estudo critico sobre joão antônio

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CSSIA ALVES FERREIRA

ESTUDO CRTICO DA BIBLIOGRAFIA SOBRE JOO ANTNIO : 1977-1989

ASSIS-2003

CSSIA ALVES FERREIRA

ESTUDO CRTICO DA BIBLIOGRAFIA SOBRE JOO ANTNIO : 1977-1989

Dissertao apresentada Faculdade de Cincias e Letras de Assis UNESP, para obteno do ttulo de Mestre em Letras (rea de concentrao: Literaturas de Lngua Portuguesa).

Orientadora: Ana Maria Domingues de Oliveira

ASSIS-2003

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) Biblioteca da F.C.L. Assis UNESP

F383e

Ferreira, Cssia Alves Estudo crtico da bibliografia sobre Joo Antnio: 19771989 / Cssia Alves Ferreira. Assis, 2003 177 f. Dissertao de Mestrado Faculdade de Cincias e Letras de Assis Universidade Estadual Paulista. 1. Literatura brasileira Histria e crtica. 2. Ferreira Filho, Joo Antnio, 1937 1996. I. Ttulo. CDD 869.909

DADOS CURRICULARES

CSSIA ALVES FERREIRA

NASCIMENTO: 02.10.74

FILIAO:

Francisco Ferreira Valtersia Alves Ferreira

1995-1998:

Curso de Graduao Universidade Estadual de Maring (UEM)

1999-2000:

Professora de Lngua Portuguesa e Literatura Brasileira Centro de Educao Bsica para jovens e adultos Prof Professor Manoel R. Silva.

minha famlia, do meu convvio;

que

abriu

mo

A Rmulo, pelo apoio constante no decorrer desta pesquisa; A Joo Antnio.

AGRADECIMENTOS

Devo agradecer, sobretudo, querida orientadora Ana Maria Domingues de Oliveira, que me prestou valiosa orientao e auxlio sempre generoso e incondicional na elaborao desta pesquisa;

aos professores doutores Luiz Roberto Velloso Cairo e Maria Ldia Lichtscheidl Maretti pelas relevantes sugestes e sensveis leituras de meu trabalho no exame de qualificao;

s estudiosas de Joo Antnio, Jane, Luciana, Renata e Clara pelas valiosas contribuies em conversas e material sobre minha pesquisa;

ao pessoal de iniciao cientfica, sempre disposto a dar aquela mozinha.

Agradeo tambm professora Iracy Corra, pela reviso precisa e minuciosa deste trabalho; aos professores de graduao, especialmente May Holmes Zanardi, a quem devo meus primeiros passos na trajetria dos estudos literrios; a todos os funcionrios da Seo de Ps-Graduao desta faculdade, pelo apoio;

Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo FAPESP, pelo financiamento da pesquisa.

FERREIRA, C. A Estudo crtico da bibliografia sobre Joo Antnio (1977-1989). Assis, 2003, 178 p. Dissertao (mestrado). Faculdade de Cincias e Letras. Universidade Estadual Paulista.

RESUMOEste estudo prope uma anlise da recepo crtica do escritor Joo Antnio (1937-1996), no perodo compreendido entre 1977 e 1989, a partir de um conjunto de textos reunidos por ele mesmo e que se encontram depositados em seu Arquivo, na Faculdade de Cincias e Letras de Assis - UNESP. Sendo este trabalho uma das etapas de um projeto maior que visa reconstituio de toda a fortuna crtica do escritor, esta pesquisa corresponde segunda etapa do levantamento da recepo crtica. O primeiro levantamento, j feito por Jane Christina Pereira, intitula-se Estudo crtico da bibliografia sobre Joo Antnio: 1963 1976. Assim, nosso trabalho compreende a anlise de textos do ano de 1977 a 1989, estando prevista ainda uma terceira etapa, a ser realizada por outro pesquisador, a qual finalizar a pesquisa, analisando os textos de 1990 at a atualidade. O trabalho tem por objetivo a preservao da memria cultural e a divulgao deste autor no cenrio literrio brasileiro. O material analisado mostra como a crtica em jornais e revistas interpretou e divulgou as obras de Joo Antnio em uma determinada poca. Este trabalho levanta dados relevantes para fundamentar estudos sobre o autor, tanto os de carter mais avanados, como os histrico-crticos, quanto os de fases iniciais, para os que desconhecem a bibliografia do escritor.

FERREIRA, C.A . Estudo crtico da bibliografia sobre Joo Antnio: 1977-1989. Assis, 2003, 177 p. Dissertao (mestrado). Faculdade de Cincias e Letras. Universidade Estadual Paulista.

ABSTRACT This study has as proposal an analysis of critic recepton of the writer Joo Antnio (19371996), during the period of 1977 to 1989, from the amount of texts gathered by himself. These texts can be found in his record at Faculdade de Cincias e Letras de Assis UNESP. This research is linked to another one done by Jane Christina Pereira with the title Critic study on the bibliography of Joo Antnio: 1963-1976. In her research she aims to cover critic treasure written about Joo Antnio during this time. So it just one step to be encluded in a bigger study, because there is a desine to be conclued a third step by another researcher who will analyse text from 1990 to our days. Therefore, our research covers textual analysis from 1977 to 1989. The material analyzed points us how newspapers and magazines disclosed and understood Joo Antonios work in a certain period of time. This work gathers important data to bases studies about the author, such as the advanced ones, as the historicals and criticals as the elementaries ones, to whom the authors bibliography is unknown.

Key-words: memory cultural Joo Antonios bibliography critique on newspapers.

SUMRIO1. INTRODUO_____________________________________________________ 9 2. DESCRIO DO MATERIAL_________________________________________13 3. JOO ANTNIO E A LUTA NA (E PELA) LITERATURA_________________ 19 4. UM BREVE PANORAMA DA CRTICA LITERRIA SOBRE JOO ANTNIO_______________________________________________________ 27 4.1 Calvrio e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto:o romancista visto sob a tica de Joo Antnio_____________________________________ 31

4.2 Lambes de Caarola: a vida poltica popular do Brasil na dcada de 70____ 37 4.3 Copacabana!: a desmitificao da Princesinha do mar______________ 42 4.4 Dedo-Duro: os novos malandros de Joo Antnio______________________ 48 4.5 Menino do Caixote: a marginalidade no mundo infantil _______________ 54 4.6 Abraado ao meu rancor: o autobiogrfico na narrativa de Joo Antnio_______________________________________________________ 61 5. CONSIDERAES FINAIS___________________________________________68 6. BIBLIOGRAFIA COMENTADA______________________________________ 72 7. CATEGORIA DOS TEXTOS_________________________________________158 7.1 Levantamento numrico dos textos_________________________________ 158 7.2 Levantamento numrico dos textos ano a ano (1977-1989)_______________158

8. NDICES_________________________________________________________ 159 8.1 ndice alfabtico de jornais e revistas_______________________________ 159 8.2 ndice alfabtico de autores______________________________________ 164

9. BIBLIOGRAFIA___________________________________________________174 a) Bibliografia de Joo Antnio_____________________________________174 b) Bibliografia crtica e terica______________________________________174

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1. INTRODUO

A organizao bibliogrfica, de um modo geral, se torna um fator imprescindvel para a praticidade do mundo moderno. E, no que se refere memria cultural de um pas, esse ato torna-se ainda mais relevante, pois toda a cultura de um povo depende basicamente de sua memria e esta, para ser preservada, depende de toda uma equipe voltada para sua organizao e preservao. Podemos citar, como pioneiros que trabalharam neste sentido, Fidelino de Figueiredo, que na dcada de 40 realizou um estudo sobre a documentao bibliogrfica em seu livro Aristharcos (1941) e Otto Maria Carpeaux, em sua Pequena Bibliografia Crtica da Literatura Brasileira (1951). Este ltimo afirma que a necessidade de preservao e organizao das obras literrias surgiu no Renascimento, perodo que impulsionou o avano do conhecimento, com reformulaes de obras, reprodues e distribuio destas em vrias partes do mundo. De acordo com Ana Maria Domingues de Oliveira (2001, p.25) , estudiosa da fortuna crtica de Ceclia Meireles, embora os estudos sobre documentao bibliogrfica no pas sejam antigos, remontando ao perodo colonial, essa prtica no estaria se desenvolvendo adequadamente no sentido de facilitar ao pesquisador o acesso a essa modalidade literria. Ao propor, portanto, um trabalho ainda pioneiro nesta rea, a autora aponta para um crculo

vicioso existente no ramo , em que os estudos de documentao no so usados porque no so produzidos, e no so produzidos porque no so utilizados. Atualmente, nossa cultura nacional conta com os acervos literrios dirigidos por vrios

profissionais de diversas reas, como da historiografia literria, da biblioteconomia, arquivistas e pesquisadores da rea de literatura, que trabalham incansavelmente para a imortalidade daqueles que tanto colaboraram no processo de ampliao dos horizontes culturais brasileiros.

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Outro fator relevante, no s para a preservao mas tambm para a divulgao de determinado autor e sua obra, a crtica literria que, colocando em evidncia alguns autores ainda em processo de divulgao no mundo literrio, contribui para os estudos de escritores brasileiros e de suas respectivas colaboraes no cenrio da literatura nacional. Este o caso da recepo crtica do escritor contemporneo Joo Antnio, cujas obras possuem valor relevante para a cultura brasileira. Joo Antnio Ferreira Filho (1937 1996) destacou-se no cenrio literrio com seu livro Malagueta, Perus e Bacanao, publicado em 1963, o qual lhe valeu diversos prmios, proporcionando-lhe um merecido reconhecimento da crtica. Conceituado e valorizado por vrios crticos, como Alfredo Bosi, Antonio Candido, Joo Alexandre Barbosa e outros, foi vrias vezes premiado, tendo sua obra grande aceitao em pases como Argentina, Espanha, Alemanha, Venezuela e Tchecoslovquia. Admirador de Lima Barreto, procurou enaltecer as gentes esquecidas pertencentes ao submundo da sociedade. Nas palavras de Alfredo Bosi (1997, p.18):[...] o muambeiro de maconha e o menino engraxate, a mulher da vida[...] e o vendedor de bilhetes da Federal. Esse mundo de pequenos expedientes e da pequena malandragem que no Rio e na Bahia tem (ainda) o espao livre do morro e do mar, esgueira-se pelas ruas poentas de uma So Paulo suja, sem outro horizonte alm das silhuetas dos arranha-cus. Desse fundo torvo tirou Joo Antnio a linguagem lrico-popular.

As personagens ficcionais de Joo Antnio so jogadores de sinuca, os malandros, prostitutas, traficantes, otrios e os merdunchos, termo criado pelo escritor para designar os que no possuem uma renda fixa, como os otrios, mas que no chegam marginalidade, como seria o caso do malandro. Todos eles percorrem os bares, galerias, favelas e tantos outros lugares postos de lado pelas outras camadas sociais. Seu estilo contundente, para o crtico Alfredo Bosi, mescla-se com um certo lirismo, despertando sentimentos diversos no leitor.

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Admirador dos livros, Joo Antnio deixou-nos uma preciosa biblioteca, compreendendo aproximadamente dez mil obras. Seu esplio compreende ainda correspondncias, ensaios jornalsticos, discos e objetos de uso pessoal e constitui o Arquivo Joo Antnio, que est localizado no campus de Assis da Universidade Estadual Paulista - UNESP, servindo como objeto de estudo para os pesquisadores que desejam divulgar o trabalho desenvolvido pelo autor. No caso de Joo Antnio, apesar dos vrios estudos e das solues j apresentadas em publicaes, congressos e outros eventos, a organizao bibliogrfica de sua fortuna crtica ainda se encontra em fase de desenvolvimento. neste contexto que pretendemos, no presente estudo, realizar um trabalho de sistematizao e divulgao da fortuna crtica do escritor contemporneo Joo Antnio. Pesquisadores que atuam na rea j iniciaram o trabalho de catalogao da fortuna crtica do autor, coletada por ele mesmo, que se encontra na sala de arquivos, correspondendo a um total de trs mil textos variados. Estes, num primeiro momento, foram organizados sumariamente por Jane Christina Pereira (2001) que, orientada pela Dr Ana Maria Domingues de Oliveira, estudou a recepo crtica do escritor, especificamente entre os perodos de 1963 a 1976. Sua dissertao intitula-se Estudo Crtico da Bibliografia sobre Joo Antnio (1963-1976). Defendida a sua dissertao no ano de 2001, a estudiosa realizou um trabalho pioneiro no que se refere ao levantamento da crtica literria sobre o autor. Pereira, ao se deparar com trs mil textos de natureza diversa, tais como matrias jornalsticas, recibos de editoras, telegramas, bilhetes e cartas, folders de concurso de contos, cartazes anunciando noites de autgrafos etc, empenhou-se em organizar os textos, j fotocopiados por ela, separando-os e selecionando-os cronologicamente.

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Cabe ressaltar que a autora procurou, acima de tudo, dar ao trabalho um carter bastante prtico, abrindo, assim, vrios caminhos para aqueles que se interessarem em conhecer Joo Antnio. Devido grande quantidade do material doado pelos familiares do escritor e do prazo para a realizao do trabalho (aproximadamente trs anos, o correspondente durao do curso de mestrado), fez-se necessrio continuar a sistematizao da bibliografia, at que seja esgotada. Partindo de tais consideraes, o objetivo deste trabalho organizar uma parcela, correspondente ao perodo de 1977 a 1989, que compreende um total de 673 textos, publicados sobre o escritor. A organizao deste material ocorre por meio da ordenao

cronolgica, da descrio de cada ttulo e da elaborao de estudo crtico sobre o conjunto. Esta pesquisa, ao dar continuidade ao trabalho de Jane Christina Pereira, destina-se a facilitar o acesso s informaes sobre a recepo crtica de Joo Antnio, que, como veremos em captulos posteriores, no passou despercebido pela crtica de sua poca. Como o trabalho de levantar os originais, organizando-os e selecionando-os em pastas no Arquivo Joo Antnio, j fora realizado por Pereira, coube, agora, o levantamento da recepo crtica do perodo de 1977 at o ano de 1989. Dessa forma, o trabalho divide-se em dois momentos: um relacionado descrio dos materiais, ou seja, um apanhado geral, especificando a quantidade de textos e suas respectivas categorias, e outro de carter analtico, em que se esboa uma leitura de como a crtica recebeu e interpretou as obras de Joo Antnio. Quanto sistematizao da fortuna crtica de Joo Antnio, foram utilizadas as normas da ABNT (2002), em consonncia com a pesquisa de Jane Christina Pereira, qual esta pesquisa d continuidade. Os textos sero analisados comparativamente, de modo a proporcionar um panorama da crtica sobre Joo Antnio no perodo estudado.

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2 . DESCRIO DO MATERIAL

Para realizar a sistematizao sumria dos textos relacionados ao escritor Joo Antnio, procurei seguir a ordenao cronolgica j estabelecida por Jane Christina Pereira (2001), pesquisadora do perodo de 1963-1976. Segundo a estudiosa, no que se refere categorizao das sinopses, tem-se os mais diversos tipos de textos, como os

biobibliogrficos, que se referem s entrevistas, reportagens e referncias ao autor em colunas literrias, as resenhas crticas, que focalizam os lanamentos das obras, e os estudos propriamente ditos, que so os ensaios e artigos. Cabe ressaltar que esses materiais so textos, em sua maioria, jornalsticos, reunidos pelo autor. Quanto aos demais trabalhos produzidos sobre Joo Antnio, tais como teses defendidas nesse perodo ou livros referentes ao escritor, por exemplo, no entram no corpus desta pesquisa, ficando como fonte de outros estudos relacionados ao Acervo Joo Antnio. Desse modo, para realizar meu trabalho de anlise do material, segui o modelo de seleo j organizado por Pereira (2001, p.152), que utilizou o seguinte mtodo para classificar as categorias dos textos: 1) Biobibliogrficos: a. entrevista b. reportagem c. referncia em coluna literria

2) Resenhas crticas: a. em peridicos, por ocasio de lanamento de obras.

3) Estudos da obra:

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a. ensaios e artigos em livros b. ensaios e artigos em peridicos

De um modo geral, os textos de carter biobibliogrfico contextualizam os lanamentos das obras de Joo Antnio. As entrevistas, reportagens e referncias abordam diversas temticas, como a sua opinio diante dos acontecimentos poltico-sociais da poca, seu processo de criao e a maneira como se relacionava com o mercado editorial, enfim, trata-se de textos, em sua maioria, de carter biogrfico. Nesse material, temos informaes relevantes sobre recepo crtica em relao ao sucesso do escritor e sua evidncia nas letras brasileiras daquele momento. Nas resenhas crticas, por exemplo, temos um material voltado, especificamente, ao lanamento das obras de Joo Antnio, portanto, so informaes que fundamentam estudos voltados para a relao obra-leitor. Apesar da ocasional superficialidade de alguns desses textos, como o caso de notas que anunciam brevemente um lanamento de livro, ou a presena do escritor em palestras ou noites de autgrafos, as resenhas, em sua maioria, apontam caractersticas singulares e essenciais para o leitor de jornal que buscava informaes rpidas e eficientes sobre a obra do escritor. Assim, percebemos como eram recebidos e interpretados os seus livros, que estavam constantemente nas listas dos mais vendidos. Cabe ressaltar que nem sempre o enfoque dessas resenhas est em seus personagens malandros, pois caractersticas como linguagem, temtica, autobiografismo, universo infantil em Joo Antnio, e vrios outros pontos, so citados para preparar o leitor sobre o estilo contundente do escritor paulista. Os textos referentes ao estudo das obras do escritor constituem-se de ensaios e artigos em livros ou peridicos. Possuem um carter mais acadmico, com discusses tericas e mais

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consistentes sobre os vrios aspectos das narrativas do autor, tais como personagens, temticas, enfim, o universo narrativo presente nos livros de Joo Antnio. Os textos com que trabalhamos abrangem os anos de 1977 a 1989. O de 1977 foi marcado pelas obras Calvrio e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto e Lambes de Caarola. Em 1978, destaca-se o livro Copacabana! Depois desse perodo, houve uma pausa de trs anos na cronologia editorial jooantoniana e, no ano de 1982, Joo Antnio aparece com Dedo-Duro e em 1983 com Menino do Caixote. Novamente teremos uma pausa de dois anos e em 1986 publicado Abraado ao meu Rancor. Nos anos de 1987, 1988 e 1989 no teremos nenhuma publicao. A razo de estarmos estudando tal perodo deve-se quantidade dos textos - da nosso estudo cessar no ano de 1989. No perodo de 1977 a 1989, temos um total de 673 ttulos, um nmero significativo para o curto espao de tempo do curso de mestrado. O conjunto dos ttulos, considerado ano a ano, divide-se em categorias distintas de textos. No ano de 1977, h 5 textos referentes a entrevistas, 55 reportagens sobre Joo Antnio, 47 que dizem respeito a referncias ao autor em coluna literria, 55 resenhas crticas sobre lanamentos de obras, 3 ensaios e (ou) artigos em livros e 9 ensaios e (ou) artigos em peridicos. Teremos, assim nesse ano, um total de 174 textos. As obras que marcam o perodo so Calvrio e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto e Lambes de Caarola. Trata-se de um material que se destaca pela temtica memorialstica, j que o escritor recupera personalidades histricas em suas narrativas. Em 1978, h um total de 98 textos, dos quais 10 ttulos so entrevistas, 30 so referentes a reportagens, 30 sobre referncia em coluna literria, 24 resenhas crticas, 1 ensaio em livro e 3 ensaios e (ou) artigos em peridicos. Nesse ano, Joo Antnio no publicou nenhuma obra, mas existem ttulos relevantes sobre o contexto que envolve as obras j publicadas e alguns comentrios sobre seu futuro lanamento, Copacabana!

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No ano de 1979, h a publicao do livro Copacabana! Dentre os 68 ttulos, os textos esto compostos de 7 entrevistas, 13 reportagens, 15 referncias em colunas literrias, 29 resenhas e 4 ensaios e artigos em peridicos e nenhum texto referente a ensaio em livros. Embora no haja texto ensastico em livro, h resenhas e reportagens consistentes que abordam criticamente vrios aspectos da obra, raramente deixando a desejar ao leitor, seja ele pertencente a um pblico fiel e j conquistado por Joo Antnio, seja um leigo que procura conhecer a produo do autor. J os anos de 1980 e 1981 so perodos de entre-lanamentos e de relanamentos. Desta forma, h um devido destaque para as novas edies de Malagueta, Perus e Bacanao, Malhao do Judas Carioca, Casa de Loucos e Leo-de-Chcara. Nesse perodo, temos um total de 86 textos que esto compostos por: 7 entrevistas, 23 reportagens, 22 referncias em coluna literria, 30 resenhas, 1 artigo em peridico e 3 artigos em livros. Nesses anos, h um material que contextualiza, de forma mais evidente, a produo do escritor. As entrevistas e algumas reportagens ressaltam aspectos biogrficos e os ltimos acontecimentos da carreira do escritor, j preparando os leitores de Joo Antnio para seu prximo lanamento, o livro Dedo-Duro. Os 75 textos de 1982, ano da publicao de Dedo-Duro, esto compostos por 9 entrevistas, 23 reportagens, 15 referncias em coluna literria, 23 resenhas e 5 ensaios e artigos em peridicos. Esse material, de maneira geral, destaca-se pela consistncia de seus textos, sejam eles resenhas crticas sobre o livro ou os artigos que focalizam as vrias abordagens e discusses que a publicao desta obra desperta na crtica. Em 1983, ano em que ocorre o lanamento de Menino do Caixote, os textos esto distribudos em 6 entrevistas, 9 reportagens, 10 referncias em colunas literrias, 3 resenhas, e 6 artigos e ensaios em peridicos, compondo, assim, um total de 34 ttulos. Considerando que o ano de publicao dessa obra marcado pela pequena quantidade de textos, existem

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abordagens inditas sobre a produo de Joo Antnio. Uma delas seria uma anlise de como o escritor trabalha o mundo infantil em sua obra. Quanto ao perodo de 1984 e 1985, tambm sem publicao de obras, h 59 textos que se encontram em 5 entrevistas, 24 reportagens, 16 referncias em colunas literrias, 9 resenhas, 1 artigo publicado em livro e 4 ttulos publicados em peridicos. Esse perodo, assim como os anos de 1980 e 1981, marcado por temas biogrficos e retomada de outras obras anteriores, como Menino do Caixote e os clssicos Malagueta, Perus e Bacanao e Leo-de-Chcara. Em 1986, ocorre a publicao do livro Abraado ao meu Rancor. Os 29 ttulos compreendem 2 entrevistas, 3 reportagens, 1 referncia em coluna literria, 20 resenhas e 3 artigos publicados em peridicos. Os textos publicados nos anos de 1987, 1988 e 1989 tambm so relanamentos e antecedem publicao de Zicartola (1991), penltima obra do escritor. Somam-se 50 ttulos, que se dividem em 3 entrevistas, 13 reportagens, 9 referncias em colunas literrias, 18 resenhas e 7 ensaios e artigos em revistas ou peridicos. Vale ressaltar que, em meio aos livros publicados com a autoria de Joo Antnio, temse lanamentos de coletneas nas quais o escritor participa com publicaes de narrativas, ou at mesmo como organizador de antologias de escritores nacionais para algum livro de contos. o caso das coletneas Literatura Brasileira em Curso, Quince cuentistas brasileos de hoy, na Argentina, Vida Cachorra em que o escritor participa com a narrativa Frio e a revista Extra-Realidade, n 4, intitulada Malditos Escritores! e organizada pelo prprio escritor, todas publicadas em 1977. Aparece, ainda nesse ano, o longametragem O Jogo da Vida, baseado no livro Malagueta, Perus e Bacanao, dirigido por Maurice Capovilla. No ano de 1978, lanada a coletnea O Moderno Conto Brasileiro, organizada por Joo Antnio, e

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em 1983 h a publicao do Panorama do Conto Paulista. Em 1984, destaca-se a antologia Para Gostar de Ler. Alm disso, grande parte do material corresponde s notas sobre tradues de algumas de suas obras na Alemanha, Argentina, Estados Unidos e outros pases. Outro tema muito ressaltado por notas e anncios a constante participao do escritor como jurado em concursos de contos, bem como suas viagens pelos diversos estados brasileiros em busca de um contato maior com o seu pblico leitor. Concomitantemente aos assuntos relacionados aos lanamentos de obras, dado destaque aos temas de carter poltico-social em que o escritor questiona, constantemente, a precariedade da educao no Brasil. Sobre tais discusses, encontra-se um material diversificado e consistente. A militncia na literatura produzida pelo escritor proveniente de sua participao ativa na poltica de sua poca; da os textos focalizarem suas posies em relao ao jornalismo, malandragem, classe mdia, luta pela profissionalizao do escritor e fragilizada memria cultural no Brasil. Dessa forma, fizemos uma seleo de algumas reportagens e entrevistas que mostram a luta do escritor na busca da democratizao da literatura. Vale ressaltar que, no prximo captulo, o intuito mostrar algumas das vrias polmicas que envolvem o nome do escritor nos jornais, pois so vrios os temas levantados por ele em suas entrevistas e reportagens, devido ao seu olhar crtico frente ao mundo que o rodeia. Esses textos utilizados e discutidos colocam em evidncia alguns pontos sobre a posio de Joo Antnio em relao cultura nacional e a to discutida questo da sua autopromoo como escritor.

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3. JOO ANTNIO E A LUTA NA (E PELA) LITERATURAA literatura no existe. O que h a vida, de que a poltica e a arte participam. (Honor de Balzac)

Um dos temas mais discutidos por Joo Antnio em suas entrevistas a questo da falncia da memria nacional. Para o escritor, essa problemtica estaria relacionada, basicamente, a trs fatores que interferiam no crescimento e na expanso da literatura brasileira, a saber: o impedimento da expresso artstica brasileira, ocasionada pela censura, a centralizao da cultura, que se encontraria concentrada no estados do Rio de Janeiro e de So Paulo, e o descaso das editoras em relao aos lanamentos de livros nacionais, sendo este ltimo uma justificativa para a atitude to polmica do escritor: a de autopromover-se no mercado editorial. Numa reportagem do jornal A Notcia, em dezembro de 1977, o autor, cujo nome no explicitado, discorre sobre um debate em que Joo Antnio, junto com Affonso Romano de SantAnna, Igncio de Loyola Brando e Genolino Amado, discute com estudantes de Letras a respeito da centralizao da cultura nacional, impedindo uma arte mais expressiva da realidade brasileira. De acordo com o texto:Segundo o escritor, o pas est ocupado por modelos econmicos e polticos que no so os nossos e anda em tal estado de dependncia que no pode inaugurar uma cultura brasileira. Para inauguramos uma cultura realmente brasileira, o pas tinha que ter mais plos culturais com fora de expresso nacional (A Notcia, dez. 1977).

O escritor sugeria, segundo o texto, a transformao de outros estados brasileiros em plos nacionais, como a Bahia, o Rio Grande do Sul, o Par, o Paran etc, alm do Rio e de So Paulo. Para Joo Antnio, somente a descentralizao cultural traria autonomia para a arte brasileira, eliminando, dessa maneira, a tendncia de supervalorizar alguns best-sellers, como Hermann Hesse ou Irving Wallace, em detrimento dos autores nacionais.

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Outro fator relacionado falta de autonomia da literatura brasileira seria a ditadura poltica e cultural no pas. Para o escritor, esse acontecimento impediria a liberdade de

expresso artstica, ocasionando uma lacuna na formao do modelo cultural brasileiro. Esse fato estaria claramente refletido na literatura. O escritor paulista, no Dirio do Povo, 27 de outubro de 1975, fala sobre o assunto sem eufemismos:Para mim, a censura ridcula e intil. exceo. Atrapalha e tolhe qualquer ato lcido, qualquer possibilidade de criao, qualquer manifestao sincera e fundamentada a respeito da realidade. Nem eles prprios sabem o que censuram. Censuram a si prprios. Ela , em sntese, absurda, simplesmente absurda.

Apesar de no ter nenhuma de suas obras censurada, foi participante ativo do manifesto dos intelectuais contra a ditadura no pas. Para Joo Antnio, as conseqncias do clima repressivo intensificado pelo Ato Institucional n 5, perodo de sua produo, agravaria o problema da formao e do desenvolvimento da memria cultural no Brasil. Segundo o texto publicado na Folha de So Paulo em janeiro de 1977, cujo autor annimo1 , o escritor se revoltaria com o impedimento dos livros Araceli, meu amor, de Jos Louzeiro, Zero, de Igncio de Loyola Brando e Feliz ano novo, de Rubem Fonseca, defendendo seus colegas escritores que sofreram diretamente as conseqncias do AI-5. Outro ponto levantado em suas discusses sobre a falta de memria nacional seria o descaso do mercado editorial em relao divulgao dos exemplares brasileiros. Para o escritor, este fato estaria diretamente ligado dificuldade enfrentada pelos autores brasileiros na luta pela profissionalizao do escritor. No so raras as vezes em que o escritor aparece movendo processos contra editoras que no pagam os direitos autorais, ou nem sequer o consultam antes de publicarem suas narrativas em coletneas organizadas pelas mesmas. De acordo com Bete Rodrigues, no jornal A Gazeta, em junho de 1976, Joo Antnio denunciaria doze editoras que se encontravam no Rio Grande do Sul, So Paulo e Rio de

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Janeiro. Segundo essa autora, o contista teria reunido 76 escritores que tiveram seus textos publicados na antologia Literatura Brasileira em Curso, lanado pela editora Bloch, pela qual apenas dois Drummond de Andrade e Autran Dourado teriam recebido os direitos autorais, depois de terem levado a questo ao Supremo Tribunal. Partindo dessa premissa, o escritor, ao levar o caso justia, receberia quatrocentos mil cruzeiros da editora, o equivalente a dois mil exemplares. Mesmo assim, dos outros 74 autores, segundo Rodrigues, nem todos iriam participar da denncia contra a editora. Em um de seus depoimentos para a Folha de So Paulo, intitulado Joo Antnio Contra os Caloteiros, em 1978, o autor escreve uma carta dirigida editora Bloch explicitando o calote que esta teria dado no escritor. Nas palavras do mesmo:Aqui na terra, continuam lanando mo do texto alheio sem a menor contemplao. Ou dignidade. At hoje, dez anos aps o lanamento, no recebi um centavo sequer pela incluso do meu conto Afinao da Arte de Chutar Tampinhas na antologia Literatura Brasileira em Curso da Bloch Editores.

O fato de o autor ver seus textos em antologias sem qualquer explicao ou permisso de sua parte o deixava revoltado, principalmente ao ver que ningum (ou quase ningum) se dispunha a brigar com os ditos poderosos, frutos de um sistema competitivo e individualista, em que o intelectual seria considerado como um desvairado, como afirma Joo Antnio numa entrevista cedida a Maria Amlia e intitulada No mato sem cachorro, no jornal ST, de 10-11 de fevereiro de 1979. Dessa forma, Joo Antnio constantemente citado em reportagens que abordam esse tema, pois o autor defende, incansavelmente, a democratizao da literatura brasileira. Para ele, a luta pelos seus direitos e de seus colegas faz parte do processo de uma literatura empenhada em acontecimentos sociais de sua poca. Seu objetivo maior era o de abrir

caminhos para outros autores que tambm buscassem reconhecimento no mercado editorial.

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Durante o perodo ditatorial, era comum a preservao do nome dos escritores de colunas literrias devido perseguio da censura aos jornais.

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A imprensa aponta Joo Antnio como um dos intelectuais que mais marcaram presena na luta pela popularizao da literatura brasileira. Em notas sobre a venda de livros nacionais, Joo Antnio constantemente citado por defender no s os seus direitos de autor, mas tambm por buscar o reconhecimento da literatura nacional. So vrias as participaes do escritor em praas pblicas, palestras e seminrios, discutindo a situao da literatura no Brasil. Esse trabalho de conscientizao est refletido em vrias reportagens e entrevistas em que o escritor nada esconde sobre sua batalha diria com livreiros e editores nacionais, ou at mesmo com o cineasta Maurice Capovilla, diretor do filme O Jogo da Vida, baseado em sua obra que, segundo o escritor, tambm no teria pago os direitos autorais conforme o combinado. Apesar da atribulao que envolve Joo Antnio com o mercado editorial, suas obras aparecem constantemente em notas sobre os livros mais vendidos. Todos os seus exemplares so reeditados diversas vezes, como acontece com Leo-de-Chcara que, em 1986, se encontra em 7 edio. O livro Lambes de Caarola, lanado em 1977, chega a ser disputado por trs editoras, como afirma Carlos Menezes no Jornal O Globo, em 5 de setembro de 1977, e no ano seguinte j se encontraria na 3 edio. Aproveitando-se do prestgio editorial de que possuidor, segundo Paulo Klein, Joo Antnio alertaria seus companheiros de profisso sobre o fato, que no deveria ser revelado, assim como o nome das editoras. Mas o escritor o revela no jornal Dirio do Grande ABC, de 13 outubro de 1977:Trs editores concorreram para publicar meu livro, e pedem para eu no dizer seus nomes; mas eu conto s para alertar meus companheiros de profisso. Foram a Civilizao Brasileira, do Rio, a Comunicao, de Belo Horizonte, e a L & PM, de Porto Alegre, que ganhou a parada. Eu exigi 15% de direito autoral sobre o preo da capa, tirando mnima de 10.000 exemplares e tudo pago adiantado, independentemente de venda ou no.

Essa citao mostra seu prestgio e sua importncia para as editoras nacionais. Apesar de Joo Antnio estar sempre indignado com a situao do escritor, particularmente no Brasil,

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sempre estava numa posio privilegiada, pois o que se tinha at ento entre editoras e autores era o acordo de 10% de 3.000 exemplares pagos medida que se dava a venda dos livros. Essa era a realidade para grande parte dos intelectuais brasileiros, mas Joo Antnio, segundo seu prprio testemunho, teria um tratamento bastante diferenciado. Devido a esse fato, conclui-se que um de seus objetivos, enquanto escritor, foi abrir caminho para outros autores que tambm buscavam reconhecimento no mercado editorial. Apesar de estar sempre em evidncia nos jornais e obter venda considervel de seus exemplares, no Brasil e no exterior, Joo Antnio confessa no viver exclusivamente da literatura, porque esta, nas palavras do escritor, no sustenta ningum. Lamentavelmente, contudo, viver de literatura foi o grande objetivo de Joo Antnio que, assim como vrios outros escritores jornalistas (ou jornalistas escritores), lutavam pela profissionalizao dos autores brasileiros. Para Joo Antnio, a busca do reconhecimento do intelectual brasileiro tambm estaria ligada escassez de exemplares nacionais comparativamente aos livros estrangeiros que estavam sempre em evidncia nas prateleiras das livrarias, chegando a atingir 87% do total. Esse fato, de acordo com o escritor, seria conseqncia da falta de uma poltica de divulgao mais eficiente das obras nacionais. Quanto a essa hiptese, no encontramos controvrsias entre os crticos e os escritores que opinaram sobre o assunto. Joo Antnio, porm, no pra nessa premissa e afirma em suas entrevistas e reportagens que seria papel do prprio escritor eliminar o distanciamento entre sua obra e o pblico leitor, ou seja, alm de escrever uma literatura comprometida com o real, o autor de Malagueta, Perus e Bacanao ia s universidades em diversos estados nacionais, divulgando sua prpria produo literria. Na reportagem intitulada Joo Antnio e suas viagens pelo Brasil, publicada na Folha de So Paulo, em janeiro de 1977, o escritor afirma:

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[...] desta forma tentei ajudar na criao de uma ampliao do mercado para livros nacionais. Sabemos q as editoras no esto preparadas para uma ue divulgao a nvel nacional. Alm da falta de dinamismo nas promoes tem o problema de distribuio, que crnico e precisa urgente de novas frmulas. Da resolvi fazer eu mesmo este trabalho.

Mais uma polmica: Camel, cantor de rock, mascate, divulgador, vedete ou escritor, mesmo? a pergunta e ttulo do texto de Vivian Wyler. Essa reportagem, inserida no Jornal do Brasil, em dezembro de 1978, trata de opinies de alguns autores brasileiros diante da nova proposta literria. Embora seja unnime a opinio de que as editoras no pagam suficientemente os direitos autorais e no desenvolvem um trabalho srio de divulgao dos livros nacionais, formam-se duas vertentes diante do fato: uma mais acadmica e conservadora, representada por Autran Dourado, Jos Louzeiro e J.J. Veiga, outra mais ofensiva, que luta contra o ostracismo do escritor e da literatura brasileira. E ltima teria como adeptos Joo Antnio e sta Vilma Guimares Rosa, alm de Jlio Csar Monteiro que, apesar de concordar com a idia da autopromoo, no acredita na figura do escritor como fator da venda de seus livros. Na reportagem de Wyler, (Jornal do Brasil, dez. 1978), Jos Louzeiro afirma que, apesar de no recusar uma boa conversa com estudantes de Letras, no viajaria pelo Brasil afora em busca deles. De acordo com o escritor, o distanciamento entre o autor e seu leitor no estaria relacionado a um corpo-a-corpo com o pblico leitor. Rejeitando essa idia, discorre:No somos cantores de rdio, atores, compositores para quem a imagem parte da profisso. A verdadeira distancia, a que sempre existiu, a da literatura individualista, feita por filhos de burgueses, afastados dos problemas bsicos do pas (LOUZEIRO, 1978, Jornal do Brasil, dez. 1978).

De acordo com Louzeiro (1978), o ponto crucial que envolve a problemtica autor/leitor tem suas razes na temtica adotada pelo escritor. Para ele, o problema est na literatura alienante de alguns escritores, os quais no so citados no texto.

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Mais radical que Louzeiro, J. J. Veiga (1978) no admite ser uma atitude vivel para o escritor brasileiro. Alm da falta de tempo material para sair em busca da divulgao do prprio trabalho, o escritor no estaria incentivando o interesse do leitor pela obra, exclusivamente, e sim por sua pessoa. De acordo com Veiga (1978), Cabe editora divulgar o livro, no ao escritor. [...] E pode [o leitor] em muitos casos ficar at decepcionado ao conhecer o escritor pessoalmente. A escritora Vilma Guimares Rosa (1978) no concorda com J. J. Veiga. O trabalho de divulgao, para a autora, seria um trabalho imprescindvel para o novo perfil do escritor. De acordo com o texto, nos Estados Unidos, alm de o autor receber adiantados os seus direitos autorais, h toda uma jogada de marketing nos lanamentos das obras. Citando a autora: O escritor tem que fazer seu showzinho particular mesmo. [...] Viagens aos Estados, universidades, escolas, procurar jovens, pois esses ainda esto formando interesse, gosto. No Jornal O Popular, em outubro de 1977, Edilberto Coutinho, com o texto Papel do escritor opor-se s armas da destruio defende a idia de que os editores deveriam ter maior discernimento ao selecionar seus escritores e investir, com maior freqncia, no autor brasileiro: Se voc nunca ouviu falar de um autor, como ir comprar seu livro?, indaga o autor. Um dos culpados pela situao precria do livro nacional seria o prprio escritor, na viso de Coutinho, que teme passar por vendedor de sua prpria produo, acreditando numa duvidosa nobreza de um livro que, na verdade, no passaria de um produto qualquer no mercado de consumo. Dessa forma, o autor, no jornal O Popular, Goinia, em outubro de 1977, ressalta uma observao feita por Joo Antnio sobre essa postura de ostracismo do escritor:O contista Joo Antnio observou que algumas boas iniciativas s vezes no so utilizadas pelo escritor em seu proveito, porque ele no quer passar por vendilho de livros. Isto , acredita numa suposta nobreza d um produto, e que no mais que um produto como sabonete ou qualquer outro.

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Para Coutinho, o livro deve ser colocado no mercado e chegar at o consumidor, que o leitor. H uma preocupao por parte desses escritores em estabelecer um lao mais consistente entre o pblico e o autor. Assim, o elo de ambos contribuiria para o que Coutinho acredita ser a funo social da Literatura, fortalecendo as armas necessrias para a grande luta contra as foras da represso2 , pois este deve ser o papel do escritor brasileiro. Nota-se a preocupao proveniente de uma poca marcada pela aquisio imediata de bens materiais, em que a literatura seria consumida de forma semelhante aos outros produtos anunciados pelos meios de comunicao, como o sabonete ou qualquer outro, como afirma Coutinho na citao acima. E, diante desse contexto, torna-se imprescindvel a indagao e a reavaliao da funo do escritor e a definio do caminho a tomar para que seu trabalho seja valorizado como profisso e, s assim, poder contribuir realmente para o crescimento cultural do Pas.

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A represso teria uma conotao relacionada prpria censura e alienao da sociedade em geral; assim, o escritor, segundo Coutinho, teria o papel de conscientizar a populao diante de tais acontecimentos polticosociais.

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4. UM BREVE PANORAMA DA CRTICA LITERRIA SOBRE AS OBRAS DE JOO ANTNIO.

No Brasil, a crtica literria no se preocupa profundamente com a produo de Joo Antnio. Quem diz isto Ruud Ploegmakers em seu artigo Frescuras do Corao (a melancolia nos contos do submundo de Joo Antnio). Segundo o estudioso, a maioria das crticas a respeito das primeiras obras do escritor: Malagueta, Perus e Bacanao e Leo-dechcara consistia em artigos e resenhas em jornais que apenas anunciavam publicaes e lanamentos de livros e, na maioria das vezes, se limitavam a comentrios superficiais da obra. Segundo Ploegmakers:

A maioria dos crticos limita-se a apenas alguns contos e coletneas. No se encontra uma crtica de conjunto da obra de J. A. [...] O contedo da crtica consiste, alm dos elogios ao autor, numa caracterizao global da obra.[...] O resultado uma falta de argumentos que corroborem as teses expostas, dificultando assim a avaliao da crtica. (Suplemento Literrio de Minas Gerais, 1985, N 97l, p.8).

Como afirma o articulista, salvo rarssimas excees, os crticos no apontam caractersticas que vo alm do realismo brutal e da picardia nas obras do escritor paulista. Narrativas como Fujie, Busca, Visita, Trs cunhadas e Menino do Caixote, por exemplo, no tematizam o submundo do crime, da marginalidade e da violncia urbana. Para esse autor, h muitas temticas que exploram outro universo, mais lrico e metafrico, alm dos personagens malandros criados pelo escritor. Para Ploegmakers (1985), na maioria das vezes, os comentrios obra eram feitos de uma maneira geral, ao livro como um todo. No havia crticas a respeito de cada narrativa que compunha a obra. Quando destacavam um texto, era o da histria que dava nome ao livro, fato que, na opinio do autor, deixava transparecer uma leitura superficial da produo do escritor.

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Sobre esta questo, Antonio Roberval Miketen, no Correio Braziliense de 7 de dezembro de 1983, alerta seus leitores a respeito da temtica adotada por Joo Antnio:[...] cada conto de Joo Antnio um universo de lirismo e de alma brasileira. Afirmar que ele simplesmente o autor dos personagens da Boca do Lixo, de sinuqueiros e marginais, seria o mesmo que afirmar que Guimares Rosa o autor dos jagunos. So evidncias, generalidades excessivas.

Para o crtico, os personagens do escritor florescem do espao urbano, mas so tambm retratados pelos sonhos, angstias e anseios dos que vivem como menos favorecidos socialmente. Ou seja, vo alm de uma caracterizao generalizada do universo retratado na literatura de Joo Antnio. Jane Christina Pereira, em um dos captulos de sua dissertao (2001, p.57), ao analisar a crtica a respeito das quatro primeiras obras de Joo Antnio, Malagueta, Perus e Bacanao (1963), Leo-de-chcara (1975), Malhao do Judas Carioca (1975) e Casa de Loucos (1976), faz reflexes importantes acerca dessa questo. Segundo a autora, os pontos cruciais da produo do autor, tais como linguagem, retrato da realidade, fico urbana etc. so ressaltados, porm no passam de citaes sem comentrios a respeito, salvo raras excees. Afirma a estudiosa:Em relao aos textos analisados, estes revelam a abordagem freqente de alguns aspectos da obra de Joo Antnio: linguagem, retrato da realidade (...), entretanto, a maioria dos textos, descritos no captulo anterior, abordam superficialmente todos esses aspectos. (PEREIRA, 2001,p.57).

Ambos os autores citados, Pereira (2001) e Ploegmakers (1985), levantam um aspecto digno de uma reflexo associada ao material aqui analisado. Quando se tem em mente um estudo sobre a recepo crtica de um autor, a priori, preciso levar em considerao a crtica jornalstica em relao ao seu perodo de produo. Outro fator relevante a posio do escritor frente a outros autores de sua poca. No caso da recepo crtica do escritor Joo Antnio, tem-se uma produo marcada por um paradoxo comum poca dos artigos estudados sobre o autor: uma crtica militante

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ligada aos acontecimentos poltico-sociais de sua poca versus Ato institucional n 5, perodo de represso e controle total de qualquer tipo de expresso. O livro de Flvio Aguiar A palavra no purgatrio3 , no qual o autor recolhe textos de sua autoria publicados em jornais como Folha da Tarde, ltima Hora, Movimento e Correio do Povo, levanta esse tema to imprescindvel para um estudo sobre a recepo das obras produzidas num perodo marcado pela represso intelectual. Ao comentar a produo no jornal o Movimento, o crtico discorre: A vida em Movimento era muito conturbada, embora tivesse momentos emocionantes e criativos. O jornal fora submetido censura prvia desde seu primeiro nmero. [...] O sistema era moroso, complicado, e tinha por objetivo inviabilizar o jornal. Tnhamos de terminar as matrias, reportagens, artigos, at o meio da semana. [...] L pela sexta noite, s vezes quinta, nosso correspondente em Braslia passava pelo telefone para o secretrio da redao, em So Paulo, os cortes e vetos, pgina por pgina, linha por linha (AGUIAR, 1997. p. 12).

A citao deixa claro o processo pelo qual os textos redigidos chegavam ao leitor, ou seja, o que havia sobrado para o pblico. O livro de Aguiar destaca uma das dificuldades enfrentadas pelos crticos de jornais dessa poca, pois, em se tratando de crtica jornalstica, outros fatores devem ser levados em considerao, tais como espao fsico reservado para o texto ou at mesmo o tempo de que o crtico dispe para ler e interpretar uma obra e depois produzir sua crtica. Outro fator relevante a ser considerado, ao analisar o material da recepo da obra de Joo Antnio, a sua posio frente literatura produzida naquela poca. Apesar de uma suposta superficialidade de anlise crtica de suas obras, o escritor estava sempre em evidncia quando se anunciavam os exemplares mais solicitados pelo pblico leitor. Tal fato no ocorria, na mesma intensidade, com outros escritores daquela poca, como Jos Louzeiro,

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O ttulo deste livro o de uma crtica que Aguiar fez sobre o primeiro lanamento de Joo Antnio, Malagueta, Perus e Bacanao em 1963.

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Igncio de Loyola ou Wander Piroli, s para citar alguns, apesar destes tambm produzirem obras de grande valor para a construo do quadro literrio nacional. certo que a crtica sobre Joo Antnio consiste, em grande parte, apenas em anncios que no passam de sntese da obra, com um tmido ensaio que no vai alm do bvio na produo do autor, com abordagens que insistem em ressaltar a linguagem, o retrato da realidade presente na obra, a conscincia de classe e o submundo e, inutilmente, tentar enquadrar a obra em algum ismo literrio. Por outro lado, tambm relevante ressaltar que, diante das condies que envolvem a crtica jornalstica e de um escritor contemporneo, recm-lanado na literatura, os dados apresentados sobre o lanamento de seus livros so direcionados a um pblico leitor especfico: o do jornal. Dessa forma, a crtica de jornal, apesar de no desenvolver seus apontamentos com muito poder de reflexo, tenta revelar e alertar ao leitor as diversas facetas de Joo Antnio no que se refere a uma anlise mais aprofundada das suas obras, sobretudo no que concerne questo do gnero de seus textos. A trilha est traada, assim como alguns questionamentos quanto dificuldade em classificar o escritor contemporneo, que ora segue uma linha mais sociolgica, como a denncia social, trazendo tona tipos considerados marginais e subversivos, ora segue uma linha grotesca, tendendo mais para o caricatural como as histrias envolvendo o personagem Jacarand ,ora uma linha emotiva, recorrendo ao autobiografismo. Ou, ainda, as trs linhas mesclam-se, simultaneamente, em suas narrativas, como ocorre nas obras analisadas neste estudo.

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4.1 Calvrio e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto: o romancista visto sob a tica de Joo Antnio.Nunca, na minha vida, tentei coisa mais desinteressada do que escrever as minhas confusas emoes e pobres julgamentos; e nunca esperei desse meu ato seno aquilo que, entre ns, a literatura pode dar digna, limpamente. (Lima Barreto)

O ano de 1977 marcado pelo maior nmero de textos sobre Joo Antnio, que abrange um total de 175 ttulos. Alm de Calvrio e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto, ao qual pertencem os textos a serem analisados neste tpico, h ainda matrias sobre Lambes de Caarola, em fase de pr-lanamento, Revista Extra Realidade e vrios outros assuntos. Dessa forma, selecionamos alguns textos para uma leitura da recepo crtica da obra Calvrio e porres, cuja temtica o romancista Lima Barreto. Quanto ao mtodo utilizado para a seleo do material, levamos em considerao dois fatores bsicos o primeiro diz respeito ao grande nmero de textos, tornando impossvel a utilizao de todos, j que este tpico almeja apenas um breve panorama da opinio de alguns crticos sobre a obra em questo. Em segundo lugar, grande parte das resenhas compe-se de textos produzidos para jornais, sendo bastante comuns as notas breves ou os assuntos diversificados sobre a carreira do autor. Diante de tal material, escolhemos os textos mais consistentes e que procuram abordar aspectos variveis na produo do escritor. Entre eles esto os artigos: Literatura de carter (de Lima Barreto a Joo Antnio), de M rio Athayde Silva, Escreveu um homem chamado Lima Barreto: Nasci sem dinheiro, Mulato e Livre, de Samuel Rawet; as resenhas Lima Barreto- Um porre de calvrios, de Jcomo Mandatto , Calvrio e Porres do Pingente Lima Barreto; o novo livro de Joo Antnio, de Eduardo Francisco Alves, O Riso dos Pingentes, de Pedro Lyra e uma reportagem intitulada Vida e morte do Quixote Afonso Henriques de Lima Barreto, de Marcelo Beraba.

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H, naturalmente, neste perodo, um claro destaque do escritor Lima Barreto, devido ao lanamento de Calvrio e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto. Concomitantemente nfase na memria do autor de Numa e a Ninfa, ressaltado na obra de Joo Antnio, a crtica se volta para o aspecto biogrfico e para o valor scio-cultural brasileiro contidos na narrativa. O trabalho do escritor paulista ao colocar Lima Barreto em evidncia no meio literrio brasileiro chama a ateno no s do pblico leitor de Joo Antnio, mas tambm dos limanos, que tero um novo trabalho sobre o escritor maldito, como afirma Jcomo Mandatto. Segundo este autor (1977), em razo de trabalhos como esses, O triste fim de Policarpo Quaresma acabaria sendo traduzido para o ingls pela editora Rex Collins, em Londres. Afirma tambm ser essa a p rimeira obra de Lima Barreto a ser publicada na Europa. Tal acontecimento, para Mandatto, deve-se aos trabalhos realizados por diversos estudiosos que contriburam para a memria de Lima Barreto. O articulista cita a obra Calvrio e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto como uma grande mquina publicitria, que colocou o nome do romancista em evidncia. o que afirma Mandatto, no Suplemento Literrio de Minas Gerais, em 05 jan. 1977:Joo Antnio trabalhou como louco junto ao infindvel nmero de amigos que tem pelo Brasil, mandando releases para Deus e todo mundo. O resultado foi benfico para ele, pelo faturamento, e para Lima Barreto pelo reavivamento do seu nome, raramente lembrado.

De acordo com o autor, o trabalho de Joo Antnio nessa obra teria duplo valor para a literatura brasileira: um trabalho de reconhecimento de Lima Barreto e outro que se voltaria para si, pois venderia no s para seu pblico leitor, mas tambm para o de Lima Barreto. Ao evidenciar o fenmeno barretiano na narrativa do escritor, a crtica em geral discute dados biogrficos contidos em sua obra, desde os porres do escritor Lima Barreto at mesmo o depoimento do professor Carlos Alberto Nbrega da Cunha, que, por diversas vezes, desperta a curiosidade de ser ou no personagem ficcional na obra do escritor paulista.

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Num depoimento sobre o processo de criao da obra, o prprio Joo Antnio admite que em um de seus delrios chegara a duvidar da existncia do professor:Confesso que uma vez, a uma certa altura eu cheguei a duvidar das coisas. Era to real e to absurdo, que eu cheguei a pensar se havia inventado o tal professor, ou ele quem estava inventando, ou eu e ele que ramos realmente doidos. (FERREIRA FILHO, Livraria Cultura Imprensa,

1977).

Ao analisar a estrutura da narrativa no depoimento do professor Nbrega, o escritor observou que a linguagem utilizada por ele ia constituindo um retrato de poca muito rico e forte, pois se tratava de vocbulos que recompunham todo o clima intelectual e cultural de 1916. Partindo dessa premissa, Joo Antnio, num determinado momento de sua criao, segundo seu prprio testemunho, chegou concluso de que o professor era tambm ele um personagem de Lima Barreto dentro do Calvrio e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto, da o fato dessa personagem ter incorporado a estilstica e a linguagem barretianas. Vale ressaltar que as crticas nem sempre so elogiosas, havendo tambm desconsideraes, como o caso de Samuel Rawet em seu artigo intitulado Escreveu um homem chamado Lima Barreto: nasci sem dinheiro, mulato e livre, Correio Braziliense, no dia 4 set. de 1977. Nesse texto, o estudioso diz ter-se decepcionado com a obra de Joo Antnio, pois o texto passaria uma imagem de derrota do grande Lima Barreto:Me decepciono com o livro de Joo Antnio: Calvrio e Porres do Pingente Afonso de Lima Barreto. A imagem que nos d do grande escritor [Lima Barreto] a da derrota, imagem medocre de pssimo leitor ou pssimo companheiro.Conheci o subrbio de Lima Barreto em clima diferente (RAWET, 1977, grifo do autor).

Para o crtico, Joo Antnio teria confiado em demasia no professor Carlos Alberto Nbrega da Cunha, que cedeu as informaes sobre Lima Barreto no sanatrio da Tijuca.

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Segundo Rawet, o professor, que sofria de arteriosclerose, no teria condies psicolgicas necessrias para esse tipo de depoimento. Apesar da diferena de uma gerao entre o romancista e o articulista, este afirma ter conhecido o subrbio de Lima Barreto em clima bem diferente: enquanto Lima chegava a Inhama por Todos os Santos, eu chegava, vindo dos subrbios da Leopoldina, pela Rua Diomedes (Correio Brasiliense, 4 set. 1977). Samuel Rawet focaliza o romancista sob outra perspectiva. Concorda com o livro de Joo Antnio sob determinados aspectos, tais como a vida desregrada na bomia, sua singularidade entre tantos escritores de sua poca, mas no reconhece o Lima Barreto derrotado como o descrito na narrativa de Calvrio e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto. Desta forma, os comentrios at agora apresentados sobre o livro partem de aspectos biogrficos sobre o escritor de Policarpo Quaresma. bastante comum a presena de

depoimentos de Joo Antnio sobre o processo de criao da obra e seu objetivo de resgatar a memria barretiana que tambm marcaria, por meio do uso da linguagem do professor, o retrato do Rio de Janeiro no ano 1916. Pedro Lyra (2 jul. 1977), em seu texto intitulado O Riso dos Pingentes, comenta trs biografias lanadas simultaneamente: a de Cornlio Pires, feita por Macedo Dantas, a do ficcionista Xavier Marques, por David Salles e a de Lima Barreto, escrita por Joo Antnio. Ao comentar a finalidade expressiva de cada uma dessas biografias, o crtico afirma que o trabalho deste ltimo ultrapassaria o objetivo de fornecer dados sobre Lima Barreto e traria, para o leitor de sua poca, todo o retrato scio-cultural vivido pelo romancista brasileiro. Diante dessas consideraes, o crtico afirma que o trabalho de Joo Antnio seria bem mais expressivo, em se tratando de um trabalho de carter biogrfico, pois estaria

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mostrando o quanto Lima Barreto sofreu por retratar a realidade de seu tempo, no compartilhando das idias e ideais burgueses j to arraigados na poca de sua produo:O objetivo do Autor pode at ter sido o de revelar o carter autobiogrfico da obra de LB. Mas o resultado bem mais expressivo: mostra como Lima foi um escritor radicalmente comprometido com o real um escritor que sacrificado por esse real e, a partir disto, empenhado em transform-lo (LYRA, 1977, p.3).

Para o crtico, se Lima Barreto foi por um longo tempo marginalizado pela crtica de sua poca, Joo Antnio estaria trazendo-o de volta, para que finalmente pudesse ocupar seu lugar oficial e definitivo: o de precursor de uma prtica esttica ainda indita na literatura brasileira. Esta prtica, na opinio de Lyra, estaria no plano da representao da realidade nas narrativas de Lima Barreto, designada como realismo crtico, expresso alis utilizada por Joo Antnio numa entrevista cedida a Marcelo Beraba no Jornal O Globo, em 19 de jun. 1977. O escritor, ao admitir a influncia do romancista em sua produo literria, faz a seguinte afirmao sobre o estilo da obra barretiana: Acho que quando a literatura brasileira de hoje chegar a um estgio avanado de realismo crtico ela ter chegado exatamente ao ponto em que Lima Barreto j estava em 1916 (FERREIRA FILHO, 1977, p.5). Ainda evidenciando a influncia literria de Lima Barreto na obra de Joo Antnio, o estudante Mrio Athayde da Silva, em seu artigo Literatura de carter (de Lima Barreto a Joo Antnio), no dia 19 de junho de 1977, apresenta consideraes relevantes ao fazer uma leitura comparativa entre o romancista e o escritor contemporneo. Para esse estudioso, ambos os escritores se comprometeriam com o real em suas temticas. A linguagem popular e a total liberdade de impor-se aos ismos e aos dogmas ditados pela elite cultural brasileira, so os fatores que aproximam ambas as produes literrias. Nas palavras do autor:[...] o tema funo da sinceridade, da posio que compromete a arte com a vida de maneira indissocivel e inesgotvel. J a L.B e J.A nutrem identidade

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essencial identidade inclusive pela considerao, comum a ambos, de que artista sempre um homem, num lugar e num tempo. A, a funo da arte chega a ser a de mediatizar criticamente o dia -a-dia invisvel das propinas sorrateiras, com o outro dia-a-dia, visvel, do trabalho, do batente, da luta pela sobrevivncia (SILVA, 1977, p.5).

Dessa forma, de acordo com Silva, a arte para ambos os escritores exerceria uma funo mediadora entre o quotidiano dos seres marginalizados, que lutam pela sobrevivncia, e os favorecidos na sociedade com suas vidas graciosas e abundantes. A abordagem de Mrio Athayde Silva (1977) calcada no aspecto social presente em Calvrio e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto. O autor, ao fazer uma aproximao entre os dois escritores, busca ressaltar a luta de a mbos contra a depredao da alma nacional, deixando para segundo plano o academicismo e dogmas que constituem as escolas literrias. A propsito da mesma questo, Samuel Rawet focaliza aspectos biogrficos na obra jooantoniana. O crtico levanta informaes sobre a presena do professor Carlos Alberto da Nbrega na narrativa e discute o valor de seu depoimento ao escritor paulista, que estaria, juntamente com o autor do depoimento, internado num sanatrio. Jcomo Mandatto e Pedro Lyra observam o trabalho social em Joo Antnio, que evidencia a importncia de Lima Barreto para a literatura brasileira. Mrio Athayde Silva observa a temtica e a linguagem de ambos os escritores e comprova a influncia do romancista no trabalho de Joo Antnio. Diante de tais consideraes, nota-se a ausncia de uma discusso consistente em relao ao gnero da obra, embora este fato no signifique indiferena da crtica, pois muitos chegam a tocar no assunto, mas sem desenvolv-lo. Quanto s discusses a respeito do carter biogrfico no livro em questo, estas ficam no territrio do desejo de separar o fato - vida de Lima Barreto, da fico - o romancista na obra de Joo Antnio, sem nunca mencionar sobre a indissociabilidade de ambos como projeto da obra.

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No obstante essas questes abordadas pela crtica, a obra de Joo Antnio parecenos ultrapassar os elogios e opinies desfavorveis, pois, de acordo com Pedro Lyra, o escritor faz muito mais do que evidenciar o autor de O triste fim de Policarpo Quaresma, ao utilizar-se de sua produo literria para destacar um dos grandes escritores brasileiros. Concluindo este tpico sobre a recepo de Calvrio e Porres do Pingente Afonso de Lima Barreto, transcrevemos as palavras do crtico Eduardo Francisco Alves, que, no Suplemento Cultural do Jornal de Minas, em Belo Horizonte, afirma a grande repercusso do livro no mbito da crtica literria: [...] dois olhares sobre uma s vida, um COMPLOT de sensibilidades a psicografar este arquipotico itinerrio das andanas, pensares e fazeres de um escritor que para um reconhecimento justo da sua grandeza de brasileiro e de artista nos obriga a crescer muito como gente para poder entend-lo. (ALVES, 1977, destaque do autor).

4.2- LAMBES DE CAAROLA (A VIDA POLTICA POPULAR DO BRASIL DA DCADA DE 50) [...] o sorriso do velhinho estava acima dessa historiada. Agentramos black-out, desemprego, gasognio, racionamento e a molecadinha fuava o cho com a lngua para lamber o acar cado... (Lambes de Caarola)

O perodo que traz a publicao de Lambes de Caarola, que se d em outubro de 1977, marcado pela sucesso temtica da obra memorialstica, retratando personagens relevantes para o cenrio brasileiro de uma determinada poca. Essa afirmao de Roberto Gomes que, ao entrevistar Joo Antnio, numa matria intitulada Ainda h o que escrever, no Jornal do Estado do Paran, em 16 de dezembro de 1977, faz colocaes relevantes a esse respeito.

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Teremos como ponto de partida, nas anlises posteriores, essa observao do autor sobre o memorialismo presente no livro em questo. Quanto aos demais textos, alm dos citados acima, temos as consideraes de Jorge Escosteguy em Lambes, publicadas no jornal Versus, e um texto intitulado Lambes de Caarola, o novo livro para os jovens, sem autor, publicado no jornal O Fluminense, todos pertencentes ao ano de 1977. Quanto a uma possvel classificao, nas diversas abordagens sobre o livro, encontramos algumas afirmaes sobre a tipologia do texto, embora a crtica no tomasse este aspecto como prioridade. Houve uma preocupao maior em destacar o trabalho memorialstico contido na temtica e na linguagem, aspectos, alis, observados pela maioria dos estudiosos da obra de Joo Antnio. Autores, como Dirceu Lurdoso (1977), afirmam: Lambes uma crnica poltica numa situao ficcional, ou, como no jornal O Fluminense, (1977), em que se afirma que o livro uma novela que poderia ser definida como fico-realidade. Ambos os textos procuram indagar ou classificar a obra de Joo Antnio, mas esses aspectos no so pontos essenciais, so citados apenas como uma forma de tentar informar ao leitor, de maneira generalizada, sobre o estilo do livro. Esse uma entrevista a Roberto Gomes (O Estado do Paran, 16 dez. 1977, p.24), Joo Antnio afirma que, ao resgatar o fenmeno Getlio Vargas, estaria colocando em voga o nacionalismo e o tema da descolonizao, to comprometidos pela ditadura governamental. Sua militncia, segundo o prprio autor, se encontraria em seu estado mais agudo, permitindo outros desdobramentos de leitura, o que no aconteceria com sua primeira obra, o clssico Malagueta, Perus e Bacanao, que tanto impacto provocou na crtica. Referindo-se ausncia do memorialismo no Brasil, o autor de Lambes de Caarola discorre: A nossa falta de memria o resultado de todas as ondas de invaso estrangeira,

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hoje principalmente sensveis na rea de consumo, da comunicao e da educao (FERREIRA FILHO,1977, p. 24 ). Esse tipo de literatura seria uma forma de resistncia cultura imposta por meios comunicativos diversos, desde a Coca-Cola at o Kojak na televiso. Para o escritor, obras como Lambes de Caarola e Calvrio e Porres do Pingente Afonso Henriques de Lima Barreto teriam uma funo descolonizadora, ao trazerem para a literatura o que foi feito em busca do nacionalismo brasileiro, numa determinada poca. No jornal O Fluminense, em outubro de 1977, sob o ttulo Lambes de Caarola, o novo livro para os jovens, sem autor, dado destaque nova clientela jooantoniana: os adolescentes. Principalmente pelo fato de que a nova gerao, desta vez, conheceria Getlio pela tica do chamado povo e no pelos depoimentos de intelectuais e (ou) da classe mdia. De acordo com o texto:Os depoimentos oficiais ou de intelectuais so maravilhosos mas no dizem nada. Lambes de Caarola Getlio visto pela tica do chamado povo. No a tica dos intelectuais, nem dos empresrios, nem da classe mdia (O Fluminense, out. 1977).

A linguagem tambm um dos principais fatores que auxiliam no resgate da poca getuliana. O ttulo, segundo Joo Antnio, teria demorado um ms para ser encontrado, pois viria de uma expresso muito comum na poca e designaria os que no possuam nenhum poder e viviam das raspas do fundo da panela. Sendo assim, Jorge Escosteguy (1977) destaca a linguagem utilizada em Lambes de Caarola, um dos veculos mais ricos para a representao do cenrio nacional de sua gerao, nas palavras do autor: Antes de tudo, porm, o livro de Joo Antnio uma obra literria bem realizada ao nvel da linguagem. Talvez nenhum escritor brasileiro da nova gerao tenha conseguido, como ele, elaborar uma legtima (Versus, nov. 1977).

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O trabalho com a linguagem seria um reflexo da grande memria coletiva do povo que se lembraria de todos os acontecimentos ocorridos em uma outra poca e que seriam buscados, analisados e registrados. Escosteguy acreditaria que dessa memria se poderiam extrair algumas lies, embora fossem modestas as intenes de Joo Antnio. Quanto s possveis classificaes do gnero, temos consideraes relevantes, embora sintticas. No dia 13 de outubro de 1977, no Jornal de Braslia, Ary Quintela, ao comentar o recente lanamento de Joo Antnio, indaga desta forma aos que tentam classificar, inutilmente, o trabalho do escritor: Crticos, intelectuais, gnios do meu pas. Como ides classificar esse arroubo do Joo Antnio?. Em mais um lanamento do escritor, a polmica do inclassificvel vem tona nas anlises da crtica. Dirceu Lurdoso, em seu artigo Joo Antnio, o malungo, (11 set. 1977), assim define Lambes de Caarola: [...] o livro incorporou a reportagem, o ensaio e a fico. Estava retomado o roteiro da fico em outro nvel, numa situao de amadurecimento poltico, um livro sobre a poca populista. Porm, Lurdoso ressalta que o livro de Joo Antnio alcanaria o mrito no pelo mtodo adotado, ou pela classificao do gnero nele contido, mas pela obra em si. Dessa forma, tem-se a recuperao da memria de um povo e uma nova tica do fenmeno Getlio Vargas, ou seja, a viso das pessoas menos favorecidas. Nas palavras do crtico:O mito getulista no se formou somente de cima para baixo, do Catete para as ruas, os becos, as fbricas, mas ao mesmo tempo de baixo para cima, dos becos, das ruas, das fbricas para o Catete. O seu livro mostra essa segunda vertente.(LURDOSO, 11 set. 1977).

Para Lurdoso, o fenmeno de Getlio Vargas seria visto sob a tica dos moradores do Beco da Ona, como os operrios, malandros, putas, empregadas, lavadeiras, enfim, o mundo desses seres marginalizados. O mito Getulista trabalhado nesta obra transformaria todos esses infelizes numa nica categoria social. A frase Trabalhadores do Brasil! eliminaria todas as diferenas sociais e as contradies, impositivamente.

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Dessa forma, o discurso criaria a iluso de que todo esse mundo estaria numa nica categoria especial, do Brasil. Para Lurdoso, essa unidade seria dada ditatorialmente, do alto para baixo, do poder para o no poder. Enfim, esse apelo poltico, segundo o autor, seria feito com indiferena pela situao real de marginalidade de cada um. O mito getulista, manifestar-se-ia atravs da voz de um suposto protetor invisvel, distante da realidade de cada ser marginalizado. Para eliminar essa ausncia do pai protetor, o povo apelaria para a imagem de Getlio, nas palavras de Lurdoso (1977): Da a razo dos retratos de Getlio em cada lar, em cada botequim, nos prostbulos, nos muros, nas oficinas, nas fbricas. O pai ausente deve ser visto. E a imagem est ali na parede, na sala, junto ao oratrio.Para este estudioso, Joo Antnio teria apreendido muito bem o processo de mitificao de Getlio Vargas nas camadas populares, da o livro tratar do populismo desta poca sem ser populista, pois revelaria uma outra vertente do fenmeno Vargas para a histria brasileira. Ao desvelar esse mito pela tica marginal, Joo Antnio desmitificaria o mito criado pela burguesia, que seria a maior manipuladora dos fenmenos de mitificao na sociedade em geral. Pelos aspectos levantados, podemos afirmar que a anlise de Lurdoso (1977) um estudo partindo da semiologia e da literatura e sociedade, j que est fundamentado nas consideraes do discurso criado pelo fenmeno getulista. Os principais pontos destacados pela crtica na obra Lambes de Caarola so a temtica getuliana e sua relao com o contexto scio-cultural de uma poca, a linguagem como resgate desse contexto, a indefinio quanto ao gnero e ao mtodo adotados por Joo Antnio. Entretanto, este ltimo seria ultrapassado pela obra em si, como afirma, ainda, Dirceu Lurdoso (1977):Um mtodo s vlido quando privilegia a criao. No quando fica parado diante dela a perguntar-se para que existe [...] Joo, seus livros nem sempre agradam aos cultores de um certo estruturalismo universitrio e esnobe. Para esses professores o mtodo que absoluto e a obra de arte relativa. Uma inverso. Para mim contam as obras.

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H, por parte da crtica, um certo incmodo em classificar a obra de Joo Antnio. Mas, por outro lado, a prpria crtica se perde em seus mtodos para avaliar uma obra do escritor. Contudo, esse fato no nos parece negativo, pois cada um parte de sua vivncia e das sensaes ao ler um livro como Lambes de Caarola, j que o mito est em todos, seja pelas leituras, seja pela experincia de cada um. Embora tenham sido destacados pontos especficos dessa obra, cada um deles colaborou para que o leitor pudesse ter uma viso mais global do fenmeno Vargas. Seja pela linguagem, retratando a realidade da poca, seja pelo carter didtico, que tem como alvo o pblico jovem, o leitor se depara com o mito visto por outro ngulo, assim como a grande carga mtico-ideolgica que fez com que o povo criasse sua prpria memria do grande pai Getlio Vargas.

4.3 COPACABANA! PRINCESINHA DO MAR

:

A

DESMITIFICAO

DA

Copacabana, princesinha do mar Pelas manhs tu s a vida a cantar E tardinha, ao sol poente, Deixas sempre uma saudade na gente (Alberto Ribeiro e Joo de Barro)

Violncia, muita pressa e mau humor. Essa a Copacabana vista por Joo Antnio. Como afirma Paulo Cezar Guimares, em O Globo, no dia 21 fevereiro de 1979, a beleza desse bairro observado pelo escritor s estaria mesmo em cartes-postais. De acordo com esse autor, Joo Antnio vira Copacabana pelo avesso, o que resulta na desmitificao da princesinha do mar, caracterstica central que a crtica procura focalizar no livro. Joo Antnio, ao mudar-se para o Rio de Janeiro, viu-se fascinado pela cidadania e, assim como fez com So Paulo, nada passou despercebido ao seu olhar de reprter e escritor rodando 360 graus, como afirma Mrio Lago (18 nov. 1978), ao escrever sobre a obra de

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Joo Antnio. E, ao virar Copacabana pelo avesso, o escritor desmitifica, sem pudor, a fama de Princesinha do mar. Diante dos vrios ttulos que abordam o livro de Joo Antnio, selecionamos Copacabana!, inserido no Suplemento Literrio de Minas Gerais, de Mrio Lago (1978); com o mesmo ttulo, um texto de Carlos Cunha, tambm no Suplemento Literrio de Minas Gerais; Um livro sobre gente num bairro de co, de Adinoel Motta Maia, no Jornal da Bahia ; Copacabana eu te bato porque te amo, de Jcomo Mandatto no Suplemento Literrio de Minas Gerais;, Falsa Copacabana, de Mrio Srgio Conti, no Dirio de So Paulo e Copacabana, de Campomizzi Filho, todos pertencentes ao ano de 1979. Nesta obra, a crtica, alm de ressaltar o processo de desmitificao do bairro, volta-se para o trabalho com a linguagem, como o caso do emprego da gria do morro carioca, o que contribui para uma certa sonoridade no texto, observao feita por Mrio Sergio Conti, em seu texto Falsa Copacabana, no Dirio de So Paulo no dia 25 de maro de 1979. Outro aspecto ressaltado por esse autor seria o uso dos adjetivos acumulativos no livro em questo, recurso que analisado sob uma perspectiva da semntica e da literatura comparada, j que Conti aborda esse mesmo processo de criao nos discursos de Ruy Barbosa e Coelho Neto. Quanto ao aspecto biogrfico, Joo Antnio, ao escrever sobre o bairro, envolveu-se profundamente com a obra, pois ali morava h dez anos. Reflexo desse envolvimento est tambm nas fotografias que acompanham o texto, intercalando-se na narrativa, mostrando a crueza tambm pela imagem, a fim de reforar o que o autor diz pela palavra. Adinoel Motta Maia, em sua resenha Um livro sobre gente num bairro de co, no Jornal da Bahia (3 fev. 79) e Mrio Sergio Conti tambm trouxeram consideraes a esse respeito. Campozzi Filho se prende mais anlise a partir da histria da literatura, afirmando ser Joo Antnio o seguidor de uma linhagem comeada por Manoel Antnio de Almeida,

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Machado de Assis e Marques Rebelo, que retrataram as transformaes da to mitificada Princesinha do mar. Para Jcomo Mandatto, o trabalho de desmitificao em Copacabana! ocorre por meio da personificao do bairro, que se d atravs da adjetivao de uma mulher da vida, da o trabalho com a linguagem ser imprescindvel para a temtica em Joo Antnio. Este, segundo Mandatto (03 mar. 1979), recusa-se a aceitar Copacabana como a cantaram Alberto Ribeiro e Joo de Barro num samba cano muito em voga l pelos anos quarenta, ou seja, procura mostrar o lado negro que seus olhos de reprter no deixaram de ver:O arguto reprter no se deixou engambelar pelo canto maioso da sereia Copacabana e desmitificou-a, desnudou-a, colocou-a dissecada diante dos nossos olhos.A sensual Copacabana, prostituda, enxovalhada, usada e abusada pela ratatuia.(MANDATTO, 1979, N 648)

A personificao do bairro seria utilizada para retratar o avesso de Copacabana, um cenrio to exaltado nas letras de msicas e na literatura. Assim, Joo Antnio mostraria, segundo o autor, o que tantos outros artistas e intelectuais tentariam esconder. Alis, esconderiam exatamente o que a sociedade no quer ver. No parecer de Mrio Lago, o olho do reprter se fundiria com a viso do artista. Dessa forma, o processo de desmitificao do bairro carioca estaria calcado no s na oscilao do escritor/reprter, mas tambm no uso de adjetivos que denunciariam e criticariam um bairro que corresponderia a uma sntese do Brasil. Enquanto reprter, na viso de Mrio Lago, o autor nada deixaria passar despercebido pelos seus olhos rodando 360 graus; da o levantamento de vrias temticas ainda inditas na literatura, inditas por trabalharem assuntos sob outra tica, ou seja, a dos seres marginalizados. Embora Mrio Lago parta de uma anlise sociolgica a respeito da obra de Joo Antnio, afirma que no h pretenso de um estudo socioeconmico no texto do escritor. Este, para Lago, contaria apenas sua vivncia:

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Quantos romances esto contidos nessas poucas pginas. O salva-vidas; o zona-norte que vem botar banca com mulheres e acaba se contentando com homossexuais da Galeria Alaska [...] nada disso passou despercebido aos olhos de Joo Antnio (LAGO,1978 Suplemento Literrio de Minas Gerais, N634, 1978).

Alm da observao do reprter, o texto tambm estaria composto pelas impresses do artista; da um certo lirismo que denunciaria o amor do narrador pelo seu bairro. Um lirismo representado pela lamentao do eu-lrico, que no poderia mais escrever e descrever o amor de flor-poema, no dizer de Lago, que um dia foi Copacabana. Pois toda essa beleza se perderia num passado remoto; da o tom lrico presente na obra. Para Mrio Lago, o lirismo de Joo Antnio se chocaria com uma linguagem contundente, traduzida pelo crtico como o amor de flor-poema ou esfaqueamento, a qual colocaria em evidncia um grande enigma que percorre a obra de Joo Antnio: at onde vai o reprter e comea o escritor? Talvez Carlos Cunha possa responder em seu texto

Copacabana!, ao discorrer sobre o gnero da obra: Crnica, romance, reportagem, novela? Tudo isso e nada disto ao mesmo tempo.(Suplemento Literrio Minas Gerais, 24 mar. 79). Segundo Carlos Cunha, a relao escritor-reprter se d no processo de criao da obra. O reprter Joo Antnio escavaria as informaes que s o jornalista ou reprter poderia coletar no fundo das podrides sociais e, aps todo esse contato com o universo marginalizado, o escritor filtraria esses dados dando um enfoque incrivelmente humano, digno de um escritor que estaria em seu perodo pleno de maturidade intelectual. Nas palavras do autor:Onde haja no Rio de Janeiro um reduto de marginalidade, no sabemos como, somente seu talento de jornalista explica [...] Ele vive as noites, dias e madrugadas da malandragem carioca. Sente, avalia, coleta dados, vivencia apaixonadamente a sua pauta literria. Depois sua pena d um enfoque humano terrivelmente belo (CUNHA, 1979, Suplemento Literrio de Minas Gerais, 24 mar. 1979, p.4).

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Um dos motivos pelos quais se daria esse processo seria o uso dos vocbulos que se distanciam da linguagem convencional. Esta, na opinio de Cunha, uniria a dicotomia prtica/teoria para fisgar o leitor que quisesse conhecer Copacabana via Joo Antnio. Outro aspecto muito discutido pela crtica a questo das fotografias inseridas na obra. Na resenha de Adinoel Motta Maia, no Jornal da Bahia, em fevereiro de 1979, o autor faz uma comparao interartes, ao aproximar a descrio do bairro com um quadro impressionista, tamanha a mincia e a capacidade de c aptar detalhes dos moradores do bairro, observao, alis, feita tambm por Mrio Srgio Conti. O texto de Conti (1979), intitulado Falsa Copacabana - tudo em classe prova que nem sempre de elogios, est composta a crtica de Joo Antnio. Nessa resenha, h um

discurso construdo por adjetivaes nada favorveis ao livro, assim como um constante uso de ironias, que aparecem logo no primeiro pargrafo do texto:Este apanhado de tipos e situaes do bairro carioca talvez no seja sequer representativo do que foi escrito por ele at o momento. Mas, na sua cndida pretenso a retrato sem retoques e sem truques de Copacabana, este livrinho mais um momento de um certo tipo de literatura que vem sendo publicada (e lida, pelo jeito) em nosso pas (CONTI, 1979, Dirio de So Paulo,25 mar. 1979).

Esse autor faz um estudo semntico da obra em questo, focalizando os aspectos formais utilizados. A partir desses elementos, o crtico tenta provar uma certa incoerncia em duas propostas literrias de Joo Antnio: uma seria o retrato da realidade, ou seja, a preocupao em retratar as coisas tais como elas so, a outra estaria relacionada ao seu pblico por excelncia, que, na viso de Conti, seria o povo. O autor acredita serem propostas inviveis, j que a linguagem empregada para o povo, na opinio do autor, seria um meio para que Joo Antnio expressasse suas prprias ideologias e frustraes. Partindo de tal premissa, o autor constata que os recursos estilsticos utilizados pelo narrador refletiriam apenas sua prpria viso de mundo, ou seja, uma

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realidade vista por algum da classe mdia, a qual seria tambm o pblico consumidor. Da o subttulo Tudo em classe. Um de seus argumentos est calcado na triplicao dos adjetivos utilizados por Joo Antnio que, na narrativa, formariam seqncias apenas com o som, deixando a desejar quanto ao signo; por a vai, numa triplicao que no esclarece o significado das frases, mas apenas elastece plasticamente o texto (CONTI, 1979). Dessa forma, para o autor, a plasticidade abusiva contida na obra simularia uma atitude falsa em retratar Copacabana visto pelo povo. Todo esse empenho com a linguagem estaria escondendo a necessidade de expresso do prprio autor sob as vestes da gria. O povo que estaria fornecendo o poder do discurso para Joo Antnio atacar seu alvo principal, a classe mdia. As fotografias inseridas no livro tambm so utilizadas para tal argumento de Conti. Para ele, tal recurso contribuiria para reforar o que se faz com a linguagem. Para o autor (1979): E assim vai o texto espelhando a foto, que espelha a realidade, que espelha a cabecinha de Joo Antnio, que espelha o ponto de vista das classes populares, de quem cmplice o leitor. Enfim, ao provar uma suposta incoerncia na proposta literria de Joo Antnio, o autor acaba por levantar uma questo relevante para os estudiosos da obra do escritor paulista: o autor de Copacabana! estaria revelando os horrores do bairro somente para compartilhar com seu leitor, nas palavras de Conti, do seu dio pela classe mdia ? Jcomo Mandatto, ao comentar a contundncia do escritor em desmitificar a Princesinha do mar revela uma outra face da moeda: [...] Joo Antnio ama Copacabana, apesar de tudo. E esse seu livro, que uma bordoada, uma tunda, uma sova, no fundo mesmo uma tremenda declarao de amor, confessada pelo contista:... eu te bato porque te amo!(MANDATTO, 1979, Suplemento Literrio de Minas Gerais, n 648, 03 mar. 1979).

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4.4 DEDO-DURO: OS NOVOS MALANDROS DE JOO ANTNIO[...] Dedo-Duro. Ofensa maior que essa palavra na malandragem no h, pois, seu dono no carne nem peixe. E no conheo um que no seja magro, espiantado (Z Peteleco, personagem de Dedo-Duro, p. 146).

comum, nos textos que discorrem sobre Joo Antnio, encontrarmos certa dificuldade por parte dos estudiosos em classificar essa nova maneira de narrar do escritor. No caso do livro Dedo-Duro, publicado em 1982, quatro anos depois de Copacabana! , a crtica ressalta o uso da linguagem e da temtica como elementos essenciais para a construo da literatura do escritor. Temas at ento inexplorados pelo autor esto presentes neste livro, como a vida de um artista e a trajetria de sua carreira, ou a fbula de gente grande em que ocorre a estria do personagem Jacarand, constante na obra de Joo Antnio, aparecendo aqui em dois contos de maneira diversa. H tambm o malandro que divaga sobre o mundo capitalista, sonhando ser rico, a quem o narrador chama de poeta. Bahia, So Paulo, Paran; cada lugar evoca uma linguagem prpria, um ritmo prprio, assim como a ambientao e os personagens. Selecionamos cinco textos distintos: O Joo do Povo lesado (Isto , 14 jul. 1982, p.10) de Mrio da Silva Brito; Benedito Nunes (Jornal O Estado, 02 set. 1982), com o ttulo Dedo-Duro; De rvores cortadas (Leia, 1982,) de Flvio Aguiar; Joo Antnio, retratos da realidade (O Estado de So Paulo, 22 set. 1982), de Gilson Rebello; e Colcha de retalhos ou ngodo bem temperado [sic], de Marclio Farias (Leia, 15 ago a 14 set. 1982). Cabe ressaltar que os textos que abordam esta obra de Joo Antnio so vrios, no lhes faltando qualidade. Mas assim como ocorre com os textos da recepo crtica de Malagueta, Perus e Bacanao e Leo de Chcara, h autores que apenas anotam os traos caractersticos da obra de Joo Antnio, seguidos de resumos dos contos e elogios ao autor.

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Contudo, em meio a estes, existem textos significativos e relevantes, que enfatizam questes consistentes a respeito de Dedo-Duro. Os contos preferidos da crtica so Dedo-Duro e Paulo Melado do Chapu Mangueira Serralha. E o contedo dos discursos gira em torno do tema, do recurso estilstico utilizado pelo escritor e da caracterizao das personagens, ou seja, a apreciao dos novos malandros de Joo Antnio. Mrio da Silva Brito (1982), em seu texto, discute a temtica humanizadora em DedoDuro, comparando o escritor paulista a Alcntara Machado, pelas paisagens e humanidade urbanas de So Paulo que o autor transps para a fico. Talvez esse f to ocorra pela sua a procedncia proletria ao mesmo tempo em que fazia parte da burguesia amesquinhada. O crtico afirma que a vivncia do autor seria a fonte de sua criao, da a realidade que transborda em sua obra. Segundo Brito (1982, p.1): [...]todas nascem de suas vivncias de homem [...], da a transbordante realidade do narrador. Assim como Dalton Trevisan, Joo Antnio no mudaria o universo narrado. Mas haveria algo vivo nessa maneira de narrar que faria com que a nfase fosse sempre diferente a cada texto. Haveria uma cumplicidade entre autor e personagens, sendo estes ltimos o resultado de toda uma experincia vivida que se torna um elo entre criatura e criador. J para Benedito Nunes (1982), o segredo dessa manobra literria estaria na estilstica. As palavras e seus significados e a criao de neologismos enriqueceriam o trabalho de Joo Antnio, causando tamanho efeito no leitor. O prprio termo dedo-duro traria consigo, e para o leitor, uma conotao pesada e significativa: a relativa ao perodo do AI-5. O dedoduro, assim como pau-mandado e alcagete, seriam uma inveno vocabular annima para designar os informantes assalariados a servio da represso poltica do regime de um perodo, que, alis, tambm foi vivido pelo autor. Nas palavras de Nunes:Como distinguir a palavra, a expresso j existentes, do termo e da locuo inventados, nessas sete narrativas uma das quais de carter autobiogrfico em que o lxico est amarrado fortuna popular da lngua e o fraseado prtica da comunicao oral? do uso da lngua pelo povo que Joo Antnio retira o sumo metafrico, fusivo, de nomes, adjetivos e locues

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com que abastece seu lxico, entramando-o ao desenho das situaes e ao recorte dos personagens (O Estado, 1982, p.1).

O uso da lngua pelo povo, segundo Nunes, no se daria no sentido romntico do sujeito coletivo, indeterminado, perene gerador das particularidades do idioma; seria o do Z Ningum, das camadas inferiores da populao. Sendo assim, a apreenso da realidade passaria pela rplica dessa conduta verbal adotada pelo escritor. Essa conduta, alis, que se move ao rs-do-cho,expresso usada por Antonio Candido,4 (1981;p.23) por ser capaz de apanhar, de baixo para cima, a linguagem ch do vulgo prosa elstica da narrativa tensa, jamais vulgar, seria a responsvel pela absoro da gria no funcionamento semntico do texto. A relevncia no plano estilstico tambm ressaltada por Marclio Farias (1982). Com suas frases eminentemente poticas, com seus perodos cada vez mais curtos, Joo Antnio utiliza processos riqussimos de snteses icnico-indiciais. Toda essa preciso em condensar a forma para expandir os sentidos trabalhada de maneira precisa e sistemtica na busca de um refinamento na tessitura e na textualidade de suas narrativas. Estes recursos sintticos, como afirma o crtico, cristalizam-se em frases que se encadeiam numa ritmia

eminentemente potica que deliciariam Barthes se este ainda estivesse vivo. Alm do esforo estilstico na narrativa, o envolvimento do autor e narrador to profundo que o texto se torna autobiogrfico, como o caso de Paulo Melado do Chapu Mangueira Serralha. Sem o cio da introspeco, o narrador parece participar, segundo Benedito Nunes, como narrador de si mesmo. Segundo o crtico (1982, p.26): trata-se de relato autobiogrfico no qual o homem e o escritor crescem juntos. Esta viso de que o autor procura colocar no papel a sua vivncia e sua experincia, transformando-as em enredos e personagens que retrata em seus contos, a tambm de Gilson Rebello, que evidencia, na obra Dedo-Duro, o retrato da tragdia dos homens marginalizados.

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Para Flvio Aguiar, a temtica encontraria sustentao no processo lingstico e estilstico. Segundo este crtico, o realismo de Joo Antnio cobre o falso belo que muitos tentam criar, expondo a raiz dos grandes males do Brasil. Como afirma o estudioso (...) nos remete ao grito que vem de dentro, do mago da raiz humana ferida nas periferias da brasilidade (Leia, 1982). Aguiar coloca a obra Dedo-Duro no mesmo patamar que Malagueta, Perus e Bacanao, que j considerado um clssico do escritor, por possuir uma espcie de palavrapingente, produto da suburbanidade em que vivemos. Com uma viso surrealista das personagens em sua mistura de imagens, mundos e sentimentos, Aguiar explora um novo mundo de Joo Antnio: a oscilao do lusco-fusco violento, lrico e satrico. Nas palavras do crtico:No inferno terreno em que a literatura se presta ao lusco-fusco violento e lrico da stira no h esperana e a melhor sada no ter entrado.[...] as suas personagens so mais ou menos capazes desse gesto-no-vazio, esse jogar-se dramtico e irnico diante do leitor, com seus avessos, misturando imagens, mundos tradicionalmente separados no imaginrio, ganhando a fora de uma invectiva moral contra esse mundo mal-feito e malfeitor de desigualdades. (AGUIAR, 1982, Leia, n 49, 15 ago. a 14 set de 1982).

Neste sentido, Joo Antnio, na viso de Aguiar, humanizaria seres considerados excrescncias pela sociedade em geral, criando, como afirma Antonio Candido (apud AGUIAR; 1982), uma espcie de normalidade do socialmente anormal, tornando-os seres humanos que fazem parte de um mesmo cenrio social. Cabe ressaltar que no texto De rvores cortadas, de Flvio Aguiar, encontramos dificuldades de relacionar a metfora presente no ttulo desse autor, assim como de desvelar suas palavras no decorrer do texto. O mistrio foi revelado com a revista Remate de Males, do Departamento de Teoria Literria da UNICAMP, em que Aguiar fa