a redução da idade penal:do estigma à subjetividade

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Dissertação apresentada no Curso de PósGraduação em Direito da UniversidadeFederal de Santa Catarina, como exigênciaparcial para a obtenção do grau de Mestreem Direito.

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  • MRIO LUIZ RAMIDOFF

    A Reduo da Idade Penal:do Estigma Subjetividade

    Dissertao apresentada no Curso de Ps Graduao em Direito da Universidade

    Federal de Santa Catarina, como exigncia parcial para a obteno do grau de Mestre

    em Direito.

    Florianpolis (SC) 2002

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    CENTRO DE CINCIAS JURDICAS CURSO DE PS-GRADUAO EM DIREITO

    A dissertao A Reduo da Idade Penal: do Estigma Subjetividade,

    elaborada

    por

    Mrio Luiz Ramidoff

    foi julgada adequada por todos os membros da Banca Examinadora, para a obteno grau de

    MESTRE EM DIREITO e aprovada, em sua forma final.

    Florianpolis (SC), 16 de agosto de 2002 (sexta-feira)

    Doutfa Olga^aria Boschi Aguiar de Oliveira Curso de Ps Graduao em Direito

    Apresentada Banca integrg la pelos Presidente: Prof^sspra Dou'

    Membro: Prafessor Douto:

    Membnar^Professora Doutora Mari Ra| Suplente: Professor Doutor Srgio Ur

    JLA

    e Cademartori

  • ...Logo haveis de respirar, finda a tarefa, com

    a alma recolhida, tranqila, um pouco clara,

    um pouco vazia, um pouco livre!...

    (Le gai savoir. Nietzsche1).

    1 BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginao do movimento. So Paulo (SP): Martins Fontes, 1990, p. 115.

  • S U M R I O

    INTRODUO 1

    I - Perspectiva epistemolgica: por um paradigma emancipatrio 23

    1. Identificao cientfica 23

    1.1. Cincia normal: o estabelecimento de um paradigma 251.2. Falsificacionismo 261.3. Razo e a racionalidade 301.4. Interdisciplinaridade 32

    2. Emergncia do novo 352.1. Processo histrico-social 372.2. Mudana revolucionria 422.3. Proteo integral: um novo paradigma emancipatrio 45

    II - No domnio da fico: desmistificao da criminalidade juvenil 511. O novo movimento criminolgico 511.1. A dogmtica jurdico-penal 531.2. A violncia legitimada pela lei 55

    1.3. A criminalizao: estigmatizao e etiquetamento 571.4. A periculosidade necessria 591.5. O encarceramento estigmatizante 611.6. As verdadeiras causas 642. A violncia na infncia e na juventude 682.1. A vitimizao da infncia e da juventude 69 2 .2 .0 trfico internacional de crianas e de adolescentes 722.3. A marginalizao social da juventude 74

    2.4. A criminalizao antecipada da juventude 752.5. A estigmatizao da juventude 762.6. Diagnstico de alguns problemas e solues 78

  • III - Direitos Humanos da infncia e da juventude 83

    1. Evoluo dos Direitos Humanos 831.1. Universalizao e internacionalizao dos Direitos Humanos 841.2. Uma nova dimenso dos Direitos Humanos 85

    2. (Re) fundao emancipatria infncia e juventude 86

    2.1 O Sujeito do direito 882.2. Dos direitos do cidado aos direitos da pessoa 902.3. Falcias: garantista e politicista 93

    3. Uma nova realidade jurdica: (re) interpretao das obviedades 96 3 .1. Direitos Humanos e direitos fundamentais 973.2. Formas e sedes das garantias constitucionais 1003.3. Direitos fundamentais oriundos de tratados internacionais 101

    4. Reduo da idade penal 1044.1. Proposta de emenda constitucional: reduo da idade penal 1114.2. Inimputabilidade penal: direito individual 1124.3. Regime especial do jovem adulto 116

    IV - O Estatuto da Criana e do Adolescente: a caminho da subjetividade 120

    1. As novas orientaes 1201.1. A doutrina da proteo integral 1231.2. Ato infracional 124

    1.3. Adequao das medidas 1261.4. Avaliao 1321.4.1. Subjetividade resiliente 134

    1.5. Institucionalizao 135

    1.5.1. Internao 1351.5.2. Programa de orientao e acompanhamento 136

    1.5.3. Desintemao 1361.6. Projeto de vida responsvel 137

    1.7. Polticas pblicas 1401.7.1. Individual na perspectiva coletiva 1411.7.2. Poltica de atendimento 142

  • 1.7.3. Lei de diretrizes scio-educativas 146

    2. A emergncia do novo e a teoria jurdica 1512.1. Um novo padro de dignidade: cidadania 1542.2. Um novo cdigo deontolgico protetivo 161

    2.3. A caminho da subjetividade 163

    CONCLUSO 168

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 177

    ANEXO I 184

    ANEXOU 186

    ANEXO III 193

  • RESUMO

    A proposta do presente estudo oferecer uma fundamentao diferenciada no reduo da idade penal, manutenindo-se, pois, o contedo dispositivo do artigo 228, da Constituio

    Federal. Adverte-se, porm, que no se trata de uma simples questo de possibilidade de transferncia terica, mas, sim, em linha com o pensamento crtico, estabelecer

    fundamentadamente uma via distinta garantia dos direitos mais comezinhos da personalidade humana. Na reflexo do contedo ideolgico das normas, afigura-se de

    importncia capital no s asseguramento, mas, sobremodo, a materializao dos direitos individuais, coletivos e difusos relativos pessoa, e, principalmente, quelas em desenvolvimento - infncia e juventude. De outro lado, as investigaes da criminologia crtica demonstraram que o sistema penal apenas tem servido para legitimar e reproduzir as

    desigualdades e injustias sociais, evidenciando, inclusive, que, sequer, tem oportunizado a construo de um Estado de Direito. Com isto, na vertente pesquisa, busca-se desmistificar os

    diversos processos de criminalizao da juventude, diversamente, pois, do que se tem entendido a partir da concepo positivista. Uma das contribuies viveis para a diminuio

    da violncia urbana, encontra-se precisamente na efetivao de polticas pblicas de combate

    a misria e a corrupo, renovando-se diutumamente o compromisso com a realizao de

    justia social.

  • ABSTRACT

    To proposal of the present study is offer a substantiation differentiated to the not reduction from the penal age, manutenindo-itself, therefore, the content device of the article 228, from the Federal Constitution. It notifies itself, however, that does not be a matter of a simple theoretical transference possibility question, but, yes, in line with the thought critic, establish fundamentadly a distinct road to the guarantee of the rights more common from the human personality. In the reflection of the ideological content of the norms, appear-itself of essential importance not alone assurement, but, excessively, to materialize of

    the individual rights, collectives and diffuse relatives to the person, and, mainly, to those in development - infancy and youth. Of another side, the inquiries from the criminology critic showed that the penal system barely has served for legitimize and reproduce the inequalities and social wrongs, showing up, included, that, even, has to be opportune to construction of a

    State of Right. With this, in the slope researches, search itself bring to light the diverse trials of criminalizafao from the youth, diversely, therefore, than itself has understood from the conception "follower law". An of the viable contributions for the diminution from the urban violence, finds-itself necessarily in the effect of battle public politics to misery and to corruption, renewing itself unweariable the commitment with the social

    achievement of justice.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao Curso de Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina- CPGD-UFSC, exemplo vivo de que o ensino pblico pode ser eficaz, possibilitando o acesso informao e ao conhecimento de maneira livre, independente e reflexiva sobre a Educao no Brasil. Ainda mais, pois, justamente, atravs do acesso indiferenciado ao Curso

    de Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina - CPGD-UFSC, foi- me possvel conhecer e discutir idias com os mais variados segmentos scio-culturais, aprendendo, mais do que compartilhar o mesmo tempo e espao com companheiros de jornada acadmica, a construir verdadeiramente vnculos afetivos de amizade, solidariedade e

    sentimento de pertena.

    Um agradecimento especial Professora Doutora Josiane Rose Petry Veronese, pela gentil e solcita orientao, pois, enquanto uma verdadeira educadora total, firma

    diutumamente o seu compromisso com os alunos no s na formao intelectual, mas, sobretudo, na construo e transformao destes em pessoas melhores.

    Universidade do Contestado, Campus de Mafra (SC), pela acolhida e incentivo

    permanente de minhas investigaes e experincias acadmicas, pelo que, no poderia deixar

    de agradecer aos seus Dirigentes e Funcionrios, aos colegas Professores, e, aos Alunos, todos, companheiros de viagem. E, no mais, agradecer a todas as pessoas e entidades que de alguma forma souberam compreender e, bem por isso, auxiliar-me no desenvolvimento de

    minhas atividades acadmicas.

    Aos Promotores de Justia Edina Maria Silva de Paula e Murillo Jos Digicomo, do Ministrio Pblico do Estado do Paran, pessoas em que homenageio todos os Promotores de Justia e demais construtores jurdicos e sociais que se encontram envolvidos com a causa

    da infncia e da juventude, bem como a todas as pessoas e entidades - e que so muitas - que de uma forma ou de outra possibilitaram a concluso deste trabalho.

    Aos meus familiares, especialmente, aos meus pais, esposa e filhos, por tudo, eles

    sabem porque.Mrio Luiz Ramidoff

    Inverno de 2002, Curitiba (Pr)

  • Para os meus queridos e amados filhos Lusa, Henrique e Guilherme.

    Para a minha Regina pela construo conjunta

    de vrios amores, pois sem ela tudo isto noseria possvel.

    Para os meus amados irmos Cludio Jos,

    Srgio Ricardo e Ana Carolina, pelo apoio, proteo exompreenso cultivados pelos

    exemplos e vivncias familiares.

    Para os meus adorados pais Cludio e Marlene, os sufis de minha vida, os quais, antes de

    tudo ensinaram-me a acreditar no

    aperfeioamento ilimitado do ser humano.

  • INTRODUO

    A partir de uma perspectiva interdisciplinar a vertente pesquisa busca na dimenso

    crtica da Nova Criminologia outros aspectos e relaes que no apenas jurdicas, para desmistificar o que se tem dito sobre a criminalidade juvenil, como, tambm, procura

    alicerar alguns parmetros nos emergentes interesses difusos e coletivos, como se caracterizam os direitos da Criana e do Adolescente. No entanto, adverte-se, por mais esta vez, que arbitrariamente apenas se proceder ao exame dos aspectos criminolgicos, de tudo

    interdisciplinares, atravs mesmo de um corte epistemolgico. O marco terico da presente pesquisa pode-se dizer que se encontra essencialmente delimitado pelas novas tendncias do

    pensamento criminolgico crtico. Neste sentir, tomam-se indispensveis os estudos elaborados por autores como Alessandro Baratta, Nils Christie, Stanlei Cohen, Michel

    Foucault e Louk C. Hulsman, dentre outros. Tais aportes tericos, enquanto instncias tutelares da presente pesquisa, serviram de travejamento para a inflexo sobre a realidade estrutural - social, poltica e econmica - na explicao do comportamento dito desviado, para assim demonstrar que a pessoa denominada de criminoso nada mais do que aquela pessoa que por diversos mecanismos tem sofrido um processo de criminalizao negativo.

    A formatao de dimenses alternativas ao tradicional sistema de justia penal, de incio, certamente, perpassa pela reviso- das razes epistemolgicas/ pois^ aqui, de forma clara, filia-se ao matiz minimalista, afastando-se, sem, contudo, abandonar suas contribuies

    crticas, da inflexibilidade abolicionista que sustenta que seria um erro estratgico propor alternativas positivas para as instituies e prticas repressivas existentes. A teoria de base, tambm, neste quadrante, permeia-se pela viso interdisciplinar, buscando nos estudos sociolgicos, e, nas atitudes poltico-filosficas de proteo especial e integral das pessoas

    que se encontram na peculiar condio de desenvolvimento de suas personalidades, o fundamento argumentativo prprio e adequado para que se evite a supresso de garantia

    constitucional aos interesses e direitos difusos e coletivos da Criana e do Adolescente, em

  • 12

    Nesta seara, indiscutivelmente, os estudos levados a cabo pela Professora Doutora

    Josiane Rose Petry Veronese de importncia capital para sustentao da propositura final, qual seja, a manuteno do artigo 228, da Constituio Federal, uma vez que j existem medidas capazes de auxiliar os infantes no desenvolvimento de suas personalidades, bem

    como, eficazes para que seja exigida do Estado a implementao de polticas pblicas para tal desiderato, no se necessitando, pois, de adoo dos institutos jurdicos penais.

    E, j atravs destas investigaes preliminares, observa-se que no se pode perder

    de vista que o processo de criminalizao seletiva recruta, de forma desigual, a populao

    criminal, vale dizer, a maior parte das pessoas sobre as quais se concentra a ao do sistema penal, segundo Michel Foucault1. E, isto se d, a partir da comunho do sistema de Direito

    Penal e os controles sociais informais - processos sociais de marginalizao (instituies, mercado, escolas, etc...). Ademais, como se percebe, as variveis no legais que sequer so

    pensadas pelas instncias oficiais possuem um efeito considervel sobre os resultados seletivos do sistema jurdico penal, que, apesar de no se submeterem obrigao de justificao e aos critrios das aes profissionais, indiscutivelmente, desenvolvem importante

    influncia sobre tais aspectos.

    Ora, como se v, na prpria exposio de motivos da nova parte geral do Cdigo Penal - Lei sob n 7.209, de 11 de julho de 1984 - a inimputabilidade penal s pessoas que possuem idade inferior a dezoito (18) anos de idade, constitui-se numa opo apoiada em

    critrios de Poltica Criminal, inclusive, colhendo-se da oportunidade para advertir os oposicionistas que, na verdade, todo e qualquer processo de formao do carter deve ser cometido educao, e, no penal criminal2.

    1 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da priso. Traduo de Raquel Ramalhete. 20a ed., Petrpolis (RJ): Vozes, 1999.2 BRASIL, Lei sob n 7.209, de 11 de julho de 1984. Exposio de Motivos da Nova Parte Geral do Cdigo Penal. Dirio do Congresso (Seo II), Braslia, de 29 de maro de 1984. De acordo com o texto ...Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opo apoiada em critrios de Poltica Criminal. Os que preconizam a reduo do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior nmero de menores, no consideram a circunstncia de que o menor, ser ainda incompleto, naturalmente an ti-social na medida em que no socializado ou instrudo. O reajustamento do processo de formao do carter deve ser cometido educao, no pena criminal. De resto, com a legislao de menores recentemente editada, dispe o Estado dos instrumentos necessrios ao afastamento do jovem delinqente, menor de 18 (dezoito) anos, do convvio social, sem sua necessria submisso ao tratamento do delinqente adulto, expondo-o contaminao carcerria... (sic).

  • 1.3

    Bem por isso, pode-se dizer, com Alessandro Baratta3, que, na atividade

    jurisdicional, enquanto processo de criminalizao secundrio, em virtude mesmo dos efeitos

    surtidos da cincia penal, o mbito discricionrio relativamente mais estreito em relao a outros segmentos do sistema jurdico-penal, pois, as decises que tomam os juizes so programadas de antemo pelo legislador. Uma segunda questo fondamental a relativa

    concepo do fenmeno delitivo. A teoria crtica criminolgica no pode mais validamente apenas identificar os delitos, enquanto situaes negativas, ento, criadas pelo sistema penal, como conflitos individuais, pura interao. O fenmeno delitivo antes de tudo uma questo

    de poder, de estruturao das necessidades e sua satisfao4.

    Os mecanismos seletivos funcionam, assim, de forma semelhante aos processos de

    seleo de classes sociais, e, atuam desde a criao da norma at a sua efetiva aplicao. Da a

    importncia capital da transposio da abordagem terica do autor s condies objetivas, estruturais e fiincionais que, na verdade, constituem-se na origem dos fenmenos de desvio, bem como a transposio do interesse cognoscitivo das causas de desvio criminal, aos mecanismos sociais e institucionais atravs dos quais se constri a realidade social da

    conduta desviante e so criadas e aplicadas definies de tal conduta e da criminalidade, e so realizados os processos de criminalizao. E isto somente ser possvel a partir de um salto

    qualitativo, vale dizer, com a superao do paradigma etiolgico e de suas implicaes ideolgicas5.

    3 BARATTA, Alessandro. Criminologia y dogmtica penal: pasado y futuro dei modelo integral de la cincia penal. In: MIR PIJIG, Santiago et alii. Poltica criminal y reforma dei derecho penal. Bogot: Temis, 1982, p. 28-63. Segundo o autor: ...Por um lado, o significado das funes jurdicos-estatais que a cincia jurdico- penal exerce sobre o sistema, elevando o grau de uniformidade das decises judiciais e com isso o grau de igualdade no exerccio do Direito, no pode ser sublinhado de forma suficiente. Por outro lado, necessrio reconhecer que a atividade para a racionalizao e gestao de igualdade exclui por deciso prpria uma srie de mecanismos que, vistos em conjunto, so mais adequados para a produo do efeito contrrio, isto , para gerar desigualdade.... (sic).4 SNCHEZ, Maurcio Martnez. La abolicin dei sistema penal: inconvenientes en latinoamrica. Bogot: Temis, 1990. o que esclarece Juan Bustos Ramrez quando adverte que: "... La teoria abolicionista de que los delitos-situaciones negativas creadospor el sistema penal son solo conflictos individuales, pura interaccin . . . , tampoco es vlida. El fenmeno delictivo no se puede reducir a simples disgustos entre personasy a que el sistema penal le roba sus conflictos a los ciudadanos. La cuestin delictiva no es simplesmente algo que depende de la buena o mala voluntad de las partes. El fenmeno delictivo es antes que nada una cuestin de poder, de estructuracin de las necesidadesy su satisfacin. ... (sic).5 BARATTA, Alessandro. Criminologia crtica e poltica penal alternativa. Revista de Direito Penal, n 23, jul./dez. de 1976, Rio de Janeiro: Forense: Instituto de Cincias Penais do Rio de Janeiro, 1978, p. 7-21. Conforme o autor a superao da concepo da conduta desviante e da criminalidade como realidade ontolgica preexistente reao social e institucional, com a aceitao da crtica das definies legais, como princpio de individualizao daquela pretendida realidade ontolgica - vale dizer, das implicaes ideolgicas - significa

  • 14

    , pois, um fato indiscutvel que, com a eventual reduo da idade penal, atravs da criminalizao primria - formao da legislao penal - ser antecipado, como

    conseqncia, as mais diversas e variegadas formas dissimuladas de isolamento social, seno, o do prprio encarceramento que, na verdade, constituem-se no desfecho final de um processo

    mais amplo de estigmatizao da juventude brasileira. justamente sobre a legislao, enquanto segmento prprio do sistema que se concentra a ao da cincia jurdico-penal tendente a preparar a deciso, que se pretende fixar ateno, pois, indubitavelmente, no processo de criminalizao, afigura-se como um dos mecanismos que se apresenta com a

    margem mais ampla de discricionariedade, devendo-se, ento, advertir que - muito a gosto de Alessandro Baratta - as investigaes sobre a formao das leis penais mostram que a instncia cientfica nas decises legislativas no de forma alguma onipotente e que ocupa uma posio de subordinao, apesar de algumas vezes desempenhar um papel digno de

    considerao6.

    Assim, sob os auspcios da moderna sociologia criminal, dirige-se, agora, o

    interesse cognoscitivo de carter crtico social para a formao discricionria da legislao

    penal, assumindo, de um lado, uma postura crtica do sistema penal, e, de outro, abandonando, o papel auxiliar que desempenhava a criminologia em relao poltica criminal oficial. Uma outra questo justamente relativa manuteno da materializao dos direitos individuais,

    coletivos e difusos relativos infncia e juventude. Pois, tal promoo, impe uma permanente reflexo acerca do contedo ideolgico das normas jurdicas, impedindo, seno, desnudando, pois, as funes declaradas ou no do sistema jurdico-penal que ensejam

    injustias.

    no s a superao do paradigma etiolgico, enquanto vetor orientativo da cincia jurdico-penal entendida, naturalisticamente, como teoria das causas da criminalidade, mas, tambm, um salto qualitativo. At porque, apenas assim o momento crtico alcanaria maturidade na criminologia, transferindo, ento, a partir da abordagem macrossociolgica, o interesse cognitivo sobre o comportamento desviante para os mecanismos de controle social do dito comportamento e, em especial, ao processo de criminalizao, transformando-se, desse modo, a criminologia numa critica do direito penal.6 BARATTA, Alessandra. Criminologia y dogmtica penal: pasado y futuro dei modelo integral de la cincia penal. op. cit. Conforme o autor: "... Frente atividade da instncia cientfica na poltica criminal levanta-se uma barreira sobretudo institucional que no se alterou nem sequer diante do desenvolvimento da sociedade capitalista avanada em uma direo tecnocrtica. Apesar da ampla tarefa que se atribui instncia cientfica (ampla em relao com a que aparece na atividade judicial) na formao da vontade poltica do legislador no mbito do Direito Penal, esta tarefa permanece em ambos os casos (atividade judicial e atividade legislativa) idntica. Sua competncia no consiste em tomar decises, mas em prepara-las. . (sic).

  • 15

    Neste sentido, o pensamento criminolgico crtico deve constituir-se num movimento de resistncia e alerta, para, no mnimo, oferecer argumentos manuteno da imputabilidade penal somente a partir dos dezoito anos de idade7, de acordo com o disposto

    no artigo 288, da Constituio Federal. As diversas propostas de emenda constitucional ao

    artigo 228 - aproximadamente quinze (15), at a presente data, em tramitao ou no no Congresso Nacional na essncia, discorrem, com alguma variabilidade, sobre a

    imputabilidade penal para as pessoas maiores de dezesseis (16) anos e at mesmo de quatorze

    (14)8 anos de idade, vale dizer, propem no s a alterao do limite da idade para a responsabilidade penal, mas, sobremodo, buscam o afastamento da aplicao das normas da legislao especial, ou seja, do Estatuto da Criana e do Adolescente.

    No longe disto, na data de 13 de fevereiro de 2001, foi apresentada uma Proposta

    de Emenda Constitucional ao referido artigo 228, pelo Deputado Federal Alberto Fraga do Partido do Movimento Democrtico Brasileiro do Distrito Federal - PMDB-DF, versando sobre o estabelecimento da maioridade penal mediante fixao em lei, ou seja, segundo a

    explicao da ementa, para o estabelecimento da maioridade penal, que dever ser fixada em lei, prope-se agora que sero observados os aspectos psicossociais do agente, aferindo-se em laudo emitido por junta de sade que avaliar a capacidade de se autodeterminar e de discernimento do fato delituoso, permanecendo-se, por mais esta vez, no mbito da

    criminologia acessria, nos moldes do paradigma etiolgico.

    7 SOTTO MAIOR NETO, Olympio de S. Sim garantia para a infncia e juventude do exerccio dos direitos elementares da pessoa humana. No diminuio da imputabilidade penal. CONGRESSO NACIONAL DO MINISTRIO PBLICO, 13. Livro de Teses: o Ministrio Pblico social. Tomo II, Tese 61, Curitiba: Associao Paranaense do Ministrio Pblico: Confederao Nacional do Ministrio Pblico, 1999, p. 485-491. Esta uma das concluses que prope Olympio de S Sotto Maior Neto, em sua tese, ento, defendida no Dcimo Terceiro (13) Congresso Nacional do Ministrio Pblico, inclusive, advertindo que a proposta perversa na direo da diminuio da imputabilidade penal, na verdade, por si s, enquanto represso penal, no capaz de "... responder s intrincadas condies determinantes da conduta desviante dos adolescentes ou de superar situaes que so, via de regra, de ordem estritamente social. No propsito de reflexo sria, adequadamente multidisciplinar e ideologicamente correta, penso que a anlise inicial a se fazer passa pela perfeita identificao de quem falamos: ou seja, das crianas e adolescentes que esto a experimentar situao de absoluto descaso, de secular desassistncia e de omisso criminosa por parte do Estado Brasileiro. . . .. (sic).8 Proposta de Emenda Constitucional sob n 169/1999, em tramitao ordinria, ento, apresentada na data de 25 de novembro de 1999, pelo Deputado Federal Neto Rodolfo, do PPB-SP, estando, pois, apensada Proposta de Emenda Constitucional sob n 171/1993.

  • 16

    E tal concepo, encontra-se presente desde a primeira Proposta de Emenda

    Constituio9 relativa ao artigo 228, apresentada pelo, ento, Deputado Federal Benedito Domingos, do PP-DF, cujo objetivo declarado a atribuio de responsabilidade criminal s

    pessoas maiores de dezesseis anos, refutando 0 fundamento bsico de presuno legal da

    menoridade e seus efeitos, na fixao da capacidade para entendimento do ato delituoso, sob os auspcios de uma avaliao to somente pelo critrio biolgico, desprezando-se, pois, no s o desenvolvimento mental, mas, sobremodo, os diversos elementos e condies de

    formao da personalidade humana.

    preciso, pois, diferenciar as diversas etapas na evoluo e maturao daquelas

    pessoas na peculiar situao de desenvolvimento, at porque, ao se falar de juventude no se pode mais recorrer falcia estatstica dos distintos patamares de idade. Para tal desiderato,

    observa-se que, em comparao com as experincias aliengenas, o percentual dos infratores entre as idades de 21 e 25 anos supera em muito o percentual daqueles infratores entre 14 e 17

    anos, e, entre 18 e 20 anos de idade10.

    O sistema geral, como se sabe, permite a manuteno do sistema social, ensejando, por isto mesmo, a manuteno das desigualdades sociais e dos processos de marginalizao das classes menos favorecidas, ou seja, sobre aquele grupo de pessoas que se encontram mais suscetveis scio-economicamente aos processos de estigmatizao. Pois, como afirma Cezar Roberto Bitencourt11, o fenmeno delitivo tem uma inevitvel dimenso social, por essa razo

    que a atitude e participao cidad decisiva, pois permitir a conscientizao dos processos variegados de estigmatizao, quando, no, ensejar uma mudana radical, qual

    seja: a permanente luta pelos direitos humanos.

    9 Proposta de Emenda Constitucional sob n 171/1993, Dirio do Congresso Nacional, Seo I, 27 de outubro de 1993 (quarta-feira), p. 23062 a 23064.10 BERISTAIN, Antonio. La criminologia entre la deontologia y la victimologa. Revista de Informao Legislativa, Volume 30, n 117, Braslia, jan./mar. de 1993, p. 115-144. O autor no final de seu trabalho apresenta alguns recentes grficos do nmero total de pessoas - por cada 100.000 habitantes - privadas da liberdade nos pases europeus, dentre as quais, tambm, o de grupos de jovens de diversas idades, desde o ano de 1963 at o de 1989, na Alemanha.11 BITENCOURT, Cezar Roberto. O objetivo ressocializador na viso da criminologia crtica. Revista dos Tribunais, Volume 79, n 662, So Paulo, dezembro de 1990, p. 247-256. Conforme leciona o autor ... necessrio que a questo criminal seja submetida a uma discusso massiva no seio da sociedade e da classe obreira. Todos os segmentos sociais devem conscientizar-se de que a criminalidade um problema de todos e que no ser resolvido com o simples lema Lei e Ordem que representa uma poltica criminal repressiva e defensora intransigente da ordem (geralmente injusta) estabelecida... (sic).

  • 17

    Atravs de um processo discriminatrio, o sistema penal, desintegra os

    socialmente frgeis, marginalizando-os, estigmatizando-os e, ao final, etiquetando-os, inviabilizando, desta maneira, uma possvel concreo da solidariedade social, pois, na verdade, estabelece, sim, uma relao de excluso. Assim, toda espcie de mecanismo de

    criminalizao, tanto que se d atravs de propostas de emenda Constituio, quanto na elaborao legislativa ordinria para a criao de normas penais, deve considerar seriamente os problemas sociais que geram e mantm o fenmeno delitivo.

    Assim, no primeiro captulo, atravs do desenvolvimento epistemolgico, busca-se

    demonstrar a fundao de um novo paradigma jurdico que orienta uma nova seara jurdica, vale dizer, com a adoo da diretriz internacional da Doutrina da Proteo Integral, por opo poltica, tem-se que, mais do que um novel princpio travejado pela centralidade da pessoa

    humana, estabeleceu-se, sim, uma nova dimenso subjetiva de titularidade em direito, ou seja, de titulares de um tambm novo Direito da Criana e do Adolescente. A Doutrina da Proteo Integral, desta forma, um novo paradigma epistemolgico deste novel Direito prprio da infncia e da juventude. A interdisciplinaridade se toma necessria a partir de ento, pois para

    que se possa verdadeiramente construir uma nova espacialidade jurdica, em perspectiva aberta, vale dizer, em condies de possibilidade da emergncia do novo, toma-se

    indispensvel o abandono da arrogante postura do jurista que atravs do vis jurdico pretende realizar o (re) ordenamento do mundo. Antes de tudo imperativo, daqui para sempre, no s nesta nova seara jurdica, mas, de maneira geral, uma postura de humildade diante das

    limitaes pessoais, materiais, tcnicas e cientficas - segundo a idia de conhecimento mais rigoroso e falsificvel, verificvel. E necessrio, pois, educar os operadores e construtores

    jurdico-sociais para a percepo. E preciso educar, conscientizar para perceber.

    J no segundo captulo, utiliza-se dos estudos da criminologia crtica, em especial, segundo o seu aspecto sociolgico, precisamente, para desmistificar a crendice denominada criminalidade juvenil que se inseriu tanto na opinio pblica, quanto no senso comum dos operadores/construtores jurdicos e sociais. Com isto, busca-se evidenciar os diversos

    processos de vitimizao, criminalizao e estigmatizao pelos quais passam as crianas e os

    adolescentes, principalmente, das famlias empobrecidas, quando, no, os enraizados processos de controle social e as suas sofisticadas formas de manuteno do status quo das classes que detm acesso aos bens que a riqueza proporciona.

  • 18

    Pois, desvelar esses interesses nem sempre confessveis, no tarefa fcil, pelo que, j se constitui num enorme passo. At porque, a verdadeira transformao que se deve

    operar na disposio de esprito, atravs da conscientizao dos operadores/construtores

    jurdicos sociais, e, assim, o que parece pouco pode ser muito.

    No terceiro captulo, desenvolve-se o fundamento dos Direitos Humano como o

    vis jurdico a partir do qual decorrem os direitos fundamentais, enquanto opes poltico- ideolgicas prprias dos valores tico-morais, ento, vigentes na formao da Constituio Federal de 1988, que, operou-se pelo Poder Constituinte de 1987/1988. A teoria de base desta

    virada de foco justamente a Doutrina da Proteo Integral. Ao se estabelecer um novo

    estatuto epistemolgico para este novel Direito da Criana e do Adolescente, o que se pretende na verdade proporcionar uma proteo diferenciada para este novo grupo de

    cidadania, ento, constitudo pelos jovens - crianas e adolescentes - tomando-se imperiosa a manuteno do artigo 228, da Constituio Federal de 1988, uma vez que precisamente esta

    figura legislativa constitucional que define quem so esta nova titularidade jurdica, seno,

    subjetividade, em perspectiva emancipatria.

    O quarto captulo um compromisso com a causa da infncia e juventude, enquanto, uma utopia possvel, que, antes de tudo, deve servir como norte orientativo da

    disposio de esprito - vontade e desejo - dos operadores/construtores jurdicos e sociais. No que isto no se impregnasse nos anteriores captulos, mas, neste, deve ficar patente a

    concepo de que este novo Direito da Criana e do Adolescente, ento, fixndado na Doutrina da Proteo Integral, antes de tudo uma dimenso em aberto que enseje condies de

    possibilidade de efetivao dos direitos fundamentais desta nova cidadania, atravs mesmo da implementao das estratgias polticas - sobremodo, pela integrao, articulao e

    municipalizao das polticas pblicas de atendimento - para tal desiderato.

    E isto, certamente, significa acreditar no s a Doutrina da Proteo Integral,

    ento, sintetizada no artigo 227, da Constituio Federal de 1988, mas, sobremodo, o Estatuto

    da Criana e do Adolescente - Lei sob n 8.069, de 13 de julho de 1990 - como o novo

    Cdigo Deontolgico Protetivo, implementando as polticas pblicas, utilizando seus institutos e instrumentais prprios, e, aplicando a sua sistemtica para a promoo e defesa

    dos direitos prprios desta nova e diferenciada subjetividade.

  • 19

    certo que o Estatuto da Criana e do Adolescente suficientemente apto, coerente e compatvel para a resoluo das variegadas demandas infanto-juvenis que no s

    dos adolescentes autores de aes conflitantes com a lei.

    Em concluso, o primeiro e grande passo que se deve dar acreditar, de forma

    convincente, de que o novo Direito da Criana e do Adolescente, ento, travejado pelo princpio da Doutrina da Proteo Integral, e, instrumentalizado pelo Estatuto da Criana e do Adolescente - Lei sob n 8.069, de 13 de julho de 1990 - possui as condies necessrias de

    criao e crtica para a construo de possibilidades de efetivao e implementao dos

    direitos fundamentais das crianas e dos adolescentes brasileiros. At porque, j se est neste mundo para sempre, e, como se sabe, nem tudo perfeito, e, justamente, o que no desvela que ele jamais o ser. E isto no um ponto fraco, mas, sim, forte. Pois, precisamente esta

    tenso entre a norma, a conveno, a hiptese e o mundo fenomenolgico, os fatos, que,

    proporcionar uma tessitura aberta de possibilidades para o futuro. O caminho construdo - ou no segundo a credulidade que se tem nos modelos, no compartilhamento do paradigma

    e nas principais matrizes da teoria enquanto orientao capaz de possibilitar tal construo.

    Em face disto, elege-se alguns conceitos operacionais (categorias tericas), com o

    fito de fixar alguns pontos de partida para a discusso, so eles:

    Adolescente: considera-se adolescente, para os efeitos do Estatuto da Criana e do

    Adolescente - Lei sob n 8.069, de 13 de julho de 1990 - , aquela pessoa entre doze e dezoito

    anos de idade.Criana: considera-se criana, para os efeitos do Estatuto da Criana e do

    Adolescente - Lei sob n 8.069, de 13 de julho de 1990 - , a pessoa at doze anos de idade

    incompletos.Crime: em termos jurdicos, o comportamento humano punvel pelo direito

    criminal.Criminalizao Primria: mecanismo de produo das normas penais

    (incriminao primria).Criminalizao Secundria: mecanismo de aplicao das normas penais, isto , o

    processo penal que compreende a ao dos rgos de investigao e que culmina com o juzo,

    e, finalmente, o mecanismo de execuo da pena e das medidas de segurana.

  • 20

    Criminologia: em sentido estrito significa o estudo do crime, vale dizer, o estudo

    do comportamento humano punvel pelo direito criminal. No sentido lato inclui a penologia. Na perspectiva descritiva a observao e a compilao de fatos relacionados com o crime e com os criminosos que se podem especificar atravs do estudo das vrias formas de

    comportamento criminoso; do modo como so praticados os crimes; qual a sua freqncia em

    tempo e lugar diferentes; da relevncia da idade, sexo e muitas outras caractersticas dos criminosos; e da evoluo da carreira criminosa (ao que se convencionou denominar de

    fenomenologia ou sintomatologia).Criminologia Crtica: a criminologia crtica se refere a um campo muito vasto e

    no homogneo de discursos que, no campo do pensamento criminolgico e sociolgico- jurdico contemporneo, tm em comum uma caracterstica que os distingue da criminologia tradicional: a nova forma de definir o objeto e os termos mesmos da questo criminal.

    Criminologia Multifatorial: criminologia que, mantendo todos os equvocos relacionados com o paradigma etiolgico positivista, renunciou, em seguida, aos contextos

    tericos amplos, como j o fizera a criminologia liberal;Criminologia Positiva: explicao da criminalidade, na diversidade ou anomalia

    dos autores dos comportamentos criminalizados. A criminalidade um dado ontolgico pr- constitudo reao social e ao direito penal, que podia ser estudado em suas causas,

    independentemente do estudo da reao social e do direito penal.Direito Penal: convencionalmente, pode-se definir como uma tcnica para o

    controle social que atua sobre certas formas de comportamento.Fundamentabilidade Material: a fundamentabilidade material de cada direito

    corresponde sua importncia para a salvaguarda da dignidade humana num certo tempo e

    lugar, definida, por isso, de acordo com a conscincia jurdica geral da comunidade, pelo que, aponta os seguintes traos distintivos e de reconhecimento de uma identidade comum

    categoria dos direitos fundamentais, conferindo-lhe autonomia institucional ao conjunto que formam.

    Garantia de Prioridade: a garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteo e socorro em quaisquer circunstncias; b) precedncia de atendimento nos

    servios pblicos ou de relevncia pblica; c) preferncia na formulao e na execuo das

    polticas sociais pblicas; e d) destinao privilegiada de recursos pblicos nas reas relacionadas com a proteo infncia e juventude.

  • 21

    Imputabilidade Penal: imputar atribuir a algum a responsabilidade de alguma

    coisa. Imputabilidade penal o conjunto de condies pessoais que do ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prtica de um fato punvel12.

    Imputvel: o sujeito mentalmente so e desenvolvido, capaz de entender o

    carter ilcito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento13.

    Infrator: um termo pejorativo e estigmatizante que lamentavelmente permanece inserido no Estatuto da Criana e do Adolescente, bem como, ainda, no universo simblico do senso comum jurdico e da opinio pblica. Contudo, aqui, ser substitudo pelo termo

    adolescente em conflito com a lei. Esta mudana do vocabulrio um dos primeiros sinais de

    que a orientao modelar - paradigmtica - compartilhada no s pelo grupo de estudiosos, mas, tambm, pelo grupo social, encontra-se em crise, a qual certamente levar emergncia

    e conseqentemente a fixao do novo.Menor: a expresso menor usada como uma categoria jurdica, historicamente,

    caracterizadora da criana e do adolescente envolvido com a prtica de infraes penais. No Cdigo de Menores era utilizado para designar aqueles que se encontravam em situaes de carncia material ou moral, alm de infratoras. E, no Cdigo de Menores de 1979, surge como uma nova categoria, ou seja, de menor em situao irregular, segundo Josiane Rose Petry

    Veronese14, como o menor de 18 anos abandonado materialmente, vtima de maus-tratos, em

    perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta ou autor de infrao penal. Este termo, assim, como o que acontece com o termo infrator, encontra-se carregado de potencialidade pejorativa e estigmatizante, inclusive, reportando-se ao sepultado Cdigo de Menores, pelo que, em linha com a advertncia de diversas pginas eletrnicas que divulgam

    os interesses e direitos da criana e do adolescente, dentre elas a pgina do Ciranda (www.ciranda.org.br), pontua-se que, o termo menor ser utilizado aqui com o objetivo de

    reproduzir com o mximo de fidelidade os textos e ttulos das obras utilizadas como referncia para elaborao deste trabalho. No site www.ciranda.org.br: ...utilizada como abreviao de menor de idade , fo i banida do vocabulrio de quem defende os direitos da

    infncia, pois remete doutrina da situao irregular ou do direito penal do menor, ambas revogadas... possui carga preconceituosa por quase sempre se referir apenas a crianas e

    adolescentes infratores ou em situao de risco...

    12 JESUS, Damsio Evangelista de. Comentrios ao cdigo penal: parte geral de acordo com a Lei n 7.209, de 11 de julho de 1984. So Paulo (SP): Saraiva, 1985, p. 476.13 Idem nota anterior.14 VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de direito da criana e do adolescente. So Paulo (SP): LTr. 1997, p. 11.

  • 22

    Paradigma: toda realizao reconhecida durante algum tempo por alguma

    comunidade cientfica especfica como proporcionando os fundamentos para sua prtica posterior. Assim, toda realizao cientfica ser considerada um paradigma, desde que possua duas caractersticas peculiares, quais sejam, no possuir precedentes e ser aberta.

    Paradigma Etiolgico: modelo cientfico jurdico-penal a que corresponde a concepo da criminologia como a busca das causas e fatores da criminalidade. Sobre a base do paradigma etiolgico a criminologia se converteu em sinnimo de cincia das causas da criminalidade. Com este paradigma surge e criminologia positivista, constituindo-se, pois, na

    base de toda criminologia tradicional. O paradigma etiolgico supe uma noo ontolgica da criminalidade, entendida como uma premissa pr-constituda s definies.

    Penologia: estudo da punio e dos mtodos similares do tratamento do crime, e, o

    problema da preveno criminal atravs de medidas no-punitivas.Princpio da Prioridade Absoluta: dever da famlia, da comunidade, da sociedade

    em geral e do Poder Pblico assegurar, com absoluta prioridade, a efetivao dos direitos

    referentes vida, sade, alimentao, educao, ao esporte, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e convivncia familiar e

    comunitria.Princpio da Proteo Integral: a criana e o adolescente gozam de todos os

    direitos fundamentais inerentes pessoa humana, restando-lhes assegurado, por lei ou por

    outros meios, todas as oportunidades e facilidades, ao desenvolvimento fsico, mental, moral, espiritual e social, em condies de liberdade e de dignidade, pelo que no sero objeto de

    qualquer forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade e opresso, punindo-se na forma da lei qualquer atentado, por ao ou omisso.

    Revoluo Cientifica: mudana descontnua caracterizada a partir de um estado de crise que ser resolvido quando surgir um paradigma inteiramente novo que atrai a adeso

    cada vez maior de cientistas at que o paradigma original seja abandonado, orientando, assim, a nova atividade cientfica normal. Uma mudana verdadeiramente revolucionria implica

    numa transio cientfica e ideolgica.Sujeito de Direito: ser sujeito de direito a titularidade, em perspectiva

    emancipatria, de ter direito a direitos. a subjetividade jurdica que se opera de forma aberta

    ampliando e angariando direitos, enquanto conquistas da humanidade, promovendo e

    protegendo os direitos mais comezinhos da personalidade humana.

  • CAPITULO I

    Perspectiva Epistemolgica: por um Paradigma Emancipatrio

    1. Identificao cientfica

    A histria poderia produzir uma transformao decisiva na imagem de cincia diversa da atual. E, assim, esboar um conceito de cincia diverso, pois haurido dos registros histricos da prpria atividade de pesquisa. Pois, apesar de a Histria da Cincia, preocupar-

    se com o registro dos aumentos sucessivos e dos obstculos que inibiram sua cumulao

    (idia de desenvolvimento-por-acumulao), no consegue mais, atravs de suas funes, distinguir o componente cientfico das observaes e crenas, ento, rotuladas de erro e

    superties. Em virtude disto, surgem profundas dvidas a respeito do processo cumulativo de contribuies individuais cincia. Estas dificuldades e dvidas ensejaram uma revoluo

    historiogrfica no estudo da cincia, nos moldes sugeridos por Thomas S. Kuhn15.

    O conhecimento - inclusive, o jurdico - algo que surge na vida social e fora dela no tem qualquer fundamento ou sentido. Mas, isto, como adverte Roberto Lyra Filho, no

    pode importar na simples identificao do conhecimento e do processo histrico. A essncia

    de todo conhecimento exigiria a mediao duma perspectiva cientfica, em que as imagens histricas se ponham em movimento, sem, contudo, submeter os fatos sociais a esquemas prvios e mecnicos. E preciso, pois, procurar a conexo necessria de fatos relevantes para se

    chegar cincia visada. Assim, qualquer hiptese de trabalho deveria ser formulada ao contacto dos processos sociais, num exame preliminar, inclusive, depois, submetida a

    pacientes e constantes verificaes metdicas16.

    15 KUHN, S. Thomas. A estrutura das revolues cientficas {The Structure o f Scientific Revolutions), traduo de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira; reviso de Alice Kyoto Miyashiro; produo de Ricardo W. Neves e Adriana Garcia. 5a ed., So Paulo (SP): Perspectiva, 1997.16 BARBOSA, Jlio Csar Tadeu, LYRA FILHO, Roberto e Prado Jr., Caio. O que liberdade. O que justia. O que direito. Coordenao Vanya SantAnna. So Paulo: Crculo do Livro, 1990 (Coleo Primeiros Passos - volume 16), p. 115-183. Segundo Roberto Lyra Filho, os modelos no passariam de arranjos duma primeira

  • 24

    Para tanto, torna-se necessrio a constituio de um instrumento avaliativo da

    prpria histria, cujos parmetros seriam capazes de revelar os importantes fatos histricos, motivo pelo qual, a instituio de uma sociologia histrica, disciplina mediadora, que constri, sobre o monte de fatos histricos, os modelos, que os arrumam (com a ressalva de emendas, ao novo contacto com o processo17), fundamental para a reconstituio cientfica

    apoiada, ento, numa perspectiva mais ampla, uma vez que as abordagens histrica e sociolgica so complementares e se escoram reciprocamente. Logo, toda histria realmente cientfica histria social; e toda sociologia realmente cientfica sociologia histrica18. De acordo com Thomas S. Kuhn, as implicaes da nova historiografia, atravs de critrios

    diferenciados - ou seja, de forma no-cumulativas de desenvolvimento para as cincias - e,

    com a apresentao da integridade histrica de dada cincia, a partir de sua prpria poca,

    possibilita uma nova imagem da cincia.

    o que pontua Alan F. Chalmers19, a partir do que Thomas S. Kuhn desenvolve,

    ao esclarecer ento que, uma teoria cientfica uma estrutura complexa de algum tipo de conhecimento, uma tentativa de fornecer uma teoria mais corrente com a situao histrica, com nfase no carter revolucionrio do progresso cientfico, e, o importante papel

    desempenhado pelas caractersticas sociolgicas das comunidades cientficas. E justamente por enfatizar os fatores sociolgicos que Thomas S. Kuhn se distingue dos demais epistemlogos falsificacionistas, como, por exemplo, Imre Lakatos e Karl Popper20. A Cincia

    Normal baseada no pressuposto de que a comunidade cientfica sabe como o mundo, suprimindo, pois, freqentemente, novidades fundamentais, porque estas subvertem

    necessariamente seus compromissos bsicos (elemento de arbitrariedade). Contudo, em no

    sendo possvel por muito tempo a supresso de novidades, iniciam-se as investigaes extraordinrias que conduzem a um novo conjunto de compromissos, a uma nova base para a

    prtica da cincia.

    abordagem, depois, deveriam ser conferidos e aperfeioados perante os fenmenos mesmos. Num procedimento circular, que entra no oficio histrico, trazendo hipteses e modelos, resultante de exame anterior, sobre o material acumulado, para submet-los, depois, ao crivo de novas verificaes, Marx e Engels faziam histria social, isto , voltavam Histria com a bssola duma sociologia.17 BARBOSA, Jlio Csar Tadeu, et alii. Op. cit. p. 150.18 BARBOSA, Jlio Csar Tadeu, et alii. Op. cit. p. 150. De acordo com Lyra Filho, a sociologia histrica est empenhada, sempre, em determinar a origem, os antecedentes das form as sociais, que no so desovadas no mundo por algum esprito criador ou lder excepcional, nem deduzidas pela inteligncia pura de algum terico de gnio.19 CHALMERS, Alan F. O que cincia afinal? So Paulo (SP): Brasiliense, 1993, p. 123.20 CHALMERS, Alan F. op. cit.

  • 25

    1.1. Cincia normal: o estabelecimento de um paradigma

    Segundo Thomas S. Kuhn21, cincia normal significa a pesquisa firmemente baseada em uma ou mais realizaes cientficas passadas. Essas realizaes so reconhecidas

    durante algum tempo por alguma comunidade cientfica especfica como proporcionando os fundamentos para sua prtica posterior. Assim, toda realizao cientfica ser considerada um

    paradigma, desde que possua duas caractersticas peculiares, quais sejam, no possuir precedentes - sem precedentes para atrair um grupo duradouro de partidrios, afastando-os de

    outras formas de atividade cientfica dissimilares - e, ser aberta - aberta para deixar toda espcie de problemas para serem resolvidos pelo grupo redefinido de praticantes da cincia. Desta forma, o estudo e compreenso do novo paradigma habilitam o estudante para o ingresso na comunidade cientfica, na qual, atuar no futuro.

    At porque, nenhum processo histrico natural pode ser interpretado na ausncia de pelo menos algum corpo implcito de crenas metodolgicas e tericas interligadas que permita a seleo, avaliao e a crtica. Se esse corpo de crenas j no est implcito na

    coleo de fatos precisa ser suprido externamente, talvez por uma metafsica em voga, por outra cincia ou por um acidente pessoal e histrico. A maior parte do trabalho cientfico

    normal produz um paradigma mais preciso, obtido com a eliminao de ambigidades consignadas na verso original utilizada. Um quebra-cabea o qualificativo daquela categoria particular de problemas que servem para testar nossa engenhosidade ou habilidade

    na resoluo de problemas, pois, um tal desafio se constitui numa importante motivao para

    o pesquisador22. Porm, toda cincia considerada normal no se prope a descobrir novidades

    no terreno dos fatos e da teoria.

    21 KUHN, S. Thomas. op. cit. p. 44: ...A cincia normal consiste na atualizao dessa promessa (promessa de sucesso de alguns paradigmas, em relao aos seus competidores, na resoluo de problemas reconhecidamente graves, segundo determinado grupo de cientistas), atualizao que se obtm ampliando-se o conhecimento daqueles fatos que o paradigma apresenta como particularmente relevantes, aumentando-se a correlao entreesses fa tos e as predies do paradigma e articulando-se ainda mais o prprio paradigm a .......operaes delimpeza ... o que chamo de cincia normal. . . . a pesquisa cientfica normal est dirigida para a articulao daqueles fenmenos e teorias j fornecidos pelo paradigma... (sic).22 KUHN, S. Thomas. op. cit. p. 59 e seguintes. Porm, um problema para ser qualificado como um quebra- cabea, deve possuir uma soluo assegurada, como, tambm, deve obedecer regras que limitam tanto a natureza das solues aceitveis como os passos necessrios para obt-las. o que leciona Kuhn, pois, a existncia dessa slida rede de compromissos ou adeses - conceituais, tericas, metodolgicas e instrumentais - uma das fontes principais da metfora que relaciona cincia normal resoluo de quebra-cabeas.

  • 26

    Contudo, fenmenos novos e insuspeitados so periodicamente descobertos pela

    pesquisa, decorrendo, pois, disto, que, constantemente, tem-se inventado teorias radicalmente novas. Thomas S. Kuhn afirma que as descobertas so episdios prolongados, dotados de uma estrutura que reaparece regularmente, e, iniciam-se com a conscincia da anomalia, com o

    reconhecimento de que, de alguma maneira, a natureza violou as expectativas paradigmticas que governam a cincia normal. A explorao da rea onde se deu a anomalia, apenas se encerra, quando a teoria do paradigma for ajustada, cnvertendo-se o anmalo no esperado, pelo que, a assimilao de um novo tipo de fato exige mais do que um ajustamento aditivo da

    teoria, pois, somente ser considerado, tal fato, completamente cientfico, quando o cientista

    tiver aprendido a ver a natureza de um modo diferente.

    A percepo da anomalia (de um fenmeno para o qual o paradigma no preparou

    o investigador) desempenha um papel essencial na preparao do caminho que permite a

    percepo da novidade. Uma mudana de paradigma resulta numa mudana nos procedimentos e nas expectativas da investigao cientfica. A conscincia prvia da anomalia, a emergncia gradual e simultnea de um reconhecimento tanto no plano conceituai

    como no plano da observao e a conseqente mudana - acompanhada por resistncia - das categorias e procedimentos paradigmticos, so traos de todas as descobertas das quais

    23emergem novos tipos de fenmenos .

    1.2. Falsificacionismo

    De acordo com Alan F. Chalmers24, uma teoria nova ser aceita como digna da

    considerao dos cientistas se ela for mais falsificvel que sua rival, e especialmente se ela prev um novo tipo de fenmeno no tocado pela rival. Pois, segundo o nominado autor para

    o falsificacionismo:

    23 KUHN, S. Thomas. op. cit. p. 77 e seguintes.24 CHALMERS, Alan F. op. cit. p. 64 a 124. Assim, uma hiptese, lei ou teoria para fazer parte da cincia, dever atender a uma condio fundamental para satisfazer o status de cientificidade, deve ser falsificvel. Esta exigncia - hipteses cientficas sejam falsificveis - possibilitaria a excluso de um conjunto de proposies de observao logicamente possveis, tomando, assim, uma lei ou teoria informativa. Uma lei considerada cientificamente boa se for falsificvel, e, resistir falsificao toda vez que for testada, pois quanto mais falsificvel for, em decorrncia de maiores afirmaes, oportunizar potencialmente a demonstrao da inadequao do mundo de fato com a sua descrio terica.

  • 27

    "... As teorias so interpretadas como conjecturas especulativas ou suposies criadas livremente pelo intelecto humano no sentido de superar problemas encontrados por teorias anteriores e dar uma explicao adequada do comportamento de alguns aspectos do mundo ou universo. Uma vez propostas, as teorias especulativas devem ser rigorosa e inexoravelmente testadas por observao e experimento. Teorias que no resistem a testes de observao e experimentais devem ser eliminadas e substitudas por conjecturas especulativas ulteriores. A cincia progride por tentativa e erro, por conjecturas e refutaes. Apenas as teorias mais adaptadas sobrevivem. Embora nunca se possa dizer legitimamente de uma teoria que ela verdadeira, pode-se confiantemente dizer que ela a melhor disponvel, que melhor do que qualquer coisa que veio antes. ... (sic).

    Destarte, quanto maior for o nmero de teorias conjecturadas, que so

    confrontadas pelas realidades do mundo, e quanto mais especulativas forem essas conjecturas,

    maiores sero as chances de avanos importantes na cincia. De igual maneira se d quanto a necessria preciso, pois quanto mais precisa a formulao de uma teoria mais falsificvel se toma, ainda que no se tome efetivamente falsificada, evidenciando a sua maturidade

    cientifica, ante sua resistncia em face dos testes aplicados. A cincia comea com problemas.

    Contudo, num contnuo processo de explicao do comportamento do mundo, intelectuais por suposies tericas de tudo falsificveis buscam as solues para tais problemas. Assim sendo, o conceito de progresso - crescimento - do conhecimento, um conceito fundamental para a explicao falsificacionista da cincia.

    O conceito de progresso, situa-se na eterna luta de superao ou de sucesso das hipteses falsificveis propostas como solues de problemas, mediante crtica e testes, sendo certo que, aquelas que resistirem sero bem sucedidas, para, ento, em seguida, ser por mais e

    mais vezes submetidas a testes cada vez mais rigorosos, inaugurando enfim um novo paradigma, o qual, por sua vez, tambm, indefinidamente ser colocado prova. A cincia progrediria pela proposta de conjecturas audaciosas, altamente falsificveis, como tentativas

    de resolver problemas, seguindo-se tentativas impiedosas de falsificar as novas propostas, e,

    assim, por diante.

  • 28

    Karl Popper - um falsificacionista assumido25 - esclarece que a tentativa de

    resolver um problema interessante por uma conjectura audaciosa, mesmo (e especialmente) se ela logo se revela falsa, pode favorecer o aprendizado com os erros, pois ao se descobrir que a

    conjectura era falsa pode-se ter apreendido muito sobre a verdade, e se ter chegado mais perto

    dela. Com efeito, sero assinalados avanos significativos pela confirmao de conjecturas audaciosas ou pela falsificao de conjecturas cautelosas. Os avanos significativos pela confirmao de conjecturas audaciosas sero informativos, constituindo importante contribuio ao conhecimento cientfico, pois assinalam a descoberta de algo novo, que era

    desconhecido ou considerado improvvel. A ousadia e a novidade so noes historicamente

    relativas, pois, uma conjectura audaciosa num determinado marco histrico da cincia, pode no ser assim considerado num marco posterior, e, ainda, apenas ser audaciosa se suas afirmaes forem improvveis luz do conhecimento prvio relevante da poca.

    O crescimento do conhecimento cientfico resultado da confirmao de uma conjectura audaciosa, ou, ento, da falsificao de uma conjectura cautelosa, contudo, a idia de conhecimento prvio relevante permite a verificao dessas duas hipteses ocorrerem

    simultaneamente como resultado de uma nica experincia. A atividade cientfica segundo os falsificacionistas deveria se preocupar com as tentativas de falsificar teorias estabelecendo a verdade de proposies de observao que sejam inconsistentes com elas. Entretanto, tais

    afirmaes restam superadas pelo fato de que as proposies de observao dependem da teoria e que todas as proposies de observao so falveis. Conseqentemente, uma

    proposio de observao falvel pode ser rejeitada e a teoria falvel com a qual ela se choca ser mantida, pelo que, falsificaes conclusivas e ou diretas de teorias, no so realizveis, uma vez que por mais seguramente baseada na observao uma afirmao possa se encontrar, possvel que novos avanos tericos revelem inadequaes.

    25 CHALMERS, Alan F. op. cit. p. 64 a 124. A essncia da posio de Popper sobre proposies de observao de que sua aceitabilidade aferida pela sua capacidade de sobreviver a testes. As proposies de observao, denominadas de afirmaes bsicas so aceitas como o resultado de uma deciso ou acordo, e nesta medida elas so convenes. Mas, Chalmers sugere a reformulao da posio de Popper, de maneira menos subjetiva, esclarecendo, ento, que, uma proposio de observao aceitvel, experimentalmente, se, num determinado estgio do desenvolvimento de uma cincia, ela capaz de passar por todos os testes tomados possveis pelo estado de desenvolvimento da cincia em questo naquele estgio. Em vista disto, uma teoria poder ser sempre protegida de falsificao, desviando, para tanto, a falsificao para alguma outra parte da complexa teia de suposies, ou seja, para o labirinto de suposies denominado de cinturo protetor.

  • 29

    As teorias devem ser consideradas como um todo estruturado, segundo Alan F.

    Chalmers, para quem, no estudo da histria da cincia, origina-se a necessidade de se considerar as teorias como estruturas, pois, s assim, pode-se melhor compreender as complexidades das principais teorias cientficas. Desta forma, constituindo-se as teorias como

    estruturas abertas, oferecem um programa de pesquisa orientativo para a investigao, preocupando-se com os dados empricos e os critrios cientficos. Em vista disto, Alan F.

    Chalmers esclarece que um programa de pesquisa tipicamente lakatosiano uma estrutura que fomece orientao para a pesquisa fiitura de uma forma tanto negativa quanto positiva.

    E, assim, conceitualmente, a heurstica tem um duplo escopo, ou seja, uma

    vertente positiva e outra negativa, seno, veja-se:

    ...A heurstica negativa de um programa envolve a estipulao de que as suposies bsicas subjacentes ao programa, seu ncleo irredutvel, no devem ser rejeitadas ou modificadas. Ele est protegido da falsificao por um cinturo de hipteses auxiliares, condies iniciais etc. A heurstica positiva composta de uma pauta geral que indica como pode ser desenvolvido o programa de pesquisa. Um tal desenvolvimento envolver suplementar o ncleo irredutvel com suposies adicionais numa tentativa de explicar fenmenos previamente conhecidos e prever fenmenos novos. Os programas de pesquisa sero progressivos ou degenerescentes, dependendo do sucesso ou fracasso persistente quando levam descoberta de fenmenos novos.... (sic)26.

    A heurstica negativa a exigncia de que, durante o desenvolvimento de dado

    programa de pesquisa, o ncleo irredutvel permanecer intacto e sem modificaes, caso

    contrrio se estar optando por sair deste programa de pesquisa especfico. Um programa de pesquisa ser considerado progressivo, quando for desenvolvido at um estgio em que no s ser apropriado submet-lo a testes de observao - confirmaes - mas, tambm, seja capaz

    de fazer previses novas que sejam confirmadas. Para tal desiderato, impe-se a adequao e sofisticao de um dado cinturo protetor, favorecendo assim o pleno potencial de dado programa de pesquisa. Diversamente, ser degenerescente, quando no obter tais sucessos.

    26 CHALMERS, Alan F. op. cit. p. 113.

  • 30

    1.3. Razo e a racionalidade

    O movimento racionalista gerado pelo Sculo das Luzes - sculos XVII e XVIII - em comunho com a Renascena, procurava uma Razo universal, vale dizer, atravs deste

    movimento cultural e intelectual (racionalismo: a nica fonte de todo conhecimento humano a razo), pretendia-se dominar pela razo a problemtica total do homem. Segundo Walter Brugger27, a razo humana julgou-se capaz de compreender de modo exaustivo a realidade e

    props-se transformar, de acordo com suas opinies, todas as esferas da vida, pondo de lado a histria. A razo seria, assim, uma atividade pensante que abstrai, compara e distingue, com o

    intuito de saber e de operar, formando, pois, conhecimento (humano) como um todo concreto, com as contribuies dos sentidos e do entendimento. O entendimento, segundo Immanuel Kant28, a faculdade dos conceitos e dos juzos, ou seja, uma faculdade no sensvel de

    conhecimento (modo negativo), como, tambm, no uma faculdade da intuio, portanto, o

    conhecimento de cada entendimento humano um conhecimento mediante conceitos, no intuitivo, mas discursivo. E justamente atravs dos conceitos que o entendimento faz seus julgamentos. Logo, pode-se reduzir todas as aes do entendimento a juzos (conhecimento

    mediato de um objeto, por conseguinte representao de uma representao do mesmo), de modo que o entendimento pode ser representado como uma faculdade de agir, ou mais, uma

    faculdade de pensar (O pensamento o conhecimento mediante conceitos).

    Diversamente, para George Wilhelm Friedrich Hegel29, o entendimento no vai

    alm dos conceitos abstratos, que se mantm fixos em si mesmos, pois, o conceito consiste apenas numa determinao abstrata do entendimento. No entanto, adverte o autor que, a forma concreta que o conceito se d ao realizar-se , para o conhecimento do prprio

    conceito, o segundo momento distinto de sua forma de puro conceito. Entretanto, o

    conhecimento humano, enquanto um todo concreto, forma-se com as contribuies no s do entendimento, mas, tambm, dos sentidos, alm certo, na realizao global da vida, das

    contribuies das potncias da vontade e do sentimento.

    21 BRUGGER, Walter. Dicionrio de filosofia. Traduo Antnio Pinto de Carvalho, 3a ed., So Paulo (SP): E.P.U. - Editora Pedaggica e Universitria, 1977, p. 223.28 KANT, Immanuel. Crtica da razo pura. Traduo Valrio Rohden e Udo Baldur Moosburger. So Paulo (SP): Abril Cultural, 1980, (Os Pensadores), p. 67-78.29 HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princpios da filosofia do direito. Traduo Norberto de Paula Lima, adaptao e notas Mrcio Pugliesi. So Paulo (SP). cone, 1997, p. 39.

  • 31

    Da a importncia do equilbrio destes elementos, pois, o racionalismo, por vezes,

    muito mais do que se manifestar como uma doutrina explcita, tambm, apresenta-se como30uma atitude psicolgica - no dizer de Walter Brugger , para quem - motivada pela

    disposio intelectual, pela ocupao predominante ou por outras causas, avaliando, pois, de maneira unilateral, o saber pelo saber, ao qual, aspira-se sem pressuposies, prescindindo do

    significado da vida ou dos fins da vontade. E, esta atitude psicolgica (racionalismo) olvida

    que todo saber, dirigido ao finito, como atividade parcial do homem dentro do conjunto de sua vida, no passa, em ltima instncia, de puro meio e, por isso mesmo, conduz a um labor investigatrio - talvez cientfico - infecundo e alheio prpria vida.

    A razo, assim, buscou libertar-se de toda pressuposio religiosa e metafsica,

    inclusive, sob a observao de Sigmund Freud31, entende-se possvel ao trabalho intelectual -

    racional, cientfico - conseguir um certo conhecimento da realidade do mundo, conhecimento atravs do qual se poderia aumentar o poder de organizar as diversas possibilidades de vida. Pois, diante da dificuldade de se descobrir qualquer coisa sobre a realidade - como adverte Sigmund Freud32 - no se deve desprezar o fato de que tambm as necessidades humanas so

    uma realidade e, na verdade, uma realidade importante, uma realidade que nos interessa

    especialmente de perto. No existe, pois, um significante primordial, ou seja, uma essncia verdadeira em si mesma do direito passvel de ser compreendida inteiramente pelo sujeito do

    conhecimento, atravs de um trabalho estritamente racional, haja vista que, tal reducionismo - de inspirao jusnaturalista ou juspositivista - apenas identificaria o direito com uma das

    dimenses que o habitam, excluindo, assim, todo o resto para fora do campo jurdico33.

    Na verdade, no h nenhum estatuto epistemolgico do Direito em si, objetivamente existente e j dado, no qual se esgotasse, em ltima instncia, todo o mbito

    possvel da verdade sobre o ser do Direito - o estatuto do Direito no independente das leituras que sobre ele se faam34.

    30 BRUGGER, Walter. op. cit. p. 346-348.31 FREUD, Sigmund. O futuro de uma iluso, traduo de Durval Marcondes et alii. So Paulo (SP): Abril Cultural, 1978 (Os Pensadores), p. 124-128.32 FREUD, Sigmund. op. cit.33 MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. Subsdios para pensar a possibilidade de articular Direito e Psicanlise. In Direito e neoliberalismo: elementos para uma leitura interdisciplinar. Curitiba (Pr): EDIBEJ, 1996, p. 17-38.34 MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. A importncia do Direito no Brasil de Hoje. Aula Inaugural dos Cursos da Universidade Federal do Maranho no ano de 1993. So Lus (MA): EDUFMA, 1993, p. 8; in op. cit., p. 30.

  • 32

    1.4. Interdisciplinaridade

    A especializao cada vez maior, em certos momentos, tem conseguido o feito de tomar o especialista num sabedor de coisa nenhuma, uma cegueira intelectual que muito mais

    do que evidenciar a morte da vida, revela uma razo irracional - de acordo com Hilton Japiassu35. O conhecimento interdisciplinar, segundo o autor, apresenta-se como um princpio novo de reorganizao epistemolgica das disciplinas cientficas e de reformulao das

    estruturas pedaggicas de seu ensino. o que se pode certamente acontecer com o estudo

    deste novel direito da criana e do adolescente que, na verdade, para ser efetivamente compartilhado deve necessariamente ser desenvolvido a partir de uma experincia

    interdisciplinar, participativa e plural.

    No entanto, o conhecimento no ser uma srie de teorias coerentes, a convergir para uma doutrina ideal, e, nem se caracterizar por uma gradual aproximao da verdade, ser, sim, antes de tudo um oceano de alternativas mutuamente incompatveis, e, talvez, at mesmo incomensurveis. Em virtude disto, a tarefa do estudioso no mais buscar a

    verdade, isto apenas um dos efeitos colaterais de uma atividade cientfica. A proliferao de teorias benfica para a cincia, ao passo que a uniformidade lhe debilita o poder crtico - no sentir de Paul Feyerabend36, para quem - esta uniformidade ameaa o livre desenvolvimento da pessoa, uma vez que a variedade de opinies necessria para o conhecimento objetivo. E um mtodo que estimule a variedade o nico mtodo compatvel

    com a concepo humanitarista.

    Pois, o direito da criana e do adolescente deve seguir uma nova estratgia de desenvolvimento do conhecimento, no mais restringido pela singularidade e ou

    especialidade, mas, diversamente, pelo travejamento interdisciplinar a comear pelo mbito internacional, (re) fundando, assim, um conhecimento prprio com categorias particulares,

    mas orientado pela repartio epistemolgica.

    35 JAPIASSU, Hilton. Questes epistemolgicas. Rio de Janeiro (RJ): Imago, 1981, p. 80 e ss.36 FEYERABEND, Paul. Contra o Mtodo (Against Method). Traduo de Octanny S. da Mota e Lenidas Hegenberg. 2a ed., Rio de Janeiro (RJ): Francisco Alves, 1977, p. 45 e ss. Segundo o autor, a relevncia e o carter refiitador dos fatos decisivos s podem ser verificados com o auxlio de outras teorias que, embora factualmente adequadas, no esto em concordncia com a concepo a ser submetida a teste.

  • 33

    Para tal desiderato, como assevera Hilton Japiassu, imprescindvel a complementaridade dos mtodos, dos conceitos, das estruturas e dos axiomas sobre os quais

    se fundam as diversas prticas cientficas. E, quando se fala da implicao do sujeito em sua prtica terica interdisciplinar, propriamente do desejo de que se est falando, de um desejo de transitar pelos interstcios, por assim dizer, desejo em seu carter processual, de

    inveno de possibilidades de vida31. Pois, justamente atravs desta nova dimenso

    interpretativa que se pode (re) discutir a fundamentao da personalidade jurdica, a (re) significao do sujeito do direito, que, a partir da psicanlise, inscreve a subjetividade humana

    como um ponto de suporte inafastvel e ponto que deve ser perpassado por significaes38. A psicanlise surge como uma defesa do indivduo, do ser que lhe habita, que sofre dor, tanto

    decorrente de iniqidades da sociedade como da natureza.

    E, assim, o sujeito repleto de objetos do querer - vontade, desejo - desumaniza-se, perdendo-se em crculos por perder-se mesmo a noo de transcendncias, negando-se, pois, a reconhecer a existncia de realidades maiores que j esto l, subjacentes ou supervenientes,

    intuveis e apreensveis, incognoscveis de modo ltimo39. O dogmatismo de um saber definitivo, regularmente, acobertado pela etiqueta objetivo ou pelo rtulo verdadeiro, segundo Hilton Japiassu40, constitui-se num dos sintomas mais evidentes de uma cincia em estado de agonia. E, justamente isto que ultimamente vem acontecendo com a dogmtica jurdico- penal, instrumental que rotineiramente vem sendo utilizado pela racionalidade lgica do Estado brasileiro no s para o ilusrio controle da violncia, mas, sobremodo, para a

    manuteno ideolgica de planos e objetivos de governo no confessveis.

    O processo de construo deste novel direito da criana e do adolescente deve ser orientado pelo matiz da interdisciplinariedade, vale dizer, pela imprescindibilidade da

    conjugao de conhecimentos - no sentir de Josiane Rose Petry Veronese41.

    37 ROLNIK, Sueli. As asas do desejo, o cinema-vo. in Folhetim, Jornal Folha de So Paulo, 11 de maro de 1989, apuei MARQUES NETO, Agostinho Ramalho. op. cit. p. 22.38 PHILIPPI, Jeanine Nicolazzi. Direito e psicanlise, in ARGELO, Katie Silene Cceres. Direito e democracia, Florianpolis (SC): Obra Jurdica, 1996, (Letras Contemporneas), p. 123-146.39 SANDLER, Paulo Csar. Apreenso da realidade psquica, vol. II: os primrdios do movimento romntico e a psicanlise. Rio de Janeiro (RJ): Imago, 2000, p. 025.40 JAPIASSU, Hilton. op. cit. p. 81.41 VERONESE, Josiane Rose Petry. Temas de direito da criana e do adolescente. So Paulo (SP): LTr, 1997, p. 9 e ss. Segundo a autora. ...O novo Direito da Criana e do Adolescente se constri com vistas ao Direito

  • 34

    E, assim, no s considerando os demais ramos do direito, mas, tambm, o

    entrelaamento com outras reas do conhecimento, como, por exemplo, a sociologia, a psicologia, a psiquiatria, a criminologia, a histria, a poltica, dentre outras, pode-se melhor compreender o movimento de passagem e mudana paradigmtica que se vem operando na seara da infncia e da juventude. De acordo com a autora, do direito tutelar, caracterizador da

    doutrina da situao irregular, para um direito protetor-responsabilizador, da doutrina da

    proteo integral.

    O humanismo dialtico enquanto teoria crtica do direito possibilita um dilogo

    interdisciplinar capaz de construir, de forma compartilhada, em perspectiva emancipatria, esta nova dimenso jurdica assecuratria (protetiva) e promocional dos direitos da criana e do adolescente. Pois, segundo Mauro Almeida Noleto42, uma tal teoria localiza o aparecimento histrico desta nova identidade social coletiva foijada mesmo no seio da teoria

    dos Direitos Humanos.

    Desta forma, no processo de formao (identitrio) e de reconhecimento (verificatrio) das novas identidades sociais, vale dizer, de subjetividades, constata-se que os

    conceitos jurdicos sobremodo na seara da infncia e da juventude sofreram uma mudana

    radical na (re) definio de seus contedos e, isto se operou, em virtude mesmo, da interdisciplinariedade, pois, prova que essas novas concepes so oriundas da conjugao de idias com os outros campos do conhecimento. At porque, como assevera Mauro Almeida Noleto, as novas formas de representao identitria passam necessariamente por radicais

    alteraes no seu significado.

    Internacional Pblico e Privado, ante os Tratados e as Convenes Internacionais; ao Direito Constitucional, que no caso brasileiro, defere absoluta prioridade criana e ao adolescente; ao Direito Civil, Penal, Trabalhista, Processual e, ainda, certas leis extravagantes, com a Lei da Ao Civil Pblica, imprescindvel em se tratando da tutela dos interesses difusos... (sic). No mais, acrescente-se a esta passagem a importante questo hoje discutida aps o advento da Lei de Responsabilidade Fiscal - Lei Complementar sob n 101, de 04 de maio de 2000 - a qual regulamenta a execuo oramentria de polticas pblicas, vinculando-as perspectiva fiscal, seno, sob o vis administrativo-economicista, que, por vezes, tem restringido, quando, no, suprimido, a efetiva implementao de direitos fundamentais da pessoa, em nome de uma suposta responsabilidade e transparncia pblica administrativa.42 NOLETO, Mauro Almeida. Subjetividade jurdica: a titularidade de direitos em perspectiva emancipatria. Porto Alegre (RS): Safe, 1998, p. 161 e ss. O dilogo interdisciplinar, segundo o autor, possibilita o surgimento de novos estudos sobre a capacidade constituinte de criao de novas pautas de organizao social, a partir das experincias de exerccio da cidadania participativa. A ao social transformadora e criativa dos operadores jurdicos, deriva da discusso acerca da hermenutica material como forma de superao do paradigma exegtico de interpretao e aplicao do direito, constituindo um processo compatvel com a dialtica social do direito, ma a ela necessrio. Assim, observa-se que o processo hermenutico tem por base os Direitos Humanos, enquanto pautas histricas de realizao democrtica e de emancipao social.

  • 35

    Com efeito, pode-se afirmar que a doutrina da proteo integral uma nova

    instncia terica (teoria da subjetividade) que oferece um critrio de verificao (identificao) dos direitos e interesses mais comezinhos da personalidade humana deste

    emergente grupo social constitudo por crianas e adolescentes cuja natureza essencialmente protetiva e emancipatria decorrncia direta da cultura histrico-social dos Direitos

    Humanos.

    2. Emergncia do novo

    A comunidade cientfica, atendo-se a um nico paradigma - suposies tericas gerais e de leis e tcnicas para a sua aplicao - estrutura a atividade desorganizada que precede a formao da cincia (pr-cincia). Assim, os cientistas que trabalham dentro daquele nico paradigma, praticam cincia normal. Os cientistas normais ao desenvolverem

    aquele nico paradigma experimentaram dificuldades e encontraram falsificaes, entretanto, caso tais dificuldades se tomem incontrolveis, surgir um estado de crise, a qual, ser resolvida quando surgir um paradigma inteiramente novo, atraindo, desta maneira, a adeso cada vez maior de cientistas at que o paradigma original seja abandonado. A esta mudana

    descontnua, denominou-se de revoluo cientfica. O novo paradigma repleto de promessas e sem dificuldades insuperveis, passa ento a orientar a nova atividade cientfica normal -

    nova cincia normal43 - at que encontre problemas srios e enseje uma outra revoluo (nova

    crise).

    Uma anomalia ser considerada sria, enquanto fator adicional a influenciar o comeo de uma crise, ou quando atacar os fundamentos de um paradigma e resistir

    persistentemente (critrio do perodo de tempo, para sua seriedade), s tentativas de remoo

    de uma dada comunidade cientfica normal; ou quando forem importantes para alguma necessidade social urgente. Em conseqncia dos srios problemas causados a um paradigma por anomalias, segue-se acentuada insegurana profissional, at o aparecimento de um

    paradigma rival, diferente e incompatvel com o originrio. Thomas S. Kuhn compara as

    revolues cientficas s revolues polticas, pelo que, deve existir um certo nmero de motivos inter-relacionados, e, no, apenas um critrio nico, para o julgamento do mrito de

    um paradigma.

    43 CHALMERS, Alan F. op. cit. p. 129 a 133.

  • 36

    Pois, em seguida, opera-se a mudana de adeso dos cientistas de um para outro

    paradigma, no se tendo disso um argumento puramente lgico que efetivamente demonstre a

    superioridade de um sobre o outro paradigma, que, obrigue um cientista racional a mudar. Uma revoluo cientfica, segundo Alan F. Chalmers44, corresponderia ao abandono de um paradigma e adoo de um novo, no por um nico cientista somente, mas pela comunidade

    cientfica relevante como um todo - em que pese reconhecer a existncia de uns poucos

    dissidentes, excludos da nova comunidade cientfica.

    No entanto, aqui, preciso fazer um corte epistemolgico e situar precisamente a

    funo que se quer (re) significar da cincia, seno, do compromisso humanitrio de um conhecimento rigoroso. E justamente por isso que se deve pontuar o novo papel que se

    espera de uma instncia crtica, vale dizer, de uma teoria ou doutrina, seja ela meramente cientfica ou no - segundo o modo feyerabendniano - o qual, assim, consiste em questionar

    os conhecimentos cientficos estabelecidos como verdades absolutas, para que se desalienem, desvelem, acima de tudo, os sistemas de controle e manipulao que se operam em vrios nveis, ou seja, desde a escolha de termos utilizados pelos idelogos desta racionalidade para definir suas atividades - como, por exemplo, ocorreu no sepultado Cdigo de Menores, e,

    nas palavras menor, infrator, desajustado, delinqncia juvenil, dentre outras, carregadas, pois, de significao cognitiva estigmatizante - at a realidade das conseqncias imprevistas decorrentes destes progressos - de acordo com a idia de cincia crtica para

    Hilton Japiassu45.

    Com efeito, todo empreendimento educacional, toda cincia, todo trabalho acadmico, todo estudo rigoroso, toda tecnologia, enfim, toda forma de conhecimento deve

    resgatar o carter libertrio e emancipatrio, e, no diversamente se transformar numa nova religio, ento, comungada atravs de um novo evangelho: o Evangelho da Cincia. Pois, todo

    projeto que a isto se destinar apenas tender a constituir e empregar novas tecnolgicas de opresso, instituindo formas novas e eficazes de controle social, e, dissolvendo importantes questes scio-polticas - como, por exemplo, a excludente e injusta desigualdade social - em problemas tcnicos que apenas poderiam ser resolvidos por experts46.

    44 CHALMERS, Alan F. op. cit. p. 132.45 JAPIASSU, Hilton. op. cit. p. 77 e ss.46 JAPIASSU, Hilton. op. cit. p. 77 e ss.

  • 37

    2.1. Processo histrico-social

    A emergncia do novo como decorrncia prpria da conjugao interdisciplinar de

    idias e experincias, na seara da infncia e juventude assume importncia fundamental, pois,

    precisamente a partir desta sistemtica interdisciplinar que se toma possvel estimar o jurdico atravs do no-jurdico, devendo-se, ento, situar o papel histrico e mutvel das prticas e discursos cientficos em sua vida social e poltica. Toda forma de conhecimento - e principalmente o cientfico em virtude da objetividade perseguida - no pode mais obedecer

    nica e exclusivamente aos seus prprios imperativos e nem seu desenvolvimento pode apenas ser comandado unicamente por sua prpria lgica interna, pois, isto - segundo Hilton Japiassu47 - por si s j mascara as relaes entre as exigncias especficas do conhecimento e

    a vida social. O conhecimento jurdico, assim, algo que surge na vida social e fora dela no

    tem qualquer fundamento ou sentido. Em vista disto, toma-se necessria a especulao do que seja esta nova forma de conhecimento: o direito da criana e do adolescente, segundo a orientativa internacional da doutrina da proteo integral, ento, proveniente da cultural histrico-social dos Direitos Humanos. E isto se d a partir mesmo da abordagem sociolgica,

    atravs da qual, possvel evidenciar os pontos de integrao do fenmeno jurdico na vida social e mesmo a sua essncia verdadeira, distintiva dos demais fenmenos.

    Ademais, pode-se dizer que o conhecimento no se limita apenas ao aspecto

    interno do processo histrico, mas, tambm, sofre influncias dos movimentos internacionais,

    os quais, inclusive, definem padres de atualizao jurdica. Pois, toda sociedade observvel inclui em si, uma multiplicidade de grupos particulares, vale dizer, a sociedade global possui um complexo de unidades reais coletivas, ou seja, um macrocosmo de grupos onde cada qual

    exprime um microcosmo de formas de sociabilidade, dentre eles, a ordem e sistema jurdicos.

    A trama da vida social de aspecto macrofisico complexo, peculiariza-se por um pluralismo bsico, at porque - segundo Gurvitch48 esses grupos cruzam-se e delimitam-se uns aos outros, unem-se e opem-se, organizam-se ou ficam difusos, formam blocos macios ou

    dispersam-se.

    47 JAPIASSU, Hilton. op. cit. p. 77 e ss. De acordo com o autor, a partir do momento em que o conhecimento cientfico dos fatos bastar-se a si mesmo, cai no dogmatismo e perde sua dimenso crtica.48 GURVITCH, Georges. Sociologia Jurdica. Prefcio da edio americana de Roscoe Pound. Traduo e prefcio da edio brasileira de Djacir Menezes. Rio de Janeiro (RJ): Kosmos, p. 268 e ss.

  • 38

    Logo, os grupos particulares so os elementos constitutivos de toda sociedade global, a qual, empresta-lhes a caracterstica histrica. Na verdade, uma possvel sntese jurdica, abrangedora do aspecto jurdico no processo histrico-social, em sua totalidade e

    transformaes, possuiria um vetor histrico-social, resultante do estado do processo,

    indicando o que se pode ver, a cada instante, como direo do progresso da humanidade na sua caminhada histrica - muito a gosto de Roberto Lyra Filho49, para quem - essa resultante final se (re) insere, imediatamente, no processo mesmo, uma vez que a histria no pra.

    Conquanto, justamente no processo histrico - situaes histrico-concretas -

    das formaes sociais que se encontra o fundamento dos diversos movimentos emancipacionistas, e, como no poderia deixar de ser, que, tambm, influenciam a

    constituio do microcosmo jurdico.

    As grandes fases da histria apresentam-se como superposies que se imbricam como telhas, e no como sucesso de estruturas e modelos50. E, assim, o direito, enquanto ordem jurdica que encontra raiz na ordem social vive cada momento a seu tempo. E, em cada

    momento, em que o direito se desvanece em outros novos, pode-se muito bem encontrar trechos do passado e caminhos de futuro, vale dizer, tendncias diante da emergncia do novo que surge no seio da prpria sociedade. A realidade histrica surgiria, assim, como a capacidade que cada um possui de acumular conhecimentos.

    O estudioso do direito deve resgatar-se do campo de concentrao da dogmtica, permanentemente absolutizada como que outros espaos do conhecimento no lhe atingissem, ante a justificao de que se encontram em horizontes inseguros. Bem por isso, deve optar pela base social, pois no plano dos acontecimentos sociais, inclusive, jurdicos, h sempre

    uma manifestao sub specie histrica e, assim, na abordagem do passado, do presente e do futuro, as explicaes jurdicas ou metajurdicas esto conectadas com a histria51.

    49 BARBOSA, Jlio Csar Tadeu, et alii. Op. cit., p. 115 e ss. Segundo Roberto Lyra Filho, os modelos no passariam de arranjos duma primeira abordagem, depois, deveriam ser conferidos e aperfeioados perante os fenmenos mesmos. Num procedimento circular, que entra no oficio histrico, trazendo hipteses e modelos, resultante de exame anterior, sobre o material acumulado, para submet-los, depois, ao crivo de novas verificaes, Marx e Engels faziam histria social, isto , voltavam Histria com a bssola duma sociologia.50 VOVELLE, Michel. Ideologias e pensamentos. (Idologies et mentalits). Traduo de Maria Jlia Goldwasser. So Paulo (SP): Brasiliense, 1987, p. 273.51 SANTOS, Grson Pereira dos. Do passado ao futuro em direito penal. Porto Alegre (RS): Safe, 1991, p. 16.

  • 39

    Nesta mesma linha, sugere Srgio Paulo Rouanet52 a proposta de escovar a histria

    a contrapelo, reivindicando, com isto, a instaurao de um neo-iluminismo, racional e crtico. Segundo o autor: A ilustrao se propunha criticar todas as tutelas que inibem o uso da razo e julgava possvel faz-lo a partir da prpria razo. Ela tinha dois vetores: a crtica e a razo.

    O novo iluminismo assume como prprios esses dois vetores. Ele ao mesmo tempo crtico e racional. Uma crtica que no seja racional ou uma razo que no seja crtica no podem ser consideradas iluministas. Em decorrncia disto, pode-se concluir com Grson Pereira dos Santos que a compreenso histrica no suprflua nem descartvel, pois, rejeit-la importa

    num distanciamento cultural equvoco, ainda porque a cincia continua por ser um projeto incompleto, um processo in fieri.

    A tendncia atual resgatar o aprofundamento dialtico, reinventando um lugar

    diverso dos programas coerentes de ao e de reorganizao social, sob pena de retomar

    circular e de forma viciada a idia de ordenao, conformismo e agitao sem objetivo. Pois, apesar da necessidade de certa fora de coeso para se formar uma dada estrutura social, no menos necessrio, porm, desvelar que, para alm da existncia de uma ordem -ponto real

    de aglutinao53 - na estrutura social, h uma origem e um destino desta tal ordem, uma vez que no se pode mais admitir a legitimidade presumida de uma tal ordem.

    Com efeito, os diversos problemas sociais e seus correlativos aspectos jurdicos no se limitam apenas anlise de um sintoma isolado, pois, tal concepo, redunda na viso

    utpica, seno, ilusria de se pensar que, modificando ou mesmo aparentemente solucionando parcela nfima das desgraas sociais, toda a questo social e, de roldo, tambm, a jurdica,

    estaria resolvida. A tarefa a realizar, segundo Roberto Lyra Filho54, numa viso da dialtica social do direito, exige a (re) criao constante de um modelo sociolgico dialtico, que, no

    processo de (re) constituio dos objetivos, metas e estratgias do Estado, no exclua as massas, para que, com isto, diminua a lacuna histrica entre Estado e Sociedade. E este sim um dos maiores desafios do direito, na atualidade, em face da constrangedora realidade

    brasileira.

    52 ROUANET, Srgio Paulo. As razes do iluminismo. So Paulo (SP): 1987, p. 31, in SANTOS, Grson Pereira dos. Do passado ao futuro em direito penal. Porto Alegre (RS): Safe, 1991, p. 16.13 BARBOSA, Jlio Csar Tadeu. et alii. Op. cit. p. 160.5'1 BARBOSA, Jlio Csar Tadeu. et alii. Op. cit.

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    Pois, muito mais do que conferir historicamente a legalidade das conquistas

    democrticas alcanadas, declaradas e defendidas, hodiemamente, assenta-se na ao concreta (efetividade) a legitimidade que todo processo histrico possa ensejar na elaborao jurdica.

    Assim, como se refere Antnio Carlos Mazzeo, o aspecto formal no pode se dissociar de seu

    contedo elevado sua expresso concreta55.

    A primeira atitude crtica a de humildade, devendo-se, pois, reconhecer a variedade d