excelentÍssimo senhor ministro do supremo … · 2016-02-16 · resolução n.º 617/2013 do...
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL, DIAS TOFFOLI, RELATOR DA AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE N.º 5.070
Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 5.070
CONECTAS DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos qualificada
como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, inscrita no CNPJ sob
nº 04.706.954/0001-75, com sede na Avenida Paulista, nº575, 19º andar, São Paulo/SP,
representada por seus advogados (doc. 01, 02 e 03), e PASTORAL CARCERÁRIA
NACIONAL, por meio de sua pessoa jurídica, ASAAC – Associação de Apoio e
Acompanhamento, inscrita no CNPJ/MF sob o nº. 66.064.916/0001-13, com sede na
Praça Clóvis Bevilacqua, nº. 351, conjunto 501, São Paulo/SP,) representada por seu
advogado (doc. 04, 05 e 06), vêm respeitosamente à presença de V. Exa. manifestar-se na
qualidade de
AMICI CURIAE na ADI 5.070
proposta pelo Procurador-Geral da República em face da Lei Complementar n.º 1.208, de
23.7.2013, na redação da LC n.º 1.214, de 29.10.2013, ambas do Estado de São Paulo, e da
Resolução n.º 617/2013 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, pelas razões a
seguir articuladas, que indicam a necessidade dessa Suprema Corte declarar referidos
dispositivos legais inconstitucionais.
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I. LEGITIMIDADE DAS REQUERENTES PARA SE MANIFESTAREM COMO
AMICUS CURIAE.
A ADI 5070 tem por objeto a declaração de inconstitucionalidade da Lei
Complementar 1.208, de 23 de julho de 2013, na redação da Lei Complementar 1.214, de
29 de outubro de 2013, ambas do Estado de São Paulo, bem como a Resolução nº
617/2013 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), por contrariar
expressamente os dispostos no artigo 5º, XXXV, LIV, LV E LXXVIII da Constituição
Federal.
Os referidos atos normativos questionados referem-se à criação de
Departamentos Estaduais de Execuções Criminais de forma centralizada regional e do
Departamento Estadual de Inquéritos Policiais. Tal produção legislativa viola no cerne
princípios e garantias claramente dispostos na Constituição Federal, como o princípio do
juiz natural e a vedação à criação de tribunais “ad hoc” e de exceção”.
Tratando-se a ação de um tema de grande relevância social, como o ora
apresentado, a Lei n.º 9.868/99 trouxe a possibilidade de manifestação de atores da
sociedade civil nas ações diretas de inconstitucionalidade, conforme dispõe seu artigo 7º,
§2º:
Art. 7º § 2º - O relator, considerando a relevância da matéria e a
representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível,
admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação
de outros órgãos ou entidades.
Desta forma, ademais da relevância, a lei exige, ainda, que os postulantes como
amici curiae tenham representatividade, ou seja, certa afinidade com o tema de trabalho,
ainda que tal requisito venha sendo analisado por este Egrégio Supremo Tribunal Federal
de forma ampliada e extensiva, no intuito de privilegiar o debate constitucional1.
1Dados de 2006 dão conta que mais de 70% dos amici eram requeridos por atores da sociedade civil e cerca de 19% por organizações de defesa de direitos, como a que ora se manifestam - pesquisa desenvolvida em dissertação de mestrado Sociedade civil e democracia: a participação da sociedade civil como amicuscuriae no Supremo
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Neste diapasão, as entidades requerentes possuem interesse singular na defesa
de direitos humanos através de um funcionamento adequado do Sistema de Justiça, para
que todos os atores executem suas atividades ontológicas, principalmente considerando seu
impacto no sistema carcerário. Atuar em ações e processos destinados à efetivação dos
direitos humanos inclui a busca continua pela efetivação dos fundamentos da República
Federativa do Brasil, bem como seus princípios e garantias celebrados pela Constituição
Federal.
Ademais, não se pode olvidar, como já mencionado, que este Supremo
Tribunal Federal tem analisado que a possibilidade de manifestação da sociedade civil em
tais processos tem o objetivo de democratizar o controle concentrado de
constitucionalidade, oferecendo-se novos elementos para os julgamentos.
É o que se depreende, por exemplo, da ementa de julgamento da ADI 2130-
3/SC:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
INTERVENÇÃO PROCESSUAL DO AMICUS CURIAE.
POSSIBILIDADE. LEI Nº 9.868/99 (ART. 7º, § 2º). SIGNIFICADO
POLÍTICO-JURÍDICO DA ADMISSÃO DO AMICUS CURIAE NO
SISTEMA DE CONTROLE NORMATIVO ABSTRATO DE
CONSTITUCIONALIDADE. PEDIDO DE ADMISSÃO
DEFERIDO.
- No estatuto que rege o sistema de controle normativo abstrato de constitucionalidade,
o ordenamento positivo brasileiro processualizou a figura do amicuscuriae (Lei nº
9.868/99, art. 7º, § 2º), permitindo que terceiros - desde que investidos de
representatividade adequada - possam ser admitidos na relação processual, para efeito
de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia
constitucional.
- A admissão de terceiro, na condição de amicuscuriae, no processo objetivo de controle
normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da
Tribunal Federal, de Eloísa Machado de Almeida, Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006.
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Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao
postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de
constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma
perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de
entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da
coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou
estratos sociais.
Em suma: a regra inscrita no art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99 - que contém a base
normativa legitimadora da intervenção processual do amicuscuriae - tem por precípua
finalidade pluralizar o debate constitucional.2
O posicionamento de ampliação de acesso ao Supremo Tribunal Federal tem
se refletido no número de amici curiae protocolados, bem como na diversidade de atores
proponentes. Com a possibilidade de manifestações da sociedade civil nas ações de
controle concentrado de constitucionalidade, busca-se a representação da pluralidade e
diversidade sociais nas razões e argumentos a serem considerados por este Egrégio
Supremo Tribunal Federal, conferindo, inegavelmente, maior legitimidade e riqueza às
decisões.
No caso em tela, a admissão de organizações da sociedade civil que atuam
na defesa dos direitos fundamentais insere uma nova perspectiva na discussão e
contribui sobremaneira à pluralização do debate constitucional.
Restam, desde modo, devidamente demonstrados os requisitos necessários
para a admissão da presente manifestação na qualidade de amici curiae, quais sejam,
relevância da matéria discutida e representatividade dos postulantes:
a) A relevância da matéria discutida, no sentido de seu impacto sócio-político:
Evidenciada no caso em tela tanto pela legitimidade da demanda, fundada nos
princípios do juiz natural e das garantias constitucionalmente atribuídas aos magistrados,
como também pelo impacto que a decisão a terá na garantia da prestação adequada do
direito de ser amparado por uma jurisdição legítima.
2Rel. Min. Celso de Mello.
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b) A representatividade da postulante e a sua legitimidade material:
A missão institucional das entidades subscritoras e os reconhecidos trabalhos
que vem desenvolvendo na área de proteção e garantia de direitos fundamentais discutidos
no caso em questão são incontestes, como se vê nos Estatutos Sociais das organizações e
pelo histórico do trabalho realizado neste Egrégio Tribunal, especialmente em processos
que versem acerca da democratização do sistema de justiça, como, por exemplo, o caso da
ADI 3486, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, que trata da questão de federalização das
violações de direitos humanos.
CONECTAS DIREITOS HUMANOS foi fundada em 2001 com a missão
de fortalecer e promover o respeito aos direitos humanos no Brasil e no hemisfério Sul,
dedicando-se, para tanto, à educação em direitos humanos, à advocacia estratégica e à
promoção do diálogo entre sociedade civil, universidades e agências internacionais
envolvidas na defesa destes direitos. CONECTAS promove advocacia estratégica em
direitos humanos, em âmbito nacional e internacional, com o objetivo de alterar as práticas
institucionais e sociais que desencadeiam sistemáticas violações de direitos humanos. Desde
2006, tem status consultivo junto ao Conselho de Direitos Humanos das Organização das
Nações Unidas (ONU) e, desde 2009, dispõe de status de observador na Comissão
Africana de Direitos Humanos e dos Povos. É hoje a organização com maior número de
amicicuriae perante este Supremo Tribunal Federal, já tendo ingressado com 42 (quarenta e
dois) desde a sua fundação.
PASTORAL CARCERÁRIA é a presença da Igreja Católica e da sociedade
nos cárceres para a prestação de assistência religiosa à pessoa presa e para a promoção dos
direitos fundamentais da população encarcerada. Com cerca de 6 mil agentes pastorais, está
presente em todo o país e, por meio de sua assessoria jurídica, se empenha em traduzir as
mazelas identificadas nas visitas regulares às diversas unidades prisionais espalhadas pelo
Brasil em demandas jurídicas aptas a apoiar transformações sociais promotoras de direitos
fundamentais e humanos.
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Em outro caso, também em tramitação nesse Supremo Tribunal Federal, as
entidades foram aceitas como amicicuriae, em decisão da lavra do ministro Relator Gilmar
Mendes3:
A instituição Viva Rio, em conjunto com a Comissão Brasileira Sobre Drogas e
Democracia (CBDD) – fl. 179, a Associação Brasileira de Estudos Sociais do Uso
de Psicoativos (ABESUP) – fl. 224, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais
(IBCCRIM) - fl. 245; o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) – fl.
281; e a Conectas Direitos Humanos, juntamente com o Instituto Sou da
Paz, Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) e Pastoral Carcerária – fls.
558 e 559, requerem o ingresso no presente recurso extraordinário na qualidade de
amicicuriae e pleiteiam a possibilidade de realização de sustentação oral, juntada de
memoriais, bem como a notificação de atos e termos processuais aos advogados
indicados em suas petições.
Tendo em vista a representatividade e o interesse das entidades no
resultado do recurso, defiro os pedidos nos moldes em que postulados, nos
termos do artigo 323, § 2º, do Regimento Interno do STF.
Considerando que a CONECTAS DIREITOS HUMANOS E PASTORAL
CARCERÁRIA desenvolvem ações ligadas à proteção dos direitos humanos, e em
particular atuando com o sistema de justiça e o sistema prisional, restam
devidamente demonstrados os requisitos necessários para a admissão da presente
manifestação na qualidade de amicus curiae, o que desde já se requer.
II. O OBJETO DA AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5070.
Em outubro de 2013 a Assembleia Estadual do estado d São Paulo (ALESP)
aprovou a Lei Complementar 1.214/2013, alterando a Lei Complementar 1.208/2013, de
23 de julho de 2013, a qual criava Departamentos Regionais Estaduais de Execução
Criminal e Departamentos Regionais de Inquéritos Policiais. O Tribunal de Justiça de São
Paulo, em setembro de 2013, emitiu resolução visando regulamentar os adventos trazidos
pela Lei Complementar 1.214/2013.
3Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoTexto.asp?id=3166127&tipoApp=RTF
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As recentes inovações legislativas aprovadas pela Assembleia Legislativa em
São Paulo e sancionadas pelo governador do Estado, bem como a resolução emitida pelo
TJ-SP, foram rapidamente questionadas nesta Suprema Corte pelo Procurador Geral da
República e se tornaram objeto da ADI 5.070.
Os departamentos criados pela Lei complementar abrangem duas esferas da
prestação do Poder Judiciário: a execução penal e a investigação penal. De acordo com os
atos normativos questionados, a criação dos departamentos visa regionalizar as prestações
judiciárias tornando-as atreladas às dez comarcas com maior movimentação do Tribunal
Paulista, para quais o Tribunal, através do Conselho da Magistratura do Estado, irá indicar
arbitraria e pessoalmente os juízes que irão exercer esses cargos.
Entendendo que tais normas podem obstruir concretamente o exercício de
direitos fundamentais processuais, dentre elas a garantia do juiz natural e as garantias
judiciais inerentes a pessoa do magistrado, o Procurador Geral da República ingressou com
a presente ação. Para o autor, os atos normativos paulistas confrontam diretamente os
preceitos dos arts. 5º, XXXVII e LIII, 93, II, VIII, e VIII-A, e 95, II, da Carta Magna.
Com efeito, a Constituição Federal já estabeleceu expressamente em seu texto
normativo como deveria ser o procedimento de promoção e, desta maneira, deslocamento
dos magistrados. De acordo com a norma constitucional esse só poderia se dar através dos
critérios de antiguidade e merecimento, e não por escolha administrativa dos tribunais.
Sob disfarce de liberdade de iniciativa legislativa para a própria organização
judiciária, o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao criar na prática tais departamentos
centralizados de execução penal e investigação criminal, ratifica as normas legislativas
aprovadas na Assembleia do Estado que afrontam no cerne os princípios mais caros de
prestação jurisdicional trazidos pela Constituição Federal de 1988.
O desapego do Legislativo e Judiciário paulistas pelos normativos federais e
garantias constitucionais em busca por um pragmatismo descontextualizado da realidade da
sociedade é o tema de extrema importância abrangido por essa ação constitucional, razão
pela qual as organizações CONECTAS DIREITOS HUMANOS E PASTORAL CARCERÁRIA ora se
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manifestam na qualidade de amicus curiae, oferecendo argumentos a seguir expostos em
favor de julgamento pela PROCEDÊNCIA da presente ADI, em sua totalidade
III. A IMPOSSIBILIDADE DE EXERCÍCIO DO CONTROLE SOCIAL
JURISDICIONAL
A) Jurisdição Social e Descentralização da Prestação Jurisdicional.
A jurisdição, mais do que mero instrumento de inclusão social, possui a missão
de garantir o interesse social no cumprimento dos compromissos assumidos pelo Estado.
Em se tratando da natureza jurídica de caráter indisponível das normas processuais penais,
entende-se ser do interesse público a garantia de um procedimento processual que respeite
os parâmetros de proteção à dignidade humana e busca pela justiça social, nos termos do
art. 3º da Constituição Federal.
A observância de uma postura constitucional da atividade jurisdicional visa
evitar a existência de uma exclusão social jurídica. A prevalência da jurisdição constitucional
atenta-se em não permitir que grupos sociais que já são desprovidos de boa parte dos
serviços públicos ou agravados pelos custos relativos aos tais serviços, sejam também
prejudicados e excluídos em função da ausência de uma devida prestação da atividade
jurisdicional.
Essa situação de exclusão é agravada em se tratando de matéria penal, grupos
menos favorecidos economicamente encontram-se em posição mais vulnerável frente às
consequências inexoráveis dos efeitos penais da política neoliberal. Neste sentido aponta
Löic Wacquant:
“[...] a penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com
um ‘mais Estado’ policial e penitenciário o “menos Estado” econômico e social que é a
própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva de todos os
países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo. Ela reafirma a onipotência do
Leviatã no domínio restrito da manutenção da ordem pública – simbolizada pela luta
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contra a delinquência de rua – no momento em que este afirma-se e verifica-se incapaz
de conter a decomposição do trabalho assalariado e de refrear a hipermobilidade do
capital, as quais, capturando-a como tenazes, desestabilizam a sociedade inteira. E
isso não é uma simples coincidência: é justamente porque as elites do Estado, tendo se
convertido à ideologia do mercado-total vinda dos Estados Unidos, diminuem suas
prerrogativas na frente econômica e social que é preciso aumentar e reforçar suas
missões em matéria de ‘segurança’, subitamente relegada à mera dimensão criminal.
No entanto, e sobretudo, a penalidade neoliberal ainda é mais sedutora e mais funesta
quando aplicada em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de
condições e de oportunidades de vida e desprovidos de tradução democrática e de
instituições capazes de amortecer os choques causados pela mutação do trabalho e do
indivíduo no limiar de novo século. Isso é dizer que a alternativa entre o tratamento
social da miséria e de seus correlatos – ancorado numa visão de longo prazo guiada
pelos valores a justiça social e da solidariedade – e seu tratamento penal – que visa as
parcelas mais refratárias do subproletariado e se concentra no curto prazo dos ciclos
eleitorais e dos pânicos orquestrados por uma máquina midiática fora de controle,
diante da qual a Europa se vê atualmente na esteira dos Estados Unidos, coloca-se
em termos particularmente cruciais nos países recentemente industrializados da
América do Sul, tais como o Brasil e seus principais vizinhos, Argentina, Chile,
Paraguai e Peru”4.
Apesar de suas evoluções no combate à miséria, a sociedade brasileira
permanece sendo caracterizada por suas disparidades sociais e pela pobreza em massa, a
maior parte da população é refém das estruturas do poder econômico e a privatização e
centralização dos serviços públicos excluem ainda mais a utilização destes serviços por tais
grupos de pessoas. Quanto maior as restrições aos direitos básicos e exclusão das estruturas
econômicas, maior será a população do sistema carcerário.
A política do encarceramento seletivo em massa é uma realidade. No Brasil,
segundo dados do Ministério da Justiça5, a população carcerária brasileira aumentou 380%
4 WACQUANT, Löic. As Prisões da Miséria. Tradução de André Telles. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editora, 2001. Pg. 7-8. 5 Ministério da Justiça. INFOPEN. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896%7D&Team=¶ms=itemID=%7B2627128E-D69E-45C6-8198-CAE6815E88D0%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7> Último acesso em: 13/06/2014
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em vinte anos, enquanto a população brasileira aumento 30% no mesmo período6. Dos
548.000 presos, 75% estão encarcerados por crimes contra o patrimônio e tráfico de
entorpecentes e mais de 90% não chegaram a completar nem o Ensino Médio, o que
mostra a vulnerabilidade social da massa carcerária.
A tendência ao encarceramento em massa se faz evidente no país, basta
considerarmos que hoje a população carcerária brasileira é a quarta maior do mundo, atrás
somente dos Estados Unidos, China e Rússia. Se considerarmos apenas a taxa de
encarceramento, tirada pela quantidade de pessoas em privação de liberdade em 100 mil
habitantes, o Brasil ocupa a terceira colocação em taxa de encarceramento7.
Como se já não bastasse a população carcerária ser composta de pessoas com
uma fragilidade econômica tão acentuada, existe também o recorte étnico-racial daqueles
que estão em situação de privação de liberdade.
Em recente pesquisa publicada pela Universidade Federal de São Carlos foi
traçado também o perfil racial das pessoas detidas. A pesquisa intitulada “Desigualdade
Racial e Segurança Pública em São Paulo: Letalidade e Prisões em Flagrante”
6 Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: <http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/> Último acesso em: 13/06/2014 7 Centro Internacional para Estudos Prisionais. Disponível em: http://www.prisonstudies.org/world-prison-brief
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apontou que o número de pessoas negras presas é quase três vezes maior do que o número
de pessoas brancas detidas (a taxa considerou o número de pessoas presas e a quantidade
de habitantes residentes em São Paulo):
No mais, a pesquisa apontou que os negros são a maioria das vítimas de
mortes praticadas policiais (61%), especialmente a juventude negra, já que a maioria (57%)
das vítimas tinha menos de 24 anos no momento da execução:
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De acordo com a pesquisa, no ano de 2011, de cada 100 mil negros, 1,4 foi
vítima de execução letal pelas forças policias, enquanto num grupo de 100 mil brancos, a
taxa é de 0,5 vítima da letalidade policial.
Assim, resta-se claro a seletividade de nosso sistema punitivo.
Por outro lado, também é claro o distanciamento dos magistrados com essa
realidade social que os cerca.
De acordo com estudo do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento, “Os dados sobre a participação das mulheres e dos homens negros
nas posições de poder da hierarquia do Estado confirmam sua sub-representação
nos três poderes da República: Executivo, Legislativo e Judiciário”8.
O novo “Censo do Poder Judiciário” publicado pelo Conselho Nacional de
Justiça ilustra ainda mais a situação de disparidade racial dos juízes brasileiros com a
sociedade brasileira. Enquanto na população brasileira, a porcentagem de população negra
corresponde hoje a mais da metade da população nacional (51,4%), considerando pessoas
que se autodeclararam pretas e pardas segundo os dados mais atuais do IBGE9, 80,9% dos
magistrados brasileiros que ingressaram entre 2012 e 2013 são brancos:
8Relatório de Desenvolvimento Humano - Brasil 2005. Racismo, pobreza e violência. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, p 46. 9 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Síntese de Indicadores Sociais, IBGE, 2012
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No mais, da maneira como é realizado hoje, o processo de seleção para
ingresso na Magistratura contém exigências que acabam afastando pessoas que sofrem com
piores condições sociais e econômicas. O concurso público exige dedicação praticamente
exclusiva aos estudos, sendo dificilmente atingível para quem não faz cursos preparatórios
e ainda contém mecanismos de “investigação social” que abrem espaço para um grande
subjetivismo na seleção dos candidatos. Desse modo, acaba medindo mais investimento
financeiro do que acúmulo de conhecimento.
Esses fatores já fazem da pessoa do magistrado uma autoridade distante do
povo brasileiro. Assim, para exercer o difícil papel de decidir com equilíbrio acerca dos
conflitos determinantes na vida dessas pessoas excluídas das/ pelas esferas de poder, deve
ser exigido do magistrado se fazer o mais próximo possível da sociedade, ainda que
fisicamente, para ter um contato real com as mazelas que assolam a vida dos cidadãos, em
especial aqueles em situação de vulnerabilidade social.
Por tais razões, a jurisdição deve se fazer mais presente e menos omissa
especialmente para quem já está em situação de exclusão pelo sistema político
econômico. A jurisdição faz a gestão do interesse público e deve ser do interesse
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público a proteção de seus grupos vulneráveis, devendo a jurisdição buscar,
portanto, a inclusão social dos excluídos socialmente.
A descentralização da justiça nasce para atender tal caráter social da jurisdição.
A finalidade de descentralizar a justiça é assegurar o pleno acesso à esta, em todas as fases
do processo, incluindo a execução da pena.
Com a Emenda Constitucional nº 45/2004, a qual protagonizou verdadeira
reforma no sistema de justiça, acrescentou-se o §6º no art. 125 da Constituição Federal, que
trata das formas de organização interna dos Tribunais. Esse novo adendo abre a
possibilidade aos Tribunais de descentralizarem suas atividades.
Percebe-se, assim, que a tendência sendo adotada pelo Poder Judiciário é de se
descentralizar, como modo de se fazer presente e operante para uma amplitude diversa de
cidadãos brasileiros, e não tão somente aqueles que residem próximos às zonas mais
metropolitanas.
Nesse sentido é que em setembro de 2008 o CNJ instituiu pela Portaria
nº383/2008 um Grupo de Trabalho para a efetivação dos objetivos e propostas que foram
apresentadas no I Seminário de Execução Penal, realizado naquele ano e que discutiu a
gestão do cumprimento de mandados de prisão, a população carcerária e o processo de
execução penal.
O Grupo de Trabalho apresentou o resultado de seus estudos em dezembro do
mesmo ano. Para tanto, consideraram as discussões realizadas no I Seminário de Execução
Penal, bem como a situação carcerária observada através dos Mutirões Carcerários do CNJ,
a necessidade de medidas priorizando o andamento do processo de execução penal, a
existência de inúmeros mandados de prisão pendentes e a necessidade de maior integração
entre os juízes de execução penal. A conclusão na qual chegaram os magistrados do Grupo
de Trabalho foi transcrita na forma da recomendação nº 20/2013:
Art. 1º RECOMENDAR aos Tribunais que:
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I – proporcionem aos juízes e servidores das varas com competência em
matéria de execução penal, no mínimo anualmente, como atividade de
capacitação, a participação em seminários e cursos em matéria criminal,
execução criminal e de administração das varas de execução penal, visando à
maior integração, à difusão das boas práticas e ao aprimoramento da
execução penal;
II – forneçam estrutura necessária aos juízes para a realização de inspeções
a unidades prisionais, em cumprimento às normas contidas no art. 66,
inciso VII, da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84);
III – implementem ações visando à adoção de processo eletrônico nas varas
de execuções penais, buscando a integração do sistema judicial eletrônico com
os sistemas de informações do sistema penitenciário (INFOPEN) e de
penas e medidas alternativas, para alimentação dos bancos de dados
relativos aos apenados;
IV – estabeleçam regras para que haja a adequada proporção entre o
número de presos, processos, número de serventuários e número de juízes nas
Varas de Execuções Criminais, estes para atuação exclusiva, com prejuízo
de outras atividades administrativas ou jurisdicionais, quando a quantidade
ou o acúmulo de processos assim o exigir.
V – promovam a regionalização e a especialização das varas de competência
de execução penal, levando-se em consideração a existência de unidade
penitenciária, o número de processos, entre outros critérios estabelecidos pela
respectiva Lei de Organização Judiciária;
Observa-se pela leitura dos dispositivos que em nenhum momento o CNJ
recomenda a criação de unidades centralizadas de execução penal.
Pelo contrário, a recomendação do CNJ visa a justamente a
“regionalização” – descentralização da execução penal nos estados, – de forma a
ficar mais próxima das “unidades penitenciárias.”
E mais, na sequência, o Conselho reafirma esse ideal ao apontar eventuais
“outros critérios estabelecidos pela respectiva Lei de Organização Judiciária”. Nesse
sentido também versa a mencionada Lei de Organização Judiciária, a qual determina em
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seu art. 24, V, que compete ao Juiz da Vara de Execuções das Penas e Medidas Alternativas
a missão de colaborar com a descentralização das atividades das varas de execução penal.
Pelo teor da recomendação do CNJ compreende-se que a proximidade dos
juízes de execução penal com a matéria/realidade deve se dar através de eventos de
capacitação, e não na divisão de todos os juízes em dez sedes administrativas, distantes do
mundo real, como determinado pelas Leis Complementares questionadas nessa ADI.
Por fim, cabe ressaltar que a Lei de Organização Judiciária, art. 24, parágrafo
único, abre a oportunidade dos Tribunais de criar mecanismos de cooperação entre as
varas de execução penal, varas criminais e juizados criminais, mas não permite a criação de
unidades centrais regionais para fazer acontecer esse tipo de integração.
O que se pretende com o processo de descentralização é, portanto, ampliar as
condições de acesso à justiça, do centro para a periferia, das capitais para o interior, de uma
maneira que a atividade jurisdicional fique em maior proximidade com o povo e não
somente atrelado às elites da sociedade.
As legislações questionadas nessa ação, no entanto, vão em contrariedade a
esse processo de deslocamento e popularização da justiça. Não é válido retirar das
localidades periféricas do estado os aparelhos judiciais que visam atender as necessidades,
problemas e anseios das comunidades locais.
Proporcionar a todos, indiscriminadamente, o acesso à justiça representa o
ideal da universalização da jurisdição. Universalizar a atividade jurisdicional implica em
generalizá-la, desobstruir os obstáculos para que o acesso à justiça atinja uma gama maior
de pessoas. Neste sentido, doutrina o professor André Ramos Tavares10:
“É medida que, juntamente com a Justiça Itinerante, permitirá uma “expansão”
da área de influência da Justiça a praticamente todo o território
nacional, fazendo com que localidades, nas quais até então não se
10 TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil Pós-88: Desestruturando a Justiça. São Paulo. Editora Saraiva. 2005. Pg. 80 e 82.
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encontrava nenhum aparelho estatal-judicial, passem a contar com
a Justiça [...] A exclusão da ordem jurídica inviabiliza a efetiva e real aplicação
dos direitos conferidos pelo Ordenamento Jurídico. Mais do que conferir expressão
concreta (efetividade) à norma constitucional que assegura a todos o acesso à justiça,
com a descentralização desta torna-se imperioso dotar o aparelho judiciário de meios
que possibilitem a ele, de maneira adequada e ampla, responder à demanda da
sociedade, para que seu coeficiente de legitimidade social não seja ainda mais afetado.
As acusações de ser o Judiciário distante da realidade social para quem julga e
demasiado tecnicista em suas decisões também se baseiam na forma centralizada de como
juiz executa suas atividades. Muitas vezes, ao não se envolverem com a diversidade social
das comunidades locais, os magistrados passam a imagem de serem indiferentes e distantes
do contexto dos conflitos sociais.
Essa imagem consiste em uma falha estrutural do sistema judicial, o qual
sempre privilegia uma teoria jurídica, e não nos fatos e nas pessoas que estão por detrás das
questões. Essa falha se dá, principalmente, pela concentração dos juízes nas grandes
metrópoles, e não espalhados pelas cidades mais interioranas ou nos bairros mais afastados
das zonas nobres das cidades, onde poderiam tomar mais conhecimento das situações
fáticas e serem também fiscalizados pelos cidadãos.
A distância social já é um difícil obstáculo a ser superado para o exercício do
direito ao acesso à justiça, os normativos paulistas visam impor não tão somente uma
distância social dos indivíduos com a justiça, como também querem implementar novos
obstáculos como a distância geográfica dos indivíduos com o processo e juízo. Reduzir o
aparelhamento do judiciário de centenas de varas de execuções penais em dez unidades
centralizadas, bem como centralizar em departamentos regionalizados os inquéritos
policiais, vai em contrariedade a todos os princípios de acesso à justiça e garantia do devido
processo legal.
B) Exigibilidade da Proximidade do Juiz com a Execução da Pena.
A Execução Penal é historicamente marcada por arbitrariedades e excessos,
razão pela qual faz-se necessário assegurar um controle social jurisdicional incisivo,
18
constante e próximo de todas as etapas que englobam o cumprimento de pena pelo
acusado.
As pessoas privadas de liberdade possuem grande dependência das autoridades
judiciárias carcerárias para o exercício de seus direitos, desde o direito à alimentação e à
saúde ao direito de manter vínculos com seus familiares. Aqueles que estão detidos se
encontram em grande vulnerabilidade perante ao sistema administrativo carcerário,
podendo ser facilmente vítimas de abusos por parte de tal administração penitenciária.
À esta administração é incumbido não somente a manutenção das condições
carcerárias como também a execução prática das garantias e direitos previstos pelos
normativos referente à execução penal. Diante desse cenário, faz-se relevante a necessidade
de que os presos possuam uma autoridade judicial próxima para se recorrer em situações de
violações e arbitrariedades.
A Lei de Execução Penal estabelece em seu texto normativo o exercício do
controle jurisdicional fiscalizatório das unidades prisionais pelo juiz da execução penal:
Art. 66. Compete ao Juiz da execução:
VII - inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais, tomando providências
para o adequado funcionamento e promovendo, quando for o caso, a apuração de
responsabilidade;
VIII - interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando
em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei
Uma das grandes falácias que rondam as discussões acerca do sistema prisional
é acreditar que a simples menção dos direitos em normativos legais seja suficiente para
fazê-los existir na realidade daqueles que estão em situação de encarceramento. Para o
cumprimento desses direitos é necessário um engajamento social, não tão somente
daquelas organizações, movimentos coletivos e indivíduos que trabalham com o escopo de
efetivá-los, mas também é fundamental um engajamento das instituições do poder público
para fazer acontecer aquilo que já foi garantido pelas legislações, incluindo nesse patamar
os membros do Poder Judiciário.
19
Se é permitido aceitar a existência do controle judicial dos direitos
fundamentais daqueles que não estão em situação de cárcere, também é possível vislumbrar
a garantia desse controle judicial para aqueles que estão encarcerados, ainda mais para estes
que estão em situações mais propensas a sofrer algum tipo de violação.
Sabe-se que aos sistemas penitenciários é necessário a existência de um
controle social11, no qual a sociedade possui o direito de fiscalizar o que ocorre dentro dos
muros dos estabelecimentos prisionais. Esta é uma prerrogativa do juiz da execução, mas
também deve ser uma obrigação.
Os juízes da execução penal devem ser responsáveis pela segurança e respeito
aos direitos fundamentais das pessoas em situação de privação de liberdade, afim de ser
garantido a plena eficácia do controle judicial do cumprimento da pena. A existência de tal
controle resulta na eliminação de abusos e violações sistemáticas dos direitos das pessoas
presas.
O modelo de uma central de execuções penais criado pelos normativos
paulistas em discussão, prevê, no artigo 1º, §1º da LC nº 1208/2013, que serão criadas dez
unidades regionais no território paulista.
11 Neste sentido versa o Princípio XXIV dos “Princípios e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas” da OEA: “Em conformidade com a legislação nacional e o Direito Internacional poderão ser realizadas visitas e inspeções periódicas nos locais de privação de liberdade, por parte de instituições e organizações nacionais e internacionais, a fim de verificar, em todo momento e circunstância, as condições de privação de liberdade e o respeito aos direitos humanos. Ao serem realizadas as inspeções, serão permitidos e garantidos, entre outros, o acesso a todas as instalações dos locais de privação de liberdade; o acesso à informação e documentação relacionada com o estabelecimento e as pessoas privadas de liberdade; e a possibilidade de entrevistar em particular e de maneira confidencial as pessoas privadas de liberdade e o pessoal. Em todas as circunstâncias será respeitado o mandato da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e de suas relatorias, principalmente a Relatoria sobre os Direitos das Pessoas Privadas de Liberdade , a fim de que possam verificar o respeito à dignidade e aos direitos e garantias fundamentais das pessoas privadas de liberdade nos Estados membros da Organização dos Estados Americanos. Estas disposições não afetarão as obrigações dos Estados Partes decorrentes das quatro Convenções de Genebra, de 12 deagosto de 1949, e seus Protocolos Adicionais, de 8 de junho de 1977, ou a possibilidade aberta a qualquer Estado Parte de autorizar o Comitê Internacional da Cruz Vermelha a visitar os locais de detenção em situações não dispostas no Direito Internacional Humanitário.
20
Atualmente, no Estado de São Paulo existem 316 comarcas12 e 158 unidades
prisionais13, e centralizar essa gigantesca diversidade de universos em apenas 10 (dez)
comarcas em uma irresponsabilidade do Poder Público.
A presença próxima do juiz às unidades prisionais ameniza o arbítrio, abusos e
possíveis violações de direitos humanos cometidos no âmbito da administração
penitenciária, devendo ser considerado que a situação de cárcere não implica na perda da
identidade do indivíduo como um sujeito de direitos.
No âmbito internacional, os “Princípios e Boas Práticas para a Proteção das
Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas” da Organização dos Estados Americanos
(OEA) tratam da obrigatoriedade de existir um controle jurisdicional das pessoas em
situação de privação de liberdade por um juiz competente e imparcial:
Princípio VI - Controle judicial e execução da pena - O controle da legalidade dos
atos da administração pública que afetem ou possam afetar direitos, garantias ou
benefícios reconhecidos em favor das pessoas privadas de liberdade, bem como o
controle judicial das condições de privação de liberdade e a
supervisão da execução ou cumprimento das penas, deverá ser
periódico e estar a cargo de juízes e tribunais competentes,
independentes e imparciais.
Os Estados membros da Organização dos Estados Americanos deverão garantir os
meios necessários para o estabelecimento e a eficácia das instâncias judiciais de controle
e execução das penas e disporão dos recursos necessários para que funcionem de
maneira adequada.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos segue a lógica de ser
obrigatoriedade do Poder Estatal a garantia não tão somente do acesso à justiça às pessoas
encarceradas, como também confere aos Estados o dever de proporcionar à essas um
controle judicial efetivo do cumprimento da pena.
12http://www.tjsp.jus.br/Institucional/ConhecaOTJ/RegioesAdministrativasJudiciarias.aspx 13 http://www.sap.sp.gov.br/Img/Mapa-Unidades-Prisionais.gif
21
A Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, por exemplo, tem
considerado que “a proteção mais importante dos direitos de um preso é sua apresentação
perante uma autoridade judicial encarregada de fiscalizar a detenção”14. A CIDH também já
pronunciou entendimento que confere uma prerrogativa do preso poder solicitar a
autoridade judicial que estabelece padrões de legalidade ao cumprimento da detenção15.
Para a Comissão:
Cuando la detención no es ordenada o adecuadamente supervisada por una autoridad
judicial competente, cuando el detenido no puede entender plenamente la razón de la
detención o no tiene acceso a un abogado y cuando su familia no puede localiza
rlo con prontitud, es evidente que están en riesgo no solamente las garantiasjudi
ciales del detenido, sino también su vida e integridad física16.
Observando os Estados Americanos, a Comissão Interamericana tem
constatado que a ausência de controle efetivo da legalidade das prisões consiste em um
problema crônico. Para a CIDH, o Estado, ao privar de liberdade uma pessoa assume um
compromisso específico e concreto de respeitar e garantir seus direitos17, de acordo com a
comissão:
El deber del Estado de proteger la vida e integridad personal de toda persona
privada de libertadincluyelaobligación positiva de tomar todas las medidas preventivas
para proteger a los reclusos de los ataques o atentados que puedanprovenir de los
próprios agentes del Estado o terceiros, incluso de otros reclusos.18
14 CIDH, Quinto Informe sobre la Situación de los Derechos Humanos en Guatemala, Cap. VII, párr. 21. Véase también, ONU, Relator Especial sobre la Tortura y otros Tratos Crueles, Inhumanos o Degradante, Informe presentado a la Comisión de Derechos Humanos (hoy Consejo), E/CN.4/2004/56, adoptado el 23 de diciembre de 2003, párr. 39:”la protección más importante de los derechos de un detenido es su pronta comparecencia ante una autoridad judicial encargada de supervisar la detención”. 15 CIDH, Informe No. 1/97, Caso 10.258, Fondo, Manuel García Franco, Ecuador, 18 de febrero de 1998, párr. 57. 16 Véase, CIDH, Haití: ¿Justicia Frustrada o Estado de Derecho? Desafíos para Haití y la Comunidad Internacional, OEA/Ser/L/II.123, Doc. 6 rev. 1, adoptado el 26 de octubre de 2005, (en adelante “Haití: ¿Justicia Frustrada o Estado de Derecho? Desafíos para Haití y la Comunidad Internacional”), Cap. III, párr. 113; y CIDH, Quinto Informe sobre la Situación de los Derechos Humanos en Guatemala, Cap. VII, párr. 37; CIDH, Tercer Informe sobre la Situación de los Derechos Humanos en Paraguay, OEA/Ser./L/VII.110. Doc. 52, adoptado el 9 de marzo de 2001, (en adelante “Tercer Informe sobre la Situación de los Derechos Humanos en Paraguay”), Cap. IV, párr. 30; CIDH, Informe sobre la Situación de los Derechos Humanos en Repúbli
ca Dominicana, Cap. VI, párr. 219. 17 CIDH, Democracia y Derechos Humanos en Venezuela, Cap. VI, párr. 667 18 CIDH, Informe No. 41/99, Caso 11.491, Fondo, Menores Detenidos, Honduras, 10 de marzo de 1999, párrs. 136 y 140.
22
Sendo o cárcere um espaço onde o Estado detém total controle acerca da vida
das pessoas que estão ali confinadas, é também, obviamente, obrigação do Estado de
proteger tais pessoas de possíveis violações de direitos. A esse respeito tem a Comissão
assinalado que:
En materia penitenciaria, además de un marco normativo adecuado resulta urgen
te la implementación de acciones y políticas concretas que tengan un impacto inmedia
to en la situación de riesgo en que se encuentran las personas privadas de libert
ad. La obligación del Estado frente a las personas privadas de liber
tad no se limita únicamente a la promulgación de normas que los
protejan ni es suficiente que los agentes del Estado se abstengan d
e realizar actos que puedan causar violaciones a la vida e integri
dad física de los detenidos, sino que el derecho internacional
de los derechos humanos exige al Estado adoptar todas las medida
s a su alcance para garantizar la vida e integridad personal de las p
ersonas privadas de la liberta19
Deste modo, faz-se imprescindível que o Estado exerça um controle efetivo
das unidades de privação de liberdade, como forma de garantir efetivamente os direitos já
consolidados, e principalmente normatizados, daqueles que se encontram encarcerados.
Ao investir o Poder Judiciário desse poder de controle, não se pretende que tal
controle da administração penitenciária viole a repartição dos poderes, não se trata da
superação do judiciário sobre o executivo, ou de uma tentativa de personificação do mal
àqueles que administram o sistema penitenciário, e sim refere-se à uma pretensão de
controlar uma esfera de atuação estatal que deve estar submetida ao controle de legalidade
de seus atos, como todo órgão de caráter estatal legalmente estaria.
Por tais razões, considerando, especialmente, os parâmetros internacionais de
proteção à pessoa em situação de encarceramento, faz-se necessário a declaração de
inconstitucionalidade dos normativos questionados nessa ADI, de modo a garantir às
19 CIDH, Democracia y Derechos Humanos en Venezuela, Cap. VI, párr. 826.
23
pessoas privadas de liberdade um acesso rápido e efetivo ao controle judicial das condições
de detenção do sistema carcerário.
V. A PREVALÊNCIA DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS JUDICIAIS E
PROCESSUAIS.
Como não bastasse a violação de princípios e direitos de nosso arcabouço
jurídico que envolvem a sociedade brasileira, a criação das varas centralizadas de execução
penal também fere garantias tão caras de proteção à magistratura e independência judicial.
O modelo de execução das penas, apesar de sua natureza bipartida de ser
judicial e administrativo, se submete às normativas constitucionais do sistema de justiça do
Estado Democrático de Direito. Assim, a criação de justiça de exceção não é somente
proibida no que se refere aos processos de conhecimento, mas também permanece vedada
a possibilidade de criação de justiças de exceção para os processos de cumprimento de
pena.
O que faz a normativa paulista é criar de órgãos para emitir valor decisões
judiciais de modo excepcional à fatos e atividades de pessoas privadas de liberdade. Não se
trata, por exemplo, de criar varas especializadas e sim de desenvolver estruturas que visam
retirar daqueles magistrados constitucionalmente constituídos a sua função judicial e
depositá-las em um órgão composto por juízes escolhidos pessoalmente pela
administração da justiça.
O devido processo legal é uma garantia inerente a todo indivíduo. Em nossa
sistemática jurídica não há de prevalecer a possibilidade da administração a justiça mover
discriminadamente um juiz com jurisdição plena, retirando-o do exercício de suas funções
legais e designando-o arbitrariamente para conduzir outras competências em lugar diverso,
e apontando arbitrariamente outra pessoa para ser revestida de tais competências.
Sabe-se que o artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, prevê que não se
excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito, para tanto, faz-se
24
necessário a existência de um juiz imparcial, com competência previamente estabelecida em
lei.
O artigo constitucional supramencionado compreende como princípio não tão
somente a inafastabilidade da jurisdição e sua efetividade, como também abrange o direito
de acesso à justiça. Para um efetivo direito de acesso à justiça, é necessário, além de uma
ampla possibilidade de ingresso ao judiciário, também a garantia de ter uma resposta e
tratamento que satisfaça as pretensões de obtenção de justiça.
Além de ferir o direito ao acesso à justiça, a previsão de discricionariedade na
escolha dos juízes que irão atuar nessas centrais de execução e os departamentos de
inquéritos policiais, nos termos das leis complementares questionadas, viola no cerne a
garantia constitucional do juiz natural.
São vários os fatores que podem influenciar a atuação do judiciário, dentro dos
fatores externos de pressões diretas ou indiretas sobre os magistrados há de se destacar
aquelas provindas de seus superiores hierárquicos ou de autoridades governamentais. Tais
fatores externos encontram-se intimamente vinculados a conceitos autoritários que ainda
regem o sistema judicial brasileiro.
Dentre tais influências externas, muitas estão interligadas ao processo de
nomeação e ascensão na carreira da magistratura. Dentre as várias possibilidades de
processos de escolha dos magistrados, o sistema brasileiro tentou definir uma forma
imparcial de seleção de seus juízes. O art. 93, I da Constituição Federal estabelece que a
escolha dos juízes se dará por meio de concurso de provas e títulos, evitando que sejam
escolhidos por meio de indicação política.
Todavia, quando os Tribunais burlam esse dispositivo, entendendo que
alterações na forma de constituição do juízo natural se incluem na possibilidade de auto-
organização judiciária, o que acaba prevalecendo é, de fato, a indicação política de juízes
para exercerem determinadas funções.
25
. As normas questionadas nessa Ação Direta de Inconstitucionalidade refletem
exatamente esse cenário. Ao permitir que o próprio Tribunal de São Paulo escolha
discrionariamente os juízes que serão responsáveis pelas varas de execução penal, infringe
violentamente o princípio do juiz natural.
Deste modo, a designação arbitrária pelo Conselho da Magistratura
composto por membros do Tribunal de Justiça de São Paulo contraria expressamente os
princípios do juiz natural, da imparcialidade e da independência do magistrado, postulados
constitucionais do mais importantes em um Estado Democrático de Direito
Além disso, a criação das varas centralizadas de execução penais e os
departamentos regionalizados de inquéritos policiais violam outros princípios essenciais
não só para a garantia de independência do magistrado, como garantias inerentes à própria
carreira da magistratura.
Com fins de assegurar a independência do Poder Judiciário, a Constituição
Federal (art. 95 CF/88) e a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Art. 25 LOMAN)
asseguram a magistratura de garantias especiais que ressaltam a autonomia da função,
dentre elas a inamovibilidade.
Os textos legais estaduais ora em debate, no entanto, mitigam a
inamovibilidade dos juízes paulistas. Na esfera penal, os efeitos dessa violação se fazem
ainda mais graves e evidentes uma vez que ampliam o poder persecutório do Estado, ao
proporcionar aos administradores da justiça o poder de retirar e designar o juiz para
assumir diferentes acervos processuais, faz-se uma ameaça que proporciona a possibilidade
de tais administradores influírem em como os juízes decidem os casos.
A) Parâmetros Internacionais das Garantias Judiciais e Processuais.
A independência dos juízes e do Poder Judiciário é contemplada por uma
infinidade de instrumentos normativos, princípios, relatórios e decisões em âmbito
internacional, acompanhando a trajetória da universalização dos direitos humanos.
26
Como mencionado anteriormente, efetivar a independência dos magistrados é
proporcionar ao juiz exercer suas funções a partir de uma análise do caso concreto a ele
exposto, de acordo com o seu entendimento das normas disponíveis, sem estar atrelado a
qualquer tipo de influência externa, pressão, ameaça ou interferência, independente da
origem desta, incluindo as influências dos próprios administradores do sistema judicial.
Na esfera normativa internacional, os principais normativos internacionais de
direitos humanos reconhecem a obrigação de proteger e garantir a independência dos juízes
e do sistema judicial. Tanto a Declaração Universal de Direitos Humanos20, quanto a
Convenção Americana de Direitos Humanos21, de forma mais detalhada, dispõe em
seus respectivos textos a garantia dos indivíduos serem submetidos à uma justiça imparcial
e independente, e jamais à tribunais e justiças de exceção.
20 Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 10 de dezembro de 1948, Artigo X: “Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”. 21 Convenção Americana de Direitos Humanos, também denominado “Pacto São José da Costa Rica”, promulgada em 22 de novembro de 1969, trata das Garantias e Proteções Judiciais em seus artigos 9º e 25º. Artigo 9º - Garantias judiciais. 1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. 2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: a) direito do acusado de ser assistido gratuitamente por um tradutor ou intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua do juízo ou tribunal; b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios necessários à preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; e) direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei; f) direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam lançar luz sobre os fatos; g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada; e h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal superior. 3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza. 4. O acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos. 5. O processo penal deve ser público, salvo no que for necessário para preservar os interesses da justiça. Artigo 25 - Proteção judicial. 1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. 2. Os Estados-partes comprometem-se: a) a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso; b) a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e c) a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso.
27
Outros normativos de semelhante importância também reconhecem a
indispensabilidade da independência do judiciário. De acordo com o artigo 14 do Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos de 1966:
Toda as pessoas são iguais perante os Tribunais e as Cortes de Justiça. Toda pessoa
terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal
competente, independente e imparcial, estabelecido por lei.
O artigo 6 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos dispõe na
mesma congruência:
Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e
publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial,
estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e
obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria
penal dirigida contra ela
Instrumento adotado na Segunda Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos, a Declaração de Viena e Programa de Ação22 estabelece a importância da
imparcialidade e independência do judiciário para os direitos humanos, em um contexto de
solidificação de uma sociedade democrática:
Cada Estado deve ter uma estrutura eficaz de recursos jurídicos para reparar infrações
ou violações de direitos humanos. A administração da justiça, por meio dos órgãos
encarregados de velar pelo cumprimento da legislação e, particularmente, de um Poder
Judiciário e uma advocacia independentes, plenamente harmonizados com as normas
consagradas nos instrumentos internacionais dos direitos humanos, é essencial para a
realização plena e não discriminatória dos direitos humanos e indispensável aos
processos de democratização e desenvolvimento sustentável.
A Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas
(ONU) vem reiterando nos últimos anos uma preocupação cada vez maior às violações da
22 Declaração de Viena e Programa de Ação – A/Conf. 157/23, primeira parte, parágrafo 27.
28
independência dos magistrados, uma vez que entende ser o judiciário imparcial e
independente um requisito essencial para a proteção dos direitos humanos.
A resolução nº 2004/33 da Comissão23, por exemplo, intitulada
“Independência e Imparcialidade do Judiciário, Jurados e Assessores e a Independência dos
Advogados”, traz essa preocupação e chama atenção dos governantes para a necessidade
de proteção da independência do judiciário, solicitando que tome as devidas medidas para
possibilitar os juízes de executarem suas funções sem nenhum tipo de pressão ou
intimidação24.
Em semelhante sentido versam os “Princípios Básicos sobre
Independência do Judiciário” da ONU. Tais Princípios partem da perspectiva do poder
decisivo que recaí na pessoa do magistrado para decidir “em última instância sobre a vida,
as liberdades, os direitos, os deveres e os bens do cidadão”. Assim, os Princípios apontam
que a independência do Judiciário implica em decidir de modo “imparcial, com base em
fatos e leis e isento de influências e pressões indevidas”, sendo assegurado às partes o
acesso ao devido processo legal e respeito aos seus direitos fundamentais e garantias
enquanto parte processual:
2. Os juízes devem decidir todos os casos que lhes sejam submetidos com
imparcialidade, baseando-se nos factos e em conformidade com a lei, sem quaisquer
restrições e sem quaisquer outras influências, aliciamentos, pressões, ameaças ou
intromissões indevidas, sejam diretas ou indiretas, de qualquer sector ou por qualquer
motivo.
6. Em virtude do princípio da independência da magistratura, os magistrados têm o
direito e o dever de garantir que os procedimentos judiciais são conduzidos em
conformidade com a lei e que os direitos das partes são respeitados.
23Commission on Human Rights Resolution.OHCHR, 2004. E/2004/23 – E/CN.4/2004/127 - Independence and impartiality of the judiciary, jurors and assessors and the independence of lawyers – Disponívelem: <https://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=3&cad=rja&uact=8&ved=0CDAQFjAC&url=http%3A%2F%2Fap.ohchr.org%2Fdocuments%2FE%2FCHR%2Fresolutions%2FE-CN_4-RES-2004-33.doc&ei=GyaeU8WHKbGmsATli4CACQ&usg=AFQjCNHBqkRljtMqsQNbwSlq9AOGEX9pQw&bvm=bv.68911936,d.aWw>. Últimoacessoem: 13.06.2014. 24Ibdem, §7º. Calls upon all Governments to respect and uphold the independence of judges and lawyers and, to that end, to take effective legislative, law enforcement and other appropriate measures that will enable them to carry out their professional duties without harassment or intimidation of any kind;
29
Os Tribunais Internacionais de Direitos Humanos, entre eles a Corte
Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Europeia de Direitos Humanos,
retratam a necessidade de empoderar em independência e imparcialidade os sistemas
judiciais nacionais, especialmente nos casos que versam sobre os direitos de acesso à justiça
e direitos das pessoas privadas de liberdade. Esses Tribunais consideram que tais garantias
se fazem absolutamente essenciais uma vez que será o juiz natural aquele que estará em
maior proximidade com os casos de violação de direitos humanos.
De acordo com Serge Guinchard25, a Corte Europeia de Direitos Humanos
tem se valido de 4 (quatro) critérios para avaliar a independência dos juízes:
o modo de designação dos juízes, que não pode ser deixado à
escolha discricionária dos membros do Executivo;
a duração dos mandatos dos juízes;
a existência de garantias contra as pressões exteriores;
a aparência ou não de independência.
Assim, a Corte Europeia tem entendido que a imparcialidade possui aspectos
tanto subjetivos como objetivos:
Primero, el tribunal debe carecer, de uma manera subjetiva, de prejuicio persona.
Segundo, también debe ser imparcial desde um punto de vista objetivo, esdecir, debe
oferecer garantias suficientes para que no hayaduda legítima al respecto. Bajo
elanálisis objetivo, se debe determinar si, aparte del comportamiente personal de los
jueces, hay hechos averiguables que podrán suscitar dudas respecto de su
imparcialidade. Em este sentido, hasta las apariencias podrán tener certa importância.
Lo que está em juego es la confinaza que deben inspirar los tibunales a los ciudadanos
em uma sociedade democrática, y sobre todo, em las partes del caso26.
25GUINCHARD, Serge.Droit Processuel - Droit commun du procès, ed. Dalloz, Paris, 1ª ed., págs. 444/447. 26 Corte Europeia de Direitos Humanos, caso Pabla KY vsFinlandia, sentença proferida em 26 de junho de 2004.
30
Para a Corte, a imparcialidade de um tribunal dependerá que seus integrantes
não tenham um interesse direto na controvérsia, ou um posicionamento pré-formulado, ou
certa preferência por alguma das partes:
El juez debeseparse de uma causa sometida a su conocimiento cuando exista algún
motivo o duda que vaya em desmedro de la integridade del tribunal como um órgano
imparcial. Em aras de salvaguardar la administración de justicia se debe assegurar
que eljuez se encuentre libre de todo per juicio y que no exista temos alguno que ponga
em duda elejercicio de las funciones jurisdiccionales27.
A escolha designada de forma arbitrária pela administração do Tribunal de
Justiça, como observado no caso concreto, vai de encontro ao entendimento das cortes
internacionais de direitos humanos. A possibilidade de o juiz ser destituído ou movido de
sua jurisdição a qualquer momento, torna-o mais propício a condicionar suas decisões aos
anseios e posicionamentos de seu Tribunal.
A existência de critérios pessoais e subjetivos para a designação de magistrados,
como se dará nos Departamentos Estaduais de Execução Penal do Estado de São Paulo,
não atendem os aspectos estabelecidos pela Corte Europeia de Direitos Humanos os quais
visam garantir a independência e imparcialidade judiciária, por recair nos ombros dos juízes
paulistas uma ameaça perene de que podem ser removidos e recolocados a qualquer
momento em outra comarca.
Nesse sentido, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos também
manifesta-se por vezes em suas decisões e recomendações a necessidade de efetivar a
autonomia, independência e integridade pessoal dos membros do Poder Judiciário. Desde
1996, a Comissão vem recomendando aos Estados a essencialidade de garantir essa
independência:
Dada a função essencial que o Poder Judiciário desempenha no cumprimento da
responsabilidade que todo Estado membro tem desrespeitar e proteger os direitos
humanos das pessoas subordinadas à sua jurisdição, função que reveste capital
27 Corte Europeia de Direitos Humanos, caso PalamaraIrbiane, sentença de 22 de novembro de 2005.
31
importância numa sociedade democrática, a Comissão recomenda aos Estados
membros o seguinte:
Adotar as medidas necessárias para proteger a integridade e independência dos
membros do Poder Judiciário no exercício de suas funções e, especificamente, no que
respeita aos processos em matéria de violação dos direitos humanos; de modo especial,
os juízes devem ter a liberdade de decidir sobre os assuntos que
tenham sob sua vista sem estar sujeitos a qualquer tipo de
influência, instigação, pressão, ameaça ou interferência, diretas ou
indiretas, quaisquer que sejam os motivos ou a origem das
mesmas28.
A independência judicial em muito depende do procedimento de nomeação
dos juízes, afim de que seja assegurado a imparcialidade dos mesmos. Nesse sentido, a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos assim decidiu: “um adequado processo de
designação dos membros do Poder Judiciário, que seja transparente e garanta a igualdade dos seus membros,
é garantia fundamental para sua independência”29.
Corroborando nesse entendimento, versa e completa o décimo princípio dos
“Princípios Básicos sobre Independência do Judiciário”:
10. As pessoas selecionadas para exercer funções de magistrado devem ser íntegras e
competentes e terão a formação ou as qualificações jurídicas adequadas. Qualquer
método de seleção de magistrados deve conter garantias contra
nomeações abusivas. A seleção dos juízes deve ser efetuada sem qualquer
discriminação por motivo de raça, cor, sexo, religião, opinião política ou de outra
índole, origem nacional ou social, posição económica, nascimento ou condição; o
requisito de que os candidatos a cargos judiciais sejam nacionais do país em questão
não se considerará discriminatório.
Por sua vez, a Corte Interamericana de Direitos Humanos intrinsicamente
relaciona as garantias judiciais com o Devido Processo Legal. A Convenção Americana de
28 Relatório Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Ano de 1996. Disponível em: <http://cidh.oas.org/annualrep/96port/96Portindice.htm>. Último acesso em 13.06.2014. 29 CIDH. OEA/Ser.L/V/II. Informe sobre Democracia e Direitos Humanos na Venezuela. Párr. 187. De 30 de dezembro de 2009.
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Direitos Humanos, em seu supracitado artigo 8º, abrange um conjunto de requisitos que
devem ser observados nas esferas processuais com a finalidade de proteger o indivíduo de
atos estatais que possam violar seus direitos, ou seja, a um devido processo e ao direito à
uma jurisdição legal e eficaz.
Deste modo, a Corte Interamericana tem considerado que, assim como direito
a ser julgado por um juiz ou tribunal imparcial, é também uma garantia essencial o devido
processo legal. Em alguns casos, a independência judicial está vinculada a competência e
constituição dos tribunais: “[...] o Estado não deve criar tribunais que não apliquem
normas processuais devidamente estabelecidas para substituir a jurisdição que
corresponda normalmente aos tribunais ordinários, pois a garantia do devido
processo legal pode ficar ameaçada”30.
Perceba que esse parâmetro está relacionado estreitamente com o caso em
apreço, considerando que os atos normativos do legislativo paulista visam violar a
jurisdição de uma justiça já ordinariamente constituída e operante. Reiteradamente a Corte
tem sustentado, através de suas jurisprudências, critérios claros e precisos sobre a
independência judicial, como requisito fundamental para a imparcialidade dos juízes e,
como consequência, para garantir um devido processo legal.
Percebe-se a violação inquestionável de tais preceitos pelas legislações ora
questionadas na presente ADI. Cabe à esta Excelsa Suprema Corte, mais uma vez, evitar
que os magistrados sejam colocados em uma posição de vulnerabilidade frente à
administração da justiça, mantendo-os independente para atuar nos processos de execução
penal e inquéritos policiais sem a interferência de pressões internas e externas que possam
resultar na violação do devido processo legal, direito fundamental do qual toda a sociedade
é titular.
30 Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Cantoral Benavides vcPerú.
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VI. CONCLUSÃO E PEDIDO.
A construção histórica e a universalização dos direitos humanos estabelecem
paradigmas em direitos que permitem abolir a existência de qualquer instrumento que vise
suprimir aquilo que já foi alcançado através de tanta luta social.
A questão da independência e autonomia do judiciário é de âmbito universal, já
tendo sido objeto de estudo e definição por parte de diversos mecanismos internacionais,
como a Organização das Nações Unidas, através de seus relatores especiais e da Comissão
de Direitos Humanos, bem como já foi discutida e pacificada pelos Tribunais
Internacionais de Direitos Humanos, tanto a Corte Interamericana de Direitos Humanos
quanto o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no sentido da prevalência das garantias
que garantam a independência e imparcialidade dos magistrados.
As justiças de exceção criadas pelas legislações paulistas agridem brutalmente
princípios basilares do Estado Democrático de Direito bem como os princípios
internacionais que versam acerca das garantias judiciais inerentes à pessoa humana. No
mais, as violações dos direitos subjetivos dos magistrados fragilizam os juízes frente ao
arbítrio conferido ao poder estatal.
O Legislativo Paulista e o Tribunal de Justiça de São Paulo agem sem fazer
detalhada análise da eficácia de tal centralização. Pensando exclusivamente no conforto da
administração judicial, se esquecem dos preceitos constitucionais de garantia do devido
processo legal e de proteção de seus magistrados, bem como dos males que causará às
atuações dos outros operadores da justiça, como os advogados, defensores e Ministério
Público, e, pior ainda, se esquece daqueles para quem o sistema de justiça foi criado para
amparar: a sociedade.
As estruturas do sistema de justiça devem sempre privilegiar a acessibilidade à
justiça em detrimento das vontades corporativas dos Tribunais. Não está somente em
xeque nesta ação as prerrogativas e garantias do magistrado e do sistema de justiça, mais do
que um privilégio de classe, a independência judicial trata-se de uma garantia para a
sociedade.
34
A declaração de inconstitucionalidade das normas em questão visa adequar o
Poder Judiciário às necessidades locais da realidade social brasileira, de modo a ser um
passo avante na construção de um sistema judicial que venha se enquadrar em um papel de
defensor autônomo e independente dos direitos humanos.
Por todo o exposto, as entidades subscritoras vêm à presença de Vossa
Excelência requerer:
a) Sejam admitidas como amicus curiae da ADI n.º 5070; e
b) Seja conferida a possibilidade de sustentação oral dos argumentos deste
amicus curiae em plenário, e que os subscritores desta sejam intimados
previamente para a realização do ato.
c) Subsidiariamente, seja esta manifestação admitida como memoriais.
Nestes termos,
Pede deferimento.
De São Paulo para Brasília, em 17 de dezembro de 2014.
Marcos Roberto Fuchs Rafael C. G. Custódio Paulo C. Malvezzi Filho
OAB/SP 101.663 OAB/SP 262.284 OAB/SP 309.363
Flavio Siqueira Júnior Sheila de Carvalho Vivian Calderoni
OAB/SP 284.930 OAB/SP 343.588 OAB/SP 286.871