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Estudo da Estabilidade de Pórticos Planos em Concreto Pré-moldado
Patrícia Cândida Souza da Silva¹, Carlos Henrique de Moura Cunha2,
Eric Xavier Dutra3, George Lucas Cunha Rezende3 1 Universidade Católica de Brasília / [email protected]
2 Universidade Católica de Brasília / UBEC / Professor Mestre do Departamento de Engenharia Civil
/ [email protected] 3 Universidade Católica de Brasília / [email protected]; [email protected]
Resumo
A utilização das estruturas pré-moldadas é uma escolha viável, pois é uma construção com
menos desperdício, mais limpa, racional, econômica, sustentável, com melhor aproveitamento
de recursos e muitas vezes um método construtivo mais rápido. Entretanto, são estruturas mais
suscetíveis a fenômenos de instabilidade e requerem um grau maior de atenção quando
utilizadas na execução de edifícios de múltiplos pavimentos, cuja análise de segunda ordem se
torna obrigatória em todos os casos devido às imperfeições físicas e geométricas.Dessa forma,
este estudo traz uma análise da ligação viga-pilar de um edifício pré-moldado com seis
pavimentos, por meio de uma comparação entre dois modelos: no primeiro a viga é inteiriça
com um afastamento do comprimento da barra até a posição do pino de apoio da viga no
console, e no segundo a viga foi dividida em cinco partes, onde a primeira e quinta representam
o engastamento do console no pilar, a segunda e quarta representam a união da viga com o
console e a terceira representa o vão efetivo da viga. A modelagem numérica dos modelos foi
dividida em três fases construtivas: montagem in loco, vinculação parcial dos nós e
solidarização das estruturas com a concretagem da laje. Em seguida, os dois modelos foram
inseridos no “software” SAP2000 - v.17 para verificar a estabilidade global de cada um.
Palavras-chave
Concreto pré-moldado; Instabilidade; Estabilidade global; Ligação viga-pilar; “software”
SAP2000 - v.17.
Introdução
A primeira utilização de elementos pré-moldados no Brasil ocorreu na execução da obra de
grande porte do hipódromo da Gávea, no Rio de Janeiro, em 1926. Porém, só com a Segunda
Guerra Mundial, na Europa, o concreto pré-moldado teve seu grande desenvolvimento e
reconhecimento. Nessa época houve uma grande necessidade de reconstrução em um curto
período de tempo e com a mão de obra escassa. Foi então, quando engenheiros se estimularam
a empregar o pré-moldado como uma nova tecnologia construindo galpões, residências e pontes
(VASCONCELOS, 2002; EL DEBS, 2000).
Na indústria da construção civil, o concreto pré-moldado apresenta modernização e métodos
construtivos mais eficientes, trazendo maior economia de materiais, menor tempo de execução,
maior controle de qualidade e uma obra mais limpa. Segundo CAMPOS (2002), por apresentar
tais características, a pré-fabricação apresenta-se hoje como a forma mais viável e difundida de
industrialização da construção.
Quando se fala em estruturas pré-moldadas, as ligações são as partes mais importantes do
projeto e para que a estrutura seja eficiente e segura, sua estabilidade global deve ser
assegurada. Segundo EL DEBS (2000, p. 98), “a estabilidade global da estrutura é associada a
sua capacidade de transmitir com segurança, incluindo os efeitos de segunda ordem, as ações
laterais, como vento e desaprumo, para a fundação e apresentar rigidez suficiente para limitar
os movimentos devido a estas mesmas ações”.
Assim, neste trabalho realizar-se-á uma análise dos fatores que influenciam na estabilidade
global em um modelo de pórtico tridimensional simples com seis pavimentos, sob duas formas
de análise utilizando o “software” SAP2000 - v.17. A representação gráfica dos modelos
resultantes do “software” podem ser vistas nas figuras 1 e 2 e a modelagem numérica dos
modelos foi dividida em três fases construtivas, representadas na figura 3, que constituem-se
em montagem, vinculação parcial dos nós e solidarização dos elementos estruturais. Na
primeira fase, a estrutura funciona como pórticos isostáticos representados pela conexão viga-
pilar simplesmente apoiada que possui certo grau de rigidez, ductilidade e deformabilidade. Na
segunda fase, os pórticos se comportam como elementos hiperestáticos com uma determinada
flexibilização em suas ligações. E, por fim, na terceira fase os elementos de ligação se tornam
rígidos com o travamento da estrutura através da concretagem da laje e/ou preenchimento do
furo de apoio com graute. Em seguida, os dois modelos foram inseridos no “software”
SAP2000 - v.17 para a verificação das estabilidades globais e análises.
Figura 1 – Modelo estrutural 1
Fonte: Autores.
Figura 2 – Modelo estrutural 2
Fonte: Autores.
Figura 3 – Detalhamento das fases construtivas de estruturas pré-moldadas
Fonte: Autores.
Lançamento do pórtico
Segundo FERREIRA E ELLIOT (2002), a relação entre essa rigidez e a resistência podem ser
obtidas em função de um fator de restrição, de acordo com a figura 4, que quantifica a
flexibilização das ligações. Para a primeira e segunda fase dos modelos foi considerado um
valor de 20% (vinte por cento) de restrição e para a terceira fase 90% (noventa por cento).
Figura 4 - Classificação para Ligações Semirrígidas
Fonte: Ferreira & Elliott, 2002 (Adaptado)
A estrutura possui quatro pilares pré-moldados com dimensões 40x40 cm, com distâncias entre
seus eixos de seis metros. Cada pilar contém dois consoles retangulares com dimensões de
30x25 cm que servem de apoio para as vigas pré-moldadas. Os detalhes dos consoles não serão
analisados neste estudo, portanto eles foram supostos rígidos na ligação com o eixo do pilar
para aguentar o carregamento, sendo somente flexibilizado quando de encontro com a viga. O
pé direito considerado foi de 3,20 m, portanto a estrutura completa possui 19,20 m.
As vigas consideradas tem como dimensão 40x50 cm e foram fixadas com uma distância de 15
cm da face do pilar até o pino de travamento, totalizando uma largura efetiva de 5,30 m com
um chanfro de apoio ao console de 25 cm de profundidade e 30 cm de largura. As lajes são
quadradas com 12 cm de altura.
A seguir, vê-se a representação da planta da estrutura e o corte A-A:
Figura 5 - Planta baixa da estrutura Figura 6 - Corte A-A
Fonte: Autores.
As propriedades dos materiais empregados são descritas a seguir pelas seguintes tabelas:
Tabela 1 – Propriedades do concreto C40
Valor Unidade
Resistência característica à compressão (𝑓𝑐𝑘) 40 MPa
Resistência média à tração (𝑓𝑐𝑡,𝑚) 3,8 MPa
Resistência de cálculo à compressão (𝑓𝑐𝑑) 27 MPa
Módulo de deformação tangente inicial (𝐸𝑐𝑖) 35 GPa
Módulo de deformação secante (𝐸𝑐𝑠) 32 GPa
Tabela 2 – Carregamentos na estrutura
Carregamento Valor Unidade
Lajes Permanente 4,7 kN/m²
Acidental 2,0 KN/m²
Viga Peso próprio 5,0 kN/m
Parede 4,7 kN/m
Console Peso próprio 2,5 kN/m
Pilares Peso próprio 12,8 kN
Ação do vento Cobertura 9,6 kN
Pavimento
tipo
19,2 kN
Segundo a NBR 8681:2003 - Ações e segurança na estrutura, “a verificação da segurança em
relação aos estados limites último é feita em função das combinações últimas de ações”.
Portanto, utilizando a fórmula resumida para as combinações normais, dada pela equação 1,
obteve-se as combinações para cada fase construtiva.
Para a primeira fase foi simulada a montagem das peças no local de construção onde há o
carregamento do peso próprio das peças e o efeito do vento sobre elas. Para a segunda fase foi
acrescentado o momento gerado pela primeira fase devido ao efeito dessas ações de
trabalhabilidade, e seus carregamentos foram considerados os mesmos. Na terceira fase foi
simulado, juntamente com todas essas ações os carregamentos de influência da laje e sobrecarga
analisadas com duas combinações de cargas.
𝑭𝒅 = ∑ 𝜸𝑮𝒊
𝒎
𝒊−𝟏
𝑭𝑮𝒊′𝒌 + 𝜸𝒒 [𝑭𝑸𝟏,𝒌 + ∑ 𝚿 𝟎𝐣 𝑭𝑸𝒋,𝒌
𝒏
𝒋=𝟐
]
(1)
Onde:
𝐹𝐺𝑖,𝑘 é o valor característico das ações permanentes;
𝐹𝑄1,𝑘 é o valor característico da ação variável admitida como principal para a situação
transitória considerada;
Ψ0𝑗,𝑒𝑓 é o fator de combinação efetivo de cada uma das demais variáveis que podem agir
concomitantemente com a ação principal 𝐹𝑄1. Durante a situação transitória.
O fator Ψ0𝑗,𝑒𝑓 é igual ao fator Ψ0𝑗 adotado nas combinações normais, salvo quando a ação
principal 𝐹𝑄1 tiver um tempo de atuação muito pequeno, caso em que Ψ0𝑗,𝑒𝑓 pode ser tomado
com o correspondente Ψ2𝑗 .
Coeficiente Gama-z
Com o lançamento das cargas no “software” SAP2000-v.17 e suas respectivas combinações,
foi verificada a situação deformada da estrutura, a fim de obter o valor do deslocamento Δx.
Em seguida, com o somatório de cada esforço normal vertical do pavimento (Ni) multiplicado
pelo deslocamento do pavimento (Δxi), foi gerado o momento estabilizante do pavimento. O
momento estabilizante do pórtico (ΔM,𝑡𝑜𝑡,𝑑) é o somatório dos momentos de cada pavimento
dado pela equação 2.
Com a ação do vento de 1kN considerada por simplificação e altura do pórtico de 19,2 m, foi
calculado o momento desestabilizante dado pela equação 3, e o valor encontrado foi de
353.894,4 KN.mm. Com isso foi possível calcular o coeficiente Gama-z (Equação 4).
ΔM,𝑡𝑜𝑡,𝑑 = ∑ 𝑁𝑖 ∙ Δ𝑋𝑖 (2)
M1,𝑡𝑜𝑡,𝑑 =𝑞𝑙2
2 (3)
𝛾𝑧 =1
ΔM,𝑡𝑜𝑡,𝑑M1,𝑡𝑜𝑡,𝑑
(4)
Efeito P-∆
É um processo iterativo de análise não linear geométrica que ocorre em qualquer estrutura, onde
os elementos são submetidos a forças axiais, conforme a figura 7.
Segundo FUSCO (1981), o processo se desenvolve em duas etapas. A primeira etapa consiste
em fazer uma análise linear de primeira ordem, onde se calcula os deslocamentos horizontais.
E na segunda etapa, são considerados os deslocamentos encontrados na etapa anterior com
forças horizontais suplementares.
Figura 7 – Iterações do processo P-Delta.
Fonte: LIMA, 2001 (Adaptado).
Conclusões
O concreto pré-moldado possui diversas vantagens em relação à execução de uma estrutura
concretada in loco, entre elas a maior economia de materiais, menor tempo de execução, maior
controle de qualidade e uma obra mais limpa. As disposições de cálculo e critérios para o
dimensionamento são os mesmos. Contudo, sabe-se que estruturas pré-moldadas são mais
suscetíveis à instabilidade global devido a sua disposição executiva.
O intuito desse estudo foi quantificar tal instabilidade numa representação numérica com
modelo físico mais próximo da realidade, onde foram propostos dois modelos para a execução
de uma estrutura de seis pavimentos em concreto pré-moldado, analisados através do
“software” SAP2000 - v.17.
Tabela 3 – Resumo das análises
Fase
Modelo 1 Modelo 2 Gama-z P-delta Gama-z P-delta
1 1,01 - 1,01 -
2 1,17 1,19 1,17 1,19
3 1,09 1,17 1,11 1,21 1,09 1,17 1,12 1,22
Na tabela 3 é possível observar o resumo da comparação destes dois modelos propostos, onde
a análise numérica foi dividida em três fases. Na primeira fase foi simulado no “software” a
montagem in loco das vigas e pilares onde o coeficiente Gama-z foram iguais a 1,01 para os
dois modelos, sendo inferiores ao limite de 10% dos efeitos de 2ª ordem indicados pelo item
15.5.1 da NBR 6118:2014. Na segunda fase foi aplicado o momento de vinculação parcial dos
nós e a configuração da estabilidade global com os efeitos de 1ª ordem superaram o valor de
1,1 indicados pelo item 15.5.3 da NBR 6118:2014, sendo necessário a análise com os efeitos
de 2ª ordem indicados pelo item 15.7.3 da NBR 6118:2014, onde o processo é valido para
limites inferiores a 1,3. Portanto, as análises foram feitas e os valores se mantiveram no limite
permitido, mas seria necessário uma consideração de possíveis travamentos da estrutura durante
esta fase construtiva pois a estrutura foi considerada como sendo de nós móveis com alto grau
de deslocabilidade. Este contraventamento poderia ser feito por exemplo, por atirantamento
com correntes ou cabos de protensão funcionando como tirantes simples. Já para a terceira fase
foi simulado a solidarização destas ligações e os resultados para a análise dos efeitos de 1ª e 2ª
ordem se mantiveram abaixo do limite imposto pela norma, mas permaneceu com alto grau de
deslocabilidade, onde para o modelo 2 houve uma situação 0,83% mais crítica que o primeiro
modelo.
Há outros fatores que influenciam diretamente nessa estabilidade que não foram consideradas
no estudo, como por exemplo, as análises com redistribuição dos esforços, análises com
pavimentos solidarizados e pavimentos em execução, a iteração solo-estrutura, a influência do
tipo de console, a fluência e retração do concreto, a utilização de consoles soldados ou até
mesmo a influência do tempo no pórtico, que podem ser explorados em trabalhos futuros.
Devido a situação mais crítica do modelo 2, ele foi considerado como o modelo que melhor
representou a análise numérica da estabilidade global para edificações pré-moldadas de
múltiplos pavimentos. A possibilidade de lançar os valores de dimensões do console na
vinculação de ligação deste com o pilar, se mostrou como outro ponto positivo para a análise.
Entretanto, as análises foram apenas numéricas, sendo necessário uma comparação com uma
análise experimental que quantificasse de forma mais precisa os momentos gerados pela
vinculação parcial dos nós e assim, determinar exatamente o modelo que melhor se igualou às
representações dos efeitos reais sobre os elementos de ligação viga-pilar para estruturas pré-
moldadas.
Referências
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - ABNT. NBR 8681: Ações e Segurança
nas estruturas. Rio de Janeiro, 2003. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS - ABNT. NBR 9062: Projeto e Execução de
Estruturas de Concreto pré-moldado. Rio de Janeiro, 2006.
CAMPOS, P. E. F. Da argamassa armada ao microconcreto de alto desempenho: perspectivas para o
desenvolvimento da pré-fabricação leve. 2002. 150 f. Dissertação (Doutorado) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2002.
EL DEBS, M. K. Concreto pré-moldado: fundamentos e aplicações. Escola de Engenharia de São
Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2000. FERREIRA, M. A. and Elliott, K.S. Strength-Stiffness Requirement Approach for Semi-Rigid Precast
Connections. RESEARCH REPORT, University of Nottingham, UK, 2002.
LIMA, J.S. Verificação de punção e da estabilidade global de edifícios de concreto: Desenvolvimento e aplicação de recomendações normativas. São Carlos. Dissertação (Mestrado) - Escola de
Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo. 2001.
FUSCO, P. B. Estruturas de Concreto. Solicitações normais. Editora Guanabara Dois. Rio de
Janeiro,1981. VASCONCELOS, A. C. O Concreto no Brasil: pré-fabricação, monumentos, fundações. Volume III.
Studio Nobel. São Paulo, 2002.