estilo de vida estético na visão de kierkegaard
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ESTILO DE VIDA ESTTICO NA VISO DE KIERKEGAARD
Helysson Assuno Frana37F146 RESUMO: Estudo sobre o estilo de vida esttico na viso de Kierkegaard, com o objetivo descrever o mencionado estilo de vida conforme o pensamento desse autor. Conforme Kierkegarrd existem diversas direes no desenvolvimento da vida, bem como distintos tipos de vida a escolher e dentro de cada uma das trs opes fundamentais encontram-se diversas caractersticas. Assim, uma opo seria pelo estilo de vida esttico, ou seja, aquele em que o indivduo procura aproveitar a vida em todos os seus momentos. A conduta esttica pode ser vista como um tanto irresponsvel, visto que o indivduo no tem conscincia de que sua escolha deve ser feita baseada no discernimento das pessoas. O estilo de vida esttico envolve diversos tipos de estetas, porm, est presente em todos eles o desejo, podendo ser este sentimental, material, ertico ou outros. O desejo ertico o exemplo usado por Kierkegaard, para quem esse estilo de vida movido pelo desejo, que pode ser constante e insacivel, mesmo que seus objetivos no se apresentem claramente, at mesmo para o sedutor. Conclui-se, segundo Kierkegaard que a esttica est contida naquele que ser conquistado. O sentido do belo est na superao da dvida e a esttica pode ser considerada como a garantia da felicidade matrimonial. Para o autor, a arte se expressa por meio da posse e no da conquista. 474BPalavras-chave: Estilo de vida. Esttico. Kierkegaard. ABSTRACT: Study on the lifestyle of Kierkegaard's aesthetic vision, with the purpose of describing the aforementioned lifestyle as thinking of this author. As Kierkegarrd there are several directions in the development of life as well as different types of pick and life within each of the three basic choices are several characteristics. Thus, one option would be the lifestyle aesthetic, ie, one in which the individual seeks to enjoy life in all its moments. The conduct aesthetic can be seen as somewhat irresponsible, since the individual is unaware that their choice should be made based on the judgment of the people. The lifestyle aesthetic involves several types of aesthetes, but is present in all they desire, this may be sentimental, material, or other erotic. The erotic desire is the example used by Kierkegaard, for whom this lifestyle is driven by desire, which can be constant and insatiable, even if your goals are not clearly present, even for the seducer. It was concluded, according to Kierkegaard that aesthetics is contained in what will be achieved. The sense of beauty lies in overcoming the doubt and aesthetics can be considered as a guarantee of marital bliss. For the author, the art is expressed through ownership and not of conquest. 476B
Keywords: Lifestyle. Aesthetic. Kierkegaard.
146 Aluno do Curso de Filosofia da Universidade Federal do Maranho UFMA.
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1. INTRODUO
478BSoren Kierkegaard veio ao mundo em 5 de maio de 1813, em
Copenhaque, em cujo local faleceu no dia 11 de novembro de 1855. Sua vida breve
possibilita um contraste entre a qualidade e a extenso de sua produo, a qual,
ainda no obteve classificao no meio acadmico.
479BNesse sentido, Almeida e Valls (2007) fazem o seguinte questionamento:
Se no filsofo, nem telogo, psiclogo, literato, mstico, pedagogo, como se
justifica sua influncia em Jaspers, Heidegger, Sartre, Ricoeur, Benjamin, Kafka,
Buber, Chestov, Lvinas, Derrida, Rosenzweig, Janklvitch, Bloch, Merleau-Ponty,
Arendt, Deleuze, Canetti, Barth, Lacan, Bataille, Tillich, Adorno.
480BAssim, para Almeida e Valls (2007, p.7) Kierkegaard um enigma, haja
vista suas prprias palavras: Por toda a vida me encontrarei sempre na contradio,
porque a vida mesma contradio.
481BEm sua produo pseudonmica ou na identificada por Kierkegaard, como
tambm nos Dirios, verifica-se uma estratgia forte de dissimulao em um labirinto
visando mostr-lo como modelo, no qual, o leitor poder enxergar o prprio rosto.
Tem-se, ento, que o enigma intencional, uma vez que havia conscincia da fora
e da originalidade da produo do autor, no entanto, no pretendia ele tornar-se um
respeitado personagem acadmico das instituies superiores de teologia, filosofia
ou direito e ressaltava o seguinte: Um dia no somente os meus escritos, mas
certamente a minha vida e todo o complicado segredo do maquinrio sero
minuciosamente estudados (ALMEIDA; VALLS, 2007, p.8).
482BNa realidade, seus escritos tm sido estudados e analisados e, os grupos
aos estudos Kierkegaardianos aumentam consideravelmente, pelo mundo, nos quais
muitas hipteses so formuladas quanto ao seu contexto particular, subjetivo,
afetivo, sexual e outros. Consequentemente tem recebido ttulos de pastor, mestre,
literato ou psiclogo.
483BPredomina um consenso de que Kierkegaard pode ser considerado um
filsofo marcado pela repetio e ambigidade, portanto, compreender exatamente o
que ele tenta dizer no to fcil. Por esse motivo, este estudo poder apresentar
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alguma limitao no aspecto da preciso, haja vista que, para esse autor, a vida em
si j apresenta contradies.
484BUm outro marco observado nesse autor, diz respeito abertura de suas
idias, intercalando com perguntas, provocaes, refutando e interrogando. Seu
modo de pensar, configura-se por uma:
485Blinguagem paradoxal pois s o paradoxo nos faz sair do meramente
humano; no silncio capaz de compreender o incompreensvel; na
expresso por alegorias e comparaes; na unio mstica como
objetivo e superao do esttico; na concepo da filosofia como
caminho para a humanidade plenamente vivida (DACOREGIO, 2007,
p.8).
486BFace ao uso de vrios pseudnimos, existem diversos Kierkegaards,
atravs dos quais, o autor defende ideias diferentes por meio de distintos
personagens. Assim sendo, seus posicionamentos diversificam consoante cada
personagem daquele momento, quando so destacados pontos de vista
contraditrios, mostrando posicionamentos diversificados. No entanto, para
compreend-lo, precisamos conforme Kierkegaard: recolher traos dispersos em
diversas obras suas para poder compor um conjunto coerente de idias, pois
certamente o que a Kierkegaard no falta constncia de opinies e coerncia entre
suas afirmaes (DACOREGIO, 2007, p.8).
487BOs personagens do autor apresentam opinies e atitudes prprias, com os
quais ele estabelece uma dialtica. A exemplo, o pseudnimo Johannes Climacus
aborda a dvida e a f; Vigilins Hanfniensis trata sobre o pecado e a ansiedade;
Johannes de Silentio e Constantin Constantins discutem a tica e Anti-Climacus
considerado o cristo ideal.
488BE, ainda, utiliza personagens e ideias distintas, como tambm exercita a
discusso em diversos pontos de vistas, exercitando o pensamento e um pensar por
si mesmo do leitor, alm de oferecer distintos entendimentos visando a identificao
do que seria a verdade para si.
489BIsso no significa dizer, que no se possa compreender e aceitar o que se
escolher de sua obra ou, que o autor no apresente um posicionamento prprio,
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porm, como existencialista levado pela mxima de que a verdade para mim,
esse filsofo capaz de reconhecer vrios posicionamentos e modos de se viver, e,
simultaneamente, defende cada um detalhadamente, sendo eles assim
denominados: esttico, tico e religioso.
490BNeste artigo ser abordado somente o estilo de vida esttico, segundo os
pontos de vistas de Kierkegaard, sendo, portanto, esse estilo o objeto de anlise
deste estudo, que tem por objetivo descrever o estilo de vida esttico na viso de
Kierkegaard. Para tanto, utilizou-se o procedimento prprio de uma reviso de
literatura.
2. ESTILO DE VIDA ESTTICO EM KIERKEGAARD
492BConvm ressaltar determinados fatos da vida de Kierkegaard, tendo em
vista que eles exerceram acentuada influncia em suas obras.
493BDe acordo com Jolivet o pensamento de Kierkegaard foi formado:
no tanto por assimilao de elementos estranhos, mas sobretudo atravs de uma luta de conscincia, cada vez mais intensa e cada vez mais exigente, perante as condies, no j da existncia em geral, mas do seu prprio existir. [...]. a filosofia de Kierkegaard precisamente ele mesmo e ele mesmo, no fortuitamente e, de certo modo contrariado, mas ele mesmo voluntria e sistematicamente, a tal ponto que o existir como indivduo e a conscincia desse existir chegaram a ser, para ele, condio absoluta da filosofia e at sua nica razo de ser (KIERKEGAARD, 1979, p.VI).
vocao filosfica e religiosa (KIERKEGAARD, 1979, p.VII). 495BO autor passou sua
primeira infncia na companhia de seu pai, de quem recebeu muita influncia no
aspecto religioso. Kierkegaard fez oposio a Hegel e observou os problemas
existentes na Igreja Luterana.
496BAfastou-se da religio e, com a morte do pai em 1838, adotou uma forma
de vida sem regras. Ao superar essa situao, dedicou-se universidade dando
continuidade ao Curso de Teologia e noivou como Regine Olsen.
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Contudo, medida que se definia a singularidade de sua vocao, Kierkegaard comeou a perceber que no seria capaz de partilhar sua vida com outra pessoa Decidiu ento romper o noivado, interpretando a deciso como conseqncia de uma
Ao optar pelo isolamento, buscou-se a si mesmo dedicando-se as suas
produes que se fundamentaram nos fatos de sua prpria vida. Assim, os
acontecimentos que marcaram a sua vida passaram a ser pensamentos que foram
inclusos como partes significativas do seu existencialismo.
499BDessa forma, torna-se impossvel a separao de sua filosofia de sua vida,
pois as duas apresentam-se ligadas, e a segunda exerce influncia na primeira. No
entanto, essa condio no torna banal e nem pessoal sua teoria, ao contrrio, a
fortalece na proporo na proporo em que se leva em conta a mxima
existencialista ressaltada por Kierkegaard: a verdade verdade para mim.
500BComo se observa, novamente Kierkegaard abandonou a convivncia social,
visto que, identifica-se uma formulao terica de tudo que ele vivenciou, com a
inteno de objetivar em parte o que subjetivo.
501B2.1 Estilo de vida esttico
Conforme Kierkegarrd existem diversas direes no desenvolvimento da vida,
bem como distintos tipos de vida a escolher e dentro de cada uma das trs opes
fundamentais encontram-se diversas caractersticas. Assim, uma opo seria pelo
estilo de vida esttico, ou seja, aquele em que o indivduo procura aproveitar a vida
em todos os seus momentos. Nesse estilo interessa o momento, o prazer, havendo
um fascnio pelo instante: imediato: v-la e am-la a mesma coisa
(KIEREGAARD, 1994, p.20).
503BTem-se, ento, o Don Juan que se satisfaz com suas conquistas e
investe em sua simpatia e seduo como se tratasse de armas para o alcance de
seus objetivos. Tal estilo de vida est mencionado por Kierkegaard em sua obra
Dirio de um Sedutor (2010), em que esse autor expressa a insatisfao do indivduo
por esse estilo de vida.
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504BNesse dirio, est mencionado ainda, que todo indivduo que prioriza esse
estilo de vida percebe os outros como objetos de seus desejos com se tratasse de
conquistas e, consequentemente de uma fuga, cuja impreciso presente em sua vida
estabelece um afastamento por no fazer parte da realidade. Assim, fica o indivduo
preso a um crculo do qual impossvel livrar-se. Portanto, fica preso no personagem
que ele construiu ficando iludido por suas prprias intrigas.
505BNo entanto, o esteta no pode ser considerado como um egosta que
busca apenas a satisfao de seus desejos, como se verifica no seguinte relato de
autor:
506B[...] evita falar de egosmo, no se trata desse sentimento, e sim, de teu habitual impudor de rebelde. Como desprezas todas as prescries da lei divina c humana, para livrar-te delas te aferras ao azar, que, nesse caso, uma mendiga que desconheces. E, devido tua simpatia ela deve estar, toda ela, a servio de tuas experincias. Esqueces sempre que tua existncia neste mundo no pode estar fundada unicamente no azar e que, quando fazes dele o essencial, perdes completamente de vista o que deves a teu prximo (KIEREGAARD, 1994, p.20).
A conduta esttica pode ser vista como um tanto irresponsvel, visto que
o indivduo no tem conscincia de que sua escolha deve ser feita baseada no
discernimento das pessoas.
508BEssa postura deve ser castigada e, de acordo com Kiekegaard o castigo
a loucura, que, para ele bem pior que o castigo tico do remorso. Quando o
autor diz que: minhas aventuras de amor tm sempre uma realidade para mim
prprio, explicita como a mscara passa a ser o eu (KIERKEGAARD, 2002, p.55).
Nesse momento, o sedutor sofre ao se sentir merc do prprio acaso, tendo em
vista ser levado por prazeres escolhidos por ele e, assim, somente dispe do acaso
daquele instante.
509BNo estilo de vida esttico, aquele que o adota, ao conquistar sua vtima,
embora desfrute do prazer da conquista, posteriormente, realiza o objetivo de
abandon-la, uma vez que no consegue ir em frente, mas sofre pela separao,
portanto, no h a posse total do outro. O prazer ocorre de forma incompleta e no
h realizao como ser humano. Por no entender a prpria existncia, o homem
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encontra-se perdido e se entrega a uma iluso que ele mesmo criou para si e para os
outros.
510BKierkegaard defende que todo aquele que escolhe viver no estilo esttico
torna-se uma presa da sensualidade e de uma alma essencialmente corporal.
Entretanto, sente-se feliz, mas realmente no , haja vista que o homem tem uma
finalidade espiritual, porm no satisfeita pelo estilo de vida esttico.
511BNa obra o Matrimnio, esse autor destaca que o viver no estilo esttico
implica na falta de conscincia de si mesmo, e sem noo real de seus sentimentos,
como se verifica na seguinte colocao: Tens uma idia to elevada do teu amor
que certamente qualquer mulher deveria se considerar feliz em ser a tua amada
durante oito dias (KIEREGAARD, 1994, p.11).
512BA inteno do esteta no fazer mal ao outro, pois at entende que tudo
que lhe oferecido possui valor, isso significa dizer que se preocupa com o bem-
estar dele, mas despreza os seus sentimentos como se eles no tivessem
importncia nenhuma. Suas atitudes no so intencionais.
513BO esteta age pelo sentimento e no aceita a realidade como esta se
apresenta. D ateno somente ao que belo vivendo cada momento visando
sempre o prazer, pois este consiste em sua meta precpua. Nesse viver est presente
uma insaciabilidade que conduz necessidade de outras conquistas e fuga de si
mesmo pelo indivduo que a vivencia.
514BNesse sentido, o autor faz o comentrio a seguir:
515BO primeiro momento da conquista esttica portanto o encanto,
mas este algo que no se mantm. No existe permanncia no
estado de encantamento e precisa-se partir para outra conquista
para recuperar o encanto perdido (KIEREGAARD, 1994, p.11).
516BTal modo de vida est ligado a uma outra caracterstica do ser humano,
qual seja, a vaidade, que vista como um pecado bblico muito criticado, pois faz do
indivduo um escravo de seus prazeres nos jogos de conquista. Toda pessoa
dominada pela vaidade vive um jogo incessante, visto que quanto maior o poder de
conquista, mais se busca obter esse poder.
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517BCom base nessas colocaes, faz-se o seguinte questionamento: E, o
sedutor caracterizado por Kierkegaard, pode ser um exemplo de vaidoso?
Certamente, que sim. A conquista para ele algo prazeroso, uma vez que o leva ao
ato da conquista, podendo incorporar vrios personagens, conforme o contexto de
cada momento. Porm, aps a conquista, h uma perda do interesse e, ento, vai ao
encontro de um novo desafio, de forma imatura.
518BEmbora vaidoso, o sedutor Kierkegaardiano foge de seu desespero e,
consequentemente, de si mesmo. Exerce ele com profundidade a vaidade, no
entanto, no levado por ela, mas, sim, pela vontade de fugir de sua prpria
realidade, ou ainda, da sua fragilidade e incapacidade de olhar para dentro de si
mesmo. Portanto, no h racionalidade na maneira de conduzir sua vida, pois
predomina seus impulsos e no o controle de seus sentimentos e vontades.
519BAssim, nesse estilo de vida nada visto como duradouro, pois, no
existem fundamentos racionais, uma vez que tudo atende a impulsos e vontades.
Desse modo, tudo passageiro e o homem no se torna capaz para penetrar na
conscincia do prprio eu, ficando exposto s vulnerabilidades das aparncias,
agindo por conta daquilo que as demais pessoas acham correto.
520BAngustiado, diante dessa situao, o esteta volta-se para fugir da
angstia, o que passa a ser seu objetivo primeiro. Mas, perde-se na incapacidade de
se interiorizar e se perceber como indivduo, perdendo-se em constantes conquistas
e objetivos superficiais e se iludindo com os personagens criados por ele. Distrai-se
visando encobrir que um desesperado sempre angustiado.
521BNo estilo de vida esttico esto presentes as seguintes caractersticas
romnticas: surpresa, sorte e acaso, todas estas caractersticas que no dependem
de racionalidade, de escolha. Essas caractersticas no implicam em
responsabilidade ou planejamento, e, por esse motivo, o indivduo eximido de
culpa ou mrito pelo acontecido, como tambm no se deve v-lo como uma pessoa
m, visto que, o mal percebido na inteno de cada ato. Ao agir de maneira
irracional no cabe culp-lo, salvo se sua atitude envolver algum delito.
522BA partir dessas colocaes, deve-se entender que o sedutor no deve ser
considerado como cruel na prtica de seus atos, mas, sim, ingnuo e imaturo. No
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tem ele por objetivo fazer mal ao outro, bem como no brincar com seus
sentimentos. possvel que nem ele mesmo saiba que tudo passageiro.
523B2.2 O processo de seduo
524BAo pensar em sua estratgia para a conquista, o sedutor no a arquiteta
com maldade, como normalmente h de se pensar, no entanto, assim o autor faz
referncia a esse momento: Don Juan as seduz e as abandona, mas todo o seu
prazer reside em as seduzir e no em as abandonar; no se trata pois, de modo
algum, dessa crueldade abstrata (KIERKEGAARD, 2002, p.135).
525BO sedutor fica a observar a escolhida para a possvel conquista, por meio
da qual arquiteta sua estratgia, uma vez que cada uma delas apresenta algo
diferente que o cative de forma distinta. Nesse sentido, diz o autor sobre essa
situao: Sempre confessarei que uma donzela um professor nato e que sempre
ser possvel aprender com ela, se no outra coisa, pelo menos a arte de a iludir
(KIERKEGAARD, 2002, p.94).
526BDesse modo, o sedutor interage com o objeto alvo de sua conquista,
analisando cada detalhe, cada caracterstica construindo um perfil para sua
personalidade, necessidades, desejos, valores daquela que intenta seduzir, conforme
se percebe no relato a seguir:
527BEla mudou e continua a mudar. Para explicar o estado da sua alma, diria que, atualmente, o da audcia pantesta. Isto nota-se imediatamente no seu olhar. As esperanas que nele se refletem so audaciosas, quase temerrias, como se aquele olhar exigisse e pressentisse, a todo o momento, o extraordinrio (KIERKEGAARD, 2002, p.105).
528BAssim, verifica-se que o processo de seduo racional e requer
pacincia, visto tratar-se de um jogo minuciosamente pensado em todas as suas
fases, haja vista as colocaes do autor: Com a ajuda das suas qualidades
espirituais, sabia tentar uma jovem, sabia atra-la para si, sem se inquietar
[...] (KIERKEGAARD, 1994, p.17). Ao se aproximar do seu objeto, na tentativa de
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seduzi-lo, busca conhec-lo, adquirindo confiana, ao mesmo tempo em que
representando o personagem que imagina como ideal para a amante a ser seduzida.
O carter racional do processo de seduo pode ser identificado nas palavras do
autor a seguir:
529BPor outro lado, seria fcil perder-se o verdadeiro prazer, dado que a emoo demasiada tambm nociva. Em relao a ela, uma tal medida revelar-se-ia completamente errada. Em poucas remadas eu abordaria talvez aquilo de que poderia, de outro modo, usufruir durante muito tempo; sim, pior ainda, aquilo de que, usando de todo o meu sangue-frio, poderia obter o prazer mais completo e rico (KIERKEGAARD, 2002, p.75).
530BDiante de tantas declaraes e provas de amor, ocorre que a seduzida se
entrega e confia ao sedutor seus sentimentos. Pode acontecer que ela perceba o
jogo do sedutor e participe do mesmo, passando a ser tambm uma sedutora ou,
ento, mostrar insegurana no se dando totalmente.
531BEntretanto, o mais comum que acontece que a seduzida no perceba
nada em relao ao processo de seduo, pois, o sedutor por ser inteligente e
estrategistas, e, ainda calculista no deixa dvidas sobre seus sentimentos. Porm,
s vezes, o jogo de seduo mostra-se to ambguo no ficando claro quem
sedutor e reduzido.
532BNesse aspecto, o autor explicita que: Mesmo na sua aventura com
Cordlia, tudo foi de tal modo ambguo que lhe era possvel afirmar ter sido ele o
seduzido (KIERKEGAARD, 1994, p.17). Isso significa dizer, que a seduo produz
mudanas na vida da seduzida. Em relao a esse fato, o autor comenta: [...] onde
poderias ver que uma dama, ao apear do cavalo, se comprometeu de tal modo
que esse fato veio a decidir toda a sua vida futura. A seduzida acrescenta o
sedutor em seus planos, no seu projeto de vida, e fica, a espera de seu futuro com
ele, como salienta o autor:
533BPode-se estar apaixonado por muitas ao mesmo tempo; porque as amamos de diferentes maneiras. Amar apenas uma demasiado pouco; amar todas uma imprudncia de carter superficial; porm, encerrar na sua alma todas as energias do amor de modo que cada uma receba o alimento que lhe prprio, ao mesmo
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tempo em que a conscincia engloba o todo - a est o prazer, a est o que a vida (KIERKEGAARD, 2002, p.70).
534BAlm de estrategista, o sedutor uma pessoa fria, detalhista que avalia
tudo de forma minuciosa a fim de evitar erros. Assim, ele alimenta a seduzida
visando mant-la prxima a ele, conforme diz o autor: O que lhe dou a ler , na
minha opinio, o melhor alimento: a mitologia e os contos (KIERKEGAARD, 2002,
p.116).
535BObviamente, que tudo oferecido a ela, no passa de mentiras, ou seja,
mitologia e contos, e no a verdade sedutor. Este, mantm-se sob proteo, pois
tudo que oferece a ela alegrico, o que contribui para que ele viva uma situao de
insegurana e no aceita a sua prpria verdade a fim de lhe conquistar, portanto,
esconde-se ou, melhor, camufla-se como se estivesse com um vu.
536BNessa dimenso, pode-se considerar o sedutor como um covarde, visto
que ele no se entrega e no se expe preservando as suas verdadeiras intenes.
Protege-se como se tivesse construdo uma muralha ao seu redor, sendo esta
representada pelo seu personagem. Acha ele que no sofre porque suas relaes so
superficiais, mas seu sofrimento decorre do fato de nunca possuir nada e viver de
mentiras.
537BAssim, por conta dessa vida, o esteta de Kierkegaard no ningum no
mundo, portanto, no tem ningum de verdade. As suas conquistas so obtidas pelo
seu personagem, criado por ele, mas mesmo sendo dessa forma permanece sozinho
e vivendo de iluses.
538BO estilo de vida esttico envolve diversos tipos de estetas, porm, est
presente em todos eles o desejo, podendo ser este sentimental, material, ertico ou
outros. O desejo ertico o exemplo usado por Kierkegaard, para quem esse estilo
de vida movido pelo desejo, que pode ser constante e insacivel, mesmo que seus
objetivos no se apresentem claramente, at mesmo para o sedutor.
539BConvm destacar, que esse modo de vida marcado por uma
necessidade contnua de fuga pelo prprio esteta. Pois, no h preparo do esteta
para ver a si em profundidade, da recorrer ao que parece mais fcil, exige menos
trabalho, possa viver personagens de fico, ou seja, uma postura superficial. A
tentativa constante de satisfao de desejos conduz a um estado vicioso, que o
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prende a esse estilo de vida. Normalmente, a vida repleta de aventuras e riscos,
conquistas e estratgias o que ocupa boa parte da mente humana. Na vida do esteta
no existe monotonia nem tdio, mas, sim, muita agitao e irresponsabilidade.
540BE, ainda, o indivduo esteta procura esconder dos outros e dele prprio a
sua verdadeira essncia. Vive somente em personagem, nada possui, pois o que
recebe no para si mesmo, mas, para o personagem que construiu, que faz
conquistas e ocupa o seu lugar. Portanto, no amado porque no se coloca na
situao de receber amor, no se entrega ao outro, ou seja, o outro no o v para o
poder am-lo.
541BO estilo de vida esttico relaciona-se ao amor romntico comentado a
seguir.
542B2.3 Vida esttica e amor romntico
543BSegundo Kierkegaard (1994), o lado espiritual constitui o suporte do
material, isto , o no perecvel a base do perecvel. Por essa razo, ao se tratar de
sentimento ligado somente com o exterior, desaparece no instante em que o desejo
satisfeito. Dessa maneira, quando fica apenas a parte exterior, surge, ento, um
sentimento finito, que denominado pelo autor de amor romntico.
544BO aparente temporal e o eterno o que realmente , portanto, passa a
ser o permanente. Nesse sentido, torna-se coerente concordar que kierkegaard
tenha fundamentado bem essa questo, uma vez que ele parte do princpio da
imortalidade alma e de que ela a parte mais relevante do indivduo. Assim, uma
espcie de sentimento superior deve estar ligado a mesma, mas no h garantia
dessa ocorrncia.
545BComo se percebe nas colocaes do autor, o amor romntico caracteriza-
se como imediato, pois, v e ama, porm, mesmo dessa maneira, agrega seu valor.
Este o sentimento que o esteta dispe para oferecer ao outro.
546BA espontaneidade e liberdade so apontadas pelo autor como a grandeza
do amor romntico, sendo este imediato por se basear em aparncias e, portanto,
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no aceita consideraes racionais. Apresenta-se baseado na beleza sensvel, porm,
tem sua nobreza, visto que inclui determinada conscincia da eternidade, e, assim,
constitui o selo da eternidade o que distingue o amor da voluptuosidade
(KIERKEGAARD, 1994, p.21).
547BDe acordo com o autor, o sensual instantneo, ao passo que o amor
romntico pode estar relacionado ordem moral que o livra da pura sensualidade.
Nesse contexto, a paixo representa muito mais que a pura sensualidade. O
sentimento do sedutor no se volta apenas para o fsico, apesar de superficial e
passageiro, intenciona um relacionamento pleno, marcado pela convivncia com o
outro no se limitando a uma relao exclusivamente sexual.
548BPara Kierkegaard (2002, p.36), a paixo no significa apenas
voluptuosidade, pois acrescenta ele que: mais do que nunca me do prazer as
jovens e, entretanto, no tenho o desejo do prazer. ela quem, por toda parte,
procuro. Convm ressaltar, que o sedutor somente se satisfaz com aquela por quem
se apaixona, cuja paixo vivida em cada momento e sua intensidade depende do
encanto pela seduzida.
549BAssim sendo, o amor romntico o prottipo do estilo de vida esttico, o
qual pode ser mantido vivo, mas ao passar para os outros estilos de vida, tal
sentimento adquire outras caractersticas.
550BExistem trs tipos de sedutor, os quais esto representados por Don
Giovanni da pera de Mozart, Fausto de Goethe, e Johannes do Dirio do
Sedutor. Don Giovanni sensual e envolvente, preocupa-se com o presente e passa
de conquista a conquista. Fausto apaixonado por Margarida e se concentra na
amada, para quem esta a mais bela e perfeita. Fausto possui acentuada vida
interior, portanto, no qualquer uma que lhe serve, como ocorrer com Don
Giovanni. Johannes o sedutor diferente dos demais, pois ele refletido e irnico e
usa do Dirio para registrar seu prazer (KIERKEGAARD, 2002).
551BComo se percebe, no existe um nico tipo de sedutor, como tambm em
um mesmo estilo devida esto presentes graus distintos de conscincia e, portanto,
diversos estilos de vida esttico.
552BO autor ressalta que entre esse estilo de vida e o tico est situada a
escolha, pelo insucesso da vida esttica, configurada pela ironia. Trata-se de uma
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conduta prpria daquela que visualiza as caractersticas da vida infinita e finita, mas
que ainda no tomou uma deciso pela vida infinita. Assim, seu estgio posterior
ser o estilo de vida tico.
553B2.4 Alguns aspectos da ironia em Kierkegaard
554BEm conformidade com esse autor, a ironia situa-se no desapego do
homem pelo mundo, que persiste na obedincia dele visando atender sua vontade.
Considerando que a ironia j reflexo, no se encontra mais no estilo de vida
esttico, mas, sim, passando para o modo de vida tico, momento em que se toma a
deciso pela escolha. Dessa forma, a ironia representa o momento intermedirio.
555BValls (2000, p.81), caracteriza a ironia nos termos seguintes:
556B[...] da essncia da ironia jamais desmascarar-se e usar de uma comunicao telegrfica, [...] essencial ao irnico jamais enunciar a idia como tal, mas apenas sugeri-la fugazmente, e tomar com uma das mos o que dado com a outra, e possuir a idia como propriedade pessoal.
557BAinda, de acordo com Valls (2000), na obra Entre Scrates e Cristo,
encontram-se diversos espcies de ironia, dentre as quais, destacam-se a ironia
fingida e a romntica. A primeira consiste na ironia socrtica representa:
558B[...] uma atitude galhofeira, sem seriedade, ou pelo menos sem aquela seriedade carrancuda que tradicionalmente utilizamos, mesmo em coisas sem maior seriedade, quando a verdadeira seriedade deveria levar a srio somente o que srio, [...] (VALLS, 2000, p.20).
559BEssa espcie de ironia pode ser considerada como um meio de
comunicao, a qual implica em risadas como forma de ataque e defesa, mas isso
no significa dizer o contrrio daquilo que se pensa. A exemplo, cita-se a postura de
Scrates quando se utilizou da ignorncia como uma estratgia para manter uma
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comunicao, na qual deixou em aberto vrios questionamentos a fim de que o
interlocutor exercitasse a mente (pensar).
560BSobre esse assunto, Valls (2000, p.25) salienta:
561BDe qualquer maneira, a ironia parece identificar-se geralmente com formas divertidas, mesmo quando disfaradas. [...] A forma mais corrente de ironia consiste em dizermos num tom srio o que contudo no pensado seriamente. A outra forma, em que a gente brincando diz em tom de brincadeira algo que se pensa a srio, ocorre raramente.
562BCertamente, que essa ironia mencionada, no se constitui em maldade e
nem ser avaliada com base em conceitos morais, no entanto, representa uma
conscincia superior. O irnico intenciona mostrar-se diferente do que na
realidade.
563BComo uma esteta por convico, a ironia romntica como exemplo fica
Johannes, conhecido tambm como o Sedutor do Dirio, que decidido pelo seu
estilo de vida, porm reflete a sua iluso pela vida, no entanto, coloca-se frente a
sua paixo. Portanto, aceita-se como uma iludido, porm indeciso quanto a mudar
de vida. Assim, faz-se de feliz, mas sabe que um refm das iluses que ele mesmo
criou para si e para os demais.
564BA partir dessas colocaes, a ironia pode ser a razo pela qual o autor
apresenta-se ambguo, e escreve sempre ironizando. Dessa forma, segue o exemplo
de Scrates, ou seja, a estratgia das questes sem respostas. Algumas vezes,
enfatiza idias contrrias ao seu modo de pensar, levando ao erro conclusivo, mas
aqueles que conhecem seu pensamento, apesar de ser confundirem com suas
argumentaes conseguem racionar de forma correta.
565B3 CONCLUSO
566BDe acordo com Kierkegaard a esttica est contida naquele que ser
conquistado. O sentido do belo est na superao da dvida e a esttica pode ser
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considerada como a garantia da felicidade matrimonial. Para o autor, a arte se
expressa por meio da posse e no na conquista.
567BA posse envolve a conquista e, esta, portanto, decorre da superao de
todos os empecilhos, dificuldades. O possuir consequentemente superior a
conquista, pois neste estgio o indivduo se esquece de si mesmo, ao passo que
naquele apenas recorda-se como uma lembrana.
568BAssim, a conquista pelo personagem criado para a seduo,
consequentemente, o eu deixa de ser lembrado para cair no esquecimento, ou seja,
abandonado.
569BO termo posse no quer dizer ser dono do outro, haja vista, que, no
amor, a liberdade necessariamente deve ser respeitada. No entendimento do autor,
esse termo utilizado para definir que esse tem de verdade o sentimento do outro.
570BNo caso do esteta, este deixa de Aldo seu eu para realizar a conquista.
A conquista no possui ainda a conscincia, mas, sim, significa o querer ter. Aps o
ter, j est superado o estado no reflexivo. Ocorreu o primeiro instante da entrega,
porm a verdadeira posse somente se efetiva depois. A conquista pode acontecer de
imediato, mas a posse no.
571BA conquista conforme o Dirio de um Sedutor, exige determinado
trabalho, apesar de ser algo natural. No entanto, o trabalho da posse mais difcil
por ser pautado na reflexo e na verdade de si mesmo, pois nesse estgio ter
requer tempo.
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572BREFERNCIAS
573BDACOREGIO, Alexsandra Amorim. Os modos de vida em Kierkegaard. 2007. 93p. Dissertao (Mestre em Filosofia) Universidade Federal de Santa Catarina, Florianpolis, 2007.
574BKIEREGAARD, S. Vida e obra. Coleo: Os Pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1979.
575B______. O matrimnio. So Paulo: Editorial Psy II, 1994.
576B______. Dirio de um sedutor. So Paulo: Martin Claret, 2002.
577BVALLS, A. Entre Scrates e Cristo. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000.