estudo exploratório de produções imaginativas sobre a pa ... · filha e de situações...

7
Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 22 e 23 de setembro de 2015 Estudo Exploratório de Produções Imaginativas sobre a Pa- ternidade veiculadas por Diários Virtuais (Blogs) Antonio Richard Carias Faculdade de Psicologia Centro de Ciências da Vida [email protected] Tânia Mara Marques Granato Atenção Psicológica Clínica em instituições Centro de Ciências da Vida [email protected] Resumo As mudanças sociais que marcam a con- temporaneidade, caracterizando-a como momento de ruptura com antigos valores, impactam os proces- sos de subjetivação e, consequentemente, os senti- dos atribuídos à experiência paterna e suas práticas. Em meio a esse cenário de transição, realizamos um estudo exploratório de diários virtuais (blogs) em busca de produções imaginativas sobre a paternida- de contemporânea. Selecionamos e acompanhamos, pelo período de quatro meses, três blogs de pais que narram as experiências vividas com seus filhos. Du- rante esse processo, foi realizado um diário de cam- po a fim de registrar os conteúdos abordados nos blogs, além das impressões do pesquisador, sendo posteriormente elaborada uma narrativa-sintese para cada blog que visou contemplar a experiência emo- cional comunicada. A consideração psicanalítica do material narrativo permitiu a identificação de três campos de sentidos afetivo-emocionais: o campo A profecia da paternidade que sinaliza as grandes transformações que a paternidade inaugura na vida dos homens; Eu quero cuidar mas preciso aprender que ilustra a transição entre modelos paternos e su- as hesitações; e Em busca do pai perfeito que indica os ideais subjacentes ao modelo do novo pai. Espe- ramos que este estudo abra a discussão sobre os constructos teóricos sobre a parentalidade, bem co- mo a possibilidade de conceituar uma “Preocupação Paterna Primária”, tal como a idealizada por Win- nicott para explicar a disponibilidade emocional das mães para o cuidado infantil. Palavras-chave: paternidade, imaginário, contempo- raneidade, psicanálise. Clínica Área do Conhecimento: Ciências Humanas – Psi- cologia – FAPIC - Reitoria. 1. Introdução No curso da história [1], no curso da história, as atribuições do pai estiveram por muito tempo en- trelaçadas à sua concepção biológica, restringindo o papel masculino à procriação. Concepção esta que se transformou recentemente, conduzindo à produ- ção de novos modelos e práticas parentais. Foi so- mente a partir da década de 1970 que surge a figura do bom pai como aquele que é provedor financeiro e afetivo, transformando radicalmente a dinâmica das relações familiares. A conjuntura atual nos apresenta um modelo de “bom pai”, caracterizado pela dedica- ção e envolvimento afetivo no cuidado para com seus filhos, rompendo, portanto, com padrões anti- gos, como o, autoritarismo, a frieza, a objetividade, e a virilidade. Novas demandas hoje se apresentam ao homem, particularmente aquelas relacionadas ao envolvimento afetivo,, impulsionadas por determina- das condições históricas, tais como a entrada da mu- lher no mercado de trabalho, a revolução sexual e uma maior divisão de tarefas domésticas, especial- mente as relacionadas ao cuidado dos filhos [1, 2, 3, 4, 5]. Contudo, de acordo com Lamy, Rocha, Lima e Silva [6], estamos ainda diante de um processo de redefinição do papel paterno que ora tende ao cui- dado e a formação de vínculo, ora tende para o dis- tanciamento afetivo e a provisão financeira, denotan- do a transição que se caracteriza pela coexistência de papéis sociais historicamente construídos com modelos emergentes.

Upload: ngoliem

Post on 08-Nov-2018

214 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

22 e 23 de setembro de 2015

Estudo Exploratório de Produções Imaginativas sobre a Pa-ternidade veiculadas por Diários Virtuais (Blogs)

Antonio Richard Carias Faculdade de Psicologia

Centro de Ciências da Vida [email protected]

Tânia Mara Marques Granato Atenção Psicológica Clínica em instituições

Centro de Ciências da Vida [email protected]

Resumo As mudanças sociais que marcam a con-temporaneidade, caracterizando-a como momento de ruptura com antigos valores, impactam os proces-sos de subjetivação e, consequentemente, os senti-dos atribuídos à experiência paterna e suas práticas. Em meio a esse cenário de transição, realizamos um estudo exploratório de diários virtuais (blogs) em busca de produções imaginativas sobre a paternida-de contemporânea. Selecionamos e acompanhamos, pelo período de quatro meses, três blogs de pais que narram as experiências vividas com seus filhos. Du-rante esse processo, foi realizado um diário de cam-po a fim de registrar os conteúdos abordados nos blogs, além das impressões do pesquisador, sendo posteriormente elaborada uma narrativa-sintese para cada blog que visou contemplar a experiência emo-cional comunicada. A consideração psicanalítica do material narrativo permitiu a identificação de três campos de sentidos afetivo-emocionais: o campo A profecia da paternidade que sinaliza as grandes transformações que a paternidade inaugura na vida dos homens; Eu quero cuidar mas preciso aprender que ilustra a transição entre modelos paternos e su-as hesitações; e Em busca do pai perfeito que indica os ideais subjacentes ao modelo do novo pai. Espe-ramos que este estudo abra a discussão sobre os constructos teóricos sobre a parentalidade, bem co-mo a possibilidade de conceituar uma “Preocupação Paterna Primária”, tal como a idealizada por Win-nicott para explicar a disponibilidade emocional das mães para o cuidado infantil. Palavras-chave: paternidade, imaginário, contempo-raneidade, psicanálise.

Clínica

Área do Conhecimento: Ciências Humanas – Psi-cologia – FAPIC - Reitoria.

1. Introdução No curso da história [1], no curso da história,

as atribuições do pai estiveram por muito tempo en-trelaçadas à sua concepção biológica, restringindo o papel masculino à procriação. Concepção esta que se transformou recentemente, conduzindo à produ-ção de novos modelos e práticas parentais. Foi so-mente a partir da década de 1970 que surge a figura do bom pai como aquele que é provedor financeiro e afetivo, transformando radicalmente a dinâmica das relações familiares. A conjuntura atual nos apresenta um modelo de “bom pai”, caracterizado pela dedica-ção e envolvimento afetivo no cuidado para com seus filhos, rompendo, portanto, com padrões anti-gos, como o, autoritarismo, a frieza, a objetividade, e a virilidade.

Novas demandas hoje se apresentam ao homem, particularmente aquelas relacionadas ao envolvimento afetivo,, impulsionadas por determina-das condições históricas, tais como a entrada da mu-lher no mercado de trabalho, a revolução sexual e uma maior divisão de tarefas domésticas, especial-mente as relacionadas ao cuidado dos filhos [1, 2, 3, 4, 5]. Contudo, de acordo com Lamy, Rocha, Lima e Silva [6], estamos ainda diante de um processo de redefinição do papel paterno que ora tende ao cui-dado e a formação de vínculo, ora tende para o dis-tanciamento afetivo e a provisão financeira, denotan-do a transição que se caracteriza pela coexistência de papéis sociais historicamente construídos com modelos emergentes.

Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

22 e 23 de setembro de 2015

Neste cenário em que os homens buscam construir novos sentidos para a experiência da pa-ternidade, os diários virtuais (blogs) configuram-se como um privilegiado meio de acesso aos novos modos de subjetivação, visto que, historicamente, são análogos às antigas escrituras familiares que carregavam memórias familiares, sentimentos e sen-tidos sobre o cotidiano, a infância, família e valores [7]. Além disso, a internet, como veículo de comuni-cação e compartilhamento de ideias, valores, senti-mentos e emoções, permite que autor e leitor tor-nem-se coprodutores das subjetividades contempo-râneas, as quais tendem a se diversificar, na medida em que se difundem pelo ciberespaço.

2. Objetivo

Realizar um estudo exploratório de diários virtuais (blogs) em busca de produções imaginativas sobre a paternidade contemporânea. 3. Método Como procedimento investigativo de caráter dialógico a narrativa permite o acesso ao sentido dramático de uma experiência que é vivida na rela-ção intersubjetiva que se estabelece entre pesquisa-dor e participante [8]. O conhecimento passa, desse modo, a ser construído de modo vivencial, implicado e, portanto, concreto, refletindo a vida tal como é vivida por seus protagonistas e não como é idealiza-da por teorias especulativas nem por cálculos numé-ricos reducionistas. O uso de narrativas na pesquisa visa o acesso à vivência subjetiva do participante, porém o faz de modo a permitir que ele viva uma experiência no momento em que a narra, pois o ato de narrar é o que nos permite, desde tempos imemoriais, compar-tilhar, refletir, e aprender com o outro. Os blogs são aqui tomados como narrativas virtuais que comunicam experiências significativas de vida de pais que optaram por compartilhá-las com seus leitores [9], por meio de posts que se sucedem ao longo de uma linha de tempo. Curtos ou longos registros narrativos, os posts podem se fazer acom-panhar por fotos, reportagens, comentários que se organizam para contar uma história – em nosso ca-so, a história da paternidade de seu autor. Material O material narrativo para análise foi compos-to a partir de três fontes: as publicações dos três (3)

diários virtuais paternos, consultadas na internet ao longo de quatro meses, as anotações do pesquisa-dor sobre a organização e forma de apresentação de cada blog e, finalmente, suas impressões pessoais, ambas relatadas pelo pesquisador em seus diários de campo. Procedimento Inicialmente, a fim de tornar factível este es-tudo, foi delimitado junto ao grupo de pesquisa o número de três diários virtuais a serem seguidos por pelo menos quatro meses. Em seguida, procedemos ao levantamento de blogs no site de busca Google, por meio de busca por palavras-chave, tais como “pai”, “paternidade” e “experiência paterna”, Os crité-rios para a seleção dos três blogs foram: 1º) diários virtuais de pais que escrevessem sobre a própria experiência de paternidade; 2º) blogs que continu-assem sendo alimentados por seus autores com no-vas postagens, ao longo de toda a pesquisa; 3º) blogs mais acessados pelos leitores. Em uma primeira aproximação a cada diário virtual, o pesquisador dedicou-se a ler postagens anteriores ao período pretendido para este estudo, com o objetivo de contextualizar a história dos pais e seus relacionamentos pessoais. Finalizada esta eta-pa preliminar, teve início a leitura e acompanhamen-to diário das narrativas virtuais, atividade registrada pelo pesquisador nos diários de campo, que buscou relatar o conteúdo e o formato das postagens, além de suas impressões pessoais. Encerrado o período de acompanhamento dos blogs, o pesquisador elaborou, a partir do mate-rial narrativo, uma narrativa para cada um dos diários virtuais, objetivando uma síntese comentada da ex-periência de cada um dos três pais. Essas narrativas foram levadas para a discussão com o grupo de pesquisa, e depois reelaboradas, visando a triangu-lação do material colhido [10] de forma a agregar rigor ao estudo, ao compartilhá-lo com outros pes-quisadores e suas diferentes perspectivas de inter-pretação. Cabe ressaltar que, embora os conteúdos veiculados pelos blogs analisados tenham sido dis-ponibilizados na internet para o público em geral, optamos por nomes fictícios para proteger a identi-dade dos seus autores. Como resultado da triangulação do trabalho interpretativo do material narrativo colhido, o pesqui-sador buscou captar os sentidos subjacentes à expe-riência narrada pelos pais. Tais sentidos foram orga-nizados em campos de sentidos afetivo-emocionais [11] que, de modo diverso da identificação de cate-gorias, emergem como constelação dramática que

Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

22 e 23 de setembro de 2015

agrega sentidos múltiplos em torno de uma experi-ência complexa como a paterna. Os campos visam transmitir de modo sintético, porque emblemático, a experiência concreta dos participantes da pesquisa, sem perder em profundidade, recebendo títulos que aludem diretamente à experiência emocional que se quer comunicar. 4. Resultados Os resultados foram organizados em três narrativas, uma referente a cada blog, que são apre-sentadas de modo breve na seqüência.

“Homem e Pai”

Prado é pai de Bruna, que tem seis anos, e aguarda ansioso o nascimento do novo filho. É publi-citário e blogueiro antigo sobre paternidade, sendo que já escreveu dois livros sobre a temática, além de participar de programas televisivos relacionados. Começou a escrever seu blog em 2008 com o objeti-vo de relatar a sua experiência primeira como pai de Bruna, sua primeira filha. Ele nunca foi casado oficialmente e convive hoje com sua filha nos dias de visita, visto que é se-parado da mãe da menina, a qual, por sua vez, pos-sui a guarda da mesma. Sua atual companheira será mãe de seu futuro filho, o qual apelidou carinhosa-mente de Furão. Em seu diário virtual destaca-se a presença de muitos vídeos, pessoais e da internet, e narrativas de experiências cotidianas marcadas pelo seu jeito humorístico de escrever. Prado gosta de utilizar uma linguagem coloquial e humorada nas suas narrativas, fazendo uso de algumas expressões jacosas, usadas geralmente num grupo de amigos mais íntimos. Neste sentido, ele xinga, comenta sobre se-xo, discute sobre seu futuro filho e a gravidez da companheira, fala de momentos agradáveis com a filha e de situações engraçadas vivenciadas por ele e/ou com ela, além de piadas, charges, dicas cultu-rais de filmes, livros e séries de televi-são.Constantemente, Prado brinca com sua fertilida-de, afirmando que a mesma ultrapassa as leis possí-veis da física, enfatizando sua masculinidade e virili-dade. Revistas famosas, programas de televisão, jornais, dentre outras mídias, constantemente fazem uso da imagem de Prado com Bruna para ilustrar aspectos sobre a relação pai-filha. É visível o suces-so que o blog de Prado fez e ainda faz, influenciando muitos pais brasileiros.

“Querida, estamos Grávidos!”

Fábio é publicitário, jovem e apaixonado por sua esposa que, segundo ele, é culpada por ser tão linda. Dedicado ao trabalho e também a vida domés-tica, Fábio se emocionou em setembro quando Mile-na anunciou em casa uma grande notícia: Ambos estavam grávidos! Segundo o autor, foi algo indescri-tível aquela notícia! A partir daquele momento Fábio começou a descrever em seu diário virtual as mudanças gradu-ais na rotina, na percepção dos fenômenos vividos e dos sentimentos que começaram a aflorar nele e na esposa; pois, segundo ele, tudo ao seu redor estava diferente e precisava ser apreciado, contemplado e registrado. Fábio começou a escrever e relatar suas experiências e sentimentos sobre ser pai pela primei-ra vez na vida. Neste sentido, destaca-se a felicidade e ansiedade por cada etapa da gravidez, como por exemplo, na primeira ultrassonografia com Milena. Para ele, o verdadeiro pai deve estar presente em cada momento com sua esposa e filho, ou seja, Fá-bio vê o autêntico pai como presente e próximo, co-mo um homem carinhoso, atencioso e acessível. Em muitos textos de seu blog, ele afirma que não há sentido para o antigo modelo de pai, marcado pelo homem distante, grosso, considerado até como um “ogro” que cheira mal e que é feio, ou seja, ele se refere aquele modelo de pai que historicamente se caracteriza por ser a autoridade, o símbolo do medo e o provedor financeiro da casa. Fábio acompanhou sua esposa durante a cesárea, especialmente dando-lhe a mão, confortan-do-a, pois segundo suas descrições no diário virtual, ela sentia-se insegura e com medo. Após os proce-dimentos cirúrgicos, nasceu Caio, o filho tão amado e esperado! Cuidando do filho diariamente, ele se sente mais homem, mais próximo da esposa e autêntico em suas relações. Buscou expor essas informações quando a rede de televisão local fez uma entrevista com ele sobre o dia dos pais, a partir do sucesso de seu blog.

“Gabriel, pai militante em ação e missão” Gabriel é um jovem pai divorciado que en-frentou muitas dificuldades com a questão legal so-bre a guarda de seu filho. Desta forma, descreveu aos seus leitores o processo da separação conjugal, além do medo e das dúvidas sobre como seria sua

Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

22 e 23 de setembro de 2015

futura relação com Fernando, seu filho, visto que, a guarda do menino havia sido concedida a sua ex-esposa. Inicialmente as visitas da criança a casa pa-terna foram marcadas por situações dolorosas para Gabriel, no sentido de um não reconhecimento sobre o mundo do pai, preferindo a realidade com a mãe. Em função desse comportamento do filho, Gabriel expressou no blog sentimentos de tristeza e exclu-são. Somente com o tempo e já dentro da casa do pai é que Fernando foi se acostumando e se soltan-do para conversar e brincar. Gabriel argumentou sobre a importância da presença do pai na vida de seus filhos, ressaltando que ele sente uma intensa necessidade de cumprir obrigações cotidianas de pai para com Fernando, mesmo não possuindo a guarda do mesmo. Para ele ambos os progenitores tem o direito a guarda, ou seja, ela deve e tem que ser compartilhada. Ele acompanhou as notícias e tramitações no Congresso e Senado Federal sobre a aprovação da lei que regulamentou a Guarda Compartilhada, ou seja, que legislou sobre o direito de ambos os pais serem responsáveis por seus filhos após a separa-ção conjugal. Desta forma, o autor destacou-se por ser um militante da causa, escrevendo muitos textos em defesa da aprovação do referido projeto de lei. O conteúdo de seu diário virtual caracteriza-se pela descrição de cenas cotidianas com Fernan-do: dicas de leituras, passeios, filmes e/ou outras atividades para se fazer com os filhos; notícias sobre paternidade e/ou histórias e fatos sobre pais; além de constantes publicações sobre o processo de aprovação legal da Guarda Compartilhada. Também é perceptível um cuidado por parte de Gabriel para com seus leitores, já que procura fornecer orienta-ções e compartilhar experiências em suas publica-ções que são praticamente cotidianas. Desta forma, Gabriel discute politicamente sobre o direito dos pais, enfatizando o valor que os mesmos têm para o desenvolvimento de seus filhos. Sabe-se que até o momento de construção da pre-sente pesquisa, Gabriel vive com sua nova família, a saber: ele, seu cachorro e seu filho. Juntos adoram passar o fim de semana em casa, na piscina, nadan-do, pois Fernando ama brincar com água. As experiências relatadas por Prado, Fábio e Gabriel em seus diários virtuais (blogs) apontam para elementos comuns e outros divergentes no que se refere ao exercício da paternidade. Como principal elemento comum destacamos que os três pais com-partilham características descritas na literatura cientí-

fica [2, 3, 4, 5,13], como sendo as do pai contempo-râneo. Embora o pai contemporâneo ainda transite entre valores novos e antigos já podemos identificar novos sentidos sendo atribuídos à paternidade [5] , além de seu impacto na relação pai-filho, e consequentemen-te na estruturação familiar, nas formas expressas de cuidado, e na experiência emocional dos envolvidos. É neste ultimo aspecto que observamos elementos divergentes que, por sua vez, singularizam cada uma das histórias narradas, permitindo-nos interpretar os sentidos afetivo-emocionais que tecem a experiência paterna de cada um dos autores dos blogs conside-rados nesta pesquisa. Apresentaremos a seguir tais sentidos pessoais organizados em campos que vi-sam comunicar a dramática da experiência paterna. 4. Discussão

Campo 1: A Profecia da Paternidade O campo de sentidos “A profecia da paterni-dade” sinaliza a experiência de se tornar pai vivida como dádiva que se desdobra em missão, dadas as responsabilidades que acompanham essa função. A notícia da paternidade parece desencadear o intenso processo psíquico que opera a transição para a pa-ternidade. Neste sentido, o diário virtual figura como novo recurso no processo de (re)construção de sen-tidos para a experiência paterna, tal como as antigas escrituras parentais e/ou diários de nascimento [7], permitindo sua elaboração. Os três diários virtuais apresentam os moti-vos que levaram o pai/autor a compartilhar suas ex-periências e ideias na internet. Prado criou o blog para falar da surpresa ao receber a noticia de que seria pai pela primeira vez, enquanto Fábio decidiu criar o próprio diário virtual com o propósito de forne-cer informações de que sentia falta na internet. Ga-briel construiu o blog com o objetivo de registrar momentos de seu filho para a posteridade, mas em virtude de sua luta por direitos paternos a mesma página virtual acabou se tornando instrumento de militância. Com Winnicott [8], compreendemos que o processo de elaboração imaginativa iniciado na rela-ção de dependência mãe-bebê estende-se na vida adulta, ampliando-se das funções somáticas para as dramáticas do viver humano. Portanto, elaborar ima-ginativamente as experiências vividas, tal como o fazem os pais blogueiros, é parte do processo contí-nuo de integrar-se em direção à saúde psíquica. Ou-tro aspecto a ressaltar nas três narrativas virtuais diz

Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

22 e 23 de setembro de 2015

respeito à experiência do sagrado [14] para cada um dos pais, quando apresentam o seu mito pessoal em relação à paternidade. Mito este que dá sentido ao vivido e pavimenta o caminho das ações futuras na vida de cada um destes pais. Prado traz em sua história o mito do Pai Ge-rador de Vidas, ou seja, daquele que produz e sus-tenta novas vidas a partir de sua ação e/ou fecundi-dade, tal como a terra fértil que fornece condições para o nascimento e nutrição das plantas. Para Pra-do, sua fertilidade é sagrada e produtora de vida. Nela, Prado se reconhece como homem e pai, fa-zendo da masculinidade e da paternidade experiên-cias equivalentes, motivo pelo qual abundam brinca-deiras e expressões cujo tema é a sexualidade. Fábio, por sua vez, traz no bojo de sua histó-ria o mito do Pai Cuidador, aquele que acompanha os filhos em todas as jornadas, protegendo-os, amando-os e corrigindo-os. É o pai amigo e dedica-do, que busca aliar felicidade à proteção. No diário virtual, Fábio não cansa de expressar sua dedicação à família, particularmente à esposa e ao filho, que para ele é o maior sentido em sua vida. A vivência dessa paternidade dita “perfeita”, promovida à custa de idealizações que dificultam o confronto com as necessárias falhas individuais [12] e as contradições de todo homem, pois se por um lado o impedem de se tornar divino, sao condição para que se torne ca-da vez mais humano. Gabriel constroí o mito do Pai Herói, daque-le que enfrenta o mundo, os poderes e as forças da realidade para proteger e estar com o seu filho. Para tanto, esse pai enfrenta inimigos grandiosos, visto que em toda saga heróica o mal começa prevale-cendo mas termina derrotado. O maior inimigo de Gabriel era a Guarda Unilateral que impedia uma relação mais próxima com seu filho, situação que após uma longa jornada de militância a favor da Guarda Compartilhada modifica-se radicalmente pa-ra Gabriel, após a aprovação da lei no país. Cada um desses mitos parece anunciar um modo de ser pai nos tempos atuais, sendo evidente tantao a singularidade dessas experiências como a pluralidade de modelos que se diferenciam do tradi-cional. Entretanto, também enunciam novos conflitos, ao trazer em seu bojo a flexibilidade na construção do papel paterno, lembrando que este conjuga as-pectos individuais, familiares e também sociais. Um outro aspecto a pontuar se refere ao fato de que os três pais considerados parecem escrever para públicos diferentes, o que podemos depreender dos temas tratados, da linguagem utilizada, das fotos selecionadas, assim como as cores do site e os ví-

deos. Esta expressão de sentidos pessoais no blog supõe um leitor que compartilha os mesmos senti-mentos e emoções acerca da paternidade. Campo 2: Eu quero cuidar, mas preciso aprender

como! O campo de sentidos “Eu quero cuidar, mas preciso aprender como!” comunica a intenção do pai que almeja ser mais participativo, mas hesita em su-as novas atribuições, sentindo que ainda lhe faltam habilidades específicas. Prado, Fábio e Gabriel tra-zem em seus blogs a nova demanda de que o pai expresse afeto, amizade e cuidado para com seus filhos, em oposição ao modelo tradicional do pai pa-trão. No entanto, ao se referirem aos cuidados dis-pensados, tradicionalmente caracterizados como maternos, Prado, Fábio e Gabriel, reafirmam a mas-culinidade que os constitui, a despeito de atividades ainda hoje vistas como femininas . Em uma cena cotidiana narrada por Gabriel, o pai declara que depois de pentear os cabelos de seu filho deveria beber uma cerveja para recuperar a masculinidade. Prado também demonstra essa preo-cupação, enfatizando que, apesar de cuidar dos fi-lhos, permanece viril e másculo, posição que denota o momento atual de hesitação entre dois tipos de cuidado - o feminino e o masculino – ainda associa-dos a questões de gênero. Portanto, é possível afirmar que nenhum dos três pais blogueiros se identifica completamente com o antigo modelo de pai, e tampouco com o assim chamado “novo pai”. Eles vivenciam um processo de transição de valores, crenças e sentidos que caracte-riza a conjuntura cultural e social contemporânea [15]. Nesse sentido, discorrer sobre o pai contem-porâneo exige-nos pontuar brevemente o atual co-lapso das metanarrativas que na Modernidade sus-tentavam e organizavam o discurso e a visão de mundo dos homens. Não há atualmente discurso único e/ou razão universal que oriente e forneça sen-tido à vida, mas razões que mostram a diversidade de pensamentos ou mesmo a ausência de qualquer busca de razão e/ou sentido existencial [16]. O pai hoje não crê e, portanto, não sustenta a antiga me-tanarrativa que lhe era contada e interiorizada, pois nessa nova visão cultural não há afirmação e/ou dis-curso que se constitua como verdade a priori. Tes-temunhamos a construção de novas formas de ser pai no mundo, o que significa que vive-se um pro-cesso de transição cultural da paternidade associado às mudanças históricas da Modernidade para a Mo-dernidade Tardia e/ou Pós-Modernidade [15, 16].

Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

22 e 23 de setembro de 2015

Os três pais expressam em seus diários vir-tuais a dificuldade para definir o que é ser pai e como sê-lo, comunicando seus conflitos e dúvidas sobre os limites e potencialidades da tarefa paterna. O pai atual sente-se ainda frágil no campo do cuidar, o que lhe traz insegurança e o consequente desejo de re-tornar ao antigo modelo, cujos papéis eram definidos e delimitados, evitando a ansiedade que acompanha a construção de um novo cuidar paterno.

Campo 3: Em busca do pai perfeito O campo “Em busca do pai perfeito” alude ao anseio do pai em prover cuidados adequados aos filhos, constituindo-se como parte fundamental desse processo. De acordo com Winnicott [12], a saúde psicológica está intimamente ligada aos cuidados recebidos durante toda a vida, visto que caminhamos da dependência para a independência, ainda que esta seja relativa. Neste sentido, o cuidado adequa-do é estruturante para a saúde ou, em sua ausência, para a doença psíquica dos indivíduos, além de for-necer a base para os relacionamentos humanos [17, 18]. O discurso dos três pais acompanhados pelo pesquisador é marcado pela necessidade de cuidar de seus filhos, de amá-los e protegê-los. Prado des-creve inúmeras situações engraçadas, além das ca-rinhosas, vividas no convívio com os filhos. Publica fotos em que os três estão juntos, felizes, em situa-ções cotidianas, além de fazer menção a preocupa-ções e ciúmes em relação aos filhos, comunicando o aspecto afetivo da relação pai-filhos. Fábio sempre se colocava a serviço da es-posa grávida e, após o nascimento do bebê ajudou mais intensamente nas tarefas domésticas e nos cuidados para com o filho recém-nascido. Além dis-so, intensificou seu ritmo de trabalho, conforme a literatura aponta [19], sendo este um dos motivos para a diminuição de publicações no blog entre no-vembro e janeiro de 2014. Entretanto, em conexão com o blog, há fotos provenientes de rede social que mostram o cotidiano da família e, principalmente, o bebê em crescimento. Parece-nos que Fábio quer registrar e mostrar aos seus leitores seu menino crescendo e amadurecendo. Gabriel, por sua vez, luta para estar próximo de Fernando, conquistando o direito de cuidar de seu filho, por meio da Guarda Compartilhada, e denuncia a histórica proteção e/ou imposição às mães no que concerne à guarda e cui-dado dos filhos. Tal como Prado, Fábio e Gabriel, muitos pais desejam participar afetivamente da história de seus filhos, o que é indicativo de um movimento de

cuidado que se dá no âmbito experiencial/emocional e não apenas economicamente, como no passado. Ao se tornarem presença no cuidado infantil, os pais fortalecem o desenvolvimento emocional dos filhos [20], permitindo que as crianças explorem a realidade com a garantia da segurança parental. Embora Winnicott [12] enfatize que o cuidar acontece no âmbito da espontaneidade, não havendo fórmula nem receita pronta para o sucesso da empreitada, são muitas as recomendações técnicas nos três diá-rios virtuais. Fábio preocupa-se em dar dicas sobre o exercício da paternidade e, Gabriel publica textos sobre atividades que os pais podem e devem fazer com os filhos, como se existisse uma forma correta de cuidar, trabalhar, estudar, divertir-se e mesmo sentir as experiências que a vida proporciona. Essa lógica que padroniza as experiências não permite a espontaneidade preconizada por Win-nicott [17] que é fundamento do verdadeiro self, ou seja, da autêntica experiência de si ao longo do tem-po. O seguimento rígido de padrões de como ser pai cristaliza suas ações, impede o contato com a expe-riência e coloca fim à criatividade no pensar e agir. Tal como a mãe devotada comum que possui dedi-cação e falhas, o pai também torna-se mais “perfeito” quando é ele mesmo, entregue à experiência e por-tanto, falho. O pai contemporâneo não precisa ser perfei-to, tal como sonhado pela sociedade pós-moderna que exige dos homens a perfeição concomitante à flexibilidade em suas ações [15]. O pai perfeito admi-te falhas que, na medida e no momento apropriados são desencadeadoras de desenvolvimento emocio-nal [21]. Consideramos, portanto, impraticável a exi-gência social de perfeição, como no termo “profissio-nal de excelência”, visto que a experiência relacional pai-filho é humana e, como toda experiência e ação humana abriga contradições e portanto, falha, ensi-nando-nos que somos todos imperfeitos. 5. Considerações Finais

Vive-se na atualidade uma transição cultural [15, 22] que impacta diretamente na construção e no exercício da paternidade. Os três pais acompanha-dos em seus diários virtuais apresentam elementos desta transição e, portanto, vivenciam a paternidade a partir de referenciais sociais que estão em proces-so de construção. A paternidade contemporânea nos desafia com novas formas de cuidado e relação entre pais e filhos, que diretamente problematizam constructos

Anais do XX Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178

Anais do V Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420

22 e 23 de setembro de 2015

teóricos elaborados por Winnicott e outros teóricos da Psicologia. Esperamos que este estudo abra a discussão sobre os constructos psicológicos sobre a parentalidade, questionando, por exemplo, a possibi-lidade de uma “Preocupação Paterna Primária”, tal como a idealizada por Winnicott [12] para explicar a disponibilidade das mães para o cuidado infantil. Referências

[1] Oiberman, A. (1994). La relacion padre-bebe: uma revision bibliográfica. Revista Hospital Materni-dade Infantil Ramón Sardá, 13 (2), 66-70.

[2] Gomes, A.J.S.; Resende, V.R. (2004). O Pai Pre-sente : O Desvelar da Paternidade em uma Família Contemporânea. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 20, nº02, 119-125.

[3] Wagner, A.; Predebon, J. Mosmann, F. (2005). Compartilhar Tarefas? Papéis e Funções de Pai e Mãe na Família Contemporânea. Psicologia : Teoria e Pesquisa, vol.21, nº02, 181 – 186.

[4] Beltrami, R.G.; Bottoli, C(2010). Retratos do en-volvimento paterno na atualidade. Barbarói, nº32, pp.205-222.

[5] Oliveira, A.G.; Silva, R.R. (2011). Pai contempo-râneo: Diálogos entre pesquisadores brasileiros no período de 1998 a 2008. Psicologia e Argumento, vol. 29, nº66, 353-360.

[6] Lamy, Z.C.; Rocha, L. J. L. F.; Lima, J. R.; & Sil-va, E.L.C. (2012). Paternidade em tempos de mu-dança: uma breve revisão da literatura. Revista Pes-quisa e Saúde, 13 (2), 54-59.

[7] Francis, V (2011). Pais biógrafos. Escrituras pa-rentais e diários de nascimento. Revista Eletrônica de Educação, 5 (2), 214 – 235.

[8] Granato, T.M.M., Russo, R.C.T., Aiello-Vaisberg, T.M. (2009). O uso de narrativas na pesquisa psica-nalítica do imaginário de estudantes universitários sobre o cuidado materno. Mudanças – Psicologia da Saúde, 17 (1), 43-48.

[9] Luccio, F; & Costa, A.M.N. (2010). Blogs: de diá-rios pessoais a comunidades virtuais de escrito-res/leitores. Psicologia: Ciência e Profissão, 30 (1), 132 – 145.

[10] Stake, R. (2011). Pesquisa qualitativa: estudan-do como as coisas funcionam. Porto Alegre: Editora Penso.

[11] Granato, T. M. M. & Aiello-Vaisberg, T. M. J. (2013). Narrativas interativas sobre o cuidado mater-no e seus sentidos afetivo-emocionais. Psicologia Clínica, 25 (1), 17- 35.

[12] Winnicott, D.W. (1988). A preocupação materna primária. In D.W.Winnicott. textos selecionados: Da pediatria a psicanálise (pp.491 – 498). Rio de Janei-ro: Francisco Alves. (Trabalho original publicado em 1956).

[13] Staudt, A.C.P.; Wagner, A. (2008). Paternidade em tempos de mudança. Psicologia: Teoria e Prática, vol, 10, nº01, 174 – 185.

[14] Safra, G. (1998). A vivência do sagrado e a constituição do self. Temas em Psicologia, vol.06, nº02, 147-151.

[15] Bauman, Z. (2008). A Sociedade Individualizada. Vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Zahar Editora.

[16] Strey, N.M.; Cabeda, S.T.L., Prehn, D.R. (2004). Gênero e Cultura: Questões Contemporâneas. Porto Alegre: EDIPUCRS.

[17] Winnicott, D.W. (1994). O uso de um objeto no contexto de Moisés e o monoteísmo. In D.W.Winnicott. Explorações Psicanalíticas (pp.187 – 191). Porto Alegre: ArtMed. (Trabalho original publi-cado em 1969).

[18] Rosa, C.D. (2007). A presença do pai no pro-cesso de amadurecimento. Um estudo sobre D.W. Winnicott. Dissertação de Mestrado: Pontifícia Uni-versidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

[19] Piccinini, C. A.; Silva, M.R.; Gonçalves, T.R.; Lopes, R.S.; & Tudge, J. (2004). O Envolvimento paterno durante a Gestação. Psicologia: Reflexão e Crítica, 17 (3), 303-314.

[20] Dias, E.O. (2003). A Teoria do Amadurecimento D.W.Winnicott. Rio de Janeiro: Editora Imago.

[21] Winnicott, D.W. (1982). E o pai? In D.W.Winnicott. A criança e seu mundo. (pp. 127 – 133). Rio de Janeiro: LTC. (Trabalho original publi-cado em 1945).

[22] Giddens, A. (2002). Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Zahar.