especial vinhos deles - katyadelimbeuf.com garrafas e os seus projetos vitivinícolas esten-dem-se a...

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BELMIRO DE AZEVEDO “SOU DO MARCO E É LÁ QUE QUERO FAZER VINHO” Aos 74 anos, o homem forte da Sonae, Belmiro de Azevedo, en- controu na vinha uma espécie de “reforma dourada”. Na Quinta de Ambrães, no seu Marco de Cana- veses natal, passa todos os fins de semana, reúne a família em conví- vios e almoços, em que o vinho verde, típico da região, é protago- nista natural. “O sonho do vinho começou ainda em vida dos meus pais”, conta o empresário, filho mais velho de um carpinteiro e de uma costurei- ra. De pequeno, “já ajudava na poda, na colheita e no lagar — em todo o processo”, como era usual na região. Mas “a aventura mais a sério” começou em 1983, aquando da morte do pai. “Os meus irmãos desafiaram-me a assumir a proprie- dade da quinta da família, pois um hectare de terreno só daria para oito quintaizinhos. Acabei por ficar com um ‘quintal grande’, que cresceu com a compra posterior de terrenos vizinhos. Hoje são quatro hectares: três são de vinha com Pedernã, Azal, Loureiro e Avesso, as castas típicas da região.” Para Belmiro, “era muito importan- te” fazer vinho na sua terra natal. “A minha função social também consiste em dar notoriedade, criar emprego e dar formação a pessoas do local onde nasci. Somos o maior empregador do Marco. Se quisesse só fazer vinho, teria sido mais evidente a escolha do Douro, que tem mais potencial e mais notorie- dade mundial. Mas sou do Marco e era lá que queria fazer vinho, bom vinho verde. Contratámos o enge- nheiro António Sousa, um enólogo nascido aqui, reputadíssimo nos vinhos verdes, e juntámos a vonta- de aos recursos locais e ao meu empreendedorismo”, conta. Os resultados estão à vista: este ano, o Vale de Ambrães branco (Colheita Selecionada) ganhou a Medalha de Ouro no Concurso nacional de Vinhos Verdes. “O Avesso foi referenciado pela Jancis Robinson no ‘Financial Times’ e pela Julia Harding como um dos melhores vinhos brancos à venda no Reino Unido; e o Alvarinho ganhou a Medalha de Prata no Concurso Mundial de Bruxelas”, enuncia com orgulho. “E vamos ainda apresentar o Vale de Am- brães Espumante.” A produção anual já chega às 90 mil garrafas, e o objetivo é atingir os 25% em termos de exportação. Apesar de ter pouco tempo dispo- nível, Belmiro acompanha “todo o processo do vinho”. “No período das vindimas, venho mais do que uma vez por semana ver como correm as coisas na adega e provar a evolução dos vinhos.” Para o empresário, “o convívio em torno do vinho” é o mais importante. “Just add friends” é o slogan nos rótulos das garrafas, em que acredita plenamente. “A essência do vinho é essa: uma razão para amigos e família se juntarem, a conversar e a apreciar estarem juntos. Todos os vinhos são melhores quando se sabe a história deles, porque deixam de ser um conjunto de substâncias numa garrafa e passam a ser uma filosofia, um sonho.” Do “vinho de jardim” de Rui Vilar aos rótulos premiados de Belmiro de Azevedo, Henrique Granadeiro e Paulo Maló, são cada vez mais as personalidades que se rendem ao néctar de Baco, por hóbi ou negócio. Eis quatro homens para quem o vinho foi uma paixão tardia mas marcante. TEXTOS DE KATYA DELIMBEUF OS VINHOS DELES ESPECIAL VINHOS 54 REVISTA 13/OUT/12

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BELMIRO DE AZEVEDO

“SOU DO MARCOE É LÁ QUE QUERO

FAZER VINHO”

Aos 74 anos, o homem forte daSonae, Belmiro de Azevedo, en-controu na vinha uma espécie de“reforma dourada”. Na Quinta deAmbrães, no seu Marco de Cana-veses natal, passa todos os fins desemana, reúne a família em conví-vios e almoços, em que o vinhoverde, típico da região, é protago-nista natural.“O sonho do vinho começou aindaem vida dos meus pais”, conta oempresário, filho mais velho deum carpinteiro e de uma costurei-ra. De pequeno, “já ajudava napoda, na colheita e no lagar — emtodo o processo”, como era usualna região. Mas “a aventura mais asério” começou em 1983, aquandoda morte do pai. “Os meus irmãosdesafiaram-me a assumir a proprie-dade da quinta da família, pois umhectare de terreno só daria paraoito quintaizinhos. Acabei por ficarcom um ‘quintal grande’, quecresceu com a compra posteriorde terrenos vizinhos. Hoje sãoquatro hectares: três são de vinhacom Pedernã, Azal, Loureiro e

Avesso, as castas típicas da região.”Para Belmiro, “era muito importan-te” fazer vinho na sua terra natal.“A minha função social tambémconsiste em dar notoriedade, criaremprego e dar formação a pessoasdo local onde nasci. Somos o maiorempregador do Marco. Se quisessesó fazer vinho, teria sido maisevidente a escolha do Douro, quetem mais potencial e mais notorie-dade mundial. Mas sou do Marco eera lá que queria fazer vinho, bomvinho verde. Contratámos o enge-nheiro António Sousa, um enólogonascido aqui, reputadíssimo nosvinhos verdes, e juntámos a vonta-de aos recursos locais e ao meuempreendedorismo”, conta.Os resultados estão à vista: esteano, o Vale de Ambrães branco(Colheita Selecionada) ganhou aMedalha de Ouro no Concursonacional de Vinhos Verdes. “OAvesso foi referenciado pela JancisRobinson no ‘Financial Times’ epela Julia Harding como um dosmelhores vinhos brancos à vendano Reino Unido; e o Alvarinho

ganhou a Medalha de Prata noConcurso Mundial de Bruxelas”,enuncia com orgulho. “E vamosainda apresentar o Vale de Am-brães Espumante.” A produçãoanual já chega às 90 mil garrafas, eo objetivo é atingir os 25% emtermos de exportação.Apesar de ter pouco tempo dispo-nível, Belmiro acompanha “todo oprocesso do vinho”. “No períododas vindimas, venho mais do queuma vez por semana ver comocorrem as coisas na adega eprovar a evolução dos vinhos.”Para o empresário, “o convívioem torno do vinho” é o maisimportante. “Just add friends” é oslogan nos rótulos das garrafas,em que acredita plenamente. “Aessência do vinho é essa: umarazão para amigos e família sejuntarem, a conversar e a apreciarestarem juntos. Todos os vinhossão melhores quando se sabe ahistória deles, porque deixam deser um conjunto de substânciasnuma garrafa e passam a ser umafilosofia, um sonho.”

Do “vinho de jardim” de Rui Vilar aos rótulos premiadosde Belmiro de Azevedo, Henrique Granadeiro e Paulo Maló, sãocada vez mais as personalidades que se rendem ao néctar deBaco, por hóbi ou negócio. Eis quatro homens para quem o vinhofoi uma paixão tardia mas marcante. TEXTOS DE KATYA DELIMBEUF

OS VINHOS

DELES

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MARCO DE CANAVESESÉ NA REGIÃO DOSVINHOS VERDES QUEBELMIRO DE AZEVEDOTEM A SUA QUINTADE AMBRÃES R

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“FAÇO VINHODE JARDIM”

EMÍLIO RUI VILAR Mal abre as portas da suaquinta em Galamares, EmílioRui Vilar deixa o aviso: “Eu façovinho de jardim.” Quer eledizer que a sua relação com ovinho é a de aprendiz, e o queproduz é só para consumopróprio, da família e dos ami-gos. Tem “cerca de 500 cepas”,que se traduzem em 500 garra-fas por ano, a que os amigos“não dão vazão”. Na verdade, avinha do ex-presidente daFundação Gulbenkian é umprolongamento do jardim, quese espraia em declive desde acasa, de onde se avistam osprincipais monumentos de

Sintra.A propriedade foi compra-

da em meados dos anos de1990. “Quando adquiri o terre-no, havia uns restos de vinhano jardim. Mandei analisar aterra, falei com um enólogo,que me disse quais as castasque dariam aqui.” Foi umamigo, António Herédia, quemlhe deu a ideia do “vinho dejardim”. Descobriu que não erapreciso ter uma grande proprie-dade para fazer vinho.

Escolheu plantar umaúnica casta, não tradicional daregião, a Pinot Noir. “Cultivá-mos a plantação em 2004 e,

em 2008, foi a primeira colhei-ta. A vinificação decorre naadega do dr. Carlos Monjardino(ver caixa), em Colares.” Ovinho estagia 12 meses embarricas de carvalho francêscom dois anos. O resultado éum vinho clarete, com 13 graus,agradável no verão, bebidofresco. As 500 garrafas têmdireito a rótulo, desenhado pelofilho de Rui Vilar, que é desig-ner, mas comercializar não éum objetivo.

Assume que sempre foiapreciador do néctar de Baco.“Sempre me interessei porvinho. A minha avó tinha uma

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EDITE ESTRELADOURONatural de Carrazeda de Ansiães, na RegiãoDemarcada do Douro, a eurodeputada do PStem, com o marido Rui Vieira, uma quinta emFoz Côa, a Quinta da Morena, onde produzem,desde 2001, vinho tinto (o Quinta Morena) evinho branco (o QM Bagulho). Hoje, contamcom uma produção de 10 mil garrafas/ano.

CARLOS MONJARDINOLISBOATudo começou em 1999, quando o presidente daFundação Oriente comprou uma propriedade emAzenhas do Mar para dar novo fôlego ao vinho deColares, e salvar da extinção a casta Ramisco,típica da região. Atualmente, produz cerca de 13mil garrafas e os seus projetos vitivinícolas esten-dem-se a Vale de Cebolos, no concelho de Montijo.

ANTÓNIO LOBO XAVIERVINHOS VERDESO advogado, militante doPP, é produtor de vinhosverdes. A propriedade, aCasa da Gazalha, situa-seem Paredes, no Vale doSousa.

VIRGEM SUTAALENTEJOEm maio, o duo de Beja apresentou, emparceira com a Herdade da MalhadinhaNova, um vinho com o nome da banda.A edição limitada resulta de uma misturadas castas Touriga Nacional e Syrah,envelhecida em barricas novas de carva-lho francês durante 14 meses.

XUTOS & PONTAPÉSALENTEJOEm 2011, a Casa Agrícola Alexandre Relvas, no Re-dondo, homenageou a banda portuguesa Xutos ePontapés com uma edição limitada de 1000 garrafas.O vinho tinto, chamado À Nossa Maneira, feito comTouriga nacional, Touriga franca e Cabernet Sauvig-non, era comemorativo dos 32 anos de carreira dogrupo. A caixa, de duas garrafas, custava ¤39,5.

vinha americana (no Porto, deonde é natural), que sobreviveuà filoxera (praga que devastou avinha portuguesa, na segundametade do século XIX).” Temuma garrafeira com 600 garra-fas, “algumas cheias de pó!”,exclama o caseiro, o sr. Améri-co, que trata da vinha há 13anos. Os jardins são outra daspaixões. “Um jardim é umprocesso estético evolutivo, umprazer visual em permanentemudança. E eu sempre fui umfazedor. Do que mais gosto é deassistir à evolução da vinha, àpoda, ao processo vegetativo”,resume.

Apaixonadospelo vinho

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SINTRA RUI VILAR,NA VINHA DA SUAPROPRIEDADE, EMGALAMARES

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HENRIQUE GRANADEIRO

“NO VINHO,CRIAM-SE LAÇOS”

Quem o vê, montado no cavaloRick do Vale, a percorrer a suapropriedade no Alentejo, pro-vando as uvas ainda no cachopara lhes avaliar o grau dematuração, não sonha queHenrique Granadeiro, o presi-dente do Conselho de Adminis-tração da PT, tivesse, a princí-pio, uma visão muito negativada viticultura. Oriundo de umafamília humilde de agricultoresde Borba, guardou sempre umamemória da agricultura “muitopenalizadora” para o homem,devido à dureza das condiçõesdo trabalho manual, de sol asol. As dificuldades que viu nospais afastaram-no do campodurante muito tempo até que,décadas mais tarde, chegou aadministrador da FundaçãoEugénio de Almeida, em Évora.Foi aqui que começou, verdadei-ramente, a sua ligação aovinho. Em 1981.

Com 7500 hectares deterreno e 150 hectares devinha, a Fundação tinha um

património imenso. Granadeiroestudou o assunto, foi aprendermais para a Universidade deDavis, nos EUA, e regressoucom uma certeza: “O vinhotinha uma grande potencial dedesenvolvimento em Portugal,quer em termos de negócioquer culturalmente.” Desenvol-veu um plano estratégico paraa fundação, apostou em marcasmíticas como o Pera Manca e oCartuxa, e, anos depois, come-çou a pensar em vinho... parasi. Em 1997, comprou a primei-ra propriedade — o Monte dosPerdigões, em Reguengos deMonsaraz. Seguiu-se a Herdadedo Vale do Rico Homem e,finalmente, a Herdade daCapela. Ao todo, somou umdomínio de 1200 hectares, com120 de vinha.

Hoje, não há fim de sema-na que o gestor, de 68 anos,não passe entre vinhas e cava-los. Volvidos 15 anos, o negócioé uma aposta ganha. A produ-ção situa-se entre as 800 mil e 1

milhão de garrafas por ano, devinho tinto, branco e rosé.Embora o objetivo para a expor-tação seja chegar aos 30%,considera que a empresa estáainda “na 2ª divisão de produto-res.”

Acompanha todas as fasesdo processo de produção. Querestar a par de tudo, mas dáliberdade, garante o enólogoPedro Baptista, que trabalhacom ele desde 2004, e o ajudoua conquistar vários prémios,entre os quais a honrosa distin-ção atribuída este ano ao “Poli-phonia Signature 2008”: noconcurso mundial de Bruxelas,entre 8397 concorrentes, foiconsiderado o melhor vinho.

Apesar de ressalvar que asua ligação ao vinho “é sobretu-do negócio, e não paixão”,Granadeiro admite: “Não é umnegócio neutro. Criam-se laços.E depois, como envolve umprocesso de criação, é algo emque podemos pôr a nossaimpressão digital...”

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ALENTEJOGRANADEIRO NASUA PROPRIEDADE,EM REGUENGOSDE MONSARAZ

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“PRECISO DE ESTARLIGADO À TERRA”

PAULO MALÓ Quando é que o vinho se cruzoucom a medicina dentária? “Amedicina dentária é que semeteu no caminho da agricultu-ra, não o contrário”, respondePaulo Maló. O bem-sucedidodentista e empresário, de 51anos, com 24 clínicas no mundo,nasceu numa fazenda de 20 milhectares, no Sul de Angola. Aos8 anos, já andava de trator efazia todos os trabalhos agríco-las. “Trabalhávamos de sol a sol,porque não havia eletricidade. Aagricultura é para mim umnegócio e uma necessidade.Preciso de estar ligado à terra.”A relação com a vinha vem daí.“O meu pai foi o primeiro afazer vinho no Sul de Angola.Antes de 1974, era proibido fazervinho nas colónias, porquecompetia com a produção dametrópole, mas o meu pai obte-ve uma autorização especialpara fazer uma ‘experiência’, em500 hectares — maior do quequalquer produção em Portu-gal”. O vinho foi um sucesso,

vendido em garrafão, à socapa,até à última gota. Maló ajudouna plantação da vinha, mas nãofez nenhuma vindima, nem seapaixonou na altura.Há uns anos, voltou a pensar novinho como um desafio. Quandocomeçou à procura de proprie-dades, parou na Herdade doTojo, em Azeitão, da qual setornou sócio. Somou os 25hectares de vinha branca daQuinta de Catralvos aos 55 devinha tinta do Monte da Charca.Orientou o produto para aexportação — que representa40% das vendas —, apostou fortena qualidade, lapidou “o diaman-te em bruto”. Mudou o nome deQuinta de Catralvos para Maló--Tojo, contratou uma equipa deenólogos, chefiada por LuísSimões, e começou a somarprémios.“Achei que conseguiria fazeralgo especial. Tinha noção que ovinho podia ser um produto deexcelência, com potencial debom negócio. E tem sido.” Pro-

duz um milhão e meio de garra-fas por ano — de vinho branco,tinto, rosé e moscatel — quesaem para a China, Angola,Suíça, Alemanha, Polónia, Bra-sil... Este ano, espera faturarmais de dois milhões de eurosnesta área de negócio. Questio-nado sobre as alegadas dificulda-des económicas que a MaloClinic (MC) estaria a atravessar,com dívidas avultadas devido àexpansão internacional, o empre-sário desdramatizou. “Um grupocomo a MC, com esta expansãointernacional e este sucesso, temsempre níveis de endividamentoque advêm dos investimentos.Mas este ano prevemos faturar30 milhões de euros”, revelou,anunciando que se prepara paraabrir, nos próximos seis meses,novas clínicas em Portugal(Funchal), China, Angola, Colôm-bia e Estados Unidos. “É fácilconcluir que a MC é um verda-deiro case study, referenciadointernacionalmente.” R

[email protected]

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AZEITÃO HÁ 4 ANOSNO NEGÓCIO DOVINHO, MALÓ JÁPRODUZ UM MILHÃOE MEIO DE GARRAFASPOR ANO

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