exmo. sr. juiz federal da vara federal da seÇÃo...

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Página1 EXMO. SR. JUIZ FEDERAL DA ______VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO CAPITAL DEPUTADO ESTADUAL FERNANDO CAPEZ, brasileiro, casado, procurador de justiça licenciado, deputado estadual por São Paulo e em pleno exercício do mandato, portador da cédula de identidade Registro Geral nº 12.513.382-0, inscrito no CPF/MF sob nº 082.383.778-54, domiciliado nesta Capital na Avenida Pedro Álvares Cabral, nº 201 Gabinete n° 1.042, cidadão brasileiro, portador do titulo de eleitor nº 79.799.001-83, da 006ª zona, Seção 0197, estando na plenitude de seus direitos eleitorais e políticos, vem, com fundamento no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal e art. 1º e seguintes da Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965, propor a presente AÇÃO POPULAR, pelo procedimento ordinário, com pedido de concessão de TUTELA ANTECIPADA, em face do BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL (BNDES), empresa pública federal, CNPJ 33.657.248/0001-89, com sede à Avenida República do Chile, 100, Rio

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EXMO. SR. JUIZ FEDERAL DA ______VARA FEDERAL DA

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO – CAPITAL

DEPUTADO ESTADUAL FERNANDO

CAPEZ, brasileiro, casado, procurador de justiça licenciado, deputado

estadual por São Paulo e em pleno exercício do mandato, portador da

cédula de identidade Registro Geral nº 12.513.382-0, inscrito no

CPF/MF sob nº 082.383.778-54, domiciliado nesta Capital na Avenida

Pedro Álvares Cabral, nº 201 – Gabinete n° 1.042, cidadão brasileiro,

portador do titulo de eleitor nº 79.799.001-83, da 006ª zona, Seção

0197, estando na plenitude de seus direitos eleitorais e políticos, vem,

com fundamento no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal e art. 1º e

seguintes da Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965, propor a presente

AÇÃO POPULAR, pelo procedimento ordinário, com pedido de

concessão de TUTELA ANTECIPADA, em face do

BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO

ECONÔMICO E SOCIAL (BNDES), empresa pública federal, CNPJ

33.657.248/0001-89, com sede à Avenida República do Chile, 100, Rio

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de Janeiro – RJ, pelos fundamentos de fato e de direito adiante

expostos.

I. RESUMO DA CAUSA

Conforme recentemente noticiado pela imprensa, o

BNDES financiou US$ 802 milhões (mais de 2 bilhões de reais) para a

primeira fase da modernização do “Porto de Mariel”, em Cuba, e que

para a segunda fase desse projeto o BNDES fornecerá mais US$ 290

milhões (mais de R$ 700 milhões).

O Brasil é um país com infinitas carências, em

absolutamente todas as áreas (inclusive, claro, portos). Usar dinheiro

público para dar empréstimos com juros subsidiados para uma ditadura

estrangeira, ao invés de investir esse recurso no próprio Brasil, afronta

os princípios da moralidade, da razoabilidade no uso do patrimônio

público e da eficiência, com evidente desvio de finalidade.

Tal negócio é tão contrário ao interesse do povo

brasileiro que o governo determinou SIGILO para todas as operações

relativas a esse empréstimo.

É contra o empréstimo já feito, o empréstimo que se

vai fazer e o sigilo de ambos que se volta a presente ação.

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II. COMPETÊNCIA

É de competência da Justiça Federal toda e qualquer

ação que envolva o BNDES, ora réu, dado tratar-se de empresa pública

federal, conforme determina seu próprio estatuto (doc. ).

Assim determina a Constituição Federal a respeito da

competência da Justiça Federal:

Art . 109. Aos ju ízes federa is

compete processar e ju lgar :

I - as causas em que a União ,

ent idade autárqu ica ou empresa públ ica federa l

fo rem int eressadas na cond ição de auto ras, rés,

ass ist ent es ou oponentes, exceto as de fa lênc i a, a s

de ac identes de t raba lho e as su je it a s à Just iça

Ele ito ral e à Just iça do Traba lho ;

De forma complementar, a Lei 4.717/65 determina:

Art . 5º Confo r me a o r igem do ato

impugnado , é competente para conhecer da ação ,

processá- la e ju lgá- la o ju iz que , de aco rdo com a

o rganização jud ic iár ia de cada Est ado, o fo r para

as causas que int eressem à União , ao Dist r it o

Federa l, ao Est ado ou ao Munic íp io .

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O art. 2º da Lei n. 7.347/85 fixou como foro competente

para julgamento das causas envolvendo ofensa a interesse difuso,

aquele em que se verificou o dano.

Por outro lado, conforme já decidiu o Superior Tribunal

de Justiça, “havendo na comarca do local do dano, vara da Justiça

federal, a ela competirá decidir a causa em que haja interesse da

União ou das entidades federais mencionadas” (RSTJ 44/409; no

mesmo sentido: RSTJ 50/30).

O próprio BNDES informa seu endereço fica nesta

Capital do Estado do Rio de Janeiro (doc. ). Assim, é inequívoca a

competência da Justiça Federal, em primeira instância, na presente

Comarca.

III. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL PARA ESTA AÇÃO

POPULAR

Dizem o art. 1º da Lei 4.717, de 29 de junho de 1965 e

seu parágrafo primeiro, que regula a Ação Popular:

“Art . 1º Qua lquer c idadão será

par t e leg ít ima para p le it ear a anu lação ou a

dec laração de nu lidade de atos le sivos ao

patrimônio da União , do Dist r it o Federa l, dos

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Estados, dos Munic íp io s ( . . . ) ou de qua isquer

pessoas jur íd icas ou ent idades subvenc io nada s

pe los co fres públicos .

§ 1º - Cons ideram- se pat r imô nio

públ ico para os fins re fer id os nest e ar t igo , os

bens e di reitos de valor econômico, ar t íst ico ,

est ét ico , histó r ico ou tur íst ico . ”

(Gr ifamos) .

O próprio contrato é ilegal:

Art . 4º São t ambém nu los os

segu int es atos ou cont ratos, prat icados ou

ce lebrados por quaisquer das pessoas o u

ent idades re fer idas no art . 1º .

. . .

I I - A operação bancár ia ou

de créd ito real, quando :

a) fo r rea lizada co m

desobed iênc ia a no rmas lega is, regu lamentares,

est atut ár ias, reg imenta is ou int ernas ;

A “escolha” da empresa que realizou as obras também é

ilegal, porque usou dinheiro público brasileiro (mesmo que fora do

território nacional) sem a necessária licitação:

Art . 4º São t ambém nu los os

segu int es atos ou cont ratos, prat icados ou

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ce lebrados por quaisquer das pessoas ou

ent idades re fer idas no art . 1º .

. . .

I II - A empre it ada, a t arefa e

a concessão do serviço público , quando :

a) o respect ivo cont rato

houver s ido ce lebrado sem prévia concorrênc ia

públ ica ou administ rat iva, sem que essa cond ição

se ja est abe lec ida em le i, regu lamento ou norma

gera l;

b) no ed it a l de concorrênc ia

fo rem inc lu ídas c láusu las ou cond ições, que

compro metam o seu carát er compet it ivo ;

c) a concorrênc ia

admin ist rat iva fo r processada em cond ições que

impliquem na limit ação das poss ib i l idades

no r mais de compet ição .

O sigilo imposto ao empréstimo e a todas as matérias

correlatas infringe a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11). Veja-

se o que dizem seus artigos mais relevantes para a matéria:

Ar t . 5 º. É dever do Estado

garant i r o di reito de acesso à informação, que

será franqueada, med iante proced imentos

objet ivos e áge is, de fo rma t ransparente, clara e

em linguagem de fác i l co mpreensão .

. . .

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Art . 7º. O acesso à info r mação de

que t rat a est a Le i compreende, ent re out ros, o s

d ire it o s de obter :

I - or ient ação sobre os

procedimentos para a consecução de acesso , be m

como sobre o loca l onde poderá ser encont rada ou

obt ida a info r mação almejada ;

I I - info r mação cont ida e m

reg ist ros ou documentos, produzidos ou

acumulados por seus ó rgãos ou ent idades,

reco lhidos ou não a arquivos públ icos ;

I I I - info r mação produzida ou

custodiada por pessoa fís ica ou ent idade pr ivada

decorrente de qua lquer víncu lo co m seus ó rgãos

ou ent idades, mesmo que esse víncu lo já t enha

cessado ;

IV - info r mação pr imár ia, ínt egra,

aut ênt ica e atua lizada ;

V - informação sobre at ividades

exercidas pelos órgãos e ent idades, inclusive as

re lat ivas à sua polí t ica, organização e

serviços;

VI - informação pert inente à

administração do pat rimônio público,

ut i lização de recursos púb licos, lici taçã o,

contratos administ rat ivos;

. . .

Já a Constituição Federal determina:

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Art . 5º Todos são igua is perante a

le i, sem d ist inção de qua lquer natureza,

garant indo -se aos bras i le iros e aos est range iros

res identes no Pa ís a inv io labi l idade do d ire ito à

vida, à l iberdade, à igua ldade, à segurança e à

propr iedade, nos t ermos segu int es:

. . .

LXXIII - qualquer cidadão é parte

legít ima para propor ação popular que vise a

anular ato lesivo ao pat rimônio púb lico ou de

ent idade de que o Estado part icipe, à

mora lidade administrat iva, ao meio ambiente e

ao pat r imô nio histó r ico e cu ltura l, f icando o

auto r, sa lvo comprovada má - fé, isento de cust as

jud ic ia is e do ônus da sucumbênc ia ;

E mais ainda:

“Art . 37. A admin ist ração pública

d iret a e indireta de qua lquer dos Poderes da

União , dos Est ados, do Dist r it o Federa l e dos

Munic íp io s obedecerá aos princípios de

lega lidade, impessoa lidade, mora lidade,

publicidade e eficiência e , t ambém, ao segu int e:

. . . ”

A Constituição Federal também proíbe, de maneira

expressa, que haja “acordos secretos” com outros países, bem como que

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tais acordos onerosos sejam feitos pelo poder executivo – dado que tal

matéria é de competência exclusiva do Congresso Nacional:

Ar t . 49. É da competênc ia

exc lus iva do Congresso Nac iona l:

I - reso lver de f in it ivamente sobre

t rat ados, acordos ou atos int ernac io na is que

acarret em encargos ou compromissos gravosos ao

pat r imônio nac io na l;

. . .

Evidente, portanto, o cabimento da ação popular para o

caso presente.

O autor informa, todavia, que não tem como requerer as

certidões e documentos relativos a esses empréstimos, como

ordinariamente lhe seria possível, nos termos dos §§ 4º, 5º, 6º e 7º do

artigo 1º da Lei 4.717/65, porque foi determinado, de forma ilegal e

ilegítima, o SIGILO de toda a documentação relativa à matéria – o que,

de resto, também é objeto da presente ação, conforme adiante se

demonstrará.

IV . LEGITIMIDADES ATIVA E PASSIVA

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0

O autor é cidadão brasileiro e eleitor, com capacidade

eleitoral plena e, portanto, tem legitimidade para a presente ação,

conforme fazem prova os documentos juntados, em cumprimento ao

disposto no art. 1º, § 3º, da Lei n. 4.717/65 (doc. ______).

Logo, tendo em vista a dupla condição de brasileiro e

eleitor do autor, tem ele a condição de fiscalizar à proteção do

patrimônio cultural, como o faz por meio desta ação popular.

E, conforme dispõe o art. 6º da Lei da Ação Popular, são

partes legítimas para figurar no pólo passivo da ação popular as pessoas

públicas ou privadas que houverem praticado o ato lesivo ao

patrimônio, ou ainda, por omissão tiverem dado oportunidade à lesão,

além dos beneficiários diretos do mesmo ato.

O autor entende que a União Federal não deve ser parte,

já que o empréstimo saiu do BNDES e o sigilo a respeito do assunto

está sendo mantido também pelo BNDES; a ordem para tal sigilo partiu

de um ministério, é verdade, mas a execução da ordem ocorre no

BNDES. Caso, porém, não seja esse o entendimento de V. Exa., requer-

se seja intimada a União para informar se deseja participar como

assistente, ou que seja concedido prazo de cinco dias para emenda da

inicial, caso se entenda que ela deve participar como litisconsorte.

Veja-se o ensino de Antônio Cláudio da Costa Machado:

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1

“A garantia constitucional da ação popular

se encontra no direito brasileiro desde a Carta de 1934,

exceção feita à de 1937, e significa uma das mais notáveis

formas de controle e fiscalização das atividades do Estado

pelo povo. Sob o prisma processual, pode-se afirmar que a

ação popular significa a realização do escopo político da

jurisdição de permitir aos indivíduos a participação nos

destinos da sociedade, assegurando-lhes a liberdade.

...

Destaque-se, por outro lado, que a nota

marcante da ação popular se encontra na legitimação ad

causam que a própria norma constitucional confere a qualquer

cidadão para buscar em juízo a defesa dos bens acima

referidos. Temos para nós, contrariamente ao pensamento

majoritário, tratar-se de legitimação ordinária do cidadão

brasileiro e não extraordinária (ou substituição processual),

haja vista que todo cidadão possui o direito subjetivo

constitucional material de anular oato lesivo ao patrimônio

público e também o direito de ação para tanto; o autor popular

não defende o direito de outrem, mas o seu próprio, que é,

igualmente, o direito de cada cidadão.”1

Não resta dúvida, portanto, de que estão corretamente

definidos os polos ativo e passivo na presente ação.

1 MACHADO, Antonio Cláudio da Costa. Normas Processuais Civis Interpretadas da Constituição

Federal. São Paulo, Ed. Juarez de Oliveira, 2001, pp. 20/21.

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V. A ILEGALIDADE E A IMORALIDADE DO

EMPRÉSTIMO DO BNDES

Como dito, foi amplamente anunciado pela própria

Presidente da República que o BNDES financiou US$ 802 milhões

(mais de 2 bilhões de reais) para a primeira fase da modernização do

“Porto de Mariel”, em Cuba, e que para a segunda fase desse projeto o

BNDES fornecerá mais US$ 290 milhões (mais de R$ 700 milhões).

Tenhamos em mente antes de tudo: o BNDES é um

banco PÚBLICO, que usa dinheiro PÚBLICO para fornecer

empréstimos a juros subsidiados. “Juros subsidiados” também podem

ser entendidos como “juros muito abaixo dos juros de mercado”.

Quem paga, porém, para que esse dinheiro possa ser

emprestado com “juros muito abaixo dos juros de mercado”? O povo

brasileiro, com o sacrifício extraído de uma das cargas tributárias mais

altas do mundo – e, sabidamente, também um dos países em que a

aplicação desses recursos está entre as piores do mundo.

Em recente pesquisa avaliando “valor dos impostos”

contra “retorno dado à população” o Brasil ficou simplesmente em

ÚLTIMO lugar. A nossa relação “imposto / benefícios” é, apenas, a

PIOR DO MUNDO.

Então, desse muito que é tirado do trabalhador, e do

pouquíssimo que volta para ele, uma parte é encaminhada para o

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3

BNDES, para que o banco possa fornecer empréstimos a juros

subsidiados. Esses empréstimos, por óbvio absoluto, para que haja um

mínimo de respeito à moralidade no uso do dinheiro público, têm de ser

usados para financiar tudo aquilo que seja diretamente do interesse do

povo brasileiro.

Lamentavelmente, a história recente mostra que tem

ocorrido exatamente o oposto. Esse dinheiro subsidiado com o suor

dos brasileiros está sendo usado para beneficiar privilegiados, em

detrimento ao princípio da impessoalidade. Foi dinheiro do BNDES,

por exemplo, que financiou as aventuras do Sr. Eike Batista, fazendo

correr pelo ralo por volta de mais de 10 bilhões de reais.

Basta uma rápida pesquisa na imprensa eletrônica para

ver-se a situação calamitosa dos portos brasileiros. O estado não investe

em portos e também não deixa a iniciativa privada investir. As filas de

caminhões são imensas, em toda vez que há colheita de safra. E o

governo, ao invés de investir na infraestrutura brasileira, nos sucateados

portos brasileiros, prefere investir, via BNDES, num porto de uma

ditadura cruel e falida. Isso representa flagrante infringência ao

princípio da proporcionalidade, bem como da moralidade e da

racionalidade no uso dos bens públicos.

O que esses casos, e incontáveis outros que a imprensa

noticia todos os dias, têm em comum? O fato de que há DINHEIRO

PÚBLICO sendo aplicado com afronta aos princípios

constitucionais da administração pública.

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4

Que ninguém diga, portanto, que o BNDES “é um

simples banco” ou que “fez mais um empréstimo, como todo banco”,

ou ainda que “é um empréstimo, então o dinheiro vai ser devolvido”:

trata-se de empréstimo com JUROS SUBSIDIADOS, e esse subsídio no

juro é pago por todos os brasileiros, especialmente pelos mais pobres:

por óbvio, é para eles que, proporcionalmente, o dinheiro que lhes é

tirado pelo Estado faz mais falta.

Veja-se o que diz a lei da ação popular:

Art. 2º São nulos os atos lesivos ao

patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos

casos de:

a) incompetência;

b) vício de forma;

c) ilegalidade do objeto;

d) inexistência dos motivos;

e) desvio de finalidade.

Parágrafo único. Para a conceituação

dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:

a) a incompetência fica caracterizada

quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente

que o praticou;

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5

b) o vício de forma consiste na omissão

ou na observância incompleta ou irregular de formalidades

indispensáveis à existência ou seriedade do ato;

c) a ilegalidade do objeto ocorre

quando o resultado do ato importa em violação de lei,

regulamento ou outro ato normativo;

d) a inexistência dos motivos se

verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se

fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou

juridicamente inadequada ao resultado obtido;

e) o desvio de finalidade se verifica

quando o agente pratica o ato visando a fim diverso

daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de

competência.

(Grifamos).

É evidente, portanto, que deixar de investir em

infraestrutura no Brasil, e usar DINHEIRO PÚBLICO para

subsidiar juros e investir em outro país implica em ilegalidade do

objeto, inexistência de motivos e, muito especialmente, em desvio de

finalidade.

Veja-se o que diz a doutrina:

“No que diz respeito, parece, a um ponto,

que se há de considerar já, agora, à luz do texto legal e à luz

da exegese e da dogmática Ação Popular, poderíamos dizer

o seguinte: prevê a Lei 4.717 a possibilidade de anulação e

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6

decretação de nulidade de atos lesivos. Então parece que se

colocam dois elementos fundamentais como requisitos

básicos à configuração do interesse processual, para a

propositura da ação popular: a) a lesividade e b) o vício do

ato.

...

É evidente – retomando algumas ideias –

que não diz, essa ação, com uma pretensão em que se retrate

ou em que se objetive um direito subjetivo, ou em que se

colime fazer valer uma pretensão individual, mas na

realidade o seu escopo é a defesa do patrimônio público.

Essa defesa, na verdade, tal como instituída a ação em nível

constitucional e infraconstitucional, objetiva fornecer, a

todos nós, cidadãos, um remédio em para que a

Administração seja proba e que se consiga através e também

da atividade direta dos cidadãos, o quanto possível, uma

conduta da administração pautada dentro da moralidade

administrativa e informada pelo princípio da legalidade, que

hão de refletir em cada ato administrativo que seja

praticado.”2

E, estabelecidos os requisitos, é difícil imaginar um caso

em que estejam mais evidentes tanto a ilicitude quanto a lesividade do

ato.

Além disso, o empréstimo é duplamente

inconstitucional. É inconstitucional por ter sido celebrado pelo Poder

Executivo, ao invés de pelo Congresso Nacional. E é inconstitucional

2 ALVIM, Arruda. “Ação Popular”, in Revista de Processo, Ano VIII, outubro-dezembro de 1983, n.

32, p. 167.

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7

também por se “secreto” – ambas as situações completamente proibidas

pela Carta Magna:

Art. 49. É da competência exclusiva do

Congresso Nacional:

I - resolver definitivamente sobre tratados,

acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou

compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

Parece claro que há, igualmente, deliberado interesse de

causar dano ao erário brasileiro. Ainda assim, note-se que a lei não

exige a existência de dolo ou culpa para que se declare a nulidade

ou a anulabilidade do ato – bastam a lesão e a ilicitude, conforme dito.

É o que explica o Professor Arruda Alvim:

“Quanto ao problema da identificação dos

pressupostos da responsabilidade, pergunta-se: é necessário

o dolo? Não. Parece que é suficiente o erro e mesmo a

ausência de culpa, pois o que é relevante verificar é se

houve, ou não houve, uma injuricidade, representada pela

anulabilidade ou pela decretação de nulidade e pela lesão

mesma. Portanto, parece que o tema da culpa fica colocado

fora do âmbito da ação popular, no sentido de não se

constituírem em possíveis defeas das pessoas que tenham

praticado o ato para elidir sua responsabilidade. Relevante é

o interesse do autor, legitimado nessa perspectiva de

interesse difuso, para tentar o comprometimento do ato

administrativo nos termos do art. 2º, nulidade, ou art. 3º,

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8

anulabilidade e a demonstração de ter ocorrido a lesão ao

patrimônio público.”

O Brasil, como dito, é um país em que falta tudo. As

estradas estão em péssimo estado; a falta de saneamento básico pelo

país afora é vergonhosa; a falta de instrumentos para combate à seca

deixa o Nordeste em situação que outros países não enfrentam desde o

Século XIX. Em saúde e educação pública somos, ano após ano, os

campeões de últimos lugares. A rede de ferrovias é tão ínfima que nem

merece o nome de “rede” – e os “resultados” do “trem bala” e da

“Ferrovia Norte-Sul” são pífios. E, trágica ironia, os portos brasileiros

estão em situação alguns graus abaixo de calamitosa.

De fato, o estado de abandono dos portos brasileiros é

fato público e notório. O autor junta, aqui, algumas poucas matérias

jornalísticas que mostram bem o nível de atraso e abandono do nosso

sistema portuário.

E, num país assim, o que faz o BNDES, com os bilhões

que tirou dos brasileiros? Financia um porto em Cuba!

VI. OUTROS ASPECTOS DO EMPRÉSTIMO QUE

MERECEM DESTAQUE

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9

Afora o evidente desvio de função do aludido

empréstimo, há outros aspectos de extrema importância para a presente

ação nessa operação lesiva aos cofres públicos.

O primeiro é que o empréstimo está sendo feito a uma

ditadura comunista. Ora, governos que propõem a “abolição da

propriedade privada dos meios de produção” não são exatamente os

mais cuidadosos no que se refere a respeito à propriedade e aos

contratos. Noutras palavras, é um caso em que há um risco altíssimo de

CALOTE nesse empréstimo. Isso já aconteceu infinitas vezes antes em

Cuba, e vai continuar acontecendo todas as vezes que seus líderes

considerem isso útil para sua perpetuação no poder. É isso mais

importante do que financiar obras no próprio Brasil?

O empréstimo, portanto, tem todas as características de

operação a fundo perdido, em prejuízo do erário nacional.

Por outro lado, é digno de nota que o BNDES esteja

fazendo um empréstimo vultoso para uma ditadura, em que não há

mecanismos eficientes de controle e rastreamento do dinheiro

emprestado, nem banco central autônomo, nem polícia ou Ministério

Público independentes, muito menos imprensa livre. Nas ditaduras, o

dinheiro pode entrar e sair livremente, sem nenhum registro ou controle.

E isso se agrava pelo fato de nos encontrarmos em ano eleitoral.

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0

VII. A INACEITÁVEL DETERMINAÇÃO DE “SIGILO”

DO EMPRÉSTIMO

Muito pouco se sabe sobre esse empréstimo lesivo e

nebuloso, já que o governo determinou o sigilo em todos os documentos

e todas as circunstâncias do referido empréstimo!

Exatamente por ser sigiloso, o autor não tem como

requerer as certidões e documentos relativos a esses empréstimos, como

ordinariamente lhe seria possível, nos termos dos §§ 4º, 5º, 6º e 7º do

artigo 1º da Lei 4.717/65.

Como bem disse a reportagem da revista Veja desta

semana, “se é bom, porque é secreto?”. O quê, exatamente, o BNDES

tem a esconder?

É INADMISSÍVEL que um banco, que usa dinheiro

PÚBLICO, que deveria fazer empréstimos que beneficiassem o POVO

que lhe paga os seus recursos, mantenha em sigilo os dados de qualquer

empréstimo que faça!3

O empréstimo, em si, é lesivo e imoral. O fato de ser

sigiloso infringe, flagrantemente, o princípio constitucional da

publicidade dos atos (Art. 37 da CF). E infringe, também, o art. 49, I da

3 O que também não induz legitimidade para a União Federal. A ordem de sigilo que aqui também se

combate foi originada no Ministério, mas o próprio empréstimo foi feito somente pelo BNDES,

ainda que (obviamente) sob ordens do Governo Federal. Da mesma forma que essas ordens não

mudam a legitimidade exclusiva do BNDES, a ordem de sigilo também não o faz – e, assim, o polo

passivo correto deve ser, somente, o próprio BNDES.

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1

CF, já que somente o Congresso Nacional poderia estabelecer acordo

oneroso com outro país; e infringe ainda, esse mesmo artigo, porque tal

acordo jamais poderia ser secreto.

VIII. A NECESSÁRIA TUTELA ANTECIPADA

Estão plenamente presentes, nesta ação, os requisitos

para concessão de tutela antecipada, previstos nos artigos 273 e,

especialmente, 461, § 3º. Bem se vê que, das declarações do próprio

governo, exsurge a prova inequívoca de que há, sim, fundado receio de

dano irreparável ou de difícil reparação. Ou, noutras palavras (mas

com os mesmos requisitos), veem-se claramente presentes o relevante o

fundamento da demanda e o justificado receio de ineficácia do

provimento final.

Em suma, trata-se simplesmente de fumus boni iuri e

periculum in mora.

Conforme ensina Nelson Nery Jr. a tutela antecipada é

“uma providência que tem natureza jurídica mandamental, que se

efetiva mediante execução ‘lato sensu’, com o objetivo de entregar ao

autor, total ou parcialmente, a própria pretensão deduzida em juízo ou

seus efeitos. É tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o

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2

direito, dando ao requerente o bem da vida por ele pretendido com a

ação de conhecimento.”4

Bedaque tem explicação semelhante, afirmando que a

tutela sumária antecipatória, ao contrário da cautelar, realiza

antecipadamente o direito da parte; é fruto da visão instrumental do

processo, decorrente das necessidades havidas do direito material — daí

poder-se inclui-la nas chamadas “tutelas diferenciadas.”5 Em outro

texto, esse mesmo autor demonstra a semelhança que existe entre a

tutela antecipada e a cautelar; ainda que a natureza de uma e de outra

sejam diversas, as regras gerais que as regem seriam praticamente as

mesmas.6

Tudo quanto já exposto demonstrou, de forma cristalina,

o fumus boni iuri. O periculum in mora, por sua vez, desdobra-se em

várias formas. Por um lado, quanto mais tempo passar até que o

dinheiro já emprestado seja devolvido, mais difícil se tornará que ele

um dia o seja – o que dá mostra evidente da urgência envolvida.

Por outro lado, quanto mais tempo passar até que se

determine que nenhuma nova remessa de recursos deva ser feita para

Cuba, maior o risco de que novo empréstimo ilegítimo seja realizado.

4 NERY JR. e outra, Nelson. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo, Ed. RT, 1997, p. 546. 5 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo - Influência do Direito Material sobre o

Processo. São Paulo, Ed. Malheiros, 1ª ed., p. 112.

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E, finalmente, o país inteiro tem urgência em saber as

exatas condições e circunstâncias em que esse empréstimo foi feito – é

muito urgente, portanto, que seja determinado, liminarmente, o fim do

sigilo decretado ilegalmente.

Há, portanto, evidente urgência envolvida no caso. Há

urgência em que se devolva o dinheiro ilegal e inconstitucionalmente

enviado; há urgência em que se impeçam novas remessas (essa, sem

dúvida, é a maior e mais importante das urgências aqui expostas); e há,

por certo, urgência também em que seja permitido ao povo brasileiro

saber todas as condições pelas quais esse empréstimo se realizou.

IX. PEDIDOS

Por todo o exposto, em sede de tutela antecipada e em

caráter de absoluta urgência, requer seja determinada a imediata

paralisação de envio de recursos do BNDES relativos ao contrato de

modernização do Porto de Mariel.

Qualquer que seja a decisão do pedido anterior, requer-

se, também em sede de tutela antecipada e em caráter de absoluta

urgência, que seja determinado o fim do sigilo para todos os

6 “Antecipação da Tutela Jurisdicional”, in Aspectos Polêmicos da Antecipação de Tutela -

coordenação Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo, Ed. RT, 1ª ed., 1997, p. 221

(particularmente pp. 228 e ss.).

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documentos relativos ao caso, dando-se a eles a ampla publicidade que

o art. 37 da Constituição Federal exige.

O autor entende que são nulos os empréstimos

concedidos pelo BNDES para a modernização do Porto de Mariel.

Assim, é a presente para, independentemente do que vier a ser decidido

em sede de tutela antecipada, requerer sejam declarados NULOS tais

empréstimos, bem como todos os que eventualmente vierem a se

realizar no curso da presente ação.

Em atenção ao princípio da eventualidade, caso se

entenda que o caso é de anulabilidade, requer-se sejam anulados tais

empréstimos, bem como todos os que eventualmente vierem a se

realizar no curso da presente ação.

Em qualquer dos casos, requer-se seja determinada a

devolução de todos os valores emprestados aos cofres do BNDES.

Requer-se, nos termos do art. 7º, I, “a” da Lei da Ação

Popular, a intimação da presente ao Ministério Público Federal. Nos

termos da alínea “b” do mesmo dispositivo, requer-se seja determinado

ao BNDES a juntada da documentação completa dos aludidos

empréstimos, seja ou não deferida a liminar para quebra de sigilo.

Requer-se a citação por edital, nos termos do art. 7º, §

2º, II da citada Lei.

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Requer-se a produção de todos os tipos de prova em

direito admitidas.

Requerendo finalmente sejam o réu condenado ao

pagamento das custas e demais despesas judiciais e extrajudiciais

diretamente relacionadas com a ação, além dos honorários advocatícios

a serem arbitrados por Vossa Excelência, dá-se à causa o valor de R$

10.000,00.

Pede deferimento.

São Paulo, 20 de fevereiro de 2013.

R O G É R I O I V E S B R A G H I T T O N I

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