espinosa e as três éticas

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  • 7/30/2019 Espinosa e as trs ticas

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    Espinosa e as trs ticas Artigode Gilles Deleuze

    Com minha morte, no se precisar procurar o que tenho parapublicar, nada, pois no tenho reserva alguma. No tenho nada,proviso alguma, nenhum saber de proviso, e tudo o que aprendo,aprendo para certa tarefa, e, feita a tarefa, esqueo. De modo que,se dez anos depois, sou forado, isso me alegra, se sou forado ame colocar em algo vizinho ou no mesmo tema, tenho de recomeardo zero. Exceto em alguns casos raros, pois Espinosa est em meucorao, no o esqueo, meu corao, no minha cabea,seno... .

    (Gilles Deleuze)

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    Introduo: a ontologia de Espinosa

    Deus

    Modos finitos(quantidades de

    Deus)

    Modos infinitosmediatos

    Modos infinitosimediatos

    Atributos:qualidades

    infinitas de DeusDeus

    Substncia /Natureza

    AtributoExtenso

    Movimento eRepouso

    Conjuntoinfinito de

    corposCorpos

    AtributoPensamento

    Ideia deDeus

    Conjuntoinfinito de

    ideias

    Mentes

    Atributos

    Substncia nica eimanente: no produz fora desi;

    A substncia existe em si; essncia da Substncia

    pertence a potncia absolutade existir e de pensar (-se).

    Cada atributo, enquanto qualidade substancial deDeus, infinito em seugnero;

    Os atributos existem em si; Os atributos so unvocos,

    pois, juntos, expressam aessncia da Substncia(qualidade) e, ao mesmo,tempo contm e produzinfinitos modos (quantidade).

    Os modos finitos exprimema maneira definida edeterminada de ser dosatributos (quantidade);

    Os modos existem nosatributos;

    Os modos finitos soquantidades intensivas(essncia oriunda de Deus)e extensivas (existnciaoriunda de outros modos)

    O Deus de Espinosa imanente, ou seja, a Natureza no sai de si para produzir; Se Deus no sai de si para produzir, no necessrio, aos modos, acessar outra Substncia

    (pela crena ou pela morte) para conhec-lo; A Natureza , e expressa-se, pelo infinito que produz em si mesma.

    Entre Deus e os modos (pelos atributos) h comunidade de forma, sem identidade de essncia.

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    Em Espinosa, conhecer poder dar a definio gentica, ou seja, aquela que explique ascausas, as condies de produo das coisas.

    O signo sempre um efeito. O signo no define corpos (causas), mas afeces oriundas darelao (efeitos) entre corpos. O efeito , primeiramente, o vestgio de um corpo sobre outro.

    O signo indicaa natureza do corpo afetado e apenas envolvea natureza do corpo afetante.

    A ideia inadequada a ideia inexpressiva e no explicada: a impresso queainda no expresso, a indicao que ainda no explicao (Deleuze)

    1 Forma: Os Signosou afectos

    2 Forma: As Noescomuns ou conceitos

    3 Forma: AsEssncias ou

    perceptos

    Signos escalares (afeces, sensaes, percepes) indicam o estado atual do nosso corpo (o sol me aquece / o sol

    queima minha pele), designam ideias que resultam de sensaesmomentneas na nossa durao.

    Os signos vetoriais (afectos) determinam passagens, devires, variaes contnuas de potncia,

    so signos de crescimento e de decrscimo de tipo alegria-tristeza,

    convenincia ou desconvenincia, mais ou menos potncia.

    Algum devia ter caluniado Josef K., pois, sem que tivesse feito mal algum, ele foi detido certa manh (Franz Kafka)

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    1 Forma: Os Signosou afectos

    2 Forma: As Noescomuns ou conceitos

    3 Forma: AsEssncias ou

    perceptos

    Signosind icat ivos oundi ce s sens ve is :

    Indicam nossa natureza eapenas envolvem anatureza do corpo

    afetante.

    Signos abstrat ivos ouco nes lg ic os :

    Retm apenas partedaquilo que nos afeta.Nossa limitadacapacidade de afecestende a produziruniversais (ex.: o homem um animal racional).

    Signos imperat ivos ousmb olo s mo rais:

    Tomamos o efeito por fimem si. Ex.: "o sol, que nosesquenta, feito para nosesquentar". Ouestabelecem-se restries

    morais brutas, baseadasna memria deste oudaquele sujeito afetado.

    Signos hermenuticosou interpretativos ou,ainda, dolosmetafsicos:

    So efeitos imaginrios,que nos fazem pensar emseres suprassensveiscomo causa, como

    imagem aumentada daafeco (ex.: "Deus comosol infinito ou comoPrncipe legislador").

    Signos escalares(afeces)

    Signos vetoriais(afectos)

    Os signos caracterizam-se por sua associabilidade, variabilidade eequivocidade (mistura confusa de corpos): Os signos produzem ideias-afeco, que representam confusamente os

    afectos gerados pelos encontros fortuitos com outros corpos; Como ideias de vestgios, os signos produzem-se e remetem-se uns aos

    outros, sem ligao com causa alguma; Sem encadeamento com causas (definies genticas), os signos so

    como consequncias sem premissas;

    Os signos, em suma, indicam nossa impotncia de nos subtrairmos snossas impresses, s nossas marcas, s nossas cicatrizes.

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    Os Signos como sombras Numa perspectiva ptica, os signos so como sombras que se movem e se apresentam na superfcie dos

    corpos que se relacionam.

    Os signos so efeitos de luz num espao totalmente preenchido por coisas que vo se chocando, seencontrando.

    No regime dos signos, o corpo reflete (signos escalares) e absorve (signos vetoriais) gradaes de claro-escuro (clareamento ou assombreamento da sombra).

    No barroco (Leibniz) o fuscum subnigrum uma matriz, uma premissa de onde saem o claro, o escuro, ascores e mesmo a luz (por acumulao do vermelho).

    Em Espinosa tudo luz. Tem-se uma luz que enseja graus de sombra azul num espao preenchido por corposem relao.

    1 Forma: Os Signosou afectos

    2 Forma: As Noescomuns ou conceitos

    3 Forma: AsEssncias ou

    perceptos

    [David com a cabea de Golias, Caravaggio] [Approach to Venice, William Turner]

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    Se con siderarm os o segund o elemento da tica, vemo s su rgir uma op osiodeterm inante aos sig no s: as n oes comuns so conc eitos d e objetos , e os objeto s

    socausas(Gilles Deleu ze).

    As noes comun s exi stem em[ou partem de] ns com o existem na Natureza, ouns as temos com o a Natureza astem(Roberto Machado) As noes comuns revelam a estrutura ntima dos corpos.

    O movimento e o repouso so eternos (princpios invariveis de variaes).

    Os corpos (estruturas geomtricas) agregam-se e desagregam-se ao infinito.

    As composies e decomposies so tambm de ordem rtmicas, conforme velocidadesvariveis e relativas. As noes, como ideias adequadas, ensejam a promoo deencontros que promovam nossa potncia de agir: Se aprendo a nadar, ou a danar, preciso que meus movimentos e meus repousos, minhas velocidades e minhas lentides

    ganhem um ritmo comum aos do mar, ou do parceiro, segundo um ajuste mais ou menosdurvel (Deleuze).

    As noes comuns so ideias que se explicam formalmente por nossa potncia depensar e materialmente expressam a ideia de Deus como sua causa eficiente. (GillesDeleuze)

    1 Forma: Os Signosou afectos

    2 Forma: As Noescomuns ou conceitos

    3 Forma: AsEssncias ou

    perceptos

    As antteses congraam (Manoel de Barros)

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    As Noes como objetos transparentes ou coloridos A luz j no refletida (afeco) nem absorvida (afecto): a luz torna os objetos transparentes e revela sua

    estrutura ntima (fabrica).

    Compreendidos como estruturas desnudadas pela transparncia, os corpos so projees que envolvemrelaes (movimento-repouso) que se completam ao infinito.

    Como projeo de luz, os corpos so, tambm, cores, causas colorantes.

    Em contrastando, as cores do-se a ver em suas diferenas. Em complementaridade, as cores reconstituem o

    todo e se renem no branco: O branco a opacidade prpria ao transparente puro(Goethe). As Noes (causas colorantes) terminam adequadamente a luz; os Signos (efeitos de luz) a abolem no

    inadequado.

    1 Forma: Os Signosou afectos

    2 Forma: As Noescomuns ou conceitos

    3 Forma: AsEssncias ou

    perceptos

    De Vermeer pode-se dizer que substitua o claro-escuropela complementaridade e o contraste das cores. Noque a sombra desaparea, mas ela permanece comoum efeito isolvel de sua causa, uma consequnciaseparada, um signo extrnseco distinto das cores e desuas relaes. Em Vermeer vemos a sombra avultar,sobressair, a fim de enquadrar ou margear o fundoluminoso de onde procede ("a leiteira", "o colar deperolas", "a carta de amor"). nisso que Vermeer seope tradio [barroca] do claro-escuro; e em todosesses aspectos Espinosa continua infinitamente maisprximo de Vermeer que de Rembrandt. (GillesDeleuze)

    [Senhora com sua serva segurando uma carta, Johannes Vermeer]

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    preciso conceber o Livro V[A potncia do intelecto ou a liberdade humana] comocoextensivo a todo s o s demais; tem -se a impr esso de chegar a ele, mas ele estava ali o

    tempo todo , desdesempre(Deleuze).

    As essnc ias so em si mesmas c on tem plaes, is to , con tem plam tan to quan to socontempladas, numa unidade de Deus, do sujei to ou d o ob jeto(perceptos)(Deleuze).

    Distino entre os gneros de conhecimento sob o prisma das velocidades: 1 Gnero: velocidade relativa das afees e dos afectos num espao preenchido por corpos.

    2 Gnero: a apreenso conceitual das relaes entre essas velocidades relativas.

    3 Gnero: a apreenso, pela intuio, da velocidade absoluta pela qual a essncia sobrevoa naeternidade seus afectos e suas afeces (velocidade de potncia).

    O mtodo geomtrico de Espinosa, ao tocar as essncias, apresenta hiatos, saltos, elipses econtraes, fazendo os silogismos parecerem substitudos por entimemas (argumento quepossui premissa(s) no formulada(s), subentendida(s)). O discurso do conceito, do desdobramento dedutivo no d conta das Essncias. Por isto este gnero de

    conhecimento chamado de conhecimento intuitivo, e originado de noes comuns mais gerais.

    O in terv alo , o hiat o tm p or f uno ap rox im ar ao mximo termos di stan tes c om o tai s [n oes,objetos , afectos] e garantir assim um a velocidade de sob revoo abso luto. (.. .) A grandeza de uma

    velo cid ade abso luta se m ede preci samen te pela dis tnc ia que ela trans pe de um s gol pe, isto ,

    pelo nmero de in termedirios que ela env olve, sob revoa ousubentende(Deleuze).

    O mtodo geomtr ic o do L iv ro V um mtodo de i nv eno que p ro ced e po r in ter val os e sal to s,

    hiato s e cont raes, maneira de um co que pr oc ura, mais do que um homem racio nal q ue

    expe(Deleuze).

    1 Forma: Os Signosou afectos

    2 Forma: As Noescomuns ou conceitos

    3 Forma: AsEssncias ou

    perceptos

    Contar seguido, al inhavado, s mesmo s endo as coisas d e rasa importncia (Guimares Rosa)

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    Mange de cochons, Robert Delaunay.

    As Essncias como puras figuras de luz o terceiro estado da luz. No mais signos de sombra nem a luz como cor, mas a luz em si mesma

    e por si mesma.

    No segundo gnero de conhecimento, as figuras projetadas pela luz so tctil-pticas (Plato,Descartes), no terceiro gnero acede-se ao ptico puro (Plotino, Espinosa).

    1 Forma: Os Signosou afectos

    2 Forma: As Noescomuns ou conceitos

    3 Forma: AsEssncias ou

    perceptos

    Existe um pintor ingls, chamado Turner, que um pintor de marinhas.

    E ele comeou sua vida como pintor pintando fragatas no porto, naus noporto, nas calmarias, na brisa das primaveras e depois, na segundafase dele, ele evoluiu ou involuiu para pintar essas naus e fragatasno interior de uma tempestade. E na terceira fase, ele faz desaparecertodos os objetos: s existe uma tempestade de luz dourada onde no sepode distinguir nenhuma coisa, nenhum objeto, no h nenhum objetopara se distinguir S h aquele turbilho de luz um fulgor de luzdourada. Esse turbilho de luz, esse fulgor de luz dourada chama-seplano de imanncia e a Natureza na sua origem.

    ___________________Cludio Ulpiano

    As noes comuns remetem a relaes de movimento e de repousoque constituem velocidades relativas; as essncias, ao contrrio, sovelocidades absolutas que no compem o espao por projeo, mas o

    preenchem de uma s vez, num nico golpe.(...)Em arte, o pintor Delaunay ope as figuras de luz s figurasgeomtricas do cubismo, assim como da arte abstrata_________________________Gilles Deleuze

    The Morning after the Deluge, William Turner

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    Platonismo = Doutrina seletiva Na sofstica toda pretenso legtima. A teoria das Ideias legitima ou deslegitima essas pretenses segundo a

    participao.

    As cidades gregas, recusando a transcendncia de tipo imperial (a Prsia, o Ir) legaram ao ocidente a concepode sociedade como campo de imanncia.

    Nos campos de imanncia, as opinies, o agn e a diversidade so determinantes.

    O filsofo, como amigo da sabedoria, e no como o Santo Iluminado da Verdade, resguarda a pluralidade docampo de imanncia.

    O filsofo, em sua origem, busca encontrar no cosmos o saber que permite retificar as opinies, torn-lasmais seguras, sem aboli-las.

    O presenteenvenenado de Plato ao ocidente foi ter erigido, no prprio campo de imanncia, um novo tipo detranscendncia, no mais mtica, imperial, mas conceitual:

    A transcendncia ganha com Plato um sentido filosfico plausvel (triunfo do juzo de Deus).

    Qualquer reao ao platonismo ser, ento, um restabelecimento da imanncia em sua extenso e pureza (paraassegurar, afirmando, as multiplicidades e o movente inerentes imanncia)

    A seleo nesse processo fundamental, pois: Se abandonada, pode perverter o juzo (sofstica);

    Se dirigida para um ou para alguns dos rivais (pretendentes), reinstaura atos de transcendncia, a Verdade;

    A seleo pode visar maneiras pelas quais o vivente se enche de imanncia, selecionando a potncia.

    Estoicos Acontecimento

    Nietzsche Eterno Retorno

    Espinosa - Alegria

    Das filosofias como seleo da potncia na

    imanncia

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    Do trampolim entre os gneros

    ESPINOSA E A SELEO DA ALEGRIA

    Dos Signos s Noes; do 1 ao 2 gnero de conhecimento: No encontro ao acaso entre os corpos (afeces - sombras) podemos selecionar a ideia (ainda que

    inadequada) de certos corpos que convm com o nosso e que nos afeta de alegria;

    A prtica de seleo e organizao de ideias e dos afectos de alegria (ainda que passivos) a elas inerentes,pode aumentar nossa potncia de agir a um ponto de saturao no qual tomamos posse dessa potncia (aalegria a causa ocasional da noo comum - Deleuze). As alegrias passivas, ou paixes, podem deviraes que nos instalam nas noes, tornando nossas alegrias ativas (quando, conhecendo, somos causaadequada delas).

    No mbito das Noes: Nossos primeiros conceitos sero menos gerais. Daro conta da convenincia entre nosso corpo e alguns

    outros corpos.

    Os signos ainda (e sempre) subsistem. Mas no mais exclusivos, tirnicos. A seleo e a organizaocontinuam.

    A potncia de agir e pensar deflagrada pela conquista das primeiras noes comuns tender a alargar ainterconexo das ideias adequadas. Os conceitos, reunindo noes cada vez mais gerais, se espraiam, se

    desdobram. Mais aes, menos passividade (paixes), mais alegrias ativas. Das noes s essncias; do 2 ao 3 gnero de conhecimento:

    As Noes so causa eficiente das Essncias;

    O conhecimento por conceitos nos d as ideias adequadas das relaes caractersticas entre os modos;

    O conhecimento das relaes caractersticas conduzem ao conhecimento da Natureza como fonte de todas asrelaes caractersticas (ideia de Deus como produtor imanente, intrnseco pluralidade dos modos);

    A conquista dessa ideia de Deus nos d fora para passarmos a formar ideias das essncias das coisas (pelavelocidade absoluta do conhecimento intuitivo);

    E no mbito do conhecimento pelas essncias, fecha-se o sistema expressivo. Passamos a acessar, intuitiva eafirmativamente, o prprio Produzirem sua atividade eterna. Em Espinosa, isso se chama beatitude.

    Razo e ao no podem ser separadas de um devir. Ningum nasce racional, ativo e, portanto, livre (RobertoMachado)

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    FIM?