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nacionais NO BRASIL' Políticas sociais e direitos sociais no Brasil mudam ao sabor e ao ritmo das mudanças constitucionais, prática política subordinada às classes dirigentes, regidas pelos interesses externos Atualmente, nio basta criticar a políti- ca social. fundamental realizar a crítica da sua crÍtica, que quase sempre despreza a rea- lidade e alté a legitima pelo avesso. Quer di- zer: ao desconhecer a realidade, confirma-a. As reformas consiituçionais fazem parte do costume político mais ou menos presente no Brasil depois de 1 830, durante o Império, convertendo-se em tema obriga- tório na Repcblica, sobretudo a partir da década de 1 920: Reforma Constitucional em 1926, Revolução Constitucionalista em 1932 e Constituiçfies de 1934, de 1937 (outorgada), de 1946, de 1967, de 1969 (outorgada com o Ato Institucional n.5) e de 1988. Como classe historicamente cada vez mais subordinada, a classe dirigente no Bra- sil tem oscilado entre a inércia e a modemi- zação imposta de fora, entre a promulgação de uma Constituição e a imediata proclama- ção de sua reforma. Assim, cada novissima Constituição sempre surge atrasada, porque a classe dirigente exige sempre outras re- gras, diferentes daquelas que lhe eram acei- táveis ou favoráveis pouco tempo, justifi- cando-se com a necessidade de manter a es- tabilidade ou o crescimento do Pais. A política social percorre dois rnomen- tos políticos distintos e marcantes do século XX no Brasil: escrevendo sobre tal assunto anos atrisl, afirmo que o "'primeiro período de controle da política" corresponde h dita- dura de Getulio Vargas e ao populismo nacio- nalista, com influência para além de sua mor- te, em 1954. O "segundo período de poliiica do controle" cobre a época da instalação da ditadura militar em 1964 até à conclusão dos trabalhos da Constituinte de 1988. Nesses dois períodos, a política social brasileira compõe-se e recompõe-se, con- servando em sua execução o cariter frag- mentário, setorial e emergencial, sempre sustentada pela imperiosa necessidade de dar legitimidade aos governos que buscam bases sociais para manter-se e aceitam sele- tivamente as reivindicações e até as pres- sões da sociedade. aro Vieira tular Doutc 1- iç5o e Cie ducação & ia Faculda I. Artigo onginalmenre publicado no JORNAL DA USP, Seqtio Opinifio. ann 12.11.357, de 5 a 1 1 de agosto de 1496. p.2. 2. VIEIRA. Evaldr,. F~tado e miséria socíaE no Brasil -de Getúlio n Ceisel 4.ed. Sáo Paulo: Çorte~. 1995. p.229-233.

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  • nacionais NO BRASIL' Polticas sociais e direitos sociais no Brasil mudam ao sabor e ao ritmo das mudanas constitucionais, prtica poltica subordinada s classes dirigentes, regidas pelos interesses externos

    Atualmente, nio basta criticar a polti- ca social. fundamental realizar a crtica da sua crtica, que quase sempre despreza a rea- lidade e alt a legitima pelo avesso. Quer di- zer: ao desconhecer a realidade, confirma-a.

    As reformas consiituionais fazem parte do costume poltico mais ou menos presente no Brasil depois de 1 830, durante o Imprio, convertendo-se em tema obriga- trio na Repcblica, sobretudo a partir da dcada de 1 920: Reforma Constitucional em 1926, Revoluo Constitucionalista em 1932 e Constituifies de 1934, de 1937 (outorgada), de 1946, de 1967, de 1969 (outorgada com o Ato Institucional n.5) e de 1988.

    Como classe historicamente cada vez mais subordinada, a classe dirigente no Bra- sil tem oscilado entre a inrcia e a modemi- zao imposta de fora, entre a promulgao de uma Constituio e a imediata proclama- o de sua reforma. Assim, cada novissima Constituio sempre surge atrasada, porque a classe dirigente exige sempre outras re- gras, diferentes daquelas que lhe eram acei- tveis ou favorveis h pouco tempo, justifi- cando-se com a necessidade de manter a es- tabilidade ou o crescimento do Pais.

    A poltica social percorre dois rnomen- tos polticos distintos e marcantes do sculo XX no Brasil: escrevendo sobre tal assunto anos atrisl, afirmo que o "'primeiro perodo de controle da poltica" corresponde h dita- dura de Getulio Vargas e ao populismo nacio- nalista, com influncia para alm de sua mor- te, em 1954. O "segundo perodo de poliiica do controle" cobre a poca da instalao da ditadura militar em 1964 at concluso dos trabalhos da Constituinte de 1988.

    Nesses dois perodos, a poltica social brasileira compe-se e recompe-se, con- servando em sua execuo o cariter frag- mentrio, setorial e emergencial, sempre sustentada pela imperiosa necessidade de dar legitimidade aos governos que buscam bases sociais para manter-se e aceitam sele- tivamente as reivindicaes e at as pres- ses da sociedade.

    aro Vieira tular Doutc 1-

    i5o e Cie ducao &

    ia Faculda

    I . Artigo onginalmenre publicado no JORNAL DA USP, Seqtio Opinifio. ann 12.11.357, de 5 a 1 1 de agosto de 1496. p.2. 2. VIEIRA. Evaldr,. F~tado e misria socaE no Brasil -de Getlio n Ceisel 4.ed. So Paulo: orte~. 1995. p.229-233.

  • 14 Polilicas sociais e direitos sociais no Brasil

    POLTICA SOCIAL SEM DIREITOS SOCIAIS

    A partir de 1988, a poltica social acha-se no seu terceiro perodo de exisin- cia no Brasil, que chamo de "poltica social sem direitos sociais".

    Em nenhum momento a poltica social encontra tamanho acolhimento em Consti- tuio brasileira como acontece na Consti- tuio de 1988 (Artigos 6" To. 8", 9"- 10a e 1 I ): nos campos da educao (pr-escolar, fundamental, nacional. ambienta1 etc.), da sade, da assistncia. da previdncia social, do trabalho, do lazer, da maternidade, da in- fincia e da segurana, definindo especifica- mente direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, de associao profissional ou sindi- cal, de greve, de participao de trabalhado- res e empregadores em colegiados dos r- gos pblicos e de atuao de representante dos trabalhadores no entendimento direto com empregadores. O Captulo I1 do Titulo 11 (Dos Direitos e Garantias Fundamentais) alude aos direitos sociais pertencentes i Constituio de 1 988.

    Poucos desses direitas esto sendo praticados ou ao menos regulamentados - quando exigem regulamenzao. Porm o mais grave : em nenhum momento histri- co da Repblica brasileira (para sol ficar ne- la, pois o restante consiste no Imprio escra- vista) os direitos sociais sofrem t5o clara e sinceramente ataques da classe dirigente do Estado e dos donos da vida em gera1 como depois de 1 995.

    Esses ataques aos direitos sociais - em nome de algo que se pode intitutar de "neo- liberalismo tardio", em nome da "moderni- zao" ou simplesmente em nome de nada - alimentam-se, no campo da poltica social,

    de falsas polmicas. Vejam-se algumas de- las, com brevidade: a) A esquernatizao do desenvolvimento

    capitalista: 1. O capitalismo liberal correspondendo

    h racionalidade, h rnodernidade, ao Estado mnimo e ao Estado protetor;

    2. O capitalismo organizado correspon- dendo ao racionalisrno. h moderniza- o e ao Estado-Providncia;

    3. O capitalisrno desorganizado corres- pondendo ji racionalizao, 2 rnoder- nizaqo. As transformaes do Estado e da vida coletiva pela desregulao, pela convencionalidade e pela flexibi- lidade etc. Tal esquernatisao3, que mais se asse-

    melha a tipos ideais sem teoria, parece real- ar principalmente traos organizativos do capitalismo. Despreza o processo histolrico e esquece que o capitalismo, do.^ anos 70 em diante, est em nova frise de acumula5o, decorrente da revoluo tecnolgica. res- ponsvel por outra tipo de industrializa,7a.

    Ficam perguntas: por exemplo, para os objetivos pretendidos por esta nova fase do capitalismo, ele mesmo desorganizado? Ou ento: no existe historicamente certo grau de desorganizao no capitalismo, apontado por exemplo pela necessidade de conservar parte dos trabalhadores em situa- o de desemprego? b) Geralmente, as anAlise relacionadas

    com a poltica social se debatem na faI- a coniraposio entre neoliheralisrnn e social-democracia. Ou, o mais sgrio. elas contrapem o que chamam de pol- tica social neoliberal poltica social de cunho social-democrata. Fazem uma ti- pologia dos Estados, fixando a oposio

    3 Apena\ iiirn exemplo: SANTOS. Bciaveniura de Sriuba Pela mgti dc Alicc - r i ocial e n poliicii na pc-niridcrnrdndc. Siri P,iulo: Concz. 1945. l;iptulti 4)

  • Cornunia~o & Educao, So Paulo. (91: 13 a 1 7, maiojago. 1997 15

    entre Estado de bem-estar liberal e Es- tado de bem-estar social-democrata, pa- ra em seguida, por vezes, admitir o sur- gimento de nova fase da acumulao capitalistd.

    Tais anlises maniqueistas - que con- frontam o Estado de bem-estar liberal com o Estado de bem-estar social-democrata. ou ento a poltica social neoliberal com a poli-

    tica social de cunho social-democrata - mostram o limite das possibilidades nelas contidas, reduzindo o futuro imediato da histria h social-democracia. Mas o Estado de bem-estar social-democrata unicamente se rnanifeslta ou se manifestara nos pases desenvolvidos, no centro do capitalismo. Mesmo assim, nada alm da social-derno- cracia no futuro histrico.

    -I. 1-AURELL. Aba Cristinn. Aivicrit(c~nrlri o i~ i drrtyrici rro prirrrrdo: a poliirc:~ soci:i1 do nroliherali\mci. In. (rire.) Es- tado e polilicea sociais no nmliheralismo. SLi Pnuln: Cnrtt.~. 199.5. p. 15 1 - 178.

  • 16 Politicas sociais e direitos sociais no Brasil

    Curiosamente, essas anlises do o nome de poltica social neoliberal quela poltica que nega os direitos sociais, que garante o mnimo de sobrevivncia aos indigentes, que exige contrapartida para o gozo dos beneficias, que vincula direta- mente a nvel de vida ao mercado, trans- formando-o em mercadoria.

    Ainda se restringindo a essas poucas falsas polmicas por motivo de espao, 6 in- dispensvel atentar para as conseqncias politicas da supresso dos direitos sociais: a) Tidas como naturais e independentes, as

    leis da economia lamentavelmente trans- mitem a impresso de que se extinguem as sociedades, sobrevivendo apenas os mercados e os grupos unidos a eles. Em conseqncia, arrunam-se as classes so- ciais, os movimentos sociais, as teorias e o prprio pensamento, no mundo em in- controlvel mudana.

    h) O processo produtivo submete-se intensa- mente ao capitalismo financeiro: este acu- mula mais lucro com a especulao do que com a produo. Ao mesmo tempo, internacionalizam-se a criao e a difuso das indstrias de comunicao, tomando a "globalizao econmica" uma rescen- te "arne~canizao" da cultura de massa.

    c) Os "ajustes estruturais" ou a "livre ircu- lao dos capitais" debilitam os processos produtivos das sociedades, sujeitando-as s aventuras do capitalismo financeiro e h "americrtnizao" da cultura. Alm do mais, convertem o centro do capitalismo

    em imitador da Amrica Latina quanto h excluso, transformando a periferia lati- no-americana em monumento de pobreza mundial. Eric Hobsbawn, em seu Era dos extremos - O breve sculo XX5, coloca o Brasil na posio de "candidato a carn- peo mundial de desigualdade econmi- ca*', de "monumento de injustia social" e de "monumento h negligncia social", aliiis por razes conhecidas de todos.

    Alain Touraineh, capaz de descries to esclarecedoras do quadro aqui apresen- tado, fala em artigo recente da combinao entre liberalismo econmico e nacionalismo cultural, sob a gide de "novos regimes au- toritrios" ou de "certo nacionalismo autori- thrio". Para ele, a China indica "uma abertu- ra econmica controlada" e no "um libera- lismo de cunho democritico" por causa so- bretudo das "ameaas de irnploso que pe- sam sobre esse pais".

    Em pases perifricos como o Brasil, tais "ajustes estruturais" ou a "livre circula- o dos capitais" podem eventualmente conduzir a solues polticas de cunho auto- ritrio, em detrimento da vocao demor- tia da sociedade brasileira. De qualquer forma, no deve realizar-se em lugar ne- nhum o que Alain Touraine considera o "fe- n0meno mais importante do incio do sculo XXI, ou seja, a consolidago e o triunfo de novos regimes autoritrios"7.

    No caso brasileira, depois da extino dos direitos sociais, quem sabe se no he- gar a vez de fraquejarem o Estado de direi- to e o regime democritico-Iiberal, mais ou menos na linha de pensamento de Alain Touraine? A tradio histrica do Brasil re- vela constante interveno estatal no mbito da poltica social, alicerada ao longo do sk-

    5. HORSRAWN. Eric. Era dos Extremos - o breve skulo XX: 1914-1991. 7.4. S3n Paulo: Companhia das Letras, 199h. p.397-555.

    6. TOURAINE, Alain. A defirra do miindopliico. Folha de S. Paulo. 16 de junho. 1 9 6 . p.SEl I . 7. P h n . Il>irlern.

  • Comunicaao & Educaqao, So Paulo, 191: 13 a I 7, maio/ago. 1997 17

    culo XX em direitos sociais variados e gra- Agora, nesta etapa de desemprego em dativamente conquistados. massa e de privaes ilimitadas, a intervem

    A poltica econhmica brasileira exemplar neste aspecto: mesmo em oca- sies de negao explcita de sua presena na economia, o Estado funciona como saIvaguarda e como propulsor dos deten- tores de capital.

    Resumo: O autor trata das politicas sociais e dos direitos sociais no Brasil subordinados aos interesses das classes dirigentes, as quais, entre a promulga80 de uma Constitui- o e a imediata proclamao de sua refor- ma, submetem-se i s presses de fora. Classi- fica como rnaniqueistas as anlises que se restringem ao confronto do Estado de bem- estar liberal com o Estado de bem-estar so- cial-democrata, mostrando que este Io bem- estar social-democrata) s poderia ocorrer nos palses centrais. Ressalta a irnportncia de o Estado assegurar os direitos sociais con- tidos na Constituio de 1988.

    Palavras-chave: direitos sociais, poltica so- cial, Constituio, social-democracia, neolibe- ralismo

    o estatal imprescindvel para concretizar os direitos sociais contidos na Constiruiiio de 1988, visando a construir e a afianar a segurana social no Brasil, e no o Estado de bem-estar social que o passado no con- cretizou aqui. Basta conhecer um pouco de histria.

    Abstract The author discusses social pol- icies and social rights in Brazil, which are subardinated ta the interests of the ruling classes. Between the promulgation of a constitution and the imrnediate proclaiming of its reform those classes submit them- selves to pressures coming from abroad. He alo classifies as rnanichaean the analyses that are restricted to the confxontation be- tween the liberal well-fare State and the so- cial-democrat well-fare State. He points out the irnportance of the State in insuring the social rights included in the onstitution of 1988.

    Key-words: social right, social policies, on- stitution, social-democracy, neoliberalism