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ESTUDO DE CASO: A FORMAÇÃO DO PÓLO PASSIVO DE MEDIDA CAUTELAR FISCAL CONTRA GRUPO ECONÔMICO DE FATO Sumário: Introdução 1; 1. O caso 1; 1.1. Caracterização de grupo econômico de fato 2; 1.2. Situação processual do crédito tributário. Problemas 12; 2. A medida cautelar fiscal 13; 3. A ação cautelar fiscal interposta em face de grupo econômico de fato 16; 3.1. Do periculum in mora 17; 3.2. Do fumus boni juris 18; 3.2.1. Alienação de bens no curso de insolvência da Sociedade Executada 18; 3.2.2. Transferência de bens da Sociedade Executada após a notificação sobre a constituição do crédito tributário 19; 3.2.3. Prática de atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito tributário 19; 3.3. Dos fundamentos para a formação do pólo passivo 20; 3.3.1. As normas: responsabilidade tributária de sucessores e terceiros 21; 3.3.2. As circunstâncias e a jurisprudência: desconsideração da personalidade jurídica de integrantes do grupo econômico de fato 25; Conclusões 27. Introdução A partir de um caso que se apresentou à Procuradoria da Fazenda Estadual (PFE), a tese analisa os fundamentos para a formação do pólo passivo de medida cautelar fiscal interposta em face de grupo econômico de fato. Além das pessoas jurídicas identificadas, quem deve ser indicado como requerido: todos os sócios/acionistas ou apenas as pessoas físicas que tenham assumido a gestão empresarial (sócios, acionistas e administradores contratados)? E para essa “escolha” é suficiente a norma acerca da responsabilidade tributária de terceiros ou faz-se necessário invocar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades relacionadas? Diante desse objeto de estudo, entende-se pela pertinência e adequação da tese ao Temário do Congresso, pelos respectivos itens 41 (Recuperação de ativos tributários: novas possibilidades) e 42 (Desconsideração da personalidade jurídica da empresa no direito tributário). 1. O caso Na reestruturação dos trabalhos da Procuradoria da Fazenda Estadual, em fevereiro de 2012 decidiu-se implantar uma gestão processual específica para os grandes devedores tributários do Estado de origem 1 . Inicialmente, as atenções se voltaram para a lista dos maiores débitos inscritos em dívida ativa tributária no período de 2000 a 2011, nela se destacando os 100 (cem) maiores devedores (tributários) do Estado”. Esse grupo dos “100 maiores” foi segmentado por setor econômico, constatando-se que: 1°) a maior parcela dessa “grande dívida ativa” cabe ao setor sucroalcooleiro – 30% (trinta por cento) correspondendo a R$ 425.698.059,71 (Quatrocentos e Vinte e Cinco Milhões, Seiscentos e Noventa e Oito Mil, Cinquenta e Nove Reais, Setenta e Um Centavos) , aparecendo em segundo lugar os atacadistas de segmentos diversos 21% (vinte e um por cento) referentes a R$ 298.988.285,87 (Duzentos e Noventa e Oito Milhões, Novecentos e Oitenta e Oito Mil, Duzentos e Oitenta e Cinco Reais, Oitenta e Sete Centavos) e, em terceiro lugar, as transportadoras 6% (seis por cento) equivalentes a R$ 87.810.757,64 (Oitenta e Sete Milhões, Oitocentos e Dez Mil, Setecentos e 1 Em atenção aos dispositivos do Regimento Interno do Congresso, Arts. 16, § 3° e 20, § 1°, I, o Estado e o órgão de origem não estão indicados ao longo do texto o que poderá ser modificado após o exame de admissibilidade da tese. Já a identificação das pessoas relacionadas com o caso não poderá ser feita porque o processo judicial em foco está sob segredo de justiça.

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ESTUDO DE CASO: A FORMAÇÃO DO PÓLO PASSIVO DE MEDIDA

CAUTELAR FISCAL CONTRA GRUPO ECONÔMICO DE FATO

Sumário: Introdução 1; 1. O caso 1; 1.1. Caracterização de grupo econômico de fato 2;

1.2. Situação processual do crédito tributário. Problemas 12; 2. A medida cautelar fiscal

13; 3. A ação cautelar fiscal interposta em face de grupo econômico de fato 16; 3.1. Do

periculum in mora 17; 3.2. Do fumus boni juris 18; 3.2.1. Alienação de bens no curso de

insolvência da Sociedade Executada 18; 3.2.2. Transferência de bens da Sociedade

Executada após a notificação sobre a constituição do crédito tributário 19; 3.2.3. Prática

de atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito tributário 19; 3.3. Dos

fundamentos para a formação do pólo passivo 20; 3.3.1. As normas: responsabilidade

tributária de sucessores e terceiros 21; 3.3.2. As circunstâncias e a jurisprudência:

desconsideração da personalidade jurídica de integrantes do grupo econômico de fato 25;

Conclusões 27.

Introdução

A partir de um caso que se apresentou à Procuradoria da Fazenda Estadual (PFE), a tese

analisa os fundamentos para a formação do pólo passivo de medida cautelar fiscal interposta em face

de grupo econômico de fato. Além das pessoas jurídicas identificadas, quem deve ser indicado como

requerido: todos os sócios/acionistas ou apenas as pessoas físicas que tenham assumido a gestão

empresarial (sócios, acionistas e administradores contratados)? E para essa “escolha” é suficiente a

norma acerca da responsabilidade tributária de terceiros ou faz-se necessário invocar a teoria da

desconsideração da personalidade jurídica das sociedades relacionadas?

Diante desse objeto de estudo, entende-se pela pertinência e adequação da tese ao Temário

do Congresso, pelos respectivos itens 41 (Recuperação de ativos tributários: novas possibilidades) e 42

(Desconsideração da personalidade jurídica da empresa no direito tributário).

1. O caso

Na reestruturação dos trabalhos da Procuradoria da Fazenda Estadual, em fevereiro de

2012 decidiu-se implantar uma gestão processual específica para os grandes devedores tributários do

Estado de origem1. Inicialmente, as atenções se voltaram para a lista dos maiores débitos inscritos em

dívida ativa tributária no período de 2000 a 2011, nela se destacando “os 100 (cem) maiores devedores

(tributários) do Estado”.

Esse grupo dos “100 maiores” foi segmentado por setor econômico, constatando-se que:

1°) a maior parcela dessa “grande dívida ativa” cabe ao setor sucroalcooleiro – 30% (trinta por cento)

correspondendo a R$ 425.698.059,71 (Quatrocentos e Vinte e Cinco Milhões, Seiscentos e Noventa e

Oito Mil, Cinquenta e Nove Reais, Setenta e Um Centavos) –, aparecendo em segundo lugar os

atacadistas de segmentos diversos – 21% (vinte e um por cento) referentes a R$ 298.988.285,87

(Duzentos e Noventa e Oito Milhões, Novecentos e Oitenta e Oito Mil, Duzentos e Oitenta e Cinco

Reais, Oitenta e Sete Centavos) – e, em terceiro lugar, as transportadoras – 6% (seis por cento)

equivalentes a R$ 87.810.757,64 (Oitenta e Sete Milhões, Oitocentos e Dez Mil, Setecentos e

1 Em atenção aos dispositivos do Regimento Interno do Congresso, Arts. 16, § 3° e 20, § 1°, I, o Estado e o órgão de origem

não estão indicados ao longo do texto – o que poderá ser modificado após o exame de admissibilidade da tese. Já a

identificação das pessoas relacionadas com o caso não poderá ser feita porque o processo judicial em foco está sob segredo

de justiça.

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Cinquenta e Sete Reais, Sessenta e Quatro Centavos); 2°) o maior devedor tributário do Estado de

origem é uma sociedade limitada atacadista (distribuidora de bebidas), com débito atualizado até

março de 2012 perfazendo a quantia de R$ 109.716.557,34 (Cento e Nove Milhões, Setecentos e

Dezesseis Mil, Quinhentos e Cinquenta e Sete Reais, Trinta e Quatro Centavos).

Nesse montante devido pela SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA.,

apenas uma parcela de R$ 9.724,51 (Nove Mil, Setecentos e Vinte e Quatro Reais, Cinquenta e Um

Centavos) ainda não estava em cobrança judicial à época. O valor de R$ 364.213,91 (Trezentos e

Sessenta e Quatro Mil, Duzentos e Treze Reais, Noventa e Um Centavos) é exigido em execução fiscal

em trâmite no interior do Estado de origem. E os outros R$ 109.342.618,92 (Cento e Nove Milhões,

Trezentos e Quarenta e Dois Mil, Seiscentos e Dezoito Reais, Noventa e Dois Centavos) estão

formalizados em títulos executivos que embasam 06 (seis) execuções na Vara da Capital com

competência privativa para as execuções fiscais da Fazenda Pública Estadual, sendo que o valor de

uma única certidão de dívida ativa (CDA) é de R$ 103.160.177,06 (Cento e Três Milhões, Cento e

Sessenta Mil, Cento e Setenta e Sete Reais, Seis Centavos).

Até então, essas execuções fiscais estavam distribuídas entre os Procuradores sem

qualquer indicação para tratamento diferenciado. Quando o Núcleo dos Grandes Devedores recebeu a

atribuição de cuidar de todos os processos em matéria tributária dessa SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA., coincidentemente a execução fiscal de maior valor tinha sido enviada para

impugnação aos embargos (fevereiro de 2012). Chamava atenção o fato de terem sido interpostas duas

ações de embargos para a mesma execução fiscal: a Sociedade Executada, três Sócios e mais outras

três pessoas jurídicas ajuizaram embargos em autos físicos e dois outros Sócios interpuseram a ação

em autos eletrônicos. E na análise dos autos da referida execução fiscal, os Procuradores foram

surpreendidos com o relato de dois Sócios acerca da movimentação societária engendrada para

“blindagem” do patrimônio da Sociedade Executada contra as pretensões das Fazendas Estadual e

Nacional. Essa confissão instrumentaliza a indicação de bens à penhora e o pedido para serem

nomeados depositários de diversos imóveis.

Na ocasião, o prazo para impugnação aos embargos estava em curso e não houve tempo

para pesquisas sobre a situação empresarial ou outras ações. Apenas se constatou que ainda não havia

sido completada a citação ou não havia penhora em quatro (das seis) execuções fiscais em trâmite na

Capital.

1.1. Caracterização de grupo econômico de fato

Após o ajuizamento das impugnações nas duas ações de embargos à execução fiscal,

tratou-se de estudar a confissão dos dois Sócios sobre a reengenharia empresarial para “blindagem”

patrimonial.

Inicialmente, pesquisou-se o sistema informatizado da Junta Comercial do Estado, para se

averiguar a ocorrência das alterações societárias denunciadas. Sendo possível investigar os atos

societários arquivados a partir do nome, inscrições no CNPJ e no CPF, após dois meses de trabalho,

conseguiu-se desvelar o esquema de um grupo econômico formado por 26 (vinte e seis) pessoas

jurídicas – 22 sociedades limitadas, 01 sociedade anônima fechada e 03 empresários individuais – no

qual as pessoas físicas integrantes do núcleo familiar estruturavam os diversos quadros societários.

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A sociedade empresária ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. tem o 12/02/1971

como data de abertura registrada na Junta Comercial local. Trata-se de empresa familiar, cujo

estabelecimento matriz (sociedade limitada) está situado na Capital e que teve filiais em duas cidades

do interior e na Capital do Estado de origem. Ao longo do tempo, os membros da família integra(ra)m

os quadros das várias pessoas jurídicas do grupo econômico – alguns, na qualidade de sócios

gerentes/administradores e os outros como cotistas das respectivas sociedades limitadas; também,

como acionistas da sociedade anônima fechada criada mais recentemente. Apesar disso, não se vê a

formalização de um grupo societário nos moldes da Lei das Sociedades por Ações2.

Assim, a caracterização de um grupo econômico de fato decorre da constatação da

similitude dos quadros societários nas pessoas jurídicas atuantes em diversos segmentos econômicos –

a qual, por si só, autoriza a conclusão acerca da uniformidade de gestão administrativa das sociedades

informalmente coligadas3. Nesse contexto, a PFE de origem também recebeu dos Cartórios de Títulos e

Documentos da Capital da localidade as certidões de procurações públicas lavradas pelas pessoas

físicas integrantes do núcleo familiar e relacionadas à gestão das pessoas jurídicas do grupo

empresarial: as procurações outorgadas por boa parte das sociedades para uma só pessoa física (um

contador) atuar como respectivo mandatário junto às repartições da Fazenda Nacional, Estadual e

Municipal são emblemáticas da uni(formi)dade gerencial no caso examinado.

Destaque-se que o Superior Tribunal de Justiça já apontou a caracterização de grupo

econômico informal a partir de critérios circunstanciais4:

“A caracterização de coligação de empresas, por sua vez, é, antes de mais nada, uma questão

fática. [...]

De todo modo, trata-se de um conceito societário. A coligação se caracteriza, essencialmente,

na influência que uma sociedade pode ter nas decisões de políticas financeiras ou operacionais

da outra, sem controlá-la. Antigamente, a Lei das S/A dispunha, em seu art. 243, §1º, acerca de

um montante fixo para que fosse automaticamente caracterizada coligação entre empresas. [...]

2 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n° 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Art. 265. A sociedade

controladora e suas controladas podem constituir, nos termos deste Capítulo, grupo de sociedades, mediante convenção pela

qual se obriguem a combinar recursos ou esforços para a realização dos respectivos objetos, ou a participar de atividades ou

empreendimentos comuns. ... omissis Art. 266. As relações entre as sociedades, a estrutura administrativa do grupo e a

coordenação ou subordinação dos administradores das sociedades filiadas serão estabelecidas na convenção do grupo, mas

cada sociedade conservará personalidade e patrimônios distintos. Designação Art. 267. O grupo de sociedades terá

designação de que constarão as palavras "grupo de sociedades" ou "grupo". Parágrafo único. Somente os grupos organizados

de acordo com este Capítulo poderão usar designação com as palavras "grupo" ou "grupo de sociedade".

3 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n° 6.404, de 1976. Art. 243. O relatório anual da administração deve

relacionar os investimentos da companhia em sociedades coligadas e controladas e mencionar as modificações ocorridas

durante o exercício. § 1º São coligadas as sociedades quando uma participa, com 10% (dez por cento) ou mais, do capital da

outra, sem controlá-la. § 1° São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa. (Redação dada

pela Medida Provisória nº 449, de 2008) § 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou

através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas

deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. ... omissis § 4° Considera-se que há influência

significativa quando a investidora detém ou exerce o poder de participar nas decisões das políticas financeira ou operacional

da investida, sem controlá-la. (Incluído pela Medida Provisória nº 449, de 2008) § 5° É presumida influência significativa

quando a investidora for titular de vinte por cento ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la. (Incluído pela

Medida Provisória nº 449, de 2008). Art. 244. É vedada a participação recíproca entre a companhia e suas coligadas ou

controladas. ... omissis § 5º A participação recíproca, quando ocorrer em virtude de incorporação, fusão ou cisão, ou da

aquisição, pela companhia, do controle de sociedade, deverá ser mencionada nos relatórios e demonstrações financeiras de

ambas as sociedades, e será eliminada no prazo máximo de 1 (um) ano; no caso de coligadas, salvo acordo em contrário,

deverão ser alienadas as ações ou quotas de aquisição mais recente ou, se da mesma data, que representem menor

porcentagem do capital social. § 6º A aquisição de ações ou quotas de que resulte participação recíproca com violação ao

disposto neste artigo importa responsabilidade civil solidária dos administradores da sociedade, equiparando-se, para efeitos

penais, à compra ilegal das próprias ações.

4 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Processo REsp 1266666 / SP RECURSO

ESPECIAL 2009/0196940-9 Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA

Data do Julgamento 09/08/2011 Data da Publicação/Fonte DJe 25/08/2011.

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Esse percentual, contudo, era fixado para estabelecer, consoante a disposição contida no caput

desse artigo, a obrigatoriedade de menção dos investimentos nessa sociedade no relatório anual

da administração. Na prática, contudo, independentemente de um percentual fixo, o conceito

de coligação está muito mais ligado a atitudes efetivas que caracterizem a influência de uma

sociedade sobre a outra. Há coligação, por exemplo, sempre que se verifica o exercício de

influência por força de uma relação contratual ou legal, e em muitas situações até mesmo o

controle societário é passível de ser exercitado sem que o controlador detenha a maioria do

capital social. Basta pensar, nesse sentido, na hipótese de uma empresa com significativa

emissão de ações preferenciais sem direito a voto.

De todo modo, hoje a Lei das S/A modificou o critério anterior, justamente adaptando-se ao

que, na realidade, já era perfeitamente passível de ocorrer. Com a modificação empreendida

pela Lei 11.941/2009, o art. 243, §1º da Lei das S/A passou a simplesmente prever que “são

coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa”. Tal influência,

segundo o §5º desse artigo, incluído pela mesma Lei 11.941/2009 em consonância com a

redação anteriormente dada pela MP 449/2008, é presumida “quando a investidora for titular

de 20% (vinte por cento) ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la”.

Referidas disposições legais sequer foram cogitadas no recurso especial, deixando ao ar as

alegações da recorrente de violação de seu direito. De todo modo, a cadeia societária descrita

neste processo, não só em relação ao complexo agroindustrial [...] , mas em relação a diversos

outros bens, demonstra a existência de um modus operandi que evidencia a influência de um

grupo de sociedades [...], seja ele ou não integrante do mais amplo GRUPO [...], sobre o outro

[...].

Isso é especialmente significativo quando nos debruçamos sobre a operação societária aqui

descrita, [...] constituição de empresas para a administração desses bens e seu posterior

redirecionamento a sucessivas sociedades que, na forma, são aparentemente independentes,

mas cujo capital social é, na maioria das vezes, detido por sociedades off shore cuja efetiva

propriedade não é dado aos credores da massa falida conhecer. É significativo notar inclusive

que a influência de um grupo sobre outro se manifesta até mesmo na constituição de uma

sociedade [...] cujo capital era dividido entre o GRUPO [...] e o GRUPO [...], para quem os

bens aqui discutidos foram inicialmente transferidos antes de serem repassados a terceiros

supostamente independentes.

Não há, portanto, violação, nem do art. 50 do CC/02, nem do art. 6º do DL 7.661/45.”

E esta presunção adotada pela PFE – acerca da unidade de gestão empresarial e existência

de grupo econômico de fato – é ratificada quando se analisa a evolução (negativa) da situação

tributária (em relação às exigências de ICMS local) das sociedades que se destacam na estrutura.

De acordo com os dados dos cadastros fazendários e atos societários arquivados na Junta

Comercial local, a sociedade ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. exerce(u) as seguintes

atividades empresariais: comércio atacadista de bebidas; comércio varejista de gás liquefeito de

petróleo (GLP); comércio varejista especializado de eletrodomésticos e equipamentos de áudio e

vídeo; outros representantes comerciais e agentes do comércio especializado em produtos não

especificados anteriormente. Considerada a data dos fatos geradores das obrigações tributárias em

análise nas execuções fiscais relacionadas, interessa destacar-se a formação do quadro societário da

época (alterações societárias registradas na Junta Comercial local a partir de 14/07/1986):

NOME PARTICIPAÇÃO CAPITAL

PATRIARCA (Gerente) 96,66% Cz$ 16.432.200,00

FILHO 1 (Gerente) 1,00% Cz$ 170.000,00

FILHO 2 (Gerente) 1,00% Cz$ 170.000,00

FILHO 3 (Gerente) 1,00% Cz$ 170.000,00

MATRIARCA (Gerente) 0,34% Cz$ 57.800,00

TOTAL 100% Cz$ 17.000.000,00

06/06/2001

PATRIARCA (Gerente) 97,50% R$ 4.309.500,00

FILHO 1 (Gerente) 1,00% R$ 44.200,00

FILHO 2 (Gerente) 1,00% R$ 44.200,00

MATRIARCA (Gerente) 0,50% R$ 22.100,00

TOTAL 100% R$ 4.420.000,00

04/11/2002

PATRIARCA (Gerente) 98,50% R$ 4.353.700,00

FILHO 1 (Gerente) 1,00% R$ 44.200,00

MATRIARCA (Gerente) 0,50% R$ 22.100,00

TOTAL 100% R$ 4.420.000,00

10/01/2007

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PATRIARCA (Administrador) 97,50% R$ 4.309.500,00

FILHO 1(Administrador) 1,00% R$ 44.200,00

FILHO 3 1,00% R$ 44.200,00

MATRIARCA 0,50% R$ 22.100,00

TOTAL 100% R$ 4.420.000,00

Tabela 1. Contratos sociais I a IV da SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA.

Em 2008, o arranjo societário é “redesenhado” por duas vezes, com expressiva redução do

capital social (assim também admitindo o enquadramento no conceito legal de "Empresa de Pequeno

Porte-EPP” – regida pela Lei Complementar n° 123) e movimentação de pessoas físicas no quadro. As

filiais foram extintas nesta última alteração registrada na Junta Comercial local:

18/02/2008

NOME PARTICIPAÇÃO CAPITAL

FILHO 1(Administrador) 39,82% R$ 44.200,00

FILHO 3 39,82% R$ 44.200,00

MATRIARCA 19,91% R$ 22.100,00

PATRIARCA (Administrador) 0,45% R$ 500,00

TOTAL 100% R$ 111.000,00

04/06/2008

FILHO 1(Administrador) 99,55% R$ 110.500,00

EMPREGADO DE FILHO 1 0,45% R$ 500,00

TOTAL 100% R$ 111.000,00

Tabela 2. Contratos sociais V e VI SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA.

Com a redução do capital social, um expressivo acervo patrimonial (imóveis) da

SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. foi transferido para terceiros. Boa parte

desses imóveis integralizou aumento do capital social da TRANSPORTADORA DE BEBIDAS

LTDA., a qual foi, em seguida, transformada na sociedade anônima fechada GESTORA DE

EMPREENDIMENTOS S/A (com os mesmos números de inscrição no Cadastro Estadual de

Contribuintes e no cadastro fazendário federal – CNPJ/MF).

Então, o capital social dessa GESTORA DE EMPREENDIMENTOS S/A resulta, na maior

parte, da incorporação de imóveis originalmente pertencentes à SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA. e seus sócios. Parte oriunda da transferência feita em favor da

TRANSPORTADORA DE BEBIDAS LTDA.; e outra parte operacionalizada com a inclusão da

referida SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. no quadro de acionistas da

GESTORA DE EMPREENDIMENTOS S/A. Assim, o capital social dessa sociedade anônima foi

aumentado no valor correspondente ao montante escritural dos bens imóveis pertencentes à

SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA., utilizados na incorporação a título de

subscrição, e integralizado ao total das ações correspondentes – conforme deliberação adotada em

assembléia extraordinária realizada em 16 de abril de 2007, levada para registro na Junta Comercial de

um Estado circunvizinho.

Esses fatos subjacentes à “alteração” da estrutura (aparente) do grupo empresarial

resultaram na insolvência (fática e legal5) da pessoa jurídica SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA., haja vista a radical redução do patrimônio social “visível”: pelas alterações

societárias arquivadas em 2007 e 2008, restaram apenas 2,5% (dois e meio por cento) do capital social

consolidado anteriormente, no momento em que a dívida com a Fazenda Pública Estadual importava o

montante de R$ 92.236.270,89 (Noventa e Dois Milhões, Duzentos e Trinta e Seis Mil, Duzentos e

Setenta Reais, Oitenta e Nove Centavos) – referentes às obrigações da matriz e filiais. Ou seja: o

5 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n° 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). Art.

748. Dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor.

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capital social (patrimônio aparente e, em regra, intangível6) que restou na Sociedade Executada passou

a cobrir apenas 0,12% (um duodécimo) de sua dívida tributária desde então constituída.

E na pesquisa sobre a situação empresarial realizada pela PFE percebeu-se a formação de

dois grupos econômicos de fato, de 2002 em diante, a partir da definição da dívida tributária estadual

da SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA.: a) O primeiro, administrado pelo FILHO

1, agrega à SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA.-EPP as seguintes:

DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA.; MICROEMPRESÁRIO 1; X VAREJISTA DE

VESTUÁRIO LTDA.; VAREJISTA DE GLP LTDA. (matriz na Capital e duas filiais em municípios

interioranos); X IMOBILIÁRIA LTDA.; X SERVIÇOS LTDA.; X FACTORING LTDA.; X

OPERADORA TURÍSTICA LTDA.–EPP; COMÉRCIO REPRESENTAÇÕES DE VESTUÁRIO

LTDA. e/ou CONFEITARIA LTDA.; GESTORA DE NEGÓCIOS LTDA.; GESTORA DE

EMPREENDIMENTOS S/A; TRANSPORTADORA Y LTDA. e/ou Y GESTORA EMPRESARIAL

LTDA.; DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS LTDA.-EPP; ATACADISTA DE ÁGUA MINERAL

LTDA.; b) O segundo, sob a gestão do FILHO 3, reúne a respectiva empresa individual

MICROEMPRESÁRIO 2 com: HOTELARIA LTDA., REPRESENTAÇÃO COMERCIAL DE

TELEFONIA LTDA. e COMERCIO E SERVIÇOS DE TELEFONIA LTDA.–ME.

Os integrantes do núcleo familiar, em conjunto ou isoladamente, também participa(ra)m

das seguintes estruturas empresariais: AUTO POSTO (extinta); LAVA A JATO LTDA. (patrimônio

atual de FILHO 2); CONSTRUTORA LTDA. (falida); COMÉRCIO REPRESENTAÇÕES LTDA.

(atualmente integra o patrimônio da ex-esposa de FILHO 1); SOBRENOME DA FAMÍLIA & CIA

LTDA.-EPP (patrimônio do FILHO 2); PATRIARCA-EMPRESA INDIVIDUAL (inativa);

TRANSPORTES E TERRAPLANAGEM LTDA. (vendida a terceiros em 2004).

Neste trabalho não há espaço para a revelação da estrutura completa dos grupos

empresariais mencionados. Mas, é necessário resumir a movimentação societária diretamente

relacionada à empresa-mãe, caracterizada como o maior devedor tributário do Estado de origem.

Desde muito, a existência e operação da SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA

LTDA. foram coligadas à atualmente extinta TRANSPORTADORA DE BEBIDAS LTDA. Esta

segunda sociedade empresarial tinha por objeto de negócio o transporte rodoviário de bebidas, serviço

que era prestado com exclusividade à primeira, mediante a seguinte estrutura societária:

03/12/2002

NOME PARTICIPAÇÃO CAPITAL

MATRIARCA 97,00% R$ 8.730,00

FILHO 1 1,00% R$ 90,00

FILHO 3 1,00% R$ 90,00

FILHA 4 1,00% R$ 90,00

TOTAL 100% R$ 9.000,00

26/02/2007

PATRIARCA (Administrador) 47,50% R$ 4.275,00

MATRIARCA (Administrador) 47,50% R$ 4.275,00

FILHO 1 1,00% R$ 90,00

FILHO 2 1,00% R$ 90,00

FILHA 5 1,00% R$ 90,00

6 Cf. REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial – 1° Volume. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 293: “Já vimos

que o capital social não se confunde com patrimônio social. A sua função precípua é constituir o fundo inicial, o patrimônio

originário, com o qual se tornará viável o início à vida econômica da sociedade. [...] E ainda resta outra função, das mais

importantes, como observa o Prof. Ferrer Correia, qual seja a de o capital constituir uma garantia para terceiros.

"Efetivamente", diz o professor português, "o capital social representa em certos termos uma segurança para os credores da

sociedade: precisamente na medida em que a lei não permite a distribuição pelos sócios de quantias ou valores necessários

para manter intato esse fundo. O capital social é intangível."

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7

FILHO 3 1,00% R$ 90,00

FILHA 4 1,00% R$ 90,00

TOTAL 100% R$ 9.000,00

23/03/2007

MATRIARCA (Administrador) 99,28% R$ 658.302,00

PATRIARCA (Administrador) 0,62% R$ 4.275,00

FILHO 1 0,02% R$ 90,00

FILHO 2 0,02% R$ 90,00

FILHA 5 0,02% R$ 90,00

FILHO 3 0,02% R$ 90,00

FILHA 4 0,02% R$ 90,00

TOTAL 100% R$ 663.027,00

24/04/2007

PATRIARCA (Administrador) 49,975% R$ 658.302,00

MATRIARCA (Administrador) 49,975% R$ 658.302,00

FILHO 1 0,010% R$ 90,00

FILHO 2 0,010% R$ 90,00

FILHA 5 0,010% R$ 90,00

FILHO 3 0,010% R$ 90,00

FILHA 4 0,010% R$ 90,00

TOTAL 100% R$ 1.317.054,00

29/05/2007

PATRIARCA (Administrador) 43,07% R$ 658.302,00

MATRIARCA (Administrador) 43,07% R$ 658.302,00

DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA. 13,81% R$ 211.357,00

FILHO 1 0,01% R$ 90,00

FILHO 2 0,01% R$ 90,00

FILHA 5 0,01% R$ 90,00

FILHO 3 0,01% R$ 90,00

FILHA 4 0,01% R$ 90,00

TOTAL 100% R$ 1.528.411,00

Tabela 3. Contratos sociais de TRANSPORTADORA DE BEBIDAS LTDA.

Ainda em 17/07/2007, a sociedade limitada TRANSPORTADORA DE BEBIDAS LTDA.

foi transformada na sociedade anônima de capital fechado GESTORA DE EMPREENDIMENTOS

S/A (com os mesmos números de inscrições no Cadastro Estadual e CNPJ/MF) nos seguintes moldes:

NOME PARTICIPAÇÃO CAPITAL

PATRIARCA (Administrador) 43,07% R$ 658.302,00

MATRIARCA 43,07% R$ 658.302,00

DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA. 13,81% R$ 211.357,00

FILHO 1 (Administrador) 0,01% R$ 90,00

FILHO 2 0,01% R$ 90,00

FILHO 3 0,01% R$ 90,00

FILHA 5 0,01% R$ 90,00

FILHA 4 0,01% R$ 90,00

TOTAL 100% R$ 1.528.411,00

Tabela 4. Contrato social I de GESTORA DE EMPREENDIMENTOS S/A

Segundo a confissão em juízo dos Executados FILHO 2 e FILHO 3, o capital social da

GESTORA DE EMPREENDIMENTOS S/A foi integralizado, na quase totalidade, pela incorporação

dos bens originalmente pertencentes à SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. e seus

sócios. Parte oriunda da transferência feita em favor da TRANSPORTADORA DE BEBIDAS LTDA. e

a outra parte operacionalizada com a inclusão da própria SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA. no quadro de acionistas da GESTORA DE EMPREENDIMENTOS S/A.

Neste ponto, a PFE trabalhou com a cópia do ajuste societário apresentada em juízo pelos Executados

Confitentes, pois essa sociedade anônima foi registrada na Junta Comercial de um Estado vizinho e

não na Junta local.

Em 2008, a estrutura da GESTORA DE EMPREENDIMENTOS S/A passou a ter a

seguinte composição – confessado anteriormente pelo FILHO 2 que os valores indicados seriam

meramente escriturais:

NOME PARTICIPAÇÃO CAPITAL

PATRIARCA 32,43% R$ 658.302,00

MATRIARCA 32,43% R$ 658.302,00

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SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. 24,70% R$ 501.394,00

DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA. 10,41% R$ 211.357,00

FILHO 1 (Administrador) 0,004% R$ 90,00

FILHO 2 0,004% R$ 90,00

FILHA 5 0,004% R$ 90,00

FILHO 3 0,004% R$ 90,00

FILHA 4 0,004% R$ 90,00

TOTAL 100% R$ 2.029.805,00

Tabela 5. Contrato social II de GESTORA DE EMPREENDIMENTOS S/A

Importante destacar-se que a DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA., em sua

origem e na atualidade, é composta unicamente por dois dos Sócios já mencionados (PATRIARCA e

FILHO 1), os mesmos que assumem a respectiva administração societária. Então, a participação da

DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA. no quadro societário da GESTORA DE

EMPREENDIMENTOS S/A implica aumento de poder societário (nesta segunda) dos dois atuais

administradores da primeira – enquadrando-se no conceito legal de “influência significativa” na gestão

societária, positivado no Art. 243, §§ 4° e 5°, da Lei n° 6.404/19767.

Outrossim, a sociedade anônima fechada, resultante da transformação da extinta

TRANSPORTADORA DE BEBIDAS LTDA., foi instituída para fins genéricos: "O objeto social da

sociedade é o da administração e consultoria imobiliária, administração de bens móveis e imóveis,

próprios ou de terceiros; a participação em empresas como sócia quotista ou mesmo acionista; a

prestação de serviços na área de gerenciamento de bens patrimoniais, a gerência de capitais de

terceiros, fora ou dentro do território nacional” – conforme indicação do ato constitutivo arquivado na

Junta Comercial do Estado limitante.

Ademais, embora todos os acionistas e o acervo imobiliário utilizado na integralização do

capital social estejam domiciliados na Capital do Estado de origem, constatou-se uma inusitada

transferência da sede empresarial para um Estado vizinho. E essa remoção da sede empresarial para

outro território ainda à concomitante à expressa declaração de manutenção do foro jurídico na cidade

original.

Segundo a confissão de FILHO 2 e FILHO 3, a GESTORA DE EMPREENDIMENTOS

S/A não exerce qualquer atividade econômica na realidade, funcionando como estrutura jurídica

voltada à ocultação do patrimônio familiar oriundo da SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA. De fato, a PFE de origem constatou a inocorrência de arrecadação de ICMS

local e, no Estado vizinho – no qual está registrada junto à Junta Comercial do lugar e supostamente

sediada – a GESTORA DE EMPREENDIMENTOS S/A não está inscrita no respectivo cadastro

estadual de contribuintes.

A DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA. é sociedade empresária que vem

sendo usada na movimentação do patrimônio titularizado anteriormente pela SOCIEDADE

ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. Trata-se de empresa pequeno porte que exerce “extração de

outros minerais não-metálicos não especificados anteriormente”, bem como, outras atividades de apoio

a essa primeira – conforme indicação do Cadastro Estadual. Já o registro da atividade empresarial na

Junta Comercial local aponta como objeto social “a prospecção, a pesquisa, a lavra, o beneficiamento e

a comercialização de substâncias minerais (água mineral) em todo o território nacional; atividades de

engarrafamentos de sucos e refrigerantes e fabricação de gelo”, com o capital social de R$ 100.000,00

(Cem Mil Reais). Essa finalidade empresarial muito se aproxima do “comércio atacadista de bebidas”

7 Vide nota 3.

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9

que era exercido mediante a estrutura da SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA.

Ademais, observa-se que a administração da DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA. está

dividida entre o FILHO 1 e o PATRIARCA desde o início da atividade empresarial. Por isso, não causa

surpresa verificar-se a repetição de estratégias utilizadas anteriormente em prejuízo do Fisco Estadual,

como se explica.

A SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. tem em seu favor decisões

judiciais definitivas que lhe excluíram do regime de arrecadação por substituição tributária – a despeito

do julgamento de mérito da ADIN 1851 (efeitos vinculantes erga omnes em sentido contrário8) – e que,

atualmente, fundamentam as alegações dos Executados de direito de compensação com débitos do

ICMS local.

Pois bem. A DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA. interpôs mandado de

segurança (em trâmite em Vara Cível da Capital, privativa dos feitos da Fazenda Pública Estadual), no

qual auferiu decisão liminar que determina sua exclusão do âmbito de aplicação do regramento da

retenção do ICMS devido por substituição tributária (ICMS-ST) relativa às operações no território

estadual com água mineral.

A Secretaria Estadual de Fazenda e os fabricantes/representantes locais de água mineral

acordaram a utilização do preço ao consumidor final sugerido pelo fabricante como base de cálculo do

ICMS-ST – Portaria SRE nº 51/2010, Art. 1°. Contudo, a mencionada liminar determinou a não-

aplicação desse artigo 1º: então, atualmente, o ICMS-ST devido pela DISTRIBUIDORA DE ÁGUA

MINERAL LTDA. deve ser submetido “à regra geral de mensuração da base de cálculo, utilizando os

percentuais de agregação previstos na legislação pertinente” (Art. 2°, da Portaria SRE nº 51/2010) em

razão de ordem mandamental deferida pelo Juízo da Vara privativa dos feitos da Fazenda Pública

Estadual. E esse citado excerto normativo e jurisdicional contém o mesmo embrião da ultrapassada

discussão acerca da (in)constitucionalidade da base de cálculo presumida utilizada para a arrecadação

do ICMS-ST.

Relembre-se a repisada argumentação da SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA. acerca da inconveniência de adotar o preço ao consumidor final sugerido

pelo fabricante da bebida, porquanto seria parâmetro muito distante do preço real praticado na

realidade comercial. Por isso, requeria que a base do cálculo do ICMS-ST fosse fixada com

observância das intercorrências da cadeia econômica e medição/especificação de perdas que

diminuiriam o valor a ser considerado para a estipulação da base de cálculo e subsequente definição do

crédito tributário. Estes litígios acerca da base de cálculo do ICMS-ST repercutem até hoje na relação

tributária dessa Sociedade Executada com o Fisco local, como pode ser visto especialmente na

execução fiscal referente ao crédito tributário de maior valor em cobrança judicial atualmente.

Essa digressão acerca do mandado de segurança em trâmite na Vara privativa da Fazenda

Pública Estadual fez-se necessária para se demonstrar a utilização da estrutura societária da

8 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1851 / AL - ALAGOAS AÇÃO DIRETA

DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO Julgamento: 08/05/2002 Órgão Julgador: Tribunal

Pleno Publicação DJ 22-11-2002 PP-00055 EMENT VOL-02092-01 PP-00139 REPUBLICAÇÃO: DJ 13-12-2002 PP-

00060: “[...] A EC n.º 03/93, ao introduzir no art. 150 da CF/88 o § 7.º, aperfeiçoou o instituto, já previsto em nosso sistema

jurídico-tributário, ao delinear a figura do fato gerador presumido e ao estabelecer a garantia de reembolso preferencial e

imediato do tributo pago quando não verificado o mesmo fato a final. A circunstância de ser presumido o fato gerador não

constitui óbice à exigência antecipada do tributo, dado tratar-se de sistema instituído pela própria Constituição, encontrando-

se regulamentado por lei complementar que, para definir-lhe a base de cálculo, se valeu de critério de estimativa que a

aproxima o mais possível da realidade. [...]”

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DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA. como continuação fática da SOCIEDADE

ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA.

Outrossim, a estrutura societária desta DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA.

foi alterada na última década diversas vezes:

16/08/2002

NOME PARTICIPAÇÃO CAPITAL

FILHO 1 (Administrador) 50,00% R$ 50.000,00

PATRIARCA (Administrador) 50,00% R$ 50.000,00

TOTAL 100% R$ 100.000,00

FILHO 1 (Administrador) 55,00% R$ 55.000,00

PATRIARCA (Administrador) 45,00% R$ 45.000,00

TOTAL 100% R$ 100.000,00

14/02/2012

FILHO 1 (Administrador) 91,41% R$ 478.912,00

PATRIARCA (Administrador) 8,59% R$ 45.000,00

TOTAL 100% R$ 523.912,00

Tabela 6. Contratos sociais de DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA.

Nesse último registro, avulta a quintuplicação do capital social, mediante integralização

pelo FILHO 1.

Outro fato importante neste enredo diz com a ora Requerida GESTORA DE NEGÓCIOS

LTDA., a qual não está inscrita como contribuinte estadual. Esta sociedade empresária foi constituída

em 18/04/2007, adotando como objeto social o também genérico “atividades de consultoria em gestão

empresarial” e tendo adotado as seguintes composições:

NOME PARTICIPAÇÃO CAPITAL

FILHO 1 98,00% R$ 9.800,00

NETO 3 1,00% R$ 100,00

NETA 4 1,00% R$ 100,00

TOTAL 100% R$ 10.000,00

2007

FILHO 1 81,26% R$ 917.247,00

DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA. 18,72% R$ 211.357,00

NETO 3 0,01% R$ 100,00

NETA 4 0,01% R$ 100,00

TOTAL 100% R$ 1.128.804,00

2007

FILHO 1 99,96% R$ 1.128.404,00

NETO 1 0,01% R$ 100,00

NETO 2 0,01% R$ 100,00

NETO 3 0,01% R$ 100,00

NETA 4 0,01% R$ 100,00

TOTAL 100% R$ 1.128.804,00

Tabela 7. Contratos sociais I a III de GESTORA DE NEGÓCIOS LTDA.

No mesmo ano da formação empresarial, pela via da primeira alteração contratual,

operaram-se duas modificações: 1) a DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA. ingressou no

quadro de sócios; 2) o capital social foi elevado (de Dez Mil Reais) para R$ 1.128.804,00 (Hum

Milhão, Cento e Vinte e Oito Mil, Oitocentos e Quatro Reais). Esse aumento de capital foi assim

integralizado: a) R$ 907.447,00 (Novecentos e Sete Mil, Quatrocentos e Quarenta e Sete Reais pelo

Sócio FILHO 1; b) R$ 211.357,00 (Duzentos e Onze Mil, Trezentos e Cinquenta e Sete Reais) pela

DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA. , mediante a incorporação de 50% (cinquenta por

cento) de seu acervo imobiliário.

Logo em seguida, o arranjo societário foi novamente modificado. Saiu a

DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA. e entraram NETO 1 e NETO 2. Ademais, sem que

se veja registro de correspondente alteração na estrutura societária da DISTRIBUIDORA DE ÁGUA

MINERAL LTDA., seu Sócio FILHO 1 assumiu as respectivas cotas sociais na GESTORA DE

NEGÓCIOS LTDA.

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Neste ponto importa esclarecer que NETO 3 e NETA 4 são descendentes em primeiro grau

(filhos menores de idade) do FILHO 1, o qual os representa em atos da vida civil e, consequentemente,

na gestão de sociedade de que participem: também aqui, insta retomar-se o conceito jurídico de

“influência significativa” na gestão societária de pessoa jurídica integrante de grupo empresarial9. E

essa GESTORA DE NEGÓCIOS LTDA. teve seu capital social dobrado na única alteração societária

registrada na Junta Comercial local, em 01/02/2011, a qual especifica a administração societária pelo já

mencionado FILHO 1:

NOME PARTICIPAÇÃO CAPITAL

FILHO 1 (Administrador) 99,96% R$ 2.152.426,00

NETO 1 0,01% R$ 100,00

NETO 2 0,01% R$ 100,00

NETO 3 0,01% R$ 100,00

NETA 4 0,01% R$ 100,00

TOTAL 100% R$ 2.152.826,00

Tabela 8. Contrato social IV GESTORA DE NEGÓCIOS LTDA.

Outra pessoa jurídica que deve ser destacada no grupo econômico é a

TRANSPORTADORA Y LTDA. Na alteração registrada na Junta Comercial local em 22/10/2007, a

Sociedade adotou a denominação Y GESTORA EMPRESARIAL LTDA. e mudou seu objeto social

para “serviços de gerenciamento de interesses societários”. Ao longo do tempo, assumiu as seguintes

estruturas:

05/01/1988

NOME PARTICIPAÇÃO CAPITAL

FILHO 1 (Gerente) 25,00% Cz$ 50.000,00

FILHO 2 (Gerente) 25,00% Cz$ 50.000,00

FILHO 3 (Gerente) 25,00% Cz$ 50.000,00

PATRIARCA (Gerente) 25,00% Cz$ 50.000,00

TOTAL 100% Cz$ 200.000,00

01/02/1995

FILHO 1 (Gerente) 25,00% R$ 12.727,28

FILHO 2 (Gerente) 25,00% R$ 12.727,28

PATRIARCA (Gerente) 25,00% R$12.727,28

FILHO 3 (Gerente) 20,25% R$ 10.309,10

TRANSPORTADORA DE BEBIDAS LTDA. 4,75% R$ 2.418,18

TOTAL 100% R$ 50.909,12

14/12/1995

MATRIARCA 50,00% R$ 4.500,00

FILHO 1 (Gerente) 25,00% R$ 2.250,00

FILHO 2 (Gerente) 25,00% R$ 2.250,00

FILHO 3 (Gerente) 25,00% R$ 2.250,00

TOTAL 100% R$ 9.000,00

04/11/2002

MATRIARCA 50,00% R$ 4.500,00

FILHO 1 (Administrador) 25,00% R$ 2.250,00

FILHO 3 (Administrador) 25,00% R$ 2.250,00

TOTAL 100% R$ 9.000,00

22/12/2006

MATRIARCA 50,00% R$ 4.500,00

FILHO 1 (Administrador) 25,00% R$ 2.250,00

FILHO 3 (Administrador) 25,00% R$ 2.250,00

TOTAL 100% R$ 9.000,00

22/10/2007

FILHO 1 (Administrador) 99,00% R$ 8.910,00

EMPREGADO DE FILHO 1 1,00% R$ 90,00

TOTAL 100% R$ 9.000,00

17/08/2009

FILHO 1 (Administrador) 99,90% R$ 857.810,00

EMPREGADO DE FILHO 1 0,10% R$ 858,00

TOTAL 100% R$ 858.668,00

Tabela 9. Atos societários da TRANSPORTADORA Y LTDA e/ou Y GESTORA EMPRESARIAL LTDA.

Importante destacar-se que essa Y GESTORA EMPRESARIAL LTDA. já atua na defesa

do patrimônio relacionado à Executada SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA.,

9 Vide nota 3.

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12

mediante o comparecimento espontâneo em juízo na interposição dos embargos à execução fiscal de

maior valor.

Para finalizar o resumo sobre o esquema empresarial desvelado, importa destacar-se o

subgrupo de empresas formado entre 2002 e 200410, tendo FILHO 1 na função de administrador – X

IMOBILIÁRIA LTDA.; X SERVIÇOS LTDA.; X FACTORING LTDA.; X OPERADORA

TURÍSTICA LTDA.–EPP. Já a DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS LTDA.-EPP e a ATACADISTA DE

ÁGUA MINERAL LTDA. foram constituídas, respectivamente, em 2006 e 2008 e são administradas

por NETO 1 e NETO 2, os quais são filhos (maiores) de FILHO 1.

1.2. Situação processual do crédito tributário. Problemas

Apesar de essa movimentação societária ser desconhecida pela PFE de origem até março

de 2012 (quando foi desvelado o quadro empresarial em sua amplitude), o Juízo das Execuções Fiscais

da Capital já tinha determinado a penhora de bens imóveis que, formalmente, são da titularidade de

pessoas jurídicas e físicas que não integravam os pólos passivos das execuções fiscais ajuizadas em

face da SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA., nos seguintes termos:

“Da análise dos documentos colacionados aos autos pelo requerente, verifico que as pessoas

jurídicas e físicas supracitadas integralizam direta e/ou indiretamente o quadro societário da

empresa SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA, sendo admissível, a

princípio, a apuração da responsabilidade tributária. Entendo que ao contexto apresentado é

possível a aplicação do art. 132 do Código Tributário Nacional, uma vez que as empresas

TRANSPORTADORA DE BEBIDAS LTDA, GESTORA DE EMPREENDIMENTOS S.A,

DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA e GESTORA DE NEGÓCIOS LTDA

foram constituídas com o patrimônio da empresa SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA, verificando-se, ainda, a continuação da exploração da atividade por

seus sócios fundadores.

Por outro ângulo, é igualmente aplicável o art. 135 do CTN que dispõe sobre a

responsabilidade pessoal dos sócios gestores pelos créditos correspondentes a obrigações

tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato

social ou estatutos. Sendo assim, conforme a documentação juntada que demonstra a figuração

das pessoas físicas nas pessoas jurídicas indicadas, cabível a responsabilização pessoal destas.

Isto posto, determino a penhora de todos os bens indicados às fls. 45/105.”

Observa-se que essa ordem judicial determinou a constrição de imóveis alegadamente

pertencentes a terceiros sem ampliar o pólo passivo da execução fiscal de maior valor, o qual era(é)

formado pela SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA., PATRIARCA, MATRIARCA,

FILHO 1, FILHO 2, FILHO 3 e FILHA 4.

A ordem de penhora demorou a ser cumprida e um dos imóveis foi vendido em agosto de

2011 e novamente em outubro de 2011. A juntada nos autos do termo de penhora dos imóveis situados

na Capital de origem está datada de 2010, mas até a presente data não há resposta dos Cartórios de

Registro de Imóveis sobre a averbação do ato nas respectivas matrículas. Também não foram ainda

registradas as penhoras dos imóveis situados em municípios interioranos.

Quando se constata o valor do débito tributário da SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA. com a Fazenda Estadual é impossível saber se o patrimônio imobiliário

relacionado é suficiente para garantia do montante em execução. Ademais, essa Sociedade é também

devedora da Fazenda Nacional, a qual tem a preferência no recebimento de seus créditos em face da

10 A X VAREJISTA DE VESTUÁRIO LTDA. fora constituída em 1995 e se encontra atualmente em aparente inatividade,

mas sem dissolução formal.

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Fazenda Estadual, por força do Código Tributário Nacional (CTN)11.

Visto que, na maioria das execuções fiscais, a Sociedade Executada não fora localizada

para ser citada ou não houve penhora, especialmente em razão de manobras dos sócios e

administradores para obstar a realização da citação, entendeu-se necessário a propositura de medida

cautelar fiscal.

Outro problema enfrentado pela PFE de origem foi a definição do pólo passivo da ação

cautelar: revelada a existência de um grupo econômico de fato, a pretensão cautelar deve ser ajuizada

em face de todas as pessoas jurídicas e físicas que dele participam? Devem ser apontados como

Requeridas as pessoas jurídicas constituídas em data posterior aos fatos geradores do crédito tributário

que se busca garantir? E os sócios cotistas que nunca exerceram a gestão societária, mas que podem

aparecer como proprietário de bens desviados do patrimônio social que garantiria a execução fiscal? E

as pessoas (jurídicas ou físicas) que posteriormente adquiriram participações societárias ou bens

daqueles diretamente relacionados com os fatos geradores da obrigação tributária, em circunstância tal

que é impossível estabelecer-se um liame entre a obrigação original e a gestão atual do patrimônio?

As soluções adotadas no caso relatado para essas questões são detalhadas a seguir.

2. A medida cautelar fiscal

A ação cautelar fiscal é um instrumento processual disciplinado pela Lei n° 8.397, de 6 de

janeiro de 1992, de manejo exclusivo12 das Procuradorias Fazendárias relacionadas à dívida ativa

(tributária e não-tributária13).

Em regra, o procedimento cautelar fiscal pode ser instaurado em qualquer época posterior

à constituição do crédito (Art. 1°, caput, da Lei n° 8.397/1992). Neste ponto, as questões

(doutrinárias)14 acerca do instante em que se dá a constituição do crédito tributário são transpostas à

definição do marco inicial para a propositura da cautelar fiscal. “Por orientação jurisprudencial, este

momento [da constituição do crédito] é fixado quando da lavratura do auto de infração comunicado ao

11 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional). Art. 187. A

cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial,

concordata, inventário ou arrolamento. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005) Parágrafo único. O concurso de preferência

somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem: I - União; II - Estados, Distrito Federal e

Territórios, conjuntamente e pró rata; III - Municípios, conjuntamente e pró rata.

12 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n° 8.397, de 6 de janeiro de 1992. Art. 6° A Fazenda Pública pleiteará

a medida cautelar fiscal em petição devidamente fundamentada, que indicará: ... omissis

13 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n° 8.397, de 1992. Art. 2° A medida cautelar fiscal poderá ser requerida

contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário, quando o devedor: ... omissis

14 WITZEL, Wilson José. Medida Cautelar Fiscal. Dissertação (Mestrado) – Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas

da Universidade Federal do Espírito Santo – Programa de Pós-Graduação de Direito Processual. Vitória, 2010, p. 50-51.

Disponível em <http://www.ccje.ufes.br/direito/posstrictosensumestrado/Links/ dissertacaowilsonwitzel.pdf> Acesso em 18

de março de 2012:“A Lei que criou a Medida Cautelar Fiscal em seu art. 3º faz referência à prova literal da constituição do

crédito como requisito para sua concessão, isto foi o bastante para acender calorosa discussão sobre o alcance deste

dispositivo, principalmente pelo fato de que no direito tributário não há uma convergência de opiniões sobre o momento em

que se encontra constituído o crédito tributário. Para alguns este momento se dá com a decisão definitiva sobre o crédito

fiscal na esfera administrativa, após o transcurso de todo o processo administrativo. Para outros, a partir do fato gerador o

crédito tributário já está constituído, não definitivamente, mas já nasce para o ente fazendário o direito de efetivar o

lançamento em uma das modalidades permitidas e assim está preenchido o principal requisito para a utilização da medida

cautelar fiscal, o fumus boni juris, evidentemente que aliado aos demais requisitos autorizativos. Este talvez seja o ponto

fundamental para sua utilidade, que não pode ser olhado somente sob o prisma do direito material tributário, mas

principalmente sob o enfoque da teoria geral do processo cautelar, de onde não se pode distanciar, pois dele retira sua

essência. Valendo lembrar que um processo administrativo fiscal pode demorar anos até sua solução definitiva”.

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14

contribuinte”15. Dessa forma, a regra geral (reforçada pela interpretação jurisprudencial) indica que a

medida cautelar fiscal pode ser ajuizada após a intimação do sujeito passivo sobre o lançamento

tributário.

O requerimento da medida cautelar independe da prévia constituição do crédito tributário,

quando há provas que o obrigado põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros ou aliena bens ou

direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando exigível

em virtude de lei – Art. 1°, Parágrafo único, da Lei da Medida Cautelar Fiscal.

A medida cautelar fiscal tem por objetivo gravar patrimônio de obrigado tributário com

cláusula de indisponibilidade, de modo a impedir alienação de tais bens. Trata-se, portanto, de pleitear

ordem judicial para justapor cláusula de indisponibilidade sobre o acervo patrimonial das pessoas

requeridas. Assim é que os bens móveis indisponibilizados passam a não mais admitir tradição e os

imóveis não podem ter seu registro imobiliário alterado para mudança de titularidade.

Sabe-se que essa imutabilidade no domínio patrimonial não ocorre pela penhora

decorrente de execução fiscal. Por isso, importa distinguir entre a aposição de cláusula de

indisponibilidade dos bens e a imprescindível penhora a ser materializada nos autos das execuções

fiscais relacionadas à circunstância.

O objeto do pedido de indisponibilização (na medida cautelar fiscal) vai afetar apenas um

dos atributos relacionados com a propriedade: a faculdade de dispor do bem sob sua titularidade, nos

termos da Lei Civil16. Portanto, a pretensão formatada em medida cautelar fiscal permite o uso e o

gozo dos bens, mas impede a parte requerida de movimentar o patrimônio em foco, obstando venda,

doação, troca, cessão e qualquer outros negócios ou formatos jurídicos, gratuito ou oneroso, que resulte

mudança da titularidade dos respectivos bens móveis e imóveis – até que sejam pagos (ou

definitivamente extintos) os créditos tributários em execução17. Diferentemente, “a penhora é o ato

executivo que afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação, e torna os atos

de disposição do seu proprietário ineficazes em face do processo”18.

Nesse contexto, após decisão (liminar, principalmente) na medida cautelar fiscal, a

cláusula de indisponibilidade deve gravar bens suficientes19 para a garantia do crédito tributário

relacionado, a qual se efetua mediante a penhora que seja ordenada e efetuada nos autos de execução

fiscal. Disso decorre um critério importante para o aviamento de ação cautelar fiscal posterior ao

ajuizamento da cobrança, que é a inexistência de penhora na execução fiscal relacionada. Mesmo na

circunstância em que a penhora mostra-se insuficiente para garantir o crédito em execução, boa parte

15 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo REsp 466723 / RS RECURSO

ESPECIAL 2002/0110392-8 Relator(a) Ministra DENISE ARRUDA (1126) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA

Data do Julgamento 06/06/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 22/06/2006 p. 178.

16 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Art. 1.228. O

proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente

a possua ou detenha. ... omissis.

17 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n° 8.397, de 1992. Art. 11. Quando a medida cautelar fiscal for

concedida em procedimento preparatório, deverá a Fazenda Pública propor a execução judicial da Dívida Ativa no prazo de

sessenta dias, contados da data em que a exigência se tornar irrecorrível na esfera administrativa. Art. 12. A medida cautelar

fiscal conserva a sua eficácia no prazo do artigo antecedente e na pendência do processo de execução judicial da Dívida

Ativa, mas pode, a qualquer tempo, ser revogada ou modificada. Parágrafo único. Salvo decisão em contrário, a medida

cautelar fiscal conservará sua eficácia durante o período de suspensão do crédito tributário ou não tributário. (grifo nosso)

18 ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 6ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000,

p. 523.

19 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n° 8.397, de 1992. Art. 4° A decretação da medida cautelar fiscal

produzirá, de imediato, a indisponibilidade dos bens do requerido, até o limite da satisfação da obrigação. ... omissis

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15

da jurisprudência indica que a Fazenda Pública deve requerer o reforço20 da penhora (ato executivo),

faltando-lhe o interesse de agir para a pretensão meramente cautelar em tal circunstância21.

As medidas cautelares são requeridas ao juiz da causa e, quando preparatórias, ao juiz

competente para conhecer da ação principal (Art. 800, do Código de Processo Civil). Assim, nas

comarcas em que existam varas privativas para a execução fiscal, a essas caberá conhecer de medida

cautelar fiscal – mesmo quando se tratar de interposição anterior ao ajuizamento da execução que será

caracterizada como ação principal. Também por isso, os autos da medida cautelar fiscal devem ser

apensados aos autos da execução fiscal relacionada – Art. 14 da Lei n° 8.397/1992. Quando a medida

cautelar fiscal for manejada em procedimento preparatório, a execução fiscal correspondente deve ser

ajuizada no prazo de sessenta dias, contados da data em que a exigência se tornar irrecorrível na esfera

administrativa (Art. 11, da Lei da Medida Cautelar Fiscal).

A petição inicial de ação cautelar fiscal deve explicitar os requisitos exigidos para a

espécie22. A caracterização do periculum in mora e do fumus boni juris está diretamente relacionada

com as circunstâncias de cada caso23, mas, deve se enquadrar nas indicações da Lei n° 8.397/1992:

Art. 2° A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo de crédito

tributário ou não tributário, quando o devedor: (Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)

I - sem domicílio certo, intenta ausentar-se ou alienar bens que possui ou deixa de pagar a

obrigação no prazo fixado;

II - tendo domicílio certo, ausenta-se ou tenta se ausentar, visando a elidir o adimplemento da

obrigação;

III - caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens; (Redação dada pela Lei nº 9.532, de

1997)

IV - contrai ou tenta contrair dívidas que comprometam a liquidez do seu patrimônio;

(Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)

V - notificado pela Fazenda Pública para que proceda ao recolhimento do crédito fiscal:

(Redação dada pela Lei nº 9.532, de 1997)

a) deixa de pagá-lo no prazo legal, salvo se suspensa sua exigibilidade; (Incluída pela Lei nº

9.532, de 1997)

b) põe ou tenta por seus bens em nome de terceiros; (Incluída pela Lei nº 9.532, de 1997)

VI - possui débitos, inscritos ou não em Dívida Ativa, que somados ultrapassem trinta por

cento do seu patrimônio conhecido; (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997) VII - aliena bens ou

direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda Pública competente, quando

20 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n° 6.830, de 22 de setembro de 1980. Art. 15 - Em qualquer fase do

processo, será deferida pelo Juiz: I - ao executado, a substituição da penhora por depósito em dinheiro ou fiança bancária; e

II - à Fazenda Pública, a substituição dos bens penhorados por outros, independentemente da ordem enumerada no artigo 11,

bem como o reforço da penhora insuficiente. (Grifo nosso)

21 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Processo AC 200251015095715

AC - APELAÇÃO CIVEL - 351834 Relator(a) Desembargador Federal LUIZ ANTONIO SOARES Sigla do órgão TRF2

Órgão julgador QUARTA TURMA ESPECIALIZADA Data da Decisão 12/06/2007 Data da Publicação 02/07/2007 Fonte

DJU - Data: 02/07/2007 - Página: 148. Ementa MEDIDA CAUTELAR FISCAL INCIDENTAL. EXECUÇÃO FISCAL NA

FASE DE PENHORA DOS BENS. AUSÊNCIA DE INTERESSE. 1. Estando em curso a execução fiscal, já na fase de

penhora, não possui a Fazenda interesse na propositura de nova ação fiscal, de natureza cautelar, dado que lhe é possível

pleitear, desde já, a penhora dos veículos indicados, para posterior satisfação de seu crédito. 2. Apelação provida.

22 Em sentido oposto, vê-se a doutrina de Procurador Fazendário que entende desnecessária a demonstração específica dos

requisitos exigidos para a concessão da cautela. Cf. MEDEIROS JUNIOR, Mauro Evaristo. Aplicação prática da medida

cautelar fiscal. In Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3267, 11 jun. 2012. Disponível em:

<http://jus.com.br/revista/texto/21965>. Acesso em: 19 jul. 2012: “No tipo de ação cautelar da qual aqui se trata, à luz da

existência de regramento específico e próprio, despicienda qualquer demonstração, em separado, dos requisitos genéricos

das ações cautelares − fumus boni iuris e periculum in mora −, eis que já devem ser tidos como atendidos apenas pela

demonstração das situações fáticas que constam dos requisitos exigidos para propositura da ação prevista na Lei 8.397/1992,

que autoriza as providências cautelares naquelas hipóteses que específica. [...] De todo modo, o fumus boni iuris emerge de

toda a fundamentação trazida na ação, ao passo que o periculum in mora restará evidente ao se comprovar que, se

permanecerem os bens do devedor livres e desembaraçados, estes poderão ser transferidos, a qualquer título, inclusive a

terceiros de boa-fé, inviabilizando a quitação do crédito público.”

23 No espaço delimitado pelo Regimento Interno do Congresso, não é possível analisar-se detalhadamente todos os

pressupostos indicados em lei para a interposição da medida cautelar fiscal. No tópico seguinte, serão vistos apenas aqueles

relacionados com o caso estudado.

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exigível em virtude de lei; (Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)

VIII - tem sua inscrição no cadastro de contribuintes declarada inapta, pelo órgão fazendário;

(Incluído pela Lei nº 9.532, de 1997)

IX - pratica outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito. (Incluído pela Lei

nº 9.532, de 1997)

3. A ação cautelar fiscal interposta em face de grupo econômico de fato

No caso aqui estudado, a PFE de origem ajuizou a medida cautelar fiscal explicitando no

tópico DOS FATOS as alterações estruturais das pessoas jurídicas no período relacionado com os fatos

geradores da dívida tributária em execução, registradas nas Juntas Comerciais local e de Estado

circunvizinho, juntando cópias de todas as alterações de contratos societários nelas arquivadas24. A

intensa movimentação das pessoas físicas nos quadros sociais referenciados foi apresentada em tabelas,

para facilitar a demonstração da relação umbilical entre os sócios originários (gerentes e/ou

administradores) da Executada SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. com as outras

sociedades, então apontadas como Requeridas.

Ademais, a exposição inicial tratou de caracterizar os seguintes fatos com repercussão no

âmbito tributário:

a) Dilapidação/ocultação patrimonial e insolvência da Executada SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA. implicando dissolução irregular de sociedade limitada25;

b) Continuação da atividade empresarial da Executada SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA. por intermédio de outras pessoas jurídicas, mediante: 1°) o exercício do

comércio de bebidas pelos MICROEMPRESÁRIO 1 e 2, bem como, pelas Sociedades

DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA., DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS LTDA.-EPP,

ATACADISTA DE ÁGUA MINERAL LTDA; 2°) o comércio varejista de gás liquefeito de petróleo

(GLP) pela VAREJISTA DE GLP LTDA.; 3°) comércio especializado em produtos não especificados

anteriormente: objeto social da Executada SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA.

que, na atualidade, continua sendo exercido mediante as estruturas empresariais das Requeridas X

SERVIÇOS LTDA., X VAREJISTA DE VESTUÁRIO LTDA. e/ou COMERCIANTE VAREJISTA DE

VESTUÁRIO LTDA., REPRESENTAÇÃO COMERCIAL DE TELEFONIA LTDA. e COMÉRCIO E

SERVIÇOS DE TELEFONIA LTDA. ME.

Este capítulo da peça inaugural da medida cautelar fiscal trata da continuidade da atividade empresarial

por outras sociedades, com vistas à caracterização da responsabilidade tributária por sucessão26. Além

24 Cf. CANDEIA, Rodinei. Da cautelar fiscal contra grupo econômico in Revista da Procuradoria-Geral do Estado do

Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PGE, v. 32, n. 68, jul./dez. 2011, p. 132, disponível em

<http:/www.pge.gov.rs/upload/revista_pge_68.pdf> Acesso em 19 de julho de 2012: “É preciso, portanto, ficar demonstrado

que as pessoas físicas e jurídicas estabeleceram um método planejado e organizado de sonegação tributária, sem qualquer

compromisso com a sociedade, agindo de forma coordenada como Grupo Econômico, para o não pagamento dos tributos

incidentes sobre os negócios jurídicos que praticaram e que praticariam, sendo que nas execuções fiscais ajuizadas ou a

serem ajuizadas não há garantia de que existem bens suficientes ao pagamento dos débitos.”

25 Cf. REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo REsp 45366 / SP RECURSO

ESPECIAL 1994/0007341-0 Relator(a) Ministro ARI PARGENDLER (1104) Órgão Julgador T3 - TERCEIRA TURMA

Data do Julgamento 25/05/1999 Data da Publicação/Fonte DJ 28/06/1999 p. 101 JSTJ vol. 9 p. 189 RSTJ vol. 122 p. 224:

“A jurisprudência tem identificado como ato contrário à lei, caracterizador da responsabilidade pessoal do sócio-gerente, a

dissolução irregular da sociedade, porque a presunção aí é a de que os bens foram distribuídos em benefício dos sócios ou de

terceiros, num e noutro caso em detrimento dos credores; não se cogita, todavia, dessa responsabilidade, se a sociedade foi

dissolvida regularmente, por efeito de insolvência civil processada nos termos da lei.”

26 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Código Tributário Nacional. Art. 132. A pessoa jurídica de direito privado que

resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra ou em outra é responsável pelos tributos devidos até a data do ato

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de continuarem explorando o mesmo objeto social, em todas estas empresas indicadas nesse ponto,

pode ser vista a atuação administrativa de pessoa física que integra(va) a estrutura societária da

SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA;

c) Administração atual do patrimônio oriundo da Executada SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA., em razão da movimentação econômica efetuada por seus respectivos

Sócios. Aqui, tratou-se de expor a relação com o patrimônio original das seguintes pessoas: c.1) X

IMOBILIÁRIA LTDA., que foi constituída em 2002, por dois dos Sócios-gerentes da Executada

SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. Importante mencionar que essa X

IMOBILIÁRIA LTDA. já reconheceu seu interesse na defesa do patrimônio da SOCIEDADE

ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA., mediante o comparecimento espontâneo em juízo na

interposição dos embargos à execução fiscal; c.2) TRANSPORTADORA Y LTDA., transformada. em

22/10/2007, na Y GESTORA EMPRESARIAL LTDA. com mudança do objeto social para “serviços

de gerenciamento de interesses societários”. Também essa compareceu espontaneamente em juízo na

interposição dos embargos à execução fiscal; c.3) a Requerida X FACTORING LTDA. iniciou suas

atividades em 2002, mas até a presente data não se inscreveu no Cadastro de Contribuintes do Estado.

Além da constante presença do Requerido-Executado FILHO 1 na respectiva administração

empresarial, observa-se que as várias alterações contratuais dessa X FACTORING LTDA. são

concomitantes àquelas efetuadas na X SERVIÇOS LTDA. Disso se conclui, facilmente, que a

alternância na administração dessas empresas “gêmeas siamesas” busca dificultar a identificação do

responsável pelas obrigações tributárias derivadas de suas operações; c.4) O grupo de empresas

atualmente administrado pelo Requerido-Executado FILHO 1 conta, ainda, com a X OPERADORA

TURÍSTICA LTDA. – EPP, a qual também não está inscrita como contribuinte estadual; c.5) As

pessoas físicas que exerceram gerência/administração da Executada SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA. também movimenta(ra)m a HOTELARIA LTDA. A partir de 2008,

observa-se a atuação administrativa de NETO SOBRINHO OU HOMÔNIMO (sempre ladeando o

Requerido-Executado MICROEMPRESÁRIO 2); c.6) Uma parte do patrimônio em foco pode ainda

ser encontrada sob a titularidade de HOTEL LTDA. Trata-se de pessoa jurídica inativa que, apesar

disso, mantém inscrições nos cadastros fazendários, tendo as seguintes pessoas como seus

administradores: PATRIARCA; FILHO 1; FILHO 2; FILHO 3 e FILHA 4.

3.1. Do periculum in mora

No caso em destaque, o periculum in mora é constatado à vista do montante da dívida,

aliado à transferência do patrimônio empresarial pelos Requeridos, após a constituição definitiva do

crédito e, até mesmo, no curso de execução fiscal – assim caracterizando a fraude à execução27.

pelas pessoas jurídicas de direito privado fusionadas, transformadas ou incorporadas. Parágrafo único. O disposto neste

artigo aplica-se aos casos de extinção de pessoas jurídicas de direito privado, quando a exploração da respectiva atividade

seja continuada por qualquer sócio remanescente, ou seu espólio, sob a mesma ou outra razão social, ou sob firma individual.

Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou

estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social

ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até a

data do ato: I - integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade; II - subsidiariamente

com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova

atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.

27 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Código Tributário Nacional. Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou

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Como dito e demonstrado documentalmente, o juízo executivo encontra(va)-se sem

penhora mesmo depois de já transcorridos três ou quatro anos da interposição das execuções fiscais

relacionadas.

E como a Sociedade Executada é devedora também da Fazenda Nacional, a Fazenda

Pública Estadual se vê na iminência de não receber qualquer pagamento em decorrência da ordem de

preferência estabelecida àquela pelo Código Tributário Nacional (Art. 18728).

No caso em tela, ainda é preciso ter em vista que a Sociedade Requerida-Executada

aparece como o maior devedor (tributário) do Erário Estadual, que há muito se evade do cumprimento

de suas obrigações fiscais. Ademais, alguns dos Requeridos já confessaram em juízo as manobras

efetivadas no âmbito societário para bloquearem a satisfação da dívida.

Todo esse conjunto de irregularidades na condução da atividade empresarial, acrescido do

evidente descumprimento das obrigações tributárias no período (comprovado pela juntada de relatório

de arrecadação) em cotejo com a dívida tributária sob sua responsabilidade, fundamenta(ra)m o pedido

para a imediata indisponibilidade dos bens dos Requeridos com vistas a resguardar a possibilidade de

satisfação dos direitos fazendários.

Nesse quadro, exsurge o perigo da demora suficiente à concessão da ordem inaudita altera

pars29 para a indisponibilização do patrimônio dos Requeridos.

3.2. Do fumus boni juris

O fumus boni juris, no contexto descrito, referencia as irregularidades na gestão

empresarial, a partir do rol dos ilícitos ensejadores da indisponibilidade dos bens dos Requeridos

positivado no Art. 2°, da Lei da Medida Cautelar Fiscal. No caso estudado, tratou-se dos seguintes:

3.2.1. Alienação de bens no curso de insolvência da Sociedade Executada

Os requisitos positivados no Art. 2°, III, VI, da Lei n° 8.397/1992, expõem critério

objetivo porquanto é suficiente cotejar o montante da dívida do contribuinte executado com o

patrimônio social conhecido. Quando o débito ultrapassa o limite legal de endividamento (trinta por

cento do patrimônio), entende-se fundamentada a alegação de insolvência da pessoa executada.

No caso estudado, os fatos subjacentes à “alteração” do arranjo empresarial –

especialmente, a transferência de bens imóveis para outrem e a redução do capital societário –

resultaram na insolvência da pessoa jurídica SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA.,

haja vista a radical redução do patrimônio social: o patrimônio então conhecido da Sociedade

Executada (o capital social!) passou a cobrir apenas 0,12% (um duodécimo) de sua dívida tributária já

constituída à época.

O parâmetro para a especificação do patrimônio social conhecido foi o próprio capital

oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário

regularmente inscrito como dívida ativa.(Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005) Parágrafo único. O disposto neste artigo

não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida

inscrita. (Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)

28 Vide nota 11.

29 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n° 8.397, de 1992. Art. 7° O Juiz concederá liminarmente a medida

cautelar fiscal, dispensada a Fazenda Pública de justificação prévia e de prestação de caução. ... omissis

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social registrado após a reestruturação da Executada SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA

LTDA. – R$ 110.000,00 (Cento e Dez Mil Reais) – principalmente, em razão da confissão dos dois

Sócios acerca da ocultação patrimonial engendrada pelo núcleo familiar.

3.2.2. Transferência de bens da Sociedade Executada após a notificação sobre a constituição do

crédito tributário

Trata-se do ilícito positivado no Art. 2°, V, b, da Lei n° 8.397/1992. Como visto

anteriormente, as alterações no grupo empresarial se acentuam a partir de 2002, quando se iniciam as

transferências de bens da Executada SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. para a

DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA., a TRANSPORTADORA DE BEBIDAS LTDA.

e/ou GESTORA DE EMPREENDIMENTOS S/A, as sociedades denominadas X, a

TRANSPORTADORA Y LTDA. etc. Relembre-se que esse “esvaziamento” patrimonial da Executada

SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. somente foi registrado na Junta Comercial

local em fevereiro de 2008 – após as notificações administrativas para o recolhimento dos créditos nos

respectivos processos administrativos tributários. E aqui é importante destacar que, de acordo com a lei

local regente do processo administrativo tributário30, os administradores da Sociedade Executada

também receberam as notificações administrativas, em razão da situação de irregularidade cadastral

perante o Fisco Estadual.

Disso, facilmente se conclui que, tendo sido notificada para recolher o crédito tributário, a

Sociedade Executada transferiu a maior parte de seu patrimônio para terceiros, a fim de obstar a

satisfação da pretensão fazendária. Aliás, esse intento nas ações imputadas aos Requeridos foi

confessado em juízo pelos Requeridos-Executados FILHO 2 e FILHO 3.

3.2.3. Prática de atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito tributário

O Art. 2°, IX, da Lei n° 8.397/1992, expõe uma cláusula aberta31 para a ação fazendária no

manejo da cautelar fiscal.

No curso da pesquisa sobre a situação empresarial, foram vistas distorções nos dados de

identificação das sociedades e pessoas físicas inseridas nas estruturas empresariais relacionadas. E

esses fatos irregulares têm por objetivo obstruir o cumprimento das obrigações tributárias, por impedir

a localização dos sujeitos passivos em cada circunstância.

Observou-se a recorrente manobra de indicar endereço errado para os cadastros

fazendários, assim dificultando/impedindo as comunicações processuais. Por exemplo: não conferem

com os respectivos logradouros os códigos de endereçamento postal (CEPs) informados por

MICROEMPRESÁRIO 1; X VAREJISTA DE VESTUÁRIO LTDA. e HOTELARIA LTDA. Também,

as Requeridas SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA., GESTORA DE

30 Art. 11. A intimação do sujeito passivo ou de pessoa interessada acerca de qualquer ato, fato ou exigência fiscal, quando

não estiver prevista forma diversa na legislação tributária, será feita: ... omissis § 2º No caso de inatividade do sujeito

passivo, especialmente tratando-se de empresas desaparecidas ou com inscrição cancelada ou baixada, sua intimação será

também efetivada em nome do titular, do diretor, do administrador ou do sócio com poderes de representação. [Após o

exame de admissibilidade da tese, a lei local poderá ser identificada]

31 WITZEL, Wilson José. Medida ... , p. 99: “Neste dispositivo o legislador praticamente deu uma carta branca nas mãos do

credor fiscal, posto que para caracterizar a prática de outros atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito a Lei

.9.532, de 1997, não cuidou de estabelecer qualquer parâmetro objetivo.”

Page 20: ESTUDO DE CASO: A FORMAÇÃO DO PÓLO PASSIVO DE MEDIDA ... · tratou-se de estudar a confissão dos dois Sócios sobre a reengenharia empresarial para “blindagem” patrimonial

20

EMPREENDIMENTOS S/A, X VAREJISTA DE VESTUÁRIO LTDA. e a TRANSPORTADORA Y

LTDA. e/ou Y GESTORA EMPRESARIAL LTDA. apontam seus domicílios tributários em caixas

postais! Somente esse detalhe é suficiente para explicar a demora na citação e/ou na efetivação de

penhora, como pode ser visto nas certidões do Oficial de Justiça aposta nas execuções fiscais

relacionadas à cautelar fiscal em destaque.

A veracidade na indicação dos endereços tributários é obrigação acessória32 voltada à

eficiência dos mecanismos de fiscalização da atividade do contribuinte. Assim, constatado que os

endereços são informados aos cadastros fiscais com nomes de ruas e CEPs errados evidencia-se

manobra para dificultar/impedir a localização dos obrigados tributários e, consequentemente, a

satisfação das obrigações concernentes33.

3.3. Dos fundamentos para a formação do pólo passivo

Nos fatos examinados, um ponto de alta complexidade foi a formação do pólo passivo da

medida cautelar fiscal em face de grupo econômico de fato, porque nem todas as pessoas jurídicas e

físicas podem ser diretamente vinculadas ao fato gerador do crédito que se busca garantir.

Muito se discutiu acerca da (in)conveniência de apontar os sócios meramente cotistas:

FILHA 5, NETO 3 e NETA 4 não aparecem como gerente/administrador em nenhum contrato social,

mas podem ser titulares de bens desviados do patrimônio da Executada SOCIEDADE ATACADISTA

DISTRIBUIDORA LTDA. Outro problema revelou-se para a indicação ao pólo passivo de sociedades

(e respectivas pessoas físicas componentes) que foram movimentadas pelos Sócios da empresa-mãe

mas que, na atualidade, integram o patrimônio de outrem, sem qualquer relação aparente com o grupo

econômico de fato desvelado. É o que se verifica na movimentação patrimonial encabeçada por FILHO

3, que constituiu a TRANSPORTES E TERRAPLANAGEM LTDA. em 2003, para, no ano seguinte,

registrar a “cessão” de suas cotas sociais para pessoas físicas que, formalmente, não mantêm qualquer

relação com outros integrantes do conjunto empresarial ou do núcleo familiar. Já na atividade de

FILHO 1 vê-se comércio de vestuário juntamente com sua EX-ESPOSA (mãe de NETO 1 e NETO 2)

em uma sociedade limitada constituída em 1991 e na X VAREJISTA DE VESTUÁRIO LTDA.,

32 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Código Tributário Nacional. Art. 127. Na falta de eleição, pelo contribuinte ou

responsável, de domicílio tributário, na forma da legislação aplicável, considera-se como tal: I - quanto às pessoas naturais, a

sua residência habitual, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade; II - quanto às pessoas

jurídicas de direito privado ou às firmas individuais, o lugar da sua sede, ou, em relação aos atos ou fatos que derem origem

à obrigação, o de cada estabelecimento; III - quanto às pessoas jurídicas de direito público, qualquer de suas repartições no

território da entidade tributante. § 1º Quando não couber a aplicação das regras fixadas em qualquer dos incisos deste artigo,

considerar-se-á como domicílio tributário do contribuinte ou responsável o lugar da situação dos bens ou da ocorrência dos

atos ou fatos que deram origem à obrigação. § 2º A autoridade administrativa pode recusar o domicílio eleito, quando

impossibilite ou dificulte a arrecadação ou a fiscalização do tributo, aplicando-se então a regra do parágrafo anterior. (Grifo

nosso)

33 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo RESP 200200678279 RESP -

RECURSO ESPECIAL - 437383 Relator(a) JOSÉ DELGADO Sigla do órgão STJ Órgão julgador PRIMEIRA TURMA

Data da Decisão 27/08/2002 Data da Publicação 21/10/2002 Fonte DJ DATA:21/10/2002 PG:00301 RDDT VOL.:00087

PG:00157. Ementa TRIBUTÁRIO. DOMICÍLIO FISCAL. DIFICULDADE DE ARRECADAÇÃO E/OU

LOCALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE DE ELEIÇÃO OU REVISÃO PELO FISCO. ART. 127, § 2º, DO CTN. 1. O sujeito

ativo tributante, enfrentando dificuldades para arrecadar ou localizar o domicílio tributário do contribuinte, poderá fixá-lo

nos limites estabelecidos por lei (art. 127, § 2º, do CTN). 2. Esse princípio não afeta direito subjetivo do contribuinte. 3.

Inexistência de prova de mudança de domicílio do contribuinte para outro Município que não o eleito pelo Fisco, cidade na

qual se localiza a sua residência, a sede da pessoa jurídica da qual é sócio, e praticamente a quase totalidade de seu

patrimônio, não tendo outra conotação, a eleição de outro domicílio para fins de arrecadação tributária, que a de criar

embaraço à fiscalização. No mandado de segurança, a prova é pré-constituída. 4. Recurso não provido.

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21

fundada em 1995. Os registros comerciais apontam a desvinculação do casal desde 2006, e a PFE de

origem já atuou em outras execuções fiscais encabeçadas por EX-ESPOSA DE FILHO 1, nas quais ela

comprova seu desligamento das atividades do grupo empresarial.

As pessoas físicas registradas como sócios cotistas (sem função de gestor empresarial) e as

sociedades e pessoas físicas que, atualmente, estão formalmente desvinculadas do grupo econômico

destacado foram excluídas do pólo passivo da medida cautelar fiscal examinada. Para tanto, foram

adotados os fundamentos a seguir expostos.

3.3.1. As normas: responsabilidade tributária de sucessores e terceiros

A formação do pólo passivo da medida cautelar fiscal contraposta ao grupo econômico de

fato toma por primeiro fundamento a Constituição Republicana de 198834, pois, estando relacionada

com a definição da obrigação, do lançamento e do crédito tributário decorrente de ICMS, a

responsabilidade tributária deve ser prevista em lei complementar, sob pena de inconstitucionalidade:

Ementa DIREITO TRIBUTÁRIO. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. NORMAS

GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO. ART 146, III, DA CF. ART. 135, III, DO CTN.

SÓCIOS DE SOCIEDADE LIMITADA. ART. 13 DA LEI 8.620/93.

INCONSTITUCIONALIDADES FORMAL E MATERIAL. REPERCUSSÃO GERAL.

APLICAÇÃO DA DECISÃO PELOS DEMAIS TRIBUNAIS.

1. Todas as espécies tributárias [...] estão sujeitas às normas gerais de direito tributário.

2. O Código Tributário Nacional estabelece algumas regras matrizes de responsabilidade

tributária, como a do art. 135, III, bem como diretrizes para que o legislador de cada ente

político estabeleça outras regras específicas de responsabilidade tributária relativamente aos

tributos da sua competência, conforme seu art. 128.

3. O preceito do art. 124, II, no sentido de que são solidariamente obrigadas „as pessoas

expressamente designadas por lei‟, não autoriza o legislador a criar novos casos de

responsabilidade tributária sem a observância dos requisitos exigidos pelo art. 128 do CTN,

tampouco a desconsiderar as regras matrizes de responsabilidade de terceiros estabelecidas em

caráter geral pelos arts. 134 e 135 do mesmo diploma. A previsão legal de solidariedade entre

devedores – de modo que o pagamento efetuado por um aproveite aos demais, [...] (art. 125 do

CTN) – pressupõe que a própria condição de devedor tenha sido estabelecida validamente.

4. A responsabilidade tributária pressupõe duas normas autônomas: a regra matriz de

incidência tributária e a regra matriz de responsabilidade tributária, cada uma com seu

pressuposto de fato e seus sujeitos próprios. A referência ao responsável enquanto terceiro [...]

evidencia que não participa da relação contributiva, mas de uma relação específica de

responsabilidade tributária, inconfundível com aquela. O „terceiro‟ só pode ser chamado

responsabilizado na hipótese de descumprimento de deveres próprios de colaboração para com

a Administração Tributária, estabelecidos, ainda que a contrario sensu, na regra matriz de

responsabilidade tributária, e desde que tenha contribuído para a situação de inadimplemento

pelo contribuinte. [...]

6. O art. 13 da Lei 8.620/93 não se limitou a repetir ou detalhar a regra de responsabilidade

constante do art. 135 do CTN, tampouco cuidou de uma nova hipótese específica e distinta. Ao

vincular à simples condição de sócio a obrigação de responder solidariamente pelos débitos da

sociedade limitada perante a Seguridade Social, tratou a mesma situação genérica regulada

pelo art. 135, III, do CTN, mas de modo diverso, incorrendo em inconstitucionalidade por

violação ao art. 146, III, da CF.

7. O art. 13 da Lei 8.620/93 também se reveste de inconstitucionalidade material, porquanto

não é dado ao legislador estabelecer confusão entre os patrimônios das pessoas física e

jurídica, o que, além de impor desconsideração ex lege e objetiva da personalidade jurídica,

descaracterizando as sociedades limitadas, implica irrazoabilidade e inibe a iniciativa privada,

afrontando os arts. 5º, XIII, e 170, parágrafo único, da Constituição.

8. Reconhecida a inconstitucionalidade do art. 13 da Lei 8.620/93 na parte em que determinou

34 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Constituição de 05 de outubro de 1988. Art. 146. Cabe à lei

complementar: ... omissis III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a)

definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos

respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência

tributários; ... omissis

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22

que os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada responderiam

solidariamente, com seus bens pessoais, pelos débitos junto à Seguridade Social.

9. Recurso extraordinário da União desprovido.

10. Aos recursos sobrestados, que aguardavam a análise da matéria por este STF, aplica-se o

art. 543-B, § 3º, do CPC.35

Nesse quadro, o Código Tributário Nacional (a lei complementar que dispõe as normas

gerais em matéria tributária), em seu Art. 128, estabelece que a lei pode atribuir de modo expresso a

responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva

obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do

cumprimento total ou parcial da referida obrigação. Dessa regra geral decorre o segundo fundamento

para a indicação dos Requeridos na cautelar fiscal examinada, o qual está positivado na própria Lei n°

8.397/1992:

Art. 4° ... omissis

§ 1° Na hipótese de pessoa jurídica, a indisponibilidade recairá somente sobre os bens do ativo

permanente, podendo, ainda, ser estendida aos bens do acionista controlador e aos dos que em

razão do contrato social ou estatuto tenham poderes para fazer a empresa cumprir suas

obrigações fiscais, ao tempo:

a) do fato gerador, nos casos de lançamento de ofício;

b) do inadimplemento da obrigação fiscal, nos demais casos.

§ 2° A indisponibilidade patrimonial poderá ser estendida em relação aos bens adquiridos a

qualquer título do requerido ou daqueles que estejam ou tenham estado na função de

administrador (§ 1°), desde que seja capaz de frustrar a pretensão da Fazenda Pública. ...

omissis

A Lei da Medida Cautelar Fiscal, Art. 4º, § 1º, prevê a responsabilidade solidária

(subsidiariamente) do acionista controlador e de todos aqueles que, em razão do contrato social ou

estatuto, tenham poderes para fazer a pessoa jurídica cumprir suas obrigações tributárias. Nesse

quadro, a imputação legal acerca da responsabilidade solidária (e objetiva36) caracteriza, na cautelar

fiscal destacada, a legitimidade passiva das pessoas físicas que exerce(ra)m a gerência/administração37

da Sociedade Executada SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA., como estipulado no

CTN, Art. 124, II38. Inconteste que essa legitimação passiva independe de prévia inclusão dessas

mesmas pessoas no pólo passivo das execuções fiscais referenciadas, já que as lides são distintas e, na

medida cautelar fiscal, trata-se de demonstrar as razões para que o patrimônio de outrem garanta a

satisfação dos créditos tributários cobrados judicialmente à Sociedade Executada: ou seja, o fumus boni

juris exigido para o deferimento do pedido de indisponibilização dos bens de quem seja indicado como

Requerido.

O terceiro fundamento decorre da Lei Geral Tributária, Art. 13439, permitir o alcance do

35 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 562276 / PR - PARANÁ RECURSO

EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Julgamento: 03/11/2010 Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Publicação REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-027 DIVULG 09-02-2011 PUBLIC 10-02-2011 EMENT VOL-

02461-02 PP-00419 RDDT n. 187, 2011, p. 186-193 RT v. 100, n. 907, 2011, p. 428-442.

36 Cf. WITZEL, Wilson José. Medida ... , p. 76: “[...] ao que parece o art. 4º §1º foi um pouco além, prevendo uma

responsabilidade solidária e objetiva diversamente da divisão do CTN, que é uma lei complementar definidora das regras

gerais [...]”.

37 No caso: PATRIARCA, FILHO 1, FILHO 2 e FILHO 3.

38 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Código Tributário Nacional. Solidariedade Art. 124. São solidariamente obrigadas:

I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas

expressamente designadas por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.

(Grifo nosso)

39 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Código Tributário Nacional. Responsabilidade de Terceiros Art. 134. Nos casos de

impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este

nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: ... omissis III - os administradores de bens de

terceiros, pelos tributos devidos por estes; ... omissis VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. ...

omissis

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patrimônio dos sócios da pessoa jurídica faticamente impossibilitada de efetuar o pagamento do crédito

tributário. A interpretação doutrinária desse dispositivo não é uniforme, pois uma parte dos estudiosos40

advoga que se trata de responsabilidade subsidiária para os terceiros (pela impossibilidade de exigência

do cumprimento da obrigação principal ao contribuinte) com solidariedade entre eles, assim excluindo

o devedor originário do cumprimento da obrigação. Outros41 vêem a caracterização da

responsabilidade subsidiária dos terceiros em solidariedade com o contribuinte, assim aplicando uma

interpretação literal do caput do Art. 134, o qual indica que os terceiros respondem solidariamente com

o contribuinte nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis. Nesse

contexto, configura-se responsabilidade tributária dos terceiros subsidiária, solidária (entre os terceiros

e com o contribuinte) e subjetiva (já que limitada às consequências dos próprios atos ou omissões42).

Adotando-se em parte essa segunda corrente doutrinária, no caso estudado, invoca-se a

imputação por lei complementar de responsabilidade solidária (com o contribuinte) aos

administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes, e aos sócios, no caso de

liquidação de sociedade de pessoas – a sociedade limitada Executada43. Entende-se que a

responsabilização solidária44 implica a legitimação processual, na ação cautelar fiscal, da Sociedade

originalmente executada e de outros Requeridos45. As constatações da sucessão empresarial (Arts. 132

e 133, CTN) e da movimentação patrimonial implicam a responsabilidade solidária de todos os

integrantes do núcleo familiar que administra a empresa-mãe Executada, por terem interesse comum na

situação que constituiu o fato gerador da obrigação principal (Art. 124, I, CTN). Esse entendimento

adotado na cautelar fiscal foi ratificado pela confissão em juízo de dois dos Sócios-Executados e pelo

comparecimento espontâneo de várias pessoas jurídicas (indicadas como Requeridas na cautelar fiscal)

mediante a interposição de embargos à execução fiscal em face da empresa-mãe.

O quarto motivo para a qualificação passiva na ação cautelar fiscal mencionada é a

responsabilidade pessoal de terceiros, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias

resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos,

40 Assim entendem, por exemplo: MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Responsabilidade de sócios e dirigentes de

pessoas jurídicas e o redirecionamento da execução fiscal. In ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Problemas de processo

judicial tributário – 4° volume. São Paulo: Dialética, 2000, p. 131-132, 145; CINTRA, Carlos César Sousa. Apontamentos

acerca da cobrança da dívida ativa. In SANTI, Eurico Marcos Diniz de (Coord.). Curso de especialização em direito

tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 704, nota

132.

41 Cf. TAVARES, Alexandre Macedo. O fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica no direito tributário

brasileiro: pressupostos, alcance e limites do art. 135 do Código Tributário Nacional. In ROCHA, Valdir de Oliveira

(Coord.). Problemas de processo judicial tributário – 5° volume. São Paulo: Dialética, 2002, p. 18.

42 Cf. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10ª ed. rev. atual. por Flavio Bauer Novelli. Rio de Janeiro:

Forense, 1981, p. 489-490.

43 No contexto da medida cautelar fiscal examinada inclui-se a sociedade (por cotas de responsabilidade) limitada dentre as

sociedades de pessoas, mesmo quando se vê uma regência híbrida para a espécie no Código Civil de 2002 (Art. 1.053. A

sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples. Parágrafo único. O contrato

social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima). Cf. REQUIÃO,

Rubens. Curso ..., p. 267-8. Outrossim, a “transformação” de sociedade limitada em empresa de pequeno porte e/ou em

sociedade anônima é insuficiente para descaracterizar a responsabilidade tributária destas “nova(da)s sociedades”, porquanto

o Art. 135, III, do Código Tributário Nacional, rege todas as pessoas jurídicas de direito privado, alcançando seus diretores,

gerentes ou representantes, tornando-os pessoalmente responsáveis pelo pagamento do crédito tributário, como detalhado

adiante no texto.

44 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Código Civil. Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da

vontade das partes. [...] Da Solidariedade Passiva Art. 275. O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos

devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam

obrigados solidariamente pelo resto. Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo

credor contra um ou alguns dos devedores.

45 No caso: PATRIARCA, MATRIARCA, FILHO 1, FILHO 2, FILHO 3, FILHA 4, EMPREGADO DE FILHO 1.

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imposta pelo Código Tributário Nacional, Art. 13546. Nessa instância, a responsabilidade emerge do

cometimento do ilícito tributário de omissão ou descumprimento do dever contratual ou legal do

terceiro (distinto do contribuinte, portanto) de providenciar e/ou fiscalizar o recolhimento do tributo

devido. Assim, a norma tributária opera mediante aplicação reflexa da desconsideração da

personalidade jurídica (da sociedade contribuinte) para alcançar a riqueza dos controladores, gerentes e

dos sócios cotistas integrantes do quadro societário visto na formação da obrigação tributária

original47.

Inconteste tratar-se aqui de responsabilização pela dívida tributária das pessoas físicas

enquadradas pelo rol do Art. 135, CTN. A polêmica reside na classificação acerca deste tipo de

responsabilidade ser: a) subjetiva, porquanto exigiria a comprovação48 do dolo do sócio, administrador

ou terceiro indicado na lista legal, em contraponto com o dispositivo da própria Lei Geral Tributária49

que exclui a prova da intenção do agente que comete ilícito tributário50; b) substitutiva (direta às

pessoas físicas dos sócios/acionistas, administradores ou terceiros), pois, assim advindo “uma não-

subsidiariedade”, a sociedade contribuinte deveria ser excluída51 do pólo passivo da obrigação

tributária. Quanto a esse critério, o embate divide a doutrina52 e a jurisprudência53, pois se vê o

confronto com a primeira corrente na indicação acerca da responsabilidade subsidiária e solidária dos

sócios/acionistas, administradores ou terceiros com o contribuinte, com base na aplicação conjunta dos

Arts. 128 e 135, ou dos Arts. 134, III, VII e 135, I, III, da Lei Tributária.

No caso em tela, além da anteriormente mencionada dissolução irregular da sociedade

46 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Código Tributário Nacional. Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos

créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei,

contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os

diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

47 Cf. WITZEL, Wilson José. Medida ..., p. 74-75; TAVARES, Alexandre Macedo. O fenômeno ... p. 24; MELO, José

Eduardo Soares de. Execução ..., p. 188.

48 Cf. TAVARES, Alexandre Macedo. O fenômeno ... p. 18-24.

49 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Código Tributário Nacional. Art. 136. Salvo disposição de lei em contrário, a

responsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade,

natureza e extensão dos efeitos do ato.

50 O Superior Tribunal de Justiça cristalizou a interpretação acerca da exigência de comprovação da intenção do agente para

a responsabilização das pessoas físicas em casos relacionados com o Art. 135, do Código Tributário Nacional. Processo

AgRg no AgRg no REsp 1153333 / SC AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO

ESPECIAL 2009/0134302-7 Relator(a) Ministro LUIZ FUX (1122) Órgão Julgador T1 - PRIMEIRA TURMA Data do

Julgamento 21/09/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 05/10/2010: “[...] 1. Iniciada a execução contra a pessoa jurídica e,

posteriormente, redirecionada contra o sócio-gerente, que não constava da CDA, cabe ao Fisco demonstrar a presença de um

dos requisitos do art. 135 do CTN. Se a Fazenda Pública, ao propor a ação, não visualizava qualquer fato capaz de estender a

responsabilidade ao sócio-gerente e, posteriormente, pretende voltar-se também contra o seu patrimônio, deverá demonstrar

infração à lei, ao contrato social ou aos estatutos ou, ainda, dissolução irregular da sociedade. 2. Se a execução foi proposta

contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente, a este compete o ônus da prova, já que a CDA goza de presunção relativa

de liquidez e certeza, nos termos do art. 204 do CTN c/c o art. 3º da Lei n.º 6.830/80. 3. Caso a execução tenha sido proposta

somente contra a pessoa jurídica e havendo indicação do nome do sócio-gerente na CDA como co-responsável tributário,

não se trata de típico redirecionamento. Neste caso, o ônus da prova compete igualmente ao sócio, tendo em vista a

presunção relativa de liquidez e certeza que milita em favor da Certidão de Dívida Ativa.”

51 Cf. MELO, José Eduardo Soares de. Execução fiscal contra sócio-gerente não-responsável. Exceção de pré-executividade

e embargos. In ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Problemas de processo judicial tributário – 5° volume. São Paulo:

Dialética, 2002, p. 190.

52 Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional – Volume II. São Paulo: Atlas, 2004, p.

594.

53 Vide, por exemplo: REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Processo REsp

1017732 / RS RECURSO ESPECIAL 2007/0303820-3 Relator(a) Ministra ELIANA CALMON (1114) Órgão Julgador T2

- SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 25/03/2008 Data da Publicação/Fonte DJe 07/04/2008; Processo REsp 121021 /

PR RECURSO ESPECIAL 1997/0013246-3 Relator(a) Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) Órgão Julgador T2 -

SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 15/08/2000 Data da Publicação/Fonte DJ 11/09/2000 p. 235 RDDT vol. 64 p. 161

RSTJ vol. 139 p. 160.

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limitada (sociedade de pessoas para o enquadramento pelo Art. 134, VII, CTN), considera-se que a

dilapidação do patrimônio social da empresa-mãe juntamente com a gestão concertada do grupo

econômico para confessada evasão tributária caracterizam excesso de poder, infração às leis comercial

e tributária e aos contratos sociais (Art. 135, da Lei Geral Tributária).

Desse quadro, emerge o fundamento para o pedido cautelar de indisponibilização dos bens

encontrados sob a titularidade dos administradores contratados (destituídos da qualidade de sócio –

Arts. 134, III e 135, I, do Código Tributário) e de todos os sócios que, em algum momento, exerceram

a gestão da Executada SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. Nesse contexto, ainda

se pode fundamentar a inclusão no pólo passivo da medida cautelar de todas as sociedades54

constituídas pelos sócios da empresa-mãe.

3.3.2. As circunstâncias e a jurisprudência: desconsideração da personalidade jurídica de

integrantes do grupo econômico de fato

Os fundamentos normativos apontados acima para a pretensão cautelar não alcançam, à

primeira vista, as pessoas jurídicas (e seus respectivos sócios e eventuais administradores contratados)

constituídas em data posterior ao fato gerador do crédito tributário que se busca garantir.

Apesar da “aparição” de sociedades com objetos sociais diferenciados daquele visto

originalmente e da inclusão de “sócios diferentes” nestas nova(da)s empresas, a elucidação dos fatos

ocorridos na gestão empresarial da Executada SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA

LTDA. resulta na comprovação da atual existência de grupo(s) econômico(s) que busca(m) se evadir à

satisfação das dívidas tributárias geradas na operacionalização daquela citada “empresa-mãe”.

Neste ponto, a transformação da TRANSPORTADORA DE BEBIDAS LTDA. na

(inoperante) sociedade anônima fechada GESTORA DE EMPREENDIMENTOS S/A, com

transferência “formal” da sede social para outro Estado, é facilmente caracterizada como fraude contra

credores e/ou simulação55: primeiro, porque realizada no contexto da notória insolvência da

SOCIEDADE ATACADISTA DISTRIBUIDORA LTDA. (a qual tinha “transferido” boa parte de seu

patrimônio social para a sociedade limitada transformanda); segundo, por, aparentemente, conferir à

sociedade anônima surgida os direitos sobre os bens patrimoniais incorporados, quando, em verdade,

buscava a ocultação de tal acervo das pretensões executórias das Fazendas Públicas Nacional e

Estadual. Depois dessa primeira “blindagem”, a inovação no esquema empresarial é continuada pela

posterior constituição do subgrupo empresarial administrado por FILHO 1, formado pelas empresas

aqui denominadas X. Na sequência, ainda aparecem a DISTRIBUIDORA DE BEBIDAS LTDA.-EPP e

ATACADISTA DE ÁGUA MINERAL LTDA., cujos quadros societários são integrados,

54 No caso: DISTRIBUIDORA DE ÁGUA MINERAL LTDA., MICROEMPRESÁRIO 1, MICROEMPRESÁRIO 2,

GESTORA DE NEGÓCIOS LTDA., TRANSPORTADORA DE BEBIDAS LTDA. e/ou GESTORA DE

EMPREENDIMENTOS S/A, HOTELARIA LTDA., HOTEL LTDA. (desativado, mas na titularidade de bens imóveis), X

VAREJISTA DE VESTUÁRIO LTDA., VAREJISTA DE GLP LTDA., X IMOBILIÁRIA LTDA., X SERVIÇOS LTDA.,

X FACTORING LTDA., X OPERADORA TURÍSTICA LTDA.–EPP, REPRESENTAÇÃO COMERCIAL DE

TELEFONIA LTDA., COMERCIO E SERVIÇOS DE TELEFONIA LTDA.–ME, TRANSPORTADORA Y LTDA. e/ou Y

GESTORA EMPRESARIAL LTDA.

55 REPUBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Código Civil. Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos

do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante. Art. 167.

... omissis § 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas

diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II - contiverem declaração, confissão, condição ou

cláusula não verdadeira; ... omissis

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exclusivamente, por NETO 1, NETO 2 e EMPREGADO DE FILHO 1, assim impedindo a ligação com

o patrimônio oriundo da empresa-mãe Executada – mas é evidente a proximidade dos três com FILHO

1. Assim também não está caracterizada a junção entre NETO SOBRINHO OU HOMÔNIMO com a

obrigação original, estabelecendo-se, contudo, seu liame empresarial com FILHO 3.

A fraude/simulação inerente à reestruturação inicial do grupo empresarial (confessada em

juízo quando se instaurou o litígio familiar) não autoriza a responsabilização tributária das “novas

sociedades” nem de seus respectivos sócios ou administradores novatos porquanto a dívida em

execução já fora antes constituída em face da empresa-mãe. Ou seja: em tal circunstância, os ditames

do Art. 135, CTN, são inaplicáveis porque o surgimento das “novas empresas” é posterior ao fato

gerador da obrigação tributária. E como a pretensão fazendária é alcançar o patrimônio das pessoas

físicas relacionadas à origem da dívida tributária, vê-se a defesa da aplicação da teoria da

desconsideração da pessoa jurídica nesta hipótese excludente dos Arts. 134 e 135, CTN – porquanto

seria o instrumento viável para alcance imediato do patrimônio de seus respectivos sócios que

constituíram a novel pessoa jurídica em fraude a credores. Uma ação anulatória (de rito ordinário) dos

contratos simulados e das fraudes não contempla os interesses fazendários. Ademais, a jurisprudência

nacional vem dispensando a interposição de tal ação pauliana pela Fazenda Pública, admitindo a

alegação da simulação/fraude na medida cautelar fiscal56 e/ou no curso dos embargos à execução fiscal

em que tenham sido penhorados os bens desviados.

Quando a execução contém dívida ativa não-tributária (multas do direito consumerista ou

ambiental, por exemplo), o fundamento para a desconsideração da personalidade jurídica e alcance do

patrimônio particular dos sócios não decorre de lei complementar, estando positivado mediante leis

ordinárias – o Código de Defesa do Consumidor57, a Lei dos Crimes Ambientais58 ou, genericamente, o

Código Civil59.

Entende-se que o principal problema para aplicação da desconsideração da personalidade

jurídica em matéria tributária é a exigência constitucional de lei complementar para estipular as regras

sobre obrigação, lançamento, crédito tributário e contribuintes dos impostos previstos na Constituição

– Art. 146, III, a, b. Mesmo que se entenda que o codificado Art. 135 é a regra de lei complementar que

positivou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito tributário, seu alcance é

limitado àqueles que possam ser diretamente vinculados ao fato gerador: no caso em tela, daqueles que

já participavam do grupo econômico à época do fato gerador.

56 Cf. REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Processo AC

200884000066085 AC - Apelação Civel – 504943. Relator(a) Desembargadora Federal Margarida Cantarelli Sigla do órgão

TRF5 Órgão julgador Quarta Turma Data da Decisão 26/10/2010 Data da Publicação 28/10/2010Fonte DJE - Data:

28/10/2010 - Página: 661 Decisão UNÂNIME

57 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Art. 28. O juiz poderá

desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso

de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será

efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má

administração. ... omissis § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de

alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

58 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei n° 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Art. 4°. Poderá ser

desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à

qualidade do meio ambiente.

59 Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão

patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo,

que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou

sócios da pessoa jurídica.

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A solução conciliadora pode ser vista no próprio CTN, Art. 126, III, ao estipular que a

capacidade tributária passiva independe de a pessoa jurídica estar regularmente constituída, bastando

que configure uma unidade econômica ou profissional60. Com isso, está posto o fundamento normativo

(de lei complementar) para a responsabilidade tributária alcançar os elementos de um grupo econômico

de fato: a demonstração do interesse comum dos integrantes de grupos econômicos na proteção do

patrimônio social justifica a imputação de respectiva responsabilidade solidária, nos termos do CTN,

Art. 124. Nesse sentido, a jurisprudência61 nacional vem indicando a responsabilidade tributária

solidária de todos os integrantes de grupo econômico de fato e deve ser invocada na formação do pólo

passivo de medida cautelar fiscal voltada à garantida de dívida tributária constituída em face de um (ou

poucos) deles.

Nesse contexto, aponta-se a responsabilidade tributária solidária de todos os atuais

administradores do capital fundador do grupo econômico de fato – despicienda a verificação acerca de

essas pessoas físicas serem ou terem sido sócios cotistas e/ou administradores da empresa-mãe, em

face de qual fora constituído o crédito tributário.

Conclusões

1. A medida cautelar fiscal é instrumento processual de manejo exclusivo das Procuradorias

Fazendárias que detenham competência para atuar nos feitos relacionados com a dívida ativa tributária

e não-tributária. Considerando-se seu potencial para alcançar e indisponibilizar todo o patrimônio da

pessoa indicada como Requerida, o Procurador Fazendário deve fazer uso comedido dessa ação. É

instrumento adequado para situação excepcional, na qual outros procedimentos se mostrem inviáveis

para garantir ou possibilitar futura satisfação dos direitos creditícios da Fazenda Pública. O caso aqui

exposto trata de medida cautelar fiscal contraposta ao contribuinte com débito de maior valor inscrito

na dívida ativa tributária (“o maior devedor tributário do Estado”), integrado na estrutura de grupo

econômico de fato, confessadamente voltado à “blindagem” do patrimônio social contra as pretensões

fazendárias.

2. Em regra, o procedimento cautelar fiscal pode ser instaurado em qualquer época posterior à

constituição do crédito – que, por orientação jurisprudencial, é o momento da lavratura do auto de

infração comunicado ao contribuinte. O requerimento da medida cautelar independe da prévia

constituição do crédito tributário, quando há provas que o obrigado põe ou tenta por seus bens em

nome de terceiros ou aliena bens ou direitos sem proceder à devida comunicação ao órgão da Fazenda

Pública competente, quando exigível em virtude de lei.

3. A medida cautelar fiscal tem por objetivo gravar o patrimônio de obrigado tributário com cláusula

de indisponibilidade, de modo a impedir alienação de tais bens. A pretensão formatada nessa ação

60 Cf. CANDEIA, Rodinei. Da cautelar ..., p. 121: “Atuando as várias pessoas e empresas como se empresas coligadas

fossem, na forma do art. 243, §§ 1º e 2º, da Lei 6.404/76, ocorrendo a vedada participação recíproca do art. 244, da mesma

norma, é possibilitada a desconsideração da personalidade jurídica do grupo e a responsabilidade solidária dos

administradores (art. 244, § 6º, Lei 6.404/76), por ter interesse e vínculo com o fato gerador (arts. 124 e 128, CTN).”

61 REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Processo AI 200603000249944

AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 264838 Relator(a) JUIZ CONVOCADO LEONEL FERREIRA Sigla do órgão

TRF3 Órgão julgador JUDICIÁRIO EM DIA - TURMA Z Data da Decisão 25/05/2011 Data da Publicação 07/06/2011

Fonte DJF3 CJ1 DATA:07/06/2011 PÁGINA: 162; Idem. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Processo AG

200705000357592 AG - Agravo de Instrumento - 78053 Relator(a) Desembargador Federal Petrucio Ferreira Sigla do

órgão TRF5 Órgão julgador Segunda Turma Data da Decisão 11/09/2007 Data da Publicação 26/09/2007 Fonte DJ -

Data::26/09/2007 - Página::1016 Decisão UNÂNIME.

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permite o uso e o gozo dos bens, mas impede a parte requerida de movimentar o patrimônio em foco,

obstando venda, doação, troca, cessão e qualquer outros negócios ou formatos jurídicos, gratuito ou

oneroso, que resulte mudança da titularidade dos respectivos bens móveis e imóveis – até que sejam

pagos (ou definitivamente extintos) os créditos tributários em execução. Nesse contexto, após decisão

(liminar, principalmente) na medida cautelar fiscal, a cláusula de indisponibilidade deve gravar bens

suficientes para a garantia do crédito tributário relacionado, a qual se efetua mediante a penhora que

seja ordenada e efetuada nos autos de execução fiscal. Disso decorre que o aviamento de ação cautelar

fiscal posterior ao ajuizamento da cobrança, deve observar a inexistência de penhora na execução fiscal

relacionada.

4. As medidas cautelares são requeridas ao juiz da causa e, quando preparatórias, ao juiz competente

para conhecer da ação principal. Assim, nas comarcas em que existam varas privativas para a execução

fiscal, a essas caberá conhecer de medida cautelar fiscal – mesmo quando se tratar de interposição

anterior ao ajuizamento da execução que será caracterizada como ação principal. Também por isso, os

autos da medida cautelar fiscal devem ser apensados aos autos da execução fiscal relacionada.

5. A petição inicial de ação cautelar fiscal deve explicitar os requisitos exigidos para a espécie. A

caracterização do periculum in mora e do fumus boni juris está diretamente relacionada com as

circunstâncias de cada caso, mas, deve se enquadrar no rol do Art. 2°, da Lei n° 8.397/1992.

6. Em ação cautelar fiscal interposta em face de grupo econômico de fato, a Procuradoria Fazendária

deve explicitar circunstâncias empresariais relevantes no período relacionado com os fatos geradores

da dívida tributária em execução e, se for o caso, juntar instrumentos probatórios – tais como as cópias

de todas as alterações de contratos societários arquivadas na Junta Comercial e procurações outorgadas

pelas pessoas jurídicas e naturais para a movimentação empresarial e patrimonial.

7. No caso narrado, a exposição inicial tratou de caracterizar a dilapidação/ocultação patrimonial e

insolvência da Executada implicando dissolução irregular dessa sociedade limitada, bem como, a

continuação da atividade empresarial original por intermédio de outras pessoas jurídicas, com vistas à

caracterização da responsabilidade tributária por sucessão. Também se expôs a relação com o

patrimônio original das pessoas que, mesmo sem estar incluído no pólo passivo das execuções fiscais

contra a empresa-mãe, compareceram espontaneamente em juízo para defender o patrimônio da

Executada, interpondo embargos à execução. Com isso, fundamenta-se a indicação de responsabilidade

solidária dos integrantes do grupo – pelo demonstrado interesse acerca do fato gerador.

8. Todo esse conjunto de irregularidades na condução da atividade empresarial, acrescido do evidente

descumprimento das obrigações tributárias no período (comprovado pela juntada de relatório de

arrecadação) em cotejo com a dívida tributária sob sua responsabilidade, fundamenta(ra)m o pedido

para a imediata indisponibilidade dos bens dos Requeridos com vistas a resguardar a possibilidade de

satisfação dos direitos fazendários. Nesse quadro, exsurge o perigo da demora suficiente à concessão

da ordem liminar para a indisponibilização do patrimônio dos Requeridos.

9. O fumus boni juris, no contexto descrito, referencia as irregularidades na gestão empresarial, a

partir do rol dos ilícitos ensejadores da indisponibilidade dos bens dos Requeridos positivado no Art.

2°, da Lei da Medida Cautelar Fiscal. No caso estudado, tratou-se dos seguintes: a) Alienação de bens

no curso de insolvência da Sociedade Executada. Os requisitos positivados no Art. 2°, III, VI, da Lei n°

8.397/1992, expõem critério objetivo porquanto é suficiente cotejar o montante da dívida do

contribuinte executado com o patrimônio social conhecido. Quando o débito ultrapassa o limite legal

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de endividamento (trinta por cento do patrimônio), entende-se fundamentada a alegação de insolvência

da pessoa executada; b) Transferência de bens da Sociedade Executada após a notificação sobre a

constituição do crédito tributário; c) Prática de atos que dificultem ou impeçam a satisfação do crédito

tributário. A veracidade na indicação dos endereços tributários é obrigação acessória voltada à

eficiência dos mecanismos de fiscalização da atividade do contribuinte. Assim, constatado que os

endereços são informados aos cadastros fiscais com nomes de ruas e CEPs errados evidencia-se

manobra para dificultar/impedir a localização dos obrigados tributários e, consequentemente, a

satisfação das obrigações concernentes.

10. Nos fatos examinados, um ponto de alta complexidade foi a formação do pólo passivo da medida

cautelar fiscal em face de grupo econômico de fato, porque nem todas as pessoas jurídicas e físicas

podem ser diretamente vinculadas ao fato gerador do crédito que se busca garantir.

11. A formação do pólo passivo da medida cautelar fiscal contraposta ao grupo econômico de fato

toma por primeiro fundamento a Constituição Republicana de 1988, Art. 146, III, a, b, pois, estando

relacionada com a definição da obrigação, do lançamento e do crédito tributário decorrente de ICMS, a

responsabilidade tributária deve ser prevista em lei complementar, sob pena de inconstitucionalidade.

12. A aplicação conjunta do CTN, Arts. 124, I, 128, com a Lei da Medida Cautelar Fiscal, Art. 4º, §§

1º, 2°, prevê a responsabilidade solidária do acionista controlador e de todos aqueles que, em razão do

contrato social ou estatuto, tenham poderes para fazer a pessoa jurídica cumprir suas obrigações

tributárias. Nesse quadro, a imputação legal acerca da responsabilidade solidária e objetiva caracteriza,

na cautelar fiscal destacada, a legitimidade passiva das pessoas físicas que exerce(ra)m a

gerência/administração da Sociedade Executada.

13. O terceiro fundamento decorre da Lei Geral Tributária, Art. 134, permitir o alcance do patrimônio

dos sócios da pessoa jurídica faticamente impossibilitada de efetuar o pagamento do crédito tributário.

No caso estudado, invoca-se a responsabilidade solidária (entre eles e com o contribuinte) aos

administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes, e aos sócios, no caso de

liquidação de sociedade de pessoas – a sociedade limitada Executada. As constatações da sucessão

empresarial e da movimentação patrimonial implicam a responsabilidade solidária de todos os

integrantes do núcleo familiar que administra a empresa-mãe Executada, por terem interesse comum na

situação que constituiu o fato gerador da obrigação principal.

14. O quarto motivo para a qualificação passiva na ação cautelar fiscal mencionada é a

responsabilidade pessoal de terceiros, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias

resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos,

imposta pelo CTN, Art. 135. Nessa instância, a responsabilidade emerge do cometimento do ilícito

tributário de omissão ou descumprimento do dever contratual ou legal do terceiro (distinto do

contribuinte, portanto) de providenciar e/ou fiscalizar o recolhimento do tributo devido. Assim, a

norma tributária opera mediante aplicação reflexa da desconsideração da personalidade jurídica (da

sociedade contribuinte) para alcançar a riqueza dos controladores, gerentes e dos sócios cotistas

integrantes do quadro societário visto na formação da obrigação tributária original. No caso em tela,

além da anteriormente mencionada dissolução irregular da sociedade limitada (sociedade de pessoas

para o enquadramento pelo Art. 134, VII, CTN), considera-se que a dilapidação do patrimônio social

da empresa-mãe juntamente com a gestão concertada do grupo econômico para confessada evasão

tributária caracterizam excesso de poder, infração às leis comercial e tributária e aos contratos sociais

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(Art. 135, CTN). Desse quadro, emerge o fundamento para o pedido cautelar de indisponibilização dos

bens encontrados sob a titularidade dos administradores contratados (destituídos da qualidade de sócio

– Arts. 134, III e 135, I, do Código Tributário) e de todos os sócios que, em algum momento,

exerceram a gestão da Executada.

15. Os fundamentos normativos apontados acima para a pretensão cautelar não alcançam, à primeira

vista, as pessoas jurídicas (e seus respectivos sócios e eventuais administradores contratados)

constituídas em data posterior ao fato gerador do crédito tributário que se busca garantir. E como a

pretensão fazendária é alcançar o patrimônio das pessoas físicas relacionadas à origem da dívida

tributária, vê-se a defesa da aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica nesta hipótese

excludente da responsabilidade pessoal dos terceiros – porquanto seria o instrumento hábil a atingir o

patrimônio de seus respectivos sócios que constituíram a novel pessoa jurídica em fraude a credores.

16. Entende-se que o principal problema para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica

em matéria tributária decorre da exigência constitucional de lei complementar para estipular as regras

sobre obrigação, lançamento, crédito tributário e contribuintes dos impostos previstos na Constituição

– Art. 146, III, a, b. Mesmo que se entenda que o codificado Art. 135 é a regra de lei complementar que

positivou a teoria da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito tributário, seu alcance é

limitado àqueles que possam ser diretamente vinculados ao fato gerador: ou seja, aqueles que já

participavam do grupo econômico à época do fato gerador.

17. Vislumbra-se uma solução conciliadora no próprio CTN, Art. 126, III, ao estipular que a

capacidade tributária passiva independe de a pessoa jurídica estar regularmente constituída, bastando

que configure uma unidade econômica ou profissional. Com isso, está posto o fundamento normativo

(de lei complementar) para a responsabilidade tributária alcançar os elementos de um grupo econômico

de fato: o interesse comum dos integrantes de grupos econômicos na proteção do patrimônio social

justifica a imputação de respectiva responsabilidade solidária, nos termos do CTN, Art. 124. Nesse

sentido, também a jurisprudência nacional vem apontando para a responsabilidade tributária solidária

de todos os integrantes de grupo econômico de fato e deve ser invocada na formação do pólo passivo

de medida cautelar fiscal voltada à garantida de dívida tributária constituída em face de um (ou

poucos) deles. Nesse contexto, aponta-se a responsabilidade tributária solidária de todos os atuais

administradores do capital fundador do grupo econômico de fato – despicienda a verificação acerca de

essas pessoas físicas serem ou terem sido sócios cotistas e/ou administradores da empresa-mãe, em

face de qual fora constituído o crédito tributário.

18. Entende-se que a inclusão de pessoa (jurídica ou natural) no pólo passivo de medida cautelar fiscal

decorre, em primeiro plano, da caracterização de sua respectiva responsabilidade tributária, de acordo

com as normas constitucionais e do Código Tributário Nacional aplicáveis a cada uma delas. Na

excepcional circunstância de se mostrar infactível fundamentar a responsabilidade tributária a partir de

dispositivo de lei complementar – como, por exemplo, quando a Procuradoria Fazendária se deparar

com grupo econômico de fato que vem atuando fraudulentamente para se evadir às obrigações

tributárias – deve ser ponderada a necessidade/viabilidade de invocação da teoria da desconsideração

da personalidade jurídica no caso, a fim de justificar a indicação de integrante do grupo econômico ao

pólo passivo da cautelar fiscal que se mostre adequada à satisfação dos direitos fazendários.