etnografia: baixa dos sapateiros – estabelecidos e ... · data quase o surgimento de salvador...

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Universidade Federal da Bahia Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Antropologia Urbana Professor: Lívio Sansone Nome: Natasha Krahn Etnografia: Baixa dos Sapateiros – Estabelecidos e Desafortunados Introdução A Baixa dos Sapateiros é um espaço muito heterogêneo, com uma história que data quase o surgimento de Salvador como cidade. A Baixa dos Sapateiros sempre foi um espaço ocupado principalmente pelas populações de classe menos favorecidas, que perambulavam, compravam, usavam e usam como passagem para o centro, hoje Centro Histórico e Antigo da cidade. Era e ainda é um espaço da cultura popular, assim como da economia popular. O bairro já teve seu momento de auge, já foi o principal fornecedor de alimentos, e lugar de intenso comércio e trânsito de pessoas, lugar de encontro dos trabalhadores dos portos na Cidade Baixa, que vinham e voltavam para suas casas no norte da cidade. A Baixa dos Sapateiros, desde seu surgimento, se constituiu em um espaço essencialmente comercial, e essa característica está no imaginário das pessoas que passam pela Rua J.J Seabra. Poucas pessoas percebem a existência de lugares diversificados, de pessoas que habitam e utilizam o espaço e constroem uma identidade a partir desse espaço. Uma rápida passagem pelo local não permite a percepção dos diversos lugares que o espaço abriga. Por lugar, utilizo a definição de Leite (2002): uma determinada demarcação física e/ou simbólica no espaço, cujos usos o qualificam e lhe atribuem sentidos diferenciados, orientando ações sociais e sendo por estas delimitado reflexivamente. Um lugar é, assim, um espaço de representação, cuja singularidade é construída pela ‘territorialidade subjetiva’ (Guattari, 1985) mediante práticas sociais e usos semelhantes. Para além do comércio, a Baixa dos Sapateiros esconde outros movimentos que também caracterizam o local. É para muitos um local de moradia desde o século XIX. 

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Page 1: Etnografia: Baixa dos Sapateiros – Estabelecidos e ... · data quase o surgimento de Salvador como cidade. ... transferência do centro da cidade para a região do Iguatemi

Universidade Federal da BahiaFaculdade de Filosofia e Ciências HumanasAntropologia UrbanaProfessor: Lívio SansoneNome: Natasha Krahn

Etnografia: Baixa dos Sapateiros – Estabelecidos e Desafortunados

Introdução

A Baixa dos Sapateiros é um espaço muito heterogêneo, com uma história que 

data quase o surgimento de Salvador como cidade. A Baixa dos Sapateiros sempre foi 

um espaço ocupado principalmente pelas populações de classe menos favorecidas, que 

perambulavam, compravam, usavam e usam como passagem para o centro, hoje Centro 

Histórico e Antigo da cidade. Era e ainda é um espaço da cultura popular, assim como 

da   economia   popular.   O   bairro   já   teve   seu   momento   de   auge,   já   foi   o   principal 

fornecedor de alimentos, e lugar de intenso comércio e trânsito de pessoas, lugar de 

encontro dos trabalhadores dos portos na Cidade Baixa, que vinham e voltavam para 

suas casas no norte da cidade.

A Baixa  dos  Sapateiros,  desde   seu   surgimento,   se   constituiu   em um espaço 

essencialmente   comercial,   e   essa   característica   está   no   imaginário   das   pessoas   que 

passam   pela   Rua   J.J   Seabra.   Poucas   pessoas   percebem   a   existência   de   lugares 

diversificados, de pessoas que habitam e utilizam o espaço e constroem uma identidade 

a partir desse espaço. Uma rápida passagem pelo local não permite a percepção dos 

diversos lugares que o espaço abriga. Por lugar, utilizo a definição de Leite (2002):

uma determinada demarcação física e/ou simbólica no espaço, cujos usos o qualificam e lhe atribuem sentidos diferenciados, orientando ações sociais e sendo por estas delimitado reflexivamente. Um lugar é, assim, um espaço de representação, cuja singularidade é construída pela   ‘territorialidade   subjetiva’   (Guattari,   1985)   mediante   práticas sociais e usos semelhantes. 

Para além do comércio, a Baixa dos Sapateiros esconde outros movimentos que 

também caracterizam o local. É para muitos um local de moradia desde o século XIX. 

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Habitam o  espaço,  classe­média,  média­baixa,  baixa,  e  miseráveis;  uma diversidade 

incrível   de   moradores   se   escondem   nos   becos,   nas   subidas   principais   para   Saúde, 

Nazaré  e Pelourinho, assim como há  muitos que moram nas sobre­lojas,  e nas lojas 

abandonadas, há também alguns prédios para moradia nas subidas para Nazaré/Saúde, e 

há aqueles que habitam espaços que normalmente não chamaríamos de casa, como o 

fundo do Mercado São Miguel, mas que pessoas constroem sua história e carregam o 

sentimento de pertença ao espaço.  Os locais  de moradia são tão diversos quanto os 

moradores. 

Por muitos anos a Baixa dos Sapateiros era local de intensa movimentação, hoje 

está esvaziada por conta das mudanças urbanas que foram ocorrendo na cidade. Com o 

surgimento de diversos shoppings pela cidade assim como a transferência do centro da 

cidade para a região do Iguatemi,  entre outras mudanças na configuração urbana da 

cidade, houve um esvaziamento do Centro Histórico da cidade, da qual a Baixa dos 

Sapateiros faz parte. Assim a Baixa dos Sapateiros foi mudando, muitas lojas antigas e 

cinemas populares se fecharam e ficaram abandonados, alguns desses espaços foram 

ocupados por Igrejas, outros por moradores de rua e outros por pessoas do movimento 

MSTS. 

Para diferenciar os espaços na Baixa dos Sapateiros utilizo um dos conceitos 

criados por Magnani em seus trabalhos antropologia da cidade, o pedaço, que é onde se 

desenvolve uma sociabilidade básica, é caracterizado principalmente por quem utiliza o 

espaço,  que  são quem dão  significado  ao   lugar.  Na Baixa  dos  Sapateiros  podemos 

encontrar  diferentes  pedaços,  que   fazem parte  de  diferentes  circuitos,  que,   segundo 

Magnani, 

descreve o exercício de uma prática ou a oferta de um serviço por meio de estabelecimentos, equipamentos e espaços que não mantêm entre si uma   relação   de   contigüidade   espacial;   ele   é   reconhecido   em   seu conjunto pelos usuários habituais (2005, p. 178). 

Pesquisar a Baixa dos Sapateiros é como procurar pedaços de pano para formar 

uma colcha de retalhos. Como sempre foi o local mais popular do Centro Histórico, no 

sentido  de  que  era  por   ali  que  habitavam,  compravam,  passavam as   classes  menos 

abastadas da cidade, para descobrir sua história foi preciso descobrir trechos pequenos 

de diferentes livros, que mencionavam alguma coisa, assim como juntar reportagens 

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antigas e novas que trouxessem algumas informações sobre diferentes equipamentos da 

Baixa dos Sapateiros. Da mesma forma, hoje, ela requer uma exploração maior para 

desvendar os diferentes pedaços dessa região.

O   título   do   artigo   tem   por   referência   a   dicotomia   apresentada   no   livro 

“Estabelecidos e  Outsiders”, de Norbert Elias, na qual ele faz um estudo sobre uma 

comunidade,   e   o   conflito   entre   aqueles   que   lá  moram   há   longa  data,   e   os   recém­

chegados. Mas utilizo a apropriação que Espinheira fez para definir os contextos dos 

recentes processos de revitalização do Centro Histórico de Salvador. Nesse sentido os 

estabelecidos  são os antigos e novos beneficiários desses projetos, aqueles de maior 

poder aquisitivo e que se apropriam do Centro Histórico com sua nova lógica turística. 

Os  desafortunados  são aqueles residentes mais vulneráveis,  mendigos,  moradores de 

rua,  usuários  de drogas,  prostitutas,  vistos  como prejudiciais  para  o  novo centro  de 

consumo cultural, no qual vem se tornando o Centro Histórico. A Baixa dos Sapateiros 

por muito tempo não participou dos processos de revitalização, houve uma tentativa no 

Governo Municipal de Lídice da Mata, mas não foi realizado, e agora esse projeto vem 

sendo repensado, assim como já começa a ser colocado em prática.

Hoje a reapropriação cultural dos espaços históricos das cidades, vem sendo uma 

estratégia   típica   da   pós­modernidade,   chamada   de  gentrification,   revitalização   ou 

regeneração   urbana,   com   formas,   às   vezes,   diferentes   de   se   apropriar   dessas 

centralidades históricas, que vem recriando sentidos e usos dos conteúdos e materiais do 

passado (Leite, 2002, p.115). Procuro com este artigo mostrar um pouco da Baixa dos 

Sapateiros que não é vista facilmente, e como as transformações pelo novo Projeto de 

Revitalização da Baixa dos Sapateiros podem, vão e já estão transformando o espaço.

Delimitação Histórica

“Na Baixa do Sapateiro eu encontrei um dia a morena mais frajola da Bahia (…)”1

1 Verso este, de Ary Barroso, que foi repetido algumas vezes por um dos entrevistados na Baixa dos Sapateiros, com tom de saudades de um outro tempo. 

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Segundo   Marc   Augé   a   presença   do   passado   que   ultrapassa   e   reivindica   o 

presente é a essência da modernidade. O lugar antropológico, aquele que é identitário, 

relacional   e   histórico,   nunca   é   completamente   apagado,   eles   coexistem   com   as 

transformações   do   presente,   mesmo   que   em   segundo   plano.   Os  lugares,   segundo 

também a definição supracitada de Leite, existem pelo conjunto de usos desses espaços 

que lhes dão significados. A pós­modernidade trás uma nova forma de apropriação dos 

centros   urbanos.   Trazem   a   valorização   de   sítios   históricos,   que   antes   com   a 

modernização,  eram abandonados e  novos centros  eram criados,  estes  passam a ser 

reapropriados, transformados em pontos turísticos e centros culturais.  Portanto, começo 

esse artigo, costurando um pouco da história dessa parte da cidade para mostrar o seu 

presente. 

A Baixa  dos  Sapateiros  primeiramente   teve   função  defensiva  contra   ataques 

invasores por estar localizado em um ponto estratégico da cidade (século XVI e XVII), 

em uma vala por trás da colina no alto da Bahia de Todos os Santos. Todo o seu trecho 

era percorrido pelo rio das Tripas que era também esgoto que servia para escoar os 

restos do gado abatido mais em cima, no antigo matadouro do bairro de São Bento. 

Logo essa rua seria denominada de “Rua das Hortas”, pois era no seu trecho inicial que 

grande parte da cidade se abastecia de frutas e legumes. A Baixa dos Sapateiros teve 

essa   função por  vários   séculos.  A partir  de  trabalhos  de drenagem a  área  pôde ser 

utilizada como área residencial, e começou a ser chamada de “Rua da Vala”. As casas 

construídas na primeira metade do século XIX eram “casas modestas e pobres, térreas 

geralmente, raramente com um andar, moradia de artesãos, principalmente sapateiros, 

que terminaram por transferir à rua o nome que ela possui atualmente; (…)” (SANTOS, 

1959,   p.   171).   Mais   tarde   a   rua  veio   a   ser   rebatizada   como   rua   Dr.   J.   J.   Seabra, 

homenageando o governador do Estado que ordenou a realização de obras que veio a 

dar o seu traçado atual. A Baixa dos Sapateiros surgiu como área habitacional para uma 

classe média que acabou empobrecendo. Desde o princípio essa rua teve como função 

principal o comércio. Nos anos 1940 e 1950 a Baixa dos Sapateiros só perdia em fluxo 

humano, para a Rua Chile (SEBRAE, 2005, p. 7). A Baixa dos Sapateiros sempre foi a 

rua que movimentava o comércio  popular,  era  a  rua do comércio  pequeno burguês, 

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como identifica  Jorge Amado ([1965],  p.49),  enquanto a  Rua Chile  era  o  comércio 

voltado para as classes mais abastadas.

Pela Baixa dos Sapateiros passava 

uma gente cansada, de poucos sonhos,  de poucas leituras, ‘A tarde’ embaixo do braço, em casa esperam o pijama e o chinelo. Artéria por onde circula, onde compra e onde se diverte a pequena burguesia tão pobre da Bahia. (AMADO, [1965], p. 50)

A Baixa dos Sapateiros era artéria que ligava a Cidade Baixa à  Cidade Alta. 

Principalmente, utilizada pelos operários e empregados que trabalhavam no porto ou na 

Cidade Baixa e que moravam nos bairros do norte da cidade (SANTOS, 1959, p. 175). 

Os primeiros trilhos dos bondes da Linha Circular Carris da Bahia foram instalados ali 

justamente para facilitar a vida destes trabalhadores. Era na Baixa dos Sapateiros que 

estes trabalhadores se encontravam para pegar seu transporte, fazer suas compras, ou 

assistir filmes e apresentações nos diferentes cines­teatro do local.  

Nas diversas conversas que tive com lojistas e freqüentadores da área percebia 

uma nostalgia  dos tempos em que a Baixa dos Sapateiros  era movimentada,  e onde 

havia diversas opções de diversão. Muitos lembram as sessões de cinema que iam ver 

nos  Cines   Jandaia,  Tupy,   Pax   ou   Aliança   (ex­Cine   Olympia).   Destes   o   único  que 

permanece aberto é o Tupy sempre com dois filmes pornográficos em cartaz. Há vinte, 

trinta anos atrás, conforme os entrevistados, os cinemas traziam um filme de ação e um 

filme pornográfico por dia,  e  as   filas  para os  cinemas eram enormes.  O cine­teatro 

Jandaia foi inaugurado em 9 de março de 1911 (SANTANA, 2008) e já foi palco até de 

Carmem Miranda (WEINSTEIN, 2008). Ele foi provisoriamente  tombado pelo Ipac, 

pelo seu valor histórico e arquitetônico. Segundo Jorge Amado esse cinema nasceu para 

um público grã­fino, onde passavam estréias, mas, por causa de sua localização acabou 

tendo que passar  reprises,  como os outros cinemas do local ([1965], p. 50). Hoje o 

cinema já está fechado há cerca de 15 anos; foi vendido na década de 1970, mas por 

motivos burocráticos está completamente abandonado, e sua estrutura oferece risco às 

lojas ao lado e abaixo do cine.

Outro local muito mencionado é o Mercado São Miguel; feira que abastecia boa 

parte  da  cidade  de  alimentos.  Este  começou  a   ser  construído  em outubro  de  1965. 

Primeiramente era  uma propriedade particular,  depois passou a ser público,  de feira 

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passou a ser mercado. Hoje dos 196 boxes, 104 estão fechados, e o local, apesar de ser 

um dos mais movimentados da Baixa dos Sapateiros, principalmente pela tarde, teve 

sua última reforma em 1992 (SOBRINHO e BRITO, 2008). 

Outro   ponto   histórico   de   grande   importância   da   Baixa   dos   Sapateiros   é   o 

Mercado de Santa  Bárbara.  Ele é  muito conhecido  pela   festa  de Santa Bárbara que 

acontece   todo ano no  dia  4  de  dezembro.  A procissão começa  na   Igreja  de  Nossa 

Senhora dos Rosários dos Pretos, passa pelo Corpo de Bombeiros (também localizado 

na Baixa dos Sapateiros) e termina no Mercado de Santa Bárbara, onde uma imagem da 

santa fica exposta na parte do fundo do Mercado. Tradicionalmente tanto no Corpo de 

Bombeiros como no Mercado de Santa Bárbara é servido caruru para cerca de 5 mil 

participantes. 

A   Baixa   dos   Sapateiros   sempre   foi   uma   região   mais   comercial,   do   que 

residencial.  As residências  se encontravam mais nas vielas   transversais  da rua,  e as 

poucas   residências   que   haviam   de   frente   para   a   rua   foram   pouco   a   pouco   sendo 

compradas pelos comerciantes. Segundo Milton Santos, de 1940 à 1950 a população de 

rua, incluindo os que moram nos becos, aumentou 20% ([1965], p.179). 

Tudo isso significa que duas tendências se opõem do ponto de vista do papel residencial. De uma parte o comércio expulsa os moradores, para  ocupar  êle   próprio   as   casas,   que   transforma  a   seu  modo.  A utilização residencial das casas que têm fachadas diretamente sôbre a rua tende, assim, a desaparecer. De outro lado, a população pobre se acumula nas pequenas casas de trás,  cuja degradação é ainda mais acelerada. ([1965], p.180).

Segundo Bárbara Freitag (2003) sempre foi comum na história das aldeias, vilas 

e cidades brasileiras, desde a época colonial, 

abandonar ou deixar atrás de si núcleos urbanos criados, para fundar outros, paralelos, transferindo as funções do antigo para o novo. Deste modo, a cidade ‘abandonada’ pode viver um período de estagnação e até mesmo cair no esquecimento. (p.116)

E foi isso que aconteceu quando a cidade de Salvador começou a crescer no 

sentido Campo Grande e Corredor da Vitória, levando as classes mais abastadas para 

essas regiões, e depois, na década de 1970 quando foi construído o CAB, que levou o 

Centro Administrativo para longe do Centro Histórico. O Pelourinho ficou abandonado, 

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e na década de 1980 era considerado um lugar sujo e perigoso, ocupado pelas atividades 

marginais como a prostituição e o tráfico de drogas (Nobre, 2003, p.5). Mas estes ainda 

foram anos de auge da Baixa dos Sapateiros, que sentiu mais os efeitos do crescimento 

urbano, com os surgimentos dos shoppings nos anos 1980, principalmente os shoppings 

Piedade e Lapa,  transformando a Av. Sete,  antiga rua do comércio  das classes mais 

altas, em comércio popular. Essas e outras mudanças começaram a afetar o movimento 

dessa região.

A Baixa dos Sapateiros e seus lugares

“Assim funciona a cidade­conceito,  lugar de transformações e apropriações,   objeto   de   intervenções   mas   sujeito   sem   cessar enriquecido   com   novos   atributos:   ela   é   ao   mesmo   tempo   a maquinaria e o herói da modernidade.” (Certeau, 1996, p.174)

Abordo   as   apropriações   dos   espaços   na   Baixa   dos   Sapateiros   usando   as 

definições usadas por Nuttall e Mbembe para definir a cidade de Johannesburgo. São 

espaços vistos, outros não vistos, e outros só vistos de vez em quando; a superfície, o 

subterrâneo   e   as   margens.   A   superfície   da   Baixa   dos   Sapateiros   é   o   que   é   visto 

facilmente por qualquer passante, a parte que  conversa  com a população que circula. 

Passar pela Baixa dos Sapateiros hoje é evidenciar que longe do movimento que havia 

antes,   é   uma   região   esvaziada,   abandonada   pelo   poder   público   e   pela   população, 

circunstância   que   se   evidencia   pelo   grande   número   de   estabelecimentos   que   hoje 

mantêm as portas fechadas, alguns com placas de aluguel ou venda expostas por longos 

períodos. A partir de 2008 é que começam a se verificar algumas reformas, no Mercado 

Santa  Bárbara,  no  Corpo  de  Bombeiros,  na   Igreja  da  Barroquinha   (reforma  que   já 

começou em 2002, e se finaliza em 2008) em algumas casas que perdem seus luxalons, 

as estruturas de propaganda das lojas,  para reformar suas fachadas,  ganham pintura, 

fazendo com que a Baixa dos Sapateiros comece a ter cores mais vivas, entre outras 

iniciativas mais sutis de revitalização desse espaço.

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Mas apesar de algumas mudanças, os lojistas que permanecem, e resistem a essa 

perda da movimentação da Baixa dos Sapateiros, reclamam da falta de freqüentadores; 

uma delas  diz que há  dias em que não vende nada.  São vários  os motivos  que são 

apontados pelos lojistas entrevistados para a queda do comércio na região, entre eles: o 

surgimento dos shoppings, principalmente o Piedade, que fez com que a Av. Sete de 

Setembro,  antes rua de comércio  para as classes mais altas,  se  tornasse rua popular 

também, como supracitado; a transformação de parte da Rua J. J. Seabra em mão­única, 

onde antes era mão­dupla em todo o seu percurso; a falta de segurança; a construção da 

Estação da Lapa, que tirou boa parte das rotas de ônibus que passavam pela estação da 

Barroquinha; a falta de banheiros públicos, de mais estacionamentos e de uma maior 

variedade de atividades. 

Nos mercados, tanto no São Miguel quanto no recém reformado Mercado de 

Santa Bárbara, muitos boxes estão fechados. Hoje os poucos boxes abertos do Mercado 

São Miguel vendem produtos de Candomblé e Umbanda, eletrodomésticos, confecções, 

além de oferecer serviços de barbearia, e possuir alguns bares e restaurantes. Um dos 

donos   de   um   restaurante   disse   que   desde   pequeno   freqüenta   sempre   a   Baixa   dos 

Sapateiros, em especial o Mercado; hoje o mercado é freqüentado principalmente por 

homens de mais idade, que vêm para tomar uma cerveja e jogar dominó, ouvindo forró 

ou arrocha. Esses freqüentadores são na sua maioria aposentados que já vêm à Baixa 

dos Sapateiros  há  muitos anos.  O Mercado São Miguel  atrai  esse público fixo,  mas 

afasta o público novo por estar degradado, e por ser considerado sujo e perigoso. 

As  tradições  das   festas  se  mantêm tanto  no Mercado São Miguel  quanto no 

Mercado de Santa Bárbara. No Mercado de Santa Bárbara a festa enfrenta dificuldades 

nos últimos anos para acontecer; como ela se mantém através de doações, em 2008 as 

doações foram poucas, e poucos puderam provar o caruru. Outro fator que faz com que 

seja mais complicado organizar a festa, é que vários comerciantes do Mercado são, hoje, 

membros de Igrejas evangélicas e, portanto, não ajudam na preparação da festa. Apesar 

de  indícios  do esvaziamento  da festa,  em 2008 a Festa  de Santa  Bárbara se  tornou 

oficialmente  patrimônio   imaterial  da  Bahia   (BRITO e  SOMBRA, 2008).  O próprio 

Mercado   de   Santa   Bárbara   foi   um   dos   pontos   beneficiados   com   o   projeto   de 

revitalização da Baixa dos Sapateiros. Em novembro de 2008 começaram a pintar por 

dentro   e   por   fora   do  mercado,   assim  como  a   reformar  os   banheiros.  Entretanto,   a 

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reforma das lojas, segundo Cosme Brito, diretor da Albasa, é de responsabilidade dos 

lojistas. 

Lojas,   vendedores   ambulantes   e   camelôs   disputam   a   rara   clientela.   Muitos 

vendedores abordam de forma insistente, outros ficam olhando para fora das lojas com 

caras de desânimo. Muitos que por lá circulam, não passam pela região com a intenção 

de comprar, da Baixa dos Sapateiros eles acessam o Pelourinho, ou os bairros da Saúde 

e de Nazaré,  suas casas e seus  trabalhos,  e outros equipamentos como as Igrejas,  o 

Senac, o Sesc, o Iphan, entre outros. Um dos lojistas disse que os freqüentadores das 

Igrejas raramente   interagem com o resto do espaço.  E assim fui percebendo que os 

diversos equipamentos,  os moradores e os  lojistas  pouco interagem, existem em um 

mesmo espaço, mas pouco se comunicam, constituindo lugares muito distintos.

Hoje  os  moradores  ainda são, na sua grande maioria,  uma população menos 

favorecida. As partes de moradia são uma parte menos visível da Baixa dos Sapateiros. 

Estima­se que menos de 10% dos imóveis da Baixa dos Sapateiros sejam utilizados para 

moradia (BAHIA, 2008, p.  29). E estes ainda moram nos becos e ruas secundárias, 

transversais da J.J. Seabra, muito poucos moram de frente para a rua principal. Andando 

pela Baixa dos Sapateiros, você só percebe aos poucos os espaços de moradia, alguns 

becos   e   ruas   secundárias   possuem   portões   na   sua   entrada,   a   entrada   nesses   casos, 

normalmente só acontece pela J.J Seabra; algumas entradas são espaços de venda de 

mochilas e malas, e você quase não nota que por aí pessoas passam para ir para suas 

casas. Quando se entra se percebe as muitas casas que estão naquele local. Em uma das 

entradas,  na  qual  entrei,   conversei  com uma moradora  que  era  antiga  moradora  do 

Pelourinho   e   junto   a   sua  mãe   foi   expulsa   durante   o   processo  de  Revitalização  do 

Pelourinho na década de 1990. Ela e alguns vizinhos fazem parte do Lute, que é uma 

organização que discute formas de conquistar indenizações mais justas por sua saída 

forçada do espaço em que construíram sua identidade.  Ela fala com orgulho que foi 

moradora do Pelourinho. Enquanto esse espaço os moradores nem sabem dizer se é 

Saúde ou se é Baixa dos Sapateiros, a correspondência chega com esses dois endereços. 

Há prédios e ruas com casas maiores, onde pode­se perceber uma classe média. Assim 

como há pessoas que moram nas sobre­lojas e nas lojas abandonadas.

A parte subterrânea da Baixa dos Sapateiros são os casebres e cortiços, casas e 

casarões   em   estado   de   degradação,   que   se   encontram   principalmente   nas   regiões 

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próximas ao São Miguel, na Rua Gravatá e na Rua 28 de setembro e são habitados por 

pessoas com baixíssimo poder aquisitivo, ou nenhum, que vivem do lixo, da reciclagem, 

na   sua   maioria,   e   que   são   traficantes   e   usuários   de   substâncias   psicoativas.   Esses 

lugares são conhecidos pela venda e espaço de uso de drogas. Uma redutora de danos 

do Aliança diz que esses espaços ainda se diferem um do outro. A região do São Miguel 

é uma região com um consumo maior de maconha e álcool, há pessoas que moram no 

fundo do Mercado, no estacionamento já há 10/15 anos, que construíram sua história lá. 

Disse que havia uma boca de maconha lá, mas que foi queimada a uns três meses atrás, 

em uma briga entre bocas. Ela percebe que a bebida é a droga que causa mais problemas 

ali. As pessoas que ali moram vivem, principalmente do lixo, tiram o material que pode 

ser reciclado,  assim como frutas e verduras e outras comidas que foram jogadas ali. 

Essa comida é selecionada, eles têm uma panela, fazem um pequeno fogo, e lá fazem a 

comida para todos. Disse que ali há um sentimento de pertença ao espaço, “eu sou do 

São Miguel”. Mas além dos moradores do São Miguel, os consumidores são de classes 

sociais  diversas.  O Gravatá  é  uma região mais de tráfico  de drogas do que de uso, 

principalmente do crack, por isso conhecido como crackolândia. No Gravatá além dos 

traficantes, ficam prostitutas que trocam sexo por  crack. Já a 28 de Setembro é uma 

região de tráfico e uso de drogas, principalmente o crack, algumas pessoas moram nos 

casarões abandonados, constroem suas casas a partir do lixo. Alguns desses moradores 

também tem um sentimento de pertença à esse espaço, relembram suas experiência a 

partir desse espaço “nessa escadaria que você está vendo aqui, foi que eu dei a minha 

primeira picada” relata a redutora sobre algumas das falas dos usuários. Os usuários 

começaram a invadir os casarões abandonados depois que a polícia colocou câmaras na 

rua, foi a tática encontrada para fugir do olhar da polícia. 

Se, no discurso, a cidade serve de baliza ou marco totalizador e quase mítico para as estratégias sócio­econômicas e políticas, a vida urbana deixa   sempre  mais   remontar  àquilo  que  o  projeto  urbanístico  dele excluía.  A   linguagem do  poder   ‘se  urbaniza’,  mas   a   cidade   se  vê entregue   a   movimentos   contraditórios   que   se   compensam   e   se combinam fora do poder panóptico. (Certeau, 1996, p.174)

O  subterrâneo  encontra   formas,   e   táticas,   que,   segundo   Certeau   são 

determinadas pela ausência de poder, de se movimentar e se criar  ao mesmo tempo 

dentro do surgimento das novas configurações urbanas que estão sob o olhar vigilante, e 

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fora do visível.  O  subterrâneo  e a  superfície  se encontram nas  margens,  através  de 

pequenos furtos, ou de batidas policiais, que fazem visíveis por instantes a realidade do 

subterrâneo.   “O   espaço   assim   tratado   e   alterado   pelas   práticas   se   transforma   em 

singularidades aumentadas e em ilhotas separadas.” (Certeau, 1996, p.181)

As temporalidades  e espacialidades  são marcadas  pelos festejos da cidade.  A 

festa em homenagem a São Miguel no dia 29 de setembro, e a Festa de Santa Bárbara 

no dia 4 de dezembro implicam em mudanças no cotidiano. São dias de preparação, e 

no dia uma dinâmica diferente de apropriação do espaço. Segundo Da Matta “(...) as 

unidades de tempo só podem ser visíveis como tal na medida em que estão ligadas a 

alguma   atividade   socialmente   bem   marcada”   (1987,   p.36).   As   festas   anuais   em 

homenagem a esses santos, assim como o carnaval, e as festas semanais do Pelourinho 

afetam de formas diferentes os tempos e espaços da Baixa dos Sapateiros. Enquanto as 

festas   de  Santa  Bárbara   e  São  Miguel   implicam  em multidões  ocupando   a   rua   J.J 

Seabra, no carnaval o trânsito é modificado, algumas ruas como a 28 de Setembro são 

barradas, e só passam carros com autorização, e alguns usuários da rua aproveitam esse 

momento para pedir  pedágio. As festas de terça da benção e sexta­feira têm feito as 

batidas policiais mais freqüentes em lugares como o São Miguel, onde nesses dias os 

que ali moram são abordados de forma violenta pela polícia. Dando a clara idéia de que 

eles não são bem­vindos e bem vistos nesses locais e nessas festas. “(...) as práticas do 

espaço tecem com efeito as condições determinantes da vida social.” (Certeau, 1996, 

p.175)

Revitalização da Baixa dos Sapateiros e o processo de gentrification

O impulso de preservar o passado é parte do impulso de preservar o eu. Sem saber onde estivemos, é difícil saber para onde estamos indo. O passado é o fundamento da identidade individual e coletiva; objetos do   passado   são   a   fonte   da   significação   como   símbolos   culturais. (Rossi, 1982 apud Harvey, 1992, p.85) 

Mike Featherstone argumenta que capital cultural, gentrification, e estilização da 

vida estão relacionados. Na pós­modernidade gentrification se torna uma nova forma de 

se apropriar dos espaços centrais das cidades, mudando sua configuração, fazendo dos 

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locais históricos, local de consumo turístico e cultural. O passado transformado se torna 

capital cultural. 

O  termo  gentrification  (enobrecimento)  é   usado   (...)   para  designar intervenções   urbanas   como   empreendimentos   que   elegem   certos espaços da cidade considerados  centralidades  e os transformam em áreas   de   investimentos   públicos   e   privados,   cujas   mudanças   nos significados de uma  localidade  faz  do patrimônio um segmento do mercado. (Leite, 2002, p.118)

Segundo Smith (2002), a gentrification se tornou uma estratégia urbana global. 

Cria­se   uma   nova   imagem   urbana,   e   uma   nova   identidade   para   o   local.   Mas   a 

reapropriação dos espaços centrais  urbanos pelas classes médias e altas significa,  na 

maior parte das vezes, a exclusão daqueles, que por anos, construíram sua história nesse 

local abandonado pelo poder público e pelas classes mais abastadas, daqueles que foram 

deixados junto a esses espaços deteriorados. E agora em que a pós­modernidade volta a 

valorizar esses espaços históricos, esses locais são transformados, e essa transformação 

não é  só  do local,  mas do público que ali  vai freqüentar e habitar.  Segundo Nobre, 

nesses processos de  gentrification, sempre há os ‘vencedores’ e os ‘perdedores’, que 

aqui chamo de estabelecidos e desafortunados. E geralmente envolvem movimentos de 

desalojamento e exclusão. 

O  projeto  de   revitalização  da  Baixa  dos  Sapateiros  é   uma  promessa  antiga, 

segundo Cosme Brito, diretor da Associação de Lojistas da Baixa dos Sapateiros. O 

projeto vem sendo elaborado desde 1994, no governo de Lídice da Mata, que por falta 

de verba e pelas disputas políticas entre as esferas municipal e estadual, não conseguiu 

levar o projeto adiante. O Projeto de Revitalização do Pelourinho, desenvolvido pelo 

governo estadual, não incluiu a Baixa dos Sapateiros, sendo que alguns dos moradores 

do Pelourinho,  expulsos  nesse processo foram para a  Baixa  dos Sapateiros,  uns  em 

casas,  outros  em situação  de moradores  de   rua.  O projeto  da  Baixa  dos  Sapateiros 

passou pelos próximos governos, mas nunca saiu do papel, apesar de terem sido feitos 

novos  levantamentos  e  censos para a área.  Tanto que poucos lojistas  acreditam que 

dessa vez o projeto saia do papel. Só um dos entrevistados, que trabalha no Mercado 

São Miguel disse estar participando das discussões sobre o projeto e estar crente de que 

dessa vez se torne realidade, ainda mais com a aprovação da cidade de Salvador como 

uma das sedes da Copa do Mundo de 2014.  

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Alguns  dos  principais   problemas  apontados  pelos   lojistas   e  por   aqueles   que 

circulam  pela  Baixa   dos   Sapateiros   foram  mostrados   em  uma  apresentação  no   dia 

19.05.08 pelo Escritório de Referência do Centro Histórico de Salvador; e são a falta de 

diversificação das atividades (22%), a falta de equipamentos e áreas de lazer (14%), a 

presença   do   albergue   (de   mendigos   e   desabrigados)   (14%),   os   prédios 

abandonados/degradação dos edifícios/aparência  das  lojas   (13%),  falta  de mobiliário 

urbano (banheiros públicos) (10%), a falta de reforma e aparência das lojas (9%), a falta 

de estacionamento (8%), entre outros. (BAHIA, 2008, p. 8). Outro problema existente, 

que não foi  apontado no estudo,  é  a   falta  de segurança.  Os  lojistas  dizem que  tem 

pouquíssimo policiamento, e que essa região já foi bastante violenta, hoje não é tanto, 

mas isso porque cada loja  paga de R$10 a R$ 40 reais  por mês para  ter  segurança 

privada. E em cima disso que está sendo construído o projeto de revitalização.

Hoje  o projeto propõe que a  Baixa dos Sapateiros  seja  “um lugar  bom para 

morar, freqüentar, trabalhar e visitar”. (BAHIA, 2008, p.4) Para moradia pretende­se 

reformar as casas em situação de abandono, e os andares superiores das lojas, para que 

se tornem próprias para moradia, assim como transformar algumas casas em casas de 

estudante.  Segundo  Cosme Brito,   as   casas   na   rua  Gravatá   por   exemplo  devem ser 

reformadas, e os moradores da sétima etapa do projeto de revitalização do Pelourinho 

devem ser encaminhados para essas casas. Está nos planos a recuperação dos passeios 

públicos, iluminação com fiação embutida, melhoramento da infra­estrutura, colocação 

de mais faixas de pedestres, horários e locais para carga e descarga, recuperação dos 

terminais, recuperação do cine Jandaia e transformação do Mercado São Miguel. 

O   Cine­teatro   Jandaia   deve   ser   reformado   para   que   seja   um   importante 

equipamento cultural da cidade, talvez um teatro municipal. E os planos para o Mercado 

São Miguel são incentivar o comércio de produtos da economia do sagrado, assim como 

espaço para venda de comidas típicas, área para roda de capoeira e outra manifestações 

da cultura afro­brasileira (SOBRINHO e BRITO, 2008), assim como abrir uma loja da 

Cesta  do  Povo  no   local.  Segundo  Cosme  Brito   a   idéia   é   reformar  o  Mercado  por 

completo, pois este se encontra em situação muito precária. Disse que os boxes seriam 

novamente   construídos   e   os   atuais   trabalhadores   continuariam   nesse   local   após   a 

reforma.   Essas   são   algumas   das   propostas,   outras   ainda   estão   sendo   negociadas   e 

discutidas entre empresários, o Escritório de Referência do Centro Antigo de Salvador, 

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que representa o governo do Estado, a Prefeitura, a Associação dos Lojistas da Baixa 

dos Sapateiros  e  Barroquinha (Albasa),  o Sebrae,  o Fórum para o Desenvolvimento 

Sustentável   do   Centro   da   Cidade,   entre   outros   órgãos   públicos,   assim   como   a 

participação é aberta ao público em geral. Alguns dos lojistas que entrevistei disseram 

que a Rua J. J.  Seabra deveria voltar  a ser mão­dupla em todo seu percurso, outros 

pensam que deveria ser uma Rua 24 horas, um outro lojista disse que seria melhor se a 

rua fosse fechada para carros, que todos chegariam somente até o terminal Aquidabã, e 

a Baixa seria um Shopping com o calçadão, com praças para as senhoras, etc., outros 

sugerem uma passarela que ligue o Pelourinho à Baixa dos Sapateiros.   As idéias são 

muitas, mas poucos participam das discussões.

Cada   visita   a   Baixa   dos   Sapateiros   revelava   uma   mudança,   casas   sendo 

reformadas, assim como a conclusão da reforma da Igreja da Barroquinha, hoje Espaço 

Cultural da Barroquinha, no final de 2008, e inaugurada no dia 28 de março deste ano, a 

reforma   do   Albergue,   entre   outros.   Mas   mudanças   sutis   também   vêm   afetando   a 

composição   do   espaço.   Como   já   mencionado,   a   polícia   vem   fazendo   abordagens 

semanais cada vez mais ostensivas no São Miguel, assim como batidas mais freqüentes 

no Gravatá e na 28 de Setembro, com a intenção de expulsá­los do local. A redutora 

com quem conversei, disse que muitas das pessoas que ela acompanhava simplesmente 

sumiram,   outras   vão   migrando   entre   os  pedaços,   mas   que   muitos   moradores, 

principalmente do São Miguel, ainda tentam resistir. São movimentos que Smith chama 

de  antigentrification,   não   são   necessariamente   organizados,   mas   desafiam   a 

gentrification. 

As   práticas   temporais   e   espaciais   nunca   são   neutras   nos   assuntos sociais; elas sempre exprimem algum tipo de conteúdo de classe ou outro conteúdo social, sendo muitas vezes o foco de uma intensa luta social. (Harvey, 1992, p.218)

Conclusão

Os   processos   de   gentrification   (enobrecimento)   reanimam   os   usos públicos dos espaços urbanos. Mas a questão fundamental é saber que tipo de uso público ocorre. (Leite, 2002, p. 116)

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Segundo   Smith,   termos   como   revitalização   e   regeneração   urbana   são   novas 

formas de  gentrification. Por mais que o novo Projeto de Revitalização da Baixa dos 

Sapateiros, e do Centro Antigo como um todo está acontecendo de uma forma conjunta, 

entre Estado,  entidades  privadas e públicas,  ONGs e sociedade civil,  há  parcelas  da 

população que vão ser novamente expulsas e excluídas desse novo Centro Histórico e 

Antigo. O Programa Salvador Cidadania, que foi lançado pela Prefeitura no dia 1° de 

junho  deste   ano  surge  para   atender   aos   soteropolitanos  em situação  de   rua,   com a 

proposta de abordar estes, recolher dados, e abrigar aqueles que desejam sair das ruas, 

estes passarão por uma triagem onde serão abrigados, receberão higienização e refeições 

e serão encaminhados para uma equipe multidisciplinar formada por assistente social, 

psicólogo,  médico,   técnicos  de   enfermagem  e   educadores   sociais.  A  proposta   vista 

dessa forma parece boa, mas segundo a fala da redutora, todos que já passaram pela 

experiência do abrigo no albergue passaram por uma situação de violência, violência 

entre eles, opressão por parte daqueles que guardam o albergue, assim como a privação 

de suas vontades, como usar drogas. Ela argumenta que nesses albergues é exigido um 

perfil que eles não se encaixam, eles se sentem melhor no São Miguel, onde tem uma 

solidariedade de grupo. O Albergue que se localizava na Baixa dos Sapateiros é hoje o 

novo Posto de Triagem, e os moradores de rua soteropolitanos são encominhados para o 

Albergue de Roma. Sutilmente é uma nova forma de deslocar essas pessoas em situação 

de rua para longe do Centro Histórico. Segundo a redutora há exemplos de inclusão 

dessas pessoas que estão dando certo em outros estados, como em São Paulo com os 

Centros de Convivência,  que é  um grande centro onde as pessoas ficam livres para 

tomar   banho   se   quiserem,   usar   drogas,   dormir   ou   não,   e   não   há   a   figura   de   um 

segurança.   A   construção  de  projetos   de   revitalização   só   vai   incluir   a   todos,   assim 

minimizando os contatos conflitivos, quando se der ouvidos a todos.

Embora mais pessoas serão incluídas nesse novo Projeto de Revitalização, pela 

construção  de  moradias  populares,   com a  preocupação   em educar  os   ambulantes   e 

regularizá­los,   e   a   realização   contínua   de   eventos   gratuitos,   ainda   haverá   os 

desfortunados que continuaram usando táticas para fugir do olhar vigilante, e para viver 

a   sua   maneira,   no  Centro   Histórico.   Que   continuarão   se   fazendo   presentes   na   sua 

invisibilidade.

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Uma questão fundamental,  entretanto,  é  saber em que medida essa   ‘desapropriação   de   sujeitos’   não   corresponde   também   a uma reapropriação de outros sujeitos. Se por um lado as práticas de gentrification separam esses lugares dos que neles vivem – na medida em que parecem alienar o patrimônio dos seus usuários através   das   relações   econômicas   de   consumo   ­,   por   outro,   é possível   que   esse   mesmo   processo   amplie   as   possibilidades interativas   (conflitivas   ou   não)   entre   aqueles   que   neles interagem. (Leite, 2002, p.121)

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