“eu sou artista e este É o meu corpo”: um exercÍcio ... · ... (por vezes solitário) e...

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1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13 th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X “EU SOU ARTISTA E ESTE É O MEU CORPO”: UM EXERCÍCIO DE IDENTIFICAÇÃO SOBRE REPRESENTAÇÕES DE MULHERES CAPOEIRISTAS Luísa Gabriela Santos 1 Rosângela Costa Araújo 2 Resumo: O presente trabalho integra um exercício de investigação sobre as formas de representações do corpo entre mulheres capoeiristas que se autodeclaram artistas (compositoras, instrumentistas, poetas, dançarinas, etc), em Salvador/Bahia. Trata-se de uma pesquisa em andamento com foco na identificação e no debate sobre as formas de representação e autorrepresentação destas como mulheres praticantes de Capoeira Angola. Com a afirmação “Eu sou artista e este é o meu corpo” nos posicionamos como sujeitas 3 da pesquisa, como capoeiristas-artistas-pesquisadoras que, ante os encontros com as coautoras 4 desta pesquisa (mulheres-capoeiristas-artistas), em círculo e/ou espiral, vivem o encontro destes campos com os estudos feministas. Tais encontros provocam um questionamento fundamental: “mas, afinal, como pensar estes corpos em trânsito?”. Para tentar responder damos início às investigações buscando identificar, em documentos que integram o campo dos estudos sobre capoeira, corpo e gênero, formas de representação das mulheres capoeiristas, sendo eles: (1) OLIVEIRA, Josivaldo P. de; LEAL, Luiz A. P. (2009); (2) ZONZON, Christine N. (2014); e (3) uma entrevista com ARAÚJO, Rosângela C.5 Mestra Janja publicada na revista virtual “Textos do Brasil, n. 14 – Capoeira” (no site do Ministério das Relações Exteriores do Brasil). Buscamos, com isso, contribuir para o debate sobre as representações de gênero e os discursos sobre mulheres criadoras pertencentes a comunidades afro-referenciadas. Palavras-chave: Mulheres angoleiras, Capoeira, Representação, Arte, Corpo Este estudo integra um exercício de investigação6 que tem foco nas experiências artísticas de mulheres capoeiristas, praticantes de Capoeira Angola, em Salvador, Bahia. Entendemos como experiência artística, neste caso, as produções em comunidades artísticas da dança, música, teatro, artes visuais, entre outras expressões. Interessa-nos identificar e 1 Artista visual, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismos (PPGNEIM), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, Brasil. 2 Mestra de Capoeira, Doutora em Educação e professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo da Universidade Federal da Bahia (NEIM/UFBA), Salvador, Brasil. 3 Optamos por utilizar o termo “sujeito” no feminino para demarcar a posição política como pesquisadoras e interlocutoras (coautoras) da pesquisa. 4 Entender o trabalho de campo e as interlocutoras como coautoras do trabalho acadêmico aparece como desafio e como estímulo para a pesquisa. 5 Entrevista com Mestra Janja In: ZETÓLA, B. M; SEIXAS, A. M (Org.). Textos do Brasil, n. 14: Capoeira. Brasil: Ministério das Relações Exteriores, 19XX. 6 O projeto “Eu sou artista e este é o meu corpo: expressões feministas em ações performáticas nas artes visuais” pretendia estudar a produção de artistas autodeclaradas feministas. Com o reconhecimento através da rede da capoeiragem do campo de artistas que integram a comunidade da Capoeira Angola, em Salvador, a proposta ganha novos contornos aqui apontados. Em 2017 o projeto recebe apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior - CAPES.

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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X

“EU SOU ARTISTA E ESTE É O MEU CORPO”: UM EXERCÍCIO DE

IDENTIFICAÇÃO SOBRE REPRESENTAÇÕES DE MULHERES CAPOEIRISTAS

Luísa Gabriela Santos1

Rosângela Costa Araújo2

Resumo: O presente trabalho integra um exercício de investigação sobre as formas de

representações do corpo entre mulheres capoeiristas que

se autodeclaram artistas (compositoras, instrumentistas, poetas, dançarinas, etc), em

Salvador/Bahia. Trata-se de uma pesquisa em andamento com foco na identificação e no

debate sobre as formas de representação e autorrepresentação destas como mulheres

praticantes de Capoeira Angola. Com a afirmação “Eu sou artista e este é o meu corpo” nos

posicionamos como sujeitas3 da pesquisa, como capoeiristas-artistas-pesquisadoras que, ante

os encontros com as coautoras4 desta pesquisa (mulheres-capoeiristas-artistas), em círculo

e/ou espiral, vivem o encontro destes campos com os estudos feministas. Tais encontros

provocam um questionamento fundamental: “mas, afinal, como pensar estes corpos em

trânsito?”. Para tentar responder damos início às investigações buscando identificar, em

documentos que integram o campo dos estudos sobre capoeira, corpo e gênero, formas de

representação das mulheres capoeiristas, sendo eles: (1) OLIVEIRA, Josivaldo P. de; LEAL,

Luiz A. P. (2009); (2) ZONZON, Christine N. (2014); e (3) uma entrevista com ARAÚJO,

Rosângela C.5 – Mestra Janja – publicada na revista virtual “Textos do Brasil, n. 14 –

Capoeira” (no site do Ministério das Relações Exteriores do Brasil). Buscamos, com isso,

contribuir para o debate sobre as representações de gênero e os discursos sobre mulheres

criadoras pertencentes a comunidades afro-referenciadas.

Palavras-chave: Mulheres angoleiras, Capoeira, Representação, Arte, Corpo

Este estudo integra um exercício de investigação6 que tem foco nas experiências

artísticas de mulheres capoeiristas, praticantes de Capoeira Angola, em Salvador, Bahia.

Entendemos como experiência artística, neste caso, as produções em comunidades artísticas

da dança, música, teatro, artes visuais, entre outras expressões. Interessa-nos identificar e

1 Artista visual, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres,

Gênero e Feminismos (PPGNEIM), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Salvador, Brasil. 2 Mestra de Capoeira, Doutora em Educação e professora do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo

da Universidade Federal da Bahia (NEIM/UFBA), Salvador, Brasil. 3 Optamos por utilizar o termo “sujeito” no feminino para demarcar a posição política como pesquisadoras e

interlocutoras (coautoras) da pesquisa. 4 Entender o trabalho de campo e as interlocutoras como coautoras do trabalho acadêmico aparece como desafio

e como estímulo para a pesquisa. 5 Entrevista com Mestra Janja In: ZETÓLA, B. M; SEIXAS, A. M (Org.). Textos do Brasil, n. 14: Capoeira.

Brasil: Ministério das Relações Exteriores, 19XX. 6 O projeto “Eu sou artista e este é o meu corpo: expressões feministas em ações performáticas nas artes visuais”

pretendia estudar a produção de artistas autodeclaradas feministas. Com o reconhecimento – através da rede da

capoeiragem – do campo de artistas que integram a comunidade da Capoeira Angola, em Salvador, a proposta

ganha novos contornos aqui apontados. Em 2017 o projeto recebe apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de

Pessoal do Nível Superior - CAPES.

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debater sobre as formas de representação e autorrepresentação das mulheres enquanto artistas.

No caminhar da pesquisa aprimeira questão que se coloca é: como pensar estes corpos em

trânsito7?

Desde nossa posição de sujeitas do conhecimento e protagonistas desta pesquisa, como

artistas feministas pesquisadoras populares e praticantes de capoeira, refletimos sobre a

possibilidade de desenvolver um exercício de interlocução ou “diálogo” com públicos

diversos. bell hooks8 (1995), no texto intitulado Intelectuais negras, reflete sobre sua

experiência como estudante, como uma mulher negra, e direciona sua escrita às jovens

mulheres negras - suas alunas na época. Sobre os conflitos no trabalho intelectual (por vezes

solitário) e passível de distanciamento do contexto real das comunidades bell hooks afirma:

De fato quando exercemos um trabalho intelectual insurgente que fala a um publico

diverso, a massas de pessoas de diferentes classe, raça ou formação educacional nos

tornamos parte de comunidades de resistência, coalizões que não são convencionais.

(HOOKS, 1995, p. 476)

O tema deste ensaio que trata da identificação de formas de representação de mulheres

capoeiristas em documentos que integram o campo dos estudos sobre capoeira, corpo e

gênero. A ideia de representação é aqui tratada como imagem que é projetada no mundo

modelando os corpos através da linguagem. É interessante destacarmos a fala da escritora

Conceição Evaristo9 (2005) sobre a representação e autorrepresentação da mulher negra na

cultura. Ao apontar e problematizar as representações na literatura brasileira diz que é “[…]

um espaço privilegiado de produção e reprodução simbólica de sentidos” (Evaristo, 2005, p.

52) e ainda empenhada em (produzir) e reproduzir estereótipos negativos de mulheres negras.

Essas representações têm implicações nas vidas das pessoas (De Lauretis, 1994, p. 209).

Nesse sentido, pensamos em “mulheres” não como uma identidade fixa e essencializada, mas

como uma categoria que se constitui na relação entre diferentes sujeitos e contextos e que

também se manifesta através de representações imagéticas.

7 A metáfora corpos em trânsito fala de um corpo que se desloca entre as categorias transbordantes: mulheres,

capoeiristas, artistas. 8 Escrever o nome de bell hooks (Estados Unidos, 1952) em letras minúsculas é uma escolha da autora. O

pseudônimo para Glória Jean Watkins reúne os sobrenomes de sua mãe e avó. bell hooks é uma autora premiada,

intelectual negra, publicou mais de 30 títulos entre eles poesia, literatura e textos acadêmicos. Carecem as

publicações em português, embora possamos encontrar alguns textos na Internet. 9 Conceição Evaristo (Belo Horizonte, 1946) é uma premiada contadora de histórias. Doutora em Letras, poetisa,

romancista e ensaísta. É ativista do movimento negro e pesquisadora. Desenvolveu o conceito de escrevivência

no processo criativo da sua escrita aprofundando questões de gênero, identidade racial e representação na

literatura, arte, etc.

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Fazemos interlocuções também com a crítica feminista da representação10

apresentada por Lina Alves Arruda (2013). A premissa é focalizar “tanto as questões da

representatividade (presença ou ausência de mulheres artistas, historiadoras e críticas de arte)

como aquelas relativas à representação (que dizem respeito ao repertório cultural de imagem

de mulheres).” (Arruda, 2013, p. 1). Nos aventuramos no exercício de aproximação com esses

repertórios culturais desde a dimensão textual dos enunciados presentes nos documentos-fonte

deste ensaio; da prática discursiva, na produção, distribuição e consumo desses documentos e

da dimensão prática social, a relação dos textos com práticas sociais mais amplas (Melo,

2011, p. 1341).

O primeiro documento apresenta uma perspectiva sócio-histórica da Capoeira no

Brasil. Um livro composto por textos acadêmicos realizados entre os anos de 1998 e 2006. O

segundo documento analisado é um estudo etnográfico11 sobre Capoeira realizado por uma

pesquisadora das ciências sociais entre os anos de 2010 e 2014. O terceiro e último

documento é uma entrevista realizada com Mestra Janja12, em 19XX. Uma publicação virtual

do Ministério das Relações Exteriores – disponível em mais de três línguas diferentes.

Analisando os documentos-fonte deste ensaio

O texto de Oliveira e Leal (2009) apresenta um estudo sobre as mulheres na

capoeiragem a partir da análise documental de jornais do final do século XIX e início do XX,

no Brasil. Analisamos os capítulos “Amarrando as saias: indícios sobre as mulheres capoeiras

na cidade da Bahia” e “O reinado das mulheres: a capoeiragem feminina no norte do Brasil”.

O contexto estudado é de um Brasil prestes a proibir a escravidão e, em seguida, criminalizar

a Capoeira, em 1890. Expressões da cultura negra e indígena deviam ser perseguidas e

excluídas (Oliveira e Leal, 2009, p. 137). O período estudado envolve também o processo de

descriminalização da Capoeira, na década de 1930 - e de outras expressões culturais afro-

brasileiras - bem como a sua transformação em símbolo nacional (Oliveira e Leal, 2009, p.

43).

10 Uma crítica feminista da representação aparece no campo dos estudos das artes visuais, nas décadas de 1970 e

80, nos Estados Unidos. As teóricas e historiadoras de arte Linda Nochlin e Griselda Pollock desenvolveram

estudos, desde as perspectivas de mulheres brancas Estadunidense, em torno deste tema. (Arruda, 2013). 11 A Etnografia é um método, uma ferramenta das ciências sociais para investigação de um povo ou de um

acontecimento cultural de um povo. 12 Uma das primeiras mulheres a receber o título de Mestra de Capoeira no Brasil.

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As fontes da pesquisa servem como indícios da presença das mulheres no universo da

capoeiragem do início da República. Segundo os autores, os artigos de jornais teriam a função

de controlar e moralizar a vida das mulheres: exaltando o que era determinado como papel

“feminino” para a sociedade republicana - filha, virgem, esposa e viúva - ou punindo e

expondo – através das denúncias policiais - a vida daquelas que quebravam tais normas

(Oliveira e Leal, 2009, p. 143). Os autores apontam para um discurso, presente em todos os

jornais do País, que propunha um modelo para as mulheres (as brancas eram aquelas

consideradas aptas para formação da família ideal): “formosura”, “caridade”, “fé” (católica),

“santidade”, “maternidade”, etc. Este modelo entraria em conflito com as “mulheres pobres”

(Oliveira e Leal 2009, p. 142). Segundo os autores, as mulheres que quebram a ordem do

modelo imposto aparecem como “meretrizes”. São as mulheres trabalhadoras, as “lavadeiras”,

que frequentam o espaço da rua. Eram donas de casa, mães de família, “mulheres da vida”.

Seu cotidiano é construído por regras próprias e a vivência nos espaço da rua poderia

possibilitar o encontro e aprendizagem da Capoeira (Oliveira e Leal, 2009, p. 160).

Mulheres “peritas em capoeiragem” aparecem nos artigos policiais. Iam contra o

modelo imposto para o “belo sexo”, eram vistas como mulheres “destemidas”. Utilizavam

armas como navalhas, facas e cacetes e também batiam em homens, causando vergonha para

a “moral” masculina. Aparecem em conflitos amorosos, defendendo seu sustento e reagindo a

assédios sexuais. Destacamos a expressão “masculinização de comportamentos femininos”

impressa no texto e vista como um produto da relação entre homens e mulheres no espaço

urbano do início do século XX. (Oliveira e Leal, 2009, p. 137). Homens ligados à Capoeira

aparecem como: o “Bêbado, vadio, ocioso, mestiço, baderneiro, desordeiro, vicioso, vadio,

era o paradigma da escória urbana, pior que o preto africano ou que o índio puro.” (Oliveira &

Leal, 2009, p. 18). Vemos o papel dos jornais da época na construção de estereótipos

negativos também para os homens negros. Fica explícito o interesse da elite brasileira, na

época, em criminalizar toda expressão cultural que não se assemelhasse ao modelo europeu a

ser instituído na República (Oliveira e Leal, 2009, p. 47).

As mulheres que tinham suas vidas expostas nos jornais eram representadas pelos

mesmos adjetivos utilizados para os homens, no entanto, com o acréscimo daqueles que

expunham a quebra dos valores da época. Eram mulheres de “vida livre”, “da pá virada”,

“arrelientas”, “vadias”, “voluptuosas”, “amigas da boa vida”, “endiabradas”, “cabelinhos nas

ventas”, “valentonas”, “desordeiras”, “arruaceiras”, “atrevidas”, “raparigas”, “perigosas”,

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“capangas”. Tinham habilidades corporais e apresentavam muita bravura ao disputar o espaço

social da rua (predominantemente masculino) com o uso da própria força.

Mulheres como Salomé (frequentadora de rodas de capoeira e de samba), Adelaide

Presepeira, Anna Angélica - Angélica Endiabrada, Chicão, Maria Isabel, Zeferina de Tal, Rosa

de Oliveira, Almerinda, Menininha, Chica, Antônia de Tal, Cattú, Francisca Albino dos

Santos, Maria Moura, Maria Gomes, Odelina de Tal, Esther, Carmem são ligadas à prática da

Capoeira em Salvador. No Norte do Brasil: Maria Meia-noite, Joana Maluca, Maria das

Dores, Maria Galinha, Maria Izilda, Liduína Alves Mascarenhas e Jerônima (aparece nos

jornais em 1876 e esta seria a evidência mais antiga sobre a participação das mulheres na

capoeiragem). Ao final, Oliveira e Leal (2009) enfatizam que essas mulheres agiam de forma

a enfrentar os problemas cotidianos e que os resultados dessas pesquisas demonstram a

importância dos registros de suas vidas e do estudo da história das mulheres como agentes do

processo histórico.

Documento – fonte no. 2

O texto de Christine Zonzon (2014) é divido em seis capítulos, sendo o último deles,

“Tradição e articulações”, destinado também a uma breve reflexão sobre conflitos e tensões

que envolvem as mulheres na Capoeira. Neste capítulo, a autora busca “abranger as entidades

(coisas, pessoas, roupas, discursos, memórias etc.) que ‘fazem o corpo fazer’”(Zonzon, 2014,

p. 13). No decorrer da experiência de campo – e sendo a pesquisadora uma mulher capoeirista

– surgem questões relativas às relações de poder, “notadamente de gênero”, que exigem à

pesquisadora incluir tal discussão.

Diferente do primeiro documento analisado – com viés socio-histórico - a obra de

Christine Zonzon (2014) fala do tempo presente com um breve olhar sobre a representação

das mulheres capoeiristas. Logo no início do texto, a autora afirma que: “[…] o corpo do

capoeirista (grifo nosso) também é corpo de mestre ou de aprendiz, de mulher (grifo nosso)

ou de homem, de brasileiro ou de “gringo”, de angoleiro ou regional, ou mesmo de

pesquisadora.” (Zonzon, 2014, p. 12). Tal afirmação é interessante por não deixar dúvidas ao

dizer que o corpo capoeirista também é corpo de mulher.

Uma série de imagens fotográficas são apresentadas no texto, em muitas delas se pode

ver mulheres como protagonistas em Rodas de Capoeira – em escolas de Capoeira e na rua –

promovidas (ou não), exclusivamente, por mulheres. Pode-se ver mulheres tocando todos os

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instrumentos e jogando no centro da Roda. A autora destaca que tais acontecimentos estariam

diretamente relacionados a datas específicas como o dia 8 de março ou outras datas ligadas ao

movimento de mulheres.

O uso das vestimentas de homens e mulheres capoeiristas que frequentam a roda de

rua é um tema da pesquisa. Um “estilo tradicional” para os homens, o “malandro”, e a

inexistência de um correlato para as mulheres é relatado pela autora. Um “estilo africano”,

utilizado pelos homens nas rodas de rua, não seria apropriado pelas mulheres capoeiristas

(supõe a pesquisaora) por que o modelo “feminino” do “estilo africano” seria designado por

peças como vestidos e saias. A autora considera que as roupas utilizadas por mulheres (salto

alto, sandália, saias, vestidos, decotes) impedem a participação espontânea na roda de rua,

diferentemente, dos homens que, comumente, vestindo calças, camisas, sapatos ou tênis

teriam maior acesso a esse espaço “público” da Capoeira (Zonzon, 2014, p. 209). Aspectos

sobre “feminilidade” também aparecem no texto quando ela relata uma “aversão” de mulheres

capoeiristas iniciantes às exigências em se colocar mãos e cabeça (cabelos) no chão (Zonzon,

2014, p. 222).

Segundo a autora expressões como “as mulheres não seriam capazes” aparecem com

frequência nos debates sobre mulheres na Capoeira e isso sugere que “a mulher deve

permanecer eternamente no lugar de aluna nova.” (Zonzon, 2014, p. 233). No entanto, a

compreensão sobre as questões e pautas de gênero teria mudado o status da Capoeira, as

mulheres passam a constituir-se como uma nova entidade “mulher capoeirista” diferente da

“aluna nova”, “colaboradora”, “mulher ou namorada de alguém”. (Zonzon, 2014, p. 234).

Neste sentido, conflitos que surgem a partir dessa exigência de um lugar diferente da “aluna

nova” se impoem, principalmente, no que tange à relação do corpo da mulher como objeto

sexual. Violência, constrangimento, humilhação, abordagens e intenções sexuais seriam

constantes chegando a casos em que mulheres vão à delegacia denunciar violência na

Capoeira (Zonzon, 2014, p. 236).

Ao descrever duas mulheres que dão início à roda de rua, a autora usa os seguintes

argumentos: “São mulheres de uns trinta e poucos anos, bonitas, de cabelos longos, vestindo

camisetas largas que apenas deixam adivinhar corpos esbeltos e aparecer braços musculosos.”

(Zonzon, 2014, p. 210). São designadas pela autora como “exímias capoeiristas” em um jogo

descrito como contendo “cumplicidade” e “reconhecimento mútuo”. Elas estabelecem um

“voto de confiança na parceira/adversária” e sorriem ao fazerem movimentos complexos

demonstrando “naturalidade” e “leveza”. No entanto, também observa o seguinte:

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A visibilidade de duas excelentes capoeiristas que adquiriram reconhecimento no

universo da capoeira de Salvador encobre a invisibilidade das mulheres no conjunto

da roda, sua quase ausência na bateria, as estratégias sutis dos jogadores mais em

evidência para evitar jogar com seus pares (ou deveria se dizer ímpares?) femininos,

preferindo-lhes adversários à altura da sua fama. (ZONZON, 2014, p. 212).

Mulheres na Capoeira - nos grupos de Capoeira - aparecem no documento de Christine

Zonzon (2014) como um elemento que afeta os corpos, as relações, as ideias e os limites da

tradição. Existiria um conflito por parte dos capoeiristas, afirma a autora, na identificação dos

corpos das mulheres como corpo de capoeirista; e, por parte de alguns agentes, um

entendimento de que elas pretendem “higienizar”, “destruir”, “deturpar a tradição” (Zonzon,

2014, p. 241). O discurso de gênero aparece como um elemento externo e que comprometeria

a Capoeira como “mundo da virilidade” (Zonzon, 2014, p. 241).

Documento – fonte no. 3

A publicação virtual Revista Textos do Brasil, n. 14 – Capoeira é um veículo de

caráter institucional, ligado ao Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores.

A Revista não trata apenas do tema das mulheres na Capoeira, são duas as matérias que

abordam o assunto: “A mulher na capoeira” de Lilia Benvenuti de Menezes e a “Entrevista

com a Senhora Rosângela C. Araújo (Mestra Janja)”. É interessante destacarmos que por ser o

único nome de um/a Mestre/a, mencionado no Sumário da Revista, a figura de Mestra Janja

recebe grande destaque. A entrevista contém doze perguntas e respostas. Em três delas

podemos identificar aspectos sobre a representação de mulheres capoeiristas: quando trata das

“principais transformações no mundo da Capoeira”; dos “progressos em relação à

participação das mulheres nas rodas de capoeira”; e, por fim, “os obstáculos a serem vencidos

pelas mulheres na Capoeira”. O texto, como o documento anterior, fala das mulheres

capoeiristas na contemporaneidade. Buscaremos descrever, além dos aspectos relativos à

representação das mulheres capoeiristas, também aqueles relativos à autorrepresentação da

entrevistada, algo que já pudemos apontar na análise do documento anterior.

O texto inicia com uma breve apresentação da entrevistada, a Revista descreve Mestra

Janja como “uma das personagens mais conhecidas no mundo da capoeiragem” (Zetóla et al.,

19XX, p. 14). Observamos que o destaque na apresentação é dado à formação de Mestra Janja

no campo acadêmico, sem nenhum comentário sobre sua formação no mundo da Capoeira,

exceto quando somos informadas que ela “dedicou mais de vinte anos de sua vida à capoeira,

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seja em sua vertente acadêmica, seja na prática do cotidiano.” (Zetóla et al., 19XX, p. 14). Os

autores utilizam a seguinte frase para apresentar o conteúdo da entrevista: “Mestra Janja emite

suas opiniões (grifo nosso) a respeito da inserção da mulher no mundo da Capoeira [...]” entre

outros temas (Zetóla et al., 19XX, p.14). Ao destacarmos a expressão “emite suas opiniões”

procuramos refletir sobre o sentido dela, qual o significado impresso no conceito de

“opinião”? No senso comum, emitir uma “opinião” pode designar uma informação pouco

válida, pessoal, ilegítima. Pensando nisso podemos perguntar qual é o sentido que a Revista

quer dar a fala de Mestra Janja ao utilizar a expressão “emite suas opiniões”?

A entrevistada, na primeira questão amplia o sentido da Capoeira como manifestação

cultural brasileira para reivindicar o lugar da Capoeira como expressão afro-brasileira: o

“gingar”13 é, também, “habilidade de vivenciar e enfrentar as adversidades” da vida (Araújo,

19XX p. 14). A Capoeira (Angola) é definida por ela como uma prática comunitária com

ênfase na necessidade de diálogo da Capoeira com a sociedade ao seu redor “’pequena roda’

inserida na ‘grande roda’”. Flexibilidade, “tolerância”, “acolhimento” e “respeito” são as

qualidades necessárias à/ao capoeirista. Por fim, destacamos a sua ênfase na necessidade de

reconhecimento da história e do sentido político da Capoeira como expressão da luta da

população negra brasileira por liberdade (Araújo, 19XX, p. 16).

A imagem de mulheres capoeiristas é representada da seguinte forma: enfrentam

“caminhos diferenciados” para se tornarem e se fazerem capoeiristas. Ao dizer que “[…] a

Capoeira deixou de ser algo específico de homens, se é que algum dia o foi.” (Araújo, 19XX,

p. 14) a entrevistada afirma que Capoeira também é coisa de mulheres. Elas aparecem como

protagonistas na fundação e liderança de organizações de Capoeira no mundo todo; certas

“tradições” impedem que mulheres toquem o berimbau gunga ou “puxem” uma ladainha14;

opressão e violência vividas fora da Capoeira aparecem dentro da Capoeira exigindo que as

mulheres se auto-organizem em grupos de aprendizagem e apoio.

Ao ser questionada sobre os obstáculos a serem vencidos pelas mulheres na Capoeira,

Mestra Janja propõe a inversão dos sujeitos de ação: “quais são os obstáculos que precisam

ser vencidos pela capoeira para integrar de maneira respeitosa e qualificada a presença da

mulher.” (Araújo, 19XX, p. 15). Este movimento da dimensão textual é interessante por

alterar o lugar dos agentes, mobilizando novas crenças e valores sobre as formas de

13 Gingar é um dos movimentos fundamentais da Capoeira. Está diretamente relacionado a um modo de se

relacionar com o mundo, envolve aspectos da manha e da mandinga da Capoeira. 14 Canção que abre o ritual da roda de capoeira e é cantada pela/o capoeirista que segura o berimbau gunga,

aquele que comanda a roda.

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representação de mulheres na Capoeira. Um aspecto interessante é a apresentação das sujeitas

como protagonistas e criadoras de “um novo cenário” da Capoeira:

[…] para avançarmos, é necessário entender que a capoeira precisa incorporar novos

olhares sobre sua diversidade estética. Da mesma forma que entre os grupos

tradicionalmente conduzidos por homens existe uma diversidade estética muito

acentuada, para definir e indicar a identidade de cada grupo, de cada mestre, também

é assim que as mulheres buscam ser valorizadas, compondo um novo cenário, e não

necessariamente reproduzindo conceitos (inclusive corporais) que não representam

códigos femininos. (ARAÚJO, 19XX, p. 15)

A Capoeira, como uma expressão afro-brasileira, está diretamente relaciona às culturas

e manifestações da população negra no Brasil. Mesmo sendo aberta à qualquer pessoa, sua

história e seus valores são constituídos nas experiências de homens e mulheres negras.

Conforme pudemos ver a Capoeira contém sentidos históricos e políticos baseados numa

matriz africana em diálogo com diferentes sujeitos/as e realidades impressas no território

brasileiro. Neste sentido, identificar estas imagens de representações das mulheres

capoeiristas nos permite reconhecer que a história dos primórdios da Capoeira também é

história das mulheres negras. Sueli Carneiro15 (2002) afirma que na historiografia brasileira

são poucos os documentos que tratam da imagem das mulheres negras, isto é, são poucos os

documentos que vão além dos estereótipos. “A mulher negra será retratada como exótica,

sensual, provocativa, com fogo nato.” (Carneiro, 2002, p. 171). Além do estereótipo da “bela

mulata” outra imagem recorrente na literatura é a da mulher negra como “mãe preta”. O

Feminismo Negro, além de outras frentes, investirá no combate a estes e outros estereótipos

que constroem imagens negativas das mulheres negras (Carneiro, 2002).

Na análise da representação de mulheres capoeiristas por Oliveira e Leal (2009)

notamos a importância da imprensa na construção dessa imagem negativa das manifestações

culturais e das populações negra e indígena. Mulheres, homens, meninos e meninas que se

envolviam em “casos de polícia” tem a vida exposta nos jornais. O preconceito e o racismo

expõem a intenção de menosprezar, ridicularizar, normatizar. O uso da categoria “mulheres

pobres” ou “mulheres trabalhadoras” em Oliveira e Leal (2009) invisibiliza a presença das

mulheres negras na história da Capoeira. Seria o caso de perguntas se utilizar as expressões

“mulher negra”, “mulheres negras” ou “mulher indígena”, “mulheres indígenas” faz alguma

diferença? As “mulheres brancas de elite” (Oliveira e Leal, 2009, p.119) aparecem como

15 Sueli Carneiro (São Paulo, 1950), teórica negra feminista e antirracista, é Doutora em Educação pela

Universidade de São Paulo e fundadora do Instituto da Mulher Negra – Geledés. A sua vasta produção no campo

dos estudos de gênero, raça e relações sociais se alia a atuação na criação de políticas públicas para a redução das

desigualdades raciais, de gênero e de classe no Brasil.

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àquelas destinadas e treinadas para o espaço doméstico quando, no século XX, começam a

“ampliar sua presença na rua” (Oliveira e Leal, 2009, p. 119).

A questão da “feminilidade” aparece nos três documentos analisados. No primeiro

vemos sua construção projetada e imposta através dos jornais – um modelo destinado a todas

as mulheres, mas que tinha como personagem principal a mulher branca. No segundo texto,

uma “feminilidade” aparece ao serem abordados aspectos sobre vestimentas das mulheres,

sobre a relação do corpo com o chão no exercício da Capoeira. Alguns adjetivos atribuídos ao

corpo das mulheres como “bonitas” e “esbeltas”, mesmo que ligados a outros não

representativos de certa “feminilidade” (como “musculosa”) aponta para estereótipos

atribuídos às mulheres ou aos homens. No terceiro texto, fazemos apenas o apontamento para

uma expressão que designa: conceitos corporais que representam códigos femininos. A

questão da “feminilidade” identificada nos textos aqui analisados fica em aberto e com

necessidade de aprofundamento. Desejamos poder abordá-la em outros estudos ou provocar

outras pesquisadoras a desenvolver investigações neste campo.

A partir da análise apresentada aprendemos sobre protagonistas de histórias de

resistência: mulheres negras capoeiristas no início do século XX. Supomos que sua presença

na Capoeira não pôde ser ainda mais evidente em função do racismo, o machismo e o sexismo

que caracterizam a sociedade brasileira, bem como “as condições históricas que constituíram

a coisificação dos negros em geral e das mulheres negras em particular.” (Carneiro, 2002, p.

169). Ao retratar as mulheres negras capoeiristas Oliveira e Leal (2009) não consideraram

que, além de prostitutas e quitandeiras, essas mulheres compunham uma comunidade negra

(junto de homens, meninas e meninos negros) e que isso também poderia ser condição para

viver a capoeiragem.

Nos documentos que abordam a contemporaneidade da Capoeira observamos que a

representação das mulheres está relacionada a discussões feministas e de gênero que são

difundidas e vividas a partir dos anos 80 e 90. Tal período coincide com um momento em que,

segundo Sueli Carneiro, há uma mobilização política das mulheres negras no Brasil:

[…] em função de sua condição específica de ser mulher e negra, mediante ao

combate aos estereótipos que a estigmatizam: por uma real inserção social; pelo

questionamento das desigualdades existentes entre brancas e não-brancas em nossa

sociedade; contra a cidadania de terceira categoria a que está relegada por concentrar

em si a tríplice discriminação de classe, raça e gênero. (CARNEIRO, 2002, p. 180)

Acreditamos que este movimento tenha auxiliado na ocupação dos espaços e na

construção de novas representações de gênero protagonizadas por mulheres, negras ou não,

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que se identificam com essas comunidades afro-referenciadas. A partir desses documentos

(que abordam a Capoeira na atualidade) não temos argumentos para identificar e refletir sobre

a representação de mulheres negras, em especial, na Capoeira. A entrevista concedida por

Mestra Janja (mulher negra – capoeirista - pesquisadora) é rica, porém muito curta e não nos

dá argumentos suficientes para ir além de suposições. Consideramos esta e outras brechas

como portas e janelas que se abrem à investigação.

O que podemos observar, neste momento, é uma imagem ativa de mulheres

capoeirstas (negras ou não) contra sua discriminação e objetificação na Capoeira. O sexismo e

diferentes formas de violência de gênero aparecem como elementos constitutivos na

construção de imagens negativas de mulheres fora e dentro da Capoeira. Contudo, os debates

em torno das relações de gênero tem possibilitado a mudança dos estereótipos negativos, elas

deixam de ser apenas as “alunas novas”, “namorada ou mulheres de Mestre” para serem

Mestras, Contra Mestras e capoeiristas. Apesar do complexo cenário de atuação, como

pudemos ver nos três documentos estudados, as mulheres capoeiristas são representadas e

autorrepresentadas como sujeitas ativas e resistentes. Seja na luta pela liberdade de existir,

seja na luta pelo direito de ocupar os espaços, seja na luta pela manutenção dos valores que

fundamentam a riqueza da expressão secular e cultural afro-brasileira: a Capoeira.

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corpo, experiência e tradição. Salvador: UFBA, 2014, p. 255. Tese (Doutorado em Ciências

Sociais). Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e

Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2014.

“I am an artist and this is my body”: An exercise of identification on women capoeiristas

representations

Abstract: This study is a research exercise on forms of body representations among women

capoeiristas, that declared themselves as artists (i.e. composers, instrumentalists, poets,

dancers, etc), in the city of Salvador/Bahia. It is an ongoing research focused on identifying

and discussing forms of representation and self-representation of these women as Capoeira

Angola practitioners. With the statement "I am an artist and this is my body", we position

ourselves as subjects of this research, as capoeiristas-artists-researchers that, in the face of

their encounter with the coauthors (women capoeiristas-artists) of this research, in a circle

and/or a spiral, live the encounter of these fields with the feminist studies. Such encounters

provoke a fundamental question: "But, after all, how do we think these bodies in transit?".

Trying to answer this question, we begin investigations in order to identify in documents that

integrate the field of studies on capoeira, body and gender, forms of representation of women

capoeiristas, such as: (1) OLIVEIRA, Josivaldo P. de; LEAL, Luiz A. P. (2009); (2)

ZONZON, Christine N. (2014); and (3) an interview with ARAÚJO, Rosângela C. – Mestra

Janja – published in the virtual journal Textos do Brasil, n. 14 – Capoeira (in the website of

the Brazilian Ministry of Foreign Affairs). We thus seek to contribute to the debate on gender

representations and discourses on creative women belonging to afro-referenced communities.

Keywords: women angoleiras, capoeira, representation, art, body