estratÉgias de ensino e aprendizagem e autonomia do ... · estratégias é mais complexa que a...

14
ISSN 2176-1396 ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ESTUDANTE NO ENSINO SUPERIOR: UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA Marina Lupepso 1 - PUCPR Daniele Saheb 2 - PUCPR Eixo Didática Agência Financiadora: não contou com financiamento RESUMO A temática abordada na presente pesquisa trata da relação entre as estratégias de ensino e aprendizagem e a autonomia da aprendizagem do estudante no ensino superior. O conceito de estratégias de aprendizagem foi fundamentado a partir dos pressupostos de Roldão (2009) e Anastasiou e Alves (2010), e, o conceito de autonomia foi baseado na concepção de Little (1991) e Littlewood (1996). Caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica (GIL, 1999) com o intuito de investigar quais as principais estratégias de ensino e aprendizagem no ensino superior descritas nas pesquisas analisadas e se essas estratégias favorecem o desenvolvimento da autonomia da aprendizagem dos estudantes. No processo de busca realizado no portal de periódicos da CAPES e nas bases de dados da Science Direct e Scielo foram recuperados 16 artigos. Na sequência, realizou-se a etapa de seleção dos documentos, restando 05 artigos para análise. Os artigos recuperados para análise passaram pelo processo de leitura e codificação. Constataram-se as principais estratégias de ensino e aprendizagem identificadas nos documentos analisados e os indícios de desenvolvimento da autonomia descritos em cada pesquisa. Identificaram-se ao todo 10 diferentes estratégias mencionadas nas pesquisas, das quais o estudo de caso foi a única estratégia citada em mais de um artigo. No processo de análise também e verificaram-se poucos indícios de desenvolvimento da autonomia a partir das estratégias utilizadas. Portanto, a pesquisa identificou a necessidade de novos estudos no âmbito nacional que utilizem instrumentos/protocolos que possam aferir o desenvolvimento de autonomia dos estudantes a partir da aplicação de diferentes estratégias de ensino e aprendizagem. Palavras-chave: Estratégias de ensino. Autonomia. Aprendizagem. 1 Mestranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Pedagoga na Universidade Federal do Paraná (UFPR). Email: [email protected]. 2 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Email: [email protected].

Upload: others

Post on 15-Nov-2020

6 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

ISSN 2176-1396

ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO

ESTUDANTE NO ENSINO SUPERIOR: UMA REVISÃO

BIBLIOGRÁFICA

Marina Lupepso1 - PUCPR

Daniele Saheb2 - PUCPR

Eixo – Didática

Agência Financiadora: não contou com financiamento

RESUMO

A temática abordada na presente pesquisa trata da relação entre as estratégias de ensino e

aprendizagem e a autonomia da aprendizagem do estudante no ensino superior. O conceito de

estratégias de aprendizagem foi fundamentado a partir dos pressupostos de Roldão (2009) e

Anastasiou e Alves (2010), e, o conceito de autonomia foi baseado na concepção de Little

(1991) e Littlewood (1996). Caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica (GIL, 1999) com

o intuito de investigar quais as principais estratégias de ensino e aprendizagem no ensino

superior descritas nas pesquisas analisadas e se essas estratégias favorecem o desenvolvimento

da autonomia da aprendizagem dos estudantes. No processo de busca realizado no portal de

periódicos da CAPES e nas bases de dados da Science Direct e Scielo foram recuperados 16

artigos. Na sequência, realizou-se a etapa de seleção dos documentos, restando 05 artigos para

análise. Os artigos recuperados para análise passaram pelo processo de leitura e codificação.

Constataram-se as principais estratégias de ensino e aprendizagem identificadas nos

documentos analisados e os indícios de desenvolvimento da autonomia descritos em cada

pesquisa. Identificaram-se ao todo 10 diferentes estratégias mencionadas nas pesquisas, das

quais o estudo de caso foi a única estratégia citada em mais de um artigo. No processo de análise

também e verificaram-se poucos indícios de desenvolvimento da autonomia a partir das

estratégias utilizadas. Portanto, a pesquisa identificou a necessidade de novos estudos no âmbito

nacional que utilizem instrumentos/protocolos que possam aferir o desenvolvimento de

autonomia dos estudantes a partir da aplicação de diferentes estratégias de ensino e

aprendizagem.

Palavras-chave: Estratégias de ensino. Autonomia. Aprendizagem.

1 Mestranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Pedagoga na Universidade

Federal do Paraná (UFPR). Email: [email protected]. 2 Doutora em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora da Pontifícia Universidade

Católica do Paraná (PUCPR). Email: [email protected].

Page 2: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7913

Introdução

Refletir sobre estratégias de ensino e aprendizagem nos incita inicialmente a

compreender o conceito de ensino e de aprendizagem. Roldão (2009, p. 14 e 15) define o ensino

como uma ação especializada “de fazer com que alguém aprenda alguma coisa que se pretende

e se considera necessária” e pressupõe uma ação organizada de “um conjunto variado de

dispositivos que promovem activamente a aprendizagem do outro, embora não possam garantir

em absoluto” que a aprendizagem efetivamente ocorra, visto que dependerá também de fatores

intrínsecos do indivíduo aprendente.

O ato de ensinar consiste em duas dimensões. A primeira é a intencionalidade do

processo de ensino, e, a segunda refere-se aos resultados alcançados. (ANASTASIOU, 2010).

Portanto, o processo de ensino na educação formal está atrelado ao estabelecimento de

objetivos. Para que estes objetivos sejam atingidos, o docente deverá mobilizar os meios

necessários e organizar as estratégias mais adequadas (DÍAZ BORDENAVE e PEREIRA,

2011).

A aprendizagem, por sua vez, está vinculada ao processo de ensino, pois não há ensino

sem aprendizado. Nessa perspectiva, Anastasiou (2010, p. 20) propõe o termo “ensinagem” que

caracteriza “uma prática social complexa efetivada entre os sujeitos, professor e aluno,

englobando tanto a ação de ensinar quanto a de apreender”.

A partir dessa interrelação entre os sujeitos e o mundo, a concepção de aprendizagem

se relaciona com outros conceitos como desenvolvimento, ensino e memória, por exemplo

(POZZO, 2002). Portanto, uma boa aprendizagem implica na produção de mudanças

duradouras, na possibilidade em utilizar o que foi aprendido em novas situações e é resultante

de uma prática realizada pelo indivíduo (ROMERO, 1995, apud POZZO, 2002).

Por sua vez, a autonomia no processo de ensino e aprendizagem é caracterizada como a

capacidade de independência do sujeito para tomar decisões e realizar as escolhas que

permeiam suas ações (LITTLEWOOD, 1996). Esse processo está vinculado à capacidade de

realizar escolhas independentes, porém pode sofrer alternâncias. Little (1991) elucida que um

estudante pode apresentar um alto grau de autonomia em uma determinada área do

conhecimento, mas não ser autônomo em outra área.

Tomando como ponto de partida a concepção de ensino e de aprendizagem, pode-se

então esclarecer o conceito das estratégias de ensino e aprendizagem e quais as principais

estratégias que favorecem o desenvolvimento da autonomia do estudante.

Page 3: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7914

Roldão (2009, p. 25) esclarece que estratégias de ensino são muitas vezes caracterizadas

como “actividades, tarefas, experiências de aprendizagem”, entretanto, a concepção de

estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As

estratégias de ensino estão centradas “na concepção finalizada e organizada da acção de ensinar,

operacionalizada em subestratégias, tarefas ou atividades” (ROLDÃO, 2009, p. 30).

As estratégias de “ensinagem” estão relacionadas à análise, seleção e uso de ferramentas

facilitadoras da aprendizagem, mas que não se resumem às técnicas de ensino por si só, elas

envolvem elementos determinantes como a descrição, as operações de pensamento, a dinâmica

da atividade e a avaliação do processo (ANASTASIOU e ALVES, 2010).

A avaliação é indispensável na aplicação de estratégias de ensino, uma vez que irá

“aferir da validade e adequação da estratégia durante o seu desenvolvimento”, o que permitirá

ao docente reavaliar o processo e definir as melhores estratégias para cada grupo de estudantes

que leciona (ROLDÃO, 2009, p. 64).

Mediante esses pressupostos, o presente artigo busca investigar quais as principais

estratégias de ensino e aprendizagem no ensino superior relatadas nas pesquisas selecionadas,

e se essas estratégias favorecem o desenvolvimento da autonomia dos estudantes.

Metodologia

Para atender ao objetivo dessa investigação, realizou-se uma pesquisa bibliográfica a

fim de efetivar uma análise qualitativa sobre as principais estratégias de ensino, e se as mesmas

favorecem o desenvolvimento da autonomia na aprendizagem do estudante.

A metodologia escolhida para a realização da pesquisa foi a pesquisa bibliográfica (GIL,

1999). Desenvolvida a partir de material já constituído, a presente pesquisa foi realizada por

meio da seleção e análise de artigos científicos visando identificar os principais estudos sobre

estratégias de ensino e aprendizagem e sua relação com o desenvolvimento da autonomia do

estudante.

Etapas da pesquisa

As fases da pesquisa bibliográfica foram realizadas a partir dos pressupostos de Gil

(1999).

Page 4: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7915

Figura 1 – Fases da pesquisa

bibliográfica

•Quais as principais estratégias de ensino e aprendizagem relatadas nas pesquisas e suarelação no desenvolvimento da autonomia dos estudantes?

Formulação do problema

• Identificação das estratégias.

•Relação com a autonomia.

Elaboração do plano de trabalho

•Pesquisa no Portal de periódico da CAPES e nas bases de dados da Science Direct eScielo.

Identificação e localização das fontes

•Leitura dos títulos dos artigos encontrados e download dos materiais selecionados.

Seleção das fontes

•Leitura flutuante dos textos.

Leitura exploratória dos artigos

•Leitura para verificar se os textos selecionados atendem aos objetivos da pesquisa.

Leitura seletiva dos artigos

•Localização e seleção das palavras-chave da pesquisa nos artigos e organização dasinformações encontradas.

Leitura analítica dos artigos

• Identificação das estratégias de ensino e aprendizagem e das relações com aautonomia.

Leitura interpretativa

•Criação dos códigos: objetivos, estratégias e autonomia.

Criação dos códigos de análise

•Organização das citações selecionadas a partir dos códigos estabelecidos.

Construção da lógica do artigo

•Organização, apresentação e análise dos resultados da pesquisa.

Redação do texto

Page 5: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7916

Fonte: adaptado de Gil (1999).

A primeira fase da pesquisa foi a delimitação do problema de investigação. Após a

proposição do objetivo elaborou-se o plano de trabalho estabelecendo a necessidade de

identificar as estratégias de ensino e aprendizagem mencionadas nas pesquisas e suas relações

com a autonomia.

Tendo o objetivo e plano de trabalho definidos, em julho de 2016 iniciou-se a coleta de

dados no Portal de periódicos da CAPES e nas bases de dados da Science Direct e Scielo

(TABELA 1), por meio dos descritores “estratégia”, “autonomia” e “ensino superior” utilizando

o operador boleano “AND”.

Tabela 1 – Identificação das fontes

Base de dados/portal Artigos localizados

Portal de periódicos da CAPES 05

Science Direct 03

Scielo 08

Page 6: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7917

Total 16

Fonte: as autoras (2016).

A partir da identificação dos documentos que contemplavam os descritores estabelecidos,

fez-se, a seleção inicial dos artigos. Para tanto, realizou-se a exclusão dos documentos

duplicados. A literatura cinzenta (teses e dissertações) também foi excluída, uma vez que se

delimitou apenas os artigos científicos como escopo da presente pesquisa (TABELA 2).

Tabela 2 – Processo de exclusão (etapa 1)

Critérios de exclusão Artigos excluídos

Duplicação 02

Tese 01

Dissertação 02

Total 05

Fonte: as autoras (2016).

Do montante inicial de materiais pesquisados (16), restaram para a etapa seguinte 11 artigos.

Esses artigos foram salvos e importados para um software de gerenciamento de informações, o

ATLAS.ti.

Na sequência realizou-se a demais fases de leitura indicadas por Gil (1999). Na etapa

exploratória, fez-se uma rápida leitura do material, com o intuito de verificar se os artigos

previamente selecionados abordavam a temática da presente pesquisa (GIL, 1999). Nessa etapa

foram excluídos 02 artigos. Em seguida fez-se a leitura seletiva do material, ou seja, uma leitura

mais minuciosa para verificar se os textos selecionados atendiam ao objetivo da pesquisa. Nessa

etapa foram excluídos mais 03 artigos.

Tabela 3 – Processo de exclusão (etapa 2)

Etapas da exclusão Artigos excluídos

Leitura exploratória 02

Leitura seletiva 04

Total 06

Fonte: as autoras (2016).

A etapa seguinte foi realizar a leitura analítica dos 05 textos restantes, com o intuito de

“ordenar e sumariar as informações contidas nas fontes, de forma que possibilitem a obtenção

de respostas da pesquisa” (GIL, 1999, p. 86). Esse procedimento foi realizado por meio do

ATLAS.ti com a identificação das palavras-chave nos textos selecionados. Constatou-se que a

palavra estratégia foi mencionada 73 vezes. Em relação à autonomia, a mesma foi abordada 15

vezes nos artigos analisados. Destaca-se que todos os artigos analisados abordavam a temática

de estratégias de ensino e aprendizagem e autonomia no ensino superior.

Page 7: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7918

A partir da identificação das palavras-chave da pesquisa, definiram-se alguns códigos

norteadores para a análise dos documentos selecionados. Os códigos criados foram: objetivos

(visando a identificar os objetivos de cada pesquisa), estratégias e autonomia. A criação desses

códigos está relacionada com a etapa definida por Gil (1999) de confecção de fichas, que no

caso da presente pesquisa foi realizada por meio de um software.

No código “objetivos”, foram atribuídas 05 citações, uma para cada artigo selecionado. Já

no código “estratégias”, foram selecionadas 06 citações que exemplificavam as estratégias de

ensino e aprendizagem mencionadas nos artigos; e no código “autonomia”, 08 citações que

explicavam a relação ou a falta dela com as estratégias abordadas.

A lógica de trabalho foi delimitada mediante a organização das citações selecionadas nos

textos por meio da construção de um quadro comparativo para cada código criado. A partir

dessas informações, construiu-se o presente texto mediante a apresentação e análise do quadro

criado.

Apresentação dos resultados

Para a apresentação dos resultados, optou-se pela criação de um quadro com as citações

e informações relacionadas aos códigos de análise criados: objetivos, estratégias e autonomia

(QUADRO 1).

Quadro 1 – Códigos de análise

Objetivos Estratégias Autonomia

Alves et al (2013)

Utilizar diferentes estratégias de

ensinagem por meio de atividades

propostas aos alunos na disciplina de

Fisiologia da Atividade Motora I e

correlacionar o desempenho do aluno com

a sua participação nessas atividades

propostas.

Mapas conceituais, aulas

expositivas dialogadas,

estudo de casos, estudo

do meio, aulas práticas e

estudo de textos

científicos.

A utilização de estratégias de

ensino pode contribuir para a

maior autonomia dos

estudantes universitários.

Bocchi, Pessuto e Dell’aqua (1996)

Verificar as contribuições do modelo

operacional do estudo de caso como

estratégia de ensino/ Apreender as

dificuldades sentidas pelos alunos durante

o estudo de caso.

Estudo de caso. A estratégia adotada estimula

os estudantes à autonomia na

tomada de decisões e solução

de problemas na área.

Prado et al (2011)

Relatar a experiência de utilização de

seminários na disciplina Administração em

Enfermagem II.

Seminário. Os estudantes demonstraram

autonomia para irem além do

roteiro pré-elaborado,

incorporando saberes novos

aos antigos na intenção de

fazerem evoluir as práticas.

Sá e Garritz (2014)

Page 8: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7919

Analisar a transformação dos

conhecimentos e crenças de futuros

professores de Química, bolsistas do pibid,

sobre o tema “Natureza da Matéria” de

modo a torná-lo compreensível aos alunos

do Ensino Médio.

Jigsaw e o Júri Químico. XXX

Silva e Flores (2015)

Analisar as Ligas Acadêmicas estruturadas

e em funcionamento como uma estratégia

de ensino e aprendizagem no processo de

formação dos estudantes em Saúde.

Liga acadêmica. As Ligas Acadêmicas têm

potencial como instrumentos

de exploração da autonomia.

Fonte: as autoras (2016)

Análise e discussão dos resultados

A partir da elaboração do quadro 1, realizou-se a análise e discussão dos dados

identificados com base nos pressupostos de Roldão (2009) e Anastasiou e Alves (2010), no que

se refere às estratégias de ensino e aprendizagem; e nos pressupostos de Little (1991), no que

diz respeito à autonomia do estudante. As reflexões de Pozzo (2002) também contribuíram para

a reflexão da aprendizagem em função da escolha de determinadas estratégias.

Estratégias de ensino e aprendizagem evidenciadas nas pesquisas

Analisando os elementos apresentados no gráfico 1, verifica-se que foram mencionadas

ao todo 10 estratégias de ensino e aprendizagem, sendo o estudo de caso a única estratégia

mencionada em 02 pesquisas (ALVES et al, 2013 e BOCCHI, PESSUTO e DELL’AQUA,

1996).

Gráfico 1 – Estratégias de ensino e aprendizagem

Page 9: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7920

Fonte: as autoras (2016).

O estudo de caso, de acordo com a Stanford University (1994), relata uma história com

questões ou conflitos que precisam ser resolvidos, permitindo com que os estudantes

desenvolvam a capacidade de reflexão crítica e tomada de decisões.

No artigo de Alves et al (2013), os autores apresentam descritivamente cada uma das

estratégias adotadas, corroborando com os princípios de Roldão (2009, p. 60), de que as

estratégias devem ser caracterizadas como “um percurso intencional orientado para a

maximização da aprendizagem do outro.”

Em relação ao estudo de caso, os autores não apresentaram maiores detalhamentos,

tendo em vista que trabalharam com mais cinco estratégias em sua pesquisa. Portanto, o foco

não se deu na estratégia em si, mas no conjunto de estratégias utilizadas para verificar o

desempenho e a participação dos estudantes nas tarefas propostas.

Bocchi, Pessuto e Dell’aqua (1996), por sua vez, trouxeram o estudo de caso como única

estratégia para análise. Para os autores, o estudo de caso foi abordado em uma perspectiva

humanista, compreendendo o papel do docente, do estudante, a relação professor-educando, o

conhecimento e o processo de ensino e aprendizagem. Também apresentam um roteiro para

elaboração do estudo de caso contendo todas as fases do processo. Para verificar a percepção

dos estudantes sobre o estudo de caso enquanto uma estratégia de ensino e aprendizagem um

questionário foi aplicado pelos pesquisadores.

Os resultados da pesquisa realizada detectaram que o estudo de caso, para 70% dos

pesquisados, contribuiu para o conhecimento teórico-prático do conteúdo. Já a dificuldade para

a realização do estudo de caso foi o levantamento bibliográfico (58%). Os autores sugerem a

0

0,5

1

1,5

2

2,5

Page 10: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7921

utilização do estudo de caso para favorecer o “exercício da tomada de decisões” e “estimular o

aluno à iniciação científica”.

Para Anastasiou e Alves (2010, p. 98), no estudo de caso enquanto estratégia de ensino

e aprendizagem “o caso deve estar incluído no contexto de vivência do estudante, ou em parte

de uma temática em um estudo”, característica essa presente tanto no estudo de Alves et al

(2013) como de Bocchi, Pessuto e Dell’aqua (1996).

As demais estratégias relatadas em Alves et al (2013), exceto as aulas práticas, também

são apresentadas por Anastasiou e Alves (2010), que elucidam a necessidade do professor

conhecer os estudantes para então definir quais as estratégias mais indicadas para a efetivação

do processo de ensino e aprendizagem do conteúdo proposto. Pozzo (2002) também contribui

para essa reflexão ao esclarecer a necessidade de se adequar as práticas educativas aos objetivos

de aprendizagem que se pretende atingir. Para cada tipo de aprendizagem existem determinadas

estratégias que serão mais adequadas.

Em Prado et al (2010, p. 584), a pesquisa apresenta o seminário como uma estratégia de

ensino e aprendizagem. Os autores consideram o seminário como uma estratégia que “busca a

problematização de um determinado tema” por meio da reflexão crítica e do diálogo. Os autores

apresentam as etapas de mobilização, construção e síntese do conhecimento o que ratifica a

afirmação de Anastasiou e Alves (2010, p. 97) de que essas dimensões na preparação e

aplicação do seminário “vêm imbricadas, uma enriquece a outra ao mesmo tempo em que se

complementam”.

A pesquisa de Sá e Garritz (2014) apresenta duas estratégias que segundo os autores

favorecem a participação dos estudantes: o Jigsaw e o Júri Químico. Cabe esclarecer que na

caracterização dessas estratégias os autores empregam as palavras estratégias e métodos como

sinônimos.

Segundo os autores o Jigsaw foi proposto por Aronson e Patnoe (1997) e trabalha com

pequenos grupos de estudo no qual cada integrante estuda uma parte do material entregue. Em

seguida, os alunos dos grupos que estudaram a mesma parte do material se reúnem e discutem

sobre seus entendimentos e reflexões. Ao final, cada estudante retorna ao seu grupo original e

socializa as discussões com os demais integrantes.

O júri químico de acordo com Sá e Garritz (2014) foi proposto por Oliveira e Soares

(2005) como uma atividade lúdica de trabalho com conceitos de química por meio de um júri

simulado.

Page 11: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7922

Enquanto estratégia de ensino e aprendizagem, o júri simulado desenvolve diversas

operações do pensamento como: “defesa de ideias, argumentação, julgamento, tomada de

decisão”, entre outras. Envolve todas as dimensões do processo de construção do conhecimento

e permite a participação de um elevado número de estudantes. (ANASTASIOU e ALVES,

2010, p. 99).

Por fim, Silva e Flores (2015) trazem a liga acadêmica enquanto estratégia de ensino e

aprendizagem extracurricular. Para os entrevistados da pesquisa realizada pelos autores, o

objetivo das ligas é de aproximar o estudante da prática, aprender a fazer, formar profissionais

comprometidos, incentivar a pesquisa e extensão, entre outros. Entretanto, a pesquisa não

explorou a concepção da liga enquanto uma estratégia de ensino e aprendizagem de acordo com

os pressupostos de Anastasiou e Alves (2010). Para as autoras as estratégias se baseiam no

estudo, seleção, organização e proposição das ferramentas mais indicadas para a construção do

conhecimento.

Os resultados da pesquisa de Silva e Flores (2015, p. 414) indicam que as ligas

acadêmicas buscam “o desenvolvimento de competências, habilidades e valores entre os

estudantes, com base na identificação de lacunas curriculares”, entretanto, tendem priorizar o

ensino e a pesquisa.

Tendo em vista que cada estratégia de ensino e aprendizagem utiliza diferentes técnicas

e recursos didáticos, há que se esclarecer que não há recurso ou estratégia que não sejam bons.

O importante é que o docente saiba selecionar as estratégias mais adequadas para cada objetivo

definido (POZZO, 2002).

Relação das estratégias de ensino e aprendizagem e a autonomia do estudante

Na pesquisa de Alves et al (2013), a relação estabelecida entre as estratégias de ensino

utilizadas e a autonomia do estudante está explícita apenas no resumo, ao afirmarem que as

estratégias aplicadas podem contribuir para maior autonomia dos estudantes. Entretanto, a

pesquisa não apresentou a comprovação se efetivamente houve essa contribuição na autonomia

do estudante, apenas mencionou que o uso dessas estratégias permitem o desenvolvimento da

autonomia.

Em Bocchi, Pessuto e Dell’aqua (1996), os resultados da pesquisa apontam que o estudo

de caso estimulou a autonomia dos estudantes na tomada de decisões e resolução de problemas.

Page 12: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7923

No que diz respeito ao seminário, Prado et al (2010) descrevem que essa estratégia

possibilita a autonomia na construção do conhecimento, desenvolvendo a autonomia de

pensamento e da ação.

O artigo de Sá e Garritz (2014) não apresenta relação das estratégias utilizadas com o

desenvolvimento da autonomia. O termo autonomia nesta pesquisa está relacionado ao uso do

portfólio enquanto um método de avaliação.

O último artigo para análise, escrito por Silva e Flores (2015, p. 410), conclui que as

ligas acadêmicas “poderiam se tornar instrumentos de exploração da autonomia”, entretanto

essa relação não foi comprovada no estudo.

Esses resultados demonstram que os estudos sobre autonomia relacionados às

estratégias de ensino de aprendizagem não trazem a conceituação que se tem de autonomia,

muitas vezes associada apenas à independência na realização das tarefas propostas.

Little (1991) caracteriza autonomia na aprendizagem como a capacidade de reflexão

crítica, tomada de decisões e ação independente. Apesar da independência ser um dos

pressupostos da autonomia, ela por si só não garante que o sujeito seja autônomo, uma vez que

o estudante necessita analisar e decidir criticamente sobre o contexto de sua aprendizagem. O

autor também esclarece que a concepção de autonomia está relacionada com o desejo em

eliminar as barreiras existentes entre seu processo de ensino e aprendizagem e suas situações

de vida. Portanto, o conceito de autonomia perpassa a simples concepção de independência.

Autonomia requer um conjunto de competências na qual o indivíduo deverá ser capaz de tomar

decisões por meio de uma análise crítica das situações.

Também não há a evidência nas pesquisas analisadas de instrumentos/protocolos que

verifiquem se as estratégias promoveram, de alguma forma, o desenvolvimento da autonomia

dos estudantes.

Considerações finais

Ao identificar as principais estratégias de ensino e aprendizagem utilizadas no ensino

superior e sua relação no desenvolvimento da autonomia do estudante, esta pesquisa propôs,

em certa medida, verificar se há evidências da preocupação docente em utilizar estratégias que

não se prendam apenas em atender aos objetivos de aprendizagem do conteúdo, mas que visem

o desenvolvimento da autonomia do estudante.

Page 13: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7924

Os resultados da pesquisa evidenciam a ausência de estudos que apresentem

instrumentos/protocolos de verificação do desenvolvimento da autonomia do educando em

relação a diferentes estratégias de ensino e aprendizagem.

Constatou-se que nas pesquisas analisadas o estudo de caso e o seminário apresentam

indícios de promoção da autonomia dos estudantes. Certamente as estratégias de ensino e

aprendizagem por si só não serão capazes de estimular o desenvolvimento da autonomia do

estudante. É preciso motivação, vontade de querer realizar determinadas escolhas. Nesse

cenário, o professor tem papel fundamental de estimular o desenvolvimento da autonomia por

meio de estratégias que possuam essa intencionalidade e sejam desenvolvidas em sua

totalidade, visando o processo de construção do conhecimento.

Estudos futuros têm a possibilidade de verificar quais as principais características da

autonomia podem ser desenvolvidas por meio de diferentes estratégias de ensino e

aprendizagem no ensino superior.

REFERÊNCIAS

ALVES, C. R. R. et al. Fisiologia do Exercício para alunos de graduação: uso de

estratégias de ensino baseadas na metodologia dialética. Revista Brasileira de Educação

Física Esporte. São Paulo, 2013, Abr-Jun, v. 27, n. 2, p. 289-296.

ANASTASIOU, L.G.C. Ensinar, aprender, apreender e processos de ensinagem. In:

ANASTASIOU, L.G.C.; ALVES, L. P. Processos de ensinagem na universidade:

pressupostos e estratégias de trabalho em sala de aula. Joinvile, SC: UNIVILLE, 2010.

ARONSON, E.; PATNOE, S. The Jigsaw Classroom. 2ª ed. New York: Longman, 1997.

BOCCHI, S.C.M.; PESSUTO, J.; DELL’AQUA, M.C.Q. Modelo operacional do estudo de

caso como estratégia de ensino na disciplina de enfermagem médico-cirúrgica: avaliação

dos alunos. Revista latino-americana de enfermagem. Ribeirão Preto, dezembro 1996, v. 4, n.

3, p. 99-116.

DÍAZ BORDENAVE, Juan E.; PEREIRA, Adair Martins. Estratégias de ensino-

aprendizagem. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. Ed. São Paulo: Atlas, 1999.

LITTLE, D. Learner autonomy 1: Definitions, issues, and problems. Dublin: Authentik, 1991.

LITTLEWOOD, W. "Autonomy": An anatomy and a framework. Autonomy in language

learning. System, v. 24, n. 4, p. 427-435, 1996.

Page 14: ESTRATÉGIAS DE ENSINO E APRENDIZAGEM E AUTONOMIA DO ... · estratégias é mais complexa que a simples proposição de tarefas ou técnicas de ensino. As estratégias de ensino estão

7925

OLIVEIRA, A. S.; SOARES, M. H. F. B. Júri Químico: uma atividade lúdica para discutir

conceitos químicos. Química Nova na Escola, 21, 18-24, 2005.

POZO, J. I. Aprendizes e mestres: a nova cultura da aprendizagem. Porto Alegre: Artmed,

2002.

PRADO, C. et al. Seminários na perspectiva dialética: experiência na disciplina

Administração em Enfermagem. Acta Paul Enferm. 2011, v. 24, n. 4, p. 582-585.

ROLDÃO, M. C. Estratégias de ensino: o saber e o agir do professor. Vila Nova de Gaia:

Fundação Manuel Leão, 2009.

SÁ, L. P.; GARRITZ, A. O conhecimento pedagógico da “natureza da matéria” de

bolsistas brasileiros participantes de um programa de iniciação à docência. Educ. quím.

México, 2014, v. 25, n. 3, p. 363-379.

SILVA, S. A.; FLORES, O. Ligas Acadêmicas no Processo de Formação dos Estudantes.

Revista Brasileira de Educação Médica. 2015, v. 39, n. 3, p. 410- 425.

STANFORD UNIVERSITY. Stanford university newsletter on teaching. Teaching with

Case Studies. Speaking of Teaching. Winter, 1994, v. 5, n. 2, p. 1-4.