estudos sobre o caso trt

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Estudos Sobre o Caso TRT

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  • A Coleo Acadmica Livre publica obras de livre acesso em formato digital. Nossos livrosabordam o universo jurdico e temas transversais por meio das mais diversas abordagens.Podem ser copiados, compartilhados, citados e divulgados livremente para fins nocomerciais. A coleo uma iniciativa da Escola de Direito de So Paulo da Fundao GetulioVargas (FGV DIREITO SP) e est aberta a novos parceiros interessados em dar acesso livrea seus contedos.

    Esta obra foi avaliada e aprovada pelos membros de seu Conselho Editorial.

    Conselho EditorialFlavia Portella Pschel (FGV DIREITO SP)Gustavo Ferreira Santos (UFPE)Marcos Severino Nobre (Unicamp)Marcus Faro de Castro (UnB)Violeta Refkalefsky Loureiro (UFPA)

    A pesquisa apresentada nesta obra foi realizada com o apoio financeiro de:

  • Os livros da Coleo Acadmica Livre podem ser copiados e compartilhados por meios eletrnicos; podem sercitados em outras obras, aulas, sites, apresentaes, blogues, redes sociais etc, desde que mencionadas a fonte ea autoria. Podem ser reproduzidos em meio fsico, no todo ou em parte, desde que para fins no comerciais.

    Conceito da coleo: Jos Rodrigo Rodriguez

    EditorJos Rodrigo RodriguezAssistente editorialBruno Bortoli BrigattoCapa, projeto grfico e editoraoUltravioleta DesignPreparao de textoLucas de Souza C. VieiraRevisoCamilla Bazzoni de MedeirosImagem da capaRomulo Fialdini

    FGV DIREITO SPCoordenadoria de Publicaes Rua Rocha, 233, 11 andarBela Vista So Paulo SPCEP: 01330-000Tel.: (11) 3799-2172E-mail: [email protected]

    Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Karl A. Boedecker da Fundao Getulio Vargas SP

    Estudos sobre o Caso TRT / organizadoras Mara Rocha Machado, Luisa Moraes Abreu Ferreira;autores Andr Janjcomo Rosilho ... [et al.]. So Paulo : Direito GV, 2014.

    380 p.ISBN 978-85-64678-11-81. Brasil. Tribunal Regional do Trabalho (SP). 2. Corrupo administrativa - Brasil. 3. Fraude -

    Brasil. 4. Crime contra a administrao pblica. I. Machado, Mara Rocha. II. Ferreira, Luisa MoraesAbreu. III. Rosilho, Andr Janjcomo. IV. Ttulo.

    CDU 343.35(81)

  • sumrio

    Introduo 11Mara Rocha Machado

    1.A nArrAtIvA do CAso trt 25Mara Rocha Machado e Luisa Moraes Abreu Ferreira

    1.1 | o InCIo dA hIstrIA (1992-1998): MAIS UMA FRAUDE EM LICITAO DE OBRA PBLICA 261.1.1 | O edital de concorrncia e o contrato 271.1.2 | Identificao de irregularidades: a primeira fase da atuao do TCU 291.1.3 | O Ministrio Pblico entra em cena 30

    1.2 | todAs As ArmAs (1999-2002): PROCESSOS E RECURSOS 321.2.1 | O divisor de guas: a CPI do Judicirio no Senado Federal 331.2.2 | Suos iniciam a primeira investigao e mantm bloqueio por 14 anos 361.2.3 | A segunda fase da atuao do TCU 371.2.4 | No Brasil, condenaes criminais ainda aguardam trnsito em julgado 401.2.5 | Constructive trust: apartamento de Miami acionado e leiloado em meses 431.2.6 | Ikal entra em falncia e Grupo OK tem a personalidade jurdica desconsiderada 441.2.7 | Do nada vai acontecer comigo marchinha de carnaval 461.2.8 | Enfim, as sentenas nas aes de improbidade 47

    1.3 | hIstrIA sem fIm 48

    2.PreConCeItos, Presunes e Prejuzos: ARGUMENTOS DOGMTICOS NAS DECISES DO TCU E DO STF ENVOLVENDO O CASO TRT 61Andr Rodrigues Corra

    Introduo 61

    henrique.tiraboschiRealce

  • 2.1 | A rAIz de todo mAl: AS DISCUSSES ACERCA DO PROCEDIMENTO CONVOCATRIO E DOCONTRATO NOS PROCESSOS INSTALADOS JUNTO AO TCU ANTES DA CRIAO DA CPI DO JUDICIRIO 642.1.1 | O Acrdo 231/96 do Tribunal de Contas da Unio 642.1.2 | O Acrdo 45/1999 do Tribunal de Contas da Unio 84

    2.2 | ArrAnCAr o mAl PelA rAIz: AS DISCUSSES SOBRE NULIDADE E RESCISO DO CONTRATONOS PROCESSOS INSTALADOS JUNTO AO TCU E AO STF APS A CRIAO DA CPI DO JUDICIRIO 942.2.1 | O Acrdo 23560/DF do Supremo Tribunal Federal 952.2.2 | O Acrdo 298/2000 do Tribunal de Contas da Unio 100

    2.3 | A CurA PArA todo mAl? OS ARGUMENTOS INSUFICIENTEMENTECONSIDERADOS PELOS TCU E PELO STF 1042.3.1 | A adequao dos instrumentos: edital e contrato 1052.3.2 | O equilbrio contratual: aditivos contratuais, resciso e declarao de nulidade 112

    ConCluso 116

    3.dIreIto PrIvAdo e CombAte CorruPo: DESCONSIDERAO DA PERSONALIDADE JURDICA E FALNCIA NO CASO TRT 135Gisela Ferreira Mation

    Introduo 135

    3.1 | defInIo dos InstItutos jurdICos: DESCONSIDERAO DA PERSONALIDADE JURDICA E FALNCIA 137

    3.2 | A deCretAo dA fAlnCIA dA ConstrutorA IkAl 1423.2.1 | Arrecadao e desvio de bens 1443.2.2 | Desconsiderao da personalidade jurdica: pedidos e recursos 1453.2.3 | Deciso sobre a desconsiderao da personalidade jurdica 151

    ConsIderAes fInAIs 152

    4.reCuPerAo dos AtIvos do CAso trt-sP: EqUILIBRANDO A INTERDEPENDNCIA DE JURISDIES COM A UTILIzAO DE DIFERENTES ESTRATGIAS JURDICAS 163Rochelle Pastana Ribeiro

  • Introduo: ALTERNATIVAS JURDICAS DISPONVEIS PARA A RECUPERAO DE ATIVOS NO ExTERIOR 163

    4.1 | o ProCesso de reCuPerAo de AtIvos no CAso trt-sP 168

    4.2 | o legAdo do CAso trt: COORDENANDO AS ESTRATGIAS DE RECUPERAO DE ATIVOS 174

    5.A gesto dA PrIso de nIColAu dos sAntos neto 189Carolina Cutrupi Ferreira

    Introduo 189

    5.1 | A fugA e A rendIo 191

    5.2 | PrIso esPeCIAl nA PolCIA federAl e CondenAes nA justIA federAl 1955.2.1 | Manuteno da priso aps condenao 198

    5.3 | o InCIo do ProCesso de exeCuo ProvIsrIA 199

    ConsIderAes fInAIs 206

    6.o CAso trt nA mdIA: SISTEMA DE DIREITO CRIMINAL E OPINIO PBLICA 229Jos Roberto Franco Xavier

    Introduo 229

    6.1 | umA ConsIderAo PrelImInAr: A DIFICULDADE DE MANIPULAR UM SISTEMA COMPLExO 232

    6.2 | A resIstnCIA do sIstemA de dIreIto CrImInAl Presso externA 236

    6.3 | A mdIA e A oPInIo PblICA no CAso nIColAu 242

    notAs fInAIs 245

    7.o Controle judICIAl dA CorruPo e o modelo ProCessuAl brAsIleIro: REFLExES A PARTIR DO CASO TRT 251Paulo Eduardo Alves da SilvaSusana Henriques da Costa

  • Introduo 251

    7.1 | A demorA do ProCesso e seus resultAdos: PROVIMENTOS DE URGNCIA, RECURSOS E COISA JULGADA 252

    7.2 | A multIPlICIdAde de rgos de Controle esuA InflunCIA nA formAo do Conjunto ProbAtrIo 264

    7.3 | os sujeItos do ProCesso: esColhAs PoltICAs que se refletem nA tCnICA 271

    ConsIderAes fInAIs 277

    8.o ImPACto dAs normAs sobre foro esPeCIAl no CAso trt 287Luisa Moraes Abreu Ferreira

    Introduo 287

    8.1 | evoluo normAtIvA dAs regrAs de foro esPeCIAl 2888.1.1 | Desde 1923... 2888.1.2 | Parece-me, porm, que chegada a hora de uma reviso do tema 2888.1.3 | A reao legislativa: alterao do CPP 2908.1.4 | Novo tipo de populismo? A questo volta para o STF 2928.1.5 | O julgamento das ADIs pelo STF 2948.1.6 | E, finalmente, o julgamento da Reclamao pelo STF 2958.1.7 | Discusses interminveis 296

    8.2 | o foro Por PrerrogAtIvA de funo no CAso trt 2988.2.1 | As aes de improbidade 2998.2.2 | Inquritos criminais 3028.2.3 | Aes penais 3028.2.4 | Processo de corrupo: apelao criminal e recursos 3038.2.5 | Processo de lavagem: apelao e (mais) recursos 306

    8.3 | vAle A PenA? 308

    9.leI n 8.666/93: UMA RESPOSTA CORRUPO NAS CONTRATAES PBLICAS? 321Andr Janjcomo Rosilho

    henrique.tiraboschiRealce

  • Introduo 321

    9.1 | A reformA dA leI gerAl de lICItAes 324

    9.2 |Por que reformAr o deCreto-leI n 2.300/86? 3279.2.1 | A tramitao do PL n 1.491/91 329

    9.3 |quAl foI A resPostA normAtIvA dA leI n 8.666/93 Ao dIAgnstICo do Congresso nACIonAl? 331

    9.4 |A leI n 8.666/93 PArA Alm do dIsCurso normAtIvo: COMBATE CORRUPO? 332

    9.5 |A leI n 8.666/93 CrIou boAs solues PArAos ProblemAs no sIstemA de ContrAtAes PblICAs? 339

    ConCluso 340

    10.PArA ConCluIr: UMA AGENDA DE PESqUISA EM DIREITO A PARTIR DO CASO TRT 353Mara Rocha Machado

    10.1 |A sImultAneIdAde de ProCedImentos PArA sAnCIonAr os mesmos fAtos 355

    10.2 |o trnsIto em julgAdo e o Ponto fInAl no mundo jurdICo 357

    10.3 |ImPunIdAde? Como AvAlIAr os resultAdos do CAso trt? 360

    AnexosANExO 1 ProCessos e reCursos (1998-2013) 368ANExO 2 CoberturA jornAlstICA: ACERVO DIGITAL DA FOLhA DE SO PAULO (1998-2013) 371ANExO 3 quAdro de sAnes 372

    sobre os Autores 377

  • [sumrio]

    IntroduoMara Rocha Machado

    O ano de 1992 frequentemente lembrado pela aprovao da Lei deImprobidade Administrativa e, meses depois, pelo impeachment do Pre-sidente que a sancionou, Fernando Collor de Mello. lembrado aindapelo Massacre do Carandiru e, no dia seguinte, pela vitria expressiva dorouba, mas faz de Paulo Maluf nas eleies paulistas. Mas foi tambmem 1992 que a publicao do edital para construo de novo edifcio parao Tribunal Regional do Trabalho em So Paulo deu incio a um dos maisemblemticos casos de corrupo do pas. A importncia registrada aquidecorre menos do montante desviado dos cofres pblicos se comparadoa outros casos da poca mas sim do ineditismo de alguns fatores: almde ter sido protagonizado por um magistrado e um senador, o desvio deverbas na construo do TRT-SP foi o primeiro caso de corrupo aenvolver bloqueio e repatriamento de bens e valores no exterior e a man-ter um dos rus preso por vrios anos.

    Mais de 20 anos depois, o sistema de justia brasileiro ainda se movi-menta para apurar responsabilidades e reparar o dano ao errio pblico,calculado atualmente em R$ 991 milhes.1 Em julho de 2013,2 quando estelivro foi concludo, havia procedimentos relacionados ao caso tramitandoem mais de uma dezena de rgos do sistema de justia brasileiro, que gera-ram mais de uma centena de recursos e milhares de pginas.3 Os principaisenvolvidos no caso recorrem de decises penais condenatrias em liberda-de, com exceo de Nicolau dos Santos Neto. Em priso domiciliar desde2007, o ex-juiz, com 84 anos, foi transferido em maro de 2013 para a Peni-tenciria de Trememb, em So Paulo. E ali permaneceu at junho de 2014,quando teve reconhecida a extino de sua pena em razo de indulto cole-tivo. As aes civis pblicas que permitiram o bloqueio inicial das contasbancrias dos envolvidos foram sentenciadas em outubro de 2011, apsmais de dez anos de tramitao. As apelaes foram julgadas em outubrode 2013 e as condenaes foram mantidas. Os recursos contra essas decisesno haviam sido julgados em agosto de 2014, tampouco realizada a liqui-dao das sentenas. A construtora que ganhou a licitao teve a falncia

    11

    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    Introduo

    decretada e os scios desta e outras empresas envolvidas esto com osbens bloqueados desde o incio da ao civil pblica em 1998. Quatro pro-cedimentos foram concludos desde ento. O primeiro diz respeito aointerposta pelo Estado brasileiro em Miami reivindicando a propriedadede apartamento avaliado em R$ 1 milho que teria sido comprado por Nico-lau dos Santos Neto com dinheiro oriundo das obras do Tribunal. A aofoi julgada, o apartamento leiloado e o dinheiro depositado em conta dotesouro nacional em menos de um ano. O segundo procedimento refere-seao processo disciplinar iniciado no Senado Federal contra Luiz Estevo apartir dos fatos apurados na CPI do Judicirio e que culminou com a pri-meira cassao de um Senador da Repblica. Mais de uma dcada depois,em agosto de 2012, a Advocacia-Geral da Unio celebrou acordo com oGrupo OK, de Luiz Estevo, para garantir o retorno imediato aos cofrespblicos de pouco menos da metade do montante total desviado, conformea deciso condenatria do Tribunal de Contas da Unio. At julho de 2014,R$ 168 milhes j haviam sido depositados na conta do tesouro nacional.Por fim, em abril de 2013, o primeiro processo criminal transitou em jul-gado. Nicolau dos Santos Neto foi condenado definitivamente pelo crimede lavagem de dinheiro. A pena aplicada foi de 9 anos de priso e multa deR$ 600 mil. Os demais processos permanecem tramitando, como se verno decorrer do primeiro captulo que narra o percurso do Caso TRT pelosistema de justia brasileiro e internacional.4

    Desde que o caso veio a pblico, com a CPI do Judicirio em 1999, oarranjo normativo e institucional para lidar com a corrupo no pas alterou--se substancialmente. Vrias instituies foram criadas ou remodeladas paraatuar especificamente no enfrentamento da corrupo. possvel dizer queo sistema de justia destinado a lidar com a corrupo no pas outro depoisda criao da Controladoria Geral da Unio, do Conselho Nacional de Justia,do Departamento de Recuperao de Ativos e Cooperao Internacional doMinistrio da Justia, e de divises especializadas na Advocacia-Geral daUnio, na Polcia Federal e no Ministrio Pblico, tanto em mbito federalquanto em diversos estados. O novo panorama institucional j foi objeto deanlise e reflexo por diversos pesquisadores, especialmente no campo dacincia poltica que h dcadas debrua-se sobre o tema.

    12

  • ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

    Com a publicao de Corruption and Democracy in Brazil (POWER eTAYLOR, 2011), o debate sobre os mecanismos de enfrentamento cor-rupo mudou de patamar. Os coordenadores, juntamente com oito outrospesquisadores que participam da coletnea, apresentam uma rica descriodo funcionamento das instituies brasileiras e oferecem um diagnsticomuito estimulante sobre o enfrentamento corrupo no pas. Alm deescrutinar as principais instituies que integram a rede de accountability(Tribunais de Contas, Judicirio, Ministrio Pblico, Polcia Federal, entreoutros), a coletnea coloca em questo o papel da mdia antes e depois doincio das investigaes, pontua as implicaes de nosso presidencialismode coalizo no favorecimento da corrupo e, de modo muito original, revelaum forte desequilbrio entre as prticas e as formas de controle da corruponas esferas federal, de um lado, e estadual e municipal, de outro.

    No captulo conclusivo, Power e Taylor (2011, p. 251) discutem osmotivos pelos quais o enfrentamento da corrupo no pas ainda no sed de maneira efetiva, apesar da proeminncia do tema no debate pbli-co. Para os autores, este cenrio o resultado de uma srie de falhas nasinstituies, bem como da relao de interdependncia que se estabeleceentre elas. neste nvel de anlise que os autores apontam vrios tiposde falhas institucionais (institutional weakness): restries orament-rias, graus de autonomia em relao a presses externas, politizao e,at mesmo, suscetibilidade corrupo (2011, p. 252-254). Alm de pro-blemas institucionais de vrios tipos, os autores reconhecem tambmque grande parte do marco normativo proposto internacionalmente paraenfrentar a corrupo j existe no Brasil (2011, p. 259). Em face destaconstatao considerada encorajadora, os autores afirmam: the issueis less one of creating new institutions from whole cloth than one of tin-kering with the existant institutions and streamlining both their indivi-dual performance and their interactions with others. E finalizam: thedevil, however, will be in the details.5

    O texto ento retorna para a dimenso institucional, mas desperta o leitorpara a existncia de um conjunto de fatores diferentes das falhas institu-cionais e da necessidade de criar novas leis que exercem papel-chave nodiagnstico da ausncia de efetividade do enfrentamento da corrupo. De

    [sumrio]13

  • [sumrio]

    Introduo

    fato, as caractersticas da legislao e das instituies no so capazes deexplicar, sozinhas, os desafios atualmente colocados para o enfrentamentoda corrupo no Brasil. Falta observar o modo como essas instituies ope-ram: fluxos procedimentais, dogmtica jurdica e processos decisrios alguns dos detalhes do qual depende a simplificao e o aprimoramentodas performances individuais das instituies do sistema de justia. Estelivro foi organizado justamente para tematizar essa outra camada, digamosassim, que muito raramente integra a reflexo acadmica e o debate pblico.

    Desse modo, os ensaios que compem esse livro aprofundam e siste-matizam pontos cruciais do percurso do Caso TRT pelo sistema de justiaa partir do direito civil, do direito societrio, do direito processual, do direi-to penal e do direito internacional. E, a partir desses arcabouos normati-vos, debruam-se sobre vrios ns jurdicos que impactam diretamente osaldo do Caso TRT aps quase 15 anos tramitando no sistema de justia.Pensar nos resultados, isto , no que se obteve e no se obteve por inter-mdio da atuao do sistema de justia convida o pesquisador a deslocarseu foco de ateno das reas jurdicas especficas para o que coletiva-mente alcanaram. Como a Narrativa do Caso (Captulo 1) revela, as reasdo direito e os rgos a elas relacionados em algumas ocasies trocaraminformaes e provas, enviaram de um lado a outro procedimentos inteirose, em outras, ignoraram-se mutuamente e duplicaram esforos. Essa teia deinteraes processuais e decisrias que se forma entre vrias reas do direi-to tem passado desapercebida dos juristas fruto sobretudo do fenmenoda departamentalizao do conhecimento jurdico.6 Ao recortar umadeterminada operao econmica e, a partir dela, identificar seus desdo-bramentos no sistema de justia, este tipo de estudo de caso convida ospesquisadores em direito a observar o sistema de justia sem as barreirasimpostas pelas reas jurdicas, a atentar s interaes processuais e s suasimplicaes ao desfecho do caso.

    Para alm dos ganhos internos pesquisa em direito, estudos de casodeste tipo podem adicionar novos captulos construo da memria sobrea atuao concreta das instituies jurdicas brasileiras nos grandes casosde corrupo. Este esforo tem sido realizado sobretudo por jornalistas ecientistas sociais.7 Estes trabalhos, no entanto, tendem a captar a dinmica

    14

  • [sumrio]

    poltica do caso e suas implicaes, mas normalmente no entram nos taisdetalhes. Sob quais fundamentos o STF absolveu Collor? Os desvios deverbas pblicas atribudos ao ex-prefeito Celso Pitta retornaram ao Bra-sil? Mediante qual mecanismo de cooperao internacional? Como osEstados Unidos da Amrica conseguiram colocar Paulo Maluf na lista deprocurados da Interpol? E por que a ausncia de condenaes definitivasno Brasil no constituiu um bice? No existem estudos que nos ajudema responder essas questes.

    claro que inmeros trabalhos publicados no Brasil sobre o tema dacorrupo fazem referncia aos grandes escndalos para ilustrar suas for-mulaes sobre o papel desempenhado pelas instituies jurdicas. Fre-quentemente, contudo, apoiam-se em informaes veiculadas pela mdiae no acessam a documentao produzida pelas prprias instituies(denncias, sentenas, acrdos, decises, relatrios finais e etc.). Outrasvezes as menes aos casos concretos tm como base as experincias pro-fissionais de seus autores: advogados, promotores, procuradores, juzes,desembargadores, ministros, secretrios de estado entre outros profissionaisdas carreiras jurdicas so autores de grande parte dos textos produzidossobre o enfrentamento corrupo no pas.

    Quando h interesse em abordar aspectos propriamente jurdicos do fen-meno da corrupo, a principal fonte de informao utilizada a legislao.Mesmo quando o objetivo tratar de uma instituio, como os Tribunais deContas ou as Comisses Parlamentares de Inqurito, por exemplo, inmerostrabalhos limitam-se descrio das normas que as criam, organizam e defi-nem seu modo de atuao. E desse modo nada revelam sobre o que as ins-tituies fazem: limitam-se a narrar o que a legislao determina que elasfaam. possvel encontrar tambm trabalhos que se apoiam unicamentena doutrina jurdica, isto , no que outros autores disseram sobre institutossemelhantes aos estudados muitas vezes em outros pases e contextos his-tricos. O protagonismo da legislao e da doutrina nos trabalhos jurdicosno , obviamente, caracterstica da temtica da corrupo. E a cada diaencontramos mais excees a este quadro.8

    Enfim, este livro busca fazer uma contribuio construo coletiva deum diagnstico mais denso juridicamente sobre a atuao do sistema de

    15

    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    Introduo

    justia brasileiro no enfrentamento da corrupo. Dessa forma, tanto a Nar-rativa do Caso quanto os textos que integram esse livro foram elaboradoscom a preocupao de ampliar e intensificar o dilogo do campo jurdicocom as cincias sociais ao redor tanto do diagnstico dos problemas enfren-tados quanto das possibilidades de reforma dos institutos e das instituiesjurdicas.9 Busca-se tambm evitar o que Margarida Garcia denominoudilogo sem troca entre juristas e cientistas sociais, tradicionalmente pau-tado por desconfiana, indiferena, ceticismo ou incompreenso.10 E,desse modo, favorecer um espao de debate que permita a ambos os ladosrefletir e reformular suas posies em funo das descobertas e aportes deoutros campos.

    O primeiro passo, que se buscou dar aqui, para enfrentar os desafios deum dilogo deste tipo diz respeito prpria linguagem utilizada na descri-o do caso e nas anlises. Sem simplificar e descaracterizar os institutose os arranjos jurdicos, os textos buscam fornecer explicaes e contextua-lizaes que facilitem a compreenso dos leitores. Buscou-se eliminar ojuridiqus sem trair a especificidade da linguagem jurdica.

    Com estes objetivos em mente, o primeiro captulo narra o percurso doCaso TRT, desde a publicao do edital de licitao em 1992 at a conclu-so deste livro em julho de 2013. A pesquisa que serviu de base elabora-o do estudo de caso foi financiada pela agncia de pesquisa canadenseIDRC (International Development Research Centre) no mbito do projetode pesquisa Transnational Anti-corruption Law in action: evidences fromBrazil and Argentina coordenado por Kevin Davis (New York University),Guillermo Jorge (Universidad San Andres) e Maira Rocha Machado (FGVDIREITO SP).11

    Em seguida, Andr Correa debrua-se sobre o debate jurdico que se tra-vou no Tribunal de Contas da Unio e no Supremo Tribunal Federal sobreo contrato celebrado entre o TRT e a Incal. O objetivo central do texto foiesmiuar o modo como distines dogmticas contrato pblico vs. con-trato privado e nulidade contratual vs. inadimplemento contratual foram utilizadas e quais as implicaes deste uso para as solues jurdicasdadas ao caso. A partir da anlise do contedo dos acrdos proferidos peloTCU e pelo STF, Andr Correa identifica uma peculiar combinao de

    16

  • [sumrio]

    excessiva ateno e inadequada compreenso de sentido e alcance dessasdistines dogmticas. Ao percorrer os argumentos utilizados pelos diversosatores que participaram da construo dessas decises magistrados, peri-tos e advogados , o texto permite observar o modo como diferentes arran-jos normativos de direito pblico e de direito privado so mobilizadosde maneira distinta na construo dos argumentos jurdicos, bem como oelevado impacto que a escolha de um outro arranjo pode ter tanto para odesfecho do caso quanto para a jurisprudncia que se forma a partir dele(Captulo 2).

    Como mostra a Narrativa do Caso, este debate sobre a licitude ou ili-citude do contrato celebrado entre o TRT e a construtora teve incio nasprimeiras intervenes do TCU e se prolongou por anos no Judicirio.Enquanto esse debate ocorria, o Ministrio Pblico obteve a indisponi-bilidade dos bens da construtora na ao civil pblica por improbidadeadministrativa e, pouco tempo depois, em 25 de fevereiro de 1999, umaempresa requereu a falncia da construtora em virtude do no pagamentode duplicatas. A partir das interaes ainda pouco exploradas entre oenfrentamento da corrupo e os institutos do direito privado, GiselaMation apresenta em detalhes os procedimentos voltados a promover adesconsiderao da personalidade jurdica e a falncia das construtorasenvolvidas no Caso TRT. Em seu texto, a autora argumenta que tais ins-titutos podem desempenhar um papel relevante tanto na preveno dacorrupo, na medida em que servem como instrumentos de dissuaso,como na responsabilizao por atos de corrupo. A partir da documen-tao que integra os autos desses processos, o captulo de Gisela Mationinvestiga as dificuldades prticas e dogmticas envolvidas na aplicaodesses institutos, destacando, em especial, a forma como a fragmentaodo ordenamento e do sistema de justia podem dificultar sua plena utili-zao (Captulo 3).

    E se parte do patrimnio das pessoas fsicas e jurdicas envolvidastiver sido transferida para o exterior? No captulo seguinte, Rochelle Pas-tana Ribeiro apresenta um detalhado panorama das estratgias jurdicasdisponveis para a repatriao de ativos enviados ilicitamente para o exte-rior: a recuperao por meio de cooperao jurdica internacional e a

    17

    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    Introduo

    recuperao direta. No decorrer do texto, a autora discute as vantagens eas desvantagens dessas estratgias, ilustrando, sempre que possvel, comcasos emblemticos de recuperao de ativos da corrupo. A autora ana-lisa tambm as estratgias adotadas pelo Estado brasileiro para a repatriaros ativos do Caso TRT que haviam sido enviados para os Estados Unidose Sua. Neste ponto, o principal objetivo do texto verificar como estrat-gias de naturezas diferentes puderam ser coordenadas e auxiliaram a mitigara interdependncia entre a ao penal em curso no Brasil e a investigaoconduzida na Sua, permitindo o xito na repatriao antecipada dos recur-sos pblicos desviados (Captulo 4).

    Mas alm da dimenso econmica que desempenha papel central nosmecanismos de enfrentamento corrupo, o Caso TRT envolveu tambmum longo e tortuoso percurso de privao de liberdade de um dos rus,Nicolau dos Santos Neto. Como mostra Carolina Cutrupi Ferreira, no decor-rer desses 14 anos desde que sua priso preventiva foi decretada, a gestoda priso de Nicolau dos Santos Neto mobilizou, alm da mdia, vriosatores do Ministrio da Justia, Polcia Federal, Ministrio Pblico e Jus-tia Federal. A partir de reportagens jornalsticas coletadas no acervo dojornal Folha de S. Paulo e de aes e recursos impetrados em tribunaissuperiores (Tribunal Regional Federal da 3 Regio, Superior Tribunalde Justia e Supremo Tribunal Federal), o texto descreve o percurso da pri-so preventiva de Nicolau, o incio do cumprimento da pena em execuoprovisria e os fundamentos para manuteno da priso. O relato de Caro-lina Ferreira problematiza a atuao de diferentes rgos do sistema dejustia, especialmente no tocante recluso de um ru com direito pri-so especial e com a sade debilitada, aos altos custos desse tipo de medi-da e, enfim, ao dficit substancial de justificao de uma priso preventivamantida por mais de dez anos (Captulo 5).

    Como indica a Narrativa do Caso, a priso de Nicolau dos Santos Netoe, muito particularmente, o perodo em que esteve foragido da polcia, foio tema que, de longe, mais atraiu a ateno da imprensa. A forte midiatiza-o dos denominados escndalos de corrupo vem sendo estudada a par-tir de diferentes perspectivas. Neste volume, Jos Roberto Francisco Xavierdebrua-se sobre essa questo com vistas a compreender a suscetibilidade

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  • [sumrio]

    de juzes e promotores a resistir ou sucumbir s presses da opinio pblica.O texto apresenta um panorama do quadro terico e alguns resultados dapesquisa de doutorado do autor sobre a temtica e, a partir de decises doCaso TRT, busca elucidar o tipo de reao que um caso de grande repercus-so pode causar no processo penal e mostrar que uma presso punitiva podecausar o resultado contrrio ao pretendido (Captulo 6).

    Os dois captulos seguintes discutem de que o modo as caractersticasdo sistema recursal brasileiro e de nossas regras de foro especial impac-tam o Caso TRT e, de maneira mais ampla, colocam srios desafios qua-lidade da prestao jurisdicional em nosso pas. Paulo Silva e SusanaCosta propem uma reflexo sobre o modelo processual brasileiro a partirde aspectos da tramitao dos processos judiciais no Caso TRT e ofere-cem esclarecimentos sobre o funcionamento e as justificativas das regrasprocessuais aplicadas no caso. No decorrer da anlise, os autores apoiam-se em dados quantitativos obtidos em pesquisa, por eles coordenada,sobre acrdos proferidos em aes de improbidade administrativa entre2005 e 2010. A questo central que permeia todo o texto diz respeito aospontos de estrangulamento e de eficincia procedimental que o casorevela. Para tanto, os autores percorrem o sistema recursal, o sistema cau-telar, a multiplicidade de rgos de controle e seu papel na formao doconjunto probatrio (Captulo 7).

    Para aprofundar a discusso sobre a mecnica de funcionamento dostribunais brasileiros, especialmente no mbito do enfrentamento da cor-rupo e da improbidade administrativa, Luisa Moraes Abreu Ferreiradedica-se questo do foro especial. Com o objetivo de identificar o impac-to das normas sobre foro especial nas aes penais e de improbidade doCaso TRT, a autora organiza e descreve as mudanas ocorridas nas hiptesesde cabimento do foro especial por intermdio de alteraes promovidastanto pelo legislativo quanto pelo judicirio. Desse modo, o texto forneceum quadro de leitura para os pedidos, aes e recursos discutindo compe-tncia para processar e julgar as aes de improbidade e criminais do CasoTRT. Nos processos estudados, a discusso sobre competncia em razo doforo especial gerou pelo menos vinte e cinco recursos e aes, deslocou osautos de rgo quatro vezes, interrompeu os processos por um total de quase

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    Introduo

    quatro anos e objeto de recursos que contribuem para retardar o trnsitoem julgado da apelao criminal (Captulo 8).

    O caos processual retratado por Luisa Ferreira no atribudo especi-ficidade do Caso TRT. A autora, ao contrrio, indica explicitamente a neces-sidade de alterao legislativa: o problema, diz a autora, est naobscuridade da regra. Trabalhando tambm no campo da produo legis-lativa, Andr Rosilho debrua-se sobre as correlaes entre a reforma dosistema brasileiro de licitaes e contratos, que resultou na edio da Leide Licitaes (Lei n. 8.666/93), e episdios de corrupo nas contrataespblicas. O autor conclui que a Lei n. 8.666/93, apesar de ter sido fruto deum ambiente poltico cuja tnica era o combate corrupo, acabou sendocooptada por grupos de interesses que foram capazes de criar procedimen-tos licitatrios benficos a seus interesses, trazendo consequncias negati-vas gesto pblica. De acordo com as concluses da pesquisa de AndrRosilho, apesar de alguns avanos, a Lei de Licitaes ainda amarra aAdministrao Pblica a rgidas regras processuais que, em vez de favore-cer, colocam obstculos ao enfrentamento da corrupo (Captulo 9).

    Diante deste diagnstico da capacidade da Lei de Licitaes gerar boascontrataes pblicas, como diz Andr Rosilho, a aposta na performancedos sistemas de controle, tanto administrativos quanto judiciais, tende aaumentar ainda mais. O ltimo captulo focaliza justamente certos aspectosdessa performance que emergiram como especialmente problemticos eurgentes no decorrer dos textos que integram este livro (Captulo 10).Aspectos que contribuem construo de uma agenda de pesquisa emdireito para o enfrentamento da corrupo no Brasil.

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    notAs

    Trata-se do valor atualizado em 2012 pela Advocacia-Geral da Unio no mbito1do acordo celebrado com o Grupo OK para suspender parcialmente o processo de execuoda condenao proferida pelo Tribunal de Contas da Unio.

    Atualizaes pontuais foram incorporadas em agosto de 2014, no decorrer do2processo de edio deste livro.

    Considerando somente os processos judiciais mencionados no decorrer da3Narrativa do Caso em relao aos quais foi possvel obter o nmero de volumes quecompem os respectivos autos, contabilizamos 226 volumes. Estimando uma mdia de200 folhas em cada volume, alcanamos mais de 45 mil pginas. Para uma lista dosrecursos envolvendo Nicolau dos Santos Neto, ver Anexo 1.

    O Anexo 3 apresenta de modo sistemtico as sanes impostas nos principais4processos envolvendo cada um dos rus, bem como oferece outros dados sobre os quatroprocedimentos j concludos. Para informaes mais detalhadas sobre todos os procedimentos,ver a Narrativa do Caso (Captulo 1).

    Uma traduo livre seria a questo menos criar novas instituies e mais mexer5nas existentes de modo a simplificar e aprimorar tanto a performance individual quanto ainterao elas (o diabo, contudo, estar nos detalhes) (MATTHEW e TAYLOR, 2011, p. 259).

    Sobre essa questo, ver Machado (2013). 6

    Ver, por exemplo, entre os jornalistas, os trabalhos de Conti (1999), Jordo (2000)7e Nassif (2003). Entre os cientistas sociais, alm de Power e Taylor (2011), vale citar oslivros de Bezerra (1995) e Schilling (1999).

    Apenas como ilustrao, veja-se por exemplo o uso intenso de fontes8jurisprudenciais nos trabalhos de Fazzio (2002) e Marques (2010); ou a utilizao derelatrios produzidos pela Administrao Pblica e pela sociedade civil em Liguori (2011);ou ainda o recurso literatura e s obras de historiadores em Costa (2013).

    Para os pesquisadores que se dedicam a temtica da corrupo, o convite ao trabalho9coletivo j foi formulado faz tempo. Bruno Speck (2000, p. 42), ao se debruar sobre aspesquisas j produzidas e sobre o que ainda havia por fazer, conclui seu texto afirmando

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    Introduo

    que da rea de pesquisa, onde o direito, a cincia poltica e a administrao de encontram,devem sair as propostas para se corrigir as distores no funcionamento das instituiesdo sistema de justia brasileiro que se dedicam ao enfrentamento da corrupo.

    Garcia (2011, p. 423). Importante destacar que esta postura pode ser identificada em10ambos os lados, gerando longos debates de acusaes mtuas, como mostra Margarida Garcia.No entanto, enfatiza a autora, os dois lados aceitam um a priori altamente discutvel [...] quepressupe que a qualidade da observao est ligada diretamente ao campo disciplinar doobservador e no ao tipo de observaes por ele realizada, as quais so independentes dasqualidades do observador (jurista ou cientista social). (GARCIA, 2011, p. 424).

    Os resultados desta pesquisa esto publicados em Davis, Jorge e Machado (2014). 11

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    refernCIAs

    BEZERRA, Marcos Otvio. Corrupo. Um estudo sobre poder pblico e relaes:pessoais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumar, 1995. CONTI, Mario Sergio. Notcias do Planalto. A imprensa e Fernando Collor. So:Paulo: Companhia das Letras, 1999.COSTA, Helena Regina. Corrupo na Histria do Brasil: reflexes sobre suas:origens no perodo colonial. Temas de Corrupo & Compliance. So Paulo:Elsevier, 2013, p. 1-20. DAVIS, Kevin, Guillermo Jorge e Maira Machado. Transnational Anti-Corruption:Law in Action: Cases from Argentina and Brazil. Law and Social Inquiry, 2014(no prelo).FAZZIO JR, Waldo. Corrupo no Poder Pblico. So Paulo: Atlas, 2002.:GARCIA, Margarida. Des nouveaux horizons pistmologiques pour la recherche:empirique en droit: dcentrer le sujet, interviewer le systme et dsubstantialiserles catgories juridiques. Les Cahiers de droit, vol. 52, n. 3-4, 2011, p. 417-459. JORDO, Rogrio Pacheco. Crime (quase) perfeito. Corrupo e lavagem de:dinheiro no Brasil. So Paulo: Editora Fundao Perseu Abramo, 2000. LIGUORI, Carla. As multinacionais de capital privado e o combate corrupo:internacional. Curitiba: Juru Editora, 2011.MACHADO, Mara. Contra a departamentalizao do saber jurdico: a contribuio:dos estudos de caso para o campo direito e desenvolvimento. Direito eDesenvolvimento no Sculo XXI. Braslia: IPEA/Conpedi, 2013 (no prelo). NASSIF, Luis. O jornalismo dos anos 90. So Paulo: Futura, 2003. :MARQUES, Karla Padilha Rebelo. Corrupo, dinheiro pblico e sigilo bancrio.:Porto Alegre: Nuria Fabris Editora, 2010.POWER, Timothy; TAYLOR, Mathew (ed.). Corruption and Democracy in Brazil.:The struggle for accountability. Indiana: University of Notre Dame, 2011SCHILLING, Flvia. Corrupo: ilegalidade intolervel? Comisses Parlamentares:de Inqurito e a Luta contra a corrupo no Brasil (1980-1992). So Paulo: InstitutoBrasileiro de Cincias Criminais, 1999.SPECK, Bruno. Mensurando a corrupo: uma reviso de dados provenientes :de pesquisas empricas. Cadernos Adenauer n. 10 - Os custos da corrupo, 2000,p. 07-42.

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

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    1.A nArrAtIvA do CAso trt1

    Mara Rocha Machado e Luisa Moraes Abreu Ferreira

    Esta narrativa foi organizada em trs partes. A primeira aborda os seis pri-meiros anos da histria (1992-1998) do Caso TRT, perodo em que era ape-nas mais um caso de fraude na licitao de obras pblicas. Descrevemosaqui o processo de licitao e o contrato firmado entre o Tribunal Regionaldo Trabalho da 2 Regio (TRT-SP) e a construtora, bem como a primeirafase da atuao do Tribunal de Contas da Unio (TCU) e do MinistrioPblico Federal (MPF). Identificando a Comisso Parlamentar de Inqurito(CPI) do Judicirio como um divisor de guas na tramitao do caso pelosistema de justia, a segunda parte descreve o arsenal de procedimentoscivis, penais e administrativos no Brasil e no exterior que tiveram incio apartir de 1999, relacionados aos fatos descritos na primeira parte da narra-tiva. Na terceira parte, enfim, apresentamos o saldo dessas mltiplas res-postas do sistema de justia brasileiro e internacional (Sua e EstadosUnidos da Amrica), catorze anos aps o incio da tramitao do caso.

    O material coletado no decorrer desta pesquisa menciona mais dequinze pessoas fsicas e jurdicas: engenheiros responsveis pela super-viso das obras, empreiteiros, a esposa de Nicolau dos Santos Neto, ojuiz que assumiu a presidncia do TRT quando Nicolau se aposentou,advogados, entre outros. Para os propsitos da anlise dos procedimentosrelacionados construo do prdio do TRT, este estudo de caso definequatro protagonistas da histria. O primeiro o prprio Nicolau dos San-tos Neto, juiz que presidiu o Tribunal at setembro de 1992, quando seafastou do cargo para assumir a Presidncia da Comisso de obras doTRT.2 Nicolau permaneceu nessa posio at julho de 1998, quando com-pletou 70 anos e aposentou-se. O segundo Luiz Estevo de OliveiraNeto, empresrio e ex-Senador da Repblica, cassado em 1999 em vir-tude do envolvimento de uma de suas empresas no caso, o Grupo OK.Os dois outros protagonistas, Fbio Monteiro de Barros Filho e JosEduardo Correa Teixeira Ferraz, so os scios proprietrios de vrias

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

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    1. A nArrAtIvA do CAso trt

    empresas que participaram da licitao e construo do prdio (Ikal, Incale Monteiro de Barros).

    Este estudo de caso baseia-se em entrevistas e documentos pblicos.As aes penais e as aes civis pblicas correm em segredo de justia,mas vrias de suas peas integram os recursos interpostos aos tribunaissuperiores que, por sua vez, so digitalizados e disponibilizados na ntegranos respectivos sites. Tendo em vista o nmero de rus elencados nos pro-cessos de primeira instncia, bem como a existncia de outros casos seme-lhantes envolvendo alguns deles, limitamos nossa busca nos tribunais(TRFs, STJ e STF) aos recursos nos quais Nicolau dos Santos Neto figuracomo recorrente ou recorrido. Os resultados quantitativos gerais estoapresentados no Anexo 1 do livro. Alm dos documentos judiciais e admi-nistrativos, esta narrativa utiliza tambm o acervo documental de dois ve-culos de comunicao disponibilizados na ntegra na Internet: a revistaVeja e o jornal Folha de S. Paulo. O acervo deste ltimo veculo foi estu-dado de maneira sistemtica, conforme pode ser visto no Anexo 2, o quepermitiu extrair as informaes quantitativas e qualitativas apresentadasno decorrer da narrativa. Por fim, em 2010 e 2011 foram realizadas 12entrevistas em So Paulo, Braslia, Washington e Paris, alm de uma sriede conversas informais que, por diferentes razes, no puderam ser sub-metidas formalizao que essa tcnica de coleta de dados exige. Asentrevistas so annimas e, quando citadas no decorrer do captulo, indi-caro somente a numerao atribuda a cada um dos entrevistados.

    1.1 | o InCIo dA hIstrIA (1992-1998): MAIS UMA FRAUDE EM LICITAO DE OBRA PBLICAO Caso TRT teve incio em um ano marcante na histria do pas. Em 1992,uma Comisso Parlamentar de Inqurito culminou no impeachment do pri-meiro Presidente da Repblica que o pas elegia em trs dcadas. Vriasoutras CPIs se seguiram, culminando, s vezes, em cassaes, afastamen-tos e renncias, e sempre com intensa cobertura da mdia (PEDONE,2002). No livro O jornalismo dos anos 90, Lus Nassif descreve o perodocomo a era da denncia (NASSIF, 2003). possvel dizer que no inciodos anos 1990 era sobretudo a cobertura jornalstica de fraudes e esquemas

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    envolvendo dinheiro pblico que alimentava os primeiros estudos bus-cando traar um panorama da questo da corrupo no pas. A partir dematrias publicadas em jornais de grande circulao, Nahat conclui ser osetor de licitaes em obras pblicas o mais vulnervel corrupo e mal-versao de dinheiro pblico (NAHAT, 1991, p. 19). Essa percepo foiconfirmada 10 anos depois por Claudio Abramo (2002, p. 105), e exa-tamente assim que se inicia nossa histria: com um edital de licitao paraconstruo do Tribunal Regional de Trabalho em So Paulo.3

    1.1.1 | O edital de concorrncia e o contratoO processo licitatrio realizado pelo TRT da 2 Regio, por intermdiodo edital de concorrncia n. 01/92, indicava como objeto

    [...] a aquisio de imvel, adequado para instalao de no mnimo 79 Juntas de Conciliao e Julgamento da Cidade de So Paulo,permitindo a ampliao para instalao posterior de no mnimomais 32 Juntas de Conciliao e Julgamento.

    Previa quatro modalidades de propostas, referentes (i) a imvel cons-trudo, pronto, novo ou usado; (ii) a imvel em construo, independen-temente do estgio da obra; (iii) a terreno com projeto aprovado quedever acompanhar projeto de adaptao que atenda s necessidades dasJuntas e, enfim, (iv) a terreno com projeto elaborado especificamentepara a instalao das Juntas de Conciliao e Julgamento.4

    De acordo com a deciso do Tribunal de Contas da Unio sobre a inspe-o ordinria realizada sobre esse processo licitatrio, 29 empresas retiraramo edital, mas apenas trs formalizaram propostas.5 Foram elas: Empreendi-mentos Patrimoniais Santa Gisele Ltda., Consrcio OK/Augusto Velloso ea Incal Indstria e Comrcio de Alumnio Ltda. A primeira foi desqualifi-cada e no chegou a participar efetivamente do processo licitatrio.6 Con-forme a ficha cadastral da Junta Comercial do Estado de So Paulo, oConsrcio OK/Augusto Velloso foi constitudo em 21 de fevereiro de 1992,tendo na situao de empresa lder o Grupo OK Construes e Incorpora-es S.A., cujo representante, assinando pela empresa, era Luiz Estevo de

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

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    1. A nArrAtIvA do CAso trt

    Oliveira Neto.7 Enfim, a terceira empresa, Incal Indstria e Comrcio deAlumnio Ltda., constituda em 1973, apresentava como scios Joo JulioCesar Valentini e Maria Paula de Freitas.8

    Em 31 de maro de 1992 foi publicado o resultado da licitao. A comis-so licitante adjudicou a concorrncia a uma quarta empresa, a Incal Incor-poraes S.A. Constituda em 21 de fevereiro de 1992, a empresa tinhacomo scios, no momento da constituio, Fabio Monteiro de Barros Filhoe Joo Julio Cesar Valentini. De acordo com a ficha cadastral arquivada naJucesp, Jos Eduardo Correa Teixeira Ferraz foi eleito para o cargo de dire-tor, assinando pela empresa, alguns meses aps a sua constituio em 25de maro de 1992.9 No relatrio da CPI do Judicirio, a Incal IncorporaesS.A. foi descrita como resultado da associao do Grupo Monteiro de Bar-ros com a Incal Alumnios.10

    ento com a Incal Incorporaes S.A. que o TRT-SP celebra compro-misso de compra e venda com a finalidade de dar cumprimento ao objetoda concorrncia n. 01/92 na modalidade terreno com projeto, na formaindicada no item iv, citado anteriormente.11 Conforme Instrumento de Com-pra e Venda de Aes e Mandato trazido pelo Ministrio Pblico Federalem um dos processos criminais, em 21 de fevereiro de 1992 a Monteiro deBarros Investimentos S/A transferiu 90% de suas cotas de participao daIncal Incorporaes ao Grupo OK Construes e Incorporaes S/A, per-tencentes a Luiz Estevo de Oliveira Neto.12 A primeira ordem bancria doTRT em favor da Incal Incorporaes S.A. realizada em 13 de abril combase em instrumento particular de recibo de sinal e princpio de pagamentoe garantia dos diretos e obrigaes assinado trs dias antes. O registro daescritura de compra e venda s foi feito em 19 de agosto daquele ano. Ocontrato foi celebrado a preo fixo a ser pago em uma entrada e sete parcelassemestrais. A ltima parcela estava prevista para 1996, quando a obra deve-ria ser entregue. Nos anos seguintes, trs aditivos contratuais foram cele-brados para, entre outras coisas, postergar a data da concluso da obra.

    Uma das aes civis pblicas ajuizadas pelo Ministrio Pblico Federalmenciona a celebrao de trs aditivos contratuais. Em 25 de setembro de1996 foi celebrado o Segundo Termo aditivo CC-01/92, por meio do qualo TRT foi colocado em mora perante a empresa Incal, sob a alegao de

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  • [sumrio]

    atraso na liberao das verbas. O prazo de entrega da obra foi prorrogadopara dezembro de 1997. Em seguida, foi celebrado o Terceiro Termo Adi-tivo CC-01/92 em 19 de dezembro de 1997, por meio do qual o prazo paraa entrega foi prorrogado para dezembro de 1998, sob os argumentos de atrasona liberao de recursos e necessidade de adequao do projeto original. Porfim, em 15 e 17 de junho de 1998, Dlvio Buffulin e a Incal celebraram duasescrituras de retificao e ratificao, lavradas perante o 14 Tabelio-nato de Notas de So Paulo, majorando o valor da contratao original emR$ 36.931.901,10 sob o argumento de desequilbrio econmico-financeirodo contrato e estabelecendo o prazo para a entrega do empreendimento paraabril de 1999.

    De acordo com o Relatrio da CPI (2000, 71), o engenheiro nomeadopelo TRT para acompanhar a obra e verificar a adequao do projeto ao cro-nograma de pagamentos, desembolso e execuo emitiu pareceres indicandoadequado desenvolvimento da obra. A quebra de sigilo bancrio obtida pelaCPI revelou que o engenheiro recebeu vrios cheques do Grupo Monteirode Barros em 1993 e 1994, totalizando US$ 42 mil.

    1.1.2 | Identificao de irregularidades: a primeira fase da atuao do TCUPouco tempo depois da celebrao do contrato, entre 26 de outubro e 13 denovembro de 1992, o Tribunal de Contas da Unio promove inspeo ordi-nria setorial no Tribunal Regional do Trabalho. A inspeo constitudapor servidores do prprio TCU lotados na IRCE-SP (atual SECEX-SP). Nodocumento, a equipe listou 17 irregularidades no processo licitatrio e nocontrato celebrado entre o TRT e a empresa Incal, apontando para cada umadelas a violao de um ou mais dispositivos do Decreto-lei n. 2.300/86,que poca regulava as licitaes no pas. O relatrio prope, enfim, umasrie medidas saneadoras. Entre elas esto a suspenso imediata de paga-mento Incal Incorporaes S.A., empresa que no participou da concor-rncia n. 01/92 e que no entanto foi contratada pelo rgo para a construodo Frum Trabalhista da Cidade de So Paulo com a aquisio do terrenoincluso; a anulao da concorrncia n. 01/92 e da escritura de Com-promisso de Venda e Compra; e a devoluo ao Tesouro Nacional pelos

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    1. A nArrAtIvA do CAso trt

    responsveis dos valores indevidamente pagos anteriormente assinaturado contrato (TCU, Processo TC-700.731/92-0, Deciso n. 231/96).

    O relatrio da equipe de inspeo foi analisado pelo plenrio do TCUquase quatro anos depois, em maio de 1996. No decorrer desse perodo,vrios pareceres tcnicos e jurdicos foram incorporados ao processo, moti-vando novos pronunciamentos tanto do Ministrio Pblico quanto dos ana-listas da equipe de inspeo. Alm dos advogados de defesa, a Incal juntouao procedimento pareceres de quatro juristas reforando a tese de que o objetoda concorrncia foi uma simples aquisio de imvel e que no havia irre-gularidade no procedimento licitatrio. O Tribunal solicitou tambm pare-ceres tcnicos da Caixa Econmica Federal e da Secretaria de Auditoria eInspees do TCU (Saudi) que, alm de reafirmarem as irregularidades iden-tificadas pela equipe de inspeo, reconheceram no caso indcios de super-faturamento das obras (TCU, Processo TC-700.731/92-0, Deciso 231/96,p. 7 e 20). Os Ministros, ao final, decidiram, entre outras coisas,

    [...] aceitar, preliminarmente, os procedimentos adotados at apresente data, pelo TRT-SP, tendo em vista a fase conclusiva em quese encontram as obras do edifcio sede das Juntas de Conciliao eJulgamento da cidade de So Paulo [e tambm] determinar aoPresidente do TRT-2 Regio a adoo de providncias urgentes no sentido de transferir, imediatamente, as obras de construo do Frum Trabalhista de So Paulo, incluindo o respectivo terreno,para o seu nome, bem como a efetivao de medidas com vistas ao prosseguimento da respectiva obra em obedincia rigorosa s normas e preceitos contidos no atual Estatuto de Licitaes e Contratos (Lei n 8.666/93) (TCU, Processo TC-700.731/92-0,Deciso 231/96).

    Pelo que foi possvel apurar, no houve recurso contra essa deciso.

    1.1.3 | O Ministrio Pblico entra em cenaEm face dessa deciso, os pagamentos do Tesouro Incal continuaram atjulho de 1998, quando o Ministrio Pblico Federal obteve uma cautelar

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    determinando que as parcelas remanescentes deveriam ser depositadasem juzo. Em abril de 1992, quando o Tesouro realizou o primeiro paga-mento, at aquele momento a empresa Incal Incorporaes tinha recebi-do 80 transferncias bancrias que totalizaram R$ 226 milhes de reais.Conforme o relatrio preparado pelos tcnicos do TCU, apenas R$ 63milhes haviam sido utilizados na construo do prdio.13 De acordocom esse clculo, R$ 169 milhes de reais haviam sido desviados doscofres pblicos.

    A deciso impedindo que o tesouro nacional continuasse realizandopagamentos Incal foi obtida nos autos da Ao Cautelar Inominada14ajuizada pelo Ministrio Pblico Federal em julho de 1998 contra Nicolaudos Santos Neto, Luiz Estevo, Fbio de Barros, Jos Eduardo Ferraz eas respectivas empresas envolvidas na construo do prdio. A ao foiproposta com base nos elementos de prova colhidos no decorrer do Inqu-rito Civil Pblico (n. 07/97), iniciado em maio de 1997. O inqurito, porsua vez, tem origem em uma representao do Deputado Federal Giovan-ni Queiroz, poca membro da comisso de oramento do CongressoNacional.15 A representao ao MPF externava preocupao com o est-gio das obras e com a deciso do TCU aceitando as irregularidades (CPI2000, 73). Em 26 de agosto de 1998, o MPF ajuza a Ao Civil Pblica16n. 98.0036590-7.17

    Em 1 de junho de 1999, o MPF instaurou novo inqurito civil pblico,que deu origem Ao Civil Pblica n. 2000.61.00.012554-5 contra oGrupo OK Construes e Incorporaes, Grupo OK Empreendimentos Imo-bilirios Ltda., Saenco Saneamento e Construes Ltda., OK leos VegetaisIndstria e Comrcio Ltda., Ok Benfica Companhia Nacional de Pneus,Construtora e Incorporadora Moradia Ltda. Cim, Itlia Braslia VeculosLtda., Banco OK de Investimentos S/A, Agropecuria Santo Estevo S/A,Luiz Estevo de Oliveira Neto, Cleucy Meireles de Oliveira, Jail MachadoSilveira, e Lino Martins Pinto e Maria Nazareth Martins Pinto.

    Com o incio das aes civis pblicas, vrias contas bancrias foramcongeladas no Brasil, e assim permanecem desde ento. Os processos aindano foram sentenciados em primeira instncia e dezenas de recursos foraminterpostos no decorrer desses 13 anos de tramitao. Nossas entrevistas

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

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    1. A nArrAtIvA do CAso trt

    sugerem no ser surpreendente que o Judicirio Federal leve tanto tempopara decidir aes civis pblicas, especialmente quando envolvem impro-bidade administrativa.

    Em 18 de fevereiro de 1998, o TCU recebe ofcio da Procuradora-Chefeda Procuradoria da Repblica no Estado de So Paulo, informando que

    [...] decorridos dois anos da Deciso n. 231/96 Plenrio, tendo sidoultrapassados os prazos contratuais avenados entre o TRT-SP e aempresa Incal Incorporaes S.A., vencedora da licitao, e j tendosido pago pelo Tesouro Nacional praticamente o preo total doempreendimento [...], muito ainda falta para a entrega da obra, de relevantssima importncia para esta Capital.

    Solicitou que fosse informada sobre as medidas a serem adotadas, comvistas ao esclarecimento dos fatos e apurao das responsabilidades, bemcomo aquelas porventura j existentes. O expediente foi autuado no TCUcomo um processo autnomo (TC-001.025/98-8).

    1.2 | todAs As ArmAs (1999-2002): PROCESSOS E RECURSOSTramitavam as aes civis pblicas sem qualquer repercusso na mdiaquando, em 25 de maro de 1999, se inicia uma Comisso Parlamentar deInqurito no Senado Federal para apurar denncias relacionadas atuaodo Poder Judicirio.18 Em 20 de abril de 1999, a revista Veja publica a pri-meira matria sobre o caso,19 qual seguem vrias matrias da Folha deS. Paulo. A primeira delas, com chamada na capa, destaca a decretaoda quebra de sigilo bancrio de Nicolau dos Santos Neto. O principalinformante nas matrias daquela semana foi o genro de Nicolau dos SantosNeto, Marco Aurlio Gil de Oliveira. Ele havia sido entrevistado pela Vejaalguns dias aps sua oitiva na CPI do Judicirio. De acordo com a histrianarrada pela Veja, no decorrer do divrcio entre Marco Aurlio e a filhade Nicolau, este no havia permitido que Marco Aurlio ficasse com ametade do valor da casa em que morava com sua filha. Em funo disso,Marco Aurlio ameaou Nicolau de tornar pblica a existncia de contas

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  • [sumrio]

    bancrias no exterior, propriedades de luxo, joias e carros que haviam sidocomprados desde o incio das obras do TRT. Nicolau duvidou, e a frasede Marco Aurlio citada pela Veja colocou a percepo de Nicolau sobreo possvel desfecho das denncias nos seguintes termos: voc pode medenunciar, mas nada vai acontecer comigo. Eu sou um juiz respeitado etenho amigos poderosos.20 Nicolau tambm foi entrevistado na ocasioe negou qualquer irregularidade na construo do prdio do TRT. Em suadefesa, negou a propriedade de alguns dos bens (carros, casas e apartamen-tos) e indicou a herana de seu pai como a origem dos demais bens men-cionados. Naquele momento, o Caso TRT no ocupou mais de duas pginasda revista Veja. A edio de 28 de abril de 1999, que pela primeira vez noti-ciou o caso, tinha outro escndalo na capa e uma matria de mais de oitopginas em seu interior, envolvendo um ex-presidente do Banco Central econtas-correntes no exterior.21

    A partir da concluso dos trabalhos da CPI, como se ver no decorrerdeste captulo, vrias instituies se movimentam para apurar responsa-bilidades, sancionar os envolvidos e promover a reparao dos danos. OSenado cassa o mandato de Luiz Estevo. O TCU modifica entendimentoanterior e reconhece o desvio de verbas pblicas. Inicia-se na Sua a pri-meira investigao criminal sobre o caso, e aqui no Brasil os envolvidosso denunciados e condenados criminalmente. decretada a falncia daconstrutora Ikal, e vrias outras empresas a ela relacionadas so adicio-nadas ao polo passivo na ao de falncia. Enfim, o Brasil obtm emMiami o primeiro repatriamento de valores relacionados ao caso.

    1.2.1 | O divisor de guas: a CPI do Judicirio no Senado FederalEm oito meses de trabalho, a CPI do Judicirio colocou o Caso TRT-SPno centro das atenes da opinio pblica. De acordo com o relatriofinal das atividades, a Comisso selecionou nove casos entre as mais dequatro mil denncias recebidas pelo Senado Federal (CPI 2000, 59 e541). No mesmo documento, a Comisso agradeceu enfaticamente oapoio do Presidente do Senado Antonio Carlos Magalhes que foi ogrande iniciador desta CPI e colocou disposio de nossas atividades

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    1. A nArrAtIvA do CAso trt

    toda a estrutura indispensvel ao correto desempenho das tarefas [...](CPI 2000, 619).

    Entre os casos selecionados para apurao, o Caso TRT-SP foi descritocomo o mais gritante (CPI 2000, 61).22 O relatrio final preparado pelaComisso, com 360 pginas, baseou-se na quebra de sigilo bancrio das pes-soas e empresas envolvidas no caso, bem como na oitiva de quinze pessoas.A investigao realizada pela CPI nos documentos bancrios da Incal iden-tificou pagamentos regulares ao Grupo OK, de Luiz Estevo, por intermdiode transferncias realizadas ao Grupo Monteiro de Barros (CPI 2000, 114).Ademais, no decorrer de suas atividades, a CPI decretou a indisponibilidadedos bens de Nicolau dos Santos Neto, que impetrou mandado de seguranano Supremo Tribunal Federal pedindo a anulao de ato da CPI e alegando,entre outras coisas, bis in idem (dupla condenao pelos mesmos fatos), poisseus bens j estavam indisponveis por deciso da 12 Vara Cvel Federal nosautos da ao civil pblica. A liminar foi deferida, e o mandado, concedido.Na ocasio, o STF entendeu que a CPI tem poderes de investigao e nopoderes de decretao de medidas assecuratrias patrimoniais.23

    Entre as diversas informaes financeiras obtidas e produzidas pela CPI,duas delas resultaram em procedimentos de repatriamento de ativos. NaSua, duas contas bancrias receberam quinze transferncias entre 10 deabril de 1992 e 28 de maro de 1994, totalizando US$ 6 milhes.24 A outratransao diz respeito transferncia de U$ 720 mil de uma das contas deNicolau dos Santos Neto na Sua favorecendo a empresa Hillside TradingS.A., para a compra de um apartamento em Miami (CPI 2000, 91). De acordocom o Relatrio da CPI e entrevistas, a quebra de sigilo bancrio e outrosdocumentos obtidos no decorrer das investigaes indicavam o envio dosvalores pagos pelo tesouro nacional para contas-correntes em bancos sedia-dos nas Ilhas Cayman, nas Bahamas e no Panam (CPI 2000, 97 e 79; entre-vistas 2, 3 e 9). No entanto, como se ver a seguir, apenas as contas bloqueadasna Sua e o apartamento adquirido em Miami foram objeto de procedimen-tos jurdicos especficos objetivando o repatriamento dos valores.

    Ao final, o relatrio apresenta 21 recomendaes, entre as quais destaca-mos as seguintes: (i) instituir o controle externo do Judicirio; (ii) agilizara aprovao do Acordo de Assistncia Judiciria em Matria Penal, celebrado

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  • [sumrio]

    com os Estados Unidos da Amrica em outubro de 1997, e a Convenosobre o Combate corrupo de funcionrios pblicos estrangeiros, con-cluda em Paris em dezembro de 1997; (iii) reexaminar os dispositivosconstitucionais que tratam de cartas rogatrias [...] para permitir que acordosinternacionais possibilitem mais gil colaborao entre os pases; (iv)recomendar Comisso de Relaes Exteriores do Senado o exame acercados acordos bilaterais e multilaterais de cooperao judiciria internacional,j celebrados, para diligenciar o que for necessrio para a sua efetiva imple-mentao (CPI 2000, 615 e 616).

    Algumas semanas aps a aprovao do relatrio referente ao CasoTRT-SP pela CPI, em 8 de dezembro de 1999, vrios partidos apresenta-ram ao Conselho de tica e Decoro Parlamentar do Senado Federal umarepresentao contra o Senador Luiz Estevo em funo dos episdiosapurados pela Comisso Parlamentar de Inqurito do Judicirio. De acordocom a representao, as ilicitudes narradas pela CPI caracterizariam que-bra do decoro parlamentar e, portanto, seriam passveis de aplicao dapena de perda do mandato com inabilitao para o exerccio de cargo oufuno pblica. A representao narra, entre vrios outros fatos, que

    [...] imediatamente aps a revelao dos primeiros repasses de recursosoriundos da obra do TRT-SP para as empresas do Representado, esteafirmou que tais repasses justificavam-se por se tratar da devoluo de emprstimos feitos pelo Banco OK de Investimentos s empresasdo Grupo MB.Todavia, com o decorrer das investigaes quando se descobriu que tais repasses ocorriam para outras empresas doGrupo OK e no para o banco, e que o total de repasses totalizavaaproximadamente US$ 46 milhes, enquanto que o total dosemprstimos representava apenas US$ 2,7 milhes o Senador LuizEstevo teria abandonado esta tese que justificava os crditos que suasempresas recebiam das empresas do Grupo Monteiro de Barros.25

    Luiz Estevo apresentou defesa e negou as acusaes, mas, em 28 dejunho de 2000, o Plenrio do Senado aprovou, por maioria, a cassao deLuiz Estevo, em sesso extraordinria.26

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    1. A nArrAtIvA do CAso trt

    A essa votao liga-se outro episdio relevante compreenso da atuaodo Senado Federal no Caso TRT. Em fevereiro de 2001, a revista Isto publica matria sobre possvel violao do painel eletrnico do Senado navotao da cassao de Luiz Estevo. Criado para garantir o sigilo das vota-es, a violao do painel gera denncia no Conselho de tica e DecoroParlamentar do Senado. A percia comprova a violao, e as apuraes indi-cam que a lista com os votos da cassao de Luiz Estevo haviam sido soli-citadas pelo prprio Presidente do Senado, Antonio Carlos Magalhes.27Alguns dias aps a abertura do processo de cassao, os senadores envol-vidos, inclusive o Presidente da casa, renunciaram ao cargo.28

    1.2.2 | Suos iniciam a primeira investigao e mantm bloqueio por 14 anosAs matrias jornalsticas publicadas em abril de 1999 chamaram a atenodas autoridades suas. O procurador-geral de Genebra deu incio a inves-tigaes preliminares por lavagem de dinheiro envolvendo Nicolau dosSantos Neto e, em 4 de maio de 1999, decretou a produo de documentosbancrios e o bloqueio dos valores depositados em duas contas correntes29do Banco Santander, totalizando um pouco mais de US$ 6,8 milhes (CPI2000, 96).

    No incio do ano 2000, a primeira vara da Justia Federal de So Pauloenviou uma carta rogatria a Genebra explicitando a investigao sobre cor-rupo e desvio de dinheiro pblico contra Nicolau dos Santos Neto e soli-citando o sequestro e repatriamento dos ativos bloqueados na Sua. O juizsuo concede o pedido, Nicolau recorre, e a chambre daccusationmantmo bloqueio, mas indica ser necessria uma deciso definitiva e executriado judicirio brasileiro para que os ativos pudessem ser repatriados. Almdisso, a chambre daccusation chamou ateno para a existncia de um pro-cedimento nacional o P/5132/99 que tambm poderia ensejar o confiscodos ativos em territrio suo.30 Nova tentativa de repatriamento desses valo-res feita em 2004, dessa vez, diretamente pelos advogados contratadospela Advocacia-Geral da Unio em Genebra para representar os interessesdo Estado brasileiro. Mais uma vez o juiz de instruo acolheu o pedido,Nicolau recorreu e a chambre daccusation acatou o recurso. Dessa vez, a

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  • [sumrio]

    razo principal de anulao da deciso do juiz de instruo foi um erro pro-cessual no pedido brasileiro e, subsidiariamente, a ausncia de uma decisode confisco definitiva e executria do judicirio brasileiro. Por fim, em2007, Nicolau requisita ao juiz de instruo a revogao da deciso de blo-queio de suas contas. O juiz nega, e Nicolau recorre ao tribunal penal federalalegando transcurso de mais de oito anos e ausncia de conexo entre ascontas bancrias na Sua e os fatos apurados no Brasil. O recurso rejeitadoem 27 de novembro de 2007.31

    Em 2009, o procedimento na Sua (P/5132/99) foi concludo com decisode repatriamento dos valores bloqueados dez anos antes. A deciso foi man-tida pelo Tribunal de Police de Genve em 2010 e tornou-se definitiva emagosto de 2012 com uma deciso do Tribunal Federal.32 Alm do repatria-mento dos valores, o tribunal tambm determinou a compensao (crancecompensatrice) de US$ 2.153.628 em razo dos valores que foram transfe-ridos para instituies financeiras.33 Finalmente, em 22 de julho de 2013, omontante de US$ 4,7 milhes transferido para a conta do tesouro nacional.

    1.2.3 | A segunda fase da atuao do TCUEm 5 de maio de 1999 publicado o Acrdo 45/99 (TC-001.025/98-8)acerca de auditoria realizada aps recebimento de ofcio da Procuradora--Chefe em fevereiro de 1998. Nessa ocasio, os Ministros decidem aplicara Dlvio Buffulin eNicolau dos Santos Neto multa no valor de R$ 17.560,20e converter os autos em Tomada de Contas Especial para ordenar a citaosolidria da empresa Incal Incorporaes S. A. e de Dlvio Buffulin,Nicolaudos Santos Netoe Antnio Carlos da Gama e Silva (engenheiro) a fim deque apresentem alegaes de defesa ou comprovem o recolhimento da quan-tia de R$ 57.374.209,84 aos cofres do Tesouro Nacional.

    O acrdo menciona expressamente a investigao da CPI tendo emvista a supervenincia de fatos novos decorrentes da investigao da CPIdo Judicirio, at ento indisponveis em funo do sigilo fiscal e bancrio,fatos esses que tm apontado para danos superiores aos apurados por estaCorte e determina a realizao de nova inspeo junto ao TRT 2 Regio,a fim de que seja apurado se efetivamente ocorreram danos decorrentes daconstruo do Frum Trabalhista da Cidade de So Paulo.

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    1. A nArrAtIvA do CAso trt

    Em agosto do ano seguinte, o TCU decide citar solidariamente a empresaIncal Incorporaes S.A., do Grupo OK Construes e Incorporaes S.A.,na pessoa de Luiz Estevo de Oliveira Neto, alm de Nicolau dos SantosNeto, Dlvio Buffulin e Antnio Carlos Gama da Silva, pelo valor de R$169.491.951,15, em relao diferena entre as quantias pagas pelo TRT 2Regio conta das obras de construo do Frum Trabalhista de So Paulo(R$ 231.953.176,75) e o valor efetivo do empreendimento nas condies emque se encontram (R$ 62.461.225,60), todos em valores de abril de 1999,sendo que desse dbito total a parcela de R$ 13.207.054,28 de responsabi-lidade solidria tambm do Sr. Gilberto Morand Paixo (engenheiro).34

    Somente em 31 de janeiro de 2001 o Plenrio do TCU decide

    [...] decretar, cautelarmente, pelo prazo de 01 (um) ano, aindisponibilidade de bens dos responsveis, cuja citao foideterminada pela Deciso n. 591/2000-Plenrio, tantos quantosbastantes para garantir o ressarcimento do dbito, Srs. Nicolau dos Santos Neto, Antnio Carlos da Gama e Silva, Dlvio Buffulin,Gilberto Morand Paixo, Fbio Monteiro de Barros Filho, JosEduardo Corra Teixeira Ferraz e Luiz Estevo de Oliveira Neto,bem como da Incal Incorporaes S/A e do Grupo OK Construese Incorporaes S/A.35

    Por fim, em 11 de julho de 2001, em processo de tomada de contasespecial, o TCU julga irregulares as contas de: Dlvio Buffulin;Nicolau dosSantos Neto; empresa Incal Incorporaes S.A., em nome de seus repre-sentantes legais, Fbio Monteiro de Barros Filho e Jos Eduardo Cor-ra Teixeira; Grupo OK Construes e Incorporaes S.A., em nome deLuiz Estevo de Oliveira Neto, bem como as contas do Sr. Antnio Car-los da Gama e Silva, condenando-os solidariamente ao pagamento deR$ 169.491.951,15. Decide tambm aplicar s empresas e pessoas, indi-vidualmente, multas de R$ 10 milhes para a Incal Incorporaes, oGrupo OK e Nicolau dos Santos Neto. A Dlvio Buffulin e a AntonioCarlos Gama e Silva foram aplicadas multas individuais no valor deR$ 1 milho e R$ 17.560, respectivamente.36

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  • [sumrio]

    Foram interpostos recursos de reconsiderao por todos os condenadosao pagamento no Acrdo 163/2001. A deciso foi mantida em 5 de dezem-bro de 2001, com exceo do recurso de Dlvio Buffulin, ao qual foi dadoparcial provimento para limitar o valor do dbito solidrio e reduzir a multaaplicada.37 Em seguida, foram opostos sucessivos Embargos de Declaraocontra a deciso que manteve a condenao, e em 8 de maio de 2002, aojulgar parte dos recursos, o plenrio do TCU declarou que a presente ale-gao no atende aos pressupostos de embargabilidade, revelando, ao con-trrio, o intento de postergar o trnsito em julgado, determinando que areiterao, pelos recorrentes, de Embargos Declaratrios contra a presentedeliberao no suspender a consumao do trnsito em julgado do Acr-do condenatrio.38

    Uma vez definitivas, as decises do TCU ainda precisam ser executadas,ou seja, necessrio que outra instituio, representando o Estado brasi-leiro, d incio a uma nova ao para cobrar dos rus os valores referentess multas e reparao do dano. No Caso TRT, a Advocacia-Geral daUnio promoveu essas aes denominadas sob o rtulo ao de execuode ttulo extrajudicial para cobrar os valores impostos na condenao.39

    Em 14 de julho de 2011, a Advocacia-Geral da Unio divulga em seusite a deciso da Justia Federal de Braslia (Ao de Execuo n.2002.34.00.016926-3) que ordena a transferncia de quase 55 milhes dereais em crditos do Grupo OK para as contas do tesouro nacional. E come-mora: este o maior recolhimento para os cofres da Unio j registrado,referente recuperao de verbas desviadas em caso de corrupo.40 Anota informa tambm que o dinheiro j havia sido bloqueado pela Justiaem razo de aes movidas pela AGU para que seja cumprida condenaoimposta pelo Tribunal de Contas da Unio (TCU) ao Grupo OK no casodo TRT de So Paulo. Luiz Estevo, em entrevista concedida ao jornal OGlobo, faz pouco caso:

    [...] no temos interesse de recorrer. uma deciso at vantajosa para a gente. Ela evita um prejuzo. Mas em relao ao processo como umtodo, estamos recorrendo do mrito e se a gente ganhar a Unio serobrigada a nos devolver [tudo] de novo.41

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    1. A nArrAtIvA do CAso trt

    Justamente para evitar que essa deciso se reunisse a vrias outras(mencionadas no decorrer deste captulo), as quais ainda percorrero umlongo caminho at se tornarem definitivas, a Advocacia-Geral da Unioprops ao Grupo OK a celebrao de um acordo. Aps um perodo denegociaes, em agosto de 2012 o acordo foi celebrado e parte das aesde execuo contra o Grupo foram suspensas. O valor total do acordo de R$ 468 milhes (metade do valor atualizado da condenao peloTCU). O Grupo OK concordou em pagar R$ 61 milhes referentes aparte do dbito total e aproximadamente R$ 19 milhes de multa.Segundo o acordo, homologado em setembro de 2012 pela justia fede-ral, o Grupo OK deveria pagar o restante em 96 parcelas de aproxima-damente 4 milhes, mensais e sucessivas, atualizadas ms a ms, em umtotal de R$ 388 milhes. De acordo com a tabela de acompanhamentodos pagamentos, disponvel no site da Advocacia-Geral da Unio, atjunho de 2014 todas as parcelas vencidas haviam sido pagas, totalizandoR$ 168 milhes.42

    1.2.4 | No Brasil, condenaes criminais ainda aguardam trnsito em julgadoNo incio de 1999, o Ministrio Pblico Federal d incio a um segundoconjunto de aes relacionadas ao Caso TRT, especificamente na esferapenal. O primeiro inqurito criminal sobre o caso autuado na Corte Espe-cial do Superior Tribunal de Justia em maio.43 Em 16 de fevereiro de 2000,diante da revogao da Smula 394 do STF,44 a Corte Especial do STJ, porunanimidade, declina a competncia e determina a remessa desse inqurito 1 Vara Federal Criminal de So Paulo.45

    Depois da instaurao do Inqurito n. 258 no STJ, mas antes da remessapara a primeira instncia, instaurado inqurito no STF para apurar os fatosrelacionados CPI, cujo investigado era Luiz Estevo de Oliveira Neto(STF, Inq. 1595). Mas, como em 28 de junho de 2000 Luiz Estevo teveseu mandato cassado pelo Senado Federal, foi determinada a remessa doInqurito 1595 Justia Federal de 1 grau em So Paulo, pois o inquritopassou a alcanar cidado comum.46 Assim, os autos tambm so enca-minhados para a 1 Vara da Justia Federal em So Paulo.

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  • [sumrio]

    No incio de 2000, so oferecidas duas denncias: a primeira dar ori-gem ao processo principal, sobre corrupo e outros crimes.47 Em segui-da, o MPF oferece denncia contra Nicolau dos Santos Neto, por lavagemde dinheiro.48

    Em razo da organizao interna do MPF, a elaborao de uma dennciapara dar incio ao penal ficou a cargo de procuradores diferentes daque-les que haviam formulado a ao civil pblica. As aes penais em queNicolau dos Santos Neto figura como ru esto todas sob sigilo, e dessaforma no possvel ter acesso sequer ao andamento do caso por intermdiodo sistema informtico da Justia Federal. De todo modo, por intermdioda mdia e dos recursos apresentados nos tribunais superiores, possvelobter informaes sobre as principais decises e o estgio atual do processo.

    No decorrer do ano 2000, a denncia no processo principal, versandosobre corrupo, entre vrios outros crimes, foi aditada algumas vezes paraacrescentar rus Luiz Estevo no havia sido denunciado inicialmente e modificar alguns termos da acusao. No decorrer daquele ano, Nicolaudos Santos Neto, Fbio e Jos Eduardo tiveram suas prises preventivasdecretadas, mas apenas Nicolau chegou a cumpri-la. A anlise miditicapermite reconstituir alguns dos fatos envolvendo a priso preventiva deNicolau. Conforme se v no Anexo 2, o ano 2000 foi de longe aquele emque a cobertura miditica do caso foi mais intensa: 274 matrias e 17chamadas na capa da Folha de S. Paulo. A decretao da priso ocorreuem abril de 2000, e Nicolau foi preso em dezembro, aparecendo ao pblicosomente no incio de janeiro. Esse perodo em que Nicolau era visto comoum fugitivo da justia do incio de abril de 2000 at o final de janeirode 2001 responde por 56% de todas as matrias publicadas no decorrerde mais de dez anos e quase 61% das chamadas em capa.49

    As sentenas de primeira instncia vieram em junho de 2002. Nicolaufoi condenado a oito anos de priso pela prtica de lavagem de dinheiro etrfico de influncia, em concurso material.50 Todos os demais foramabsolvidos. Essa sentena foi proferida pelo juiz Casem Mazlum, quealguns anos depois foi investigado na operao Anaconda, articulada pelapolcia federal para apurar a venda de sentenas. Em face disso, Mazlumperdeu o cargo em dezembro de 2004, mas no decorrer da operao no

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    1. A nArrAtIvA do CAso trt

    foram identificados indcios de que a sentena proferida no Caso TRT haviasido vendida.51

    As sentenas foram publicadas no dia 26 de junho de 2002, uma sexta--feira, no final da tarde. A Folha de S. Paulo deu a notcia na segunda-feira:Nicolau condenado, Estevo absolvido. A notcia seguinte aparecequase 15 dias depois. Um de nossos entrevistados forneceu uma explicaopara o silncio da mdia: a sentena foi publicada na antevspera da final dacopa do mundo em que o Brasil levou o pentacampeonato.52 De todo modo,o caso j no era mais notcia: 274 matrias foram publicadas em 2000; 103,em 2001; e somente 24 em 2002.

    O Ministrio Pblico recorreu das decises, e em 2006 o Tribunal Regio-nal Federal profere uma nova sentena no processo principal (corrupo),53condenando os quatro protagonistas a penas que variam entre 26 e 31 anosde priso.54 A condenao imps tambm penas de multa que variaram deR$ 900 mil a R$ 3 milhes.55 A pena de Nicolau dos Santos Neto no pro-cesso sobre lavagem de dinheiro foi aumentada para 14 anos de recluso(lavagem de dinheiro e evaso de divisas).56 Os rus apelaram para o Supe-rior Tribunal de Justia em 2007.57

    Apenas a Nicolau dos Santos Neto foi negado o direito de aguardar otrnsito em julgado da deciso em liberdade. Em virtude de sua sade,foi-lhe autorizada transferncia para priso domiciliar.58 Em 2013, noentanto, Nicolau foi reconduzido priso. De acordo com a deciso quedeterminou seu retorno ao presdio, Nicolau, ento com 84 anos, estariaem condies estveis de sade que no mais justificariam a priso domi-ciliar.59 Em junho de 2014, a pena de Nicolau foi extinta por indulto cole-tivo60 concedido a todos condenados a pena privativa de liberdade superiora oito anos que, at 25 de dezembro de 2012, tivessem completado sessentaanos de idade e cumprido um tero da pena61.

    Os demais protagonistas Luiz Estevo, Fbio de Barros e Jos Eduar-do Ferraz aguardam decises do STJ em liberdade. No decorrer do pro-cesso, eles foram presos preventivamente por poucos dias apenas. Uma dasexplicaes para essa diferena de tratamento entre os rus reside no fatode Nicolau ter sido o nico a permanecer meses com a priso decretadasem apresentar-se justia.62

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  • [sumrio]

    Em abril de 2013, aps 14 anos da instaurao do inqurito criminal,a ao penal por lavagem de dinheiro transitou em julgado. Ao mesmotempo em que reconheceu a prescrio da condenao de evaso de divi-sas extinguindo o processo em relao a esse crime , o STF confirmoua condenao por lavagem e determinou o incio da execuo da penapor esse crime.63 A pena aplicada foi de nove anos de priso e multa deR$ 600 mil.

    1.2.5 | Constructive trust: apartamento de Miami acionado e leiloado em meses No dia 1 de setembro de 2000, advogados contratados pelo Estado bra-sileiro nos EUA apresentaram um pedido cautelar (Motion for TemporaryInjunction) 11 Judicial Circuit Court de Miami. O objetivo do pedidoera constituir um constructive trust e transferir a propriedade do luxuosoapartamento de Nicolau em Miami para o Estado brasileiro. O imvelhavia se tornado um cone do Caso TRT desde a matria de Caco Barcellospara o programa de televiso Fantstico, que foi ao ar no incio de agostode 2000. Naquela mesma semana, o rosto de Nicolau ocupava a capa daVeja, com os dizeres anatomia de um crime: os bastidores do mais escan-daloso golpe j aplicado no Brasil. A matria de 10 pginas traz fotosdo prdio, bem como do interior do apartamento de Nicolau.64

    tambm no ms de agosto de 2000 que o Ministrio da Justia criauma fora-tarefa para organizar os esforos de diferentes rgos que esta-vam lidando com o caso. A contratao de um escritrio de advocacia emWashington que j havia representado os interesses brasileiros nos EUAna negociao da dvida externa junto ao FMI e no caso Georgina de Freitas surge nesse contexto. Naquele momento, o acordo bilateral de cooperaointernacional negociado entre os dois pases assinado em outubro de 1997 aguardava a aprovao do Congresso Nacional, o que ocorreu apenas em18 de dezembro de 2000, aproximadamente um ano aps as expressas reco-mendaes da CPI para acelerar a tramitao. Nesse contexto, a aomovida pelo Estado brasileiro pareceu aos advogados uma estratgia commaiores chances de sucesso que a tramitao de um pedido de cooperaointernacional com base em reciprocidade.65

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    1. A nArrAtIvA do CAso trt

    O pedido corte de Miami foi formulado contra Nicolau dos SantosNeto e duas pessoas jurdicas com sede na Flrida: a Biarritz PropertiesCorporation (de acordo com o mesmo documento, anteriormente conhecidacomo Hillside Trading Limited) e a Stedman Properties Incorporation. Oconstructive trust um remdio jurdico bastante comum no direito ame-ricano, que se destina a promover judicialmente a restituio de bens espe-cficos aos legtimos proprietrios. Trata-se, portanto, de um mecanismoflexvel que permite ao judicirio transferir ttulos de propriedade quandoh comprovao de que a aquisio de um determinado bem gera enrique-cimento ilcito para aquele que detm o ttulo de propriedade.66

    Nessa ao, o Estado brasileiro logrou demonstrar que o apartamentohavia sido adquirido com recursos provenientes da conta de Nicolau naSua e que esta, por sua vez, havia recebido uma srie de transferncias,consecutivas aos pagamentos que o tesouro fazia Incal. No final de agostode 2001, o juiz defere o pedido e constitui um constructive trust em nomedo Estado brasileiro.67 O apartamento foi leiloado, e foram depositadosUS$ 690.113,81 na conta do tesouro nacional em novembro de 2002.

    1.2.6 | Ikal entra em falncia e Grupo OK tem a personalidade jurdica desconsideradaEm dezembro de 2000, o juiz da 8 Vara Cvel decreta a falncia da Cons-trutora Ikal ao julgar procedente a ao interposta em fevereiro de 1999pela empresa Trox do Brasil. De acordo com o pedido, a Construtora Ikaldeixou de pagar duplicatas protestadas, no valor total de R$ 69.778,16.Em janeiro de 2001, a Construtora Ikal pediu a suspenso da declaraode falncia. Alegou, entre outros argumentos, que possua valores corres-pondentes ao reclamado no pedido de falncia na conta-poupana no Bancodo Brasil (R$ 202.216,51), mas que esses valores estavam indisponveispor ordem judicial da 12 Vara Federal da Seo Judiciria de So Paulo(autos da ao civil pblica). Por isso, pediu para que fosse enviado ofcio 12 Vara Federal da Seo Judiciria de So Paulo para transferncia dovalor atualizado. O pedido foi negado.

    Em 6 de dezembro de 2001, Fbio Monteiro de Barros Filho, scio ediretor presidente da Construtora Ikal na poca da falncia e representante

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  • [sumrio]

    legal da Monteiro de Barros Investimentos S.A., presta declaraes noprocesso de falncia e alega que esta

    [...] foi motivada pela indisponibilidade de seus bens e bloqueio de contas bancrias decretados em ao movida pelo MinistrioPblico, em trmite na 12 Vara Federal da Seo Judiciria de SoPaulo, envolvendo a construo do prdio do Tribunal Regional doTrabalho (Ao de Falncia n. 583.00.1999.019813-0, p. 1472).

    Em junho de 2002, a sndica pede a extenso dos efeitos da falncia paraatingir a scia majoritria Monteiro de Barros Investimentos S.A., a IncalIncorporaes S.A., a SLG S.A., a Monteiro de Barros EmpreendimentosImobilirios e a Participaes Ltda., bem como a CMB do Brasil Ltda. e aBFA Empreendimentos e Construes. As empresas so includas no polopassivo. Em outubro de 2002, o juiz tambm determina a incluso do GrupoOK Construes e Incorporaes S.A. no polo passivo da falncia, dianteda possibilidade de ter havido venda de aes, com alterao do quadrosocial da empresa Incal Incorporaes S.A., empresa coligada da falida.Em 2008, no entanto, decidiu-se que era cedo demais para estender osefeitos da falncia da Ikal para outras empresas que, em razo dessa deci-so, continuam sendo parte no processo, mas sem sofrer seus efeitos. Emmaio de 2012, imveis da falida foram levados a leilo e arrematados pormais de R$ 4 milhes e, at fevereiro de 2014, ainda no havia quadrocompleto de credores.68

    Paralelamente, em novembro de 1998, a empresa Grupo OK Constru-es e Incorporaes Ltda. prope ao declaratria de anulao de ttulosde crditos contra a Betoncamp Servios de Concretagem Ltda., reque-rendo que as duplicatas protestadas em nome do Grupo OK (no valor totalde R$ 177.048,82) sejam anuladas.69 Em junho de 1999, o processo extintosem julgamento de mrito pela falta de interesse em agir do Grupo OK. Coma extino do processo, inicia-se a fase de execuo dos ttulos judiciais. Emnovembro de 2008, determinado o bloqueio de R$ 43.544,44 de todas ascontas e aplicaes financeiras em nome da empresa Grupo OK Construese Incorporaes Ltda., pelo sistema BacenJud 2.0. No foram encontrados

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    1. A nArrAtIvA do CAso trt

    valores nas contas-correntes. Em dezembro de 2008, a empresa ConcrepavS.A. Engenharia de Concreto (que sucedeu a Betoncamp Servios de Con-cretagem Ltda.), pede a desconsiderao da personalidade jurdica da GrupoOK, para que os representantes legais sejam includos no polo passivo. Deacordo com o pedido, a empresa no possui nenhum bem passvel de serpenhorado para garantia da execuo. As buscas realizadas junto ao Detrane aos estabelecimentos bancrios tambm restaram infrutferas. Segundo opedido, tudo leva a pressupor que os scios da executada, aps realizaremvrios negcios em nome da sociedade empresarial, buscaram se esconderatrs do vu da pessoa jurdica para fins fraudulentos. Em abril de 2009, desconsiderada a personalidade jurdica do Grupo OK e enviada intima-o para que os scios paguem o dbito devidamente atualizado no valorde R$ 43.544,44 no prazo de 15 dias, sob pena de penhora. At junho de 2013no havia notcia de apresentao de impugnao ou do pagamento do dbito.

    1.2.7 | Do nada vai acontecer comigo marchinha de carnavalLogo em 1999 a imprensa passou a utilizar as expresses Lalau e Lau-lau para fazer referncia a Nicolau dos Santos Neto. Com a intensificaoda cobertura pela mdia impressa e televisiva, as expresses ganharam rapi-damente a opinio pblica e foram inclusive mote de marchinha de carnavalde 2001.70 A utilizao dessas e outras expresses pela mdia esto sendodiscutidas no Judicirio em aes de indenizao por danos morais e aespenais privadas versando sobre crime contra a honra. Apenas no Tribunalde Justia de So Paulo foram encontrados nove acrdos. As aes de ori-gem foram ajuizadas pelo prprio Nicolau dos Santos Neto, por pessoasprximas a ele ou familiares e tambm por pessoas que foram comparadasa Nicolau dos Santos Neto e se sentiram moralmente ofendidas.71

    As duas decises referentes a aes ajuizadas por Nicolau dos Santos Netoreferem-se a comentrios que ele considerou ofensivos sua honra em redesde televiso.72 De acordo com os relatrios das decises, em ambos os casosNicolau dos Santos Neto entendeu que os comentrios teriam imputado-lhecrimes e incitado a populao a cham-lo de Lalau e ladro. Ambas asaes foram julgadas improcedentes em primeiro grau, e as sentenas foram

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  • [sumrio]

    confirmadas pelas turmas julgadoras (em janeiro de 2009 e maro de 2011,respectivamente), sob o fundamento de que Nicolau dos Santos Neto, sabi-damente envolvido em escndalo financeiro, com srio dano ao errio federalacabou por atrair para si um juzo de valor reprovvel.73

    Por fim, trs acrdos encontrados na pesquisa dizem respeito a pedidosde indenizao por danos morais de pessoas que, ao serem chamadas deLalau ou comparadas a Nicolau dos Santos Neto, se sentiram ofendidasem sua honra. Em todos os casos, as aes foram julgadas procedentes emprimeira instncia, e essas decises foram mantidas pelas Turmas Julgado-ras, nos seguintes termos:

    Nem se diga que no houve ofensa em virtude da absolvio do ex-prefeito Pitta e de Nicolau do Santos Neto. Ora, a referncia a estaspessoas no foi feita em razo da certeza de que praticaram ilcitos,mas da repercusso na mdia das irregularidades imputadas a eles,razo pela qual tiveram contedo ofensivo.74

    1.2.8 | Enfim, as sentenas nas aes de improbidadeAps mais de dez anos de tramitao, em 26 de outubro de 2011 so publi-cadas as sentenas75 que julgaram ambas as ACPs parcialmente proceden-tes76 para condenar os rus por (i) danos materiais e morais causados Unio Federal, a serem arbitrados na liquidao da sentena,77 alm dedeterminar (ii) multa civil, correspondente a trs vezes o valor do acrscimopatrimonial, (iii) a perda em favor da Unio dos bens e valores acrescidosilicitamente; (iv) a suspenso de contratar com o Poder Pblico e a suspen-so dos direitos polticos por dez anos. Alm disso, foi ratificada a liminarpara manter a indisponibilidade dos bens dos rus.

    De acordo com a sentena da ACP n. 98.0036590-7, h prova de enrique-cimento ilcito auferido pelos rus, em prejuzo ao errio, tendo em vista queindubitvel, e reconhecido nos autos da deciso criminal, os rus manti-veram em erro a entidade pblica, dando a aparncia de realizao de atosregulares no que concerne contratao e realizao da obra do Frum Tra-balhista, mas que escondiam, na verdade, a finalidade de obteno de vanta-gens ilcitas. Assim como nesse trecho, diversas condutas reconhecidas na

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    ESTUDOS SOBRE O CASO TRT

  • [sumrio]

    1. A nArrAtIvA do CAso trt

    deciso foram extradas do processo criminal por corrupo.78 Os valores dodano moral, material e da multa civil seriam fixados em fase posterior, deno-minada liquidao de sentena.

    Em agosto de 2012, aps rejeio de diversos pedidos de reconside-rao da sentena, os processos foram enviados para o Tribunal RegionalFederal da 3 Regio para julgamento das apelaes.

    Ambas as apelaes foram julgadas em 24 de outubro de 2013. A con-denao na ACP n. 2000.61.00.012554-5 foi mantida, com duas alteraes.De um lado, o Tribunal aceitou o argumento dos rus de que a sentenateria ignorado os termos do pedido inicial do Ministrio Pblico para quea condenao fosse limitada ao montante que receberam do Grupo Mon-teiro de Barros e os condenou ao pagamento da totalidade dos recursospblicos que teriam sido desviados, nos mesmos termos que os rus daACP n. 98.0036590-7. O Tribunal acatou o argumento de que essa conde-nao violaria a obrigao de a sentena limitar-se ao pedido inicial for-mulado pelo Ministrio Pblico. De outro lado, o Tribunal acolheu o pedidodo Ministrio Pblico Federal e da Unio para que fossem imediatamenteliquidados os danos materiais e morais causados pelos rus Unio. Deacordo com a deciso, havendo prova tcnica que possibilita a aferio doquantum devido pelos rus, adiar a liquidao para fase posterior signifi-caria procrastinar desnecessariamente o desfecho deste caso, que aflige asociedade e est em curso h mais de quinze anos.79 Determinou-se, assim,a imediata liquidao da condenao imposta aos rus mediante simplesclculo aritmtico, [...] com incidncia de correo monetria e juros demora, na forma da lei, desde a data dos desvios.

    A condenao na ACP n. 98.0036590-7 tambm foi mantida, mas nofoi possvel ter acesso aos termos da deciso, por tramitar em segredode justia.80

    At agosto de 2014, no haviam sido julgados os recursos contra estadeciso.81

    1.3 | hIstrIA sem fImEm agosto de 2014, quando conclumos esta narrativa, aos cofres pblicosbrasileiros j tinham retornado os R$ 168 milhes decorrentes do acordo

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    firmado entre AGU e Grupo OK, assim como outros US$ 5,4 milhes refe-rentes ao apartamento de Nicolau dos Santos Neto em Miami e a suas con-tas na Sua.

    Ao lado de eventual impacto financeiro decorrente do acordo entre aAGU e o Grupo OK, a Luiz Estevo foram impostos alguns custos polticostambm. Dois meses antes de completar seus 10 anos de inelegibilidade,Luiz Estevo declarou imprensa que se candidataria novamente em2012.82 O plano, no entanto, no se concretizou, muito provavelmenteem decorrncia da Lei da Ficha Limpa que torna inelegveis as pessoascondenadas por sentena proferida por rgo judicial colegiado.83

    Com o trnsito em julgado da