estado de terror - globalizaçao, falencia do estado e violação dos dtos humanos

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1 Universidade Católica de Pelotas Escola de Direito Direito Constitucional / Direitos Humanos Globalização e Terrorismo “Estado de Terror: Globalização, falência do Estado e violação dos Direitos Humanos” * ** * Integrantes: Frank Moraes; Jackson Silva; Lucas Machado; Stéfan Iribarrem; Wagner Pedrotti. ** Professores orientadores: Me. Marcelo Oliveira de Moura, Samuel Chapper.

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uma abordagem acerca do paradigma de direitos humanos e a sua total ineficácia na modelo de gestao moderno-burguesa

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Page 1: estado de terror - Globalizaçao, falencia do estado e violação dos dtos humanos

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Universidade Católica de Pelotas

Escola de Direito

Direito Constitucional / Direitos Humanos

Globalização e Terrorismo

“Estado de Terror:

Globalização, falência do Estado

e violação dos Direitos Humanos”* **

* Integrantes: Frank Moraes; Jackson Silva; Lucas Machado; Stéfan Iribarrem;

Wagner Pedrotti. **

Professores orientadores: Me. Marcelo Oliveira de Moura, Samuel Chapper.

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2

Sumário

1 - Introdução......................................................................................................3

2 - Globalização: de um processo prometido como sendo homogêneo à um

crescimento desigual e combinado .....................................................................4

2.1 Consenso de Washington e a pretensa ideologia de um modelo

universal de desenvolvimento.............................................................................6

2.2 Efeitos colaterais do processo globalização............................ ...........8

3 - De Estado Garantidor à Estado Empresário................................................10

3.1 O Estado Democrático de Consumo – a redescoberta da igualdade

como condição de justiça ................................................................................14

4 - Estado de Terror: violação sistemática dos direitos humanos................... ..16

4.1 A globalização Contra-Hegemônica como via alternativa

possível..............................................................................................................22

4.2. Mercosul: IS THERE NO ALTERNATIVE? / NÃO HÁ

ALTERNATIVA?................................................................................................23

5 - Conclusão.....................................................................................................25

6 - Bibliografia....................................................................................................28

7 – Anexos.........................................................................................................31

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3

1. Introdução

O trabalho a ser desenvolvido tratará do tema Globalização e Terror, e

Direitos Humanos de forma abrangente, tendo em vista os avanços do ideal

desenvolvimentista global e a conseqüente situação de terror vivida pelas mais

diferentes modalidades societárias, sobretudo as sub ou em desenvolvimento

econômico, os países periféricos.

Especificamente, desenvolver-se-á, obviamente sem pretensão de

esgotar a temática, abordando a contextualização e estruturação do processo

de globalização e, sobretudo os efeitos que, planejados ou incontrolados, têm

sido inerente a este processo que se propõe como modelo de desenvolvimento

latino-americano e posteriormente se globalizou/difundiu pelos quatro cantos

do mundo, dominando econômica e culturalmente os povos.

Este processo em desenvolvimento passa, inevitavelmente, pela postura

do Estado, ente público que tradicionalmente tem o dever de mediar essa

relação de modificação social, atentando para o bem-estar de seus cidadãos,

pautado no interesse coletivo; porém, trava-se uma problemática diante da

percepção da ausência, quando não há parcialidade do ente público no

decorrer deste processo de dominação e degradação do indivíduo humano e

de suas condições de vida.

O trabalho aponta a inexorável conseqüência de insegurança sócio-

político-cultural total, indistinta e por vezes indiscriminada, visto ser uma

situação que por si só causa terror, dada sua desterritorialidade, ubiqüidade,

capaz de atemorizar a todos ante as mesmas ameaças - ausência de

segurança física e jurídica, falta ou instabilidade de trabalho, desintegração

cultural..

Não nos prendemos meramente a criticar e, sim, apontamos

ligeiramente opções que se afiguram como plausíveis - ante uma análise que

se propõe e demonstra como teórico-analítica, através de referenciais teóricos

– a partir de uma reestruturação individual pautada na solidariedade e

sentimento de comunidade, abarcando todas as formas ―empoderadoras‖ e que

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valorizem a dignidade humana, talvez como principal direito humano a ser

respeitado e norteador de uma mudança social sustentável.

2. Globalização: de um processo prometido como sendo homogêneo à

um crescimento desigual e combinado

O conceito de globalização é derivado da esfera econômica, e aponta

para um processo de longa duração que teve início, segundo alguns autores,

em torno do século XV, através de uma comercialização que rompia fronteiras,

dando primeiramente origem à um comércio mundial desterritorializado e

posteriormente à economia que vivemos hoje. O fenômeno da globalização se

tornou visível para todos nas últimas décadas, fim do século XX, quando

envolveu todos os aspectos da vida moderna; inclusive, os aspectos sócio-

político e culturais.

Para Giddens uma das conseqüências fundamentais da modernidade é

a globalização. O mais pertinente não é o conceito de globalização, mas sim o

de globalização do quê? Qual é a idéia norteadora desse projeto mundial? A

globalização refere-se a globalizar o pensamento ocidental, isso significa tornar

único os pensamentos, as instituições. Sendo assim, não se levam em conta as

idéias que estejam em descompasso com a idéia central. Esta é mais do que

uma difusão das instituições ocidentais através do mundo, onde outras culturas

são descartadas; continua o autor - a globalização é um processo de

desenvolvimento desigual que tanto fragmenta como coordena – introduzindo e

ditando um modelo para o qual há apenas liberdade dentro de parâmetros

estabelecidos.

Apesar de nas três ultimas décadas, as interações transnacionais

conheceram um avanço intenso, desde a globalização dos sistemas de

produção e das transferências financeiras, à proliferação em uma escala

mundial, de informação e imagens através dos meios de comunicação ou às

deslocações em massa de pessoas, quer como turistas, quer como

trabalhadores. Porém, a característica marcante desse fenômeno incontrolado

é o estabelecimento de movimentos centrípetos e centrífugos. Num primeiro

momento existem enormes esforços no sentido centrípeto, de englobar todos

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os hemisférios com a imposição de uma economia mundial. No segundo

momento, opera-se o movimento centrífugo, inverso, que se ocupa em realizar

a seleção dos sujeitos que, de fato, irão (poderão) participar, aqueles que têm

potencial de consumo e que poderão contribuir para o movimento desta

economia; e dos que não irão (poderão), os excluídos, que continuarão a

margem da sociedade.

É relevante ainda salientar que esse movimento centrífugo não se

extingue neste único momento, está seleção opera-se constantemente. Com a

implementação de tecnologias no setor produtivo e a seleção, exclusão, natural

dos agentes ineficientes do mercado verifica-se novamente o surgimento de

não contribuintes que devem mais uma vez ser empurrados para a margem da

sociedade ora globalizada.

Assim o fenômeno mais visível é a emergência de dois grupos que

extrapolam limites territoriais: globalizados (incluídos e participantes) e o dos

excluídos (mais de três quartos da humanidade). Essa divisão é (sensível)

visível em nível internacional e dentro das sociedades nacionais. Os

globalizados de todos os cantos do mundo têm ou aspiram a padrões de

consumo do Primeiro mundo. Os excluídos (da globalização e do mercado)

aspiram tão somente a condições mínimas de sobrevivência e, se não puderem

contar com o direito inalienável à segurança social, são marginalizados da

sociedade.

Além disso, como nos coloca Boaventura, a Globalização:

Interage de modo muito diversificado com outras transformações no

sistema mundial que lhe são concomitantes, tais como o aumento dramático das desigualdades entre a sobrepopulação, a catástrofe ambiental, os conflitos étnicos, a migração internacional massiva, a

emergência de novos estados e a falência ou implosão de outros, a proliferação de guerras civis, o crime globalmente organizado, a democracia formal como condição política para a assistência internacional, etc. (SANTOS, 2005)

Neste sentido a fim de conceituar globalização e admitindo-se possuir

um caráter irreversível tendo em vista o estágio em que se encontra no que se

refere a sua estruturação e avanço político-cultural; visa-se abordar duas

dinâmicas globais, hegemônica, ditada após o Consenso de Washington em

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1989 e a Globalização Contra Hegemônica a qual viremos a abordar

pensando-se e trabalhando apenas com a idéia de uma modificação em seu

molde, visando obviamente sérias e profundas modificações em seus

resultados.

2.1 Consenso de Washington e a pretensa ideologia de um modelo

universal de desenvolvimento

Em novembro de 1989, o Institute for International Economics em

Washington D.C. realizou uma conferência para retomar o curso das

discussões sobre as políticas de ajuste econômico levadas a cabo pela

América Latina. Na conferência foi criado um conjunto de medidas – com aval

de organismos internacionais, como BIRD (Banco Internacional de

reestruturação e Desenvolvimento, FMI (Fundo Monetário Internacional), OMC

(Organização Mundial do Comércio), a tríade do capital mundial – que se

tornam um símbolo da política neoliberal. Destas medidas de desenvolvimento

surgiram dez regras básicas: 1) Controle do Déficit Fiscal, através da qual o

Estado deve limitar seus gastos à arrecadação; 2) Priorização dos Gastos

Públicos, focalizando em educação, saúde e infra-estrutura; 3) Reforma

Tributária, que amplie a base sobre a qual incide a carga tributária, com maior

peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos; 4)

Taxa de Juros, liberalização financeira, pondo fim a restrições que impedem

instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais

e o afastamento do Estado do setor; 5) Taxa de Cambio competitiva; 6) Política

Comercial, liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de

importação e estímulos á exportação, visando a impulsionar a globalização da

economia; 7) Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo

investimento direto estrangeiro; 8) Privatização, a venda de empresas estatais;

9) Desregulamentação, redução da legislação de controle do processo

econômico e das relações trabalhistas; 10) Direito de Propriedade.

Ainda, segundo Chomsky, o Consenso [neoliberal] de Washington é um

conjunto de princípios orientados para o mercado, traçados pelo governo dos

Estados Unidos e pelas instituições financeiras internacionais que ele controla

e por eles mesmos implementados de formas diversas – geralmente, nas

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sociedades mais vulneráveis, com rígidos programas de ajuste estrutural2.

Resumidamente, as suas regras básicas são: liberalização do mercado e do

sistema financeiro, fixação dos preços pelo mercado (―ajuste de preços‖), fim

da inflação (―estabilidade macroeconômica‖) e privatização. As decisões

daqueles que impõem o Consenso têm, é claro, um grande impacto sobre a

ordem global. Alguns analistas assumem uma posição ainda mais incisiva,

neste sentido ―é preciso que as áreas dominadas não só aceitem a dominação

como acreditem nela, na inevitabilidade dessa dominação, na sua eternidade3‖.

A imprensa de negócios internacional se referiu a essas instituições como o

núcleo de um ―governo mundial de fato‖ de uma ―nova era imperial‖ como nos

apresenta Noam Chomsky.

Desde então, apesar das medidas terem sido criadas para serem

aplicados na América Latina, o termo foi utilizado em todo mundo como

recomendações para justificar as políticas neoliberais. Com essas medidas

seria inevitável a falência do Estado provedor de bem-estar social, pois a

economia se desvincula da função do Estado, e passa a ditar as novas normas,

como diria Zygmunt Bauman - a economia é de área não política.

Assim, com a falência do poder do Estado, o poder passa às mãos das

empresas, que tem como único objetivo maximizar o lucro, mesmo que tenha

que sacrificar a natureza, e o próprio homem. O Estado perde o controle sobre

o rumo das coisas, e além de permitir a violação de direitos pelas empresas,

viola direitos públicos, que são de sua competência. A privatização torna-se

inerente, já que o Estado não cumpre com suas obrigações, e por isso a crença

do Estado como um ente desnecessário. As empresas, especialmente as

corporações multinacionais, podem controlar imenso poder econômico, e ter a

capacidade de influenciar sistemas políticos em seus países de origem e em

outros lugares. As maiores companhias multinacionais da atualidade têm

orçamentos maiores do que os de todas as nações com poucas exceções.

2.2. Efeitos colaterais do processo globalização

2

CHOMSKY, Noam. O Lucro ou as Pessoas? Neoliberalismo e Ordem Global. Pág 7 3 SODRÉ, Nélson Werneck. A farsa do Neoliberalismo. Pág 4

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8

Trabalhando na lógica de ―mercadorização‖ dos direitos e até mesmo do

próprio ser humano como resultado natural e desejado do processo de

globalização hegemônica e neoliberal, através da liberalização da economia e

dos mercados desembocamos na colocação de Helio Gallardo - “podemos

trasladar esta temática a América Latina. La gente merece tanta salud como

pueda pagar, tanta educación como pueda pagar, tanta seguridad como pueda

pagar. Y se no pueden pagar, entonces no merecen ni educación, ni salud, ni

seguridad. Son responsables por su suerte. Nosotros, los que podemos pagar,

no somos responsables por su pobreza4‖ - remete imediatamente ao

discurso individual do homem médio, com condições mínimas de manter sua

subsistência e dentro do possível a sua dignidade, discurso descompromissado

com o próximo, desde que não seja uma ameaça imediata, o que não tarda a

acontecer, visto o esquecimento que inevitavelmente tem ocorrido de com

estes milhares, bilhões de indivíduos, jogados ao esquecimento pelo frenezi –

velocidade que requer a vida no mundo globalizado. Situação facilmente

verificada não apenas na América Latina, mas na África, sobretudo nesta, onde

se acham potencializados os efeitos da dominação hegemônica, levando ao

extremo a situação de pauperização social, onde visivelmente se faz mais

dramático e intenso o desrespeito ou simplesmente indiferença com o ser

humano, afinal de contas, o que importa é a capacidade de consumo e como

nos coloca Ianni ―Está em curso inclusive a privatização das atividades

relacionadas à educação, saúde e previdência, ao mesmo tempo que se

reduzem ou anulam conquistas sociais alcançadas no âmbito das

condições de trabalho. Em nome da desburocratização, racionalização,

produtividade, competitividade, qualidade total ou lucratividade, instaura-

se totalmente o „economicismo‟, no qual há escassa ou nula preocupação

com os seus custos sociais, culturais e políticos para a maioria das

populações, em escala nacional, regional e mundial.5‖(grifo nosso).

Este desinteresse redunda na situação brevemente levantada de que,

nos países africanos, em sua generalidade, de acordo com IBGE 2005 países

como Sudão, Mali, Nigéria e Angola, para citar apenas alguns, ultrapassem

4 GALLARDO, Helio. Derechos discriminados y Olvidados. Pág. 60.

5 IANNI, Octavio. Capitalismo, violência e terrorismo. Pág. 41

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índices em mortalidade infantil de 120, 150 a cada mil nascidos vivos (anexo

1), paralelamente são investidos em saúde entre 1 e 3 % do PIB do respectivo

país, se não caracteriza um genocídio, não imaginaria outro substantivo para a

situação (anexo 2 e 3).

De par com isto, demonstrando a diferença entre a expectativa de vida

nos países da África, não ultrapassam 55 anos, nos países da América Latina

giram em torno de 70 anos (anexo 4); a impressão que passa é que, apesar, da

aparente melhor situação da América Latina em relação aos países africanos, o

que ocorre, na verdade, é a exploração por um maior lapso temporal. Ainda

podemos diferençar índices de acesso à rede sanitária, água potável, enfim (...)

(anexo 5 e 6) isso comparando-se dois continentes dominados e ―estuprados‖.

Porém, quando se faz qualquer paralelo com países hegemônicos a sensação

que dá é de não estarmos no mesmo planeta, infelizmente. Mesmo sendo eles

que nos apresentam as medidas de ―desenvolvimento‖, não põem em prática

para o seu próprio crescimento; eles têm um modelo para o nosso crescimento

e outro para o deles; demonstrados nos índices de renda per capita da Europa,

EUA e Canadá ficam em torno de 30 e 40 mil dólares, enquanto que na

América Latina em nenhum país ultrapassa os 10 mil dólares, ressalvando-se a

má distribuição de renda, não atreveríamos a fazer comparação de renda per

capita com os países da África.

É neste contexto que se propõe desenvolvimentista que fica a pergunta:

para quem está indo este desenvolvimento? Este mundo interligado que está

germinando e intensificando e generalizando os problemas da proletarização,

pauperização; carências habitacionais, de saúde, de alimentação, de ensino e

cultura; a formação de subclasses composta por coletividades de excluídos,

descartáveis, social, econômica, política e culturalmente; caracterizando uma

desconstrução estrutural que produz pobreza e miséria.

Neste momento, após estas elucidações, um tanto quanto numéricas e

passíveis até mesmo de questionamento e falha, nos parece muito pertinente a

citação de Octavio Ianni ―essa mesma fábrica fermenta o progresso e a

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decadência, a transformação e o retrocesso, a reforma e a revolução, a

revolução e a contra-revolução.6‖

3. De Estado Garantidor à Estado Empresário

Aristóteles, em A Política, já fazia a primeira definição da falência do

Estado: Quando não há classe média e o número de pobres é excessivo, os

problemas aparecem e o poder logo chega ao fim.

Na década de 80 e início de 90, o mundo capitalista viu-se novamente às voltas com problemas da época, desemprego em

massa, depressões cíclicas severas, contraposição cada vez mais espetacular de mendigos sem teto à luxo abundante, em meio a rendas limitadas de Estado e despesas ilimitadas de Estado (HOBSBAWN, 1995)

O Estado liberal, tal como conhecemos, foi teorizado pelas idéias liberais

de Adam Smith. Segundo esse pensador as funções do Estado se limitavam a

interesses da defesa, o judiciário, obras públicas, e o resto laissez-faire, laissez

passer. Esse modelo de Estado se manteve até suas primeiras crises da

primeira metade do século XX. Surgindo assim então, um Estado Social, capaz

de superar as contradições do mercado e suas exclusões sociais, como diz

Bobbio, esse ―é o Estado que garante tipos mínimos de renda, alimentação,

saúde, habitação, educação, assegurados a todo cidadão, não como caridade,

mas como direito político8‖, ou ainda, como sugere Giddens, é o Estado em

que há ―trabalho para aqueles que irão labutar, castigo para aqueles que não

irão fazê-lo, e pão para aqueles que não podem fazê-lo9‖. Consagrado como

princípio fundamental da República Federativa do Brasil em seu art. 3º in

verbis:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as

desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

6 IANNI, Octavio. Capitalismo, violência e terrorismo. Pág. 19

8 BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. Estado de Bem Estar Social . Pág. 416.

9 GIDDENS, Anthony. Para além da Esquerda e da Direita . Pág. 154.

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Em meados dos anos 70, os gastos governamentais tendiam a serem

maiores que as arrecadações, havendo então um descompasso nas contas

públicas, uma crise fiscal, o que levou ao colapso do Estado social. Duas

soluções eram racionais nesse momento, aumentar a carga tributária ou

diminuir os gastos públicos, a fim de superar o déficit contraído. Alguns

Estados abrem mão da assistência social, encerrando assim esse modelo de

Estado, ou seja, ―Estado de Bem-Estar? Já não podemos custeá-lo10‖. Dando

início a uma nova fase do Estado, caracterizado por sua minimização, e

conseqüentemente sua ineficácia frente aos problemas sociais. Esse novo

modelo de Estado, chamado de neoliberal, possui características novas como o

nome sugere; porém, as velhas práticas liberais que não deram certo que tem

seu marco inicial com o acontecimento do Consenso de Washington.

A proposta a ser discutida aqui é em relação ao centro de tomada de

decisões políticas, o núcleo diretivo das políticas públicas e a influência dos

investidores econômicos. O estado como gestor da sociedade tem o poder de

decidir, mas, no entanto qual a tendência dessa decisão? Com quem ou com o

quê está comprometido este poder? Quais as conseqüências dessas decisões

na sociedade?

Determinadas posições do poder público, seja de qualquer esfera do

estado, refletem diretamente nas relações econômicas, porém, se este poder

estiver comprometido, para não dizer concentrado, em um objetivo - para com

o bem-estar da sociedade - torna estes mais próximos de sua concretização.

Todavia, o Estado mínimo, sempre que necessário ou lhe convém, deu e dá

impulso para o livre mercado conseguir atingir suas metas. É evidente nessas

intervenções o comprometimento do poder público com determinados setores,

basta lembrar as eleições presidenciais no ano de 2002 no Brasil, onde durante

o processo eleitoral os quatro (4) candidatos mais cogitados nas pesquisas a

vencer o pleito, foram convidados para um encontro com o presidente da

república da época, para tratar de um acordo com FMI (Fundo Monetário

Internacional). Ora, não precisa muita força para perceber a relação, o Estado

financiado pelo fundo, que logo tratou de apresentar sua proposta - lançar o

10

BAUMAN, Zygmunt. O Mal-Estar da pós-Modernidade. Pág. 51

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modelo através do qual seriam geridas as políticas do governo, seja ele de

qualquer candidato que vencesse a eleição.

Vivemos hoje como observa o Professor José Eduardo Faria: ―A

globalização econômica – e este é apenas um juízo de fato, não de valor – está

substituindo a política pelo mercado, como instância privilegiada de regulação

social‖ Como acontece no sistema de privatização de instituições de caráter

social como a previdência social, onde em alguns países da América-Latina o

termo segurado (que remete a idéia de garantia por parte do estado de

assegurar uma assistência quando de infortúnio do trabalhador) pode ser

substituído pelo termo cliente (o que remete a idéia de consumo), pois, o

mesmo passa a ter uma conta individual em uma instituição privada, logo, se

não tem poder de consumo, fica a mercê da sorte ou então entra na fila de

espera e aguarda uma ação do estado, como bem salienta Emir Sader, o

mercado não reconhece direitos, reconhece poder de compra.

O que é mais alarmante nessa relação são as conseqüências sociais, as

freqüentes violações de direitos políticos e a influência na economia de nossa

região. Isso ocorre por que os governos preocupados ou até pressionados pela

necessidade de apresentar resultado no campo econômico submetem seu

poder de decisão as exigências do capital, de acordo com os padrões

neoliberais proclamados pelas já conhecidas políticas de governos por Reagan

e Tatcher, nos EUA e na Inglaterra respectivamente, este processo conhecido

como modernização implica para o Estado em uma ―flexibilização‖ dos direitos

sociais, uma série de subsídios, isenções fiscais entre outros benefícios para

empresas.

A política de desregulamentação, deslegalização e

desconstitucionalização segue, promovido por governos para suprimir os

requisitos dos investidores, ou seja, o ordenamento jurídico interno sofre

modificações para adaptarem-se as exigências do mercado, regras

constitucionais modificadas, leis ordinárias suprimidas ou elaboradas são

exemplos do procedimento adotado. De acordo com José Eduardo Faria, vale

lembrar uma nota esclarecedora desse movimento:

Não é o Estado que impõe sua ordem jurídica sobre esses

conglomerados; são eles que, podendo concentrar suas linhas de produção nos países que oferecem as melhores contrapartidas para

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seus investimentos, acabam selecionando as legislações nacionais às quais irão se submeter. (José Eduardo Faria, 1987)

As conseqüências da minimização do Estado – ou Estados-nação em

miniatura, como sugere Hobsbawm – em países onde não ocorreu o Estado

social são ainda piores, como o Brasil, ―onde não houve o Estado Social‖. Vale

lembrar que nem mesmo o Estado liberal houve no Brasil, como diz Wolkmer

ao citar Gandini, a ausência de uma revolução burguesa no Brasil restringiu a

possibilidade de que aqui se desenvolvesse a ideologia liberal aos moldes em

que ocorreu em países como Inglaterra, França e EUA. Releva registrar, nessa

quadra e colocando os olhos em terra brasileira, o Estado interventor-

desenvolvimentista-regulador, que deveria fazer essa função social, foi,

especialmente no Brasil, pródigo somente para com as elites, enfim, para as

camadas médio-superiores da sociedade, que se apropriaram/ aproveitaram de

tudo desse Estado, privatizando-o, dividindo/ loteando11, como observa Lenio

Streck.

Na última década do século passado o estado sofreu o ―golpe‖ final de

um processo que vinha se estendendo desde o fim da segunda guerra mundial,

ou seja, do que foi chamado por alguns governos, principalmente nos países

sul-americanos, de ―modernização tardia‖. Essa transformação foi para moldar

essa instituição política e preparar o terreno para implantação das políticas

neoliberais e favorecer o interesse do capital privado oriundo dos grandes

centros financeiros do 1° mundo (hoje chamado de países desenvolvidos) com

o argumento da incapacidade do estado de gerenciar, como bem observa

Nelson Sodré para o neoliberalismo o grande inimigo do progresso, ou

desenvolvimento é o estado.

―O Estado era, por definição, mau gestor, não deveria operar na área em

que empresas privadas operavam, não deveria de forma alguma, ocupar-se de

tarefas que deveriam ser próprias da área privada12‖. Lembrando ainda, que

nas empresas privadas o único fim é o lucro e nas empresas estatais ele não é

o único. Só que nas empresas privadas o lucro beneficia os seus donos e nas

empresas estatais ele beneficia o povo, através do estado.

11

STRECK, Lenio. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Pág. 68. 12

SODRÉ, Nélson Werneck. A farsa do Neoliberalismo. Pág. 19.

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3.1 O Estado Democrático de Consumo – a redescoberta da igualdade

como condição de justiça

A modernidade nos trouxe a promessa de liberdade, igualdade e

fraternidade, no entanto, está longe de ser realizada. Sendo assim, a

igualdade, meramente formal, é levada ao campo material, e ―a forma desse

veículo de acesso à igualdade prometida pela modernidade foi a instituição do

Estado Democrático de Direito, que, porém, longe está de ser efetivado13‖ e

como assevera Emir Sader todos somos iguais diante da lei, mas todos somos

profundamente desiguais no mercado. O que vemos no atual neoliberalismo é

a omissão do Estado, onde este atua como uma empresa privada,

intermediando o cidadão (consumidor) até o capital (empresas). O Estado não

mais se responsabiliza pelas exclusões do mercado, pois paga direto às

vítimas (assistencialismo), não há mais seguro de riscos coletivos, essa tarefa

foi privatizada. A previsão de Marx estava correta! No capitalismo tudo vira

mercadoria.

Está instaurado o que chamamos de Estado Democrático de Consumo,

utilizando-se da ―trampa‖ (armadilha) que é a democracia, como colocada

anteriormente formal, norteada na igualdade e na liberdade, que disto não tem

nada. Igualdade de quê? E principalmente liberdade para que e para quem?

Assumimos a idéia de que só é ―livre‖ quem consome, quem tem condições de

consumo. Mesmo os que possuem não são tão livres quanto pensam, mas o

que chama a atenção é quanto aos que não tem as condições de consumo,

novamente utilizando-se de Boaventura de Sousa Santos:

A economia é, assim, dessocializada, o conceito de consumidor

substitui o de cidadão e o critério de inclusão deixa de ser o direito para passar a ser a solvência. Os pobres são os insolventes ( o que inclui os consumidores que ultrapassam os limites do

sobreendividamento). Em relação a eles devem adoptar-se medidas de luta contra a pobreza, de preferência medidas compensatórias que minorem, mas não eliminem, a exclusão, já que esta é um efeito

inevitável (e, por isso, justificado) do desenvolvimento assente no crescimento econômico e na competitividade a nível global. (SANTOS, 2005)

Uma característica marcante do Estado global são as privatizações,

impostas por organismos internacionais. A intenção é fazer com que os

13

STRECK, Lênio. Hermenêutica Jurídica em crise . Pág. 227

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15

Estados percam sua soberania, e o poder passe às mãos das instituições

privadas. Chomsky diz que a diminuição do Estado é ―a transferência do poder

decisor da arena pública para outros lugares: ‗para as pessoas‘, na retórica do

poder; para as tiranias privadas, no mundo real14‖. É o que chamamos de

Estado insuficiente, pois ele se tornou tão fraco que não é capaz de resolver os

problemas sociais, ou seja, o Estado perdeu seu poder de intervir. Como diz

Boaventura: ―precisamos de um Estado cada vez mais forte para garantir os

direitos num contexto hostil de globalização neoliberal‖. E ainda: fica evidente

que o conceito de um Estado fraco é um conceito fraco. Paradoxalmente

preceitua o art. 193 da Carta Magna brasileira de 1988 ―a ordem social tem

como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça

sociais‖.

No entanto, a idéia central é a da minimização do Estado, baseada na

privatização, ou seja, a venda de uma empresa estatal, ou pública, à iniciativa

privada. Assim o Estado torna-se cada vez mais insuficiente para com as

questões sociais, com o argumento de cobrir o déficit fiscal. Esse processo

teve início no Chile na década de 70, já na década de 80 atingiu países

desenvolvidos como a Inglaterra, na década de 90, após o Consenso de

Washington, na América Latina. Neste sentido o modelo adotado aqui

acompanha o modelo externo e serve ao capital estrangeiro já existente e ao

capital que se espera vir, atraído por uma política de destruição e

sucateamento do patrimônio público. A globalização fez com que essa

característica da política neoliberal se espalhasse pelo mundo, como ideologia

dominante.

Nesse sentido, houve governos que para justificar essa ausência

valeram-se do argumento da ineficiência e da insuficiência do serviço público,

quando na verdade era a falta de uma reestruturação deste para um efetivo

atendimento. Nós fomos desacreditados da potencialidade do atendimento do

Estado as nossas demandas sociais como saúde, emprego, previdência; o

desmanche do setor público foi coberto por uma máscara de ineficiência e

incapacidade, porém, o que não foi mostrado é que essas características eram

14

CHOMSKY, Noam. O Lucro ou as Pessoas? Neoliberalismo e Ordem Global . Pág. 70.

Page 16: estado de terror - Globalizaçao, falencia do estado e violação dos dtos humanos

16

efeitos de exigência do sistema neoliberal onde quem tem poder de consumo

tem seus direito fundamentais assegurados e quem não possuí tais condições

restam as filas de espera. É fato notório que o neoliberalismo ora vigente em

escala mundial, ademais de produzir desemprego estrutural e de induzir ao

desmantelamento das instituições da seguridade social - construídas pouco a

pouco, com diferentes graus de eficiência, nos mais diversos Estados - encara

o mercado como único elemento organizador das sociedades.

No mundo globalizado atual, organizado com base na liberdade

econômica absoluta, em que a legitimidade das políticas é dada pelo FMI,

Bancos e bolsas de valores, o Estado pouco mais pode fazer do que tentar

administrar o funcionamento da sociedade para o sucesso das empresas,

nacionais e transnacionais. Destituído até mesmo de meios fiscais para operar

políticas públicas adequadas, vêem-se os governos cada dia menos capazes

de zelar pelo bem-estar geral. Daí recorrem, crescentemente, conforme o

modelo norte-americano, à filantropia privada e ao chamado ―terceiro setor‖, de

direito privado, mas com objetivos públicos, para atendimento paliativo aos

indivíduos e comunidades mais carentes.

4. Estado de Terror: violação sistemática dos direitos humanos

Trabalhando com a tese de Estado propulsor nestes diferentes níveis,

ausente, insuficiente e/ou ineficiente, ou seja, o Estado que adota o ideário

neoliberal, assume os valores globalizados do puritanismo ocidental, atribuindo

a poucos a salvação e relegando muitos à danação. No entanto, estes valores

globais se caracterizam pela incessante incógnita acerca da predestinação de

cada um, fazendo com que se fundamente a cultivação de valores como

dedicação plena, respeito à lei e a ordem, expiação quotidiana, de modo a

evitar um futuro indesejado e realizar a profecia de sua própria predestinação.

Esse ideário, ou modo de ser, está em intensivo processo de

globalização, sedimentando as posturas competitivas e produtivas

características do mundo capitalista atual, que está processando uma

constante e desproporcional estrutura binária e ambivalente; crescimento

econômico e concentração de renda; elevada produtividade e altíssimos níveis

de desemprego; aumento da lucratividade e recordes de índices de violência;

Page 17: estado de terror - Globalizaçao, falencia do estado e violação dos dtos humanos

17

maior nível técnico-científico produtivo e perigosa degradação do meio

ambiente (...).

Neste contexto que se estrutura e sedimenta o estado de terror como

característica inerente à sociedade moderna, mais notadamente nas

modernidades tardias, referindo-se aos países terceiro mundistas que sequer

tiveram sua pré-modernidade estabelecida; como nas palavras de Octavio Ianni

―observa-se que a sociedade capitalista germina, contínua e reiteradamente,

uma guerra social latente intermitente permanente15‖ acrescemos ainda o fator

político e cultural a esta empreitada imperialista dos países hegemônicos,

sobre os paises emergentes.

Este processo de ocidentalização dos valores mundiais, de

homogeneização dos indivíduos e aspirações sob os desmandos da tríade do

capital financeiro FMI (fundo monetário internacional), OMC (organização

mundial do comércio) e BM (banco mundial) estão produzindo e intensificando

a proletarização e pauperização social, deixando de lado direitos conquistados,

ao menos em parte, como habitação, saúde, alimentação, ensino e transporte;

provocando o que Ianni chama de destruição criativa, que se caracteriza por

ser a constante força que tem o mundo moderno, ocidental e capitalista de

subverter uma ―ordem‖ anterior e instaurar a ―sua‖ nova forma de proceder, o

Estado cada vez mais regulamenta a sua desregulamentação; como nas

palavras de Ianni ―a história social revela a produção e a reprodução contínuas

e crescentes de ‗marginalização‘, ‗exclusão‘ e ‗pobreza‘, ‗miséria‘ ou

‗pauperismo‘... o desemprego e o subemprego, ou desemprego disfarçado, tem

sido algo inerente e essencial à dinâmica do capitalismo16‖.

Esquecendo ou simplesmente atropelando a salvaguarda constitucional

pela dignidade da pessoa humana, ora conceituada por Boaventura como:

A qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz

merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e

deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável,

além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos

15

IANNI, Octavio. Capitalismo, violência e terrorismo: Pág. 201. 16

IANNI, Octavio. Capitalismo, violência e terrorismo: Pág. 145.

Page 18: estado de terror - Globalizaçao, falencia do estado e violação dos dtos humanos

18

Na medida em que aumentam as relações do livre comércio, aumentam

também as desigualdades entre as pessoas, e esse se torna uma causa da

violação dos direitos do homem. A desigualdade é o motor do capitalismo, pois

é a ganância de estar incluído que leva a um suposto progresso. As

conseqüências disso vêm à tona com o caos social, principalmente em países

de Terceiro Mundo, como o caso brasileiro; e de acordo com Hobsbawm ―o

Brasil é um monumento à negligência social‖. O grande problema da miséria

humana é a fome, mas também não podemos nos restringir como o único - o

que a equação ‗pobreza = fome‘ esconde são muitos outros aspectos

complexos da pobreza — ‗horríveis condições de vida e moradia, doença,

analfabetismo, agressão, famílias destruídas, enfraquecimento dos laços

sociais, ausência de futuro e de produtividade‘ —; aflições que não podem ser

curadas com biscoitos superprotéicos e leite em pó17.

Quem deveria superar essas dificuldades é o Estado, que já não tem

mais tanta soberania para resolver os problemas sociais. Na globalização o

Estado suprimiu sua qualificação de interventor, e passou somente a

administrar a segurança daqueles que podem consumir, ou seja, restando para

os ―não-consumidores‖ apenas a repressão. Como diz Bauman, ―no cabaré da

globalização, o Estado passa por um strip-tease e no final do espetáculo é

deixado apenas com as necessidades básicas: seu poder de repressão18‖. O

Estado passa a ser um mero prestador de serviços para os interesses privados,

e assim, criminalizando a pobreza. Nas palavras de Chomsky, sobre o método

de ‗limpeza social‘ - aqui (EUA), o método favorito tem sido o de confinar as

‗pessoas supérfluas‘ em guetos urbanos que cada vez mais parecem campos

de concentração. Se isso não dá certo, apela-se para as cadeias, que são a

contrapartida, numa sociedade mais rica, dos esquadrões da morte que nós

treinamos e apoiamos em nossos domínios19.

Ainda, de par com isto, cita-se brevemente a flagrante desconsideração

do principio constitucional de vedação ao retrocesso, sobretudo em matéria

social, o que claramente se verifica no atual Estado dito de Direito, onde o que

menos se tem é segurança jurídica; como propõe Gomes Canotilho – após sua

17

BAUMAN. Globalização: As Conseqüências da Globalização. Pág. 81. 18

BAUMAN. Globalização: As conseqüências humanas. Pág. 74. 19

CHOMSKY. Globalização Excludente . Pág. 38.

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19

concretização em nível infraconstitucional, os direitos fundamentais sociais

assumem, simultaneamente a condição de direitos subjetivos a determinadas

prestações estatais e de uma garantia institucional, de tal sorte que não se

encontram mais na plena esfera de disponibilidade do legislador, no sentido

que os direitos adquiridos não mais podem ser reduzidos ou suprimidos, sob

pena de flagrante infração ao princípio da proteção da confiança, diretamente

ligado ao Estado de Direito. Como bem é positivado na Constituição da

República Federativa do Brasil no seu Título que trata Dos Direitos e Garantias

Fundamentais:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada

Esta é a situação de violência impetrada pelo Estado - violência

organizada e concentrada no seio da sociedade - onde encontram-se milhares,

milhões de indivíduos; limitadíssimo ou, falta de acesso aos bens de consumo,

bens indispensáveis à sua sobrevivência, onde cada vez mais se ultrapassa

recordes de produção. O verificável é que se torna cada vez mais a fábrica da

fome e miséria: o número de desnutridos não diminui, 826 milhões de pessoas

ainda hoje passam fome no mundo. Um terço da população brasileira é afetada

pela subalimentação e 40 mil morrem por ano, de acordo com índices da ONU,

15 mil mortos por ano é indicador de guerra.

É nesta sociedade dita moderna que se criam e recriam as mais

engenhosas formas de violência, desde as mais arcaicas às mais sofisticadas;

materiais e espirituais, pauperização e desintegração cultural; mantendo a luta

pela vida e a lei da selva, onde sobrevive o mais forte e sucumbem os mais

fracos, assumindo o culto ao lucro, competitividade, ambição e acumulação.

Com isso alimenta-se os dados estatísticos e indicadores sociais; dados

como: 27 (vinte e sete) homicídios por 100.000 (cem mil) habitantes brasileiros,

lhe concedendo uma quarta posição nos países mais violentos do mundo,

perdendo apenas para Colômbia, Rússia e Venezuela (IBGE, 2004), dois deles

também países subdesemvolvidos – salientando o que já foi citado

anteriormente que a ONU admite como indicadores de guerra acima de 15 mil

Page 20: estado de terror - Globalizaçao, falencia do estado e violação dos dtos humanos

20

mortos/ano; ainda, de par com isso, acrescenta-se que o Brasil novamente

ocupa o quarto lugar, no entanto, referente a concentração de renda, perdendo

apenas para Serra Leoa, República Centro-Africada e Suazilândia (FGV, 2005),

ao passo que, o Brasil possui a 9ª (nona) economia mundial; não obstante isto,

tem em seu território cerca de 50 milhões de pessoas vivendo em condições de

indigência, com renda inferior a R$ 80,00 por mês (oitenta reais -

aproximadamente quarenta dólares), ou seja, 29,26% da população do país

não consegue atender minimamente a suas necessidades diárias.

Diante da situação brevemente apresentada, sedimenta-se a situação de

estado de terror em que se encontram milhões de pessoas submetidas a este

modo de vida que se diz moderno, que se apresenta como sendo o último

modelo societário, o ápice da razão humana em termos de economia e

sociabilidade, esta marcada pela constante insegurança social, política,

jurídica, cultural. Esta insegurança que se faz um inimigo onipresente, ubíquo;

causando o pânico social latente e intermitente.

Paralelamente a este contexto Atílio Borón nos traz o fato do Estado

acentuar seu caráter repressor, ―criminalização do protesto social, em que as

figuras do pobre, do desempregado, do sem-teto ou do indocumentado e dos

condenados pelo sistema geral são satanizadas e convertidas em figuras

sinistras e desumanas. Desse modo, as vítimas do capitalismo, os condenados

à exclusão e ao lento genocídio se transformam em delinqüentes, em

narcotraficantes ou em terroristas. Graças à alquimia da globalização

neoliberal, as vitimas se transformam em algozes20‖. Convergindo com o lema

global do capitalismo TINA (there is no alternative/ não há alternativa) sendo

que se produz um terror, necessário para prosseguir com a estratégia da

globalização hegemônica capitalista opressora. Faceta do Estado e sociedade

moderna que se faz muito visível, haja vista a globalização e a postura estatal

excluindo do mercado de trabalho e consumo, perdendo progressivamente as

condições de exercício dos direitos humanos de primeira geração e

paulatinamente os de segunda e terceira gerações. São condenados à

marginalidade econômica, social e cultural e como se refere José Eduardo

20

BORÓN, Atílio. Hegemonia e imperialismo no sistema internacional.

Page 21: estado de terror - Globalizaçao, falencia do estado e violação dos dtos humanos

21

Faria ―condições hobbesianas de vida21‖, não mais aparecendo como

portadores de direitos subjetivos, no entanto, como salienta o referido autor,

não são liberados das obrigações e deveres estabelecidos pela legislação.

O Banco Mundial declarava em 1999, ―a globalização parece aumentar a

pobreza e a desigualdade... Os custos de ajustamento para maior abertura são

suportados exclusivamente pelo pobre‖. A ONU dizia no mesmo ano: ―O

processo (globalização) está concentrando poder e marginalizando o pobre22‖.

Na atualidade aqueles que não participam do esquema consumista são vistos

como ―sujeira‖, pessoas incapazes de ser ―indivíduos livres‖. Dentro dos novos

―templos consumistas‖ é impedida a entrada desse tipo de consumidor falho,

cercando-se de câmeras de vigilância, alarmes, etc., enquanto os afortunados

desfrutam sua ―liberdade‖. ―Uma boa parcela da humanidade, por desinteresse

ou incapacidade, não é mais capaz de obedecer às leis, normas, regras,

mandamentos, costumes derivados dessa racionalidade hegemônica. Daí a

proliferação de ‗ilegais, ‗irregulares‘, ‗informais23‖. Nessa ótica, governos são

eleitos para manter o perigoso atrás das grades, representado por aqueles que

não tem o poder de consumo.

Para isso, o rejeitado/ excluído recorre aos únicos meios à sua

disposição, todos contendo alguma dose de violência; é o único recurso que pode aumentar seu ‗poder de prejudicar‘, único poder

que podem opor ao poder esmagador dos que os rejeitam e excluem. A estratégia de ‗rejeitar os que rejeitam‘ logo afunda no estereótipo do rejeitado, acrescentando à imagem do crime a inerente propensão do

criminoso à reincidência. No final, as prisões surgem como o principal instrumento de uma profecia que cumpre a si mesma (BAUMAN, 1999)

Todas as sociedades produzem os excluídos, e as pessoas excluem por

medo de serem as próximas vítimas. Os estranhos exalam incerteza onde há

certeza, por isso nessa guerra há duas alternativas: aniquilar os estranhos,

devorando-os (tornar a diferença semelhante); ou então banir os estranhos

(estratégia de exclusão), ou seja, expulsar os estranhos para os guetos, ou

destruir os estranhos. O que fizemos na modernidade foi os dois, excluímos e

21

FARIA, José Eduardo. Direitos Humanos e globalização econômica: notas para uma discussão. Pág. 50. 22

Relatório da ONU. 23

SANTOS, Milton. Por Uma Outra Globalização, Pág. 120.

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22

destruímos, pois o estranho é visto como anomalia, isso é o que chamamos de

modernidade tardia, ou pós-modernidade.

Todos esses fatores considerados em conjunto convergem para um

efeito comum: a identificação do crime com os ‗desclassificados‘ (sempre

locais) ou, o que vem dar praticamente no mesmo, a criminalização da

pobreza. Os tipos mais comuns de criminosos na visão do público vêm quase

sem exceção da ‗base‘ da sociedade. Os guetos urbanos e as zonas proibidas

são considerados áreas produtoras de crime e criminosos24.

4.1 A globalização Contra-Hegemônica como via alternativa possível

Justamente trabalhando com esta idéia de dispensabilidade de adesão

individual à globalização ela põe todos em movimento, mesmo que não

material; idéia trazida por Zygmunt Bauman ―a imobilidade não é uma opção

realista num mundo em permanente mudança. E, no entanto, os efeitos dessa

nova condição são radicalmente desiguais. Alguns de nós tornam-se plena e

verdadeiramente ‗globais‘; alguns se fixam na sua ‗localidade‘ – transe que não

é nem agradável nem suportável num mundo em que os ‗globais‘ dão o tom e

fazem as regras do jogo da vida. Ser local num mundo globalizado é sinal de

privação e degradação social‖ acrescentando que esta imobilidade está dada à

quem não possui meios de investir neste mercado global e este mesmo

mercado os admiti como dispensáveis. Salientando ainda, o caráter irreversível

da globalização como anteriormente colocado, dado o seu desenvolvimento

sócio-político-cultural, a intensidade e velocidade com que se difunde; nos

permitindo e vislumbrando apenas trabalhar com ela em outros moldes,

completamente diferentes, como nos apresenta Boaventura de Sousa Santos

sob a terminologia de Globalização Contra-Hegemônica como uma possível

solução para esta situação e estrutura desigual, opressora e aterrorizante.

Na Conceituação do próprio autor, a articulação transnacional de

movimentos, associações e organizações que defendem interesses e grupos

subalternizados ou marginalizados pelo capitalismo global. A Globalização

Contra-Hegemônica é fundamental para organizar e disseminar estratégias

políticas eficazes, criar alternativas ao comercio livre por via de iniciativas de

24

SANTOS, Milton. Por Uma Outra Globalização. Pág. 134.

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23

comércio justo e garantir o acesso das ONG‘s dos países periféricos ao

conhecimento técnico e às redes políticas onde emergem as políticas

hegemônicas que afetam estes países, ou ainda globalização feita/estruturada

de baixo para cima assumindo o princípio da Comunidade, que há muito

Rousseau já falava, afirmando a obrigação política horizontal e solidária de

cidadão a cidadão.

Ademais, como de exercício desta globalização contra-hegemônica,

Santos preconiza a valorização ao terceiro setor, ou como chamados em várias

localidades, economia social, sector voluntário ou mais comumente conhecida

como Organizações Não-Governamentais nos países do chamado terceiro

mundo assumindo características tanto do setor privado como do público; digo

a eficiência e estrutura administrativa semelhante às do setor privado e por

outro lado se assentar no interesse público, não visando os interesses do

capital lucrativo, visando, sobretudo o valor humano.

Neste sentido, Antônio Carlos Wolkmer apresenta sob a terminologia de

direito ao desenvolvimento; que está fundado na solidariedade, na superação

da miséria, na melhoria das condições sócio-econômicas – em síntese, na

força criadora do poder comunitário e em favorecer na realização integral do

ser humano com dignidade.

Se o neoliberalismo ajustou e estabilizou a economia, logrando alcançar

a queda da inflação, a implementação da austeridade fiscal e a recuperação

dos lucros; acabou por contribuir e acelerar imensos desequilíbrios

econômicos, elevadas taxas de desemprego, profundas desigualdades sociais

e acentuados desajustes no quotidiano das sociedades – e o que pretende

essa Globalização Contra-hegemônica ou feita de baixo para cima é aparar

estas arestas, estas disparidades gritantes, abismais entre os pólos desta

relação global.

4.2. Mercosul: IS THERE NO ALTERNATIVE? / NÃO HÁ ALTERNATIVA?

A idéia norteadora dessa mudança social deve ser a de união; no

mesmo sentido o autor uruguaio Eduardo Galeano na sua obra As veias

abertas da América Latina, menciona a importância da união entre os países

sul americanos para superar as desigualdades, e que esse fato, em última

Page 24: estado de terror - Globalizaçao, falencia do estado e violação dos dtos humanos

24

análise, senão ocorrer em razão das nossas diferenças que pelo menos ocorra

em razão daquilo que nos iguala: a condição de excluídos.

O tratado de Assunção em 1991 marcou formalmente o início de uma

serie de acordos com finalidades econômicas e um objetivo social como

assinala a expressão: ―o fortalecimento do Mercosul tem uma dimensão

estratégica clara: no longo prazo, o que se busca é que, a partir do Mercosul,

se possa construir a integração de toda América do Sul. Trata-se de um

empreendimento mais político do que econômico, onde a dimensão estratégica

supera os aspectos da simples abertura de mercados. O Mercosul é o primeiro

passo em direção á união da América do Sul25‖.

E ao passar dos anos vimos acordos como o Protocolo de Ushuaia,

onde destaca-se o compromisso democrático assumido pelos países membros

do Mercosul e juntamente Bolívia e Chile (como Estados partes do Protocolo),

o Protocolo constitutivo do Parlamento do Mercosul como órgão de

representação do povo, o acordo de integração cultural (Decisão n° 11/96), que

surgem para nós como esperança de uma alternativa para enfrentar as

conseqüências do mundo globalizado (frente a dada irreversibilidade do

processo globalização) que atinge nosso continente, através da democracia

formal e da imposição cultural. Apesar do Mercosul ter a aparência de ser um

espaço unicamente de integração regional econômica, percebemos diante

desses acordos a oportunidade de unir e fortalecer o campo social através de

algumas medidas.

Um outro exemplo é o Fundo para a Convergência Estrutural do

MERCOSUL (FOCEM), que estipula quatro tipos de programas a serem

desenvolvidos, dentre eles um de caráter social imediato, Art. 2, III - Programa

de Coesão Social, que significa: Os projetos do Programa III deverão contribuir

ao desenvolvimento social, em particular nas zonas de fronteira, e poderão

incluir projetos de interesse comunitário em áreas da saúde humana, da

redução da pobreza e do desemprego. Porém, essas medidas não são as

únicas, para chegar a uma verdadeira integração, soma-se ―a construção de

uma mentalidade integracionista e de uma consciência de cidadania regional

em cada um dos países do bloco‖.

25

DRUMMOND, M. C. Mercosul: uma visão de esquerda (documento).

Page 25: estado de terror - Globalizaçao, falencia do estado e violação dos dtos humanos

25

Sendo assim, essas alternativas são dentro do processo de integração

regional, que advém com o Mercosul, uma possibilidade de fortalecimento das

políticas públicas defasadas nas últimas décadas.

Portanto, apesar da aparente falta de alternativa (there is no

alternative/TINA) não obstante a incipiência do projeto afigura-se como sendo

uma possibilidade real e concreta de reestruturação social nos países sul-

americanos.

5. Conclusão

Partimos da idéia de autonomia e auto-estima como fatores constitutivos

e ―empoderadores‖ da existência quotidiana para apresentar uma alternativa a

este processo de globalização hegemônico-opressor.

Autonomia, vez que o Poder Público deve e pode, desde que se articule

para tanto, proporcionar o nascimento dos direitos, através de seu Poder

Legislativo, o que longe está de ser o suficiente; através do Executivo trabalhar

a fim de propiciar as políticas públicas, sociais com o fito de reordenar a

sociedade que se diz moderna, no entanto o que se verifica e anteriormente foi

mostrado brevemente o descompasso que se faz latente; e através do Poder

Judiciário, não apenas para garantir a resolução de conflitos, mas fazer com

que o Executivo cumpra com as suas funções de garantidor das condições

mínimas de dignidade.

Ainda, mesmo podendo o individuo pretender se proteger com alguns

instrumentos, - como hábeas corpus, hábeas data, mandado de segurança,

para interesses individuais; mandado de segurança coletivo, para situações

envolvendo coletivos; e ação popular e ação civil pública para direitos difusos –

no entanto, o que se verifica atualmente é o desmantelamento do Estado em

prestar algumas garantias e, desta feita, o que se pretende não é a completa

extinção e o desmantelamento do Estado. Muito antes pelo contrário, se

pretende o fortalecimento do mesmo, através de protecionismo da economia

própria local ou regional, de investimento em tecnologia, industrialização e

produção técnico-científica. Através da educação e da integração cultural

trabalhar a idéia de comunidade solidária e o fortalecimento de uma região,

como vem acontecendo em outros lugares do globo com a formação de blocos,

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26

no nosso caso (de oprimidos) seriam unidos para se defender da opressão que

acomete todos os países sul-americanos.

Paralelamente a esta medida, de fortalecimento do Estado, Boaventura

nos traz como contribuição à solução de parte dos problemas como sendo o

incentivo ao terceiro setor, trabalho voluntariado, mais comumente conhecidos

como organizações não-governamentais (ONG‘s) – saída não institucionalizada

estatalmente e com a eficiência o setor privado, abstendo-se do fito lucrativo,

desenvolvendo o valor humano.

Lembrando que o fortalecimento do terceiro setor não implica na

minimização da função do Estado, em tarefas públicas não executadas pelo

mesmo. O terceiro setor faz-se necessário frente à ineficiência estatal em

questões sociais, porém, devemos nos atentar para que essas entidades não

substituam o ente público. O compromisso em executar políticas públicas deve

ser responsabilidade irrenunciável do Estado, sendo assim, o terceiro setor

como um fortalecimento deste. Além do mais, esse setor, considerado

intermediário entre o público e o privado, devem obedecer a limites, para não

pôr em ―xeque‖ a soberania do Estado, devido a seu crescimento, como diz

Lenio Streck e José Luiz Bolzan Morais , tais vínculos de dependência são

―incongruentes com a idéia de poder soberano26‖.

O capitalismo gerou a noção do individualismo, em contrapartida ao

pensamento de união. Esse egocentrismo foi aprofundado com o

neoliberalismo, como diria Milton Santos, ―o capital em estado puro‖, então

perdemos completamente a noção de comunidade, o que prevalece é o ―eu‖

frente ao ―nós‖. Sabemos que ninguém se salva sozinho, ninguém salva

ninguém, nos salvamos em comunhão. Enquanto tivermos o pensamento

individualista de salvar a própria pele, estaremos todos condenados ao

fracasso, e o fracasso na globalização é a própria exclusão.

Como nos coloca Helio Gallardo ― Quando se menciona a los derechos

de segunda generación, los derechos económicos, sociales y culturales, como

discriminados y olvidados, lo que se dice es que se ha renunciado, muchos

renunciado y, sobre todo, cada uno de nosotros ha renunciado, a la

responsabilidad moral y juridica de construir el sujeto humano plural que crece

26

STRECK, Lenio; BOLZAN, José. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. Pág. 133.

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27

desde su autonomía y autoestima. Si olvidamos estos derechos es porque

hemos renunciado a crecer y a proyetarnos en humanidad desde nosotros

mismos27‖, ou ainda, como coloca Hannah Arendt não há perda de direitos

específicos, portanto, mas a perda de uma comunidade disposta e capaz de

garantir quaisquer direitos, tem sido a calamidade à afligir números sempre

crescentes de pessoas.

O que devemos resgatar é o sentimento de comunidade, de

solidariedade, de união. A comunidade vai muito além de uma simples união

em prol de um mercado comum, ela atinge a todas as relações sociais, ela

pressupõe cooperação e não concorrência pura. Nesse sentido, vemos como

alternativa à globalização hegemônica, o estreitamento de laços entre países,

culturas, seja através de tratados de reciprocidade social, ajuda mútua, seja na

tentativa de socializar os blocos econômicos já existentes.

27

GALLARDO,Helio. Derechos Discriminados y Olvidados. Pág. 64.

Page 28: estado de terror - Globalizaçao, falencia do estado e violação dos dtos humanos

28

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Page 31: estado de terror - Globalizaçao, falencia do estado e violação dos dtos humanos

31

ANEXOS

Anexo 1 – Taxa de Mortalidade Infantil (Por 1000 nascimentos)

114

42,7

3,2 4,5 6,9 815

27

Nigéria África do

Sul

Japão Alemanha Eua Chile Brasil Argentina

Anexo 2 – Gasto com Saúde Por Habitante em U$

2.314

2.907

2.350

156 176

Japão Alemanha Canadá Brasil África do Sul

Anexo 3 – Gasto em Saúde em Milhões de U$

296.332

240.358

75.828

28.7798.359

Japão Alemanha Canadá Brasil África do Sul

Page 32: estado de terror - Globalizaçao, falencia do estado e violação dos dtos humanos

32

Anexo 4 – Expectativa de Vida (Anos ao Nascer)

4349

81 79 77 7870

74

Nigéria África do

Sul

Japão Alemanha Eua Chile Brasil Argentina

Anexo 5 – Acesso à Rede Sanitária

100% 100%

75%67%

Japão Canadá Brasil África do Sul

Anexo 6 – Acesso à Água Potável

60%

87%

100% 100% 100%95%

89%79%

Nigéria África do

Sul

Japão Alemanha Eua Chile Brasil Argentina

Fonte: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)