evolução do conceito de função

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Page 1: Evolução do Conceito de Função

TEXTO COMPLEMENTAR: 

 A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE FUNÇÃO1 

  Por FRANCIELE CRISTINE MIELKE 

 A noção de dependência  funcional  surgiu da  idéia de  relacionar dois conjuntos 

com  alguma  regra.  A  origem  é  incerta,  mas  desde  tempos  remotos,  tabelas  de correspondências obtidas da observação de fenômenos físicos, foram  importantes na evolução do que hoje conhecemos por função. 

As operações com funções já tinham atingido um alto grau de perfeição na época das primeiras tentativas de formalizar o conceito de função. O método analítico de se tratar funções revolucionou a matemática e assegurou para o conceito de função um lugar de destaque nas ciências exatas. 

Esse  é  o  conceito  de  função  que  desde  o  século  passado  é  aceito  por  todos: "Uma função y da variável x, y = f(x), é uma relação entre pares de elementos de dois conjuntos X e Y, tal que a cada elemento x do conjunto X, um e apenas um elemento y do conjunto Y é associado de acordo com alguma regra pré‐estabelecida". 

 ANTIGUIDADE 

Duas  civilizações  aparecem  como  precursoras  na  utilização  da  idéia  de dependência  funcional:  os  babilônios  e  os  gregos.  Contudo,  se  considerava  apenas casos particulares de dependências entre duas quantidades,  sem  tentativas de gene rali.  A  idéia  de  função  matemática  esteve  sempre  ligada  historicamente  com  a evolução do conhecimento de correspondências  físicas, e neste aspecto o progresso feito pelos babilônios na tabulação e interpolação de dados astronômicos é notável.  

As conquistas gregas no  incremento do número de dependências funcionais por eles usadas  e no descobrimento de novos métodos de  estudá‐las,  foram  realmente substanciais e desempenharam um papel  importante no desenvolvimento da ma  te. Na geometria grega, podemos encontrar vários problemas Amin  relacionados com a definição e existência de relações funcionais. E mesmo bem cedo, entre os pitagóricos, problemas dessa natureza são encontrados. 

Como quase todo o pensamento científico, com o declínio da civilização grega, o conceito de função teve que esperar em torno de treze séculos para receber novas e decisivas contribuições. 

 IDADE MÉDIA 

O momento em que o conceito de  função começou a ser visto como algo mais geral foi no século 14. É nessa época que ocorre o ressurgimento da matemática como objeto de preocupação dos cientistas. A associação da matemática com os fenômenos naturais facilitou  imensamente aos matemáticos o trabalho de generalizar o conceito de  função,  tanto  que  já  no  século  14  os  estudiosos  possuíam  uma  clara  noção  de função no seu sentido geral, entretanto não conseguiram  formalizar adequadamente tal conceito. 

Embora  seja  a  cinemática  um  ramo  da  mecânica  mais  claramente  ligado  à 

1 Resumo obtido a partir do texto de Geraldo Márcio de Azevedo Botelho. 

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geometria,  seu  desenvolvimento  não  pode  ser  desconectado  da  discussão  sobre  as relações funcionais no mundo físico. Grande parte dessa discussão na  idade média se baseia  puramente  na  especulação  e  não  era  sustentada  por  nenhum  tipo  de investigação empírica.  

Oresme,  por  volta  de  1361  fez  um  esboço  daquilo  que  hoje  chamamos  de representação  gráfica  de  funções,  ao  traçar  um  gráfico  velocidade‐tempo  para  um corpo  que  se  move  com  velocidade  constante.  Pela  primeira  vez  um  sistema  de coordenadas é utilizado para a representação de uma quantidade variável. 

Já  se  percebe  que  o  desenrolar  dos  acontecimentos  sinaliza  uma  clara preocupação no sentido de se abstrair das funções estudadas  isoladamente, e que as investigações  e  questionamentos  serviram  de  preparação  pra  a  grande  revolução científica que não tardaria a acontecer. 

 SÉCULOS 16 E 17 

No  início da  Idade Moderna, as expressões analíticas das  funções começaram a prevalecer,  e  as  funções  analíticas,  geralmente  expressas  por  séries  de  potências infinitas, logo se tornaram as mais usadas. 

Alguns  fatores  que  tiveram  lugar  no  século  16  foram  responsáveis  pelo desenvolvimento verificado no século 17. Alguns deles: 

 • O  desenvolvimento  dos  primeiros  métodos  computacionais,  que  muito 

facilitaram os cálculos feitos posteriormente; 

• O grande avanço que este século representou na trigonometria; 

• Os  trabalhos  de Viéte,  que  desempenhou  um  papel  importantíssimo  nesta época,  ao  criar,  em  1591,  a  álgebra  simbólica,  que  deu  origem  a  toda simbologia matemática usada até hoje. 

• A descoberta dos  logaritmos, cuja primeira tábua foi publicada em 1614 por Napier, onde os cálculos são feitos sem o conceito de função, e são baseados apenas na clara observação de uma relação funcional específica. 

Fermat e Descartes, na primeira metade do século 17, inauguraram uma nova era na matemática,  ao  apresentarem o método  analítico para  se  introduzir  função, que consistia no uso de equações para representar e analisar as relações entre as variáveis conectadas com uma curva. 

A  análise  cartesiana  era  centrada  basicamente nas  curvas,  e  estas  eram  vistas apenas como uma materialização da relação entre x e y e não como o gráfico de uma função y = f(x). 

Descartes  restringiu  o  tratamento  analítico  às  funções  algébricas,  deixando  de fora  inclusive as curvas mecânicas. Essa restrição para a teoria de Descartes, uma vez que uma maneira única para  se  representar  todas as  funções era um objetivo a  ser atingido. Uma solução temporária para este problema foi conseguida com o trabalho de  vários matemáticos que,  independentemente uns dos outros, descobriram  como desenvolver  funções  em  séries  de  potências  infinitas,  o  que  possibilitou  a representação analítica de todas as relações funcionais conhecidas na época. 

A  teoria  de  desenvolvimento  de  funções  em  séries  de  potências  foi  a  mais notável  componente  da  nova matemática  proposta  por  Newton  e  Leibniz.  Um  dos 

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principais  trabalhos  de Newton  chama‐se  "O Método  dos  Fluxos  e  Séries  Infinitas". Importante  também  foi  "Duas  Novas  Ciências",  de  Galileu.  Neste  livro,  as  relações funcionais eram expressas por palavras e na  linguagem das proporções, mas Galileu deixava claro o trato com variáveis e funções, tanto que bastou apenas a evolução do simbolismo algébrico para que estas relações fossem escritas na forma simbólica. 

Na  época  de Newton,  as  várias  variáveis  de  uma  curva  não  eram  vistas  como dependentes  de  uma  única  variável  independente,  tendo  sido  Newton  a  única exceção, pois para ele o  tempo era a variável  independente da qual  todas as outras dependiam. Em  termos  físicos esta  tese mostrou‐se bastante  frágil, uma vez que  foi totalmente  destruída  pela  teoria  da  inseparabilidade  entre  o  espaço  e  tempo  de Einstein (só que mais de 200 anos depois). Contudo, ela teve uma importância crucial no  desenvolvimento  do  pensamento  funcional,  pois  materializava  as  noções  de variáveis independentes e dependentes. 

Leibniz,  contemporâneo  de  Newton,  trabalhou  paralelamente,  mas independentemente de Newton, chegou às noções básicas do Cálculo desenvolvendo‐as a partir da geometria das curvas. É claro que o conceito de função se encontra entre estas noções básicas, e  foi  com  Leibniz que a palavra  função aparece  impressa pela primeira  vez,  em  1676,  particularmente  no manuscrito  'The Methodus  Tangentum Inversa, Seu de ‘functionibus'. Leibniz se refere às funções como partes de linhas retas, isto é: segmentos obtidos pela construção de  linhas retas  infinitas correspondentes a um ponto fixo e a pontos de uma curva dada. 

Jakob Bernoulli usa esse  sentido no  se  'Acta Eruditorum'.  Leibniz quanto  Jakob gostariam de usar o termo função para representar expressões analíticas, tanto que o próximo passo foi à compreensão de função como expressões analíticas arbitrárias. O primeiro a fazer isso foi Johann Bernoulli que se reporta a função como uma expressão analítica arbitrária em seu artigo sobre a solução do problema isoperimétrico. 

Bernoulli introduz em 1697 a notação X para uma função da variável x, que teve vida curta, graças a seu próprio criador. 

 SÉCULOS 18 E 19 

Johann Bernoulli, em um artigo de 1718 revê sua posição e sugere a  letra grega ϕ   para  caracterizar  funções.  Porém  o  argumento  ainda  era  escrito  sem  os  atuais parênteses:  ϕ x. Neste mesmo artigo de 1718, Johann apresenta a definição explícita de  função mais  remota de que  se  tem notícia:  "Definição:  chama‐se  função de uma grandeza  variável  uma  quantidade  composta  de  qualquer  modo  da  variável  e  de constantes quaisquer".  Já estava bem  claro que  tal  conceito era necessário. É neste momento  que  entra  em  cena  o  matemático  que  pode  ser  considerado  como  o personagem principal: Leonhard Euler. 

De acordo com o seu método de  trabalho, Euler diagnosticou esta necessidade de uma formalização do conceito de função, e elaborou definições bem detalhadas: 

 • Constante: quantidade definida que assume sempre um e apenas um valor; 

• Variável:  quantidade  indeterminada,  ou  universal,  que  comporta  em  si mesma todos os valores determinados; 

• Função: uma  função de uma quantidade variável é uma expressão analítica composta, de qualquer maneira, por esta quantidade variável e números ou 

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quantidades constantes.  Paralelamente ao trabalho de tentar definir corretamente o conceito de função, 

Euler também contribuiu decisivamente para que esta busca se tornasse um objetivo premente. A necessidade de generalização ficou mais flagrante ainda quando o próprio Euler introduziu as funções de uma variável complexa. Estas, ao contrário das funções reais  de  uma  variável  real,  não  tinham  o  apelo  geométrico  imediato  de  curvas  ou gráficos,  e  sem  o  apoio  da  visualização  aumenta  a  necessidade  de  definições mais precisas e cuidadosas, uma vez que um grau muito mais alto de abstração é exigido. Com  isso,  o  tratamento  isolado  de  funções  torna‐se  um  procedimento  totalmente obsoleto. 

Apesar de tratar apenas com  funções analíticas no vol. 1 do seu “Introductio  in Analisis  Infinitorum”, no vol. 2 Euler admite a existência de outros  tipos de  funções. Neste  trabalho ele cita o que seria a  idéia de continuidade. Para Euler, continuidade significava  invariabilidade,  imutabilidade  da  equação  que  determina  a  relação funcional  sobre  todo o domínio de  valores da  variável  independente, enquanto que descontinuidade significava uma alteração na lei analítica, a existência de pelo menos duas leis diferentes em dois intervalos de seu domínio. 

Esse  conceito  de  continuidade  gerou  uma  grande  polêmica  e  discussão envolvendo vários matemáticos. Em 1817, Bolzano define continuidade: 'a função f(x) é contínua em um  intervalo  se, em qualquer x do  intervalo, a diferença  f(x+w)  ‐  f(x) pode se  tornar  tão pequena quanto se deseje'. Definição parecida  foi anunciada por Cauchy  em  1821.  O  grande  passo  dado  por  Bolzano  e  Cauchy  foi  ter  dado  à continuidade  o  seu  caráter  local,  ao  contrário  do  caráter  global  a  ela  atribuído  por Euler. 

Em 1734‐35, Euler  introduz a notação  f(x) para a  representação da  função  f da variável  x. E em 1755  se  vê obrigado a  rever  seu  conceito de  função, e propõe:  'Se algumas quantidades dependem de outras quantidades de modo que uma alteração nas segundas implique uma alteração nas primeiras, então as primeiras são chamadas de funções das segundas'.  

Em 1780, o conceito de funções mistas de Euler é questionado por J. Charles, que diz  que  algumas  funções  que  pela  definição  de  Euler  seriam  mistas  podem  ser representadas por uma equação apenas. Em 1844, Cauchy apresenta o exemplo que sepulta as funções mistas: a função f(x)= {x, x  ≥  0 e ‐x, x < 0} pelo conceito de Euler, é descontínua, mas se escrita como f(x)= x², para todo x; o que por Euler é uma função contínua. 

Uma  das  principais  conquistas  matemáticas  do  século  19  foi  a  formalização daquela  área  da matemática  que  trata  dos  processos  infinitos  (e  infinitesimais),  ou seja,  a  separação  da  análise  da  geometria.  Este  processo  teve  em Weierstrass  seu maior expoente, e no  conceito de  função  seu maior protagonista. Deve‐se  ressaltar também  que  o  passo  inicial  da  aritmetização  da  análise  foi  dado  por  Euler,  que no 'Introducio' identifica as funções como o objeto central de estudo, em detrimento das curvas.