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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 448 ESPAÇO, CRIME E PERCEPÇÃO DA VIOLÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO EM BAIRROS DO RECIFE. LUCIANA CRUZ 1 Resumo Embora não seja determinante, a dimensão espacial do crime é crucial para o seu entendimento e sua análise deve ir além da distribuição espacial das ocorrências criminais. Neste caso, a triangulação de métodos, ou seja, o uso conjunto de análises quantitativas e qualitativas, desponta como a melhor forma para tentar se aproximar da totalidade do fenômeno. Baseado em pressupostos da Criminologia Ambiental, acredita-se que características espaciais, além de intervirem no ato criminoso, intereferem também na sensação de segurança das pessoas. Contudo, foi observado que esta intervenção se dá de forma indireta e que a gestão da segurança aparece como prioridade na percepção de segurança do público pesquisado. Palavras-chave: Espaço, Crime, Percepção, Segurança, Recife. Abstract Although it is not determinate, the spatial dimension of crime is crucial and its analysis should go beyond the simple spatial distribution of criminal occurrences. Thus, the triangulation method, that means, the joint use of quantitative and qualitative analysis, appears as the best way to try to approach the entire phenomenon. Based on assumptions of the Environmental Criminology, it is believed that spatial characteristics not only intervene in criminal act but also intervene at the feeling of safety. However it was observed that this intervention occurs indirectly and that the safety management appears as priority in the security perception of the surveyed public. Key-words: Space, Crime, Perception, Security, Recife city. 1 Introdução O presente trabalho é resultado de uma pesquisa que teve início a partir das seguintes indagações: Além das ocorrências, quais são os fatores que influenciam a 1 Doutora em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail de contato: [email protected]

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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ESPAÇO, CRIME E PERCEPÇÃO DA VIOLÊNCIA: UM ESTUDO DE CASO EM

BAIRROS DO RECIFE.

LUCIANA CRUZ1 Resumo

Embora não seja determinante, a dimensão espacial do crime é crucial para o seu entendimento e sua análise deve ir além da distribuição espacial das ocorrências criminais. Neste caso, a triangulação de métodos, ou seja, o uso conjunto de análises quantitativas e qualitativas, desponta como a melhor forma para tentar se aproximar da totalidade do fenômeno. Baseado em pressupostos da Criminologia Ambiental, acredita-se que características espaciais, além de intervirem no ato criminoso, intereferem também na sensação de segurança das pessoas. Contudo, foi observado que esta intervenção se dá de forma indireta e que a gestão da segurança aparece como prioridade na percepção de segurança do público pesquisado. Palavras-chave: Espaço, Crime, Percepção, Segurança, Recife. Abstract

Although it is not determinate, the spatial dimension of crime is crucial and its analysis should go beyond the simple spatial distribution of criminal occurrences. Thus, the triangulation method, that means, the joint use of quantitative and qualitative analysis, appears as the best way to try to approach the entire phenomenon. Based on assumptions of the Environmental Criminology, it is believed that spatial characteristics not only intervene in criminal act but also intervene at the feeling of safety. However it was observed that this intervention occurs indirectly and that the safety management appears as priority in the security perception of the surveyed public.

Key-words: Space, Crime, Perception, Security, Recife city.

1 – Introdução

O presente trabalho é resultado de uma pesquisa que teve início a partir das

seguintes indagações: Além das ocorrências, quais são os fatores que influenciam a

1 Doutora em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de

Pernambuco. E-mail de contato: [email protected]

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percepção das pessoas sobre a segurança do lugar? A dimensão espacial interfere

nesta percepção? O espaço geográfico interfere na gestão territorial da segurança?

Acredita-se no caráter ativo do espaço que ao mesmo tempo em que é usado e

transformado, atua como condicionante das ações humanas. A partir dessas

reflexões buscou-se compreender se (e como) o espaço geográfico interfere na

ocorrência do crime, na gestão territorial da segurança e na percepção das pessoas

sobre o assunto. A hipótese testada foi a de que características espaciais, relativas à

infraestrutura urbana interferem não apenas na ocorrência do crime, mas também,

na percepção espacial de segurança das pessoas. O objeto de estudo foram três

bairros do Recife, cidade que já liderou o ranking das cidades mais violentas do

país, e que tem a questão segurança uma das principais reivindicações da

população.

A base teórica utilizada na pesquisa foi amparada pelos pressupostos da

Criminologia Ambiental que assegura que a materialidade espacial é uma dimensão

cruscial no entendimento do crime. Utilizou-se ainda a percepção espacial como

forma complementar para captar e entender a opinião das pessoas sobre o

fenômeno.

A metodologia empregada na pesquisa foi a Triangulação, ou seja, o uso

conjunto de métodos qualitativos e quantitativos. No entanto, este trabalho

demonstrará apenas os resultados da segunda etapa da pesquisa, uma análise

qualitativa complementar e confirmatória viabilizada pelos resultados da primeira,

com o intuito de averiguar, por meio da percepção espacial das pessoas, se

características físicas do espaço intereferem na sensação de segurança das

pessoas e na gestão territorial da Segurança Pública.

1.1 - Criminologia Ambiental

O termo Criminologia Ambiental refere-se ao estudo de alguns aspectos

espaciais do crime, trazendo a tona questões como: onde, quando e como os crimes

acontecem? (BRANTINGHAM’s, 1981). A concepção de ambiente aqui empregada

corresponde as "condições circundantes" que influênciam determinados tipos de

crimes incluindo recursos naturais e objetos construídos, bem como especificidades

de uma dada localidade (design urbanístico, utilização e gestão do espaço, etc.).

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De acordo com os Brantingham’s (1981) a ocorrência de um crime

pressupõe a existência indissociada de quatro elementos (lei, infrator, vítima e

lugar), e esclarecem que os criminologistas ambientais:

[...] questionam sobre características físicas e sociais do local do crime. Eles questionam sobre os processos perceptivos que levam a seleção do local do crime e os processos sociais de rotulagem ecológica. Criminologistas ambientais também questionam sobre a distribuição espacial dos alvos e agressores em áreas urbanas, suburbanas e rurais. Finalmente, criminologistas ambientais questionam como a quarta dimensão do crime interage com as outras três dimensões para produzir eventos criminosos (BRANTINGHAM e BRANTINGHAM, 1981, p.61, tradução nossa).

O vínculo entre criminalidade e ambiente passou a influenciar não apenas os

criminologistas, mas também, planejadores urbanos, arquitetos, e outros

pesquisadores. Dentre as abordagens práticas que envolvem a criminologia

ambiental sobressai a Prevenção do Crime através do Desenho Ambiental (CPTED).

Um exemplo deste tipo de estudo é a Teoria das “Janelas Quebradas” (Broken

Windows), cuja hipótese é a de que áreas com sinais de vandalismo e desordem

são potencialmente precursoras de crimes mais graves como roubos e agressões

(ANSELIN et. al., 2000).

A arquiteta Macarena Rau (2008) assegura que a prevenção da delinquência

requer estratégias que busquem a redução imediata dos delitos e da percepção

sobre o medo através de ações preventivas, e esta forma de prevenção deve ser

executada através do manejo da arquitetura urbana que pode facilitar a ocorrência

dos delitos. Vieira (2002) afirma que algumas variáveis têm o potencial de tornar o

espaço construído mais vunerável ao crime. Dentre as variáveis mais mencionadas

nestes estudos estão:

ausência de luminosidade

a falta de clareza na definição de territórios;

a falta de visibilidade e conexões visuais e funcionais entre os espaços;

a existência de espaços de difícil acessibilidade, que impede o movimento

da vítima (saídas bloqueadas);

a falta de manutenção de áreas públicas, edificações, equipamentos

urbanos e das áreas livres (acúmulo de lixo, pichações, abandono, etc.);

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ausência de vigilância formal e de movimento de pedestres, que

possibilita uma vigilância natural dos espaços.

Assim, afirmam os defensores deste ramo (BRANTINGHAM e

BRANTINGHAM, 1981/2011; VIERA, 2002; RAU, 2008; WORTLEY e MAZEROLLE,

2011, entre outros) que esta gama de critérios do desenho urbano garantiria que a

concepção de melhoraria da segurança não viria em detrimento da concepção da

boa qualidade urbana em geral.

1.2 - A percepção do espaço geográfico e o crime

A percepção enquanto uma forma de conhecimento teve suas origens na

Psicologia. Contudo, como forma de percepção do ambiente adquirido na inter-

relação homem-mundo foi, inicialmente, destacada pela Geografia Francesa no

inicio do século XX, sendo depois retomada pelos geógrafos anglo-saxões

(CLAVAL, 1974).

Y-fu Tuan (1980) valoriza a percepção através da noção de topofilia que

significa "o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou quadro físico" (TUAN, 1980, p.5).

Mesmo referindo-se ao “quadro físico natural” Tuan destaca a relevância da

materialidade do lugar e reforça essa ideia ao mencionar que “o meio ambiente

natural e a visão de mundo estão estreitamente ligados: a visão do mundo, se não é

derivada de uma cultura estranha, necessariamente é construída dos elementos

empíricos do ambiente social e físico de um povo”. (op. cit., p 91). Desta forma, a

noção de percepção passa a ser fundamental neste trabalho, pois é através dela

que se tentará apreender como os indivíduos elegem os espaços entre: seguros e

inseguros.

Segundo Tuan (1980) “a percepção é tanto a resposta dos sentidos aos

estímulos externos como a atividade proposital, na qual certos fenômenos são

claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou são

bloqueados” (TUAN, 1980, p.4). Assim, tentar entender como as pessoas percebem

os espaços é um meio de vislumbrar como são construídos seus mapas mentais

sobre a segurança nos lugares.

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Trabalhos que atentam para questões referentes à percepção do crime e da

violência pela população geralmente trabalham com a noção de risco de vitimização

(RODRIGUES e FERNANDES, 2005; FELIX, 2009) sem, contudo, contextualizar

espacialmente fatores que podem estar atrelados à sensação de (in)segurança. De

acordo com Santos (2008), ao mesmo tempo em que se instala uma “tecnoesfera”

que substitui o meio natural ou técnico que o procedeu, aderindo ao lugar como uma

“prótese”, cria-se uma “psicoesfera”, reino das ideias, crenças e paixões, que

também faz parte desse meio ambiente fornecendo regras à racionalidade ou

estimulando o imaginário. Em relação à violência, é notória a geração de uma

“psicoesfera do medo” que se materializa em forma de objetos técnicos de proteção

e segregação (MELGAÇO, 2007, P.214). Assim, entende-se que o material e o

imaterial são indissociáveis e, portanto, nenhuma dessas esferas pode ser

negligenciada no entendimento de um fenômeno socioespacial.

De acordo com Pyszczek (2012) a análise da percepção espacial da

insegurança causada pelo medo da violência se dá a partir de três instâncias

básicas: as sensações (que correspondem ao campo das experiências diretas

vividas pelo individuo) passando pela instância das percepções (que inclui a

formação de estruturas cognitivas que dão significado e ordem à vivência espacial).

Estas duas instâncias culminariam nas representações sociais que ao se

perpetuarem no tempo e no espaço assumem uma “identidade” inerentemente

reconhecida pelas pessoas e atribuídas aos espaços e seus moradores (imaginários

urbanos), e que no caso das áreas de violência, são denominados estigmas

espaciais2.

Logo, a intenção deste trabalho é observar se o componente espacial

incorpora-se a percepção de segurança das pessoas e de que forma isto se reflete

espacialmente.

2 - A palavra estigma, neste sentido, refere-se à analogia sobre uma apropriação imaterial do espaço, na qual,

certos setores urbanos são associados, verdadeiramente ou não, ao perigo (PYSZCZEK, 2012).

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2 - Metodologia e Resultados

A pesquisa teve seus procedimentos divididos em duas etapas: a primeira

correspodeu a fase das análises quantitativas que envolveu a criação do Índice das

Características do Entorno dos Domicílios (ICED) gerado via Análise Fatorial a partir

dos dados do Censo 2010, que apresentou informações relativas à existencia de

iluminação, pavimentação, calçada, esgoto a céu-aberto, lixo acumulado nos

logradouros, entre outros. Nesta etapa foi verificada correlações entre os dados

criminais e algumas destas características baseando-se em pressupostos da

Criminologia Ambiental (relação espaço/crime) 3. A partir das correlações foi possível

eleger os bairros que apresentaram os resultados mais expressivos a saber:

Bairro da Jaqueira - baixo índice criminal e alto índice de características

(positivas) do entorno.

Nova Descoberta - alto índice criminal e baixo índice de características

(positivas) do entorno.

Boa Viagem - alto índice criminal e alto índice de características (positivas) do

entorno.

Na segunda etapa buscou-se observar em campo algumas características

(iluminação, pavimentação, calçada, bueiro, esgoto a céu-aberto, lixo acumulado

nos logradouros) e outras como: movimentação de pessoas e veículos, presença de

vegetação, equipamentos de lazer, verticalização, entre outros. O propósito foi

investigar, através de entrevistas com a população (15 em Nova Descoberta, 26 em

Boa Viagem e 8 na Jaqueira)4, se estas características influenciam a percepção das

pessoas sobre a violência e sua consequente sensação de (in)segurança

(percepção da violência / espaço) e também, buscou-se averiguar, por meio de

entrevistas com profissionais da Segurança Pública (6), se e como estas

características interferem na Gestão Territorial da Segurança.

3 Sobre a construção do Índice e seus resultados ver: CRUZ, Luciana. Relações entre espaço, crime e percepção

da violência: um estudo de caso em bairros do Recife. Tese (Doutorado em Geografia) Universidade Federal de

Pernambuco, 2015. 4 O número de entrevistas foi determinado pelas oportunidades geradas no trabalho de campo tendo relação com

o tamanho populacional de cada um, embora não possuam representatividade sobre elas.

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2.1 – Resultados

Embora os bairros tenham sido selecionados por suas diferenças no resultado

do cruzamento entre as ocorrências criminais e as características do entorno dos

domicílios, o que impossibilita uma análise comparativa, no processo de apreensão

das percepções, algumas questões buscaram ressaltar a intersubjetividade

compartilhada dos entrevistados. Desta forma, pode-se dizer que das características

averiguadas a iluminação foi o fator predominante a interferir na sensação de

segurança de todos os entrevistados (moradores e não moradores).

Iluminação, pavimentação, movimentação (de pessoas e veículos) e áreas

de lazer funcionaram como características positivas dos espaços, ou seja, que

ajudam a proporcionar sensação de segurança. Esgoto a céu aberto, lixo, pichação

e vegetação como características negativas pela ausência do poder público e, no

caso da vegetação, por ajudar a ocultar atividades criminosas.

A verticalização e o comércio dividiram opiniões, pois áreas onde

predominam apartamentos são consideradas seguras pela presença dos porteiros e

inseguras pela falta de interação entre os moradores, o que compromete a vigilância

natural. As áreas comerciais são consideradas seguras pela movimentação de

pessoas e inseguras por atrair criminosos e pela falta de movimentação nos

períodos em que tais atividades não funcionam. No geral, o grau de relevância de

cada característica esteve relacionado aos elementos presentes nos próprios bairros

pesquisados. Embora possua a menor extensão territorial e populacional o bairro da

Jaqueira foi o local com maior número de equipamentos de segurança:

Figuras 1: Placa de Videomonitoramento / Figura 2: Posto Policial Fotos: Luciana Cruz

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Para os entrevistados no bairro de Nova Descoberta o comércio e a

verticalização foram fatores que se mostraram negativamente intervenientes, ao

contrário de Boa Viagem onde estas mesmas características exercem menos

influência, e o lazer e a movimentação adquire uma carga negativa ao funcionar

como atrativo para o ato criminoso.

Figura 3: Iluminação complementar em beco sem denominação / Figura 4: Lixo acumulado em área de lazer.

Foto: Luciana Cruz

Figura 5: Contraste visual em Boa Viagem / Canal com lixo entre o maior Shopping da Cidade (Recife) e comunidade carente (Entra Apulso)

Fotos: Luciana Cruz

De acordo com os profissionais da segurança pública sobre as

características mencionadas e sua influência na ocorrência criminal e no trabalho

policial foram mencionadas as seguintes justificativas:

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Iluminação

Visibilidade: Locais mal iluminados ou sem iluminação facilitam a ação de meliantes e dificultam a identificação deles (permitindo rápida evasão).

Pavimentação Locomoção: A falta de pavimentação dificulta as rondas policiais e a possibilidade de chegar ao local da ocorrência rapidamente, aumentando o tempo de resposta.

Área de lazer

Cidadania: Atividades físicas e de lazer diminuem o ociosidade das crianças e adolescentes e evita o envolvimento com atividades criminais. Todavia esses locais, hoje em dia, facilitam a prática de crime de venda de entorpecentes.

Área verde

Regiões com áreas verdes extensas próximas a núcleos urbanos possibilitam a evasão dos criminosos e tornam-se locais para esconder drogas e armas. Precisa haver manutenção e fiscalização.

Comercio Áreas comerciais possuem um fluxo maior de pessoas e mercadorias propiciando a pratica de alguns delitos relacionados a roubos e furtos.

Movimentação

Onde há aglomeração de pessoas é mais fácil praticar pequenos furtos. No caso dos veículos, é possível praticar roubos com mais facilidade em congestionamentos, principalmente quando a vítima é do sexo feminino.

Verticalização

Não é o número de residências que define se uma área será violenta ou não. A renda, educação, característica urbanística (área residencial proporcional à área comercial - exemplo Boa Viagem) influenciam mais. Mas a predominância de casas pode facilitar crimes contra o patrimônio como arrombamentos.

Quadro 1: Influência da infraestrutura urbana na segurança. Fonte: entrevistas com Profissionais da Segurança Pública no Recife.

A partir destas respostas percebe-se que todas as características

mencionadas interferem positivamente ou negativamente no trabalho policial.

Portanto, mesmo não sendo determinante a condição da infraestrutura dos espaços

públicos se torna relevante na prevenção ao crime.

Foi solicitado aos entrevistados que descrevessem características espaciais

de locais que eles considerassem seguros e inseguros. A presença da polícia

apareceu como fator mais relevante na caracterização de um ambiente considerado

seguro, principalmente, quando se tem uma instalação fixa (posto ou delegacia). A

oferta de serviços de educação e lazer aparece em segundo lugar como fatores que

proporcionam segurança e o uso e tráfico de drogas como fatores de insegurança de

um lugar.

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3 - Conclusão

Dentre as questões e suposições inicialmente apresentadas foi possível

entrever algumas respostas, embora não definitivas, que podem subsidiar a

construção de uma compreensão da dinâmica espacial do crime e da violência

nestes espaços por meio das análises realizadas e da percepção de seus atores.

Através dos dados coletados por meio das entrevistas nos bairros

selecionados, buscou-se apreender em que medida as pessoas associam

características espaciais a sua sensação de (in)segurança. Foi averiguado que nos

discursos abertos eram raras as menções a elementos espaciais. Estes só se

mostravam relevantes nas questões direcionadas, em que os elementos foram

destacados. Com isso, pode-se dizer que a influência que as características do

entorno exercem sobre os indivíduos no universo pesquisado se dá de forma

indireta. Dentre estas características a iluminação e movimentação nos espaços se

mostraram mais expressivas, sendo as únicas mencionadas nos depoimentos livres.

Sobre a gestão territorial da segurança, observa-se que a violência e a

criminalidade se manifestam nos lugares, mas seu enfrentamento se dá nos

territórios, nos espaços delimitados de ações da polícia e das políticas públicas.

Além disso, a configuração territorial de alguns lugares (como altos e becos de difícil

acesso) dificulta o trabalho da polícia o que, em alguns casos, as torna propícia ao

domínio do crime, o que não significa dizer que em todas elas há criminalidade.

Apesar desta evidência, o abandono dessas áreas é evidente quando comparado à

gestão territorial da segurança em outras áreas da cidade. Isso fez surgir uma nova

questão: qual seria a melhor forma de gerir os espaços que dificultam a ação do

poder público?

Mesmo sendo o policiamento o principal fator a interferir na sensação de

segurança das pessoas, o número do efetivo, por mais incrementado que venha ser,

não conseguirá resolver o problema da criminalidade sem o auxílio da população.

Logo, uma política contra o crime deve envolver não apenas pesquisadores e

planejadores, mas também as pessoas que usam e transformam esses territórios,

constroem seus mapas mentais sobre a cidade e têm a tarefa diária de lidar com os

problemas que ali ocorrem. É preciso estimular uma cultura de “identidade espacial”,

que significa sentir-se parte de um lugar e compartilhar a responsabilidade de torná-

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lo seguro. O espaço deve ser visto não apenas como local das ocorrência criminais,

mas como um local de cooperação entre o poder público e a comunidade. Porém,

para a realidade recifense, o que parece predominar é a cultura do medo e da busca

individual por segurança.

Apesar dos limites da abordagem espacial, a contribuição desta dimensão

no entendimento de uma porção de crimes e na gestão territorial da segurança é

inegável. Resta-nos refletir sobre como promover espaços seguros ao invés de

pensar apenas na segurança dos espaços.

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