tombamento de todo o Complexo Arqueológico –

o qual ainda possui áreas sequer estudadas – e não de estruturas isoladas e descontextualizadas

que, inclusive, sofrerão riscos em razão de sua fragilidade.

Não se pode olvidar que, segundo lição do Professor Carlos Magno Guimarães,

Coordenador do Laboratório de Arqueologia da Fafich/UFMG8:

O referido conjunto, do ponto de vista arqueológico, só pode

ser entendido na sua totalidade. A proposta de tombamentos

individualizados dos vestígios conforme aprovada pelo Conselho do

Patrimônio do Município de Itabirito-CONPATRI, significa a

destruição de suas conexões, eliminando qualquer possibilidade de seu

usufruto enquanto um patrimônio coletivo, enquanto um bem da

União. A proposta de tombamento individual pressupõe a ideia de que

os vestígios não são conectados/ligados/integrados em um único

grande sistema ou Complexo Arqueológico.

Em decorrência é relevante destacar que no Complexo

Arqueológico de Arêdes os vestígios que se destacam por suas

dimensões não são os únicos que devem ser contemplados para efeito

de proteção. Todos os vestígios pouco visíveis são tão importantes

8 Carlos Magno Guimarães - Contra a destruição do Patrimônio Arqueológico e Ambiental da Estação Ecológica de Arêdes – 16/03/2018

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quanto os demais. Na realidade, eles estabelecem a conexão entre os

demais vestígios configurando o grande sistema aqui denominado

Complexo Arqueológico. Esta constatação permite afirmar que o

tombamento individualizado é um despropósito e uma agressão a um

bem público, cuja destruição será uma perda irreparável. Cabe lembrar

que o Patrimônio Arqueológico pertence também às gerações futuras,

não cabendo aos atuais mandatários o direito de destrui-lo.

É nesse mesmo sentido o teor do Parecer Técnico n.° 03/2018, elaborado pelo Setor

Técnico da Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e

Turístico de Minas Gerais:

Deste modo, fica evidente que patrimônio arqueológico deve ser

tratado sob a perspectiva de conjunto, considerando a articulação

entre vestígios e estruturas inseridos em um todo. O tratamento

isolado de estruturas arqueológicas certamente compromete a

compreensão da totalidade do sítio, na medida em que não considera a

interação entre todos os elementos que o compõem, fragmentando o

sistema.

(…)

Por todo o exposto, conclui-se que, seria impróprio

tecnicamente o tombamento isolado das estruturas arqueológicas que

compõem a Estação Ecológica de Arêdes, na medida em que estão

intrinsecamente articuladas. A retirada de uma delas do contexto de

proteção fragmentará o sistema, comprometendo sua leitura como um

todo.

Some-se a isso o fato de que o patrimônio arqueológico é um

recurso cultural frágil e não renovável e que os projetos de

desenvolvimento constituem uma das maiores ameaças físicas a sua

integridade. Deste modo, as estruturas arqueológicas ficam sujeitas à

destruição caso sejam praticadas nas suas proximidades atividades

causadoras de impacto.

Sendo assim, para proporcionar uma proteção efetiva ao

patrimônio arqueológico, recomenda-se que a poligonal de

tombamento do sítio histórico abranja todas as estruturas

identificadas, bem como as áreas atualmente preservadas que se

encontram entre as mesmas, sem descontinuidades, de forma

coincidente com a poligonal da unidade de conservação estação

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ecológica de Arêdes descritas pelo Decreto nº 45.397, de 14 de junho

de 2010, e alterada pela Lei nº 19.555, de 09 de agosto de 2011.

Ainda, o laudo técnico do Instituto Prístino (016.2018):

(...) Assim, o conjunto de vestígios listado a seguir deve ser

considerado parte integrante e fundamental à manutenção e

conservação arqueológica, histórica, cultural e estrutural do

Complexo de Arêdes. A desconsideração das relações existentes

entre os sítios registrados separadamente extirpa o Complexo de

seus significados históricos e culturais e resultaria numa avaliação

subestimada das perdas decorrentes da desafetação da Estação

Ecológica. Destaca-se a importância de se tratar o contexto

arqueológico regional da forma mais abrangente possível. Com isto

garante-se proteção e visibilidade aos vestígios arqueológicos

associados a Arêdes, não somente nas áreas onde se encontram as

ruínas de maior visibilidade como também nas demais áreas de

uso no passado, para quaisquer atividades.

4.2. Ademais, segundo apurado no incluso Inquérito Civil Público, apesar de sua

inquestionável relevância, o patrimônio arqueológico existente na Estação Ecológica de Arêdes

sofre sérias ameaças de destruição.

A ação das intempéries e as intervenções antrópicas, relacionadas às atividades

minerárias contemporâneas, são os principais fatores que podem ser apontados como

responsáveis pelo profundo impacto sofrido pela paisagem da região. O Relatório Final da

Pesquisa Histórico-Arqueológica sobre Arêdes9 aponta que

Tal como acontece no Pico do Itabirito, o patrimônio cultural

existente na localidade de Arêdes também se encontra ameaçado pela

ação das empresas mineradoras, especialmente por se implantar em

terrenos com proeminente potencial mineral. O impacto destrutivo

ocasionado ao patrimônio histórico-arqueológico foi brutal,

considerando-se que muito se perdeu sem que tivesse sido conhecido.

Através de um levantamento prévio realizado em Arêdes no ano de

9 RELATÓRIO FINAL: Pesquisa Histórico-Arqueológica sobre Arêdes – Município de Itabirito/MG Cooperativa dos Empreendedores em Ações Culturais – Cooperativa Cultura e Laboratório de Arqueologia da Fafich/UFMG - Coordenação: Prof. Carlos Magno Guimarães.

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2008, foram evidenciados vestígios arqueológicos na forma de

remanescentes de edificações, incluindo-se uma capela, uma fazenda e

uma possível senzala, além de antigas estruturas de mineração.

Merece ser ressaltada a situação da antiga senzala, que teria sido utilizada como

alojamento de trabalhadores das empresas mineradoras, sofrendo diversas intervenções

descaracterizantes. O telhado da referida edificação encontra-se coberto por telhas de amianto

e em seu interior foram construídas pequenas instalações sanitárias. Diversos objetos de uso

cotidiano, tais como colchões, cadeiras e mesas, encontram-se acumulados no local, que conta

ainda com a presença de telhas e madeiras depositadas em seu interior.

4.3. Ainda, tem havido várias tentativas de retirar a proteção ao Complexo

Arqueológico Arêdes conferida pela instituição da Unidade de Conservação Estação Ecológica

em seu território, o que demonstra o risco que o bem cultural corre e a necessidade de seu

reconhecimento e proteção por outras formas.

Em 2011, a Lei Estadual nº. 19.555, autorizou a redução dos limites da E.E. Arêdes,

para a instalação da Estrada de ligação Mina do Pico - Mina Fábrica, pelo empreendedor Vale

S.A. Em 2013, a E.E. Arêdes teve seus limites alterados pelo Decreto nº 46.322, de 30 de

setembro de 2013, fragmentando a UC em três glebas.

Nova tentativa de alteração dos limites da Estação Ecológica de Arêdes ocorreu com a

Proposição de Lei nº 22.287, que foi vetada pelo Governador do Estado em 06 de agosto de

2014. O veto do Governador foi rejeitado pela Assembleia Legislativa que, em 22 de dezembro

de 2014, promulgou a Lei nº 21.555, alterando os limites e confrontações da estação ecológica

estadual, cuja superfície foi dividida em 3 (três) glebas.

Foi proposta ação direta de inconstitucionalidade face à Lei nº 21.555/2014 (ADI nº

0507085-21.2015.8.13.000). Em 27 de janeiro de 2016, foi deferida a liminar para suspender a

eficácia da lei. Em 22 de fevereiro de 2017, foi declarada a inconstitucionalidade da Lei

Estadual 21.555/2014, tendo sido publicado o dispositivo do acórdão em 24 de março de

2017.

Os fortes interesses econômicos antagônicos com a necessidade de proteção daquele

que é importante patrimônio cultural mineiro provavelmente estão por trás da Lei Estadual nº.

22.796, promulgada em 28 de dezembro de 2017, que novamente alterou os limites e

confrontações da Estação Ecológica Estadual de Arêdes (EEA). De acordo com a Lei

Estadual nº. 22.796/2017, os limites da Estação Ecológica foram fracionados em três sub-

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regiões: Gleba I, Gleba II e Gleba III, tal qual era previsto na inconstitucional Lei nº

21.555/2014.

Cinco conjuntos arqueológicos encontram-se inteiramente localizados na área

desafetada e perderam a proteção conferida pela Unidade (Conjuntos 02, 03, 04, 05 e

15). Destes, destaca-se que os Conjuntos 02 (cata/lagoa), 03 (habitação) e 04 (provável forja

de ferro) estão entre aqueles fundamentais à criação da UC. Os conjuntos 01 (que caracteriza

as ruínas principais, Fazenda Arêdes pilares da criação da UC) e 07 tiveram mais de

50% de sua área desafetada (64,42% e 50,28% respectivamente). Já os conjuntos 06, 09 e

11, por sua vez, tiveram menos de 50% de sua área desafetada (37,33%, 40,10% e 46,91%,

respectivamente). Em síntese, cerca de 60% da área desafetada corresponde a sítios

arqueológicos, sendo que as maiores perdas estão concentradas naqueles conjuntos

arqueológicos que motivaram a criação da Estação Ecológica de Arêdes, especialmente as

ruínas principais da fazenda Arêdes, a antiga cata de mineração, a habitação e a forja de ferro.

Não se pode deixar de mencionar que houve abaixo-assinado popular com mais

de 1200 (um mil e duzentas) assinaturas de cidadãos contrários à desafetação da

estação ecológica e consequente destruição do Complexo Arqueológico.

4.4. Além disso, conforme consta da certidão de fl. 831, não obstante a existência de

recomendação do Ministério Público em sentido contrário, a Agência Nacional de Mineração,

autarquia que substituiu o Departamento Nacional de Mineração, recentemente permitiu a

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abertura de processos para concessão de títulos minerários em áreas inseridas no Complexo

Arqueológico de Arêdes.

Eventual permissão para mineração na área põe em risco o patrimônio cultural

arqueológico mineiro e brasileiro, em favor tão somente dos interesses econômicos das

empresas.

A sociedade mineira não pode ser lesada por conduta de tal jaez.

5. A desproteção perpetrada pelo Pode Público até o presente momento – por meio da

desconstituição da Unidade de Conservação em parte do Complexo Arqueológico, o que já foi

declarado inconstitucional; bem como pela inércia do Conselho Municipal de Patrimônio

Cultural de Itabirito – mostra a necessidade de atuação do Poder Judiciário para proteção do

bem cultural.

Por tudo isso, busca-se com a presente Ação Civil Pública a imposição ao réu o

cumprimento de suas obrigações legais acerca da preservação e conservação do Patrimônio

Cultural local, com a realização do tombamento do Complexo Arqueológico de Arêdes, em

Itabirito/MG.

III - DO DIREITO

A) Patrimônio Cultural – Patrimônio Cultural Arqueológico – Importância

1. O patrimônio cultural tem importância cada vez maior para as sociedades. Muito

mais que cimento, madeira, aço e formas arquitetônicas visíveis de um tempo já esquecido, os

bens culturais exprimem valores de cidadania que foram agregados e cultivados pelas gerações

que constituíram, de maneira dinâmica, a comunidade.

Flávio de Lemos Carsalade ensina que

São os bens históricos que, também, nos orientam quando

percorremos nossas cidades, através dos marcos arquitetônicos, por

exemplo, ou que nos referenciam quando fruímos a nossa cultura ou

quando compartilhamos nossa memória comum. Faz parte ainda

dessa função social a consolidação de uma identidade coletiva, a qual

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faz reconhecer-nos como elos de uma comunidade e que estimula

nossos laços efetivos e de cidadania10.

Essa necessidade de se preservar a memória, nos dizeres de James M. Fitdi11, “é um

fenômeno no mundo contemporâneo e responde à necessidade das pessoas restabelecerem

algum contato vivencial com a evidência material de seu próprio passado. A validade desse

processo não pode ser questionada”.

A proteção ao patrimônio cultural, que objetiva a tutela de interesses pertencentes ao

gênero humano, trata-se de direito transindividual difuso, uma vez que pertence a todos ao

mesmo tempo em que não pertence, de forma individualizada, a qualquer pessoa, não sendo

juridicamente admissível qualquer lesão a tal bem jurídico.

Neste sentido, merece menção a Carta do México de 1982, resultante da Conferência

Mundial sobre as Políticas Culturais do ICOMOS - Conselho Internacional de Monumentos e

Sítios, que estabelece:

A cultura constitui uma dimensão fundamental do processo de

desenvolvimento e contribui para fortalecer a independência, a

soberania e a identidade das nações. O crescimento tem sido

concebido frequentemente em termos quantitativos, sem levar em

conta a sua necessária dimensão qualitativa, ou seja, a satisfação das

aspirações espirituais e culturais do homem. O desenvolvimento

autêntico persegue o bem-estar e a satisfação constantes de cada um e

de todos. (...) Só se pode atingir um desenvolvimento equilibrado

mediante a integração dos fatores culturais nas estratégias para

alcançá-lo; em consequência, tais estratégias deverão levar sempre em

conta a dimensão histórica, social e cultural de cada sociedade.

Também, a Declaração sobre Responsabilidades das Gerações Presentes para as

Futuras Gerações adotada em 12 de novembro de 1997 pela Conferência Geral da UNESCO,

em sua 29ª sessão, prevê

Artigo 5 – Proteção do meio ambiente (...)

10 CARSALADE, Flávio de Lemos. A Ética das Intervenções. Artigo disponível em Mestres e Conselheiros. Manual de Atuação dos Agentes do Patrimônio cultural. Belo Horizonte: IEDS, 2009, p.78. 11 FITDI, James M. Preservação do Patrimônio Arquitetônico, publicações do Curso de Preservação do Patrimônio Ambiental Urbano - USP, São Paulo, 1981, p. 61

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4. As gerações presentes devem considerar possíveis consequências

para as gerações futuras de grandes projetos, antes de esses serem

executados.

A Constituição da República de 1988 afirmou a pluralidade cultural brasileira e

demarcou o conceito de patrimônio cultural, passando a salvaguardar os bens de natureza

material e imaterial, individualmente ou em conjunto, que se referem à identidade, à ação e à

memória dos diferentes grupos que compõem a Nação brasileira:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de

natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em

conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos

diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se

incluem:

I - as formas de expressão;

II - os modos de criar, fazer e viver;

III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;

IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais

espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,

paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e

científico12.

Veja-se que para além dos sítios pré-históricos, que detém vestígios de produções

humanas pré-cabralinas, a Constituição Brasileira assegura expressa proteção, indistintamente,

a todos os sítios arqueológicos, lato sensu, entre os quais se encontram os sítios arqueológicos

históricos, que detém vestígios de produção humana no período pós-descobrimento.

2. O patrimônio arqueológico13 constitui o registro básico das atividades humanas

passadas. A sua proteção e a sua correta gestão são, por isso, essenciais para permitirem aos

arqueólogos e a outros estudiosos estudarem e interpretarem-nas, tendo em vista as gerações

atual e futuras e o seu benefício.

12 Idêntica redação é encontrada no artigo 3º da Lei de Política Cultural do Estado de Minas Gerais - Lei Estadual 11.726/94. 13 Segundo a Carta de Lausanne (1990): Artigo 1. Definição e introdução O "patrimônio arqueológico" é a parte do nosso patrimônio material para a qual os métodos da arqueologia fornecem os conhecimentos de base. Engloba todos os vestígios da existência humana e diz respeito aos locais onde foram exercidas quaisquer atividades humanas, às estruturas e aos vestígios abandonados de todos os tipos, à superfície, no subsolo ou sob as águas, assim como aos materiais que lhes estejam associados.

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De fato, o conhecimento e a compreensão das origens e do desenvolvimento das

sociedades humanas é de fundamental importância para a identificação das suas raízes culturais

e sociais. Assim, o patrimônio arqueológico constitui legado das gerações do passado,

representada pelos vários segmentos formadores da sociedade nacional, e a geração presente

não pode interromper esse legado às gerações futuras.

A Carta Patrimonial de Nova Delhi, na Índia (1956), traz a recomendação advinda da

conferência geral da UNESCO sobre os princípios internacionais a serem aplicados em matéria

arqueológicas, estipulando:

4. Cada Membro-Estado deveria garantir a proteção de seu

patrimônio arqueológico, levando em conta, especialmente, os

problemas advindos das pesquisas arqueológicas e em concordância

com as disposições da presente recomendação.

5. Cada Estado-Membro deveria, especialmente: (...) f)

dedicar-se ao estabelecimento de critérios de proteção legal dos

elementos essenciais de seu patrimônio arqueológico entre os

monumentos históricos.

Posteriormente, com a divulgação da Carta de Lausanne14 (1990) sobre a proteção e a

gestão do patrimônio arqueológico, fica mais concreta a percepção do conceito de patrimônio

arqueológico. Essa mesma Carta reconhece o patrimônio arqueológico como uma riqueza

cultural frágil e não renovável, e, quanto à legislação, prevê:

A proteção do patrimônio arqueológico deve ser considerada

uma obrigação moral de cada ser humano. Mas é também uma

responsabilidade pública coletiva. Esta responsabilidade deve traduzir-

se pela adoção de uma legislação adequada e pela garantia de fundos

suficientes para financiar, eficazmente, os programas de conservação

do patrimônio arqueológico.

A legislação deve garantir a conservação do patrimônio

arqueológico em função das necessidades da história e das tradições de

cada país e de cada região, dando especial relevo à conservação "in

situ" e aos imperativos da investigação.

14 Documento internacional aprovado na Convenção do ICOMOS/ICAHM (Intern acional Committee of Monuments and Sites) da UNESCO, em 1990, que enuncia recomendações e princípios voltados para a proteção e a gestão do patrimônio arqueológico.

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A legislação deve assentar na ideia de que o patrimônio

arqueológico é uma herança de toda a humanidade e de grupos

humanos, e não de pessoas individuais ou de nações em particular.

Sobre manutenção e conservação, a Carta Patrimonial estabelece que

O objetivo fundamental da conservação do patrimônio

arqueológico deverá ser a manutenção "in situ" dos monumentos e

sítios, compreendendo a sua conservação a longo prazo e o cuidado

dispensado aos respectivos arquivos, colecções, etc. Qualquer

translação viola o princípio segundo o qual o patrimônio deve ser

conservado no seu contexto original. Este princípio acentua a

necessidade de operações de manutenção, de conservação e de gestão

adequadas.

Trata-se, portanto, de importante patrimônio cultural, reconhecido mundialmente, e

que, por sua importância, é passível de proteção por meio do tombamento.

De fato, a lei inaugural de proteção ao Patrimônio Cultural brasileiro - qual seja, o

Decreto Lei 25/37, ainda vigente não obstante dependente de leitura conforme a Constituição

– prevê expressamente a possibilidade de tombamento do patrimônio arqueológico,

estabelecendo, inclusive, a existência de livro próprio para inscrição dos bens:

Art. 1º Constitui o patrimônio histórico e artístico nacional o

conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja

conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos

memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor

arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico.

(...)

Art. 4º O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional possuirá quatro Livros do Tombo, nos quais serão inscritas

as obras a que se refere o art. 1º desta lei, a saber:

1) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e

Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica,

etnográfica, ameríndia e popular, e bem assim as mencionadas no § 2º

do citado art. 1º.

B) Proteção do patrimônio cultural: dever de todos os Poderes do Estado

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As constantes transformações em curso em nossa sociedade, que a cada momento

possuem maior velocidade e intensidade, conduzem à necessidade premente de proteção ao

meio ambiente cultural, sob pena de não podermos repassá-lo às futuras gerações.

De fato, os bens naturais e culturais sofrem ameaças não apenas decorrentes do ciclo

natural de vida, pelas causas tradicionais de degradação, mas principalmente devido à evolução

no modo de viver e de produzir riquezas.

A preservação desses bens constitui tarefa sempre instigante e demanda procedimento

conciliatório com o desenvolvimento socioeconômico de forma a, harmonicamente, manter-se

a qualidade do meio ambiente, o equilíbrio ecológico e de se resguardar a memória das

tradições representada pelos bens materiais e imateriais.

Diante do fato de que a degradação ou desaparecimento de um bem do patrimônio

cultural e natural constitui empobrecimento nefasto do patrimônio de todos os povos -

conforme defende o preâmbulo da Convenção para a proteção do Patrimônio Mundial

Cultural e Natural da UNESCO, de 197215 -, os bens de valor histórico, paisagístico e cultural

encontram proteção especial na Constituição da República (artigo 23) e na Constituição do

Estado de Minas Gerais (artigo 11), cabendo ao Poder Público com a colaboração da

comunidade, a sua preservação e, se necessário, a repressão ao dano e a ameaça àquele referido

patrimônio:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do

Distrito Federal e dos Municípios: (...)

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor

histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais

notáveis e os sítios arqueológicos;

IV - impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de

obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou

cultural;

Dispõe o Artigo 30, inciso IX, da Constituição da República, que “compete ao

Município promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e

a ação fiscalizadora federal e estadual”.

Ainda estabelece a Carta Magna que

15 Convenção ratificada pelo Brasil por meio do Decreto Lei 74, promulgado pelo Decreto 80.978

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Art. 166 - O Município tem os seguintes objetivos prioritários:

(...)

V - estimular e difundir o ensino e a cultura, proteger o

patrimônio cultural e histórico e o meio ambiente e combater a

poluição;

3. Por seu turno, a Constituição do Estado de Minas Gerais dispõe:

Art. 207 - O Poder Público garante a todos o pleno exercício

dos direitos culturais, para o que incentivará, valorizará e difundirá as

manifestações culturais da comunidade mineira, mediante, sobretudo:

(...)

VI - adoção de ação impeditiva da evasão, destruição e

descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico,

científico, artístico e cultural;

Especificamente no tocante ao município de Itabirito, ao qual complexo Arqueológico

de Arêdes faz parte, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do

Estado de Minas Gerais dispõe que:

Art. 83 - A lei estabelecerá, sem prejuízo de plano permanente,

programas de emergência que resguardem o patrimônio cultural

do Estado de Minas Gerais, notadamente o das cidades de

Mariana, Ouro Preto, Sabará, São João Del-Rei, Serro, Caeté, Pitangui,

Tiradentes, Minas Novas, Itapecerica, Campanha, Paracatu, Baependi,

Diamantina, Januária, Santa Bárbara, Grão-Mogol, Conceição do Mato

Dentro, Santa Luzia, Estrela do Sul, Prados, Itabirito, Congonhas,

Nova Era, Lagoa Santa, Barão de Cocais, Itabira, São Tomé das

Letras, Chapada do Norte e o de outros núcleos urbanos que

contenham reminiscências artísticas, arquitetônicas e históricas do

século XVIII.

4. A Lei de Política Cultural do Estado de Minas Gerais - Lei Estadual 11.726/94

dispõe:

Art. 2º - A política cultural do Estado compreende o conjunto

de ações desenvolvidas pelo poder público na área cultural e tem

como objetivos: (...)

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III - proteger os bens que constituem o patrimônio cultural

mineiro;

(...)

Art. 5º - O Estado zelará pela preservação dos bens,

tomados isoladamente ou em conjunto, que se relacionem com a

história, a arquitetura e a arte em Minas Gerais e que sejam

representativos da cultura mineira em suas diversas manifestações,

contextos e épocas.

Art. 6º - As ações do Estado relativas aos bens de valor

histórico, artístico, arquitetônico e paisagístico levarão em conta a

diversidade das formas de manejo do patrimônio e serão dirigidas

para:

I - a preservação das edificações e dos conjuntos arquitetônicos

ameaçados pela expansão imobiliária, sobretudo nos grandes centros

urbanos;

II - a compatibilização das necessidades de proteção dos bens

com as de expansão urbana, sobretudo nas cidades de médio e

pequeno porte; (...)

5. Em Itabirito, a legislação Municipal também reconhece a importância do patrimônio

Cultural e necessidade de sua proteção e preservação.

5.1. A Lei Municipal n.º 2.466, de 14 de dezembro de 2005, que institui o Plano Diretor

de Itabirito, estabelece de forma bem clara que:

Artigo 3º. - São também princípios fundamentais do Plano

Diretor:

(...)

II- a preservação do meio ambiente natural e cultural do

Município;

(…)

§ 1º. - A cidade cumprirá a sua função social quando assegurar

como direitos de todo cidadão o acesso à moradia, transporte público,

saneamento básico, energia elétrica, iluminação pública, saúde,

educação, cultura, creches, lazer, segurança pública, espaços e

equipamentos públicos e a preservação do Patrimônio Cultural.

Artigo 5º. - São objetivos do Plano Diretor de Itabirito:

I- ordenação do crescimento do Município, em seus aspectos

físicos, econômicos, sociais, ambientais, culturais e administrativos;

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II- pleno aproveitamento dos recursos administrativos,

financeiros, naturais, culturais e comunitários do Município,

respeitando a capacidade de suporte dos recursos naturais e as

características culturais, históricas e sociais locais;

(…)

V- preservação do Patrimônio Cultural do Município, nos

termos do que reza o artigo 216 da Constituição Federal de 1988;

Artigo 11 - A intervenção do Poder Público para submeter o

exercício do direito da propriedade urbana ao interesse coletivo, tem

como finalidade:

(…)

V- condicionar a utilização do solo urbano aos princípios de

proteção ao meio ambiente e de valorização do Patrimônio Cultural;

Artigo 13 - Integram o Plano Diretor, as diretrizes, normas

gerais e demais instrumentos legais que regerão a política de

desenvolvimento sustentável do Município e a ordenação do seu

território, visando, em termos gerais:

(…)

VI- proteger o Patrimônio Cultural, compatibilizando o

desenvolvimento urbano com a proteção do meio ambiente, através

da racionalização do patrimônio natural, histórico-cultural e

construído, promovendo sua conservação e recuperação em benefício

das gerações atuais e futuras;

Artigo 30 - As diretrizes de Política Urbana do Município de

Itabirito, em consonância com o disposto no Estatuto da Cidade e em

complementação às atribuições da União sobre a matéria e sem

prejuízo do que determina a legislação superior, são as seguintes:

(…)

XII- Preservar e valorizar o Patrimônio Cultural de Itabirito, no

âmbito da política de desenvolvimento municipal e da Política Urbana,

em consonância com o disposto no inciso XII do artigo 2º. do

Estatuto da Cidade.

5.2. A Lei Orgânica Municipal, por sua vez, estabelece que:

Art. 10 - São objetivos prioritários do Município:

(…)

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V - estimular e difundir o ensino e a cultura, protegendo o

patrimônio cultural, histórico e o meio ambiente e combater a

poluição;

Art. 12 - É da competência administrativa comum do

Município, da União e do Estado, observada a Legislação

Complementar Federal, o exercício das seguintes medidas:

(…)

V - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor

histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais

notáveis e os sítios arqueológicos;

Art. 160 - O Município estimulará o desenvolvimento das

ciências, das artes, das letras e da cultura em geral, observado o

disposto na Constituição Federal.

§1º - Compete ao Município a preservação de nossa História e

seu ensino.

(…)

§5º - Ao Município cumpre proteger os documentos, as obras e

outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as

paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos através de:

(…)

VIII - o Município, com a colaboração da comunidade,

protegerá o patrimônio histórico religioso e cultural municipal, através

de inventário, pesquisas e vigilância e, com a supervisão das

autoridades religiosas locais, colaborará na preservação do patrimônio

religioso da cidade e dos distritos, com assistência dos órgãos

governamentais competentes nas diversas esferas de governo, na

forma da lei.

a) a alienação onerosa de bens tombados, fica sujeita ao direito

de preempção do Município de Itabirito, na forma da lei.

IX – todo o acervo histórico de Itabirito, será preservado de

acordo com estudos técnicos dos órgãos governamentais competentes

nas diversas esferas de governo.

6. Pelo exposto, conclui-se que o legislador dispensou tratamento especial impondo ao

Poder Público com a colaboração da sociedade o dever solidário de proteger e assegurar

nossos bens culturais preservando suas singularidades e da responsabilidade de transmiti-los,

na plenitude de sua integridade, as gerações vindouras.

A doutrina assim se manifesta:

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Configurando direito fundamental de todo cidadão, bem de uso

comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida das gerações

presentes e futuras, incumbe irrenunciavelmente ao Poder Público nas

três esferas de governo, a promoção, proteção e preservação do

patrimônio cultural.

Em decorrência do princípio da supremacia do interesse difuso

sobre os interesses público e privado, compete ao Poder Público os

inafastáveis deveres de proteção e preservação do meio ambiente

cultural.

A defesa do patrimônio cultural atribuído ao Poder Público não

se restringe apenas ás funções de promoção, proteção e preservação,

mas também passam pelo controle preventivo e pela Administração

Pública, posto que não somente o uso e ocupação do solo estão sob o

crivo ordenador, censório e limitador do Poder Público, vez que o

controle oficial é estendido a toda e qualquer intervenção,

empreendimento, atividade, obra ou serviço potencialmente

modificador das características físicas, químicas, bióticas, culturais,

estéticas, arquitetônicas, paisagísticas, arqueológicas e antrópicas dos

bens do patrimônio ambiental cultural.

A atuação controladora do Poder Público mais se sobressai nas

hipóteses de existência de monumentos arqueológicos e pré-

históricos, pesquisados ou não, bem como de bens tombados em

processo de tombamentos, porquanto intervenções potencialmente

alteradoras de seus elementos característicos necessitam de prévia e

expressa autorização do Poder Público16.

Segundo Lúcia Reisewitz17, a promoção do acesso à cultura, que depende também da preservação

dos bens culturais, é um serviço público por determinação da Constituição. Neste sentido, leciona a Autora:

A partir do momento que os bens culturais são considerados

como bens coletivos relevantes para o direito, faz-se necessário que a

administração pública, quer municipal, estadual ou federal, controle e

reprima as atividades potencialmente degradadoras desses bens. Isso

16 FIGUEIREDO, Herberth Costa. O município e a Tutela do Patrimônio Ambiental Cultural. Revista do Ministério Publico do Estado do Maranhão. São Luis, n 14, jan./dez. 2007. p.124-126 17 P.124

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implica o controle da iniciativa privada e do poder público por meio

de autorizações, licenças, vigilância, fiscalizações etc.

O Poder Público tem o poder/dever de intervir na preservação

dos bens culturais, cumprindo uma de suas funções, sob pena de ser

omisso, de promover o desrespeito à norma jurídica. Estamos com

PAULO AFFONSO LEME MACHADO, para quem “a intervenção

estatal é obrigatória”. E ainda afirma que: “Em decorrência dessa

intervenção, o próprio Poder Público haverá de se limitar, tombando

seus próprios bens, e limitará os bens privados, dentro das fronteiras

dessa mesma Carta.”18.

C – Proteção ao Patrimônio Cultural pelo Poder Judiciário – Reconhecimento

do valor cultural: ato declaratório

Indene de dúvida a necessidade de o Poder Público – Executivo, Legislativo e

Judiciário - reconhecer e adotar medidas para a proteção do patrimônio cultural.

Essa proteção do patrimônio cultural será promovida pelo Poder Público, por meio da

adoção de formas diversas de acautelamento e preservação. A preservação não possui uma

única face, devendo traduzir-se, em verdade, num conjunto de ações que devem ser tomadas

visando à manutenção da memória de uma população com referência a fatos e dados

históricos.

O reconhecimento de um bem como parte integrante da cultura de um povo -

elemento formador da noção de cidadania, da consciência coletiva e da ideia de pertencimento

a uma comunidade - é uma dessas formas de garantir a proteção.

A Professora Sônia Rabello de Castro (1991) dedicou capítulo de introdução para

asseverar sobre a importância do tema, ensinando que19:

Comumente costuma-se entender e usar como se sinônimos

fossem os conceitos de preservação e de tombamento. Porém é

importante distingui-los, já que diferem quanto a seus efeitos no

mundo jurídico, mormente para a apreensão mais rigorosa do que seja

o ato de tombamento. Preservação é o conceito genérico. Nele

18 p. 123 19 CASTRO, Sônia Rabello de. O Estado na Preservação de bens Culturais. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, P.05.

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podemos compreender toda e qualquer ação do Estado que vise a

conservar a memória de fatos ou valores culturais de uma Nação. É

importante acentuar este aspecto já que, do ponto de vista normativo,

existem várias possibilidades de formas legais de preservação. A par da

Legislação, há também as atividades administrativas do Estado que,

sem restringir ou conformar direitos, caracterizam-se como ações de

fomento ou têm como consequência a preservação da memória.

Portanto, o conceito de preservação é genérico, não se restringindo a

uma única lei, ou forma e preservação específica.

Como ensina a melhor doutrina:

Afinal, nada impede que um bem tenha acentuado valor

cultural, mesmo que ainda não reconhecido ou até mesmo se negado

pelo administrador; quantas vezes não é o próprio administrador que

agride um bem de valor cultural?!

O tombamento, na verdade, é um ato administrativo complexo:

de um lado, declara ou reconhece a preexistência do valor cultural do

bem; de outro, constitui limitações especiais ao uso e à propriedade do

bem. Quanto ao reconhecimento em si do valor cultural do bem, o

tombamento é ato meramente declaratório e não constitutivo desse

valor; pressupõe este último e não o contrário, ou seja, não é o valor

cultural que decorre do tombamento20.

De fato, a efetividade que se exige da Constituição Federal em um Estado Democrático

de Direito, por sua vez, não pode admitir que a realização dos valores constitucionalmente

determinados fique submetida ao bel prazer daqueles encarregados de seu cumprimento,

alternando-se conforme as vontades dos governantes de ocasião.

No caso dos autos, o ajuizamento da presente Ação Civil Pública decorre da

constatação, diante do até agora narrado e provado, da necessidade da intervenção do Poder

Judiciário como última linha de defesa da integridade do patrimônio cultural de Itabirito e,

mais especificamente, do Complexo Arqueológico de Arêdes.

De fato, se não for reconhecido o valor cultural do Complexo Arqueológico de Arêdes,

nada impedirá sua destruição por terceiros.

20 MAZZILI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo - meio ambiente, consumidor e patrimônio cultural. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991. três. ed. revis. ampl. e atual. p. 85.

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Busca-se, portanto, assegurar a efetividade das normas constitucionais e

infraconstitucionais citadas.

O ordenamento jurídico brasileiro reconhece a possibilidade de o Poder

Judiciário declarar o valor cultural de um bem e especialmente protegê-lo, ao prever

como crime as condutas de destruir, inutilizar ou deteriorar bem especialmente

protegido por decisão judicial e de alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local

especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor

paisagístico, ecológico, turístico, histórico, cultural ou monumental, consoante art. 62 e art. 63 da Lei nº

9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais):

Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:

I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo

ou decisão judicial;

II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação

científica ou similar protegido por lei, ato administrativo ou decisão

judicial:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses

a um ano de detenção, sem prejuízo da multa.

Art. 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local

especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão

judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico,

artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou

monumental, sem autorização da autoridade competente ou em

desacordo com a concedida:

Desta feita, se é crime alterar o aspecto de local especialmente protegido por decisão

judicial, bem como destruir bem especialmente protegido por decisão judicial, é cogente se

admitir que pode o Poder Judiciário declarar um local ou bem como de interesse cultural e,

portanto, como especialmente protegido, independentemente da decisão dos demais Poderes

do Estado.

Assim é a lição de Edis Milaré:

Como se disse, e não faz mal repetir, o reconhecimento de

que determinado bem tem valor cultural não é privativo do

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Poder Legislativo ou do Executivo, podendo também ser

emanado do Poder Judiciário.

Essa a linha preconizada pela Lei nº 7.347/85, que tornou

possível a inclusão de bens no patrimônio cultural brasileiro por meio

de decisão judicial, independentemente do critério administrativo.

Aliás, pode ocorrer que a falta de proteção de tais bens decorra

exatamente da omissão do poder público, ou seja, do ato de

tombamento, de forma que, se esse fato ocorre, é através da ação civil

pública que os legitimados buscarão a necessária tutela jurisdicional. A

propósito não custa lembrar que o tombamento não constitui, mas

apenas declara a importância cultural de determinado bem, motivo

pelo qual mesmo coisas não tombadas podem ser tuteladas em ação

civil pública.

Realmente, a identificação do valor cultural de um bem não

emerge da mera criação da autoridade, visto que ele já tinha existência

histórica no quadro da sociedade. O fato de um bem determinado

pertencer ao patrimônio cultural ou, como diz a lei, ser bem ou direito

'de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico', pode ser

provado no curso da ação civil pública e referendado por provimento

jurisdicional"21.

A lição do professor e promotor de justiça do Estado de Minas Gerais Marcos Paulo

de Souza Miranda é no seguinte sentido:

Hodiernamente, em casos de omissão do Poder Público no

dever de zelar pela integridade dos bens culturais, é incontroversa a

possibilidade de se buscar a proteção de determinado bem através de

um provimento emanado do Poder Judiciário.

Ao Poder Judiciário, a quem incumbe, por força de preceito

constitucional, apreciar toda e qualquer lesão ou ameaça de direito,

também é dada a tarefa de dizer do valor cultural de determinado bem

e ditar regras de observância obrigatória, no sentido de sua

preservação ante a omissão do proprietário e do poder público22.

21 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p.193 22 MIRANDA, Marcos Paulo de Souza – Tutela do Patrimônio Cultural Brasileiro – Doutrina – Jurisprudência – Legislação – Ed. Del Rey 2006, pg. 177/178

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É importante repetir: a Constituição da República de 1988, ao tratar do tombamento

(art. 216, §1º da CF/88), elenca outras formas de proteção como os inventários, registros,

vigilância e desapropriação, ressaltando não serem tais instrumentos os únicos hábeis a tal

proteção.

No tocante aos instrumentos para essa proteção, a nossa Carta Magna estabelece que a

preservação, conservação e manutenção dos bens pertencentes ao patrimônio cultural não é

mera faculdade e sim uma imposição de ordem pública e interesse social em prol do bem

coletivo:

§1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e

protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários,

registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas

de acautelamento e preservação.

Por seu turno, a Constituição do Estado de Minas Gerais dispõe:

Art. 209 - O Estado, com a colaboração da comunidade,

protegerá o patrimônio cultural por meio de inventários, registros,

vigilância, tombamento e desapropriação, de outras formas de

acautelamento e preservação e, ainda, de repressão aos danos e às

ameaças a esse patrimônio.

Ou seja, a Constituição cita como exemplo cinco instrumentos de proteção ao

patrimônio cultural e deixa espaço para que outras formas de acautelamento e preservação

sejam também utilizadas. Assim, conclui-se, por exemplo, que o tombamento – o mais antigo e

conhecido instrumento de proteção no Brasil – é apenas uma das muitas formas de

preservação de um bem que possui valor cultural. Entretanto, a preservação não possui uma

única face, traduzindo-se, em verdade, num conjunto de ações que podem ser tomadas pelo

Poder Público ou mesmo por particulares que visem à manutenção da memória dos grupos

formadores da nação brasileira. Em cada caso concreto deve ser verificado qual o melhor

instrumento para a proteção específica do bem, não havendo uma predeterminação abstrata.

De fato, o próprio texto constitucional destaca outras formas de acautelamento e

preservação ao patrimônio cultural como o direito de petição (art. 5º, XXXIV, "a", da CF), a

ação popular (art. 5º, LXXIII, da CF) e a ação civil pública (art. 129. inc. III LXXIII, da CF).

A Ação Civil Pública, aponta a melhor doutrina, é o instrumento correto à consecução

deste mister:

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Além da defesa de outros interesses difusos e coletivos, cuida

expressamente a Lei n° 7.347/85 da defesa em juízo dos bens e

direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, a

que se vem convencionando chamar em doutrina de patrimônio

cultural (artigo 1°, III, da Lei da Ação Civil Pública). A Constituição

de 1988, nos seus artigos 215-6, alargou bastante a abrangência dos

interesses culturais, que evidentemente passam a merecer proteção

também por via judicial.23

Discorrendo acerca desta última, José dos Santos Carvalho Filho ensina:

Importante e moderno instrumento protetivo é a ação civil

pública, regulada pela Lei n. 7.347, de 24.07.85. O grande objetivo da

lei é a proteção dos interesses coletivos e difusos da sociedade, ou seja,

aqueles interesses transindividuais que têm natureza indivisível e que

hoje são objeto de profundos estudos e debates dentro da doutrina

moderna.

Segundo o art. 1º, III, desse diploma, são protegidos pela ação

civil pública, dentre outros direitos de valor artístico, estético,

histórico, turístico e paisagístico, podendo ser postulado pelo autor

pedido condenatório (mandamental ou pecuniário) e constitutivo. Em

relação ao patrimônio público, o mais comum é que as pessoas

legitimadas para a ação formulem pedido no sentido de que o Poder

Público, réu, faça ou deixe de fazer alguma coisa, ou, em outras

palavras, seja condenado a diligenciar para a proteção do bem ou

abster-se de conduta que vise à sua destruição ou mutilação, isso

independentemente de prévio ato de tombamento24.

Destaque-se que a existência ou não de tombamento realizado pelo Poder Executivo

não pode ser erigida a óbice ao acolhimento, pelo Poder Judiciário, de pretensões veiculadas

com fins a proteção deste bem, mormente quando a ameaça de dano decorre exatamente da

ação de um dos entes federativos competentes tanto para o tombamento quanto para a

proteção do bem.

23 Hugo Nigro Mazzilli, A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 5ª edição, revista, ampliada e atualizada, 1993, Editora Revista dos Tribunais, pág. 102 24 Manual de Direito Administrativo, 5ª ed., Lumen Juris, 1999, p. 551

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Neste sentido, o escólio do nunca assaz citado Hugo Nigro Mazzilli:

Fica claro, no exame da legislação, que tanto se protege o

patrimônio público tombado como o não tombado. Em caso de

tombamento, temos proteção administrativa especial. Sempre que o

legislador, por qualquer razão, quis exigir tombamento, ele o

explicitou claramente. Na Lei 7.347/85, entretanto, o legislador não

limitou a proteção jurisdicional de valores culturais apenas aos bens

tombados - e seria rematado absurdo se o fizesse.

Afinal, nada impede que um bem tenha acentuado valor

cultural, mesmo que ainda não reconhecido ou até mesmo se negado

pelo administrador; quantas vezes não é o próprio administrador que

agride um bem de valor cultural?!

O tombamento, na verdade, é um ato administrativo complexo:

de um lado, declara ou reconhece a preexistência do valor cultural do

bem; de outro, constitui limitações especiais ao uso e à propriedade do

bem. Quanto ao reconhecimento em si do valor cultural do bem, o

tombamento é ato meramente declaratório e não constitutivo desse

valor; pressupõe este último e não o contrário, ou seja, não é o valor

cultural que decorre do tombamento25.

E continua:

Admitir que necessário fosse o prévio tombamento para

posterior defesa em juízo, seria, na verdade, tornar inócua na maioria

das vezes a proteção jurisdicional. Se só bens tombados (definitiva ou

provisoriamente) pudessem ser protegidos pela ação civil pública, por

absurdo nem mesmo uma cautelar, dita satisfativa, destinada a impedir

um dano iminente, poderia ser proposta, se o bem de valor cultural

não estivesse tombado... Frustrar-se-ia o escopo das leis, seja o da Lei

n. 7.347/85 (que cuida não só da reparação do dano, como de sua

prevenção), seja até mesmo o escopo da Constituição da República

(cujo art. 216, § 4º, prevê punição não só pelos danos, como pelas

próprias situações de risco causadas ao patrimônio cultural).

Além do mais, partindo do raciocínio de que o bem tenha valor

cultural para a comunidade, titulares deste interesse são os indivíduos

25 MAZZILI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo - meio ambiente, consumidor e patrimônio cultural. São Paulo, Revista dos Tribunais, 1991. três. ed. revis. ampl. e atual. p. 85.

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que compõem a coletividade (por isso que o interesse é difuso). Ora,

seria inadmissível impedir, por falta de tombamento, o acesso ao

Judiciário para proteção a valores culturais fundamentais da

coletividade. Não há nenhuma exigência da lei condicionando a defesa

do patrimônio cultural ao prévio tombamento administrativo do bem,

que, como se viu, é apenas uma forma administrativa, mas não sequer

a única forma de regime especial de proteção que um bem de valor

cultural pode ensejar.26

10. Assim, perfeitamente viável a petição veiculada na presente Ação Civil Pública de

reconhecimento pelo Poder Judiciário do valor cultural e histórico do Complexo Arqueológico

de Arêdes, bem como da imposição de medidas em prol de sua conservação. É o que se pede.

D) DO PERIGO DE DANO – NECESSIDADE DA TUTELA DE

URGÊNCIA

Por todo exposto até então, mostra-se cogente o deferimento de pedido de TUTELA

DE URGÊNCIA, nos termos do art. 300 e seguintes do NCPC.

1. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o magistrado atenderá aos fins sociais e às

exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e

observando a proporcionalidade, a razoabilidade e a eficiência.

2. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a

probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, podendo o

Juiz determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória (art.

300 do NCPC).

Para tanto, exige o Código de Processo Civil, no seu artigo 300, o preenchimento dos

seguintes requisitos:

• Probabilidade do direito;

• Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação;

• Risco ao resultado útil do processo.

26 MAZZILI, Hugo Nigro, obra cit., p. 86.

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2.1 No presente caso, a probabilidade do direito advém das disposições

constitucionais e infraconstitucionais que determinam a proteção ao Patrimônio Cultural, os

documentos internacionais, mencionados na inicial, somados à certeza do valor cultural do

bem.

O valor cultural do Complexo Arqueológico de Arêdes está exaustivamente

comprovado por meio dos diversos documentos e laudos técnicos que instruem a inicial da

ACP, quais sejam:

- Relatório Final: Pesquisa Histórico-Arqueológica sobre Arêdes – Município de

Itabirito/MG Cooperativa dos Empreendedores em Ações Culturais – Cooperativa Cultura e

Laboratório de Arqueologia da Fafich/UFMG - Coordenação: Prof. Carlos Magno Guimarães;

- Laudo Técnico n º 32/2013 produzido pela Coordenadoria das Promotorias de

Justiça de Defesa do Patrimônio Cultura e Turístico – CPPC;

- Laudo Técnico CEAT ID 2066257, elaborado pela Central de Apoio Técnico do

Ministério Público do Estado de Minas Gerais;

- Laudo técnico elaborado pelo Instituto Prístino (016.2018);

- Parecer Técnico n.° 03/2018, elaborado pelo Setor Técnico da Coordenadoria das

Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais – CPPC;

- Dossiê de Tombamento do Complexo Arqueológico de Arêdes. Elaborado por

Adriana Paiva de Assis e Carlos Magno Guimarães;- Livro Arêdes: recuperação ambiental e

valorização de um sítio histórico-arqueológico. Alenice Baeta e Henrique Piló. Belo Horizonte:

Orange Editorial, 2016;

Ademais, o valor cultural foi reconhecido documentalmente pelo IEPHA, IEF e

Conselho Municipal de Patrimônio Cultura de Itabirito. Porém, este reconhecimento não se

deu formalmente, o que garantiria efetivamente a proteção.

O valor intrínseco, também conhecido como valor de existência, refere-se ao valor que

a coisa tem simplesmente por aquilo que é. Neste sentido, o valor cultural intrínseco é o valor

atribuído pelas sociedades a algum aspecto do ambiente físico, em virtude do seu significado

social, da importância daquele bem para a memória, história ou identidade social. O valor

intrínseco dos bens de valor cultural consubstancia um testemunho de civilização e que todos

têm o dever de salvaguardar e transmitir às gerações futuras.

Considerando que o valor cultural de um bem emerge historicamente da sociedade, o

Poder Público apenas reconhece e declara esse valor quando realiza tombamento, inventário

ou o registro de um bem. Isto significa que pode haver bens com valor cultural já conferido

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pela sociedade, porém, sem reconhecimento formal pelo Poder Público. Este é o caso dos

autos.

Essa omissão – que pode ser imputada aos agentes que compõem o Poder Público -,

no entanto, não pode ser causa da inércia desse mesmo Poder Público em realizar atos

materialmente necessários para evitar a destruição do bem cultural.

2.2. Por seu turno, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação

está representado pelas sérias ameaças de destruição sofridas ao longo dos anos pela Estação

Ecológica de Arêdes, por meio da ação das intempéries e das intervenções antrópicas,

relacionadas às atividades minerárias contemporâneas, devidamente descritas no Relatório

Final da Pesquisa Histórico-Arqueológica sobre Arêdes.

Somam-se a isso as diversas tentativas de desafetação da Estação Ecológica de Arêdes,

motivadas pelo interesse econômico das atividades minerárias.

Conforme demonstrado acima, a E.E.A. teve seus limites reduzidos por meio da Lei

Estadual nº. 19.555/2011 e pelo Decreto nº 46.322/2013. Posteriormente, a Lei Estadual nº

21.555/2014, promulgada em 22 de dezembro de 2014 (declarada inconstitucional por meio

da ADI nº 0507085-21.2015.8.13.000) e a Lei Estadual nº. 22.796, promulgada em 28 de

dezembro de 2017, alteraram os limites e confrontações da Estação Ecológica Estadual de

Arêdes (EEA), colocando em risco iminente o patrimônio arqueológico e cultural do

Complexo Arqueológico de Arêdes. O mapa abaixo demonstra que importantes estruturas

arqueológicas estão na área agora desafetada, ficando vulneráveis à degradação.

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O interesse minerário da área em questão pode ser visualizado por meio da tabela

constante do Laudo técnico elaborado pelo Instituto Prístino (016.2018), que destaca os títulos

minerários outorgados pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM, 2017),

inseridos na área desafetada da Estação Ecológica de Arêdes por meio da Lei Estadual nº.

22.796/2017.

Abaixo, tabela demonstrando os novos pedidos de exploração mineral na área do

Complexo Arqueológico de Arêdes que se pretende proteger:

Título

Minerário

Titular Fase Substância Última atualização no sítio

ANM

811903/1971 Minas Mineração Aredes

Ltda

Concessão de

Lavra

Ferro Conc Lav/barragens Declar

condição estabilidade

protocolizado em 08/01/2018

831218/2014 Elétrica Help Ltda Requerimento de

pesquisa

Ferro Cumprimento exigência

protocolizada em 05/03/2018

833358/2006 José Francisco Pereira da

Silva de Pádua

Autorização de

pesquisa

Ferro Alvará de retificação solicitado

em 26/02/2018

831964/1999 Gilberto Transporte Ltda Autorização de

Pesquisa

Manganês Documento diverso

protocolizado em 21/11/2017

2.3. Ainda, há risco ao resultado útil do processo visto que, desprotegida, a área pode

ser degradada, de forma que o patrimônio arqueológico e cultural estarão irremediavelmente

comprometidos.

3. Ademais, a necessidade de concessão da tutela de urgência é cogente em razão dos

princípios do direito ambiental da precaução e da prevenção, norteador da tutela do meio

ambiente e segundo o qual deve ser dada prioridade às medidas que evitem o nascimento ou

continuidade do dano ao meio ambiente cultural, de modo a reduzir ou eliminar as causas

de ações suscetíveis de alterar a sua qualidade.

Por essas razões, nas ações versando sobre o meio ambiente em seus aspectos natural,

cultural e urbano, o exame das liminares, considerando que o dano é muitas vezes irreparável,

deve ser orientado pelo brocardo “in dubio pro cultura”, prevalecendo tal preocupação em

detrimento dos interesses econômicos ou particulares.

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Conforme ensina Luiz Guilherme Marinoni27:

Admitir-se o desenrolar de um contraditório que evidencia a existência

de uma situação ilícita, retirando-se do juiz o poder de conferir a tutela

jurisdicional adequada para a respectiva cessação, é desconsiderar não

só o espírito das normas em questão, como também o fato de que elas

objetivam evitar, inclusive em nome da garantia de importantes

direitos protegidos constitucionalmente, a degradação da tutela efetiva

do direito”.

4. Por isso, requer o Ministério Público a concessão da tutela de urgência, sem

oitiva da parte contrária, para que:

A) Seja, reconhecendo-se o valor cultural do Complexo Arqueológico de Arêdes - nos

limites e termos do dossiê de tombamento elaborado pelo Município de

Itabirito/MG (fls. 385/533 do Inquérito Civil) -, declarado desde já o conjunto

como área especialmente protegida (art. 62 da Lei 9605/98), e/ou

B) desde já havendo fundados indícios do valor cultural do Complexo Arqueológico

de Arêdes, seja proibida a prática de atos tendentes à destruição, inutilização

ou deterioração (art. 62 da Lei 9605/98) da área compreendida nos limites e

termos do dossiê de tombamento elaborado pelo Município de Itabirito/MG (fls.

385/533 do Inquérito Civil), bem como determinado ao réu que não expeça

qualquer autorização, licença ou anuência para atividade tendente a destruir,

inutilizar ou deteriorar o local especialmente protegido (Complexo Arqueológico de

Arêdes no perímetro estabelecido na declaração de valor cultural).

IV. DOS PEDIDOS

Isto posto, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, nos termos previstos no

artigo 129, III, da Constituição Federal e artigo 5º, da Lei Federal nº. 7.347/85, dentre outros

dispositivos, vem requerer:

27 Tutela inibitória individual e coletiva. 2000. São Paulo: RT, p. 129-130.

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1 - Seja o réu citado, e intimado para a audiência de conciliação ou de mediação na

forma do art. 334, do Código de Processo Civil, com a maior brevidade possível; ou, não

desejando autocomposição, para apresentação de contestação no prazo legal.

2 – Após devido processo legal, confirmando a tutela de urgência eventualmente

deferida, seja declarado o valor cultural do Complexo Arqueológico de Arêdes - nos

limites e termos do dossiê de tombamento elaborado pelo Município de Itabirito/MG (fls.

385/533 do Inquérito Civil) - e reconhecido o conjunto como área especialmente

protegida (art. 62 da Lei 9605/98).

3 - Seja determinada a averbação da sentença declaratória na matrícula de todos os bens

imóveis atingidos pela declaração, nos termos do art. 246 da Lei de Registros Públicos.

4 - Seja o Município réu condenado a:

a) exercer vigilância permanente no Complexo Arqueológico de Arêdes,

bem como a exercer o Poder de Polícia Administrativo, impedindo

qualquer ato tendente à destruição, demolições e/ ou mutilações no

conjunto protegido;

b) Não expedir qualquer autorização, licença ou anuência para

destruir, inutilizar ou deteriorar o local especialmente protegido

(Complexo Arqueológico de Arêdes no perímetro estabelecido na

declaração de valor cultural), sob pena de multa diária no valor de R$

100.000,00 (cem mil reais), contada da data da emissão do ato até seu

desfazimento, a ser revertida em favor do Fundo Estadual do Ministério

Público – FUNEMP (conta corrente 6167-0 da agência 1615-2 do Banco

do Brasil);

c) Ultimar o processo de tombamento do Complexo Arqueológico de

Arêdes - nos limites e termos do dossiê de tombamento elaborado pelo

Município de Itabirito/MG e nos estudos que instruem esta ação, sem

fracionamento do complexo arqueológico – com a devida inscrição do

bem no Livro dos Tombos Municipal respectivo.

5 - Seja o réu condenado ao pagamento de honorários, periciais e demais despesas

extraordinárias que se façam necessárias para a instrução.

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6 - Seja invertido o ônus da prova, como regra de procedimento, a teor do disposto no

artigo 6º, inciso VIII c/c artigo 117, ambos do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº.

8.078/90), artigo 373 do NCPC e do princípio da prevenção.

7 - A intimação pessoal do Ministério Público do Estado de Minas Gerais de todos os

atos e termos processuais, nos termos do art. 41, inc. IV, da Lei 8.625/1993 e do art. 180 c/c

183, §1o, do CPC.

O autor provará os fatos acima articulados por todos os modos probatórios em direito

admitidos, incluindo pericial, documental, testemunhal, por depoimento pessoal, entre outros,

caso necessário complementar a prova documental produzida e encartada com a presente.

Finalmente, observando-se que o autor está isento recolher custas processuais, nos

termos do artigo 18 da Lei Federal nº 7.347/85, atribui à causa para efeitos fiscais – não

obstante inestimável – o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), para efeitos fiscais.

Itabirito, 10 de abril de 2018.

Vanessa Campolina Rebello Horta

Promotora de Justiça

Curadora do Patrimônio Cultural de Itabirito

Giselle Ribeiro de Oliveira

Promotora de Justiça

Coordenadora das Promotorias de Justiça de

Defesa do

Patrimônio Cultural de MG

Andressa de Oliveira Lanchotti

Promotora de Justiça

Coordenadora do Centro de Apoio de Meio

Ambiente – CAOMA

Francisco Chaves Generoso

Promotor de Justiça

Coordenador Regional das Promotorias de

Defesa do Meio Ambiente das Bacias dos

Rios das Velhas e Paraopeba