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Carla Maria de Souza Cegueira, Estigma e Preconceito: percepção de professores cegos sobre o tema Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós- Graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro Teologia e Ciências da PUC-Rio Orientador: Prof. Marcelo Sorrentino Co-Orientadora: Profª. Giovanna Marafon Rio de Janeiro Julho de 2016

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Carla Maria de Souza

Cegueira, Estigma e Preconceito: percepção de professores cegos sobre o tema

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro Teologia e Ciências da PUC-Rio

Orientador: Prof. Marcelo Sorrentino Co-Orientadora: Profª. Giovanna Marafon

Rio de Janeiro

Julho de 2016

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Carla Maria de Souza

Cegueira, Estigma e Preconceito: percepção de professores cegos sobre o tema

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação do Departamento de Educação do Centro Teologia e Ciências da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Marcello Sorrentino

Orientador

Departamento de Educação – PUC-Rio

Profª Giovanna Marafon

Co-Orientadora

Faculdade de Educação da Baixada Fluminense – UERJ

Profª Vera Maria Ferrão Candau

Departamento de Educação – PUC-Rio

Profª Marcia Oliveira Moraes

Departamento de Psicologia – UFF

Profª Monah Winograd Coordenadora Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas

PUC-Rio

Rio de Janeiro, 18 de julho de 2016

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo

integral ou parcial deste trabalho sem autorização expressa da

autora, da universidade e de seu orientador.

Carla Maria de Souza

Graduou-se em Letras-Português/Literatura pela Universidade do

Estado do Rio de Janeiro (1992). Tem pós-graduação lato sensu em

Literatura Brasileira pela UERJ (1992). Foi professora da Rede

Municipal de Ensino. Atualmente é professora de Ensino Técnico e

Tecnológico do Instituto Benjamin Constant.

Ficha catalográfica

Souza, Carla Maria de

Cegueira, estigma e preconceito : percepção de

professores cegos sobre o tema / Carla Maria de Souza ;

orientador: Marcelo Sorrentino ; co-orientadora: Giovanna

Marafon. – 2016.

150 f. ; 30 cm

Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do

Rio de Janeiro, Departamento de Educação, 2016.

Inclui bibliografia

1. Educação – Teses. 2. Cegueira. 3. Preconceito. 4.

Professores. 5. Instituto Benjamin Constant. I. Sorrentino,

Marcelo. II. Marafon, Giovanna. III. Pontifícia Universidade

Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Educação. IV.

Título.

CDD: 370

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A meus alunos para quem desejo uma sociedade mais disponível

para receber o outro como um ser humano, sem rótulos ou atribuições

preestabelecidas.

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Agradecimentos

Agradeço, em primeiro lugar, a meus pais por terem apoiado sempre minhas

decisões, estimulando-me mesmo quando não concordavam comigo, na certeza de

que eu era capaz de fazer minhas escolhas e suportar as consequências.

A Yedda Prudêncio Martins, professora de grande sabedoria e sensibilidade que,

ao perceber que as janelas de meus olhos se fechavam para os estímulos visuais,

abriu-me as portas de um caminho cheio de maravilhas com o Sistema Braille.

A Maria Adelaide Azevedo Gomes, que, sempre disponível com seus olhos e sua

voz, desvendou para mim os textos que não se convertiam pelo computador às

minhas primas Renilda e Caroline que, em muitos momentos, foram fundamentais

para a realização deste trabalho.

Aos meus colegas do Instituto Benjamin Constant, cegos e videntes. Os primeiros

pela disponibilidade para responder às entrevistas, para as observações e pela

confiança depositada em mim; os segundos pelo auxílio nas observações, pelo

incentivo e força durante estes dois anos.

A Ana Paula Souza e Raquel Chagas da DDI pela disponibilidade e presteza no

auxílio aos que vão à busca de apoio em suas pesquisas.

Ao pessoal do GECEC com os quais aprendo a cada encontro.

Para minha turma do mestrado, agradecimentos especiais: Dimas, nossas tardes de

estudo na Pastoral foram fundamentais para que eu tivesse os instrumentos de que

tanto precisava para me desenvolver no curso.

Carolina Barroca e Rômulo, verdadeiros anjos no meu caminho, parceiros de

verdade. O estímulo a crítica sem agressão os companheirismos estão

representados em vocês.

Cintia, as contingências da vida acabaram por nos afastar um pouco, porém sei

que você sempre torceu por mim da mesma forma que sempre torci por você. Na

fase mais difícil, o início do curso, sua força foi muito importante.

Jéssica, Roberta e Élio, como não se contagiar com a alegria de vocês e, ao

mesmo tempo, não amá-los por estarem sempre atentos a todos buscando ser

gentis sempre?

Larissa sempre assertiva e firme. Todos precisamos um pouco de criaturas como

você.

Érica, eu é que te admiro muito por ser tão doce sempre. Muito obrigada por fazer

parte da minha vida!

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Rosa, Lili, Carol Gonçalves, Calu, João, Elisa, Renata, Ângela, ainda somos uma

turma e, cada um à sua maneira deixou suas marcas nas vidas uns dos outros.

Agradeço a Frances e Waldívia da Sociedade Pró-Livro-Espírita em Braille

(SPLEB) pelo material produzido sempre a tempo dando-me o suporte necessário.

A Alina Yukari pelo empenho e colaboração nas pesquisas quando meus

conhecimentos de informática limitados pediam socorro.

Agradeço aos professores da PUC com quem muito aprendi inclusive no quesito

respeito, desde a minha chegada à universidade até hoje.

Ao pessoal do NAIPD (Núcleo de Apoio à Inclusão da Pessoa Deficiente) que

buscou os instrumentos possíveis para me assessorar.

Aos demais funcionários sempre disponíveis.

Aos membros da banca, Marcelo e Márcia que, de alguma forma, também

influenciaram na construção deste trabalho.

Aos meus orientadores, Marcelo Sorrentino e Giovanna, pela paciência pelos

ensinamentos, pela confiança e por sempre acreditarem que eu podia mais do que

eu mesma acreditava, exigindo-me sempre para que o trabalho ficasse sempre

melhor.

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Resumo

Souza, Carla Maria de; Sorrentino, Marcelo; Marafon, Giovanna. Cegueira

Estigma e Preconceito: percepção de professores cegos sobre o tema.

Rio de Janeiro, 2016. 150p. Dissertação de Mestrado – Departamento de

Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Esta pesquisa analisou a percepção de professores cegos sobre o preconceito

e o estigma ligados à condição da cegueira. Para isso, contou com o Instituto

Benjamin Constant (IBC) como campo de pesquisa, entrevistou professores cegos

dessa instituição e observou estes professores em atividades como: aulas

ministradas, reuniões assistidas, festividades institucionais, encontro de

professores na hora das refeições. Constatou ainda a importância de professores

cegos na vida de alunos cegos. A pesquisa de campo foi realizada por mim,

professora cega, contando com registros sonoros e observações diretas em sala de

aula. Foram entrevistados 17 professores que correspondem ao total de

professores cegos da instituição excluindo-se a pesquisadora. Os referenciais

teóricos principais foram Goffman, Martins e Belarmino. Constatou-se na

pesquisa o peso do estigma na percepção dos sujeitos nela envolvidos, o valor de

um professor cego na trajetória da maior parte deles, bem como as diferentes

formas de agir diante do preconceito.

Palavras-chave

Cegueira; Preconceito; Professores; Instituto Benjamin Constant.

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Abstract

Souza, Carla Maria de; Sorrentino, Marcelo; Marafon, Giovanna.

Blindness, stigma, and prejudice from the perspective of blind teachers.

Rio de Janeiro, 2016.150p. MSc. Dissertation - Departamento de Educação,

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

This research analyzed the perceptions of blind teachers regarding the

prejudice and stigma related to the condition of being blind. To that end, the

Benjamin Constant Institute (IBC) was selected as the fieldwork site in order to

interview and observe blind faculty members during classes, meetings, festivities,

and daily activities. This dissertation has also investigated the role blind teachers

play on blind students' lives. Fieldwork was conducted by myself, a blind IBC

teacher, making use of sound recordings and direct observations. Using Goffman,

Martins, and Belarmino as its main theoretical references, this research hás

focused on the stigma experienced by the blind IBC teachers, the importance of

contact with other blind teachers in their own trajectories, and their different

strategies in dealing with prejudice.

Keywords

Blindness; Prejudice; Blindteachers; Benjamin Constant Institute.

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Sumário

1. Como surgiu o tema 13

1.1. Pelo direito de ser cega 13

1.2. A Pesquisa 20

1.3. A Metodologia 22

2. No campo da pesquisa, percepções e descobertas 26

2.1. A História 26

2.2. Relações entre cegos e videntes hoje 32

2.3. Grupos, linhas de pensamento e correntes na instituição 40

2.3. O Lugar do Professor Cego 44

3. Conceitos 52

3.1. A Cegueira e a história 52

3.2.Valor da Visão 62

3.3. Estigma 68

3.3.1. Estigma Segundo Goffman 68

3.3.2. Bengala e braille, elementos de estigmatização ou identificação? 78

3.4. Estereótipo 87

3.5. Preconceito 90

3.5.1. Superproteção e preconceito 92

3.6. Exclusão 96

3.6.1. Exclusão escolar 97

3.6.2. Exclusão social 105

4. As Falas dos professores cegos no IBC 108

4.1. Situações que mereceram destaque na infância 108

4.2. Compreensão da condição de pessoa cega 112

4.3. O indivíduo cego e outros cegos 115

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4.4. Situações de preconceito vivenciadas 121

4.5. Opinião dos professores sobre o trabalho realizado na escola 127

4.5.1. Autonomia 127

4.5.2 O que transmitir aos alunos? 131

4.5.3. Esperando pelo outro 134

4.6. Características do discurso 139

5. Considerações finais 141

6. Referências bibliográficas 144

Anexo A - Modelo de entrevista 147

Anexo B – termo de consentimento livre e esclarecido 149

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Lista de siglas

ULAC - União Latino Americana de Cegos

IBC - Instituto Benjamin Constant

OM - Orientação e Mobilidade

PEVI - Práticas Educativas para a Vida Independente

PREA - Programa Educacional Alternativo

OMC - Organização Mundial dos Cegos

ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em

Educação

DTE - Departamento Técnico Especializado

MEC - Ministério da Educação

NFB - National Federation of Blinds

ACAPO - Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal

AVD - Atividade da Vida Diária

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“A cegueira não é a morte, mas a preparação para a construção de uma nova

vida”.

(Kenneth Jernigan, 1970)

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1. Como surgiu o tema

Desde os apaixonantes banquinhos da escolinha até as temidas bancas das

pós-graduações, sem afeto, não haveria interesse necessidade ou

motivação. Consequentemente, perguntas não seriam feitas e problemas

nunca seriam investigados (MIRANDA, 2007, p. 330).

A escolha deste trecho deu-se pelo fato de ele ser bastante

apropriado, uma vez que dos muitos temas que me motive, para a pesquisa creio

que a percepção que os próprios cegos têm do preconceito é o que me chama

mais a atenção. O fato de ser pouco investigado já bastaria para despertar o

interesse, no entanto, considero também que os pensamentos, as palavras e

atitudes são resultado, é claro, das experiências de vida dos indivíduos. Estas

experiências sofrerão também o efeito do preconceito e do estigma, caso o

indivíduo tenha convivido ou conviva com eles.

Vamos, porém, começar do surgimento da ideia, de como o tema se

tornou algo importante para mim, pois sem isso, a pesquisa não teria sentido.

1.1. Pelo direito de ser cega

Nasci com baixa visão, ou seja, possuía um pequeno resíduo visual e

necessitava de auxílios óticos apropriados ao meu caso, já que os óculos comuns

não eram suficientes para corrigir a visão a contento.

A peregrinação pelos consultórios e clínicas médicas perdurou

durante

toda a infância, pois aquele médico que não tinha tanta experiência com o caso

transferia para outro, sem contar as indicações de amigos que falavam de

oftalmologistas maravilhosos que deram solução a problemas que ninguém

solucionou. Até que, um dia, chegamos ao profissional que indicaria as lentes

adequadas e o lugar onde fazê-las.

Em meio a tudo isso, eu crescia cercada pelo carinho dos parentes e

de meus pais, em sua inexperiência de como lidar com uma criança que estava

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na condição de pessoa com baixa visão, sem muita segurança de o que eu

realmente via ou não via.

Estudei na Rede Municipal do Rio de Janeiro em escola

convencional, como prefiro chamar, adotando o padrão da ULAC (União Latino

Americana de Cegos) com atendimento oferecido pela Rede a alunos com

deficiência. Foram mesmo os professores deste serviço de suporte que tudo

resolveram quando, ao ingressar no que seria hoje o segundo ano do Ensino

Fundamental, a escola próxima à minha casa, escolhida para minha matrícula,

tudo fez para que eu não me matriculasse lá. Vários empecilhos foram

apresentados a meus pais e a equipe do Instituto Helena Antipoff, responsável

pelo suporte aos alunos com deficiência, optou por convencer meus pais a fazer

minha matrícula em outra escola, onde fui acolhida sem maiores entraves e

onde, academicamente, desenvolvi-me sem problemas. Vários fatores

contribuíram para este bom desenvolvimento acadêmico:

● as turmas eram menores, permitindo ao professor atender com mais

qualidade aos alunos;

● minha professora de sala de aula possuía apenas uma turma, podendo

assim, dedicar-se mais a nós;

● minha mãe tinha boa instrução e não trabalhava fora, podendo estudar

comigo, ler os textos cujas letras não estivessem em tamanho acessível e

podendo, também deslocar-se comigo, sempre que necessário, para o apoio que,

inicialmente, era oferecido na própria escola por professor itinerante1, mas

depois passou a ser oferecido no contra turno em Núcleos de Apoio;

● meus pais tinham condições de custear uma auxiliar para responder pela

faxina e os cuidados com as roupas, deixando minha mãe mais livre para

dedicar-se a mim. Além disso, eu só possuía uma irmã mais velha e bastante

independente.

1Professor itinerante: professor que visita a escola para atender ao aluno com deficiência, o que

faz em sala à parte, na quantidade de dias e tempos que forem necessários àquele aluno.

Também é esse professor o responsável por orientar o professor de sala de aula na melhor forma

de trabalhar com o aluno. (SILVA, 2013).

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Por outro lado, a parte social não se desenvolvia com a mesma facilidade. Os

amigos que brincavam comigo sem problemas na escola nunca me convidavam

para frequentar suas casas mesmo que eu soubesse que havia as festas de

aniversário e que os outros eram convidados, assim como também não

aceitavam meus convites.

Cabe ressaltar aqui, a dualidade de sentimentos que isso provocava, pois,

entre os meus primos, por exemplo, não havia essa distinção e eu me sentia

acolhida para as brincadeiras e até para as repreensões quando era necessário,

completamente incluída, mas o mesmo não acontecia entre os colegas de escola.

Nesta situação, o estigma da cegueira – nesta hora o resíduo visual não

modificava a percepção do grupo – aparecia com força fazendo com que eu

passasse de desacreditável2, o que já era nas percepçãode colegas e seus

familiares, para desacreditada. A confusão estava formada. Afinal, eu podia ou

não participar do que os outros participavam?

No antigo ginásio, hoje Ensino Fundamental II, a situação melhorou um

pouco, havendo colegas com quem eu saía e mantinha um relacionamento de

amizade fora dos muros da escola.

Nesta época, começou a mudar também a situação visual, pois um

descolamento de retina provocou uma sensível perda no resíduo de visão que eu

possuía e que os médicos haviam garantido a meus pais que eu jamais perderia.

Durante todo aquele tempo, a família, os médicos, todos tinham apregoado a

mim que nunca admitisse que alguém dissesse que eu era cega, pois eu não era.

Demonstravam ser esse fato a coisa mais importante. Eu Não era cega. Porém eu

não compreendia porque isso era tão importante já que havia muitas coisas que

eu realmente não conseguia ver.

Se avaliarmos o peso que a visão tem em nossa sociedade, como somos

educados para considerá-la um sentido superior aos outros e como a vida em

2 Conceito criado por Goffman (2004) em que define desacreditável como aquele que é atingido

pelo estigma, mas não tem consciência disso e desacreditado como aquele que tem noção da

influência do estigma.

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nossa sociedade nos orienta para isso, fica mais fácil entender essa atitude. Em

uma fala de Verine (2013) podemos constatar que esta percepção não é só nossa:

Há alguns anos, a psicologia experimental acumulava provas da

cooperação cognitiva entre dois, muitos ou todos os sistemas perceptivos

na experiência humana. (...) Em contrapartida, não há necessidade de

experiência científica para atestar a pregnância da visão nos artefatos e nos

discursos das sociedades ocidentais contemporâneas (VERINE, 2013).

Membros desta mesma sociedade, aqueles que me educaram e me cercaram,

transmitiram os valores que consideravam os melhores para mim, desejando que

eu me impusesse, acima de tudo como alguém que não é cega. Isto era

importante para eles.

Mas a trajetória seguiu seu curso e a realidade mudou, obrigando o discurso a

mudar também.

Por conta do descolamento de retina, iniciou-se um processo gradativo de perda

visual que durou dos 13 aos 15 anos, durante o qual minha família envolvida

pela educação que sempre teve e que todos nós temos, juntamente com alguns

profissionais da medicina, empenhou-se o quanto pode para me "fazer

enxergar". Para eles, os parentes, esta era a maior manifestação de amor que

podiam me dar. Não entendiam que estavam metolhendo em meu "direito de ser

cega" já que a pouca visão que me restava em quase nada atendia às minhas

necessidades.

Vale destacar aqui o senso de observação e a sensibilidade da professora do

atendimento especializado que, então, entendeu que trabalhar na perspectiva do

uso da visão não me traria maiores vantagens e começou a me estimular a

curiosidade para conhecer o Braille e o sorobã3. Aprendi os dois rapidamente,

pois me eram mais confortáveis e úteis.

Enfim, após uma cirurgia de glaucoma e um segundo descolamento de retina, os

médicos assumiram para minha família que não havia mais nada a se fazer pela

minha visão, embora eles tenham dito por mim como se estivessem assinando

minha sentença de morte.

3 Aparelho semelhante ao ábaco japonês utilizado para cálculo. Joaquim Moraes, 1965.

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Se minha família sentiu-se arrasada, e por mais que o adjetivo pareça exagerado

é exatamente isso que ocorre com aqueles que estão próximos de alguém que

perde a visão, senti-me aliviada, pois finalmente, havia ouvido deles o que eu já

sabia: que eu era uma pessoa cega. Via o Braille e o sorobã como possibilidades,

como portas abertas para eu prosseguir em minha vida.

O processo lento de perda da visão tornou meus pais, sobretudo minha mãe, um

tanto super protetores nas questões de ordem prática, jamais permitindo que eu

mexesse com fogo, tolhendo o uso de facas e tesouras, sempre fazendo uso da

famosa frase "Deixa que eu faço para você." Quando eu pedia para me ensinar

como fazer alguma coisa.

Esse fato não impediu, sobretudo minha mãe, de ser alguém que foi essencial no

meu desenvolvimento acadêmico principalmente daí por diante, gravando e

lendo textos e livros, acompanhando-me a todos os lugares onde eu precisasse ir

para estudar, já que me locomover com independência era outra dificuldade,

pois sentia muito medo de me perder. Não acreditava, apesar das aulas de

manejo da bengala, que fosse capaz de ir e voltar de algum lugar sem ter

problemas. O fato é que eu não conhecia outros cegos e não tinha oportunidade

de conviver com as pessoas que andavam sozinhas, cozinhavam e faziam toda a

sorte de coisas que diziam que eu podia fazer. Diziam, mas não provavam.

O atendimento oferecido pela Rede Municipal era individualizado e não nos

permitia, por isso, contato com os outros alunos com as mesmas características

que nós; ao estudar em escola estadual, deixei de ter o apoio especializado. Isso

me tornava um ser único em todos os lugares. Eu era a diferente.

É evidente que precisamos estar em todos os lugares e o contato com aqueles a

quem somos ligados por qualquer vínculo é importante para nosso

desenvolvimento, afinal uma pessoa cega não é apenas uma pessoa cega. Ela

também é alguém que nasceu em tal família, pertence a tal religião, fala tal

língua, é da etnia tal... Mas em meu caso, faltava a ligação com as pessoas

cegas, faltava o contato com a cegueira que era uma marca muito forte, que

chamava a atenção em qualquer ambiente em que eu estivesse. Goffman (2004)

fala dessa importância ao afirmar:

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o primeiro grupo de pessoas benévolas é, é claro, o daquelas que

compartilham o seu estigma. Sabendo por experiência própria o que se

sente quando se tem este estigma, em particular, algumas delas podem

instruir o indivíduo estigmatizado quanto aos artifícios da relação e

fornecer-lhe um círculo de lamentação no qual ele possa refugiar-se em

busca de apoio moral e do conforto de sentir-se em casa, em seu ambiente,

aceito como uma criatura que, realmente é igual a qualquer outra normal4

(GOFFMAN, 2004, p 24).

Descontados os exageros do período desta escrita, com palavras como

lamentações ou refugiar-se, de fato, o que eu buscava sem o saber, era um

ambiente onde alguém tivesse vivido experiência similar às minhas.

Isto suscitava, ainda, outra situação bastante incômoda, mas só tive

noção do incômodo que ela causava depois de longo tempo. Eu não podia ver e

estamos por demais habituados a atribuir à visão um valor além do seu real,

praticamente vital às pessoas, o que aumenta a dependência dos indivíduos

cegos. Assim, com o intuito de me proteger, minha mãe desejou convencer-me a

mudar de ideia, ser uma profissional da informática, que por sinal detesto. Ela

acreditava que isto me daria melhores recursos financeiros do que o magistério

que sempre desejei. É importante ressaltar que as escolhas profissionais de

minha irmã jamais foram questionadas. Ninguém desejou saber o que era

melhor para ela.

As alegações contra minha escolha eram que eu não teria como controlar

a turma, como corrigir seus trabalhos, como escrever no quadro. Todas da

ordem da pressuposição, obstáculos criados pela sociedade em geral.

Apesar da minha "escolha errada", não deixei de ter o apoio da minha

família para tudo e, um dia, cheguei ao Instituto Benjamin Constant para

estagiar, durante o antigo curso Normal. Depois fiz lá um curso de

especialização e passei a acreditar que todos os cegos bem resolvidos do mundo

estavam concentrados lá, desejando sempre retornar um dia como professor para

partilhar daquele universo onde eu me sentia tão mais segura de minhas ações e

onde o fato de eu ser cega, se era uma realidade óbvia e inegável, não me

4A palavra "normal" é utilizada por Goffman referindo-se àquele que não tem o estigma. O

próprio autor explica a necessidade de usá-la para demarcar a diferença entre o estigmatizado e o não estigmatizado -- expressões, em nossa opinião preferíveis – porém mantivemos o texto do autor, já que nos valíamos de um extrato de seu livro.

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diminuía. Após seis anos de trabalho no atendimento especializado da Rede

Municipal, prestei concurso para o IBC e fui aprovada, atuando lá até hoje.

Descobri que parte do que eu pressupunha quanto à segurança e afirmação dos

indivíduos cegos era real.

A convivência com outras pessoas cegas, a troca de experiências, ter

professores cegos que sirvam como modelo auxilia muito aos alunos, faz com

que mesmo os cegos adultos descubram similaridades entre eles e outros

indivíduos em condições análogas e estas experiências modificam nossa

maneira de nos relacionarmos mesmo com pessoas videntes. No entanto percebi

o que parece óbvio, mas para mim, não era. Os indivíduos cegos são antes de

tudo, indivíduos e têm maneiras diferentes de encarar as situações que

vivenciam. A generalização, portanto, pode trazer uma interpretação não

condizente com a realidade criando expectativas e outros vieses de preconceito,

pois passamos a supor que aqueles que não atendem as nossas expectativas

estão “fora do padrão”.

Conforme destaca Goffman em trecho já citado, o contato com pessoas

que vivem situação similar, que estão na mesma condição faz o indivíduo sentir-

se igual aos outros e creio que isto vai além. Sentindo que nos identificamos

com algum grupo, em alguma coisa, temos melhores condições de trabalhar para

que nossas diferenças sejam mais bem aceitas e nos empoderemos.

Compreendemos que o que nos torna diferentes não nos torna inferiores e este

fato pode modificar a percepção que os grupos dos quais fazemos parte têm de

nós. Mas e os outros cegos, pensavam como eu?

Comecei a notar, com o tempo, que poucos cegos eram afeitos a discutir

a própria cegueira e que isso fazia com que só compreendêssemos o que se

passa conosco pelo olhar de pesquisadores que enxergam. Entendi que queria

compreender melhor o que o próprio cego pensa de sua situação, sobretudo

sobre o preconceito tão comum em nossas experiências de vida. Queria ouvir a

voz do próprio cego e não os livros e teóricos.

Precisava da informação de quem vivencia em casa, no trabalho, nas

ruas, situações de preconceito para buscar entender qual é a percepção dessas

pessoas sobre o assunto e entender se esse preconceito as envolve a ponto de

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julgarem a si e a outros cegos incapazes para certas tarefas e se isso é uma forma

de preconceito.

Por observar situações tão diferentes no Instituto Benjamin Constant e

por ser esta uma escola especializada na área da deficiência visual, considerei

este o melhor lugar para desenvolver esta pesquisa. Existe ainda uma

concentração de professores cegos nesta instituição que não se encontram em

nenhuma outra e atualmente ela é a única escola de ensino fundamental que

atende a alunos cegos até o nono ano. Suas características pouco comuns a

tornaram o campo de pesquisa ideal para o trabalho que pretendia desenvolver.

1.2. A Pesquisa

Assunto bastante discutido em muitos meios, porém ainda muito

controvertido, pois nem sempre sabemos o que constitui realmente, uma ação

preconceituosa ou não, o preconceito pode aparecer na violência, numa tentativa

de gentileza, na superproteção ou esconder-se atrás de uma máscara de

civilidade que hoje as pessoas se impõem para não ferir suscetibilidades. No

entanto, há situações tão subliminares que nem aquele que pratica o preconceito

consegue perceber o que está embutido em sua atitude.

Fazer esta pesquisa fez-me compreender que isto é mais comum do que

pensamos. Muitas vezes, na tentativa de auxiliar, recursos são criados para

facilitar o acesso das pessoas cegas a materiais, no entanto, nem todos

compreendem os objetivos e usos desses recursos, continuando o indivíduo cego

alijado de uma série de informações.

Com o tempo, a antiga máquina de datilografia, que eu usava para fazer

as provas e trabalhos na graduação, foi substituída pelos computadores com

sintetizador de voz, o que trouxe muitas vantagens.

Porém, nem tudo estava resolvido. Muitos artigos por mim encontrados

para a preparação deste trabalho não aceitavam a conversão necessária para

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serem lidos pelos sintetizadores, obrigando-me a recorrer à outra pessoa, fosse

para reeditar o texto de maneira acessível, fosse para ler e gravar o texto em

áudio.

Textos que falavam sobre cegueira apresentavam esta dificuldade, textos

que falavam em acessibilidade não eram acessíveis. Eu queria falar sobre o cego

adulto, aquele que já foi envolvido em situações de preconceito e agora tem uma

posição sobre o assunto, pois os sujeitos de minha pesquisa são professores

cegos do IBC, porém todos os trabalhos que falavam sobre educação de pessoas

cegas envolviam apenas o aluno. É bastante raro encontrarmos trabalhos em que

o cego apareça como professor, como atuante e responsável pelo processo de

aprendizagem de uma forma mais ativa e marcante.

Compreendi que somos, ainda, vistos como objetos e não como sujeitos

de pesquisa. Ninguém se preocupou em colocar os textos em formato acessível

porque ninguém pensou em um cego como pesquisador, apenas como

pesquisado. Mesmo ao se preparar o material para ser usado por uma criança

cega, não se pensa na possibilidade de aquela criança vir a ser um adulto que

atuará profissionalmente, precisando de materiais que o tornem autônomo e isto

ficará mais evidente no próximo capítulo, quando falarmos da adaptação dos

livros didáticos.

A cada passo que o indivíduo cego tenta dar, descobre o paradoxo em

que vive. A propagação da inclusão como discurso encontra como forte

oponente a realidade de uma sociedade onde não se pensa no acesso das pessoas

cegas à informação, aos espaços, ao conhecimento e onde sequer se cogita que

ela possa ser agente das mudanças que ela mesma busca.

E quantos cegos antes e depois de mim têm enfrentado diariamente, estas

barreiras? Como isto os afeta e como julgam que podem lidar com estas

situações?

Eu não queria apenas falar sobre mim, se o desejasse, bastaria escrever

minha autobiografia. Considerava importante saber como cegos com

experiências diferentes das minhas viveram, vivem e superam ou não superam

as situações do dia-a-dia e se o preconceito de alguma forma os afeta.

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São objetivos de esta pesquisa compreender a relação do cego com a

cegueira em uma sociedade visuocêntrica e analisar a importância de um

professor cego na vida de um aluno cego.

No segundo capítulo, falaremos do campo de pesquisa, o Instituto

Benjamin Constant. Traremos um breve relato sobre sua fundação, sua trajetória

e como funciona hoje, enfatizando a relação entre profissionais, o trabalho e a

atuação dos professores cegos e como são vistos dentro da instituição.

No terceiro capítulo terá lugar o enfoque teórico do trabalho, abordando

os conceitos mais importantes para este tema como preconceito, exclusão,

estigma, além de trazer a trajetória dos cegos no contexto histórico, a questão da

valorização da visão em nossa sociedade é importante neste caso, porque ela

interfere também na maneira como o cego se insere nesta mesma sociedade.

No quarto capítulo, traremos a análise dos dados colhidos, a fala dos

professores cegos do Instituto Benjamin Constant sobre vários períodos de suas

vidas, sua entrada na instituição, seu trabalho em outros estabelecimentos, sua

percepção de situações de preconceito vividas ou presenciadas e o que pensam

de seu trabalho com os alunos.

Além disso, traremos o observado destes professores em sala de aula,reuniões e

outros espaços. Mesmo nos capítulos anteriores, aparecerão extratos das falas

dos professores e de situações observadas que se liguem ao que estiver sendo

abordado.

Esperamos poder dar voz ao indivíduo cego para refletirmos todos, cegos

e videntes, sobre as oportunidades reais dadas a cada um, oportunidades sem

superproteção, sem concepções desnecessárias, porém com o acesso justo a

todos, sem as ideias preconcebidas, todavia com a certeza de que estamos

lidando com seres humanos com peculiaridades, interesses e direitos.

1.3. A Metodologia

A observação do campo em que se desenvolveu a pesquisa é de suma

importância, pois o IBC (Instituto Benjamin Constant) é em parte o que os

sujeitos desta pesquisa fizeram dele e estas pessoas são também resultado da

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influência desse espaço, num entrelaçamento óbvio e constante. Muitas delas

estiveram lá como alunos e depois como professores. Algumas apenas como

professores, mas indiscutivelmente, todas circulando por esse espaço construído

durante mais de 160 anos com relações de todo tipo, com os seus aspectos

positivos, falhas e divergências, seja por causa do preconceito que qualquer um

de nós pode desenvolver, seja pelo enfoque muito diverso que cada um traz para

dentro da instituição.

Era preciso, portanto, abandonar nossa postura de profissional da

casa e observá-la "com percepção de pesquisadora". Pesquisar um ambiente que

conhecia dava a ele outra conotação diante de mim e isto trouxe vantagens e

desvantagens. Se por um lado a maior parte das pessoas mostrou extrema boa

vontade em colaborar, abrindo-me as portas sem dificuldade, também foi

possível perceber que, sem que alguns se dessem conta, houve momentos de

inibição e constrangimento em que colegas, agora focos de observação, sentiam-

se vigiados, por mais que eu esclarecesse que aquilo não lhes traria nenhum

prejuízo. Isto acontecia principalmente com os videntes, de alguma forma

envolvida na observação, mesmo não sendo o foco principal da pesquisa. A todo

o momento, eles queriam dar-me esclarecimentos não solicitados sobre suas

atitudes com colegas e alunos cegos como se eu estivesse ali para censurá-los.

Isto acontecia naturalmente, apenas porque me viam no ambiente, já que

não era segredo o meu tema de pesquisa, mesmo que eu não estivesse

observando. Não era necessária, de minha parte, nenhuma pergunta, sinal de

aprovação ou reprovação.

Havia situações, porém, em que, por já estarem habituados à minha

presença, já que trabalho na instituição há mais de vinte anos agia naturalmente,

sem maiores preocupações comigo, o que garantia uma observação com dados

excelentes. Os indivíduos agiam com espontaneidade sem manifestações

planejadas para atender a uma pesquisa e sim mantendo as atividades cotidianas,

parecendo mais tranquilos.

Alguns cuidados foram tomados para garantir a não identificação dos

informantes, como o uso de nomes fictícios tanto para os informantes como para

qualquer indivíduo observado cuja fala fosse registrada ou pessoas citadas pelos

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informantes. Além disso, cada um dos informantes recebeu cópia em Braille do

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido junto com as cópias no sistema

comum a serem preenchidas. Desse modo,todos tiveram acesso autônomo ao

texto do documento.

Houve situações em que contei com a colaboração de videntes para me

transmitirem dados que escapassem à minha percepção. Devidamente instruídos

por mim, meu "vidente de confiança" observava e depois, em momento

oportuno, eu o interrogava sobre o que havia visto. Procurava pessoas isentas,

sem qualquer envolvimento com o indivíduo observado e, de hábito, ouvia até

três descrições da mesma situação para que nada escapasse e para que não

ficasse com uma única percepção do fato, correndo o risco de algo tendencioso.

A maior parte do que se verá, no entanto, foi obtida por mim mesma

através dos demais sentidos, sobretudo a audição, principalmente nas

entrevistas, quando não contei com a cooperação de ninguém, mesmo porque

isto poderia inibir o entrevistado.

Com base em Bakhtin (1997) e sua proposta de análise de discurso,

momentos de silêncio bastante significativos, mudanças de tom de voz e

interrupções abruptas de um interlocutor por outro, além de situações de

excitação, hesitação, medo, contentamento, mesmo uma mudança na respiração

não escaparam à percepção durante os momentos de entrevista e observação,

bem como o desvio de atenção do indivíduo entrevistado ou observado para algo

não relacionado à atividade do momento.

Foi utilizado o modelo de entrevista semi-estruturada com base em

Duarte (2008) e Szimanski (2004), além do apoio em Vianna (2003) para as

observações.

Creio que o fato de ser cega permitiu que os entrevistados se sentissem

mais à vontade em falar, pois em momento algum pareceram, durante as

entrevistas, preocupados com a divulgação de informações confidenciais ou a

interpretação de histórias narradas de uma maneira bastante diferente daquela

que eles gostariam de atribuir a essas histórias. Cheguei a ouvir frases como:

“para você posso contar por que sei que você como cega vai me entender”.

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Ciente da importância do rigor da pesquisa procurei permitir que o

entrevistado falasse com o mínimo de intervenção às respostas, usando o

modelo de entrevista semiestruturada, pois algumas situações peculiares dos

entrevistados exigiam outro roteiro, como aconteceu ao professor Pilar13. Não

opinava durante aulas e atividades observadas, pois não estava ali como

professora da instituição e sim como pesquisadora.Busquei outros autores, cegos

e videntes, que embasassem o que pretendia dizer, na certeza do quanto esse

afastamento é necessário para que a pesquisa seja sólida e transmita com o

máximo de fidedignidade ao campo,o real do grupo pesquisado.

Em seu trabalho intitulado “Pesquisa acadêmica e deficiência

visual:resistências situadas, saberes partilhados”, Bruno Sena Martins (2013)

ressalta o valor de envolver as pessoas com deficiência nas pesquisas que dizem

respeito a elas. Baseando-se em Oliver (1997 apud MARTINS, 2013) fala na

maneira como a pesquisa, muitas vezes, vê a pessoa com deficiência apenas como

objeto sem entendê-la como alguém que pode ser ativo neste processo declarando:

“esse reconhecimento deve-nos incitar a uma participação ativa na construção de

uma sociedade crescentemente autora da nas vozes das pessoas com deficiência”

(MARTINS, 2013, p. 2).

Como pessoa cega, apoiando completamente esta afirmação, decidi

tornar-me ser participante e ativa neste universo de pesquisas que envolvem a

cegueira e os cegos.

Foram entrevistados 17 professores. Desse total, dois já estavam

aposentados, tento prestado serviços como voluntários na instituição até 2012,

um aposentou-se durante o período da pesquisa e outros dois eram contratados e,

atualmente, não prestam mais serviços à instituição.

A pesquisa de campo ocorreu de novembro de 2014 a dezembro de 2015,

período em que foram coletados os dados.

Que este trabalho possa trazer reflexões que acrescentem algo depositivo

às nossas práticas educacionais e nos faça pensar em como o preconceito pode

trazer consequências ao comportamento daqueles que são membros de grupos

oprimidos e que tão pouca oportunidade têm de se expressarem.

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2. No campo da pesquisa, percepções e descobertas

O ambiente onde trabalham e trabalharam os professores e as professoras

sujeitos desta pesquisa, e onde a maior parte deles (delas) estudou, tem suas

peculiaridades, que pesam na observação dos dados desta pesquisa. Por isso, é

importante que sejam apresentadas.

2.1. A História

O surgimento do Sistema Braille constitui a revolução tecnológica mais

importante que a Modernidade trouxe à vida das mulheres e homens

privados do sentido da visão. Através dele, se efetivou o acesso à literacia,

ao conhecimento e à comunicação das pessoas cegas (MARTINS, 2006, p.

62).

A observação do autor tem muito sentido quando se vai falar na história

do Instituto Benjamin Constant, sobretudo no caso da história da sua fundação,

já que foi através dela que o Sistema Braille, meio até hoje, insubstituível de

leitura e escrita dos cegos, entrou no Brasil e é, ainda hoje, para muitas pessoas

cegas, um símbolo de identidade e de libertação. O fato de ter sido este sistema

criado por um cego o torna ainda mais marcante, pois demonstra que o próprio

cego foi capaz de encontrar os meios de que precisava para solução de questões

como escrita, escolarização.

O Instituto Benjamin Constant teve sua história marcada por opiniões

controversas. Havia e há os que julgavam e julgam que ele sempre se constituiu

em um espaço para "depósito dos cegos", considerando inclusive as

preocupações com saúde pública que começavam a surgir no século XIX, época

em que foi fundado. Outros, no entanto, sempre o viram como divisor de águas

na história dos cegos brasileiros que, então, passaram a ter acesso à instrução e à

escolarização.

Fato é que a entrada do Sistema Braille no Brasil e na América Latina

deu-se através desta instituição que, com elementos de inovação e outros de

controvertido interesse, ainda é uma instituição importante na escolarização do

cego brasileiro, mesmo daquele que jamais estudou nela.

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Vale, portanto, para melhor embasamento do trabalho, apresentar, de

forma resumida, um pouco de sua história. Nos anos 40 do século XIX um

menino cego brasileiro chamado José Alvares de Azevedo teve a oportunidade

de estudar em Paris, em um instituto para cegos lá existente. É importante

ressaltar o peso que a cultura francesa tinha à época, portanto tudo o que havia

na França em termos de educação tinha bom crédito em terras brasileiras.

Neste instituto os cegos aprendiam música, ofícios manuais, línguas ena

época em que Azevedo lá chegou (precisamente 1844), havia uma disputa entre

dois sistemas de leitura e escrita: o que ainda era oficial era o criado por

Valentin Haüi, fundador da escola e que trabalhava com os alunos através de

letras em alto relevo, talhadas em madeira; o outro havia sido criado por um ex-

aluno e, à época, professor da escola, Louis Braille e constituía-se de seis pontos

que, combinados formavam todas as letras e pontuações necessários para

garantir ao cego leitura e escrita independentes. No entanto, as combinações

geradas pelos pontos não formavam letras nos desenhos já conhecidos, o que

faria com que os professores da casa precisassem aprender o código, caso o

sistema se tornasse oficial.

Oficial ou não, o sistema difundia-se entre os alunos, pois se mostrava

mais eficiente do que o das letras em relevo. As letras apresentam muitas curvas

o que prejudica sua identificação com rapidez e pelo tato. A escrita, também era

mais rápida pelo sistema de pontos e por isso, entre os cegos do próprio Instituto

dos Jovens Cegos de Paris ele se impôs pelo uso corrente e entusiasmado de

alunos e professores cegos, além de alguns videntes que compreendiam o

quanto ele trazia de benefício ao aprendizado dos alunos.

Azevedo também o aprendeu e dominou em pouco tempo e, em

1851,chegando de volta ao Brasil, buscou meios de conseguir para os cegos

brasileiros uma escola nos moldes do instituto francês. Tendo a oportunidade de

conhecer Adélia, jovem cega filha do médico Francisco Xavier Sigaud que

atendia ao imperador D. Pedro II, apresentou a ela o Sistema Braille e, ao ver

que a filha se alfabetizava pelo novo método, o médico tornou-se o caminho do

jovem Azevedo até seu objetivo. Após diversos entraves e tramitações políticas,

finalmente, em 1854, foi inaugurada na Gamboa, a primeira escola para cegos

da América Latina: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Azevedo havia

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falecido seis meses antes da inauguração, mas isso não impediu a continuidade

do processo de instalação da escola. O Sistema Braille, que então já se tornara

oficial na escola de Paris, era oficial neste estabelecimento e, inicialmente, todo

o material vinha da França, já que aqui não havia gráficas para tanto. Daquele

endereço, a escola transferiu-se para a Praça da Aclamação - hoje Praça da

República e, posteriormente, graças às muitas instâncias de Benjamin Constant

Botelho de Magalhães, um de seus mais renomados diretores, transferiu-se para

o endereço em que está até hoje, na Urca. A insistência deveu-se ao fato de ter

sido prometida a doação do terreno para a construção da escola há muito tempo

e nunca este projeto vir a sair do papel.

Era empenho de Benjamin Constant construir oficinas de trabalho paraos

alunos, ter uma imprensa que produzisse muitos materiais em Braille, abrigar

mais alunos e para isso, era necessário mais espaço. Assim a sede na Praça da

Aclamação tornava-se pequena.

A escola que primeiro chamou-se Imperial Instituto dos Meninos Cegos,

passou a chamar-se Instituto Nacional dos Meninos Cegos, com o advento da

República. Por ter sido Benjamin Constant, na qualidade de diretor o

responsável pela primeira política para educação de cegos de que se tem registro

no Brasil, e pelos muitos benefícios que fez por esta escola, ela recebeu o nome

de Instituto Benjamin Constant, após sua morte.

Registros encontrados em Lobo (2008) indicam que o governo demorava

muito a atender às solicitações da instituição que, por isso demorava a cumprir

com tudo aquilo que foi idealizado inicialmente. No entanto, fato é que, de

alguma forma, o Instituto educou gerações e gerações de pessoas cegas e, nos

anos 20 do século XX, ex-alunos da casa iniciaram a criação de outras

instituições similares em outros estados, permitindo assim que mais jovens e

crianças cegas pudessem ser educadas...

De 1937 até 1944, o IBC ficou fechado, a fim de que fosse finalmente,

construída a chamada "ala nova" referente à parte que hoje abriga, no segundo

andar, das salas 202 até 252 (apenas salas pares) e que, na época, além de trazer

maior número de salas, permitiria também que houvesse mais dormitórios e as

meninas pudessem ter um espaço só para elas no terceiro andar.

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Até ali, a fim de evitar que se misturassem com os meninos, elas

ocupavam um espaço no segundo andar, porém muito inferior aos dormitórios

masculinos do terceiro.

As construções foram surgindo, a fim de proporcionar cada vez melhores

condições aos estudantes. Surgiram a Imprensa Braille, a piscina, o Jardim de

infância, as oficinas para aprender empalhação, estofaria, noções de eletricidade,

marcenaria, bem como espaços para as chamadas aulas de economia doméstica e

atividades do lar.

Conforme se verifica em Silva (2013), o pós-guerra trouxe a realidade

das pessoas que adquiriam alguma limitação e entre elas estavam os cegos.

Assim, o cego adulto apareceu de forma mais contundente e, com o passar dos

anos, teve de ser criado um setor próprio para atender a essa categoria. Antes

disso, estes homens eram atendidos junto com as crianças, aprendendo a ler em

Braille como quem se alfabetiza.

Algumas informações encontradas em Lobo (2007), bem como registros

dos arquivos do próprio IBC e entrevistas arquivadas em seu setor de pesquisas

(Projeto Memória), informam que havia alunos matriculados em idade

avançada, já em situação irregular dentro da instituição, mas é certo que muitos

chegavam tarde à escola pela falta de informação, de conhecimento dos pais e

falta de condição destes para trazer seus filhos. Não se pode esquecer o fato de

que vivíamos e talvez ainda vivamos, em um tempo em que a pessoa cega é

desacreditada.

Lembremos que o IBC era uma escola mista, isto é, educava meninos e

meninas, foi a única escola especializada na deficiência visual durante muito

tempo e que as distâncias dentro de nosso país são imensas. Como o pai de uma

jovem cega dos anos trinta, por exemplo, poderia conceber a ideia de que sua

filha estudasse em um espaço repleto de meninos? Como uma família que,

como tantas outras, julgava seu filho cego um ser extremamente vulnerável,

poderia aceitar a ideia de deixá-lo na escola para vê-lo apenas nos fins de

semana, quiçá apenas nas férias de fim de ano?

Vale lembrar, ainda que, na época, os internatos eram bastante comuns, porém

não nas condições que o IBC oferecia. O simples fato de uma pessoa cega

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estudar ainda era uma exceção e era difícil que as informações sobre a escola

chegassem à família, o que explica, em parte os alunos chegarem e se manterem

em idade avançada na instituição, já que era o lugar onde poderiam ter a

instrução necessária.

A permanência por mais tempo do que o necessário devia-se, muitas

vezes, ao fato de o indivíduo cego precisar de um trabalho e não ter outro

suporte para obtê-lo senão o próprio Instituto. Então ele lá permanecia até que

fosse encaminhado a outra instituição, pois muitas surgiram com o fim de apoiar

o indivíduo cego adulto.

Outro fator era o abandono de algumas famílias que, ao deixarem seus

filhos na escola, davam endereços falsos a fim de não serem mais encontradas,

fato comum até os anos cinquenta do século XX na instituição. Estes últimos

fatos mostram o peso do estigma da cegueira em nossa sociedade e o quanto ele

marcou a história da pessoa cega, seja pela dificuldade em obter uma função

remunerada, uma colocação que sustente o indivíduo, seja pelo fato de a família

não desejar ter a presença de um elemento com deficiência entre seus membros.

Seguindo a abordagem histórica desse tópico, nos anos 50, o ensino da

escola foi equiparado ao do colégio Pedro II, o que deu condições para que seus

ex-alunos pudessem continuar seus estudos ao terminarem o chamado primeiro

grau e, posteriormente, chegar às universidades.

Nos anos 50 e 60, ganhou força um movimento conhecido como

educação integrada que tinha como foco a inserção de alunos com deficiência

nas escolas convencionais. Até ali, as experiências nesse sentido eram isoladas e

sem respaldo. Nessa época, as escolas começaram, paulatinamente, a receber

alunos com deficiências sensoriais e motoras. O caso da chamada deficiência

mental trazia mais discussão.

Neste contexto, o IBC teve aumentada sua importância, já que passou

também a formar professores para atenderem a alunos cegos na chamada Rede

convencional de Ensino. Nos anos noventa, as declarações de Jomtien e de

Salamanca5 impulsionaram o movimento da nomeada Escola Inclusiva, que,

5 As declarações de Jomtien e Salamanca abordam a questão da educação de maneira mais

democrática preocupando-se com a inclusão independente de raça, credo, convicção política ou

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segundo Silva (2013) traz a ideia da igualdade para todos independente de

quaisquer distinções que possam existir, inclusive as questões ligadas às

limitações. Para desenvolver este modelo educacional, surgiram as salas de

recursos multifuncionais, onde alunos com tipos diferentes de deficiência ou

transtornos recebem o apoio necessário para acompanharem as aulas.

Por essa razão, professores do IBC vão a diversos pontos do país

instrumentalizar os profissionais de todas as regiões para o trabalho realizado

com alunos cegos já que é o Instituto Benjamin Constant a única instituição

Federal de Ensino nesta área. Muitas das instituições surgidas, inspiradas no

modelo desta, ou não existem mais, ou tiveram sua função completamente

modificada havendo hoje apenas o Instituto como escola especializada na

educação de alunos cegos e com baixa visão.

Há algumas instituições que atendem ao aluno cego em atividades

específicas como OM (Orientação e Mobilidade), PEVI (Práticas Educativas

para a Vida Independente), além de orientações básicas ao aluno e ao professor

de sala de aula. Apenas o Instituto oferece o ensino regular com turmas da

Educação Infantil ao 9º ano, além da chamada Estimulação Precoce, que atende

a crianças de 0 a 4 anos e grupos de crianças atendidas no PREA (Programa

Educacional Alternativo) que visa a atender alunos com outras deficiências

associadas à cegueira.

Atualmente, a procura pelo ensino no IBC permanece. O trabalho

completamente voltado para atender às necessidades dos alunos, as turmas com

número reduzido de crianças são elementos que atraem.

Observemos agora a declaração de um aluno em sala de aula:

Quando eu estudava lá fora, eu só ouvia a professora falar nos lugares,

decorava as capitais, mas nunca tinha posto a mão num mapa. Essa é a

primeira vez que estou vendo um" (DEPOIMENTO DE J, 20156) recém

chegado à escola, em uma aula observada. "- A sexta está chegando - Que chato, diz Priscila. - Por que você não gosta da sexta? Pergunta a professora.

quaisquer outros fatores e enfatizam a necessidade de os sistemasducacionais adaptarem-se para

atender a todos os alunos. O Brasil é signatário dos dois documentos. (DECLARAÇÃO DE

JOMTIEN, 1990;DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994). 6 SOUZA, Carla Maria de. Depoimento de aluno em sala de aula. Rio de Janeiro: Instituto

Benjamin Constant, 2015.

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- Por que em casa, é chato. Minha avó não deixa eu brincar com as

meninas na rua e só posso ver televisão. Aqui é mais legal. A gente

brinca no pátio, no dormitório...", responde Priscila. (DEPOIMENTO DE

PRISCILA, 2015).

Estes depoimentos exemplificam a diferença que uma escola

especializada fez e faz na vida de alguns alunos, dando-lhes oportunidades de se

expandirem, socializarem-se, aprenderemmelhor os conteúdos através de

recursos próprios. Esta socialização, então, não ficará restrita aos muros da

escola, estendendo-se pelos demais espaços em que o indivíduo cego venha a

circular.

Ela servirá de apoio para que ele se encontre e possa aprender regras

básicas, sem superproteção ou rejeição, pois ali será como todos os outros e nem

as crianças o protegerão. Observemos na entrevista de Andreia (2015) como as

crianças videntes aprendem a se comportar diante de uma criança cega:

"Às vezes, na hora do pique, alguém avisava a um recém chegado: - A Andrea é café-com-leite. Eu demorei um pouco a entender o que queria

dizer aquilo, mas quando entendi que era uma situação mais protegida,

confesso que me incomodou. Mas eu tinha que aceitar ser café-com-

leite... O que é que eu ia fazer?”(ENTERVISTA ANDREIA, 2015).

As situações são aprendidas em nossa vida a todo o momento e as

demais crianças que participavam do grupo de brincadeiras dessa professora

aprenderam que uma pessoa cega deve ser protegida, mesmo porque não

encontravam outra solução para que ela disputasse, em iguais condições, a

brincadeira. A professora, por sua vez, aprendia que em alguns espaços, em

algumas situações, não encontrava meio de rejeitar a proteção. Ou aceitava ou

estaria sempre em situação de desvantagem. Daí considerarmos que seja

importante haver situações em que a pessoa cega não se veja em desvantagem e

saiba encontrar soluções para seus problemas e enfrentar e conhecer os limites

que nascem da convivência e não de uma limitação.

2.2. Relações entre cegos e videntes hoje

"A maioria dos negros, inclusive na África, está obcecada em fixar-se. Esta

obsessão sugere a argumentação de Fanon, é resultado da impotência

social. Não conseguindo exercer um impacto sobre o mundo social, eles se

voltam para dentro de si mesmos. O principal problema desta atitude está

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na contradição em buscar a liberdade escondendo-se dela. A liberdade

requer visibilidade, mas para que isso aconteça, faz-se necessário um

mundo de outros" (GORDON, 2008, p 15, grifo nosso).

Em alguns aspectos, a situação vivida pelas pessoas cegas é similar à

vivida por outros grupos que sofrem opressão, como negros, mulheres,

homossexuais e, por isso, buscar referências junto a esses grupos nos ajuda a

analisar situações e compreender comportamentos.

Lewis Gordon (2008), prefaciando a obra Pele Negra de Frantz Fanon

(2008), no trecho em destaque, fala na contradição no comportamento dos

negros que querem se fazer respeitar como negros, mas, ao mesmo tempo, se

escondem e, segundo ele, escondem-se não simplesmente, isolando-se, mas

tentando negar sua cultura, sua cor, assumindo uma identidade que não é sua por

inteiro (GORDON, 2008 apud FANON, 2008).

Será que os cegos do campo pesquisado apresentam características

similares? Será que para integrar-se, incluir-se, o indivíduo cego no IBC abre

mão de suas ideias, opiniões e atitudes assumindo um papel que tenta, de

alguma forma, mascarar o seu estigma?

A relação com colegas videntes dentro da instituição faz com quealguns

cegos se vejam em total dependência destes colegas, escondendo assim seu

modo de ser para agir como os outros esperam que ele aja?

Estas informações são preciosas para que entendamos melhor como o

professor cego do IBC percebe o preconceito.

Será possível observar se há distintos tipos de relação entre indivíduos

cegos e videntes e, em alguns desses casos, poder-se-á perceber a tentativa do

indivíduo cego de fazer-se notar o mínimo possível, de não chamar a atenção.

Então, se há o que observar e comentar da relação entre cegos e videntes

dentro da instituição isso deve ser observado para reflexão e discussão, a fim de

estabelecer uma relação onde a falta de um sentido não seja motivo de

imposições ou de submissão. Que nem os indivíduos cegos sejam submetidos às

vontades de outras pessoas, nem estas, para proteger indivíduos supostamente

frágeis, aceitem assumir posturas paternalistas junto aos indivíduos cegos. Que

com esta análise possamos conhecer melhor o cotidiano de uma instituição

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especializada com suas características próprias, compreendendo como os

indivíduos cegos que ali atuam agem diante das situações com que se

defrontam, pois, estes comportamentos ajudaram a obtermos melhores

informações sobre questões fundamentais para compreensão do tema proposto.

Nosso aprendizado, sejamos cegos ou não, é de que o indivíduo cego éo

assistido, o que deve receber e não tem como colaborar. Por mais que o trabalho

se desenvolva em uma instituição especializada na educação de pessoas cegas e

com baixa visão, cabe avaliarmos se, de fato, a instituição demonstra acreditar

nesta educação, já que ela é formada por pessoas que aprenderam a acreditar de

formas distintas.

Como cegos e videntes, cumprindo as mesmas funções, recebendo os

mesmos salários, se vêem dentro desta instituição é o que queremos observar.

Para se entender como o cego percebe o preconceito, é preciso entender

como se dão as relações entre cegos e videntes no ambiente pesquisado, o

ambiente onde atuam e atuaram os sujeitos da pesquisa.

Relações estas que, com toda a certeza, sofreram e sofrem alterações

dependemos, no entanto, no que pude observar do ambiente atual. Para tanto,

também é importante que se conheça, ainda que superficialmente, o ambiente

físico do prédio onde se dão essas relações. Isto ajudará a entender certas

atitudes tanto de cegos como de videntes, formando uma ideia de como é o

espaço onde essas relações acontecem.

Construído no século XIX, seguindo os padrões arquitetônicos da época, o

prédio principal do IBC possui pilastras no meio do saguão do segundo andar,

janelas que se abrem para dentro, pilastras no meio do pátio. Estes itens estão em

total desacordo com as normas de acessibilidade vigentes no país atualmente,

porém nem sempre podem ser alterados, devido ao tombamento do prédio.

Conhecedores desta situação é comum que ao indicarem algum lugar a

um cego, os videntes especifiquem informações como "junto ao busto de Louis

Braille", referindo-se à estátua do saguão, ou "Depois do Pedro II". Entre os

cegos, isto é ainda mais usual. "Encontramo-nos depois do almoço no banco que

fica depois da segunda pilastra" referindo-se ao pátio, por exemplo, é algo

comum. Para proteção diária, é normal que nem cegos nem videntes usem o lado

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das janelas dos corredores. Sendo os espaços bastante largos, não há

impedimento em que se use apenas o lado da parede, no máximo o meio do

corredor sem maiores conflitos.

No dia-a-dia, os videntes usam até mesmo entre si, pelo costume, o

cumprimento verbal e não apenas o de cabeça. É considerado falta de educação

cumprimentar apenas com a cabeça, já que isso não permitiria ao cego saber

quem o cumprimenta e retribuir. No início, é comum que, pela força do costume

social, algum vidente o faça inadvertidamente, mas logo é informado por algum

colega sobre a necessidade de mudar este gesto e se insiste nele, vira alvo de

comentários entre cegos e videntes.

Em espaços de uso coletivo mais informal como sala dos professores e

espaços para refeições, é comum que cegos e videntes se sentem juntos e que

haja solidariedade entre uns e outros, com algumas exceções habituais em

qualquer ambiente de trabalho, onde nem todos conseguem integrar-se da

mesma forma. Se uma pessoa cega demonstra dificuldade em encontrar algum

utensílio de cozinha na copa, por exemplo, poderá solicitar a ajuda de algum

vidente próximo e será prontamente auxiliada.

Boa parte dos videntes ainda se constrange em receber ajuda de uma

pessoa cega. Pude observar, por exemplo, que uma professora vidente havia

esquecido o tempero da sua salada e hesitou em aceitar o tempero que a colega

cega lhe ofereceu, mas antes de hesitar, havia perguntado a uma outra colega

vidente se ela teria tempero, o que significa que desta ela aceitaria. Vale ressaltar

que a colega vidente não é mais íntima dela do que a colega cega que lhe

ofereceu o tempero.

O exemplo trivial pode suscitar uma importante pergunta.

Que sensação teria a pessoa vidente que aceitasse a ajuda de uma pessoa

cega? De estar explorando “covardemente” a alguém? De que é muito

vulnerável, já que dependeu momentaneamente de alguém com extrema

vulnerabilidade, segundo seu conceito?

Há pessoas cegas que contam com a ajuda de colegas videntes para

muitas coisas como: aquecer comida no forno micro-ondas, partir a carne, servir

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o café, ir a locais que funcionam no terreno do Instituto, porém em outro prédio,

acionar tomadas para ligar aparelhos elétricos etc. Isso faz com que muitos

videntes acreditem que todos os cegos terão as mesmas necessidades.

Quando um colega cego age com independência dispensando esta ajuda,

há certo atrito, embora não uma discussão. Frases insistentes como "Você tem

certeza de que não quer que eu faça?" ou aquele "Ai meu Deus!" dito na

suposição de que o cego não ouviu, por ele estar fazendo algo que o outro julga

perigoso, são comuns. Em resposta a isso, alguns cegos insistem educadamente,

em agir de forma independente, outros demonstram certa irritação com

respostas como: "Fulano, faço isso na minha casa e aqui muito antes de você me

conhecer" Ou, ainda, "Qual é o espanto, gente?!”

Muitos videntes, com o tempo, vão-se acostumando e aprendendo a não

generalizar, separando os cegos mais acomodados e com mais dificuldade dos

mais independentes, oferecendo ajuda aos que mais a procuram ou aos novos

que eles ainda não conhecem. Sabem que os outros solicitarão se realmente

precisarem. Da mesma forma, os cegos aprendem também quem são os

videntes mais solidários, disponíveis e até aqueles que fazem coisas

desnecessárias, estimulando a acomodação e se utilizam desta informação para

atender a seus interesses, quando querem coisas que poderiam perfeitamente

fazer sozinhos.

Nas reuniões de trabalho, é comum que cegos e videntes sentem-se

separadamente, bem como em eventos festivos maiores. Em ambos os casos,

não existe qualquer tipo de reclamação contra quem descumpre esta regra tácita,

mas se um vidente senta-se junto aos cegos, isto pode ser visto com espanto pelo

grupo e às vezes, até pelos outros videntes que fazem comentários como: "Tem

lugar aqui com a gente. Você não quer vir?" ou ainda "Ah, você vai ajudá-los?"

Se supõe que haverá necessidade de algum tipo de auxílio aos cegos,

compreendendo que o colega vidente postou-se ali apenas para isso e não por

amizade. Se ocorrer o contrário, isto é, se o cego senta-se onde estão mais

videntes, ou apenas videntes, pode ser bem recebido, participando das rodas de

conversa e integrando-se ou, pode simplesmente acontecer de ele ficar ali, mas

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ser colocado à margem dos assuntos, ou de ele mesmo se fechar e não querer

participar.

O mais comum, no entanto, é que, ao chegar ao espaço, o cego procure

ou pergunte por outros colegas cegos, ou seja direcionado para junto deles, seja

porque já tem este hábito e os videntes pressupõem que esta é a sua preferência,

seja porque acham que isso é melhor para ele e ele não reage.

Não se verificam casos de discriminação em tarefas desempenhadas na

instituição entre cegos e videntes de forma ostensiva, mas senota em dinâmicas

de grupo, por exemplo, que há pessoas videntes que procuram sempre outros

colegas videntes para participarem de seus grupos. Um fato chamou bastante

atenção.

Aconteceu em três grupos dos quatro que tive a oportunidade de

observar na elaboração do planejamento anual. Era necessário que os

professores se reunissem, em alguns casos por série, em outros por disciplina, a

fim de elaborarem o planejamento anual do trabalho com os alunos. Em três dos

quatro grupos observados, simplesmente os professores videntes disseram:

"Pode ficar tranquilo. A gente faz o plano e depois te mostra. Não precisa vir à

reunião". Um dos professores cegos protestou: "Ah, então vocês querem que eu

assine e use um plano sem que eu tenha concordado com ele. Por quê?"

Respondido com: "Não se trata disso. É que pensamos que seria mais prático.

Não é por nada..." E a posição do professor cego: "Não, muito obrigada. Virei à

reunião".

O professor cego foi, participou ativamente, integrando-se com seus

colegas. Nas outras duas situações em que isto ocorreu, o professor cego aceitou

a ideia "prática" dos colegas videntes. Quando algum colega cego é alçado a

um cargo um pouco mais elevado, seja uma coordenação ou uma chefia de

divisão, logo surge a pergunta por parte dos videntes: "Quem vai auxiliar

fulano?". Não se pode afirmar que ela seja feita pela totalidade do grupo, porém

por grande parte deles, podemos dizer que sim. Poder-se-ia dizer que esta

preocupação refere-se às questões ligadas a documentos e outros detalhes que

são essencialmente visuais.

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No entanto, ela não se justifica, havendo secretários, auxiliares

administrativos e sendo o trabalho realizado por uma equipe onde não há apenas

cegos. Além disso, estão ligados a esses aspectos alguns posicionamentos da

instituição com relação ao profissional cego, que abordarei mais à frente.

Uma situação chamou-me a atenção durante a pesquisa: há momentos

em que pessoas videntes que, de hábito, não buscam maior proximidade com

qualquer pessoa cega procuram alguma pessoa cega para compor um trabalho

que seja de seu interesse, uma composição de chapa para alguma associação, ou

para concorrer a algum cargo da instituição, por exemplo.

A partir desse momento, ela começa a ser vista regularmente

acompanhando pessoas cegas como se fossem colegas próximos e até amigos, o

que causa espanto em alguns pela brusca mudança de comportamento. Daí

podem decorrer alguns fatos: se ela atingir seu objetivo alcançando o cargo que

deseja, junto à ela, a pessoa cega pode manter-se como figura decorativa,

legitimando sua posição por ser uma instituição especializada no atendimento a

pessoas cegas. Podem ser formuladas algumas hipóteses: “o indivíduo que é

cego está apoiando o indivíduo vidente e vai trabalhar com ele"; ou, ainda: o

indivíduo vidente procurou apoio em um indivíduo cego apenas para legitimar

seu interesse no cargo, pois nunca se envolveu espontaneamente com qualquer

colega cego. Ambos os discursos podem vir tanto de cegos como de videntes.

Fica bastante evidente, neste caso, que existe uma discussão sobre a

possível instrumentalização das pessoas cegas por pessoas videntes dentro da

instituição.

Vale ressaltar que isto não quer dizer que a pessoa cega envolvida seja

absolutamente isenta no processo. Como em qualquer relação de interesses que

se desenvolva em qualquer lugar, neste caso, pode ocorrer de o cego envolvido

estar plenamente satisfeito com a situação de poder, ainda que aparente que lhe

é dada, ou pode crer que, estando nesta posição, poderá obter algo realmente

interessante para o grupo como um todo. Mas é fato que esta situação ocorre de

forma bastante comum e, muitas vezes, causa espanto entre os pares saber quem

foi o cego escolhido ou com quem aquela pessoa cega está andando, já que em

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anos de instituição, nunca se viu aquela pessoa vidente envolvida com qualquer

pessoa cega, exceto quando obrigada pela força do trabalho.

Há grupos envolvendo videntes e cegos em que as relações de amizade

ou, pelo menos de coleguismo, estendem-se para fora da instituição. Relações

em que a falta de visão não tem maior peso e onde nem os cegos se consideram

engessados pela superproteção de colegas videntes, nem os videntes sentem-se

sobrecarregados pela presença de cegos. Nesses casos, pode-se observar que os

videntes não se importam em aceitar ou mesmo solicitar favores que possam ser

feitos por pessoas cegas e, em contrapartida, os indivíduos cegos sentem-se com

liberdade para protestar até mesmo com veemência e de forma jocosa quando

um colega vidente tem uma atitude em que o indivíduo cego pode ser

considerado excluído, como quando se propõe um passeio a uma exposição de

fotografias, por exemplo. As desculpas são pedidas pelo colega distraído e

tranquilamente o grupo reformula sua proposta de passeio.

Outra situação que chama a atenção diz respeito ainda ao envolvimento

da pessoa cega com situações de destaque. Há pessoas, videntes e cegas, capazes

de concordar com a escolha de um indivíduo para um cargo pelo fato de ele ser

um indivíduo cego, não levando em consideração seu envolvimento com aquela

função, seu preparo para ela. Consideram que o ideal é que a instituição ou

qualquer órgão de alguma forma a ela vinculado deva ter em seu comando

pessoas cegas, sejam elas preparadas ou não para o cargo.

Por outro lado, há mesmo cegos que têm reserva em concordar com a

presença de cegos em certas funções. Comentários como: "Será que não vão

passar fulano para trás?" ou "Não sei se um cego, sem alguém de confiança do

lado dele, dá conta." Surgem às vezes de outros cegos, no caso de trabalhos em

que a confiança é sim importante para qualquer pessoa, e não apenas para os

cegos. Há mesmo pessoas cegas que acham que todo professor cego deveria ter

um auxiliar de turma, isto é, um vidente que ficasse na sala observando o que os

alunos fazem em dia de aula.

Podemos, então considerar as ações de cegos e videntes dentro do campo

pesquisado como pertencentes a dois grupos, a saber: as ações inclusivas que

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trazem a aproximação entre cegos e videntes e as ações de exclusão que trazem o

afastamento entre esses dois grupos.

No primeiro caso, estão aquelas ações em que os saberes de cegos e

videntes são respeitados e acatados com igual consideração e não existe uma

tutela sobre o indivíduo cego. Direitos e compromissos são respeitados e exigidos

tanto de cegos como de videntes, considerando-se as peculiaridades de cada grupo

para o cumprimento desses compromissos, fazendo-se as adaptações necessárias

para que o indivíduo cego possa desenvolver seu trabalho com o máximo de

autonomia.

No segundo caso, podemos agrupar as ações que geram preconceito tanto

por parte dos videntes como dos próprios cegos. Ações que alijam um indivíduo

cego das discussões, projetos, trabalhos e até mesmo das atividades de

entretenimento dentro da instituição, bem como aquelas em que ele é submetido a

uma tutela que não se justifica com a falta do sentido da visão. Neste caso, cegos e

videntes acabam por afastar-se e esta situação só terá possibilidade de modificar-

se com a desconstrução de ideias pré-concebidas.

2.3. Grupos, linhas de pensamento e correntes na instituição

Pude observar, claramente, a presença de duas correntes marcantes e que

sempre se manifestam com relação à educação e à preparação dos alunos do

IBC. Professores parecem ter opiniões distintas sobre aspectos ligados à

educação de cegos, portanto divergem em pontos fundamentais do trabalho que

realizam dentro da instituição.

Voltando à questão do aspecto físico, já abordada no item anterior,

aparece aqui a primeira divergência. Um grupo considera um absurdo que o

tombamento seja superior às necessidades de acessibilidade da instituição e acha

que se deveria fazer de tudo para alterar este tombamento, permitindo que se

façam as obras que facilitariam a acessibilidade de todos. Pessoas cegas recém-

chegadas à casa poderão ter problemas para adaptar-se em espaço tão

inapropriado, segundo eles, e se a instituição não for capaz de assegurar a

acessibilidade em seu próprio espaço, como pleiteará que ela aconteça em outros

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espaços? Este grupo também defende a colocação de indicações em Braille em

todas as portas e quaisquer recursos que facilitem a acessibilidade, sobretudo

dos cegos, mas também de pessoas com outras deficiências.

Outro grupo concorda que há questões de acessibilidade que podem e

devem ser resolvidas, porém é radicalmente contra as alterações na arquitetura

do prédio antigo e principal. Este grupo defende que não se conseguirá isto nos

demais logradouros públicos que o cego venha a frequentar e que, na realidade,

não existe um mundo adaptado. Portanto, a experiência em um espaço tão cheio

de obstáculos como o IBC pode ser favorável para preparar a pessoa cega para a

realidade que irá enfrentar. Defendem eles que adaptação demais torna a pessoa

cega mais vulnerável. Quando ela se vir no mundo real, com suas dificuldades,

não saberá como contornar as situações que surgirem porque está habituada a

um mundo ideal que, então, só existirá dentro do IBC.

Nas reuniões de professores surge outro tema que causa impasse.

Quando ensinar o Braille aos alunos tidos como com baixa visão? Um grupo

defende que estes alunos só devem aprender o Sistema Braille quando e se

vierem a perder a visão. Pelo menos se estiverem em processo de perda do

resíduo visual que possuem. Segundo eles, é mais importante incentivar o uso do

resíduo visual e o aprendizado do Braille pode torná-los acomodados neste

aspecto, não querendo mais fazer esforço para ver o que podem ver se forem

treinados.

Outro grupo não acredita na possibilidade de uma pessoa não utilizar o

resíduo visual que possui e acha que sempre que for possível o indivíduo fará

uso desta visão. Acredita, no entanto, que o Braille deve ser ensinado desde

cedo a todos os alunos, inclusive os com baixa visão. Segundo eles, isto daria a

esses alunos a opção de utilizarem o sistema que lhes for mais confortável, pois

é comum que até pelo nervosismo de algumas situações, alunos com baixa visão

com quadros mais instáveis tenham dificuldade de ler em momentos de tensão,

como provas, por exemplo. Defendem eles que, neste caso, se vierem a perder a

visão um dia, estes alunos não sentirão o aprendizado do Braille como uma

tragédia, pois este aprendizado já terá ocorrido e eles verão o sistema como algo

mais natural.

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O grupo lembra ainda, que, em outros tempos, a casa já trabalhou assim,

ensinando os dois sistemas a quem tinha resíduo visual, mesmo porque no

Segundo Segmento do Ensino Fundamental, estes alunos teriam professores

cegos e estes professores não admitiam receber trabalhos de alunos feitos no

sistema de escrita comum. Todos precisavam, portanto, dominar o Braille. Isto,

segundo o grupo, jamais impediu que nenhum deles usasse a visão.

Ainda com relação ao ensino do Braille, há outra questão que divide

opiniões. Constatada a perda da visão como inevitável, concluindo-se que o

resíduo visual que o aluno possui é insuficiente para seu desenvolvimento

utilizando o sistema comum, ele deve aprender Braille, mas permanecer na

turma de baixa visão, ou deve ser imediatamente transferido para uma turma

onde se utilize o Sistema Braille?

Um grupo defende a permanência desse aluno na turma que utiliza o

sistema comum com tipos ampliados, alegando que entre os colegas de quem já

era mais próximo, o aluno poderá se sentir mais confortável. Eles defendem que

mesmo lá o professor tem condições de estimular este aluno a usar o Braille e

apenas quando ele dominar o novo sistema deve ser transferido, principalmente

se a iniciação ao novo sistema ocorrer no meio do ano letivo. Outro grupo

defende que, tão logo se decida pelo aprendizado do Sistema Braille que passará

a ser utilizado como sistema de leitura e escrita pelo aluno, ele deve ser

transferido para uma turma que utiliza esse sistema.

Segundo este grupo, é evidente que essa transferência deve ser tratada

com a família, com o próprio aluno, com a equipe de Orientação educacional da

escola e acompanhada pela mesma, bem como deve envolver tanto o professor

que está passando o aluno como o que está recebendo, no sentido de apoiar a

criança e compreender suas possíveis dificuldades de adaptação, no entanto

entende que quanto mais rápido o aluno puder ver o Braille em funcionamento

diário, mais se sentirá estimulado a usá-lo e os próprios colegas poderão ajudá-

lo, pois é bastante comum que os alunos tenham esse empenho em ajudar novos

colegas. Isso os faz sentirem-se importantes.

Acreditam, ainda, que o professor que já está lidando com o Braille terá

mais oportunidades para incentivar seu uso até propondo, aos poucos, que o

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aluno comece a fazer as mesmas atividades que seus colegas, respeitando seu

ritmo de domínio do sistema, enquanto na turma de baixa visão ele terá, de

alguma forma, a ilusão de que poderá voltar a utilizar o sistema comum.

O grupo lembra ainda que, se tratando o IBC de uma escola

especializada e ficando as duas turmas na mesma escola, o aluno não perderá o

contato com seus antigos colegas e nem os novos serão pessoas totalmente

estranhas.

Apenas a colocação do aluno em uma turma ou outra tem como objetivo

seu melhor aproveitamento e por isso, propõe logo a transferência para a turma

que utiliza o Sistema Braille e não a separação entre ele e seus amigos, mesmo

porque não faltarão oportunidades para que estejam juntos. Os próprios

professores de ambas as turmas podem proporcionar isso.

A cada vez que se discute a transferência de um aluno para uma turma

por causa de significativa perda visual, estes pontos voltam a ser discutidos sem

que o grupo chegue a uma conclusão. O assunto se estende reunião afora, e

aqueles que coordenam a reunião comprometem-se a marcar uma nova reunião

para discutir isso e essa reunião nunca acontece, o que faz com que cada caso

tenha um desfecho próprio e a instituição não tenha uma posição definida a

respeito do assunto.

Os tópicos aqui levantados são uma amostra, não só do momento de

divisão vivido pela casa como da percepção de muitos de seus professores do

trabalho que se realiza. Se atentarmos para a questão das barreiras

arquitetônicas, podemos ser levados a pensar em itens como proteção,

preparação para a vida, igualdade de condições, atenção às necessidades do

outro, confiança na capacidade do outro de se adaptar às situações.

Os itens ligados ao aprendizado do Sistema Braille por parte dos alunos

que possuem baixa visão, remetem-nos a discussões como: opinião dos

profissionais sobre o sistema de leitura e escrita usado pelos cegos,

posicionamento desses profissionais diante da cegueira, consequente valorização

da visão, preocupação com a aceitação do aluno de sua real situação, atenção ao

desempenho do aluno e à forma como está incluído no ambiente escolar.

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Podemos perceber, ainda, na posição de alguns profissionais o aspecto

estigmatizante do Sistema Braille que será mais bem abordado no próximo

capítulo, pois sendo uma marca registrada da pessoa cega, é visto por alguns

como identidade e por outros como elemento de estigmatização e, tanto um

aspecto quanto outro, podem aparecer nos posicionamentos dos profissionais ao

discutirem a situação do aluno que acaba de perder a visão, por exemplo.

2.3. O Lugar do Professor Cego

Jorge Luiz Borges, um dos mais renomados escritores argentinos, Ditou grande parte de sua obra. Ele soletrou cada palavra de Cegueira. Um relato

de sua vida como escritor cego. A cegueira foi considerada como uma das

fontes de inspiração de Borges. Como não enxergava, sua inspiração viria de sentidos pouco explorados pelas pessoas com visão. Essa possível

explicação para a genialidade de Borges é a que mais agrada às pessoas não

deficientes. (...) Mas não era assim que Borges descrevia sua deficiência.

Para ele, a cegueira deve ser vista como um modo de vida, um dos estilos de vida dos homens. Afirmar a cegueira como um modo de vida é reconhecer

seu caráter trivial para a vida humana (DINIZ, 2007, p. 7-8).

Em que pese o impacto que a palavra trivial possa causar neste caso,

creio ser importante observar a colocação sobre alguém que conviveu com a

cegueira como algo não espantoso, não trágico. Esta ideia ganhou força no

pensamento de Kenneth Jernigan, que foi grande representante dos movimentos

de cegos nos Estados Unidos e no mundo. Jernigan defendia uma "Filosofia

Positiva da Cegueira", não com o intuito da negação da situação, mas com o

objetivo de que houvesse mais preocupação com o como as pessoas cegas

participam da vida e agem no mundo do que com aquilo que elas não podem

fazer. Por anos presidente da National Federation of Blinds e representante

americano na OMC (Organização Mundial dos Cegos), Jernigan é, hoje, pouco

discutido e pouco lembrado em nosso país. Apenas conseguimos referências a

ele nas obras de Martins - estudioso português das questões da cegueira -

Hildebrandt (1998) e Zeni (2004), não havendo discursos ou artigos deste autor

no acervo do IBC ou em algures.

No entanto, sua postura com relação à cegueira inspirou Borges e, por

certo, muitos outros indivíduos cegos que, longe de negarem suas realidades,

acreditam nelas como um modo de vida próprio sem se considerarem inferiores

pelos meios de que se utilizam para relacionar-se com o mundo.

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Observar o lugar do professor cego dentro do IBC passa por observar

amaneira como a instituição considera, na prática, o trabalho desse profissional

e como ele se permite ser visto. Nem todos os cegos terão a mesma percepção

de Borges sobre sua condição e, muito menos as pessoas não cegas concordarão

plenamente com ele. Porém, esta é uma maneira que afasta a cegueira da

questão da tragédia pessoal, pois como estilo de vida, deve ser aceita e

contemplada entre os modos de viver dos muitos grupos que compõem a

sociedade e, como tal, também indica que o cego pode e deve contribuir com a

sociedade e ser respeitado como membro ativo dela, não sendo apenas um

assistido como, muitas vezes, acaba sendo visto.

Essa percepção do cego como assistido pode aparecer nas próprias

autoridades dentro da instituição, na maneira como lidam com tudo o que diz

respeito ao cego e à cegueira.

Se o objetivo é compreender como o professor cego vê o preconceito

elida com o estigma, nada mais importante do que trazer o que foi observado

por mim da forma como o campo se relaciona com o professor cego e, neste

caso, não falo mais do relacionamento informal, entre colegas e sim do exercido

pela presumível liderança daqueles que exercem vários cargos. Individualmente,

estas mesmas pessoas poderão ter maneiras distintas de lidar com a pessoa cega

e com a cegueira, porém o que nos interessa neste item é a abordagem do

oficial. Em uma instituição especializada para o atendimento a crianças cegas e

de baixa visão, qual é o lugar do professor cego?

Em primeiro lugar, é importante apresentar um dado sobre a direção

geral da instituição. Em 161 anos de existência, a casa teve apenas dois diretores

cegos: O professor Renato Malcher, nos anos 70 e o professor Jonir Bechara que

assumiu o cargo interinamente, atuando de 1992 até final de 1994. Nem durante

o período das nomeações, nem depois, com as eleições para o cargo, cegos

foram eleitos. O diretor atual, eleito em 2014, possui baixa visão e é ex-aluno da

casa. Pessoas cegas já ocuparam chefias de gabinete, de departamento e de

divisão. No quadro atual, temos a seguinte situação: dos cinco cargos do

gabinete, um é ocupado por cego e um por pessoa de baixa visão; das quatro

direções de departamento, nenhuma é ocupada por pessoa cega; das dezesseis

chefias de divisão, nenhuma é ocupada por pessoa cega.

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Dos três postos de supervisão existentes, nenhum é ocupado por pessoa

cega. Conforme será possível perceber no capítulo da análise de dados, há,

atualmente, treze dos professores cegos ativos na casa, sendo uma deles a

pesquisadora em um universo de mais de cem professores, considerando-se o

quadro efetivo.

Este número foi bastante elevado em outros tempos, o que se pode

concluir através de entrevistas em que professores que são ex-alunos da casa

declaram ter tido apenas um ou dois professores videntes em seu período de

escola. Esta queda no número de professores cegos está relacionada a inúmeros

fatores, alguns até apontados em algumas entrevistas.

A existência da atual lei de cotas que, se permite a entrada de pessoas

com deficiência em vários órgãos, limita sua entrada nos órgãos especializados

já que estabelece um teto exigido.

Questões de interpretação da lei são discutidas, pois há quem defenda

que não há impedimento legal a que se absorva pessoas com deficiência acima

deste limite e outros dizem que para essa absorção acima do limite seria

necessário que a nota da pessoa com deficiência fosse superior à nota do

próximo candidato sem deficiência a ser chamado, havendo ainda, quem diga

que não se pode ultrapassar aquele limite de pessoas com deficiência.

Se tomarmos por base a possibilidade de que a primeira corrente esteja

correta, ou seja, preenchidas as vagas estabelecidas por lei, só podem ser

chamados candidatos com deficiência que tiverem notas superiores às dos

candidatos sem deficiência que aguardam chamada, encontraremos outra

situação: o nível de escolaridade.

As exigências dos concursos são cada vez maiores e é muito mais raro

encontrarmos cegos candidatos com níveis de escolaridade como os que se vê

entre os videntes.

Um estudo apresentado na 36ª Reunião da ANPED (2013) mostra as

dificuldades da pessoa cega para escolarizar-se apesar das tecnologias bem mais

favoráveis. Selau e Damiani (2013) mostram em estudo apresentado na ANPED

que a existência das tecnologias não é o bastante, considerando que a maior

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parte das pessoas cegas possui poucos recursos e tudo o que existe em termos de

acessibilidade é custoso e não tem subsídio governamental, sobretudo para os

níveis de escolarização mais adiantados.

Discutir a possibilidade da permanência e da conclusão da educação

superior por uma pessoa com cegueira somente à luz da disponibilização

de recursos tecnológicos é como olhar para um iceberg observando apenas

a parte que está para fora d’água, imaginando que aquela imensa massa de

gelo flutuante é somente o que se vê, sem consciência de que a parte

imersa é muito maior do que a emersa. (SELAU; DAMIANI, 2013, p.1)

Os autores ressaltam ainda, a dificuldade de acessibilidade física, os

materiais inacessíveis por meios utilizados pelos cegos e outros entraves, o que

nos faz concluir que atingir a um nível de escolaridade mais elevado tem seus

obstáculos e nem todos têm condições para transpô-los. Algumas entrevistas que

serão apresentadas neste trabalho apontarão, também, aspectos que dificultam

esta caminhada. O fato é que atualmente, em um universo de cerca de 100

professores ativos, apenas treze são cegos.

Isto gera polêmica, pois há os que consideram que numa instituição

especializada, deveria haver mais professores cegos. Há os que entendem que

determinadas atividades são mais bem feitas por pessoas cegas principalmente

no que se refere ao ensino de crianças cegas e há os que não veem qualquer

questão nisto, entendendo que o importante é que o professor aja acreditando no

trabalho que faz e no aluno que tem.

No entanto, mesmo sem considerar um problema o fato de a casa

terpoucos professores cegos, um ponto que ainda não foi bem aceito pela casa

foi olfato de em seu último concurso a instituição não exigir conhecimento do

Sistema Braille. A preparação foi oferecida aos professores tão logo eles

tomaram posse não só com o aprendizado da codificação, mas também com o

conhecimento de outros recursos utilizados na educação especializada, porém,

muitos docentes acreditam que não há empenho por parte da direção em exigir o

que é realmente importante para a casa.

Outro assunto que traz constantes discussões entre os professores é a

dificuldade do professor cego em ser independente para executar certas tarefas

como enviar suas notas para a secretaria ou qualquer documento à sua chefia

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imediata. Os formulários não estão digitalizados e são sempre preenchidos à

mão, não sendo aceito seu envio via computador.

Recentemente, houve o caso de um professor que entregou seu diáriode

classe todo em Braille. Foi sugerido que este professor repassasse o diário para

o sistema comum com a ajuda de um secretário do departamento, mas o

professor recusou-se a fazê-lo alegando estar em uma instituição especializada.

A partir daí, autorizou-se que, aqueles professores cegos que o desejassem,

entregassem seus diários em Braille. Agora, como forma mais recente de

acessibilidade, ficou estabelecido que os professores podem enviar seu diário

por computador direto para as chefias.

Porém, no caso dos outros documentos, nada mudou e ainda é necessário

que se peça ajuda a um colega. A própria instituição não se organiza para

receber material digitalizado pelos professores no que se referea documentação,

relatórios, fichas de notas.

Isso pode demonstrar que, no entender da instituição, o papel do

professor cego é o daquele que sempre deverá ser auxiliado no preenchimento

dos documentos mais cotidianos. Se não existe acessibilidade, não é necessário

criar recursos para que ela exista, já que sempre se pode dispor de alguém

realize para o professor cego aquilo que ele não pode realizar sozinho.

É possível perceber a insatisfação de alguns professores cegos com esta

situação, embora nem todos se pronunciem a respeito. Há aqueles que,

simplesmente, solicitam a um colega vidente que preencha suas fichas e não

discutem o caso com as autoridades.

Outro tema bastante polêmico no que se refere ao lugar do professor

cego está vinculado aos livros adaptados no IBC. A adaptação de livros é a

transcrição e "adaptação" de exercícios de livros didáticos já existentes a fim de

que a criança cega possa utilizá-los em qualquer sala de aula, tendo em mãos o

mesmo material de que seus colegas videntes dispõem.

Até aproximadamente vinte anos atrás, o IBC trabalhava da seguinte

forma: transcrevia livros já existentes substituindo exercícios que exigissem o

uso da visão por outros com o mesmo objetivo, sendo esta substituição sempre

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feita por um professor da área. Para Matemática, considerada matéria

extremamente visual, utilizava livro próprio, feito por professores da casa.

No final dos anos 90 do século passado, a inclusão escolar ganhou mais

força e o IBC precisou trabalhar em sua parte gráfica com a adaptação de livros

que atendesse à chamada escola inclusiva, ou seja, aquela em que o aluno com

deficiência estuda na mesma turma com outros alunos sem deficiência ou, ao

menos, sem a mesma deficiência. Então o modelo de adaptação teve de mudar,

ganhou normas mais rigorosas e precisava atender ao que se espera em uma

escola inclusiva.

A produção feita no Departamento Técnico Especializado (DTE) ganhou

outro caráter, atendendo às exigências o MEC. Os livros ganharam descrições de

fotos, desenhos, esquemas, o que, na opinião de muitos cegos, torna sua leitura

enfadonha e faz com que por vezes, o aluno se perca, já não saiba mais porque

está lendo tudo aquilo e esqueça o objetivo da atividade. Exercícios que exijam

o uso da visão são mantidos recebendo ao final a instrução: "Peça ajuda ao

professor" para que o aluno cego solicite a colaboração do professor de sala de

aula, a fim de realizar o exercício. Caberá então ao professor decidir a melhor

estratégia para trabalhar com aquele aluno.

O grande problema, segundo o que pude observar, está no trabalho

comestes livros por professores cegos. Darei como exemplo uma atividade para

que se entenda a dificuldade.

O livro6 diz: "Descrição da figura: O Jogo de Xadrez, de Maria Helena

Vieira da Silva, 1943". A seguir, são feitas várias perguntas sobre a imagem

que, suponho, seja uma pintura. Na tentativa de fazer descrições sucintas, o

adaptador não forneceu mais informações para não tornar a leitura enfadonha

para o aluno e para não responder com sua descrição a algumas das perguntas,

porém tornou a realização da atividade inviável para o professor cego, que

precisaria conhecer o quadro, o que nem sempre acontece.Assim, no dizer

inclusive dos professores cegos que trabalham como consultores no setor de

adaptação, esta forma de trabalhar exclui o profissional cego.

6 A fim de preservar o trabalho de adaptação feito no IBC bem como os responsáveis pela

adaptação de cada livro não será citado o título do livro em que consta a atividade que serve

como exemplo.

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Alguns professores dizem abertamente que não se pensa no cego senão

como "clientela", aquele que vai receber o serviço, e nunca como alguém que

possa opinar sobre ele, o que explica a não preocupação com o cego professor.

Discordando de muitos itens da adaptação em geral, a maioria dos

professores, mesmo os videntes, ao trabalharem com turmas de alunos cegos, não

se valiam dos livros adaptados preferindo preparar seu próprio material.

O segundo segmento do Ensino Fundamental optou por uniformizar seu

trabalho com apostilas, mesmo porque trabalha com turmas mistas7 e julgou

que, sendo uma escola especializada, seria o ideal para atender a todos os alunos

- cegos e com baixa visão - que os professores preparassem atividades em que

ambos os grupos pudessem desenvolver-se com o máximo de independência

possível.

No primeiro segmento, as opiniões divergem. Há os que usam o livro e

suprimem certas atividades, há os que preparam seu próprio material e não se

utilizam dos livros adaptados pela própria casa.

Há professores cegos que atuam no setor como consultores, isto é, sua

unção é justamente, dizer se a adaptação feita está atendendo às necessidades da

pessoa cega permitindo que ela acompanhe as atividades e atinja aos objetivos

propostos pelo livro. Porém o que alguns destes professores alegam é que se

suas propostas de adaptação modificarem a estética do material, elas acabam

não sendo seguidas. Muito menos eles têm permissão para substituir qualquer

atividade por mais visual que seja e, em suas opiniões, isto não é adaptação.

Vale ressaltar que, segundo relatos de alguns profissionais da adaptação,

questionou-se durante muito tempo, a presença de professores cegos em um

serviço que adapta materiais para cegos.

Este embate deixa esta questão ainda não resolvida e a instituição, mais

uma vez, não tem posição fechada sobre o caso pois, como órgão do governo,

7 Turma mista, neste caso, refere-se às turmas onde há alunos cegos e com baixa visão. Do

Primeiro ao quarto ano do Ensino Fundamental, as turmas no IBC são classificadas como turmas

para uso do Sistema Braille e turmas para alunos que usam a escrita comum ampliada - alunos

com baixa visão. A partir do quinto ano, considera-se que as questões de domínio da escrita e

das técnicas de cálculo no sorobã já estejam bem conhecidas, permitindo que os alunos possam

frequentar as mesmas turmas. Então, formam-se as turmas mistas.

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deve seguir os parâmetros de adaptação determinados pelo MEC, porém como

centro de referência nacional na área da deficiência visual - título que o próprio

MEC lhe atribui e que está em seu Regimento Interno - é questionada sobre

olfato de se não deveria ser ela (a instituição) e não o MEC que é um órgão

geral, a determinar a melhor forma de se fazer a adaptação e se não deveriam as

direções, que se sucedem a cada quatro anos, lutar por essa atribuição.

Vale ressaltar, no tocante à adaptação de materiais, que a legislação

permite que sejam transcritos e adaptados materiais para garantir a

acessibilidade a deficientes sensoriais, sem necessidade de se solicitar

autorização ao autor, desde que isto seja feito com o objetivo único de atender

às pessoas com deficiência.

Podemos perceber, portanto, as questões que atravessam o trabalho nesta

instituição, questões que fazem parte da rotina de professores e professoras

sujeitos da pesquisa e que fazem com que cada um tenha sua forma de vê-las e

vive-las, já que, por mais que tenhamos características semelhantes, há

particularidades de nossa criação, de nossas experiências que não podem ser

generalizadas.

Quando estamos diante de grupos oprimidos e, sobretudo, quando não

pertencemos a eles, julgamos poder definir como seus membros devem

comportar-se. Como a mulher deve agir, onde o negro pode estar, como a pessoa

com deficiência deve ser conduzida. Estas atitudes estão relacionadas ao

preconceito que construímos de acordo com a maneira como aprendemos a ver

estes grupos, e com os indivíduos cegos não é diferente.

Eles mesmos moldados por esta educação podem aceitar esta postura ou

reforçá-la já que são participantes da mesma sociedade em que todos os outros

indivíduos desenvolveram ideias sobre as pessoas cegas.

Através das informações deste capítulo somos capazes de avaliar o lugar

que o professor cego tem hoje no Instituto Benjamin Constant. Um lugar que

precisa ser revisto, redimensionado e reavaliado. Um espaço que ainda necessita

de mais discussão a fim de que pessoas cegas e com baixa visão,para quem a

institui.

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3. Conceitos

Alguns conceitos nos ajudam a compreender melhor a questão da

deficiência em geral e da cegueira em particular. Conceitos como estigma,

preconceito e estereótipo aparecem, de alguma forma, entrelaçados e precisam

ser mais bem colocados. O conceito de exclusão precisa compor este capítulo

devido à sua relação com o tema da deficiência visual.

A maneira como a pessoa cega percebe o preconceito está

relacionadacom as situações de exclusão, de preconceito ou ligada ao estigma

que ela já viveu ou presenciou e como aprendeu a negociar com as outras

pessoas diante dessas situações.

No entanto, é mais consistente iniciar esta análise com uma amostra de

como a situação da pessoa cega mudou com o tempo. Como ela era vista na

Antiguidade e como é vista hoje. Vale compreender o quanto da percepção que a

sociedade sempre teve da cegueira influencia ainda hoje o modo como todos,

cegos ou não, se comportam diante da cegueira.

3.1. A Cegueira e a história

A história dos cegos é a história da estigmatização da cegueira. Ainda que

nem sempre disso os cegos se apercebam, são eles dela importantes

agentes, pois sua postura diante da sociedade e de sua limitação conforma

suas transformações. (ZENI, 2004).

Ainda que se possa questionar a maneira contundente como o autor

afirma que "A história dos cegos é a história da estigmatização da cegueira", é

fato que, nos registros encontrados sobre a história dos cegos e a percepção da

cegueira, sempre estes indivíduos são colocados à margem. São raras as

situações em que um cego ocupa um lugar diferente ao da estigmatização e

quando tal acontece, acaba por chamar a atenção por ter sido ali posto a prova

um conceito já cristalizado.

No entanto, é importante ressaltar, ainda, que o trecho em

destaquelembra o papel do próprio indivíduo cego nesta maneira de se ver a

cegueira.

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Façamos um breve retrospecto da situação dos cegos na história. Pelas

informações encontradas em Belarmino (2004), Martins (2006) e Zeni (2004),

tomando como ponto de partida a Antiguidade, veremos algumas situações em

que o indivíduo cego é colocado como pedinte ou como ser cheio de poderes

especiais.

Belarmino (2004) nos apresenta essa realidade bipolarizada da situação

do indivíduo cego, que teria começado ainda na antiga Grécia e ganhado mais

força na Idade Média.

As apreciações forjadas sobre a cegueira ao longo das culturas humanas,

tendencialmente organizaram-se em dois pólos principais, tendo como

apreensão fundante uma ideia patológica da cegueira. Num primeiro plano,

aparece a noção da cegueira como desgraça, castigo a ser expiado, criando-se

um em torno de clara demarcação social no qual os indivíduos cegos são vistos

como não pessoas, ocupando as bordas da cultura.

No segundo, há representações que envolvem a pessoa nesta condição

em uma espécie de aura de mistério e de magia. Aqui, o “estigma negativo se

transforma em estigma aparentemente positivo à medida que se associa à

cegueira saber e poder” (BELARMINO, 2004, p. 103, grifo nosso).

Pode-se observar nas constatações trazidas pelo texto a situação já

apresentada, vivida durante largo tempo pelas pessoas cegas. Ou eram

completamente abandonadas, mesmo porque não se conheciam as causas da

cegueira e as suposições de castigo e maldição cercavam estes indivíduos;ou

possuíam grande valor como é apresentado por Sófocles na tragédia Édipo Rei,

em que o cego Tirésias é o responsável por desvendar as causas de toda a

tragédia que cerca o reino. Ele pode ver o que ninguém vê.

Avançando cronologicamente, na Idade Média, o Cristianismo

dominante pregava a caridade e o asilamento de todos os que precisassem de

assistência. Assim começaram a aparecer os tiflocômios, isto é, instituições onde

eram abrigadas pessoas cegas. Estas deixavam os tiflocômios para pedir em

favor do próprio sustento dentro das instituições.

Zeni (2004) registra que, embora em menor escala, são encontrados

registros de cegos que tinham a função de rezar antes dos duelos, nas exéquias

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de pessoas importantes ou de liderar os terços, o que está em conformidade com

a visão dicotômica da cegueira apresentada por Belarmino (2004), já presente

desde a Antiguidade. São encontrados ainda registros de mulheres cegas que

auxiliavam nos serviços domésticos, costurando e bordando.

Ainda que parcos, Zeni (2004) traz registros de cegos que se sustentavam

com a confecção de vassouras, cestos de vime e outros trabalhos em que se

podia prescindir do uso da visão.

Ainda, com relação a este período, Martins afirma:

Em todo o caso, poderemos afirmar que o exercício da caridade, nas suas

múltiplas vertentes, terá constituído uma das formas centrais de

objetivação sócio cultural da experiência da cegueira na Idade Média. A

assunção que aporta nos nossos dias, tanto ao nível das instituições

presentes nas sociedades civis como nos valores que permanecem ligados à

cegueira à vivência da vulnerabilidade, da piedade e da dependência

(MARTINS, 2006, p. 55).

De fato, é bastante comum que, ainda hoje, a imagem da pessoa cega

seja relacionada às questões da caridade, da piedade e da fragilidade, o que

ainda é agravado pelo super valor que é dado à visão. O fato de vivermos em

uma sociedade onde tudo é preparado pressupondo basicamente o uso da visão,

não só marginaliza realmente o indivíduo cego como cria nos videntes uma ideia

de dependência da pessoa cega que vai além do real, pois somos todos

preparados para usar a visão acima de tudo, esquecidos de que há situações que

podem ser analisadas e resolvidas por meio de outros sentidos.

Esta percepção do indivíduo cego como ser frágil dependente e, em

alguns casos, incapaz de pensar e ter vontade própria chega até nossos dias,

embora com muito menos força, dadas as mudanças ocorridas na sociedade e os

avanços tecnológicos que contribuíram para diminuir essa dependência e

vulnerabilidade.

Porém, saindo da era medieval, vamos começar, lentamente, a encontrar

situações um pouco diferentes, ligadas ao surgimento das fábricas, com a

necessidade de mais trabalhadores.

No artigo intitulado “O Trabalho como Categoria de Análise”, Neres e

Corrêa (2008) abordam tanto histórica como sociologicamente, inúmeros

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aspectos da relação entre o cego e o mercado de trabalho e, ao abordarem a

questão da ascensão do capitalismo, afirmam:

"Aqui, pode-se destacar que a divisão do trabalho também permitia a

incorporação dos deficientes visuais na produção. Uma pesquisa realizada

por Neres (1989) mostra que, ainda hoje os postos de trabalho ocupados

por cegos são aqueles em que, tradicionalmente, a visão é dispensável.

Com a divisão do trabalho, o desempenho de cada tarefa vai impor as

especialidades. De cada trabalhador exigir-se-á apenas sua eficiência para

aumentar a produção. Desse modo, na medida em que o trabalho se torna

parcelado e simplificado, a pessoa com deficiência pode ser aproveitada

para o trabalho, passando a ser mais uma força de trabalho disponível ao

capital" (NERES; CORRÊA, 2008, p. 155).

Aqui, pelo próprio contexto do período, podemos encontrar pessoas com

deficiência atuando em várias funções nas fábricas e os cegos estão incluídos

neste grupo. Vale ainda notar que, com a saída do homem do trabalho agrícola

para o trabalho nas fábricas e com a absorção de mulheres e crianças neste

trabalho, o número de pessoas que ficaria nas residências para "tomar conta do

parente cego" era bem reduzido. A vida nos meios urbanos exigia cada vez mais

recursos financeiros. Tudo isso estimulava a que se aceitasse um pouco melhor

o trabalho de pessoas com cegueira.

No século XVIII, mais precisamente em 1749, Diderot publicou a "Carta

sobre Os Cegos para Uso dos que Vêem", citada por Martins (2006) e Zeni

(2004). Neste documento, o enciclopedista francês relata experiências já

registradas por outros e também aquelas vividas por ele para conhecer melhor a

maneira como estes indivíduos viviam. Ao referir-se a esta carta, Martins

declara:

A carta em causa constitui a mais significativa reflexão sobre a cegueira

realizada num espaço de muitos séculos, pelo caráter precursor de seu

conteúdo e pelo simples facto de ter colocado o tema da cegueira entre as

elites culturais (MARTINS, 2006 p. 59).

O texto do enciclopedista francês usa como base informações sobre

Sanderson, cego que teria lecionado em Cambridge, e observações feitas pelo

próprio Diderot na vida cotidiana de um indivíduo cego que ele registra apenas

como Cego de Puissaux, por causa da cidade onde vivia.

"Gostava dos cuidados domésticos e o fazia sozinho nas horas em que

todos descansavam. Gostava de trabalhar à noite para não incomodar ninguém,

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já que prescindia da luz para estas atividades." (DIDEROT, 1979, p. 3 apud

ZENI, 2004).

A observação fez Diderot perceber outras maneiras de se conhecer e

relacionar-se com o mundo, concluindo ele pela capacidade do cego e pela

constatação de que certos pormenores no modo de vida podem auxiliar o

desenvolvimento destes indivíduos. Esta postura poderia apontar para uma

percepção de que o modo de vida, as escolhas para organização das pessoas

cegas não são inferiores às feitas pelos videntes e sim diferentes. Em nenhum

momento, Diderot refere-se de maneira pejorativa aos costumes do Cego de

Puissaux, o que pode nos levar a entender que, para ele, era apenas uma

diferença de hábitos. Este caminho pode levar a uma ideia de uma cultura cega,

com seus hábitos e modos de perceber e integrar-se no mundo.

Falando sobre a questão do trabalho com relação ao Cego de

Puissaux,revelando preocupação com o trabalho remunerado, acrescenta:

sabe um pouco de química e acompanhou com algum hêsito as aulas de

botânica nos Jardins do Rei. Nasceu de um pai que professou com aplauso

a filosofia na Universidade de Paris. Desfrutava de uma fortuna honesta

com a qual teria facilmente satisfeito os sentidos que lhe restam, mas, o

gosto pelo prazer arrastou-o na mocidade, abusaram de seus pendores, seus

assuntos domésticos atrapalharam-se e ele retirou-se para uma cidadezinha

na província de onde faz, todos os anos, uma viagem a Paris. Traz, então,

licores que destila e com os quais a gente fica muito contente (DIDEROT,

1979, p. 3 apud ZENI, 2004).

Aqui fica claro que, pela origem, o cego de Puissaux não era, em

princípio, candidato à mendicância. Teria condições de sustentar-se e antes que

fosse necessário recorrer às esmolas, buscou outro meio de vida em local mais

modesto, no qual, levando vida mais simples, conseguiria sustentar-se, além de

ter como tarefa a destilação de bebidas.

O texto mostra o indivíduo cego como alguém útil e capaz. É um

elemento importantíssimo na história das pessoas cegas, já que apresenta

indivíduos com qualidades e falhas, pessoas capazes de solucionar problemas,

vencer obstáculos com o uso da inteligência, como as pessoas têm feito ao longo

da história.

A escassez de indivíduos cegos que se destacassem, a dificuldade na

difusão de informações à época, decerto justificam o fato de haver poucos

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sujeitos na pesquisa de Diderot. No entanto, há um ponto importante a se

destacar: o cuidado em estar junto ao indivíduo cego observando o seu dia-a-dia

para falar do que se presenciou e não do que se ouviu dizer, comprovando-se o

que era registrado. Além disso, como bem destacou Martins (2006), o simples

fato de trazer o tema à discussão e mostrar as possibilidades da pessoa cega faz

deste documento algo marcante na história dos indivíduos cegos.

A carta de Diderot aparece numa época em que os indivíduos cegos

começam, lentamente, a ser encarados como força de trabalho, elemento útil

dentro do sistema capitalista crescente.

Martins (2006) ressalta que, nesta época, começa a cair aquilo que ele

chama de mundo encantado, referindo-se à ideia que a maioria das pessoas

fazia de que o cego estava ligado ao sobrenatural. Surgem novas ideias e

perspectivas para este segmento da sociedade e a carta de Diderot tem

contribuição importante nessas mudanças, já que é também na França que outras

mudanças ainda maiores terão lugar.

É no mesmo século de sua publicação, o XVIII, que surge o Instituto dos

Jovens Cegos de Paris, criado para ensinar ofícios manuais a cegos, dando-lhes

alguma educação.

Após assistir a indivíduos cegos em uma exibição humilhante e ridícula

em uma praça parisiense pedindo esmolas, Valentin Haüi decide buscar uma

forma de oferecer àqueles indivíduos um meio de sobrevivência mais digno. Se

não fosse possível exatamente fazer algo por aqueles cegos adultos que, pelo

menos, se fizesse pelas crianças. Após trâmites e entraves, ele fundou e dirigiu

por anos o Instituto dos Jovens Cegos de Paris, que serviu de modelo para

outras instituições similares na Europa, dada a força que a cultura francesa tinha

à época. Em 1818, cerca de vinte anos depois da fundação da escola,

matriculou-se nela o pequeno Louis Braille, que ficara cego aos três anos. Lá,

como todos os alunos, Braille aprendeu ofícios manuais, música e seus estudos

de escrita e leitura deram-se com o uso de letras do sistema comum talhadas em

madeira para que o relevo permitisse a leitura. Este sistema, no entanto, tornava

a leitura muito lenta, os textos por demais volumosos e a escrita muito

dependente.

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Certo militar de nome Charles Barbier havia criado um método

desinalização em relevo através de pontos para que mensagens fossem lidas no

escuro pelos soldados, evitando, assim, que os inimigos percebessem a

movimentação dos militares. O sistema jamais foi adotado pelo exército francês,

porém Barbier pensou na possibilidade de o sistema ser de utilidade para a

escrita e leitura de pessoas cegas.

Apresentado à direção do Instituto de Paris, não foi considerado

importante, mas ao saber da existência dele, o ainda aluno Braille quis conhecê-

lo. Pelo sistema de Barbier, a combinação de pontos fazia um sinal que

transmitia uma mensagem completa como "Atacar pela direita", por exemplo. A

partir daí, então, Braille elaborou um sistema mais complexo em que cada sinal

simbolizava uma letra, permitindo assim que se escrevesse qualquer coisa.

A primeira versão do Sistema Braille de leitura e escrita saiu em

1825,ano que ficou marcado como da sua criação, porém o Braille, com todos os

símbolos que possuímos hoje, foi concluído em 1837.

Segundo Hippolyte Coltat (1853 apud CERQUEIRA, 2009) biógrafo de

Braille, este já era professor da casa e, mesmo assim, a direção não permitiu a

implantação do sistema, alegando sua dessemelhança do sistema comum de

escrita e a dificuldade dos professores videntes em aprendê-lo. Apesar disso, por

atender muito melhor às necessidades dos alunos, o sistema tornou-se popular

entre eles e tanto o chefe de ensino como alguns professores videntes da casa o

aprenderam e permitiram seu uso corrente. A notícia da existência do sistema se

espalhou. Cegos de outros países iam a Paris não só pela estrutura da escola - a

melhor à época - mas também para conhecer o sistema, que foi aprovado como

oficial em outros lugares antes que o fosse na própria terra de seu inventor, o

que só aconteceu após sua morte8.

Pode-se observar o caráter revolucionário do sistema, bem como a

preocupação da administração da casa em manter os alunos ligados a um

conceito de normalidade que não atendia às suas necessidades, fazendo com que

o sistema se impusesse pela sua excelência no uso por pessoas cegas.

8 CERQUEIRA, Jonir. Informações sobre a vida e obra de Louis Braille, 2009, p. 6

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O Instituto Benjamin Constant foi pioneiro na difusão do Braille entreos

cegos em terras latino-americanas e a ideia de uma escolarização de pessoas

cegas concretizou-se nele, pelo menos para os cegos brasileiros.

Alguns, conforme registram Silva (2013) e Lobo (2008), mostram o

caráter controvertido da criação de instituições de ensino para pessoas com

deficiência, pois foram também vistas como espaços onde se podia isolar estes

indivíduos até mesmo por questões de saúde pública, partindo da perspectiva da

deficiência como doença.

Apesar disso é impossível negar as conquistas obtidas pelos cegos apósa

criação do Sistema Braille, criado por um cego, impondo-se pelo uso entre

cegos, permitindo acesso mais independente a textos, jornais e toda forma de

comunicação escrita. Com ele, os estudos de línguas e ciências tornaram-se mais

aprofundados e a música passou a ter seu registro teórico, podendo o indivíduo

cego ter acesso às partituras. Então, veio também a necessidade de se criar

outros instrumentos para melhor desenvolvimento da Matemática, da Química,

da Geografia etc.

Sobre a importância do sistema Braille no desenvolvimento dos

indivíduos cegos e ressaltando que todas as tecnologias criadas até hoje, se

muito auxiliam não o substituem, Belarmino (2004) afirma:

Se quisermos, ao mesmo tempo, sutilizar e evidenciar ainda mais a

importância desse processo, diremos que o Sistema Braille permitiu que os

indivíduos cegos saíssem do seu mundo específico para compartilharem de

forma mais abrangente esferas comuns de realidade com os outros

indivíduos da cultura. Proprietários de um competente sistema simbólico

manejado por eles próprios, os indivíduos cegos encontraram no Braille a

ferramenta fundamental que lhes permitiu uma nova individualidade

histórica, todo um mundo amplo a se descortinar nas pontas de seus dedos,

numa revolução semiósica levada a cabo por apenas seis pontos em relevo

(BELARMINO, 2004, p. 91).

Levanta-se aqui, ainda, outro aspecto. O da comunicação entre

ospróprios cegos. Trocas de informações, instruções, ideias tornaram-se muito

mais viáveis com o uso do Braille, nunca deixando de lado o caráter inclusivo

do sistema que garante ao indivíduo cego receber e transmitir informações por

escrito a qualquer pessoa cega ou não. O trecho toca, ainda, na questão da

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formação de uma cultura própria, o que poderíamos nomear como uma cultura

cega.

Essa linha de pensamento poderia apontar para uma percepção do modo

de vida do indivíduo cego não como desviante de um padrão estabelecido, mas

como cultural, apontando outra maneira de o grupo ser visto. Uma maneira

menos estigmatizante, não tão carregada de preconceitos e não tão

inferiorizante. Essa ideia ganha sentido na medida em que, para muitos

aprendizados e para o desempenho de várias tarefas, para a compreensão e

relação com o mundo, enfim, a postura do indivíduo cego é bastante peculiar e

pode ser vista como uma forma de cultura. Se observarmos o Sistema Braille,

por exemplo, já notaremos algumas questões únicas.

Para que se compreenda melhor a que se referem aqueles que falam nas

particularidades do sistema, apresentam-se, aqui, dois exemplos simples sobre a

escrita Braille.

Embora ele não se constitua numa língua e sim num código, apresenta

peculiaridades como um sinal para indicar a letra maiúscula, já que não é

possível fazer a mesma letra em dois formatos - o maiúsculo e o minúsculo - ou

um sinal para transformar as letras em número usando-se as letras de a até j.

Colocando-se este sinal diante das dez primeiras letras do alfabeto, seguindo a

sequência do alfabeto, cada uma delas, da a até j, torna-se um algarismo de um a

zero. Assim, para formar o número dez, usa-se o sinal de algarismo.

A visão de uma cultura cega pode ganhar contornos na medida em que

os cegos de várias partes do mundo puderam se comunicar e o Sistema Braille

foi fundamental neste processo.

No entanto, não podemos ter a ingenuidade de acreditar que com o

advento do Braille a realidade das pessoas cegas modificou-se por completo em

tão pouco tempo, já que o sistema ainda não completou duzentos anos. A

mudança é clara mas não brusca nem tão plena como se poderia desejar, pois há

outros componentes sociais envolvidos e alguns, até hoje, não foram alterados.

Ao falar sobre o surgimento do Braille, Martins (2006) analisa esse

contexto da seguinte forma:

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"O percurso emancipatório em que há sempre o reconhecimento da

viabilidade e importância da educação das crianças cegas, sublinhado pelo

advento do Braille, permitia vislumbrar um porvir em que as suas

expectativas e possibilidades deixassem de estar irrevogavelmente

constrangidas pela sua limitação sensorial e pelas interpretações

exotizantes da sua condição. Tal não aconteceu. Isto sim que as sucessivas

conquistas desde a carta de Diderot se vieram a confrontar com os tenazes

obstáculos criados pelo modo como a Modernidade, a mesma que

consagrou o nascimento do Braille, reinvestiu de significado a experiência

da cegueira. Portanto importa ceder à leitura sociocultural que o

pensamento moderno faz da experiência da cegueira. Aí se funda a

persuasão de que o desencantamento da cegueira, longe de dar lugar a

qualquer neutralidade, objectiva, se deu a par com o processo de

objectificação que, embora imbuído da novidade moderna, criou as

condições para a perpetuação do que vinha a marginalização e

subalternização das pessoas cegas (MARTINS, 2006, p. 63, grifo nosso).

Destaque para a expressão desencantamento da cegueira reportando

novamente à questão do mundo encantado, expressão já utilizada pelo autor.

Assumindo a concordância com o texto acima, constata-se a dificuldade, ainda

hoje, da pessoa cega em deixar o espaço da subalternidade em todos os grupos

sociais, desde a família até a sociedade mais ampla, bastando para isso que

observemos a dificuldade de acesso independente a logradouros públicos, a

tantos recursos que possuímos na atualidade, à instrução etc.

Se pudermos perceber neste breve retrospecto, pontos de avanço na

história das pessoas cegas e, decerto eles são importantes, cabe uma reflexão

quanto às mudanças na maneira como a sociedade lida com a questão da

deficiência em geral e da cegueira em particular.

As observações feitas e as entrevistas colhidas nos levam a concluir

queas questões de subalternidade, caridade recebida e descrença ainda fazem

parte da vida do cego atual de formas distintas.

Por vezes, o indivíduo cego julga importante garantir seu direito às

suaspróprias ações e colocar-se diante da sociedade porque percebe na atitude

dela o mesmo gesto comiserativo de antes. O extrato de uma entrevista

exemplificará esta afirmação:

“Houve um concurso para professor do estado. Fiz o concurso e passei.

Mas não me permitiram tomar posse. De alguma forma, uma importante

emissora de televisão ficou sabendo e resolveu comprar a minha briga. O

estado entendeu que era melhor não brigar com a tal emissora e nem

precisei brigar muito para ser empossado. No dia da minha posse houve

muita repercussão e uma repórter me perguntou o que eu achava de o

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governo estar me dando aquela grande oportunidade. Disse a ela que o

governo não nos dava nada; nós é que conquistávamos”. (ENTREVISTA

HAROLDO, 2014).

O posicionamento do professor está pautado no fato de que ele, como os demais

empossados, foi aprovado no concurso. Portanto, o estado havia sido apenas

justo dando-lhe a vaga que já era sua por direito.

Esta ideia de dádiva da sociedade com relação à pessoa cega pode ser

bem ilustrada na letra do Hino à Instalação do Instituto, composto no século

XIX para celebrar a fundação da escola e que foi executado no IBC durante

muito tempo, embora hoje, não seja mais. Vejamos apenas o refrão.

Salve pátria que ao cego teu filho Não recusas da escola o favor Possa o cego rival de Castilho9 No Brasil ser da pátria cantor (AUGUSTO JOSÉ RIBEIRO).

Acreditava-se na bondade de se conceder a educação aos cegos como se

esse não fosse um direito de qualquer cidadão e, ainda que hoje esta ideia não

seja tão corrente, pode ainda permear o pensamento e a ação de cegos e

videntes. A percepção do indivíduo cego como alguém mais vulnerável em tudo,

necessitado de ajuda e muitas vezes incapacitado, não pela falta da visão, mas

por uma ideia preconcebida de suas reais condições está também relacionada à

valorização excessiva do sentido da visão, tema que será mais bem abordado no

próximo tópico para que se discuta como são avaliadas pessoas que prescindem

deste sentido, em uma sociedade na qual o visual é sinônimo de tantas coisas

que, na prática, não estão ligadas a ele.

3.2.Valor da Visão

Nossa sociedade é organizada tendo a visão como eixo principal de todo

o conhecimento e desenvolvimento. Aparelhos, utensílios domésticos, eventos

para entretenimento, tudo é projetado e organizado tendo em mente aqueles que

9 António de Castilho foi um poeta português cego do século XIX. Letra de um trecho da música

de Augusto José Ribeiro.

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podem ver. Segundo Colin Barnes (2013) a maneira como a sociedade se

organiza e suas exigências são exatamente o que cria a situação de limitação dos

indivíduos, o que fará com que esta limitação seja maior ou menor, dependendo

do tipo de organização social que se tenha.

A supervalorização da visão está entranhada em nós desde que nascemos

e nos habituamos tanto a ela que não percebemos o quanto nossas atitudes,

palavras e movimentos estão vinculados a esta supervalorização.

Um exemplo literário pode ilustrar esta nossa tendência. No livro “Um

Ensaio sobre a Cegueira”, de José Saramago (2000), o autor cria uma situação

em que todos os moradores de um local fictício ficam cegos. Desconsiderando,

neste momento, toda a representação política que esta imagem possa abordar,

percebe-se que o grupo principal do livro possui um vidente. Apenas este grupo

tem um vidente, nenhum outro. É o grupo que consegue escapar de todas as

situações, solucionar todos os problemas e o vidente torna-se o líder. O autor

não conseguiu criar situações em que o cego encontrasse soluções sozinho.

Houve breves momentos em que pessoas que já eram cegas antes que a epidemia

que tomou conta do lugar surgisse, tomaram a liderança, mas foi por pouco

tempo e o grupo principal, sempre liderado por um vidente, conseguia melhores

resultados do que os demais.

Levando-se em consideração o excessivo valor que sempre aprendemos

a dar à visão, pode-se depreender que um texto como este, em que pese seu

indiscutível valor literário, pode alimentar este peso, reforçando a posição do

cego em nossa sociedade como a de alguém inferior, com menos capacidade

pela cegueira, mesmo em situações que nenhuma relação tenha com a visão.

Em seu artigo intitulado “Pesquisa acadêmica e deficiência visual:

resistências situadas saberes partilhados”, Bruno Sena Martins (2013), após

algum tempo de pesquisa entre deficientes visuais, propõe que as realizações

dessas pesquisas visem a uma maior integração com participação dos indivíduos

cegos como sujeitos e agentes, pois lhe parece bastante claro que ele, como

alguém que nunca viveu a realidade dos cegos, não conseguirá transmitir da

forma mais fiel o que um cego transmitiria.

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Fica clara aqui sua intenção de mostrar que há coisas impossíveis

deserem descritas por ele com exatidão, pelo simples fato de nunca as ter vivido,

embora seja inegável a seriedade e consistência de seu trabalho, bem como a

fidelidade a muitas situações vividas por indivíduos cegos. Reconhece, porém, o

limite do pesquisador que está fora de um campo conhecido e vivenciado.

Vivendo situação inversa, falando de dentro do campo e cuidando

paraque outros limites não dificultem a pesquisa, verifica-se até mesmo nas falas

dos entrevistados o quanto estamos impregnados do valor da visão.

BertranVerine (2013) linguista francês da Universidade de Mont Pelier,

apresentou em sua fala no II Colóquio Ver e não ver, no IBC, uma afirmação

importante ligada à maneira como mesmo os cegos valorizam mais a visão do

que os demais sentidos, quando no fundo, aliás, no óbvio, é deles que dependem

e é com eles que conseguem relacionar-se com o mundo e no mundo. Verine

mostra em seu trabalho a pregnância da visão na vida das sociedades e as

possibilidades de reavaliação dessa pregnância.

Vejamos, no entanto, como ele se reportou a esta situação em que o

próprio indivíduo cego parece se esquecer do valor dos demais sentidos e a

sociedade não consegue avaliar como eles podem ser importantes nas relações

com os indivíduos cegos:

O silêncio sobre as sensações não visuais aparece como um duplo

paradoxo: em primeiro lugar, na identidade individual, pois os outros

sistemas sensoriais, além da visão são aquilo que constitui os deficientes

visuais em sujeitos perceptivos; em segundo lugar, na relação interpessoal

pois nas percepções assim construídas deveriam ser a prerrogativa mais

comum, mais facilmente compartilhável entre deficientes visuais e

videntes. (VERINE, 2013, p. 8).

O supervalor que se dá à visão, com construções sociais todas baseadas

neste sentido, acabam por excluir o indivíduo cego sem que se busque observar

quantas formas existem, através de outros sentidos, de se obter conhecimento,

informação e expressão.

Estamos tão arraigados à visão que nossa língua está repleta

deexpressões onde ela e tudo o que se liga a ela, como a luz, por exemplo,

parece positivo e tudo o que é ligado à cegueira, à escuridão, parece negativo.

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Dar uma luz 10= dar uma ideia; Ponto de vista = opinião, pensamento;

Lúcido = com raciocínio em ordem; Pessoa de visão = pessoa que pensa, que

tem boas ideias à luz de conforme o pensamento de = esclarecer = explicar; faca

cega = sem utilidade; Fé cega = fé que não admite raciocínio; Idade das trevas=

tempo em que o conhecimento, o pensamento não eram valorizados; Obscuro =

aquilo que está oculto, que não se conhece.

Estes são apenas alguns exemplos da maneira como a luz e a falta dela,a

cegueira e a visão aparecem em nosso vocabulário, sem que tenhamos

consciência disso e sem que possamos, a esta altura, mudar toda esta realidade.

Eu mesma, neste trabalho, usei e ainda voltarei a usar muitas vezes expressões e

palavras nesta mesma linha, porém creio importante pensarmos em como nossa

língua foi construída valorizando tanto um sentido, esquecendo-se de que temos

outros e no quanto esta ideia de que o indivíduo cego não é capaz ainda está

implícita em nós.

Elas não se atem apenas ao nosso vocabulário. Estão nos pensamentos eatitudes

diários.

Jacques Lusseyran (1924-1971), que nasceu enxergando e se tornou

cego, apresenta um posicionamento importante de ser destacado, pois seria a

colocação da visão em equipolência com todos os demais sentidos, libertando o

pensamento, da ideia de um sentido preponderante para todos e permitindo que

ele possa ser expresso por qualquer um deles.

Os olhos nos proporcionam muitas vitórias magníficas sobre o tempo e o

espaço e essa é a vantagem fundamental da visão. Ela nos coloca no centro

de um mundo que é muito maior do que nós. Todavia, não são essas as

qualidades de um instrumento ou de uma ferramenta? Suas vantagens são

óbvias, porém não dependem, exclusivamente, do uso que fazemos delas?

Em resumo, possui a visão um poder próprio ou ela nada mais é do que

uma ferramenta? (LUSSEYRAN, 1983, p. 3).

Todos os sentidos têm suas peculiaridades. Nada nos dará a percepção

do mundo que a visão dá, assim como nada nos dará a percepção do mundo

como obtemos pela audição, pelo tato etc. Portanto a questão é apenas a

10 Entenda o sinal de = como sendo a tradução na integra do sentido que a palavra tem quando

utilizada na inclusão social do deficiente visual. Tais palavras não se atem apenas ao nosso

vocabulário. Está nos pensamentos e atitudes diários.

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diferença na maneira de apreender o mundo. O cego se relacionará com o

mundo e descobrirá tudo o que há à sua volta sem usar a visão, mas nem por isso

ficará à margem daquilo que o cerca.

É fundamental, portanto, para que se compreenda melhor a situação do

indivíduo cego, que se entenda o fato de que sua maneira de aprender e

apreender não são visual, o que não significa que ele seja menos capaz.

Voltamos à questão do respeito ao diferente, da supervalorização da

visão, pois habitualmente se vê outras formas de aprender como não corretas,

não adequadas, como se apenas a visão pudesse conectar o homem ao mundo.

O ser humano, através da inteligência, sempre encontra meios de

aprender, descobrir e os meios podem variar de acordo com as necessidades e

possibilidades de cada um.

Daí a defesa de uma cultura cega, que não afastaria os indivíduos

cegosdas demais culturas que fazem parte de sua vida e sua história, mas o

colocaria na posição de alguém que tem suas diferenças culturais, nem melhores

nem piores do que as de outros indivíduos.

Criado por um cego, o Sistema Braille é bastante eficaz porque utiliza

outro sentido completamente independente da visão, embora os videntes que o

dominem façam a leitura com os olhos. Isto só mostra que as condições para

integração dos dois sentidos visão e tato acontecem promovendo a comunicação,

sem problemas quando compreendemos os vários caminhos que podem ser

usados para a comunicação.

Povoar o mundo apenas com recursos visuais afasta os indivíduos cegos

do conhecimento, alija-os do desenvolvimento social e demonstra preconceito

por supor que não é importante que eles estejam nesse processo.

Compreender as necessidades do outro como tão importantes quanto as

nossas e buscar junto com ele a melhor forma de encontrar os caminhos

possíveis para a apreensão do mundo, sem restringir esses caminhos à nossa

compreensão e sim os ampliando é o que o indivíduo cego espera para que

possa estar cada vez mais incluído de fato.

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Quanto à nossa compreensão de um mundo ao qual não pertencemos, por

mais que dele nos aproximemos, vale trazer ainda as palavras de Lusseyran

quando diz:

Se não estivermos prontos para renunciar, pelo menos temporariamente, às

impressões que recebemos através dos olhos, nenhuma cognição

verdadeira, em minha opinião, será possível. Esse simples fato deveria

prevenir-nos contra uma grande e ilusão, a ilusão de que as formas são

onipotentes (LUSSEYRAN, 1983, p. 12).

Embora possa parecer, à primeira vista radical, a fala do professor

francês busca trazer a reflexão sobre se é possível que dotados de cinco sentidos,

nos prendamos a um somente, já que há tanto o que explorar.

Envolvidos nesta atmosfera de supervalorização de um único sentido,os

próprios cegos acreditam-se não tão capazes, dando à visão uma primazia que

não lhe cabe.

Sem se esquecer de que a falta do sentido é uma realidade, é importante

que não se avalie um indivíduo apenas pelo que ele não pode e sim pelo que ele

tem de potencial. Observemos a fala de um dos entrevistados durante a pesquisa

para

melhor compreender esta ideia:

A gente sabe que a limitação existe. Ela é nossa e sem a visão, tudo fica

mais difícil. Então, é a gente quem tem que se superar. O mundo não vai

nos dar nada. Ele não tem culpa de sermos cegos. Por isso defendo muito a

questão da autonomia das pessoas." (ENTREVISTADA MELISSSA,

2016).

Pode-se notar nesta fala a questão da tragédia pessoal levantada por

Barnes (2013), ou seja, a limitação, ou condição passaria a ser um problema da

pessoa que a possui. Mas muitas vezes, se esquece de que essas limitações são

maiores ou menores dependendo do contexto social em que elas aparecem. Se

vivemos em sociedade, não há como conviver nela sem provocar algum tipo de

modificação ou nada se consegue a favor dos grupos oprimidos. Se há aspectos

que precisam ser resolvidos pelo próprio cego, existem também aqueles que

estão relacionados ao seu convívio social.

A visão tem seu lugar, é importante, não resta dúvida. Porém não é única

e aqueles que assim sentem o fazem porque foram educados para isso e não

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porque não tenham os demais sentidos. Tudo está ligado à maneira como nos

conduzimos durante toda a vida e não a uma atribuição genética ou a um dom.

Nosso contexto social é que nos impõe o uso excessivo da visão e a supressão

dos demais sentidos, e não uma característica biológica.

Compreender a realidade das pessoas cegas a partir das próprias pessoas

cegas, buscando entender sua forma de relacionar-se com o mundo não como

inferior, mas como diferente, pode auxiliar na desconstrução de preconceitos e

na perda da força do estigma que as cerca.

3.3. Estigma

A cegueira é algo de fácil percepção se não por alguma diferençamesmo

nos olhos da pessoa cega, pela sua maneira de conduzir-se e localizar-se no

ambiente. Não é possível esconder a cegueira por muito tempo e várias

situações ligadas ao estigma surgem assim que se percebe a presença de uma

pessoa cega, ou durante o convívio com ela.

Os muitos aspectos históricos ligados à cegueira e já abordados

nestecapítulo ajudam a perceber a força do estigma, ainda hoje presente na vida

e trajetória das pessoas com deficiência, em geral e cegas, em particular, já que

este é o foco do trabalho. Por isso é importante conhecer o conceito de estigma e

compreender com base em alguns autores, como o estigma é visto e pode ser

analisado.

3.3.1. Estigma Segundo Goffman

Os gregos que tinham bastante conhecimento de recursos visuais, criaram

o termo estigma para se referirem a sinais corporais com os quais se

procurava evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o

estados de quem os apresentava. Com o tempo, este conceito foi ganhando

sentidos metafóricos diferentes e hoje, é empregado de forma bem próxima

à original. (GOFFMAN, 2004, p. 4).

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Este conceito de estigma traz consigo não só a ideia do que salta aos

olhos, mas também de toda a carga do estigma, ou seja, todas as ideias que vem

à mente de cada um assim que se entra em contato com o indivíduo

estigmatizado. Que ideias nos vem quando falamos sobre um indivíduo cego? O

que pensamos imediatamente quando nos deparamos com uma pessoa cega se

não tivermos o hábito do contato com pessoas nessa condição?

Essas ideias preconcebidas que trazemos sobre aqueles que possuem

determinada marca, criam na sociedade o que Goffman chama de os

desacreditáveis - aqueles que não têm consciência do peso do estigma, ainda

que sofram suas consequências - e os desacreditados - os que sabem exatamente

como a sociedade reage diante deles por causa do estigma.

Os primeiros podem ter este tipo de comportamento por uma série de

motivos. A superproteção é um deles, fazendo com que, nem sempre, se tenha

noção da real condição.

Observando o trecho abaixo extraído de uma entrevista, será mais

fácil

entender como isto pode dar-se com a pessoa cega.

"Uma vez, todos nós ganhamos aqueles kites de fazer bolinha de sabão.

Mas eu achava aquela brincadeira muito chata porque, afinal, eu não via as

bolinhas e disse isto para minha mãe. Ela ficou zangada comigo e me de

uma bronca. - Não tem nada disso! Você é igual às suas irmãs e pode fazer

tudo o que elas podem. Não repita isso de que você não consegue ver."

(ENTREVISTA MARILÍA, 2015).

Esta fala mostra a postura de alguém que era preparado pela família

para comportar-se como um desacreditável, pelo menos na primeira infância.

Mas é impossível ocultar a cegueira por muito tempo de outro e mais ainda de si

mesmo e essa mudança de desacreditável para desacreditado pode trazer mais

complicações se não for orientada de forma a que o indivíduo compreenda sua

real situação e siga no processo de formação de sua identidade como pessoa

cega. A própria família, no intuito de preservar o indivíduo cego, passa a negar a

situação.

O modelo social da deficiência pode, em parte, abordar esta questão,pois

Barnes (2013) coloca que a questão não é negar a limitação. Ela é real e não

pode ser escondida. O ponto é como abordá-la não transformando o fato de

haver a limitação em um obstáculo que não possa ser minimizado. Aliás, a

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questão da minimização do problema trouxe, segundo Martins (2006)

contestações ao modelo social da deficiência e à ideia de uma "filosofia positiva

da cegueira" esta representada por Kenneth Jernigan, líder de relevância nas

causas dos cegos nos Estados Unidos, presidente da NFB (National Federation

of Blinds) por 18 anos. Esta filosofia não visava a esconder a cegueira, mas tirar

dela o peso trágico que sempre carregou, reconhecendo-a como uma

característica, o que reforçaria a ideia de uma cultura ou modo de vida cega.

A atitude que se viu no extrato de entrevista apresentado mostrao quanto

os pensamentos expostos por esses líderes tem significado. A maneira como a

sociedade vê a deficiência em geral e a cegueira em particular pode criar

situações de marginalização da pessoa cega e neste caso, patenteia ainda a

materialidade corporal, ou seja, o indivíduo é inferior porque tem uma

característica física diferente. Para que fosse igual às irmãs, Marília tinha que

ser igual em tudo, sem que fossem respeitadas suas reais necessidades. Não

bastava que ela tivesse os mesmos direitos que as irmãs.

Segundo Martins (2012), essa materialidade corporal que envolve as

pessoas com deficiência envolve também a outros grupos oprimidos e devia ser

tratada com o mesmo nível de atenção.

Em particular, as pessoas com deficiência encontram nos discursos

antiracistas e feministas uma assunção fundamental do incontrolável

encargo ocupado pelos discursos opressivos retificados nos corpo se nas

suas diferenças, surgindo como absolutamente central a possibilidade de as

pessoas definidas como deficientes debaterem as concepções essencialistas

que ancoram a deficiência na incapacidade (MARTINS, 2012, p. 243).

O conceito de corpo normal vigente traz a ideia de normalidade e acaba

por "empurrar" os grupos sociais que pretendem proteger a pessoa com

deficiência para o caminho de fazê-lo "normal" a qualquer custo, visando à

garantia de sua inclusão social e aceitação.

O autor português, no entanto, acredita na possibilidade de, a partir desta

ligação com outros movimentos de grupos oprimidos, se buscar um caminho

para a desconstrução dessa imagem de inferioridade da pessoa com deficiência

que está fundada no preconceito, afinal a ideia de inferioridade é anterior ao

conhecimento do indivíduo que já é incapacitado por ser cego ou lhe faltar um

membro etc.

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O aparente, o estigma, traz consigo um grupo de ideias de inferiorização

para muitos grupos oprimidos que a ideia de igualdade sem respeito às

diferenças pode alimentar ao invés de reorganizar.

Costa (2001), em seu artigo “Diferença Desvio Preconceito e Estigma”,

aborda este tema, lembrando que, segundo a autora, no caso das pessoas com

deficiência, o estigma vem de um desvio corporal, pois existe uma característica

física "fora do normal", algo "fugindo aos padrões estabelecidos". Isto fará com

que o indivíduo tenha atitudes "fora do padrão" esperado pela sociedade.

Aponta, ainda, para a necessidade que essa ideia produz de procurar apoio

médico para a correção do desvio corporal. Esta é sempre nossa maior busca e

quando tal solução não é possível, consideramos que a pessoa com deficiência

será sempre alguém "fora do normal".

Zeni (2004) ao buscar estudos sobre a cegueira e verificaras áreas que

mais se empenharam em entender e apoiar, de alguma forma,os indivíduos nesta

condição, afirma: "A ciência não se empenha em estudar a cegueira; busca

preveni-la" (ZENI, 2004). Conclui ele que apenas a educação empenhou-se em

apresentar algo que favorecesse a inclusão das pessoas cegas, ainda que se possa

questionar os métodos utilizados para esta inclusão, cabendo à ciência,

sobretudo à medicina prevenir ou curar a cegueira.

Apesar disso, os serviços de atendimento aos cegos adultos chamados de

reabilitação estão, habitualmente, pelo menos no Brasil, vinculados a serviços

de saúde, com destaque para o aspecto médico, e não a escolas ou serviços

educacionais.

A medicalização da deficiência sempre foi algo de caráter forte e neste

caso, cabe normalmente à esfera da saúde não só estudar uma possível doença

que possa ter gerado uma condição limitante, mas estudar a própria condição e

até mesmo oferecer programas de reabilitação.

Uma prova disso está na distribuição departamental dentro do IBC. As

aulas oferecidas àqueles que perdem a visão depois de adultos e que virão a

auxiliá-los na retomada de suas vidas ativas - domínio do Sistema Braille,

técnicas de cálculo no sorobã, domínio dos leitores de tela para computadores,

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Orientação e Mobilidade (referente à locomoção autônoma) - não são oferecidas

pelo Departamento de Educação e sim pelo Departamento de Estudos e

Pesquisas Médicas e de Reabilitação, embora aqueles que ministrem estes

conteúdos sejam professores. Tudo isso provoca uma grande mescla em que não

se sabe onde começa e termina o papel de cada um.

O IBC não é o único órgão que funciona neste padrão. É uma orientação

geral, como se não fosse agora o objetivo reeducar aquele indivíduo que precisa

aprender a viver sem um sentido e sim continuar a tratá-lo.

Nesta mescla entre educação e saúde, os profissionais da educação que

atuam nesses serviços acabam subordinados a serviços ligados à saúde, onde as

perspectivas são distintas das que possui a educação e o que o indivíduo cego

precisa, neste caso, é de alguém que o oriente para conhecer e dominar o modo

de viver deste grupo em que agora está inserido, ou seja, ser educado e não

tratado. Confunde-se uma doença que possa ter gerado a cegueira e que precise

continuar a ser tratada com a cegueira em si que precisa ser assimilada.

No que se refere à educação de pessoas cegas, outro aspecto deve ser

lembrado, pois está diretamente ligado à questão do estigma. O quanto esta

educação busca aproximá-lo ao máximo das pessoas que veem.

As colocações de Costa (2001) remetem-nos a um ponto importante: de

hábito, ao se educar o indivíduo cego, há um desejo de a sociedade prepara-lo

ao máximo para que se assemelhe, tanto quanto possível, aos que não são cegos,

seja na postura, na maneira de andar, nos gestos.

Esta seria uma forma de amenizar o estigma, fazendo com que o

indivíduo não pareça cego, sem respeitar sua individualidade e sem permitir que

ele seja diferente, tenha sua própria identidade.

De hábito, a sociedade espera que qualquer indivíduo, cego ou não,siga

seus padrões e nosso convívio social nos ensina a respeitar e seguir certas regras

de convivência e até de respeito. Todavia, alguns aprendizados tendem a tornar-

se invasivos. Se quisermos, por exemplo, que uma pessoa cega caminhe pelo

centro de um corredor, sem lhe permitir aproximar-se das paredes,

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dificultaremos enormemente sua localização no espaço e diminuiremos suas

possibilidades de localizar sozinho o que deseja.

Baseando-se na noção de estigma de Goffman, a autora aborda

especificamente, a cegueira, declarando:

A deficiência visual, objeto deste trabalho, apresenta-se como algo que

representa uma ameaça para as pessoas que a portam e para as não deficientes, que não sabem como lidar com aqueles que apresentam uma

diferença significativa que trazem consigo a ideia do estigma (COSTA, 2001, p. 3).

Esse trecho mostra como é vista essa marca que traz consigo a ideia do

estigma. Mostra também a dificuldade que algumas pessoas têm de lidar com o

estigmatizado pelas ideias que criam a priori sobre ele e que nem sempre

condizem com o real.

Há um padrão a ser cumprido e elas não sabem como ele reagirá diante

das situações que surjam, tenham estas situações algum vínculo com a visão ou

não. O simples fato de ser um indivíduo cego já traz uma série de ideias que,

muitas vezes, não condizem com a realidade ou não têm nenhuma ligação com a

falta de visão, mas estão arraigadas nas pessoas como comportamentos que

podem vir de um indivíduo cego.

Esse desconforto, essa ameaça, no dizer de Costa, traz situações comuns

na vida de pessoas cegas como aquelas em que alguém que deveria dar alguma

informação ou obter alguma informação do indivíduo cego prefere fazê-lo

através de alguma pessoa vidente que o esteja acompanhando. Para

exemplificar apresentamos uma fala de Marília:

"Uma vez, eu estava com a Sílvia comprando bijouterias para dar de presente e perguntei: - Você tem argolas? - Embora eu tivesse falado com

a vendedora, em português claro, ela virou-se para a Sílvia e disse (Sempre um pouco mais baixo, imaginando que eu não ia ouvir):

- Eu não sei se ela procura argolas pequenas ou grandes.

Respondi: - Pequenas. Eu falei para ela entender como o negócio funciona. A conclusão não podia ser melhor. Segundo a Sílvia, ela fez cara de espanto e ouvi quando ela perguntou:

- Ela entendeu o que eu falei?"(ENTREVISTADA MARÍLIA, 2015).

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Por peculiar que possa parecer, esta situação é bastante comum e um

grande número de indivíduos cegos terá histórias análogas para contar,

mostrando como as pessoas videntes têm dificuldade em lidar com a cegueira.

Dificuldades criadas a partir do estigma, já que a pessoa cega em questão

demonstrou sua capacidade de falar, ouvir, compreender, mas, a despeito disso,

continuou a ser tratada como incapaz.

A partir desse ponto, com base em Amaral (1993), Costa

(2001)apresenta aquilo que intitula como deficiência secundária. A deficiência

primária seria aquela que advêm da dificuldade ou falta de funcionamento do

órgão ou membro. Falta de visão, imobilidade das pernas, de um braço.

A deficiência secundária, segundo a autora, é aquela que é atribuída ao

estigmatizado, caso ele seja pessoa com deficiência, por uma ideia

preconcebida. Supor que uma pessoa cega não é capaz de acompanhar o que se

conversa próximo a ela, por exemplo, ou que não é capaz de fazer sua higiene

sozinha e outras situações comuns na vida cotidiana do indivíduo cego

configuram aspectos de outra ordem: a da deficiência secundária. Para ilustrar o

conceito de deficiência secundária apresentamos um extrato da entrevista de Léa

(2015):

- "Então, ele achava que podia tomar decisões sobre a minha turma sem

me consultar, sem nem mesmo, me comunicar." (ENTREVISTA LÉA, 2015).

No trecho acima, a professora comenta a atitude de um diretor de escola

que agia dentro da sala enquanto ela dava aula, sem informar da retirada de

alunos ou do ingresso de outros, sem informar sequer que estava presente

assistindo a aula. Podemos atribuir a situação a uma tentativa do diretor de,

supostamente, proteger a professora, garantindo que os alunos a respeitassem,

porém isso não diminui a questão principal ali embutida. Ele concluiu que a

professora não era capaz de resolver o problema, não consultou a professora

sobre a melhor maneira de agir com os alunos que estivessem burlando algum

tipo de norma e, de alguma forma, implicitamente, sugeriu à turma: "Eu estou

aqui para defender a professora que não pode controlá-los sozinha". Criou para

esta professora outra deficiência que, em princípio, ela não possuía pois tinha

excelente domínio e manejo de classe.

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Fica ali patenteada uma fragilidade atribuída à pessoa cega que nem

sempre corresponde à realidade, sobretudo quando é atribuída apenas à pessoa

cega. Na situação exposta acima, por exemplo, quantos alunos não tentam enganar

professores videntes e conseguem em inúmeras circunstâncias? Não teria sido

melhor que ele consultasse a professora sobre a necessidade ou não de ter alguém

em sala, ou de que tipo de apoio a escola poderia lhe oferecer, enfim, qual seria a

melhor atitude da escola para tornar seu trabalho viável?

O estigma faz com que as pessoas não saibam como agir ou o que

dizer,antecipando, muitas vezes, decisões em respostas sobre codificadas. Já não

é mais tão comum que os indivíduos se afastem temendo serem atingidos por

alguma maldição ao se aproximarem de uma pessoa cega, porém ainda é

bastante usual o uso de expressões excessivamente comiserativas, mesmo em

voz alta (muitos supõem que o cego é também surdo), desde supor que a pessoa

não sabe o que busca, o que quer, o oferecimento de esmolas que, em momento

algum a pessoa manifestou estar buscando. Além disso, ele provoca reações

diferentes no estigmatizado, comoveremos no trecho abaixo:

Em vez de se retrair, o indivíduo estigmatizado pode tentar aproximar-se

de contatos mistos com a agressividade, mas isto pode provocar nos outros

uma série de respostas desagradáveis. Pode-se acrescentar que a pessoa

estigmatizada, algumas vezes, vacila entre o retraimento e a agressividade,

correndo de um para outro, tornando manifesta, assim, uma modalidade

fundamental na qual a interação "face to face" pode tornar-se muito

violenta (GOFFMAN, 2004, p 17).

É possível percebermos em muitas pessoas cegas reações de toda ordem

quando percebem que o estigma as afasta daquilo que desejam e não raro esta

reação pode sim ser mais contundente, o que se explica pelas muitas situações

de opressão que o indivíduo já viveu. O indivíduo estigmatizado, quando

desacreditado, já não espera da sociedade atitudes que lhe permitam agir sem o

peso do estigma, exceto quando se imponha pela força e, antes mesmo que o

outro lhe dê qualquer resposta, busca impor-se, por vezes de forma agressiva, o

que pode gerar outras respostas agressivas a se sucederem de parte a parte.

Este tipo de comportamento desencadeia por parte dos videntes também

um "pisar em ovos" por nunca saberem como agir sem ofender, sem parecerem

estar interferindo demais na liberdade do outro e ao mesmo tempo, não

quererem parecer desinteressados de situações em que poderiam ser úteis. É

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comum que pessoas que enxergam temam praticar atitudes que um indivíduo

cego considere desrespeitosas e isso ajude a paralisar as atitudes dos videntes

em torno dos cegos, preferindo, muitas vezes, transferir, o lidar com o indivíduo

cego a um informado -- denominação usada por Goffman ao referir-se a pessoas

habituadas ao convívio com pessoas que estão envolvidas por determinado

estigma.

Esta constatação pode levar a outros raciocínios ligados à questão do

estigma. Pode-se concluir daí o que gera em muitos a ideia de que os indivíduos

com deficiência, sobretudo o cego, são ansiosos ou nervosos. Alguns indivíduos

cegos reagem de forma agressiva a situações que consideram como

mantenedoras do estigma e, por generalização - o que faz parte da atitude social

com o estigmatizado - conclui-se que todos os cegos reagirão da mesma

maneira.

Assim, conforme reforça Costa (2001), o estigmatizado está sempre

sujeito a situações de preconceito, discriminação, por mais que sua vida, seu

trabalho deem conta de que ele não se encaixa no perfil de homogeneização e

generalização que a sociedade faz dele.

Muitos indivíduos, contudo, acomodam-se à posição que o estigma lhes

confere, ou podem até se utilizar dela para obterem uma suposta vantagem, seja

porque não encontram meio de reverter esta situação, seja porque entendem que

ela lhes é vantajosa em determinado momento, supondo que ali encontram uma

compensação da sua condição de pessoa com deficiência, se este for o caso.

Com os indivíduos cegos não será diferente. Observemos o trecho

abaixo:

"Com a física, no Ensino Médio, foi assim. No primeiro ano, o professor

chegou e me disse: - Bicho, não tem como te avaliar não. Vem sempre que

eu te dou presença e nota. Era até um cara muito legal, a gente batia altos

papos, mas naquele ano foi isso." (ENTREVISTA MARLON, 2016).

O fato de o professor acreditar que não era possível avaliar o aluno ou

mesmo ensinar-lhe fez com que o mesmo aluno aceitasse receber nota sem

passar por qualquer processo avaliativo, ao contrário dos demais colegas,

aceitando assim a ideia de que o indivíduo cego não é capaz de aprender física e

de que, ao invés de descobrir meios de apreensão daquele conhecimento, o mais

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importante é obter a aprovação, pois ninguém lhe cobrará aquele aprendizado ou

questionará sua nota, afinal ele é um indivíduo cego.

Estas observações sobre o estigma nos levam a pensar na maneira comoa

sociedade é construída e organizada, mas também nos lembram que os

indivíduos cegos fazem parte dela e têm sua colaboração nesse processo. Seria

exagero afirmar que tudo o que ocorre é responsabilidade dos indivíduos cegos.

Seria o mesmo que dizermos que todos os grupos, de alguma forma, oprimidos

são os responsáveis por tudo o que lhes acontece em termos de marginalização,

violência e outras formas de opressão. No entanto, é forçoso reconhecer que

certas atitudes de acomodação por parte das pessoas cegas podem realimentar

este tipo de pensamento. Também é preciso reconhecer que há situações em que

o indivíduo não tem outra opção senão aceitar o peso do estigma, nem sempre

de forma ativa. Ao lado disso, devemos reconhecer que alguns indivíduos cegos

julgam-se "merecedores" de certos benefícios, mesmo que eles nenhuma ligação

tenham com a falta da visão, simplesmente como forma de compensação, o que

pode reforçar certas ideias de incapacidade ou limitação.

Como podemos concluir, não há fórmulas prontas, uma resposta únicae

fechada para se entender qual é, realmente, o papel do indivíduo cego diante do

estigma que, em geral, lhe acomete. Porém temos uma certeza. Seja qual for

esse papel, ele jamais deve ser passivo.

É importante que as demais pessoas entendam que a pessoa cega pode

decidir sua vida e deve fazê-lo, dissociando a ideia de cegueira da de falta de

raciocínio e incapacidade de decisão.

Os indivíduos cegos são responsáveis por suas ideias. Esta

estigmatização acompanha o indivíduo cego em qualquer lugar. Em casa, na sala

de aula, no local de trabalho, no edifício onde mora, não há como a figura do

cego passar despercebida e ele poderá ser alvo de situações envolvendo o

estigma ou mesmo que não envolvam situações em que ele supõe algum tipo de

afastamento ou isolamento do grupo.

Se dentro de uma sala, por exemplo, há uma pessoa cega e outras quesão

videntes e um dos videntes faz um gesto ao outro vidente, eles se comunicam.

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Se ocorrer o silêncio repentino em meio a uma conversa, é comum que o

indivíduo cego procure saber o que ocorreu e, por vezes, fique desconfiado.

O peso do estigma variará de pessoa para pessoa. Dependerá de como a

criação e o contexto familiar, escolar e de todos os grupos dos quais fez e faz

parte levou o indivíduo a perceber a cegueira e lidar com ela. Em alguns casos,

ele pesa tanto que até mesmo elementos que deveriam servir, na interpretação de

alguns, para emancipar e identificar o indivíduo cego, componentes de sua vida

cotidiana que deveriam funcionar como seus aliados na aquisição de

conhecimentos e na movimentação segura, aparecem como elementos de

estigmatização.

3.3.2. Bengala e braille, elementos de estigmatização ou identificação?

A bengala e o Sistema Braille talvez sejam os elementos que mais

identificam o indivíduo cego. O próprio símbolo internacional da pessoa cega

mostra alguém segurando uma bengala branca e o Braille, ainda que possa ser

lido com os olhos, apresenta características de um sistema criado para favorecer

a leitura tátil e não a visual. O tamanho padrão das letras encaixa-se

perfeitamente com a parte mais sensível de nossos dedos, não podendo exceder

aquela medida; seu formato, sem curvas, facilita e agiliza a leitura tátil. Tudo

nele favorece ao indivíduo cego, fazendo com que seja bastante comum que

cegos o leiam mais rapidamente do que pessoas que veem, ainda que muito

versadas nesta leitura.

Essas características dão tanto ao Braille quanto à bengala branca uma

carga simbólica dúbia. Para alguns cegos eles constituem a identificação do

indivíduo como pessoa cega, quase que uma marca. Analisemos o comentário da

professora Andreia na entrevista:

- "Na minha família, tem muito cego como você sabe. Então, quando eu

ganhei a minha primeira bengala, quando eu entendi que ia poder começar

a sair com a minha própria bengala, isso foi como meus pais dizerem que

eu estava me tornando uma pessoa adulta, independente. Eu agora era

como os cegos adultos. Quase um ritual de iniciação (risos)"

(ENTEVISTA ANDREIA, 2015).

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Percebe-se, claramente, que para este indivíduo, o uso da bengala

representou algo positivo. Era algo esperado por ele em algum momento, já que

há outros indivíduos cegos em sua família e, segundo o que expõe, o uso da

bengala é bem aceito por todos. Ela não se importa com a questão do estigma,

ou seja, com o fato de ser vista usando um objeto que as pessoas "normais" não

usam. Não vê incômodo em caminhar de modo distinto do das pessoas videntes,

mesmo porque, ao dizer que em sua família há muitas pessoas cegas, está

revelando que este uso é habitual.

É de se presumir que antes os adultos que o conduziam o faziam

utilizando a bengala, o que a fez crescer acreditando que um dia, ele faria o

mesmo. Por isso utiliza de forma jocosa a expressão "ritual de iniciação". Vê na

bengala um elemento de identificação, em seu caso específico, inclusive com a

família. Pode-se observar, porém, que este sentimento é confuso e não tem uma

unanimidade entre os indivíduos cegos. Tomemos agora por base este diálogo

observado entre um aluno da reabilitação e seu professor:

Vicente: "está saindo de uma aula na reabilitação e pergunta à professora: -

Meu pai está aí? - Sim, está vindo te encontrar. - Ela responde. Ele dobra a bengala rapidamente e comenta aliviado. - Ainda bem. Não

vou precisar ficar batendo isso por aí. A professora questiona: - Mas ela não devia te incomodar. É ela quem te

orienta. - Mas me incomoda. A senhora já reparou que até a gente que é cega sabe

quando tem outro cego perto, por quê? “Por causa do barulho dela”.

(DEPOIMENTO OBSERVADO DE VICENTE, 2015).

Podemos, aqui, observar alguns elementos como o fato de o

indivíduo cego não chamar a bengala de bengala e sim de isso e ela. Além disso,

sua preocupação não está na facilidade de localizar-se com independência que

ela oferece e sim no fato de ela fazer com que todos, inclusive outros cegos,

percebam sua presença. Ele não quer ser visto, não quer ser notado porque sabe

que seu estigma "saltará na sua frente" e isso incomoda. A bengala ajudará a

reforçar este estigma.

É importante que levemos em conta, no caso citado, que o sujeito

observado Diogo é um reabilitando, ou seja, alguém que perdeu a visão depois

de adulto e está se adaptando à sua nova condição, não sabemos há quanto

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tempo. Este fator, comumente dificulta a aceitação de tudo o que está

relacionado à cegueira até que o indivíduo, realmente, se sinta parte daquele

grupo, o que leva mais ou menos tempo, de acordo com cada um ou não

acontece nunca. A título de análise, cabe observar situações dignas de nota

entre alunos que já cresceram convivendo com a situação da cegueira:

"A professora pergunta Diogo:

Por que você e sua família acham tão difícil sair de onde moram para você

vir para a escola? O acesso é ruim?

- É porque a minha mãe enxerga e o meu pai não. Então a minha mãe dormiu no hospital com uma moça que ela acompanha e não tinha ninguém para ir comigo e o meu pai no ponto do ônibus. - Alega Diogo.

- Mas então, se a sua mãe não estiver em casa, seu pai não sai? É difícil achar alguém para ajudar?

- É que aí ele tem que usar a bengala e aí ele não gosta não. Como ele é

assim nervoso eu nem insisto, mas ele não gosta de usar a bengala. Lá

perto de casa, ele só sai com a minha mãe para ninguém ver ele de

bengala. Só depois é que “ele usa.” (DEPOIMETO OBSERVADO DE

DIOGO, 2015).

Vale ressaltar que, no caso acima, o aluno também possui outra pessoa

cega na família, como acontece a Professora Andreia. No entanto, este indivíduo

já não convive bem com a necessidade de uso da bengala, fato que é observado

pelo filho. O pai da aluna que prestou depoimento observado evita o quanto

pode usar a bengala, sobretudo perto de casa, onde, provavelmente, todos o

conhecem. Longe dali ele será mais um cego sem grande identificação e, de

qualquer forma, não poderá ter a mulher sempre em sua companhia, sendo

obrigado a valer-se do instrumento.

Goffman (2004) fala sobre esta necessidade que o indivíduo

estigmatizado tem de passar o mais despercebido possível para que não se

lembre, constantemente, de sua condição. Martins (2006) aborda este tema em

sua pesquisa junto a cegos da ACAPO (Associação de Cegos e Amblíopes de

Portugal)

“quando procurei compreender em que medida as representações

impactantes à cerca da cegueira aportavam na vivência das pessoas cegas,

verifiquei, na inibição ou na resoluta recusa em utilizar a bengala branca

por parte de alguns indivíduos a mais expressiva demonstração da

dificuldade de que se pode revestir o confronto com as construções

culturais hegemônicas constituídas em torno da cegueira." (MARTINS,

2006, p. 150).

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O estigmatizado sabe que ser diferente de alguma norma corporal

estabelecida é algo difícil de ser aceito pela sociedade em que vive. Nosso

pensamento, em geral, é o de repelir o diferente e não o de aceitá-lo como é. Daí

a necessidade que o indivíduo cego, como todo estigmatizado, tem de se tornar o

mais igual possível a quem não tem este estigma, constituindo, para muitos

indivíduos cegos, até mesmo certo status mais elevado o assemelhar-se ao

máximo aos videntes, mesmo que isto lhe custe abrir mão de alguma autonomia.

Neste embate entre a identidade e a exacerbação do estigma, alguns

indivíduos cegos tendem a aprender o manejo da bengala e não utilizá-la

preferindo o braço de um companheiro que enxerga, mesmo que para isso

tenham que aguardar a disponibilidade de outra pessoa ou deixar de ir a lugares

que gostariam de frequentar.

Entre os entrevistados, isto é, professores cegos do IBC,foi verificado

que: um deles não se utiliza da bengala em circunstância alguma,

terminantemente; aqueles que foram alunos do Instituto só a utilizam em

espaços que não tinham o hábito de frequentar quando crianças como a Divisão

de Imprensa Braille ou o Departamento Administrativo, por exemplo; os que

não foram alunos tendem a usá-la em todos os espaços sem que isto constitua

constrangimento para eles. Todos, exceto aquele que não utiliza bengala em

hipótese alguma, a utilizam na rua, mesmo aqueles que têm pequeno resíduo

visual, pois alegam que não se sentem seguros para caminhar sem ela e que a

presença da bengala os protege, fazendo com que os transeuntes tenham mais

atenção nos caminhos e desviem das pessoas cegas, sem esperar que elas o

façam.

Um dos entrevistados, embora ex-aluno e usuário da bengala demonstra

grande dificuldade em orientar-se, mesmo com ela, nas dependências do próprio

Instituto, sempre perguntando a quem esteja no caminho se tomou o rumo certo

para algum lugar aonde queira ir, o que pode ser decorrência de alguma outra

dificuldade não oriunda à cegueira.

Minhas observações podem sugerir na sua maneira de locomover-se

algum comprometimento auditivo que dificultaria sua orientação, porém não há

comprovação deste fato. Sou levada apenas pela experiência, o que, embora

tenha valor, não pode ser considerado conclusivo.

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Acrescente-se a isso o fato de que este sujeito não tem o hábito de se

fazer acompanhar por pessoa cega. Por mais que outros colegas cegos se

disponham a ir com ele a lugares que conhecem bem, alegando que podem

ensinar a ele como chegar lá, ele sempre encontra uma maneira de fugir a esta

ajuda preferindo valer-se de um colega vidente, o que pode demonstrar

insegurança no uso da bengala, por parte dele, e falta de confiança no uso feito

pelos demais indivíduos cegos.

Se tal atitude não significar exatamente uma inibição pelo uso da

bengala, demonstra, no mínimo, que ele não se sente seguro ao ser orientado por

alguém que a use. Considera que a orientação dada por uma pessoa que enxerga

é sempre superior, mais correta. Ao sair com uma pessoa que enxerga, ele

também não se empenha em aprender o caminho. Apenas apoia-se no braço de

seu companheiro e deixa-se guiar, sem procurar compreender o itinerário que

está sendo feito, sem usar a bengala para reconhecer o percurso, o que significa

que de outra vez em que precisar retornar ao lugar, precisará novamente de

ajuda.

Tal insegurança pode estar relacionada a uma série de fatores, a saber:o

aspecto estigmatizante da bengala; um possível comprometimento orgânico que

prejudique sua orientação e o faça sentir-se inseguro; a superproteção da família

que costuma limitar suas ações, aumentando suas dificuldades em tomar

decisões por si mesmo.

A importância de destacar este caso em particular é porque nossa

tendência a estabelecer normas não traz apenas os estigmas já consagrados pela

literatura. É mesmo comum entre os cegos que, simplesmente, se aponte o

indivíduo que não usa a bengala como alguém acomodado, sem buscar

compreender as reais razões que podem ter levado aquele indivíduo àquela

situação.

Entre os profissionais, pode, ainda, aparecer a tendência de se atribuir

tudo à superproteção, culpando a família, sem se lembrar de que há um conjunto

de fatores que geram mesmo esta superproteção, como será abordado no item

sobre o preconceito.

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É comum que pessoas cegas com posturas mais independentes observem

com estranheza atitudes que denotem dependências vindas de outras pessoas

cegas, praticando, assim, uma espécie de observação desconfortável. Neste caso,

um professor cego, ex-aluno da casa que não consegue manusear a bengala é

visto com preocupação ou, pior, de modo pejorativo.

No entanto, há outro aspecto que pode ser relacionado diretamente à

questão do estigma. O que compreende o senso comum. Numa postura

absolutamente paradoxal com relação à cegueira, pessoas que têm contato

superficial ou pouco afeitas ao contato com pessoas cegas podem tender a dois

tipos de interpretação sobre elas: ou são criaturas incapazes, ou têm uma

capacidade acima do normal naquilo que fazem.

Assim, se essas pessoas tiveram contato com pessoas cegas que andavam

com desenvoltura, não conseguem entender por que uma pessoa cega em

particular não o consegue.

A generalização não permite que elas vejam o indivíduo como um

indivíduo, ou seja, alguém que não é igual ao outro que ela conheceu e que pode

ter outras questões limitantes além da cegueira.

Esse ver o outro como outro diferente de nós, com suas próprias questões

traz uma maior compreensão do peso do estigma e até do quanto isto interfere na

formação de nossa personalidade, já que esta dependerá do contexto social em

que vivemos.

As exigências de cada grupo social, o conceito de sucesso dentro de cada

sociedade e de cada comunidade são fatores que preparam ou não o indivíduo

para as situações de negociação ou enfrentamento do preconceito e do estigma,

o lidar com situações em que o estigma aparece com força exige, muitas vezes,

uma convicção muito grande de quem se é. Cabe ainda falar sobre a situação do

Braille que tem suas diferenças em relação à da bengala.

Se alguns consideram o Braille estigmatizante, nem sempre as causas

serão as mesmas que trazem o estigma sobre o uso da bengala. A bengala

remete à certa liberdade de movimentos. Usar a bengala significa ir para a rua,

enfrentar os obstáculos do mundo, expor-se a perigos como atropelamentos,

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assaltos, quedas em buracos. É, sem dúvida, um momento que mescla temor e

satisfação para qualquer indivíduo cego. E a bengala fica sempre à vista de

todos. Não há razão para se ter uma bengala se for para ficar dentro de casa. Sua

maior utilidade está nos espaços desconhecidos e nas ruas. Relatos e histórias

correntes no IBC dão conta de que até os anos 60, poucas eram as mulheres que

usavam bengala, pela simples razão de que poucas trabalhavam fora e a elas

bastava saírem acompanhadas por pais, maridos ou filhos11. O uso deste

instrumento por parte das mulheres, portanto, está ligado um período em que

elas buscavam um espaço maior, movimentando-se, construindo estratégias para

uma emancipação.

No caso do Braille, pode haver um uso mais recluso. O indivíduo cego

pode utilizar-se do sistema na escola, em casa, em locais onde outras pessoas

que, em seu modo de pensar, não devem atentar para o fato de que ele é cego,

não vão vê-lo lendo. Um diálogo entre duas professoras cegas pode ilustrar o

tema:

“Melissa pergunta: - Como você costuma registrar anotações na

faculdade?Júlia responde: - Bem, eu ainda prefiro o registro na reglete.

Acho que o som do computador me dificulta acompanhar as discussões.

Sou rápida na escrita e prefiro levar a reglete que é mais leve do que o

computador. -- Ah não! Reglete não, gente. Chega disso! Levo meu

computador ou gravo e depois anoto tudo em casa. É muito papel com o

Braille e sempre acho que perco alguma coisa e fica aquele barulho na sala

de aula. Mesmo que ninguém “reclame, acho que estou incomodando.”

(DEPOIMENTO OBSERVADO, 2015).

Melissa é professora do IBC enquanto Júlia não é.

Uma das professoras demonstra constrangimento por ter que usar o

Sistema Braille junto de pessoas videntes e considera que os registros neste

sistema não são suficientes, mesmo que o uso de computador torne seu trabalho

mais cansativo pelo peso que é obrigada a transportar.

Observando a atuação dos professores, constata-se que três deles têm o

hábito de levar material de escrita Braille para as reuniões e registram durante

elas os avisos dados. Dois registram no computador ou celular, em algumas

situações, atrapalhando-se para fazer o registro, solicitando que a informação

11 Informações obtidas nos arquivos Memória IBC.

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seja repetida várias vezes, fato que não ocorre com aqueles que fazem os

registros em Braille. Cinco optam por tentar reter as informações com o auxílio

da memória e, como nem sempre isso é possível, acabam por consultar os

colegas repetidas vezes. Um alega que o registro em Braille é mais interessante,

porém por sofrer de tendinite e não poder escrever muito, prefere não registrar,

contando, também com a memória. Não houve oportunidade de registro dos

demais.

Nas observações, foi possível perceber que mesmo alguns alunos evitam

o uso do Braille em certas situações, embora dentro da escola que é

especializada, não o façam. Porém, alguns relatam inibição em ler na condução,

por exemplo, julgando que a leitura no computador substitui em todos os

aspectos, a feita pelo tato.

Esta dificuldade no lidar com o Sistema de leitura e escrita pode estar

também relacionada às questões citadas no capítulo anterior quanto ao momento

de se ensinar Braille a alunos com baixa visão, pois isto significaria dizer que

estes alunos estão entrando em um caminho sem volta, o caminho dos cegos.

Vale analisarmos que perspectivas os professores em geral e aqui, mais

especificamente, os professores cegos veem neste caminho. Se encontram nele

uma forma de emancipação, de garantia da qualidade da leitura e da escrita, de

identificação e, no ver de alguns, até de marcação de um espaço político, a

resposta dada aos alunos será uma e as atitudes desses professores diante do

Sistema Braille demonstrarão isto.

Se, por outro lado, eles percebem o sistema como mais uma forma de

estigmatização, como mais uma característica que coloca o indivíduo cego como

alguém diferente do "normal", então isto também ficará patente e suscitará

análises e leituras diferentes dos alunos que perceberem este comportamento nos

professores.

Como último ponto deste tópico. É importante conhecer a fala de

Belarmino (2004), uma vez que o trabalho desta pesquisadora tem como base,

justamente a questão do Braille x tecnologias assistivas, como muitas vezes foi

colocado. O fragmento de texto, embora extenso, deve ser registrado na íntegra,

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pois mostra as reais possibilidades que se tem com o uso do Sistema criado por

Louis Braille e a tecnologia como sua substituta:

Estamos, na verdade, vivendo um período de transição, o linear do que

poderíamos chamar, numa aproximação à concepção sistêmica, de um

ponto de bifurcação. Os sistemas de codificação utilizados pelas

coletividades cingidas pela condição da cegueira em cujas culturas

alfabéticas, por mais de cem anos, predomina a centralidade do código da

escrita pontográfica. De fato, há algumas décadas este cenário vem se

modificando de tal forma que reflexões novas e fundamentais vêm sendo

colocadas no círculo do debate técnico científico, suscitadas por um

conjunto de modificações substanciais no modo como as comunidades

cegas utilizam a escrita Braille. (...) O uso dessas ferramentas poderia

promover uma subutilização do Braille como escrita mecânica por uma

escrita digital, o que provocaria um fenômeno denominado e estudado

pelos tiflologistas como desbraillização? (BELARMINO, 2004, p 136,

grifo nosso).

A pergunta ao fim do texto terá sua resposta na atitude daqueles cegos ou

videntes que julgarem viável que as tecnologias substituam o contato da pessoa

cega com o texto escrito.

Vale lembrar que o contato do indivíduo cego via computador com o

texto não é igual ao do indivíduo vidente. Quando o indivíduo vidente lê usando

a tela do computador ele vê o que está escrito assim como em um livro, tomando

contato visual com a disposição do texto, a ortografia, a acentuação, a

pontuação.

No caso da pessoa cega, o computador "lê para ela", isto é, funciona

como alguém que lê o texto, sem que ela tenha contato com a escrita do texto e

nem sempre, a entonação da leitura é a mais adequada, por mais aperfeiçoados

que sejam os leitores de tela.

Muitas são as vantagens do uso desses sistemas, porém é discutível seu

uso como substituto de uma leitura em Braille, havendo quem os coloque como

apoio, sem prescindir do texto que possibilite o contato via tato com a escrita.

Cabe, ainda, indagar se esta substituição do Braille por tecnologias

assistivas, ao invés de uso delas como auxiliares e complementares, seria

vantajosa para o indivíduo cego como cego ou se irá apenas atender a uma

supressão de um elemento de estigmatização, no caso o Braille. A resposta a este

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questionamento dependerá da maneira como encararmos o uso de um sistema

tão peculiar e tão demarcador de um grupo.

3.4. Estereótipo

Mesclado ao conceito de estigma, o de estereótipo se não

necessariamente afasta os indivíduos daqueles de quem se espera certos

comportamentos, pelo menos pressupõem estes comportamentos. Está ligado a

uma representação social do indivíduo, a uma imagem que se tem de pessoas que

pertençam ao mesmo grupo que ele.

Segundo Houaiss (2001), é algo que se adequa a um padrão fixo geral.

Esse próprio padrão é, geralmente, formado de ideias preconcebidas e

alimentado pela falta de conhecimento real sobre o assunto em questão.

Ideia ou convicção classificatória preconcebida sobre alguém ou algo

resultante de expectativa. “Hábito de julgamento ou falsas generalizações."

(HOUAISS, 2001).

A definição do dicionário, embora não seja nosso único ponto e

argumentação, é o bastante para que entendamos onde se encaixa este conceito.

Justamente nas ideias que se tem a respeito das pessoas cegas.

Neste caso, o estereótipo é apresentado como limitante gerador de uma

expectativa que pode trazer uma compreensão equivocada da realidade.

Vejamos alguns exemplos relativos a indivíduos cegos. Cegos,

obrigatoriamente, têm bom ouvido para música, identificam vozes mesmo que

há muito tempo não tenham contato com o indivíduo dono da voz, têm uma

memória prodigiosa etc.

No caso da deficiência em geral e da cegueira em particular, oestereótipo

torna-se um fator que dificulta a relação entre os cegos e os videntes tanto pela

expectativa que cria como porque não se reflete nas causas geradoras daquele

comportamento que se espera do indivíduo.

A música era algo que os cegos podiam aprender sem necessitar

daescrita, prova disso é o fato de já existirem cegos músicos antes que existisse

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o Sistema Braille. Alguns cegos destacaram-se em suas comunidades pelo seu

talento musical. Isto acabou desenvolvendo no pensamento geral a associação,

hoje estereotipada, de que todo cego tem bom ouvido para a música.

Negligenciando as idiossincrasias e os diferentes contextos em que todos

nos relacionamos, tendemos a nos surpreender positiva ou negativamente

quando alguém não tem o comportamento que prevíamos, sobretudo se esse

alguém é cego.

Em certos casos, ainda que a realidade mostre que aquele indivíduocego

foi capaz de comportar-se de modo diferente do previsto, mantemos a ideia já

cristalizada em nós pelo estereótipo. Por vezes, é preciso provar que certa ideia

não condiz com a realidade,como no caso a seguir extraído da entrevista com a

professora Melissa:

- Eu resolvi levar a máquina de datilografia para a escola. Pegava ônibus

cheio com aquele peso, mas levava porque uma vez, eu entreguei um

trabalho datilografado e quando a professora me perguntou quem

datilografou para mim e eu disse que tinha sido eu mesma, ela falou: - Sim você fez isso! (Afirmou num tom bem irônico). Achei aquilo um

absurdo e resolvi provar para ela que eu podia fazer sim. (ENTREVISTA

MELISSA, 2016).

A atitude do professor, neste caso, mostra não só a crença na

incapacidade do indivíduo cego para fazer a atividade como também à

associação da visão a tudo o que se pratica.

Naturalmente, este professor não pensou na falta de coerência de sua

ideia, pois nos cursos de datilografia e, atualmente, de digitação, o operador não

pode olhar o teclado, deve decorá-lo. Portanto, datilografar sem enxergar

deveria ser algo habitual entre os datilógrafos profissionais.

Porém isto serve para mostrar como os estereótipos podem envolver a

pessoa cega, atribuindo-lhe capacidades que ela não possui ou retirando dela

capacidades que pode possuir. Aliás, esta incoerência no raciocínio da

professora é outra característica do estereótipo. Mesmo que ele venha de uma

experiência já vivida com uma pessoa cega, é normalmente, um conceito que

trabalha com a generalização - todos os indivíduos daquele grupo agirão da

mesma maneira - e suas conclusões não apresentam lógica.

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No texto “Os Estereótipos e O Viés Linguístico Grupal” (PEREIRA etal,

2003), pode-se notar como as relações entre grupos estão também vinculadas à

maneira como um grupo que se julga superior avalia o comportamento do outro,

esperando dos membros do grupo avaliado sempre o mesmo comportamento.

"Os membros do in group tendem a ver e a tratar os membros do grupo

externo de uma forma eminentemente negativa. As concepções a respeito

do grupo externo são, geralmente, formuladas a partir do uso do

pensamento categórico e são expressas através de crenças estereotipadas

compartilhadas por, praticamente, todos os membros do grupo" (PEREIRA

et al, 2003, p. 128).

Os estereótipos não são um pensamento isolado. Ninguém cria

estereótipos para os outros sozinhos. E, geralmente, ninguém sabe dizer como

aquela ideia estereotipada surgiu ou desde quando se sabe aquilo. Parece

natural. É como se tivesse nascido com a pessoa, porém isto não é verdade. Ele

é aprendido no meio social em que se vive.

Se houver empenho em se investigar as causas do estereótipo, elas

provavelmente aparecerão em algum momento da história do grupo que é

envolvido pelo estereótipo criado. É bastante possível que em muitas situações

indivíduos com tais características tenham se comportado da maneira como os

que criam expectativas estereotipadas esperam que o outro haja e por isso essa

ideia. Segundo Pereira &Valla (2011) há situações em que o estereótipo é

conveniente quando se busca a manutenção de uma situação. "As pessoas

tendem a justificar o status quo ao invés de questionar a legitimidade do sistema

que produziu essas diferenças entre os grupos." (PEREIRA; VALLA, 2011, p.

367).

Assim o estereótipo é um comportamento que ajuda nesta justificativa e

pode ser usado na manutenção de uma situação se isso interessar ao grupo

dominante. O estereótipo reforça a noção de que sabemos tudo sobre alguém ou

algum grupo fazendo com que o indivíduo acredite já obter elementos que o

informam sobre o outro. O trecho abaixo mostra como o estereótipo está ligado

ao que pensamos do outro e como julgamos que podemos saber

antecipadamente como o outro deve agir.

"Se a atitude como definida por Krech, Crutchfied e Ballachey (1975) tem

uma parte cognitiva, outra afetiva e uma tendência para a ação, os

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estereótipos dizem respeito à parte cognitiva do preconceito e são

percepções empobrecidas e deformadas do alvo que servem para justificá-

lo." (CROCHÍK, 2006, p. 55).

Vemos aqui, o estereótipo como a ideia formada que se tem sobre

determinado grupo de indivíduos, o que vai culminar no preconceito em muitos

casos. É comum que, formada a percepção estereotipada, o indivíduo tenha

dificuldade de se permitir outros aprendizados. Vejamos o exemplo a

seguir:"Acontece muito. O familiar chega aqui com o aluno para conhecer

agente e quando vê que eu sou cego, pergunta: - Mas é você quem vai ensinar a

ele? Isso vai dar certo?" (ENTREVISTA RAFAEL, 2015).

O depoimento acima mostra a percepção que, de hábito, as pessoas têm

de que o cego não pode ensinar principalmente a outra pessoa cega, o que gera

atitudes preconceituosas e que podem culminar em rejeição.

A fim de explicitar melhor a ideia do preconceito, será necessário entrar

mais a fundo na esfera do preconceito propriamente dito.

3.5. Preconceito

Gerador de atitudes de discriminação, segregação e até superproteção, o

preconceito está relacionado a tudo o que julgamos saber sobre o outro sem que

o observemos pessoalmente. É uma ideia socialmente aprendida, incorporada e

que temos dificuldade de mudar. Nada mais comum na história de indivíduos

cegos do que pessoas que tudo sabem sobre como estes indivíduos se

comportam, do que gostam, como agem sem jamais terem convivido com quem

não tem visão.

Bartolo (2007), no livro “Nos Limites da Ação”, falando sobre alteridade

e preconceito, afirma:

para Martin Buber, a vida humana é relação. O ente não é, relaciona-se.

Existe na relação como um eu apto para dois modos relacionais

fundamentais, com um eu que se relaciona com um tu ou um eu que se

relaciona com um isto (BARTOLO, 2007, p. 41).

Apoiando-se o pensamento de Buber, o autor defende que só existe

formação, seja ela qual for, na relação e tudo o que o indivíduo faz é relacional.

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Diante disso, levanta algumas questões éticas no relacionamento humano e

aponta como sendo o preconceito uma forma de manutenção do poder.

Assim o indivíduo que age a partir do preconceito mantém o que é

atingido por ele sob controle. Ele não conhece nem deseja conhecer o outro,

pois prefere manter as ideias que traz a respeito de sujeitos cujo comportamento

lhe parece questionável.

Pode-se encontrar reforço dessas ideias em Sidanius e Pratto (1999) ao

apresentarem a teoria da dominância social.

"A sociedade cria consensos sobre as ideologias que promovem a

superioridade de alguns sobre outros. As ideologias que promovem as

desigualdades são usadas pelos atores sociais para legitimação das

desigualdades sociais" (SIDANIUS; PRATTO, 1999 apud PEREIRA;

VALLA, 2011, p. 366).

Assim, o preconceito torna-se instrumento de dominação e manutenção

do poder. É o grupo dominante que decide o que o outro pode ou não fazer,

como deve se comportar. Se observarmos aqueles grupos que passam por

opressão perceberemos que, de alguma forma, os homens heterossexuais,

brancos com corpo íntegro e em funcionamento de todos os órgãos dominam as

propagandas, os postos de comando, os espaços de destaque, cabendo geralmente

aos que não estão nesta situação os lugares de subalternidade.

Voltemos, ainda uma vez ao texto de Bartolo para analisar a atitude

daquele que age movido pelo preconceito:"O preconceito é, por definição, o já

sabido por mim por um saber prévio e independente a qualquer escuta

interpessoal. No preconceito, evito a confrontação face a face com o rosto do

outro." (BARTOLO, 2007).

Reformular ideias, ouvir o outro, aquele outro que, de fato, pode lhe

transmitir algo sobre o indivíduo atingido pelo preconceito, abrir-se é o melhor

meio para modificação de uma situação de preconceito. Se não nos

aproximarmos do alvo do preconceito, sempre ficaremos com as ideias

adquiridas de maneira distorcida e essa aproximação deve ser uma aproximação

disposta a ouvir para que nossas ideias passem a ter coerência.

No tópico anterior, sobre estereótipo, Rafael relatou que é comum que

pais e outros familiares não confiem em um professor cego quando chegam à

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sua sala trazendo um aluno e descobrem que ele é o professor. Esse não confiar

é uma atitude prévia, sem conhecer o trabalho do professor, ou seja, é da ordem

do preconceito. O pensamento “é cego, portanto incapaz” supõe-se que se o

professor também é cego, não terá como ensinar o aluno a ser "normal", afinal,

espera-se que o professor "normalize" o indivíduo cego que tem um corpo

considerado desviante.

Além disso, pode estar aí embutida a ideia da superproteção. Na maioria

das vezes, o pensamento pode girar em torno do "risco" de se deixar alguém

"incapaz e desprotegido" nas mãos de outro alguém "incapaz e desprotegido",

pensamento que as famílias não expressam em palavras, mas em atos, sobretudo

no caso dos cegos adultos que vão em busca da reabilitação, como é o caso do

trabalho de Rafael.

3.5.1. Superproteção e preconceito

As formas de manifestação do preconceito podem ser tão variadas que,

por vezes, nem mesmo aquele que o pratica tem consciência de que o faz. A

superproteção é uma dessas situações em que o indivíduo acredita que aquele a

quem protege pode menos, é mais frágil e incapaz, daí a necessidade de ser tão

protegido. "Assim a superproteção à pessoa com deficiência, por exemplo, pode

significar o desconhecimento da real potencialidade que ela tem, mediada pelo

preconceito." (CROCHÍK, 2006, p. 56).

Associar sempre a ideia do preconceito a pessoas perversas é outra

distorção. Não necessariamente o preconceito estará ligado a ideias de violência

e perversidade, sobretudo de perversidade, pois o conceito de violência é muito

amplo e pode, para alguns, abranger também a superproteção.

Quando superprotegemos alguém, ainda que seja por amor a esta

pessoa,estamos dizendo que ela é incapaz, que ela depende de nós para tudo,

que ela não pode decidir fazer sem nós. Estamos colocando este indivíduo numa

posição inferior à nossa.

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Se dermos a uma pessoa cega algo que não damos ao outro, mesmo que

esta doação não tenha nenhum vínculo com sua questão visual, isto é um ato

preconceituoso, pois entendemos que ela não pode conquistar o que lhe foi dado.

"Então, eu estudei o semestre inteiro e sempre perguntava ao professor: -

Como vai ser a minha prova? Os outros professores vão fazer oral. - Depois a

gente vê, minha filha. Chegou o dia da prova e ele disse: - Ficamos assim. Você

não precisa fazer nada. Eu te dou 10 pelo seu esforço.

- Ah, não ficamos não, professor. Eu quero fazer prova, se precisar, farei a

final e vou ter minha nota como todo mundo, seja ela qual for. Passei sim,

com 8,5. O meu 8,5. (ENTREVISTA GABRIELA, 2015).

Esta situação, bem mais comum na trajetória de indivíduos cegos doque

se possa imaginar, assim como aquele que não acredita ser possível ensinar aos

cegos ou coisa parecida, revelam até certa culpa como se o indivíduo dissesse:

"Não tenho como livrar você deste enorme peso, portanto vou compensá-lo com

isso."Observemos um extrato de entrevista em que a superproteção fica bem

evidente:

"Meus pais não me deixavam ir para a casa de nenhuma colega. Era

comum as meninas irem para as casas umas das outras, mas eu nunca ia. A

única que ia lá em casa e para a casa de quem eu ia às vezes era a Luciana,

que é minha amiga até hoje." - Mesmo sabendo que um monte de gente no

Instituto fazia isso. [...] meus pais não queriam que eu fizesse normal

porque não tinha ninguém que fosse fazer e isso ia me obrigar a ir sozinha

para a escola. Tive que fazer o Formação Geral, no início, porque assim eu

ia com todo mundo para a escola." (ENTREVISTA LAILA, 2015)

Os sinais da superproteção da família aparecem de forma tão incoerente

que no caso relatado, os pais da professora permitiam que ela fosse para a escola

com outros colegas cegos, mas não permitiam que fosse sozinha. Era nela que

não confiavam embora não tivessem consciência disso. Essa superproteção pode

trazer consequências para toda a história e o percurso do indivíduo, afastando-o

de outros amigos, mantendo-o isolado longe de seus pares, o que impede que ele

aprenda no convívio com eles.

Aparece, em situações como essa, uma preocupação eterna com a

fragilidade do indivíduo e a certeza de que só os membros da família sabem o

que é bom para ele. No entanto, chegará o momento em que esses membros não

poderão mais suprir suas necessidades, não terão condições de arcar com toda a

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sua vida de pessoa adulta e, talvez, seu comportamento já esteja comprometido

pela falta de oportunidades para desenvolver-se como indivíduo.

Pode ocorrer uma mudança na vida do indivíduo superprotegido ao

ponto de ele superar esta situação de superproteção e tornar-se uma pessoa que

enfrentará as situações que surgirem buscando soluções. No entanto, o mais

comum nos relatos é que a pessoa acabe por enfrentar dificuldades maiores

quando a superproteção cerceia suas oportunidades. Observemos um diálogo

entre os professores Andreia e Ruth falando de outra pessoa, uma ex-aluna da

instituição:

"Andreia:: - Eu fui na casa da Vania, ontem. Ruth: - Como ela está? Andreia: - Ah, como você acha? Ela fica lá dentro de casa, a irmã sai para

trabalhar e ela fica com os sobrinhos adolescentes. Na verdade, são eles

que tomam conta dela. Sem a ajuda deles ela nem come. Não mexe no

fogo. Aí ela lava a louça para a irmã dela porque isso ela faz, pede para a

gente levar tudo o que tiver de livro para ela se distrair... Ruth: - Ela não sai para lado nenhum? Andreia: - Só com a irmã E agora é complicado para ela retomar o tempo perdido porque para qualquer desses centros de reabilitação que ela vá a irmã tem que levar, mas como se a irmã trabalha? Ruth: - A avó dela fez de tudo por ela mas protegia demais e depois o pai e

a madrasta não foram diferentes." Pela superproteção da família, o

indivíduo cego perdeu as oportunidades que teve de apreender o mundo na

perspectiva de indivíduos cegos como ele e agora está posta uma situação

em que tudo é mais difícil para ele. As condições atuais não favorecem sua

autonomia e ele é obrigado a aceitar as condições na casa da irmã. Ainda

que possa ser muito amado, é fato que este indivíduo está em uma situação

de dependência desnecessária já que indivíduos cegos podem preparar sua

refeição, trabalhar e prover seu sustento, locomover-se sozinhos.

(ENTREVISTA ANDREIA; ENTREVISTA RUTH, 2015).

Nos relatos feitos em entrevistas, há poucas demonstrações de

superproteção provocada pela família, porém no comportamento dos

entrevistados a superproteção fica patente, pelo menos em mais dois casos.

No primeiro caso, o professor demonstra dificuldade na realização de

tarefas simples, como usar o microondas, lavar a própria louça. Fala,

constantemente, em receitas culinárias e equipamentos de casa que deixam a

pessoa cega mais independente, no entanto não usa nenhum deles, preferindo

valer-se de alguém que execute todas as tarefas em sua casa.

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No segundo caso, qualquer convite feito ao professor suscita o

comentário "Tenho que ver lá em casa como vão ser as coisas para eu dizer se

vou ou não." É fácil observar que a mãe o acompanha a qualquer reunião

informal e somente o deixa só se souber com quem ele vai retornar.

Nas reuniões de professores observadas no IBC, constatou-se que a

maior reclamação dos professores cegos está ligada à atitude dos pais que

procuram sempre uma oportunidade de aproximar-se da sala de aula de seus

filhos para vigiar o que está acontecendo lá dentro, caso o professor seja cego.

Não é um comportamento absoluto, porém há pais que, a qualquer saída do

inspetor do corredor, aproximam-se da sala observando seus filhos se estes

estiverem sob responsabilidade de um professor cego. É como se não

confiassem que este professor tenha condições de cuidar de seu filho durante o

tempo em que está em aula.

Indagados sobre se não acreditam que um dia seus filhos serão capazes

de cuidar de si mesmos estes pais costumam ter atitudes escapistas para não

responder, pois sabem que este comportamento inferioriza seus próprios filhos,

no entanto a imagem da pessoa cega como frágil e incapaz está forte demais

neles e é difícil de ser substituída por uma outra de alguém que pode se valer de

outros recursos que não os visuais para desenvolver tarefas.

Como uma forma de preconceito, de inferiorização do indivíduo, a

superproteção ainda carrega um problema maior porque temos todos muita

dificuldade de escapar dessas situações, visto que as pessoas que superprotegem

alguém o fazem visando ao bem deste indivíduo. É, portanto, delicado e

complexo contrapor-se a alguém que parece nos amar, por mais que possamos

contestar as formas de amar. Para isso, é preciso que o indivíduo tenha

construído sua identidade como pessoa com deficiência e conheça suas

possibilidades, estando certo de seu modo de agir e solucionar situações que

fatalmente surgirão, mostrando a todo o tempo que é capaz mais para os mais

próximos do que para os outros.

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3.6. Exclusão

Desenvolver este tópico é, de alguma forma, reavaliar os anteriores.

Quando não entendemos o diferente, quando de alguma forma ele pode ameaçar

o já estabelecido, nem que seja porque teremos de mudar nossa forma de

trabalhar, faz com que prefiramos nos afastar do outro.

Além do fato de que o outro não nos interessa. No tópico sobre

preconceito, Bartolo (2007) traz a reflexão de Buber sobre nossas relações que

podem ser da ordem do eu-tu -- eu vejo o outro como alguém como eu, com

necessidades e capacidades -- ou da ordem do eu-isto -- o outro está aí para me

atender e não é importante. É qualquer coisa. Quando excluímos, é assim que

estamos vendo o outro.

Segundo Bartolo (2007), em nossa sociedade as relações têm sido

prioritariamente da ordem do eu-isto. As necessidades alheias não me

interessam e o outro só é importante para satisfazer aos meus interesses. O

trecho de Xavier e Canen que aparece a seguir mostra um aspecto desta

exclusão:

"A exclusão leva a uma suposta, imposta dolorosa invisibilidade, como se

o excluído não existisse. Suas necessidades, sua cultura e realidades

parecem distantes, irreais ou, talvez, mais do que isso, sejam

incomodativas e provocativas em demasia para a preservação da nossa

pretensa estabilidade pessoal e social." (XAVIER; CANEN, 2008, p. 225).

O texto acima não nos remete a uma situação antiga, a algo que se

perdeu na poeira dos séculos. Ele fala do presente, ainda que vivamos numa

sociedade que prega incluir a todos. Atentando para a situação das pessoas

cegas, uma caminhada por nossa cidade nos mostrará que a inclusão é desejada,

porém está longe de fazer parte de nossa realidade.

Quantos sinais sonoros existem para que a pessoa cega possa fazer sua

travessia com independência? Em quantos estabelecimentos comerciais, ao

ouvir a orientação "Digite sua senha", a pessoa cega pode fazê-lo com

independência? Em quantos edifícios comerciais ela consegue, de forma

autônoma, encontrar a sala que procura?

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Estas situações, aparentemente simples, são uma pequena mostra do

processo de exclusão em que estamos, no entanto, há muitas outras questões a

serem levantadas e pensadas, pois como diz o texto de Xavier e Canen, há

fatores que incomodam a sociedade pois pressupõem uma modificação que ela

não está disposta a fazer, ajustes que ela não se dispõe a compreender e, talvez

admissão de falhas que não convém que sejam reconhecidas.

Esta invisibilidade de que fala o texto pode trazer prejuízos nas mais

diversas situações já que ao se aproximar de um grupo, o indivíduo cego poderá

precisar de ajustes para ser membro ativo desse grupo, não podendo, assim,

permanecer invisível. Mas ela é real, a tal ponto que na maioria dos textos,

quando se fala em diversidade, cita-se diversidade de gênero, etnia, religião,

nacionalidade e poucos falam em condição física. Esta aparece em textos

específicos, porém nos textos gerais sobre diversidade são raras as referências a

qualquer forma de deficiência.

A escola, espaço em que todas as situações de diversidade acabam por

surgir, é um lugar que merece atenção especial neste assunto.

3.6.1. Exclusão escolar

A escolha de uma escola especializada como campo de pesquisa faz

entender que a abordagem deste tópico será diferente da que teria alguém que

não conhece internamente as características de uma instituição nesses moldes,

apresentando resultado, por certo, diverso do que teria uma pesquisa feita em

uma escola convencional.

Para os alunos cegos ou com baixa visão, o espaço do IBC é, em geral, o

do acolhimento, onde podem realizar o que não realizam em outros espaços, de

acordo com o que se observa. É o local dos textos e dos materiais preparados

pensando nestes alunos, das atividades voltadas para eles, embora haja situações

em que este fato possa ser questionado.

Pode-se observar, em alguns depoimentos que há professores que

questionam se o IBC está preparando seus alunos para a entrada na escola

convencional, o que fatalmente acontecerá.

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"Acho que o Instituto não está preparando os alunos para lidarem lá fora,

quando saírem. Passa muito a mão na cabeça em certas situações."

(ENTREVISTA RAFAEL, 2016).

Há questões que dividem os professores quanto ao melhor procedimento,

pois uns alegam que até na preparação de atividades, o IBC é paternalista e

deveria permitir um maior contato do aluno com as atividades como são feitas

em qualquer escola; outros defendem a adaptação e até substituição de

atividades, a fim de que o aluno acompanhe o que está sendo feito, alegando que

este conhecer da atividade como é em outros lugares não lhe acrescenta nada.

Existe ainda o grupo da moderação que julga importante que o aluno

conheça as atividades como são feitas em outros lugares, porém que conheça,

também, maneiras de adaptá-las ou substituí-las para que ele mesmo possa

sugerir estas adaptações quando elas forem necessárias, pois isto fatalmente

acontecerá. Em algum momento de sua trajetória, ele terá oportunidade de

estudar fora da escola especializada, afinal é um indivíduo que pertence à

sociedade e precisa ocupar seu lugar nela, mas é importante, segundo defende

uma corrente dentro da instituição, que o próprio IBC o instrumentalize para esta

situação.

Nesta discussão, está novamente evidente uma situação já abordada. O

modo de apreensão do mundo do indivíduo cego é formador de uma cultura cega

ou ele deve adaptar-se ao modo de apreensão do mundo dos videntes? Desta

pergunta surgem as correntes que debatem a maneira como a escola

especializada prepara seus alunos e os auxilia a caminhar com a convivência dos

três posicionamentos acima citados que variarão de professor para professor.

Discutir a exclusão na perspectiva do IBC, buscando compreender como

a instituição lida com estas situações, pressupõe compreender, antes de tudo,

que ela possui dois vieses: o dos alunos que chegam ao IBC oriundos de escolas

convencionais e o dos alunos que deixam a instituição por terem concluído seus

estudos nela, partindo para as escolas convencionais, já instrumentalizados e

com a base que a escola especializada oferece.

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No caso do primeiro grupo, os dos alunos que vem de escolas

convencionais comecem lembrando um trabalho de Bader Sawaia, intitulado

“As Artimanhas da Exclusão”, em que ela aponta o caráter extremamente

racional da educação como um dos fatores da exclusão percebida por diversos

grupos oprimidos. Tomando como base a filosofia de Espinoza, a autora sugere:

Propomos a substituição dos dois conceitos centrais à praxes psicossocial

clássica "conscientização e educação popular pelo conceito de potência de

ação por causa do excesso de racionalidade, instrumentalização que

aqueles foram aprisionados. Potencializar significa atuar ao mesmo tempo,

na configuração da ação, significado e emoção coletivas e individuais.

(SAWAIA, 1999, p. 113).

É, portanto, tarefa daquele que pretende incluir dar ao aluno

condições

para que ele forme sua própria personalidade, sinta-se um ser humano com

direitos, características, ações próprias e sinta-se integrado a algum grupo.

No trecho observado e apresentado abaixo nota-se o aspecto mais comum da

exclusão vivida pelo indivíduo cego na escola:

"É que na outra escola, a professora não me ensinava as contas que nem a

senhora está fazendo. Ela só botava tudo lá no quadro e ensinava para os

outros alunos. Eu aprendia alguma coisa quando ia para a sala da outra tia,

a que me ensinava Braille." (DEPOIMENTO OBSERVADO, 2015).

O depoimento acima mostra como a maioria dos alunos oriundos das

escolas convencionais chega ao IBC. Nem sempre o que as leis preveem é

exequível e assim, em muitos casos, o aluno é colocado em uma sala de aula

onde permanece sem desenvolver atividades, atuando apenas quando é atendido

em sala de recurso12.

A despeito de leis e decretos, necessários e embasadores de outra

política, existe um sentimento que nem sempre foi transmutado, aprendizados

que nem sempre foram desconstruídos, dando lugar a este tipo de inclusão em

que o aluno está na mesma sala que aqueles que não possuem limitações físicas

12 Espaço em que os alunos com deficiência recebem apoio nas áreas em que apresentam maior

dificuldade. FONTE: BRASIL. NOTA TÉCNICA Nº 42 / 2015/ MEC / SECADI /DPEE. Brasília,

DF: / MEC / SECADI /DPEE, 2015. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=17656-secadi-

nt42-orientacoes-aos-sistemas-de-ensino-sobre-destinacao-dos-itens-srm&Itemid=30192> .

Acesso em: 13 mai de 2016.

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ou, pelo menos, não possuem as mesmas que ele, porém não tem proveito nas

atividades escolares. Pereira e Valla (2011) tratam este tema como preconceito

implícito, quando se preconiza o cumprimento das leis, mas não há preocupação

com a real desconstrução das matrizes da exclusão. Segundo esses autores, a

preocupação com a igualdade, que é diferente do respeito às diferenças, pode

visar ao escamoteamento dessas diferenças dando a aparência de uma sociedade

sem questionamentos recheada de aparente harmonia.

Há que se considerar ainda que existem exceções a tudo isso. Espaços

onde, realmente, existe o empenho em incluir, porém mesmo nestes há

obstáculos que os sistemas não conseguiram ainda resolver: as turmas são muito

inchadas, o que não permite que o professor possa dar ao aluno cego ou com

baixa visão a atenção necessária, além de haver um grande despreparo por parte

destes professores. E parte deste despreparo não se resolve apenas com cursos

que são, decerto, muito importantes. Mas pode ser amenizado se, além dos

cursos, houver uma escuta maior das reais necessidades das pessoas cegas, das

suas demandas mais sérias, se cada deficiência ou limitação for vista

particularmente, sem que sejam todas unidas como se as necessidades de todos

os indivíduos com deficiência fossem iguais.

A generalização e a homogeneização que se crítica no caso de pessoas

que veem o outro a partir do estigma podem ser também percebidas em algumas

situações em que se busca trabalhar no viés inclusivo. A pesquisa mostra que a

maioria dos textos que versavam sobre diversidade e inclusão estavam voltados

para a questão da deficiência intelectual, sem atentar para o fato de que nem

mesmo é possível contemplar a cegos e surdos com os mesmos modelos de

adaptação, já que cada um desses grupos se vale, justamente, do sentido que

falta ao outro.

Observemos o trecho a seguir para melhor entender o ponto em

discussão:

“Assim, linguagem em Braille pode ser importante para os que têm

deficiência visual; linguagem de sinais pode ser importante para os que têm

deficiência auditiva." (CROCHÍK, 2012, p. 41).

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A preocupação do autor em atender a todos os níveis de limitação é

nítida, no entanto sua ponderação fere por colocar, de início, Braille e língua de

sinais em um mesmo grupo quando são maneiras de comunicar com

características distintas. O primeiro é um código que pode expressar qualquer

língua e o segundo é uma língua com sua própria sintaxe. Este poderia ser um

detalhe pouco significativo, não fosse o fato de o autor fazer a seguinte

afirmação: "Com o progresso, a eficiência no mundo do trabalho pode ser obtida

em boa medida, pelas máquinas. Essas podem ver, ouvir e pensar, formalmente,

melhor do que muitos homens. A formação poderia ser, predominantemente,

para a vida." (CROCHÍK, 2012, p. 43).

A proposta de escola apresentada não visa à formação de indivíduos para

o mundo do trabalho, ou a inserção em qualquer atividade na qual possam

colaborar na sociedade em que vivem. Ela não atende às necessidades do mundo

real e da sociedade como ela está organizada hoje.

No caso do indivíduo cego, especificamente, seria preciso que a escola

atendesse às suas necessidades como pessoa cega, com os recursos necessários

às suas aspirações de aprendizado. O modelo acima apresentado preconiza a

igualdade, mas não destaca o respeito à diferença. Contempla aspectos

importantes para qualquer grupo social, no entanto, abre mão de outros sob o

risco de não atender às necessidades dos alunos no sentido da instrução que,

então, não se sabe em que espaços seriam atendidas.

O essencial neste modelo é que não se pode perceber a presença de

elementos que contemplem as especificidades de cada deficiência, nem as falas

de indivíduos nestas condições. Fala-se em textos em Braille, porém, em que

condições e em que situações, não se sabe.

Tudo aponta para aspectos vinculados a uma inclusão social na qual, por

certo, o Sistema Braille e a língua de Sinais deveriam estar mais evidentes,

contudo não aponta para o aprendizado e o crescimento da pessoa com

deficiência.

Em verdade, colocando-se todos juntos e "iguais", a invisibilidade de que

fala Canen e Xavier (2008) continuaria a existir agora sob uma máscara de

tolerância e inclusão aparentes em que nenhum segmento sairia contemplado no

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aspecto da instrução. A escola é, por certo, um espaço em que se precisa

trabalhar a convivência e a tolerância, porém onde será trabalhado o

conhecimento?

Já o texto de Sawaia nos reporta à necessidade de em poderar a pessoa

com deficiência, em nosso caso, o indivíduo cego, para que ele se articule e

trabalhe, movimentando-se no mundo à sua volta, compreendendo-o, alterando

o que for possível, convivendo com o que não puder alterar, aceitando suas

características de indivíduo cego.

É possível estabelecer no texto “As Artimanhas da Exclusão” a

reocupação com a afetividade que pode ser traduzida como empatia, já que a

aprendizagem ocorre com melhores resultados quando se tem empatia com o

ambiente e todos os elementos envolvidos nela. Essa busca pela empatia faria,

segundo a autora, com que a inclusão ocorresse, pois, o indivíduo sentiria aquele

espaço como seu também.

Ao receber o aluno que já conviveu com a exclusão, portanto, é papel do

IBC instrumentalizá-lo para que possa descobrir outra forma de relacionar-se

com a escola e com os elementos que compõem a estrutura da educação,

preparando-o como indivíduo cego para conviver e atuar em todos os grupos

que frequente.

É, por isso, responsabilidade do IBC, neste caso específico,

auxiliar o aluno a estabelecer uma empatia entre ele e a escola. É preciso que o

aluno perceba na escola um espaço em que ele é importante. Este processo

implicará na relação da instituição com as famílias, com o próprio aluno, na

relação que a escola vai estimular entre o aluno recém-chegado e os demais e na

relação com os professores. É importante, portanto, que o aluno descubra

pessoas com características semelhantes às dele e, neste caso, como instituição

especializada, o IBC tem condições de oferecer esta possibilidade.

Observemos um extrato de entrevista e um de observação para

compreender melhor em que medida isto pode ser favorecido.

Primeiro, eu fiz o Jardim perto da minha casa. A minha lembrança desse

período é só da minha irmã do meu lado o tempo todo me ajudando nas

tarefas. Não tenho lembrança da professora ou de outros colegas. Sei que

eles estavam lá, mas nenhuma característica, sabe, nenhuma festinha...

Acho que se aquilo tivesse sido importante para mim eu me lembraria.

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Daqui não. Eu me lembro do meu primeiro dia de aula. "Eu já estudei lá fora mas é muito ruim porque tudo o que você faz chama a

atenção. Professor: Como assim? Explica melhor. (ENTREVISTA MELISSA,

2016); Júlia: Ah eles ficam lá falando da curva do g, do c mas eu não sei nada

disso. Então eu pergunto e a professora diz que para mim é diferente que é

para eu ficar quieto. Aí, todo mundo quer saber por que para mim é

diferente e dá até vergonha porque fica parecendo que a gente é assim que

nem uma atração, porque fica todo mundo fazendo um monte de pergunta.

Aí, “dá vontade de não perguntar mais nada, de ficar só sentado lá quieto”.

(DEPOIMENTO OBSERVADO DE JULIA, 2015).

Destacam-se nos dois trechos respectivamente, a pouca ou nenhuma

importância da escola na vida de alguém que contava com a irmã para todas as

atividades, isto é, não conseguia ganhar autonomia e uma suposta distância da

professora e dos colegas, tanto que sequer são lembrados e a inibição do aluno,

constrangido por se tornar o centro das atenções, além da pouca ou nenhuma

empatia com o que era transmitido, já que as letras em Braille não seguem o

padrão das letras do sistema comum.

Por isso é tão importante a opinião do professor cego. Busca-se, entre

outros aspectos, entender se e como ele instrumentaliza o aluno cego para atuar

nessa inclusão que, em algum momento ocorrerá, mesmo porque a inclusão não

precisa, necessariamente, ser do aluno cego entre alunos videntes. Ela poderá ser

mesmo do aluno cego com outros colegas cegos, o que nem sempre é algo que

aconteça sem a intervenção mais contundente de um adulto.

Vários fatores como: a superproteção ou outra situação limitante podem

trazer sinais de exclusão entre alunos dentro do próprio IBC. Por ser a única

escola especializada na área da deficiência visual, sendo a única opção para

inúmeras famílias de todas as classes a procurar nela o ensino para seus filhos,

se por um lado ela integra indivíduos de várias classes sociais, por outro também

surgem situações em que a classe social causa exclusão, fazendo, por vezes,

com que, em alguns casos, os alunos de classe social menos privilegiada,

maioria na escola, isolem os de poder aquisitivo melhor ou que as próprias

famílias destes últimos não aceitem o contato de seus membros com pessoas das

outras classes sociais.

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Assim a exclusão social dentro do IBC aparece não só no aspecto da

criança que chega já tendo enfrentado situações de exclusão pela cegueira, mas

também nas situações surgidas internamente, envolvendo outras limitações,

questões de classe e questões específicas da deficiência visual, podendo ocorrer

entre alunos cegos e com baixa visão. A escola, como instituição, pode não

excluir a nenhum desses grupos, porém estas separações afetam o trabalho e

precisam ser discutidas a fim de serem mais bem compreendidas.

Por vezes, alunos cegos e com baixa visão vivem situações de exclusão

dentro da instituição, havendo sempre comparações entre um grupo e outro e,

mesmo quando passam a estudar na mesma turma, há alunos cegos que não

criam vínculo de amizade com os com baixa visão e vice-versa.

No caso de alunos com outras limitações associadas, percebe-se a

dificuldade por parte das famílias dos demais, de alunos e de professores que

ainda não têm um consenso sobre a melhor forma de atender a esses alunos,

havendo os que julgam que o rendimento deles seria melhor em classes

especiais dentro do próprio IBC, atendendo às questões ligadas ao visual e às

demais demandas que o aluno possa trazer e os que consideram ideal que eles

sejam incluídos com outros alunos que tenham apenas a deficiência visual, o

que, segundo eles, traria progresso ao seu aprendizado.

Finalmente, há a questão do aluno que conclui o ensino fundamental e

parte para outra escola. Este indivíduo deixa o IBC instrumentalizado e

preparado para a sequência de seus estudos acadêmicos em escolas não

especializadas, no entanto a falta de estrutura para os atendimentos necessários

provoca reações diversas nos então ex-alunos como se observa nas entrevistas.

Alguns negociam com os professores os melhores procedimentos, outros

aguardam a decisão dos professores a respeito deles e outros, ainda, recorrem a

instâncias superiores dentro das escolas a fim de obter o apoio necessário.

Todos, contudo, acabam por encontrar alguma solução quando sentem que sua

capacidade foi reconhecida dentro do instituto e que a instituição espera

resultados deles.

O fato é que existem aspectos relativos à exclusão dentro do espaço para

serem trabalhados por ser esta uma questão complexa para o ser humano, mas

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que precisa ser encarada pela escola a fim de que se possa avançar nessa

discussão.

3.6.2. Exclusão social

"As pessoas deficientes são aquelas identificadas, de uma forma ou de

outra, como social, biológica ou intelectualmente inadequadas. De todo

modo, isso é um julgamento de valor porque quanto mais sofisticadas

ficam as sociedades, mais impedimentos nós criamos." (BARNES, 2013,

p. 238).

Na percepção de Barnes, sociólogo inglês cadeirante, pode-se inferir que

a exclusão é, portanto, um processo que está relacionado ao julgamento de cada

um ou de cada grupo. No caso dos indivíduos cegos, se o grupo em que ele está

a atentar para o fato de ele ser cego, poderá com a participação dele, encontrar

maneiras de mantê-lo como membro participante do grupo.

A questão é que, como o próprio autor ressalta, a sociedade não atenta

para as necessidades de seus membros. Uma pessoa cega ou surda não pode

escolher qualquer filme ou peça para assistir a não ser que esteja acompanhada

de um vidente ou ouvinte versado em LIBRAS,sob pena de perder boa parte do

espetáculo no qual, fatalmente, não haverá áudio-descrição ou intérprete. Em um

espaço onde cada vez mais tudo se movimenta a partir das famosas senhas, as

máquinas têm teclado imperceptível ao tato, impedindo que os cegos possam

acessá-lo.

A lei obriga a identificação das embalagens de remédio com o Sistema

Braille, porém não houve orientação aos laboratórios para este procedimento e

as fitas adesivas, por vezes, cobrem a identificação, não sendo possível ao cego

ler o que está por baixo. Esses exemplos são apenas um indicativo de alguns

dados: a dificuldade que a sociedade tem ainda em ver o diferente como

diferente mesmo, porém com direitos, necessidades e aspirações, a consequente

invisibilidade a que estão submetidos os indivíduos cegos.

Diante da exclusão social, o mais difícil é contar com a manifestação do

próprio indivíduo cego contra ela. O lugar da subalternidade que lhe é imposto

permanece sendo dele quando não participa das decisões que o envolvem, que

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lhe dizem respeito e, assim, continua não sendo ouvido e suas necessidades

permanecem não atendidas. Todos falam por ele, mas ele pouco fala.

Daí a defesa de Martins (2013) dos saberes partilhados, pois acredita na

consistência maior de um trabalho sobre a cegueira com participação ativa dos

próprios indivíduos cegos como sujeitos.

Barnes (2013) defende ainda a questão econômica como fator de

exclusão. Segundo ele, o mercado preocupa-se com quem tem poder aquisitivo

para obter o que se produz e por isso as pessoas com deficiência, em sua maioria

colocada em empregos de menor poder de compra, não conseguem modificar a

situação vigente.

Assim, fabricar equipamentos que atendam aos cegos, por exemplo,

torna-se mais caro pela lei da oferta e procura o que afasta estes indivíduos

ainda mais de materiais que poderia proporcionar-lhes maior autonomia e

oportunidades.

Todos esses aspectos se encadeiam já que sem acesso a uma instrução

que seja inclusiva, considerando suas necessidades como pessoa cega, o

indivíduo nesta condição não se instrui com qualidade ou acaba por desistir da

instrução e quando consegue superar esta barreira e adquire uma formação que

lhe permite posição favorável, está lhe é negada por ser ele considerado incapaz,

sem que lhe seja dada a oportunidade de mostrar por si mesmo sua real

potencialidade.

Assim as colocações mal situadas no mundo do trabalho trazem a pouca

renda à maior parte dos indivíduos cegos, como em verdade, ocorre com a maior

parte da população mundial.

Neste contexto, a escola trabalhando sobre as questões da exclusão, pode

auxiliar formando cidadãos com outra percepção dos grupos oprimidos,

contribuindo com a desconstrução das matrizes do preconceito e a presença de

cegos em funções nas quais o aluno possa entender que ele pode de fato realizar

um trabalho tem seu lugar de importância.

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No caso do IBC, vale destacar que o indivíduo cego pode ser visto

também em outras funções e a instituição com seu centro de reabilitação acaba

por atuar na entrada de pessoas cegas no mundo do trabalho fora de seus muros.

Por tocar, de alguma forma, em importantes aspectos da exclusão e do

preconceito, traremos a fala de Tunis (2007) sobre o tema já que aquela não

teria sentido sem este.

"O rótulo é palavra-ato. Já o preconceito é o obstáculo inaugural ao ato

verdadeiramente inclusivo. O conceito de deficiência serve, pois à

exclusão. Eis aí o pré-conceito da deficiência. É, portanto um contra censo

falar da inclusão de excluídos, quando basta apenas não excluí-los

chamando-os apenas pelo nome próprio." (TUNIS, 2007, p. 54).

A classificação de indivíduos como deficientes já é o primeiro passo para

a exclusão e é uma classificação que parte de um julgamento. Deficiente para

quem? Em que esfera de ação?

A autora aponta para o fato de que muitas vezes, o termo deficiente, ou

cego ou, mesmo, ceguinho se sobrepõe à identificação do indivíduo, fazendo

com que seja conhecido apenas por aquilo que lhe falta.

Sem negar o fato de que as limitações, a falta de algum sentido ou

movimento são reais, é importante lembrar o quanto todos os conceitos aqui

lembrados influenciam na trajetória de um indivíduo cego, conforme vem sendo

apontado e ficará patente no próximo capítulo.

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4. As Falas dos professores cegos no IBC

Neste capítulo analisaremos os dados obtidos no trabalho de

campo,tomando por base as observações feita se as entrevistas dos informantes

afim de verificar o que mais marcou a infância desses sujeitos, como eles

formaram a compreensão de que eram pessoas cegas, se houve situações

desuperproteção, como negociaram diante de situações de exclusão e preconceito

(caso estas tenham surgido em suas trajetórias) e o que pensam a respeito do

trabalho do professor cego dentro do IBC.

4.1. Situações que mereceram destaque na infância

Laila: "Eu já nasci cega. Sou pernambucana e meu avô, que era descendente de índios, achava que era melhor que eu morresse. Que meus pais dessem

um jeito em mim. Quando meus pais resolveram vir para cá foi ruim em

parte porque meu avô, aquele mesmo, já estava muito apegado a mim. (...)

Aqui, a realidade mudou. É claro que havia os que olhavam os que evitavam se aproximar, mas não era como lá. Não parecia que eu tinha

uma doença contagiosa. Aos poucos, “eu fui fazendo amizade com as

crianças da vizinhança.” (ENTREVISTADO LAILA, 2015).

Pode-se constatar na fala acima a presença forte do estigma, levando-se

em consideração os aspectos culturais que envolvem a família do sujeito

entrevistado e o local onde ele vivia (o interior de Pernambuco). É possível

perceber ainda a possibilidade de desconstrução ou, ao menos, de transformação

de um estigma quando a entrevistada revela que quando veio para o Rio, seu avô,

o mesmo que queria que os pais”dessem um jeito" na filha, havia se apegado a

ela.

A convivência permitiu o estreitamento de laços entre avô e neta,

modificando a percepção original do avô, o qual não fazia mais do que agir

segundo a tradição de seu povo segundo a informante, mas que permitiu que ele

desse lugar à construção de outro tipo de relacionamento. A professora revela

ainda que ao chegar ao Rio de Janeiro foi mais bem aceita do que em sua terra, o

que faz perceber que o estigma e o preconceito marcavam sua infância em

Pernambuco não permitindo que a mesma interagisse plenamente com outras

crianças.

Em alguns casos, a falta de informação podetrazer prejuízos às relações

mais simples:

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Marília: “Desde criança, eu tinha uns problemas de visão, mas ninguém descobria o que era. Então minhas primas achavam que eu era lerda ou

preguiçosa. “Minha avó me achava desastrada porque eu derrubava as

coisa se quase não me deixava fazer nada”.Professora começam em torno dos anos cinquenta, em sua infância, e havia muita desinformação e

poucos tratamentos. Ao dizer que "minhas primas achavam que eu era

lerda ou preguiçosa", a professora revela a tendência da família em sempre

atribuir uma característica pejorativa ao indivíduo cego ao invés de primeiro verificar ao invés de antes. Aqui não havia negação da cegueira e,

sim, desconhecimento dela. As histórias dessa buscar informações e

subsídios para lidar com a situação. Tende-se a crer que é o indivíduo quem está fazendo algo inapropriado. É muito comum que a pessoa com

baixa visão tenha dificuldade em explicar o que vê e pense que todos vêem

o que ela vê.De acordo com profissionais especializados, há várias formas

de ver e a baixa visão tem inúmeras peculiaridades. Dessa forma, um dos professores entrevistados vivia uma situação em que nem ele conseguia

compreender o que lhe estava ocorrendo, muito menos sua família, que

não atentava para o fato de seu problema ser de ordem visual (ENTREVISTADO MARÍLIA, 2015): Andreia: "Eu brincava com as crianças da minha rua sem problemas. Só

tinha uma coisa que eu não gostava muito. É que, em algumas brincadeiras, tipo pique, sempre alguém avisava se tivesse um colega

novo: - A Andrea é café-com-leite, que é uma situação mais protegida. Eu

demorei mas um dia, entendi o que era café-com-leite. Eu não. gostava de

ser café-com-leite, mas também não queria me dar mal sempre. Então tinha que aceitar. O que é que eu ia fazer?" (ENTREVISTADO

ANDREIA, 2015).

O relato acima ilustra a necessidade de se compreender a limitação real

causada pela cegueira. É o momento em que se questiona o modelo social da

deficiência que, se traz inúmeras possibilidades de crescimento que devem ser

valorizados pelas pessoas com deficiência, traz também aspectos que precisam ser

tratados com cuidado a fim de que não se chegue a negar a realidade manifesta de

uma limitação sensorial.Se os seres humanos possuem cinco sentidos e os cegos

possuem quatro, um deles está faltando.Porém, a própria entrevistada afirma que

brincava com as outras crianças da sua rua, o que nos leva a crer que esta falta da

visão não impedia uma série de possibilidades de socialização em conjunto. As

demais crianças, ao contrário das que fizeram parte da infância da Laila em

Pernambuco, dispuseram-se a conhecer a pessoa antes de ter ideias preconcebidas

sobre as possibilidades de sua vizinha e ela pode, assim, ser mais incluída.

Em seu texto Sobre Crocodilos e Avestruzes (completar) Lígia Amaral

(1998) conta uma história semelhante à de Andréia, reportando-se a seu próprio

caso, pois por ter se que ela de poliomielite, as brincadeiras de pique também

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eram difíceis para ela. Por conta disso, em alguns momentos, ela preferia estar em

casa, ouvindo rádio ou lendo, com a proteção do lar, segundo ela, como uma

avestruz que enterra a cabeça na areia para se esconder do mundo exterior.

Conclui que isso não faria a sua limitação desaparecer e que, afinal, não havia

outra solução senão enfrentá-la: ou aceitava ser café-com-leite ou não poderia

brincar sem ser apanhada sempre.

A falta da visão é real e inegável, porém as relações baseadas nesta falta

são construídas socialmente, priorizando aquilo que o indivíduo não pode fazer ou

novas possibilidades da condição, dando maior valor ao que ele pode fazer sem o

apoio da visão. São estas escolhas que vão demarcar o espaço do preconceito, do

estigma e do pouco valor que se atribui às pessoas cegas, como explicita X:

"Eu tinha loucura por escola e queria saber tudo o que meus irmãos

estavam aprendendo. Procurava prestar atenção a tudo e confesso:embora não fosse culpa minha nem de ninguém, eu tinha vergonha de não estar na

escola como os outros." (ENTREVISTADO GILMARA, 2015).

O relato acima pode apontar para certa preocupação com a própria

imagem. A própria entrevistada diz que tem consciência de que ninguém era

culpado, mas tinha vergonha como se fosse responsável pela própria condição.

Ela sentia-se diferente, já que todos estavam na escola, e queria aproximar-se dele

são máximo; por isso, era importante saber tudo o que eles estavam aprendendo.É

evidente que a falta da visão não diminui, forçosamente, a curiosidade inerente às

crianças, e pode mesmo aguçar, como no caso do informante acima, essa expressa

sede de aprender.

Goffman (2004) mantém que os "informados", isto é, aqueles que por

conviverem com os envolvidos pelo estigma, têm uma melhor compreensão de

suas situações. A fala do informante X exemplifica o argumento do autor:

Eu sempre brinquei solto. Morava no interior e isso me fazia contar com

mais espaço. Minha mãe era um pouco mais tensa sobre as coisas que eu

aprontava, como subir em árvores, correr para todo o lado... Meu pai não. O fato de eu ter um irmão mais velho que também era cego, acho que fez

minha família lidar melhor com a situação.Neste caso, a existência de outro

irmão com a mesma característica evitou a superproteção e, segundo a fala

apresentada, garantiu ao entrevistado uma infância mais autonôma.

Marlon: "Logo no meu primeiro ano aqui, teve uma coisa que me marcou.

Eu entrei para fazer o antigo CA e achei que estava aprendendo bem tudo. Quando chegou no fim do ano, recebi a notícia de que tinha sido

reprovado. Aquilo me chocou. Na verdade, ninguém da turma ia para a

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primeira série, mas no meu caso, a minha família correu atrás e eu estudei

com a professora Selma durante as férias. Na volta, fiz novas provas e

passei." (ENTREVISTADOMARLON, 2015).

Aqui, cabe uma informação sobre o processo de alfabetização da criança

cega. Como o Sistema Braille exige uma grande orientação espacial, boa noção de

lateralidade e precisão, sobretudo na escrita, pois a letra tem um tamanho padrão,

não podendo ultrapassar o espaço da cela Braille, é exigido de quem está em

processo de alfabetização o desenvolvimento dessas habilidades que ainda estão

em formação nas crianças. Por isso é bastante corrente que crianças cegas passem

mais de um ano nas classes de alfabetização, não significando isto um

atraso.Algumas podem alfabetizar-se em um ano, mas não é considerado atraso

olfato de a criança precisar de mais tempo nesta fase. O que Marlon chama de

reprovação refere-se exatamente a esta prática, aceitável para os estudiosos da

alfabetização de crianças cegas, porém não aceita pela família do sujeito.

Como houve a busca por parte da família de outro recurso, a instituição

acabou por conceder apenas a ele, segundo seu próprio relato, a oportunidade de

fazer a prova de um nível de escrita que ainda não lhe havia sido transmitido, com

fonemas e dificuldades da língua ainda não transmitido, tanto que ele precisou

estudar nas férias para preparar-se. No ano letivo regular, ele havia sido aprovado

para cursar o nível seguinte da alfabetização. Com a prova feita em março do ano

seguinte, ele foi aprovado para a antiga primeira série.

Chamamos a atenção para o regime de exceção concedido pela escola ao

aluno, já que ele mesmo diz que toda a turma estava na mesma situação, porém

ele teve a oportunidade de preparar-se para fazer nova prova e seguir para a

primeira série.

Esta situação pode gerar no indivíduo a perspectiva de ser sempre a

exceção, o protegido, aquele que poderá agir de acordo com regras criadas apenas

para ele, sem a necessidade de cumprir com aquilo que todo o grupo deve

cumprir, mesmo que não haja uma razão concreta para o não cumprimento dessas

regras. No caso em questão o aluno estava em condições de igualdade com os

outros alunos e não haveria razão para que não fosse submetido ao mesmo regime.

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4.2. Compreensão da condição de pessoa cega

A consciência da cegueira, bem como o momento e a forma como

essa consciência é adquirida variam, uma vez que diverso também é o que cada

grupo dentro de uma sociedade maior entende por indivíduo cego. As

consequências de se assumir esse lugar são vistas de formas distintas e

transmitidas distintamente através das gerações. Se há outros cegos na família ou

se os indivíduos nunca lidaram com a cegueira isso terá implicações no tomar

dessa consciência.

Os extratos de entrevistas a seguir serão comentados com vistas a se

fazer inferências sobre essa consciência e a forma e a forma como ela é adquirida.

MARÍLIA:"Uma vez, todos nós ganhamos aqueles quites de fazer bolinha de

sabão. Eu comecei a achar aquilo muito chato e fui falar com a minha mãe que aquela brincadeira era muito chata porque eu não estava vendo as bolinhas.

Minha mãe me deu uma bronca.

- Não repita isso de que você não pode ver. Você é igual aos seus

irmãos. Pode fazer tudo o que eles fazem.Meus pais não tinham nenhuma informação de como lidar com uma criança como eu e achavam que negar era

o melhor caminho. Quando bem criança, a gente não tem noção de como as

coisas realmente são.Eu achava que todo mundo via com a mão feito eu até meus cinco seis anos. Não acredito que uma criança nesta idade tenha

consciência de que não enxerga. (ENTREVISTADO MARÍLIA, 2015).

AROLDO: "Desde os meus quatro anos eu entendia, na medida em que isso

pode ser entendido por uma criança de quatro anos, que eu tinha uma situação de desvantagem. As maneiras admiradas como as pessoas se referiam à minha

cegueira perguntando se era verdade que eu não via nada mesmo e outras

coisas do gênero me faziam notar que algo em mim era, no mínimo,diferente, embora eu convivesse com quatro cegos adultos." (ENTREVISTADO

AROLDO, 2015).

Dentre todos os entrevistados, são estes os que demonstram mais

atenção à questão da percepção da cegueira desde criança. Os outros informantes

não abordam este fato como algo importante, como se isto tivesse acontecido sem

que eles se dessem conta de como ocorreu. Por exemplo, a citação de X

supramencionada guarda continuidade com o que diz em outro momento da

entrevista, quando se reporta a um convite feito para assistir um filme mudo:

MARÍLIA: "Era uma coisa estranha. Um grupo de meninas, irmãs, primas,

ia ao cinema, mas era para ver um filme que era mudo e eu falei que não ia

porque aquilo não tinha graça para mim. Isso eu já adolescente. Minha mãe argumentou:

‘Você tem que ir. Você tem que estar com as outras da sua idade.

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Todo mundo falava.Eu achava aquilo uma chatice porque estar com as

outras era legal,mas para participar de um programa que fosse divertido

para mim também.As pessoas acham que basta estar junto para estar

incluído e não tem nada a ver." (ENTREVISTADO MARÍLIA, 2015).

A negação da cegueira pode trazer dificuldades para que o indivíduo

compreenda sua condição de pessoa cega. No caso de Aroldo, apesar de conviver

diariamente com pessoas cegas, ele sabia que havia algo diferente nele, alguma

marca, alguma coisa que o diferençava das demais pessoas.

Os relatos de dois outros informantes merecem destaque pois tiveram

condições de acompanhar o processo que as tornou cegas.

Marlon: "Eu fiz o Jardim em uma escola perto da minha casa, porque então

eu enxergava. Depois veio o acidente e eu fiquei cego. Fiquei um tempo

sem estudar porque meus pais não sabiam o que fazer comigo e porque fiquei um tempo hospitalizado também. Então, ficamos sabendo do IBC e

meus paisme trouxeram para cá e as coisas foram-se desenvolvendo."

(ENTREVISTADO MARLON, 2015). Gilmara: "Eu tinha seis anos quando comecei a ter um problema muito

sério que ninguém descobria o que era. Eu desmaiava, passava muito mal,

estava definhando até que chegou um ponto em que eu só andava no colo.

Um dia,uma pessoa amiga disse que conheceu um caso semelhante e que parecia que eu estava tendo um problema neurológico. Veio a procura

pelos neurologistas e descobriu-se um tumor no cérebro. Foi feita a

cirurgia e após ela, fui me restabelecendo, mas a visão eu perdi em consequência da cirurgia." (ENTREVISTADO GILMARA, 2015).

Nestes dois casos, a cegueira veio quando os indivíduos já tinham

contato com o mundo visual e eles tiveram de acompanhar todo o processo de

aceitação da sua nova condição junto às famílias, além do seu próprio processo de

aceitação e adaptação.

Marlon narra um processo mais leve onde não se fala em traumas ou

sofrimento. Gilmara faz uma narrativa de anos de busca de cura junto a todos os

tipos de médico, embora frize que durante todo esse período, até mesmo por

orientação médica, a família empenhava-se por lhe oferecer excelente qualidade

de vida e por ensinar-lhe tudo o que fosse possível através da audição e do tato, a

fim de que houvesse o mínimo de prejuízo neste quesito. Mas destaca a

participação específica do médico que indicou à sua família o IBC, dizendo:

"Então, cheguei com minha família a um médico que me deu o que chamo

de "minha primeira aula de lealdade."Após me examinar, ele me sentou e

disse à minha mãe que daria o diagnóstico na minha frente e falou que para o meu caso, na época, a medicina não tinha uma solução.

- Você vai ter que fazer sua vida dentro das condições que você tem e pode

fazer isso muito bem’. ele disse. E “nos indicou o Instituto Benjamin Constant.” (ENTREVISTADO GILMARA, 2015).

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Após anos de preocupação com a cura, um profissional orientou a

família a buscar o melhor caminho para que o indivíduo cego compreendesse sua

condição e se desenvolvesse dentro dela. Isso foi importante para o professor

entrevistado, pois lhe deu a oportunidade de descobrir que havia outros na mesma

situação que ele, de interagir com outros cegos, e de aprender e crescer em outros

espaços que não o da sua casa.

Além das quatro falas já destacada, observa-se na fala de 12 dos

professores que a percepção da cegueira foi um processo que não sabem descrever

como ocorreu, com expressões como: "Acho que sempre soube." ou "Sei lá. Não

precisei que ninguém me dissesse que eu era cego. Simplesmente entendi isso".

Simplesmente, sabiam que eram cegos. No caso de dois desses doze professores já

havia cegos na família, e com os outros dez a família foi informada ao nascer da

criança sobre a cegueira. Em um caso, o problema visual só foi descoberto na

adolescência e a cegueira completa só chegou na juventude.

Pode-se depreender que para a maior parte dos membros do grupo

pesquisado a cegueira foi algo que entrou em suas vidas sem que eles

percebessem. Em alguns casos, mesmo que tenha sido possível ao indivíduo

acompanhar o processo de perda da visão, isto não se constituiu em uma

“tragédia” apenas um dos informantes sinaliza grande dificuldade com a aceitação

desta característica falando nisto textualmente.

Embora a maioria dos entrevistados não tenha dado maior destaque ao

processo de conscientização sobre a sua cegueira, consideramos importante

apresentar casos em que o próprio indivíduo, de alguma forma, o acompanhou

gradativamente. Vale notar também o fato de que, no caso das falas de Aroldo e

Marília, as ideias são justamente opostas:em uma delas, o entrevistado afirma que

já sabia que havia algo diferente do padrão socialmente aceito ou esperado, ao

passo que no outro o entrevistado afirma que não tinha consciência de que sua

condição era diferente da dos demais e não acredita que qualquer criança possa

perceber as suas condições de forma diferente disso.

Disso se depreende o que tende a ocorrer quando a condição do

indivíduo é negada e quando não é. No caso de Marília, a família nega a cegueira

e procura criar no indivíduo cego a ideia de que aquela cegueira não existe. No

entanto, o sujeito não fala sobre como era a relação dele com outros indivíduos

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videntes que não fossem da família.No caso de Aroldo, ele mesmo nos informa de

que esta relação com pessoas que perguntavam sobre sua cegueira o faziam notar

que havia algo naquele que era diferente da maioria das pessoas ou do padrão

esperado.

O fato de conviver estreitamente com cegos adultos não tirou de Aroldo

a possibilidade de compreender sua condição, conforme seu desenvolvimento e

maturidade permitiam, já que é cego congênito. Ele não estava isolado entre

cegos, mas, sim, convivendo diariamente com cegos entendo contato com

videntes. De fato, ele mesmo revela na entrevista que passava férias na casa da

avó no interior e lá não havia outras pessoas cegas.

Na casa onde ele vivia, havia uma empregada que também não era cega.

Assim ele foi ganhando consciência de suas condições físicas e, ao mesmo tempo,

aprendendo como viver dentro de uma cultura cega, isto é, como os indivíduos

cegos agiam diante de situações em que precisariam de uma visão que não

possuíam.

No caso de Marília não houve nem a convivência nem a aceitação. A

hora de entrar para a escola foi, segundo ela, o momento da descoberta, do

entendimento da real situação e, ao mesmo tempo, o momento em que o estigma

apareceu com força, conforme se observará em outros trechos da entrevista, já que

não havia uma estrutura de apoio ao aluno com deficiência.

Tomando por base alguns detalhes observados nos discursos desses dois

sujeitos (Aroldo e Marília) pode-se perceber que Aroldo utiliza frequentemente, o

termo cego, enquanto Marília o evita. Situações semelhantes a vivida por Marília

aparecem no IBC quando ocorre de os pais ao matricularem seus filhos de cinco

ou seis anos pedirem que evite-se usar o termo cego ou falar que eles não

enxergam pois em casa estão habituados a pensar que todos enxergam como eles.

Neste caso, a instituição deixa claro que iniciará um trabalho com o

aluno para que ele se reconheça como um indivíduo cego, o que, por vezes, traz

problemas com a família. Existem, no entanto, aquelas que até agradecem e

solicitam à escola que faça o trabalho que eles não têm coragem de fazer.

4.3. O indivíduo cego e outros cegos

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Nesta parte serão apresentados extratos que mostram a percepção que os

indivíduos cegos que atuaram como informantes nesta pesquisa têm ou tiveram

em algum período, em relação a outros cegos. Poder-se-á depreender daí, se estas

percepções trazem indícios de preconceito com relação a outros cegos, de cegos

apresentando possíveis consequências deste preconceito.

Rafael: "Perto da minha casa eu brincava sem medo porque eu morava numa rua sem saída e por ali quase não passava carro e sempre tinha

alguém para avisar se tivesse perigo. Eu passei a ter medo logo que entrei

aqui porque todo mundo gostava muito de correr e eu achava que iam me derrubar e me machucar." (ENTREVISTADO RAFAEL, 2015).

Andréia: "Meus pais eram cegos, tinha outros cegos na minha família. Eu

ia no IBC porque a minha mãe trabalhava lá. Então eu acho que por isso não senti tanto a perda da visão. Eu sabia que isso ia acontecer um dia.Era

questão de tempo. Já estava no Benjamin..."

"Acho que sempre quis ser professora. Minha mãe era professora e eu brincava de dar aula feito ela. Me lembro que com minha primeira turma

eu me apoiava do que tinha aprendido com a Ignez e a tia Dulce. As duas

eram cegas, tinham sido minhas professoras e eu queria ser como elas. A influência permaneceu, mas com o tempo, fui dando minha própria cara às

minhas aulas." (ENTREVISTADO ANDRÉIA, 2015).

Marlon: "Olha, eu aqui dentro só tive dois professores videntes: o seu

Antônio dos Santos em OSPB e a Marieta em Geografia. O resto foi tudo cego. É claro que aí não incluo os de Educação Física. Acho que tive uma

excelente preparação e fica até difícil comparar porque, no caso, os cegos

foram maioria. Mas como antes eu não convivia com nenhum cego, acho que isso me fez aprender muito além da sala de aula. Não tenho o que

questionar da minha formação aqui." (ENTREVISTADO MARLON,

2015).

Gilmara: "às vezes, quando a gente fala, não é preconceito e as pessoas interpretam errado. Não é que eu não queira que as pessoas cegas tenham

as profissões que escolhem, mas acho que existe uma diferença entre

direito e conveniência. Não vejo sentido em uma pessoa cega estudar engenharia química, por exemplo. Ela não poderá sequer realizar todas as

atividades sem alguém que entenda do assunto juntoa a ela e muito menos

exercer a profissão. A lei dá o direito e o bom senso deveria avaliar a conveniência disso." (ENTREVISTADO GILMARA, 2015).

Magali: "Bem a professora que me trouxe para o Instituto era cega;logo

que eu cheguei, meu primeiro professor era cego. Ele percebeu que eu

aprendia rápido porque tinha uma noção oral de alfabetização, quer dizer, eu sabia que b com a fazia-la, que o h era uma letra sem fonema.

Só precisava aprender o Braille e as dificuldades da língua. Então começou

a investir mais em mim e me acelerar. Acho que estas duas pessoas foram importantes para me fazer continuar porque eu sentia muita saudade de

casa, mas eu pensava: "Eles estão aqui trabalhando levando a vida deles.

Se eu voltar pra casa, o que é que eu vou fazer lá?Eu já estava fazendo muitos amigos também. Muita gente que, como eu, tinha vindo de longe e

estava longe de casa.” (ENTREVISTADO MAGALI, 2015).

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Os trechos em destaque referem-se à maneira como os entrevistados

avaliam a presença de outras pessoas cegas ao seu redor e na sociedade em

geral.Pode-se nelas perceber o indivíduo cego como modelo de outros indivíduos

cegos (MAGALI; ANDRÉIA, 2015), a importância do primeiro contato com

indivíduos cegos para a criança cega (Marlon), a insegurança diante de outros

indivíduos cegos gerada pela falta do contato com estes indivíduos (RAFAEL,

2015) e o questionamento sobre a admissão do limite ou a colocação de limites

preconcebidos (GILMARA, 2015).

A percepção do cego adulto como modelo é bastante presente nas

entrevistas, já que dos 17 entrevistados, dez citam como professores que os

marcaram positivamente professores cegos, e outros quatro mencionam pelo

menos um professor cego como influência importante em sua história devida.

Entre os mesmos dez que citaram professores cegos como presenças positivas,

dois também citaram algum professor cego como influência negativa; isto é, para

estes entrevistados, professores cegos os influenciaram tanto positiva quanto

negativamente na sua trajetória acadêmica. O importante, entretanto, é frisar o

protagonismo da influência de um professor cego sobre um aluno cego,

independentemente do caráter específico desta influência.

Vale ressaltar ainda que esse destaque negativo não tem vinculação

com a cegueira, mas com outros aspectos do professor, como mostra a citação

abaixo do professor Vanderley:

Ele era o terror de toda a minha turma porque ele tinha prazer em dar dever

para o fim de semana numa quantidade absurda. Era uma aluna interessada, mas o que ele fazia era quase sádico. Ele fazia questão de nos humilhar e o

dia da aula dele já era um dia de passar mal. (ENTREVISTADO ANDRÉIA,

2015).

Neste caso, a presença do professor não foi negativa por qualquer

vinculação com a cegueira, mas pela sua postura, destacada pelo informante como

mantenedora de um autoritarismo desnecessário.

Um dos entrevistados, que não foi aluno do IBC, destaca a importância

do professor cego em sua trajetória em dois episódios: quando aborda a sua

necessidade de desenvolver-se em matemática, já que é uma matéria que se baseia

muito na visão, e quando da sua entrada para o Instituto como professor. Ele

declara em dois momentos distintos da entrevista:Era muito complicado estudar

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matemática porque eu não conseguia acompanhar o que os professores estavam

fazendo. Então o Paulino, marido da Luzia, ele já morreu, ele não era professor de

matemática, mas sabia a matéria muito bem e me ajudou à beça. A bem da

verdade foi ele quem me ensinou e não os professores da escola.Quando eu passei

no concurso, expliquei logo ao Ancelmo que não tinha nenhuma experiência com

criança cega embora eu fosse cega. Não conhecia as técnicas, a didática para o

trabalho, porque nunca tinha trabalhado no Benjamin nem feito cursos lá. Então

ele conversou com a Ignez, de quem eu já tinha ficado amiga, e nos seis primeiros

meses eu fiz uma espécie de estágio na turma dela. Depois, tive minha própria

turma, mas sempre com a sala do lado da dela, o que me ajudou muito porque ela

me dava muitas dicas.

Os professores Paulino e Ignez, citados nos trechos acima

são,evidentemente, cegos, e no dizer do entrevistado, contribuíram de maneira

muito significativa em sua trajetória. Dentre os17 entrevistados, três destacaram

também professores videntescomo referências positivas em suas vidas dentro do

Instituto e dois destacaram professores videntes como presenças positivas fora

dele.

A interpretação da diferença na quantidade de professores que destacam

a presença de professores cegos e a de professores que destacam a presença de

professores videntes como positivas em suas vidas requer algumas informações

importantes. A maioria dos entrevistados (14) fez todo o seu Ensino Fundamental

no IBC, onde, durante muito tempo, os professores cegos foram maioria.

Justamente por pretender compreender a percepção do cego adulto do preconceito

e por buscar a opinião de outros cegos, as perguntas da entrevista realizada

voltavam-se para saber que professores haviam marcado os sujeitos enquanto

eram alunos do IBC, já que este era o campo de pesquisa. Houve, no entanto,

entrevistados que quiseram dar destaque positivo a mais de um professor dentro

da instituição, e houve também aqueles que não estudaram lá mas citaram, ao falar

de suas experiências fora dela, um professor que também foi importante em suas

trajetórias.

Contudo, a mera quantidade de entrevistados que se referem aos

professores cegos como pessoas importantes em sua trajetória mostram o peso da

presença de alguém com as mesmas características para que se desenvolvessem.

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Ao mencionar que queria ser como as professoras Ignez e Dulce, que também

eram cegas, professora Andréia estão se referindo aos modelos quea dotou para

sua trajetória profissional e isto envolve as condutas dessas professoras. De

maneira semelhante, ao apontar que teve como primeiro professor um cego e que

a professora que a trouxe para estudar era cega, professora Magali os utiliza como

estímulo para uma trajetória que considera ter sido difícil em termos sentimentais,

pois sentia saudades de casa ao mesmo tempo que sabia que, se retornasse, não

teria estrutura e recursos para continuar seu desenvolvimento acadêmico a fim de

atingir sua independência financeira, como seus modelos já haviam atingido.

Retomando a fala de professor Rafael, pode-se observar uma situação

em que este sujeito se sentia mais protegido na presença de videntes, tendo, no

princípio, receio da presença de crianças cegas como ele. Ele não considerava a

possibilidade de ele machucar um colega, apenas o contrário. Ele se colocava em

uma posição de maior vulnerabilidade do que as demais crianças. Embora fossem

todos do mesmo tamanho e idade. O fato de ser, como se apurou pela entrevista, a

única pessoa cega em sua família de origem colocou-o num ambiente de maior

proteção, já que o próprio entrevistado diz que alguém sempre avisava se

houvesse perigo enquanto brincava. Isto fez com que sua chegada a uma

instituição especializada trouxesse muitas situações inesperadas, uma vez que até

ali,conforme seu próprio relato, nunca havia sido privado do contato com outras

crianças cegas.

Situações semelhantes são reveladas pelos alunos no que toca casos de

maior proteção na instituição, como no que se apresenta a seguir:

"Eu prefiro ficar com a minha mãe na hora do recreio porque às vezes,

vem uma criança correndo e me machuca. Lá, eu brinco só com os meus amigos

e nossas mães estão perto."(DEPOIMENTO OBSERVADO DE CRISTIANE,

2015).

A fala de C remete ao mesmo receio apontado por Rafael quando da

sua entrada para a escola. O fato de que C tem a oportunidade de ficar com sua

mãe na hora do intervalo, já que hoje o IBC possui um espaço para que as mães

aguardem seus filhos até a hora do término das atividades – devido à distância

da residência da maior parte das famílias e ao fato de a instituição, atualmente,

atender também a alunos com outras deficiências associadas à cegueira. C é

apenas uma criança cega, não havendo, a princípio, outras limitações ou

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comprometimentos que a tornem mais vulnerável do que os demais. Entretanto

apresenta receio de brincar livremente com outras crianças como ela preferindo

estar no espaço reservado às mães onde outras crianças também ficam o que

mostra ser esta uma prática de algumas famílias. Ali sua mãe não permitirá que

nenhum acidente lhe aconteça, nem as mães dos demais colegas.

Embora a instituição demonstre não ser favorável a esta prática da

presença dos alunos no espaço reservado aos pais durante o horário das

atividades da escola, não consegue ainda inibir este costume, o que acaba por

afastar alguns alunos do contato com outras crianças como eles, sem a presença

das famílias, o que pode ser considerado superproteção. O contato no pátio da

escola poderia incentivá-los a descobrir as soluções para seus problemas, a

aprender com colegas novas brincadeiras, a defenderem-se sozinhos e a buscar

as ajudas adequadas (inspetores e autoridades escolares) para resolver

problemas.

É evidente que a família é importante na vida de qualquer indivíduo.

No entanto, por suas características peculiares e por não haver outra escola

similar, o IBC recebe crianças de muitos lugares diferentes. Assim, aqueles

familiares que trazem seus filhos e não os deixam internos, se não trabalharem,

podem optar por permanecer na escola aguardando a saída das crianças. Esta

situação tão peculiar provoca um imbricamento entre o espaço da família e o

espaço da escola na existência da criança cega. No caso de Rafael, ao chegar na

escola, tornou-se aluno interno e não teve, portanto, a presença da família.

Como ele mesmo infere isto fez com quem modificasse sua postura e não se

fechasse ao contato com as demais crianças.

Quando se nota uma situação em que o contato com outras crianças

cegas longe da presença da família é evitado, pode-se percebera presença do

preconceito e do estigma. Isto está patente na própria fala de Cristiane, que

revela ter medo que outra criança cega a machuque. A premissa silenciosa que

subjaz essas instâncias de proteção é a de que o cego é um centro de risco, tanto

para si próprio quanto para os outros, e que machucar e se machucar não é

apenas possíveis, mas muito provável

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4.4. Situações de preconceito vivenciadas

As situações apresentadas pelos informantes foram trazidas quando

asperguntas sequer versavam sobre o preconceito. Assuntos como: entrada

naescola, procura de emprego trouxeram à baila quadros que

denotavampreconceito e que o informante fazia questão de relatar, por

considerarmarcante, o que mostra o quão marcante é o preconceito na

trajetóriadesses indivíduos.

Valcir: "Quando meus pais resolveram vir para o Brasil, não tiveram

autorização para me trazer. A cegueira era considerada doença e eu não

podia entrar. Tive de ficar em Portugal com meus tios. Só alguns anos depois é que eu vim. O caso da Ignez foi um pouco diferente do meu

porque como a família dela só descobriu a dificuldade já aqui, na hora de

desembarcar, o episódio gerou comoção nacional e até o João Goulart

entrou na história; e aí resolveu rápido. Mas comigo não foi assim." (ENTREVISTADO VALCIR, 2015)13

Observa-se, neste caso, de maneira bem concreta, o que Costa (2001)

sinaliza em seu trabalho: a questão da medicalização da cegueira e o quanto esta

medicalização, em outros tempos, trouxe situações até mesmo de separação dos

indivíduos cegos de suas famílias. Nas palavras do autor, "tradicionalmente, o

indivíduo desviante tem sido encarado a partir de uma perspectiva médica

preocupada em distinguir o "são" do "não são" ou "insano" (COSTA, 2001, p.4).

Fica assim evidente a preocupação, em primeiro lugar, em classificar as pessoas,

e depois educá-las. O indivíduo em questão não poderia entrar em terras

brasileiras, pois além do risco de doenças, segundo as autoridades da época,

havia outro problema: quem seria o responsável pelo indivíduo cego? Ele não

podia ser responsabilidade do Estado (suposição de que o indivíduo cego será

um eterno tutelado).

O pensamento comum de que a cegueira estivesse sempre vinculada a

doenças contagiosas provocava este tipo de comportamento, que chegavam às

13Tanto na época da vinda de P. 8 (aproximadamente 1957) como na época da colega que ele

cita (1961) a cegueira estava mais ligada à área médica e daí a necessidade do afastamento e

impedimento da entrada das duas crianças. No caso da outra professora, que não está entre

nossos entrevistados, a família só soube da impossibilidade de ficar com a menina, então com

8 anos, em Pernambuco quando ia desembarcar. O fato de uma menina cega tão pequena ter

sido deixada em terra estranha, num hospital sem parentes para ser vigiada até que se

resolvesse o caso, causou certa comoção e óbvia piedade, fazendo com que a situação fosse

resolvida com mais presteza.

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restrições legais, sem uma avaliação real do caso, fazendo, assim, com que

crianças fossem separadas de seus pais. É uma evidência significativa de como

a cegueira e o indivíduo cego eram vistos. A ênfase institucional estava como

vimos, na questão médica, como na possível associação a uma doença, por

exemplo. A preocupação com o desenvolvimento daquela criança não era a

prioridade, mas uma questão subsidiária. No caso de Valcir, a criança, que era

portuguesa, permaneceu em Portugal enquanto os pais vieram tentar a sorte no

Brasil, só podendo trazer o filho anos depois, quando já estavam estabelecidos.

Outro aspecto que pode denotar preconceito está relacionado à

capacidade do indivíduo cego. As situações em que a despeito de o indivíduo

cego provar sua capacidade para a execução de uma tarefa, ela é questionada,

como no exemplo a seguir:

Leia: "A gente chega para dar curso nos lugares e o pessoal pergunta se o

Benjamin mandou a gente para dar ou para fazer o curso. Não é sempre,

mas já me aconteceu. E os caras ficam perguntando:- Mas como é que você vai fazer para dominar a turma se são todos videntes?

(ENTREVISTADO LEIA, 2015).

E uma semana depois o curso termina você conseguiu bom resultado

com a turma e ainda tem alguém que pergunta:- Foi ela mesma quem deu o

curso ou veio outra pessoa?"A fala da professora Leia mostra uma situação em

que um professor cego, apesar de ter demonstrado domínio não só dos

conteúdos que deve ministrar mas também de como fazê-lo, ainda assim tem a

sua capacidade posta em dúvida. Leva-se muito tempo para se construir

conceitos. Por isso tem-se tanta dificuldade em desconstruí-los. Os preconceitos

fazem parte deste conjunto que se constrói internamente.

Nota-se que o professor em questão não desiste de seu trabalho por

isso, já que em outros pontos da entrevista ele mantém que

Leia: “o preconceito dói, mas vai doendo menos conforme a gente vai se firmando e lutando contra. (...) A gente não pode desistir quando sabe que

é capaz de fazer algo, de ser independente. Mas é fato que a gente precisa

mostrar nossa capacidade a cada passo por mais que o nosso currículo fale

por nós porque sempre tem alguém para contestar mesmo que seja com argumentos vazios. (ENTREVISTADO LEIA, 2015).

O professor percebe o trabalho de desconstrução do preconceito como

algo constante e que deve ser feito coletivamente pelas pessoas cegas, pois

sempre coloca tudo no plural.Além disso, há outro aspecto a se destacar na fala

desse professor sobre o fato de os alunos do curso ser videntes. A pessoa que

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questionou a capacidade de Leia em dominar a turma por serem todos videntes

parece supor que se os alunos fossem cegos teria sido mais fácil regulá-los,

apontando para uma concepção dos indivíduos cegos como mais dóceis e

passivos do que indivíduos videntes.

Durante a pesquisa de campo, pude observar que muitos visitantes que

vêm à escola (IBC) pela primeira vez se admiram do que vêem, tipicamente

dizendo algo como:"Eu pensei que eles fossem mais quietinhos.". Isso ocorre

porque lá se vê, constantemente, os alunos correndo, gritando, pulando,

chamando uns aos outros, batucando nas horas de intervalo e, por vezes, até em

horário de aula, conforme a atividade que esteja sendo realizada ou a capacidade

de manejo de turma do professor, o que aconteceria em qualquer espaço escolar.

Por que a criança cega seria mais quieta do que as crianças videntes?

O prazer pelo barulho, a energia, o gosto pelas atividades que exigem

movimento é de qualquer criança. Estas características não têm relação com a

cegueira e sim com características individuais, não se justificando, portanto, que

o fato de não ver faça com que alguém seja mais ou menos agitado.

Nos dados coletados pode-se encontrar também situações em que o

indivíduo cego sequer teve a oportunidade de demonstrar sua capacidade.

Atitudes que podem ser interpretadas como superprotetoras aparecem e nem

sempre o indivíduo cego tem como reagir contra elas ou estar disposto a fazê-lo.

Vejamos a citação abaixo:

Marlon: "Na faculdade, chegou a acontecer também de haver

professores que diziam:“- Não tem como te avaliar, mas eu te dou uma nota.“E

era isso.” (ENTREVISTADO MARLON, 2015).

A situação aqui apresentada mostra outra faceta do preconceito.Um

certo viés de superproteção. Como não se acredita na capacidade do indivíduo

de executar certa tarefa ainda que com adaptações, opta-se por liberá-lo da

tarefa, porém dando-lhe uma nota, pois não se vai impedir o indivíduo de seguir,

ou seja, "não tenho como avaliar sua capacidade, mas vou atestar para todos que

você é capaz".

A situação observada no item 4.1 quando a informante Andreia fala de

seu incomodo em ser “café com leite” reaparece de alguma forma nesta citação

de Marlon. A diferença é que neste caso a situação protegida é proporcionada

por um professor. Depreende-se daí que em qualquer ambiente ela poderá

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aparecer, estando presente em todos os níveis da sociedade, o que explica

porque as crianças amigas de Andreia (4.1) têm este comportamento.

Não há na situação exposta por Marlon nem por parte do professor e

nem da parte do indivíduo cego o empenho em solucionar o problema, buscando

talvez outras pessoas que já tivessem vivido a experiência para que elas

apresentassem propostas para solucionar a situação. Quando Marlon diz"Era

isso", está dizendo que aceitou a situação sem maiores contestações, sem buscar

uma alternativa que permitisse ser avaliado.Aceitou que não havia como avaliá-

lo em determinado tema. Quando o professor afirma que não há como avaliá-lo

ao invés de perguntar se haveria um modo de avaliá-lo, está decretando que o

sujeito não pode expressar seu conhecimento naquela área.

Vejamos este outro exemplo em que o indivíduo cego adotou postura

diferente.

Magali:"Então eu perguntei uma porção de vezes: - Professor, como vai ser a minha prova? Será com o senhor mesmo ou

com alguém da secretaria?

Ele sempre me dizia que ia ver isso depois. Chegou o dia da prova e ele me chamou e disse:

- Olha, minha filha, vamos fazer assim: você repete esta matéria para eu

ver uma forma de te avaliar no outro período. Pulei na hora:

- Ah não, professor! Eu estudei, assisti às aulas li os textos, estou

preparada para fazer a prova e o senhor não pode fazer isso. Todos os

professores estão me dando as avaliações e eu vou fazer a sua também. - E se você for para a final?

- Todo mundo não tem direito de fazer final? Se minha nota não for boa e

eu tiver que ir para a final, vou exercer meu direito de fazer final. Ele marcou a prova que fiz com ele mesmo. Estava muito bem preparada e

sabia que passaria direto. Foi o que aconteceu."

"Logo que começamos o normal, eu e outra colega do Benjamin, no

primeiro trabalho de grupo a gente ficou sem grupo. Todo mundo deu desculpa e a gente teve que fazer o trabalho sozinhas.

- Vamos pesquisar e fazer nosso trabalho. -- eu disse a ela. Corremos atrás.

Os ledores14 da biblioteca nos ajudaram. Apresentamos nosso trabalho lá na frente para a turma toda. Depois disso, foi fácil conseguir colega para

fazer trabalho. Modéstia à parte, estava muito bom. Com “justiça, nossa

nota foi maior do que a de alguns outros e ninguém protestou (risos).”(ENTREVISTA MAGALI, 2015).

No primeiro caso narrado por Magali, o professor queria protelar o

problema já que não encontrava solução para ele. Julgava não haver problema

em que a aluna repetisse um período, sem atinar para o fato de que aquilo não

estava previsto em nenhuma instituição. Não havia motivos suficientes e

14 Pessoa habitualmente voluntária que lê ou grava textos para pessoas cegas.

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bastantes para impedir a aluna de fazer prova. Já a aluna entendeu que não

deveria deixar que a situação fosse resolvida sem sua participação e contrapôs-

se ao professor, deixando claro que não queria simplesmente a nota sem uma

avaliação, reivindicando tão somente os mesmos direitos dos seus colegas.

Deixou claro que se era um direito seu fazer a prova final, ela também poderia

exercer esse direito.

Nota-se o empenho da aluna cega em corresponder ao que se espera

de qualquer aluno quando diz: "Eu assisti às aulas, eu li os textos, estou

preparada".Ou seja, ela fez o que deveria ser feito e esperava agora o direito a

ser avaliada em igualdade de condições. Segundo o seu relato, em nenhum

momento ocorreu ao professor perguntar à própria aluna como aconteciam, de

hábito, suas avaliações ou saber através de algum colega como contornava

aquela situação.

O segundo episódio, reportado acima por Magali,revela uma

situação em que o estigma se faz presente ostensivamente e gera o preconceito,

tais como o definiram no capítulo 3. Se forem cegas, seriam menos capazes,não

poderiam colaborar, vão querer "encostar" no grupo. Neste caso,ninguém quis

fazer o trabalho com elas para não ter que fazer por elas,pois era isso o que a

turma achava que iria acontecer.

Ela e a colega tiveram de mostrar que eram capazes, que poderiam

colaborar no grupo em que estivessem. Neste caso, demonstrar capacidade fez

com que a turma percebesse que tinha uma ideia infundada sobre as alunas e

que passasse a aceitá-las em grupos.

Pode ainda ocorrer de o indivíduo aguardar que a solução para a

transposição de obstáculos parte de outros, considerando um compromisso da

sociedade fazer de tudo para acolhê-lo sem que ele precise manifestar-se

apresentando suas necessidades e questionamentos. Observemos a seguir a fala:

Laila:" Lá só tive problema com um professor de Física que explicava

todos os esquemas no quadro sem se importar se eu estava acompanhando. "Mas você não se colocou para ele?"

"Ué, ele não sabia que eu estava ali? Eu simplesmente, no dia da prova

perguntei como eu ia fazer prova se não tinha tido aula? A partir dali, passei a receber até apoio dele no contra turno." (ENTREVISTADO

LAILA, 2015).

Neste caso, a reação do sujeito foi esperar que o professor se

interessasse em ajudá-lo passivamente. Ele supunha que, como o professor tinha

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consciência de sua presença, devia ter se aproximado, mas não o buscou em

momento alguma essa aproximação.

Na hora da avaliação, porém, Laila teve de mostrar-se e aguardar um

posicionamento do professor que, neste caso, optou por mudar de atitude e

receber o indivíduo cego como aluno.

Clarice: "Só um professor criou problemas para nós porque como a matéria exigia muitos gráficos a gente pediu que ele soltasse o material

antes da aula para dar tempo de alguém adaptar para a gente. Ele dizia que

só dava o material no dia da aula. Mas nós éramos sete e fomos lá na coordenação explicar nossas razões. A gente não queria proteção, não

queria resposta de questão, só ter condição de estudar. O material passou a

vir direitinho para nossa mão antes da data." (ENTREVISTADO

CLARICE, 2015).

Algumas situações exigem que aquele que sofre o preconceito, ou

seja,submetido a uma situação marcada pelo estigma ou procure outros canais

de escuta. Bartolo (2007) com base em Martin Buber apresenta uma

característica da relação humana que nos é relevante aqui. Para Martin Buber, “a

vida humana é relação. O ente não é relaciona-se Ele existe na relação como um

eu que se relaciona com um tu, ou como um eu que se relaciona com um isso".

(BARTOLO, 2007, p.41). De acordo com Bartolo, tendemos a ter dois tipos de

relações humanas: uma em que o outro importa, pois ele é um indivíduo com

necessidades e características próprias como eu; e outro em que o outro

é"qualquer coisa", não importando suas necessidades e peculiaridades.Vale

sempre que eu continue sem precisar mudar minha maneira de agir,não

importando as necessidades de quem está à minha volta.

Embora pareça reduzido demais classificar as relações entre

indivíduos em apenas dois tipos, pois há muitos tipos de relações de

convivência, para algumas certas abordagens esta classificação pode esclarecer

algumas atitudes. Nem sempre estamos prontos para observar as necessidades

do outro e isto ficou patente no caso em questão, tanto que o grupo de

estudantes cegos não voltou a ter problemas com o mesmo professor.

No caso apresentado por Clarice, o professor não estava preocupado

com seus alunos, apenas em manter uma posição que, na verdade, não estava

sendo questionada. Como foi dito pelo próprio sujeito, os alunos não queriam

facilidade para obter nota, apenas ter acesso ao material para estudar.

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Muitas situações de exclusão podem vir dessa dificuldade de escutadas

necessidades do outro, desse modo de vida que, segundo Bartolo (2007),cresce

exponencialmente em nossa sociedade.

Marília: "Não faltava, na escola gente para me levar para o pátio na hora do recreio, ou para ditar alguma coisa na sala. Mas, chegando no pátio, eu

ficava num canto sentada sozinha. Então ninguém te convida paraas

brincadeiras, para os papos." (ENTREVISTADO MARÍLIA, 2015).

No caso de Marília havia o auxílio, mas não o coleguismo. Nota-se,

neste caso, que não existiu a violência como ocorre em algumas situações de

preconceito, mas sim o isolamento.

4.5. Opinião dos professores sobre o trabalho realizado na

escola

Tópico bastante discutido quando o assunto envolve pessoas com

qualquer deficiência, a autonomia também e discutida entre os cegos,seja nas

questões que envolvem a vida diária, nas profissionais ou nas que envolvem

independência das próprias ideias, permitindo que se pense sem ter de estar

atrelado a ninguém.

Os professores entrevistados têm, portanto, opiniões nem sempre iguais

sobreo modo como a instituição trabalha ou não trabalha esta autonomia nos

alunos.

4.5.1. Autonomia

O aspecto da autonomia na formação do indivíduo cego traz opiniões

divergentes e uma discussão que envolve não só a forma como o indivíduo

aprende a valorizar-se como pessoa cega como também a maneira como aqueles

que o educaram o estimulam a buscar soluções e instrumentos para o

enfrentamento das dificuldades inerentes a sua situação de pessoa cega.

Laila:" Penso que a questão da independência é muito importante. Preparar

o aluno para quando ele sai daqui. E acho que para isso as aulas de OM e

PEVI com a participação de um professor cego são importantes. Acho que

essas aulas deveriam ser uma parceria entre o professor cego e o vidente, pois há detalhes que, por mais que o vidente seja bom não saberá

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transmitir como o cego. E os ex-alunos, sejam bolsistas ou não, sempre

retornam à casa, o que é bom. É importante a gente ter esse porto seguro,

esse local onde a gente se encontra, mas é preciso que esse local seja o

nosso espaço de preparação para a vida com seus preconceitos e suas dificuldades no mundo fora daqui." (ENTREVISTADO LAILA, 2015).

Observa-se acima a preocupação com a preparação para que o

indivíduo cego saia o mais independente possível do Instituto e uma vocação do

IBC para ser um local de apoio, uma espécie de porto seguro para o ex-aluno.

Nota-se também a valorização do profissional cego como algo importante em

disciplinas que são específicas do trabalho com o aluno cego por prepararem-no

para o cotidiano mais independente. Aquelas tarefas que o vidente em geral

aprende por imitação são ensinadas ao indivíduo cego na disciplina PEVI

(Práticas Educativas para a Vida Independente), a qual abrange desde amarrar

os sapatos até cozinhar. Daí a preocupação de P. 15 em ter um profissional cego

participando dessas aulas, pois julga que há particularidades na maneira de o

cego agir para realizar essas tarefas que são mais bem desenvolvidas e

adaptadas pelo próprio cego. O mesmo ocorre nas aulas de OM que apresenta ao

indivíduo cego técnicas de manejo da bengala e de orientação e localização nos

espaços.

Entretanto, isso gera preocupações ulteriores a respeito da autonomia

do indivíduo cego em outros espaços menos adaptados ao indivíduo cego, como

se nota na passagem abaixo extraída de uma entrevista com o Rafael:

Acho que o aluno aqui é muito superprotegido. Eles saem daqui sem saber como vão se virar nas outras escolas e isso não são boas. O Instituto devia

se preocupar mais com a questão da autonomia. É por isso que depois por

tudo, o ex-aluno precisa ficar voltando, ficar amarrado aqui a toda hora. A escola tinha que preparar o cego para se libertar dela. (ENTREVISTADO

RAFAEL, 2015).

“Nota-se que o informante acima acredita, ao contrário de Laila, que o

ideal seria que o ex-aluno se desapegasse da instituição, se” libertasse” dela.

No capítulo anterior abordamos um trecho da entrevista de professora

Laila em que relata que ela não podia, como as outras meninas, ir para a casa das

amigas nos fins de semana, bem como outro trecho sobre a necessidade de ir para

a mesma escola onde estudariam outros alunos cegos recém-saídos do IBC como

ela, pois os pais não queriam que ela fosse para a escola sozinha. Já neste capítulo,

professor Rafael sinaliza a questão do receio de que outras crianças cegas o

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derrubassem enquanto corriam e que brincando perto de casa, sempre havia

alguém para avisar se houvesse perigo.

Percebe-se, portanto, entre os entrevistados, que aqueles que viveram

situações mais protegidas na infância e no contexto familiar têm maior

preocupação com a autonomia esperando que a escola tenha a mesma

preocupação e oriente seus alunos para que este aspecto traga o mínimo de

problemas ao indivíduo cego que lá vier a estudar.Consideram este um assunto

importante como foi marcante a proteção quetiveram durante a infância e

adolescência.Há uma questão que também se manifesta na fala desses sujeitos e

que traz certa divergência entre eles.

Em trechos já citados tanto da entrevista de Laila como da de Rafael

pode-se perceber uma tendência das famílias desses informantes em protegê-los.

A família de Laila não permitia que ela frequentasse as casas das colegas

enquanto Rafael julgava, até chegar ao IBC, que o contato com outras crianças

cegas lhe traria riscos. Assim, ganhar autonomia pode ter representado para estes

indivíduos algo marcante a ponto de eles mesmos apresentarem em seus relatos

grande preocupação com este tema.

Quanto ao fato de o ex-aluno retornar de hábito ao Instituto, Laila acha

que, embora possa haver, em alguns casos, uma dependência excessiva, a

preocupação da instituição deve ser em oferecer atividades que o tornem

independente e garantir a participação do profissional cego na construção de sua

autonomia. Acha importante que haja esse retorno do ex-aluno e que ele encontre

uma instituição que lhe dê suporte, mas crê que para isso a presença do professor

cego é importante.

Tópico bastante discutido quando o assunto envolve pessoas com

qualquer deficiência, a autonomia também e discutida entre os cegos, seja nas

questões que envolvem a vida diária, nas profissionais ou nas que envolvem

independência das próprias ideias, permitindo que se pense sem ter de estar

atrelado a ninguém.

Os professores entrevistados têm, portanto, opiniões nem sempre iguais sobre

o modo como a instituição trabalha ou não trabalha esta autonomia nos alunos.

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A questão da autonomia é algo controvertido para os sujeitos da

pesquisa, poisas suas narrativas demonstram que, mesmo no IBC, a situação pode

ser bem diferente da já apresentada, como revelam os professores Rafael e Laila:

Magali:"A gente ia aprendendo uns com os outros como se virar para usar

bengala e se localizar na rua. Depois vinham as aulas de OM, mas

normalmente, os colegas já tinham ensinado muita coisa para a gente. “Sempre tinha o pessoal mais enrolado que mesmo fazendo um ano de

aula, não saía sozinho, mas aí, ou era porque era enrolado ou porque a

família não deixava, e aí a escola não podia fazer nada.”

"O que hoje a gente chama de PEVI era AVD -- Atividades da Vida Diária. Então eu me inscrevi na aula porque era mais por idade do que por

série. Mas a dona Luísa só ensinava as coisas que eu queria aprender para

as meninas que tinham alguma visão. Ela me mandava lavar a louça para não dizer que não participei e isso eu vim da minha casa sabendo. Eu

queria aprender a cozinhar que isso minha mãe não tinha me ensinado.

Então eu pedi para trocar pela aula da dona Mirtes, que, por sinal era cega.

Talvez por isso, não tivesse medo de nos ensinar a cozinhar, passar a ferro e com ela eu aprendi e muito bem, modéstia à parte." (ENTREVISTADO

MAGALI, 2015).

Magali: "O Instituto me deu muita base, não só nos estudos, mas também para eu me virar fora dele. Era eu quem orientava os professores qual era a

melhor forma de trabalhar certos conteúdos comigo com base nas

adaptações que o IBC fazia, então eu acho que isso sempre me ajudou. A gente vai com medo estudar fora daqui, mas se valorizar tudo o que

aprendeu, tem boa chance de dar certo." (ENTERVISTADO MAGALI,

2015).

Os dois depoimentos acima mostram o outro lado da mesma situação.

Esses professores atribuem parte de seu processo de autonomia à escola,

alegando que foi nela que adquiriram a independência necessária nos aspectos

levantados. É possível que a época em que cada professor estudou na instituição

teve influência neste tópico, já que as diferentes gestões porque passou a

instituição podem ter dado distintos graus de importância à questão da

autonomia. Entretanto Magali é contemporânea de Laila e Rafael é

contemporâneo de Clarice. Isto mostra que estas questões têm variáveis ligadas

aos professores com os quais cada um teve a oportunidade de lidar, bem como

na maneira como em outros grupos sociais, cada sujeito aprendeu a lidar com a

sua própria autonomia.

Com vimos acima, dentre os 17 professores entrevistados, dois avaliam

a instituição como superprotetora em seus procedimentos com os alunos cegos.

Sete lamentam que, atualmente, segundo eles, a instituição não priorize aulas que

trariam mais independência a seus alunos, ressaltando que em seu período como

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estudantes este aspecto era mais importante, e que por isso conseguiram superar

obstáculos e negociar situações adversas. Os demais, ainda que enfatizando a

importância da autonomia do aluno, não teceram comentários diretos sobre a

instituição neste quesito.

Disso podemos concluir que, para 9 dos 17 informantes, esse assunto tem

grande importância e deve receber mais atenção por parte da instituição.

4.5.2 O que transmitir aos alunos?

Por ser uma escola muito peculiar, considerou-se importante saber oque os

professores julgam fundamental no ensino oferecido aos alunos.

Quais devem ser seus objetivos mais importantes e a seguir, serão

apresentadas estas perspectivas.

Marília "Acho que, além dos conteúdos, que são importantes de serem

trabalhados em qualquer escola, é importante que ensinemos aos nossos

alunos que eles têm os mesmos direitos que qualquer pessoa e que precisam trabalhar todos os dias para obter esses direitos. A gente mata um

leão por dia se quiser mudar a situação e não pode abaixar a cabeça. Eles

precisam entender que são iguais a todo mundo só não enxergam." (ENTREVISTADO MARÍLIA, 2015).

Melissa: "Penso que se ele compreender que tem direito a um espaço, que

pode comandar sua própria vida, que precisa sustentar-se, enfim que deve de alguma forma, empenhar por viver a vida dentro da sociedade e não à

margem dela, é isso que ele deve fazer e para isso a escola deve prepará-

lo. Não é o caso de ser igual a quem enxerga. Quem é cego tem sua

maneira própria de fazer as coisas, de aprender, de organizar-se, tem até suas prioridades. É o caso de ter suas peculiaridades respeitadas e para

exigir esse respeito, primeiro precisamos será demitidos dentro da

sociedade." (ENTREVISTADO MELISSA, 2015). Aroldo: "Os alunos precisam valorizar o Braille como uma conquista,

valorizar os avanços da informática, ainda que falte bastante a ser feito,

como conquistas nossas e tudo isso como caminhos para a instrução, a informação, a comunicação. Esse é o caminho para que os cegos sejam

valorizados como cegos. Temos que usar o Braille, os sintetizadores de

voz, a bengala com orgulho pois eles nos identificam e nos auxiliam a

obter algum nível de inclusão social, embora haja outros aspectos a serem considerados para isso. Mas penso que, no momento em que o IBC

entender que o Braille deve ser para todos os alunos, quando as políticas

de informática dentro do Instituto visarem a realmente, prepararem os alunos para usá-la para obter e transmitir informações, quando elas

servirem para instrumentalizarem o cego, então o IBC estará cumprindo

bem melhor o seu papel." (ENTREVISTADO AROLODO, 2015).

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As falas desses informantes nos remetem à questão de conquista de

espaço e direitos pelos cegos na sociedade, trazendo a questão da igualdade e do

respeito à diferença que, neste caso, parecem contrárias. Para dois dos três

professores, esse respeito é importante, pois é ele a garantia de que a pessoa

cega poderá agir com autonomia. Eles parecem ir em direção à defesa de uma

cultura cega, como discutimos no capítulo 3, do espaço do não visual como uma

alternativa e não como algo a ser corrigido, como um desvio (COSTA, 2001).

Para os professores Melissa e Aroldo o indivíduo cego precisa ver-se

como pessoa capaz de tomar decisões, assumir responsabilidades e conquistar

aquilo de que necessita sem que seja necessário que os outros sejam

“benévolos” com ele. Aroldo enfatiza as conquistas já obtidas pelos indivíduos

cegos, pois assim considera tudo o que se tem até hoje e que favorece a inclusão

deste seguimento. Melissa ressalta a importância de que o indivíduo cego seja

independente em todos os aspectos, tendo uma profissão, um trabalho, enfim

possa colaborar na sociedade em que vive a vim de que assim possa também

reivindicar. Para Marília o mais importante é a questão da igualdade, isto é que

o indivíduo cego tenha tudo o que os outros têm. Ela não demonstra

preocupação em que se tenha aquilo de que se necessita, mas sim que se seja

igual aos outros.

No caso de Marília, são apontadas as questões que devem ser

priorizadas, mas sem indicar caminhos ou propostas. Ela acredita quea questão

do preconceito é importante, mostra-se disposta a enfrentá-la, porém não expõe

em que aspectos se sentem atingidos.

Enquanto isso, Melissa e Aroldo levantam mais a questão do que pode

ser feito pelo próprio cego. Qual deve ser sua atitude, como a escola pode

empoderá-lo, através de que instrumentos.

Além desses três professores, mais quatro falaram na questão de

instrumentalizar o aluno cego para ser dono da sua própria história.

Dois como já foram expostos, enfatizaram a questão da autonomia e os

demais versaram sobre pontos variados como priorizar o conteúdo para que o

aluno esteja em péde igualdade com os outros ao sair da escola,estimular o

estudo constante, educação, saber se portar nos ambientes para ser bem recebido

etc.

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Pode-se inferir que há de alguma forma, preocupação de todos os

professores com o futuro dos seus alunos, sobretudo quando estes deixam o

IBC. Pode-se perceber também que a maneira como o indivíduo cego é visto

pela sociedade tem grande importância e que o professores tem uma

preocupação mais acentuada com esta colocação do que com a questão dos

conteúdos escolares. A preocupação com o lugar ocupado pelo indivíduo cego

envolve mais a questão dos estigmas, do preconceito e da necessidade de o

próprio cego se ver como alguém capaz e enfatiza-se a necessidade de que uma

escola especializada como é o Instituto Benjamin Constant priorize estes temas.

A fala de Andreia chama a atenção pela sua singularidade. Ela remete

a um aspecto que resume tudo o que se espera quando se valoriza a inclusão e se

critica o preconceito e o estigma.

Andreia: “Acho que o mais importante é a gente conseguir fazer o aluno

entender que ele é uma pessoa. Antes de ser branco ou negro, cego, surdo,

homem, mulher, ele é uma pessoa e por isso, apenas por isso, não importando o resto, ele tem direito a ser ouvido, a não ser igual nem mesmo a outras

pessoas que tenham alguma característica marcante como a dele. Quem disse

que todos os cegos são iguais? Se ele internalizar essa ideia, saberá onde e

como buscar o que precisa para firmar-se como cidadão e ser cego será apenas uma característica. Não dá para esquecer essa característica e nem é

para esquecer, mas a cegueira não pode vir na frente do homem.

(ENTREVISTADA ANDREIA, 2015).

O trecho aponta para uma realidade em que se padroniza o indivíduo e

os conceitos de normalidade e correção ainda hegemônicos que acabam também

penetrando a realidade das pessoas cegas, pois mesmo aqueles que observam

esta realidade com cuidado correm o risco de novas generalizações e novos

padrões de normalidade dentro do grupo.Aliás, o próprio grupo pode agir desta

forma, considerando como fora da regra o indivíduo cego que não faz aquilo

que outros cegos fazem.

É possível observar-se este fato quando alguém não aceita o uso da

bengala, quando alguém demonstra certa dificuldade com o Braille

e,atualmente, até quanto à escolha do melhor sintetizador de voz, pois há

correntes ideológicas que preferem um ou outro. As justificativas dessas

escolhas particulares suscitam reações diversas pela adesão ou não do uso

desses artefatos como se houvesse uma maneira certa de nós cegos

trabalharmos, um modo que fosse o "normal" entre os cegos,confundindo-se,

mais uma vez o normal com o comum.

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Neste caso, nota-se que entre grupos de cegos também existe um

comportamento esperado e aquele cego que foge ao padrão é alvo de certa dose

de preconceito. Não existe, neste caso, a mesma força, o mesmo peso que há

com relação à sociedade e o cego em geral, entretanto há certa diferença que

nem sempre é vista com respeito. É como aquele indivíduo que não se adéqua a

determinada cultura e será sempre marginalizado.

Todos os cegos são diferentes na abordagem à cegueira, apesar de

existir uma espécie de padrão de expectativa do qual, se ele ou ela se

distanciarem, podem gerar e enfrentar preconceitos.

4.5.3. Esperando pelo outro

Há indivíduos que tem por hábito esperar sempre por uma atitude do

outro sem dar qualquer indicio daquilo que esperam. Pessoas que acreditam que

precisam apoiar-se sempre em alguém. Pelas muitas questões que envolvem a

cegueira isto pode acontecer com frequência entre indivíduos cegos que, por

vezes, esperam de videntes ou mesmo de outros cegos que consideram “pessoas

de mais personalidade” do que eles, este tipo de apoio.

Alguns extratos de entrevistas podem esclarecer a questão do cego eo

que ele espera nem sempre buscando.

Marlon: "Quando fui para o Segundo Grau15 foi muito interessante porque,

na verdade, ao contrário do que eles apregoavam não existia uma estrutura

para a gente. Mas tenho que reconhecer que meus colegas de turma foram fundamentais pois eles exigiam dos professores que falassem ao invés de

só usar o visual por minha causa. Eles correram atrás das coisas para mim.

Nas matérias mais visuais, eles se revezavam para ir na minha casa estudar

comigo. Era uma turma muito legal." (ENTREVISTADO MARLON, 2015).

Murilo: "Tive um problema com o professor de Química. Aliás, havia dois

problemas ali: o fato de a matéria ser extremamente visual e o fato de ser nos últimos tempos de sexta-feira. O professor fazia os esquemas no

quadro e ia apontando as coisas me deixando bem perdido. Eu falei com

ele ainda uma vez, mas como não adiantou achei que era melhor para mim não ir mais às aulas que eu ganhava mais descansando.

- Você não recorreu a nenhum ex professor para te dar uma força, ou a um

ex-aluno mais velho que já tivesse passado pela matéria?

- Os professores daqui do IBC eram muito bons, mas também não dominavam esta parte mais visual e não teriam como me ajudar. Ele “não

15 Segundo grau - atual Ensino Médio

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estava preocupado comigo, eu parei de me preocupar com ele e não fui

reprovado por isso.” (ENTREVISTADO MURILO, 2015).

No primeiro caso, o sujeito mostra-se reconhecido aos colegas que

se empenharam por ajudá-lo, por tornar tudo mais acessível para ele enquanto

não se vê, de sua parte, nenhuma tentativa de negociação ou adaptação à nova

situação. Ele não demonstra nem neste trecho, nem em outros momentos da

entrevista, o empenho em contornar a situação junto aos professores,

aguardando que parta de alguém o movimento por lembrar-sede sua existência

como aluno. Não lhe cabe, segundo ele, sequer a iniciativa de ir à casa dos

colegas para obter as explicações que lhe são oferecidas.

No segundo caso, houve ainda uma tentativa por parte do informante

de negociação. Não tendo ela surtido efeito, ele optou por aceitar a exclusão que

lhe foi imposta. Não buscou outros recursos para aquisição dos conhecimentos

de que precisaria para será provado na disciplina e, como se viu, isto não

acarretou problema para sua aprovação. Cabe lembrar que, quando foi indagado

sobre a possibilidade de apoio com ex-professores, sinalizou que eles não teriam

condições de apoiá-lo neste caso. Em pelo menos nove entrevistas, os sujeitos

deixaram claro que os ex-professores tinham sido de grande ajuda, sobretudo

nas matérias de cunho muito visual e, quando isto não era possível, os ledores

resolviam a situação, pois o IBC sempre tinha em seu quadro de ledores

voluntários pessoas que dominavam bem a matemática, a física e a química,

justamente por serem áreas de maior dificuldade de adaptação. No entanto

apenas para Murilo este recurso não foi válido, pelo menos considerando o

grupo entrevistado. O sujeito preferiu optar pelo afastamento, pela acomodação,

pela nota sem o empenho.

Pode-se perceber que a atitude de alguns professores que preferem não

se responsabilizar pelo real ensino e avaliação de alunos cegos, seja por

acomodação, seja por desconhecimento da melhor forma de fazê-lo, seja por

piedade, pode suscitar nesses alunos a acomodação e até mesmo a crença e que

não são capazes de transpor obstáculos relativos a matéria onde sempre se

considerou o grande peso da visão. É possível que o indivíduo cego desenvolva

a ideia de que estes conteúdos são incompreensíveis para ele e aceite a

aprovação sem mérito para livrar-se de tais matérias.

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É possível ainda que, consciente ou inconscientemente ele opte por

assumir a postura de vítima pelo fato de ser cegas e aceitas todas as conceções

que lhes são feitas como uma forma de compensação.

Atitudes como essa tendem a alimentar um processo de acomodação

tanto de cegos que esperam a atitude do outro, como de videntes que acreditam

que devem sempre eles a "doar" alguma coisa ao outro. Consequentemente

aparece com força na citação do professor Marlon o modelo do cego que deve

aguardar a iniciativa de um vidente para ajudá-lo a realizar tarefas, e a atitude

condescendente e de não de cumprimento de uma obrigação por parte do

vidente, quando seria função do professor buscar meios de atender ao aluno e

um empenho do aluno em propor meios de avaliação, o qual poderia ter

estimulado uma atitude diferente por parte do professor.

Martins (2012), ao discorrer sobre os desafios encontrados pelas

pessoas com deficiência no sentido da desconstrução da subalternidade que as

rodeia, aborda esta questão quase cultural que se insere na realidade das pessoas

com deficiência em geral quando diz:

"Um outro elemento que singulariza os desafios que se estabeleceram e se estabelecemos movimentos políticos das pessoas com deficiência é, sem

dúvida, o modo como a opressão social das pessoas com deficiência tende

a ser escamoteada por uma atitude condescendente e paternalista por parte

dos poderes e da sociedade num sentido mais amplo." (MARTINS, 2012 p. 245).

Quem concede mantém o poder e aquele que recebe a "dádiva" fica

submisso e dependente em relação ao que concedeu, pois não encontra meios de

obter por si o que precisa ou deseja. Assim, se o professor opta por agir como se

o aluno cego não tivesse direito de ter acesso ao conhecimento, como os demais.

Mas lhe dá uma nota que lhe permite ser aprovado, se o aluno aceita esta

situação, o professor poderá manter-se em sua posição e, de hábito, o aluno não

percebe isso como uma forma de opressão.

O professor então poderá dar ao aluno a nota que desejar sem que este

possa questionar, já que não foi devidamente avaliado, contentando-se com a

aprovação.

Voltando brevemente a um trecho da entrevista de Aroldo apresentada

no capítulo anterior, em que esta conta sobre sua entrada como professor para a

Rede Estadual de Ensino, a repórter lhe pergunta o que ele achava daquele

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benefício que o estado lhe concedia. Ele responde que o estado não concede, as

pessoas conquistam, pois, em seu caso, foi feito o concurso,ele foi aprovado por

mérito próprio e, portanto, tinha plenas condições de dizê-lo.

Observa-se, neste caso, que o informante não concorda que tenha sido

beneficiado, afirmando que, como todos os candidatos que se se saíram bem no

concurso teve sua vaga garantida. Se um grupo se considera na obrigação de

conceder e o outro no direito de sempre aceitar, ainda que isso possa representar

a supressão de certos direitos do segundo grupo, as duas atitudes alimentam-se

mutuamente.

Outro caso que surgiu durante a pesquisa traz um certo paradoxo entre

a fala do informante e as atitudes observadas do mesmo informante. Em sua

entrevista Ruth afirma ter tido um comportamento ativo ao procurar professores

para negociar a melhor forma de ter acesso aos materiais e as aulas. No entanto

nas atividades observadas notou-se que este informante sempre espera que

alguém deseje saber do que ele precisa, qual é a sua opinião e o que ele deseja.

Se não for interpelado diretamente durante as reuniões, não opina. Em sua sala

de aula, os alunos discutem entre si sem que ela consiga interferir e conduzir a

discussão para que ela se encerre. Observemos o diálogo abaixo extrato de uma

reunião observada.

“Coordenador: Então, pessoal. Agora que várias falas já foram

apresentadas contra e a favor do livro, acho que afinal temos que decidir.

Vamos à votação. Os que são a favor de se solicitar o livro, levantem a mão. Agora os que são a favor de que cada um faça suas apostilas

levantem a mão.

Colega vidente responsável pela contagem de votos: Ruth, qual é o seu voto?

Coordenador: Por que você está perguntando só a ela?

Colega vidente responsável pela contagem dos votos: Porque ela não votou

em nenhum dos dois. Coordenador: Então, Ruth. Você ficou quieta o tempo todo. Qual é sua

opinião?

Ruth: ah... livro... é melhor..." (REUNIÃO OBSERVADA, 2015)

Pressionada, a professora acaba se pronunciando, embora sem

convicção, pois esperava passar despercebida e não ter que se posicionar.Esta

atitude é demonstrada por ela em outras situações, sempre que sua fala

pressupõe ter de assumir um posicionamento. Aguarda que lhe informem

pessoalmente dos acontecimentos, como a chegada de documentos ao

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departamento a que pertence, não demonstrando estar atenta quando estes avisos

são dados coletivamente. Ademais, ela não participa voluntariamente de

nenhum tipo de comissão ou trabalho dentro da instituição que não seja,

exclusivamente, a sala de aula; e quando o faz,por insistência de alguém,surgem

comentários por parte de colegas cegos e videntes, comentários estes que são

feitos, sem reserva, desde que ela não esteja presente.

Os colegas não a percebem como alguém que colabore ativamente

em comissões ou grupos considerando-a responsável com o trabalho em sala de

aula, porém nunca disponível ou em condições de realizar qualquer outra

atividade na instituição.

Diante disso, observando o comportamento de Ruth no cotidiano do

IBC e devidamente informada por ela de que, ao cursar o ensino médio,

estudava com mais três colegas cegas, surge uma dúvida: ela, de fato, procurava

os professores e negociava com eles ou a negociação era feita por algum outro

colega?

A dúvida suscitada vem do fato de que a atitude cotidiana desta

professora não se coaduna coma fala da entrevista. Sendo o IBC uma instituição

que ela conhece bastante bem por ser ex-aluna, é de se esperar que tivesse nele

mais liberdade do que em outra escola, portanto não se justifica que não se

manifeste nas situações surgidas dentro da instituição em que trabalham.

Estes exemplos caracterizam uma posição de maior passividade de

alguns informantes cegos, posição esta que pode alimentar as atitudes

paternalistas que acabam por reforçar a situação de subalternidade, como vimos

nas citações de Marlon, Murilo e Ruth. Se existe alguém que atende as minhas

necessidades não havendo necessidade de que eu me manifeste permito que este

alguém decida tudo por mim já que ele atende as minhas necessidades.Kenneth

Jernigan, tem em um de seus discursos um trecho que destacamos por ter

ligação com a questão da imagem do indivíduo cego, imagem que para a

sociedade ainda é daquele indivíduo que aguarda a tutela.

"O que nós esperamos da sociedade não é uma mudança de coração --

nosso caminho para o asilo tem sido, sempre, pavimentado de boas

intenções -- mas uma mudança de imagem, uma troca de velhos mitos por

novas perspectivas." (JERNIGAN, 1970).

O líder americano acredita que ainda há um importante trabalho aser

feito no sentido de se perceber o cego como ele realmente é: como umindivíduo

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que pode se colocar, pensar, agir e responder por suas ações.Um indivíduo que

não deve ser dirigido e, sim,um agente ativo de sua própria história.

4.6. Características do discurso

Algumas características nos discursos são marcantes, no entanto,

apenas uma predominou em todo o grupo: o uso da palavra cego evitado apenas

por um entrevistado que não a usou nem uma vez. Os demais a usaram sem

maiores dificuldades e em pelo menos três das entrevistas ela é usada até com

orgulho.

A palavra preconceito aparece em 13 entrevistas. Exclusão e termos

correlatos (excluído excluir) aparecem em 12 delas.

Dois dos entrevistados usam, constantemente, expressões como "Não

podia", "não sabia" "não conhecia" "nunca tentei" "nunca aprendi" "não sou

bom em" "não faço".

Outros cinco utilizam mais estas expressões quando se referem a uma

fase da vida anterior aos estudos no IBC.

Nove deles usam alguma dessas expressões, no máximo duas vezes.

Um deles revela-se nas entrevistas sempre capaz e desembaraçado,

mas nas observações seu comportamento indica outra coisa.

Embora cite nas entrevistas histórias de sua infância, frisando olfato de

andar com desembaraço pelas ruas, e comente todos os momentos sem que

assumisse liderança dentro e fora do Instituto, o professor Valcyr admite

dificuldade para localizar-se nos mapas táteis, apontando falhas no mapa,

mesmo que outras pessoas cegas os tenham utilizado sem nenhuma dificuldade.

Não tem anotadas as informações de que precisa, nem em Braille, nem com o

uso de qualquer outra tecnologia. Além disso, o professor fala entusiasticamente

do uso da informática e apregoa suas vantagens para as pessoas cegas, porém

admite erros primários m seu uso, sempre alegando defeito das máquinas. Em

suma, o informante dá indícios de que gostaria de ter certas habilidades, porém

tem dificuldade em adquiri-las.

A palavra "enfrentar" e a expressão "lutar contra" aparecem em 15

das17 entrevistas. A palavra negociar aparece em 11 entrevistas. A expressão

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imagem social em duas. A palavra conquista e correlatas(conquistamos

conquistaríamos) em cinco.

Julgamos que os dados aqui apresentados podem fornecer um

panorama das ideias expressas pelos professores cegos que atuam e atuaram até

muito recentemente no Instituto Benjamin Constant. As respostas ligadas a

períodos diferentes na história da instituição e na história em geral acabam,

obviamente, por serem distintas como consequência dos diferentes estilos de

vida que cada indivíduo teve. A maneira como o indivíduo foi criado, a

constatação da cegueira, a reação de cada grupo social ao qual pertenciam e as

suas condições particulares de cegueira influencia, necessariamente, os

comportamentos e ideias que voluntariaram em seus depoimentos, apontando

para a questão de generalização e homogeneização (dos cegos?) que ainda

perpassam a história dos estudos sobre indivíduos cegos.

De hábito, ao se considerar estes indivíduos, pensa-se na cegueira

como se ele fosse apenas um indivíduo cego, esquecendo-se dos outros

elementos formadores de sua trajetória e personalidade, assumindo, assim, que

todos os indivíduos cegos agem e pensam da mesma maneira. Conforme já

abordado em 3.3. e em 4.5.2.

Esperamos, portanto, compreender o pensamento deste grupo e

trabalhar para que ele seja mais ouvido. É importante que a invisibilidade que

hoje atinge aos cegos possa ser transformada em visibilidade e em espaço de

respeito à diferença em oportunidades e, sobretudo, em desejo de manifestação

do próprio indivíduo cego, conscientes de que um grupo é o resultado de vários

indivíduos, isto é,de que todos, com suas particularidades, contribuem para a

formação deste grupo dentro da instituição. Cada um tem sua maneira de

responder ao preconceito que o cerca, ao estigma que pode atingi-lo e parte

significativa dos professores cegos do IBC acredita que seu comportamento,

assim como o de outros colegas cegos pode, sim,influenciar os alunos.

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5. Considerações finais

Após analisar os dados obtidos e observar o comportamento dos

professores cegos do Instituto Benjamin Constant, pude perceber que, como

ocorre em qualquer grupo, a reação e o comportamento diante de situações de

preconceito e estigma são variados, não havendo uma postura única. No entanto,

quinze dos dezessete entrevistados demonstraram a importância de se fazer

algum tipo de trabalho contra o preconceito e no sentido de eliminar o estigma.

Um demonstrou não ter encontrado situações em que o preconceito o tenha

atingido exceto uma já relatada no capítulo 3, porém considera que, em geral

essas situações são esparsas nos dias atuais e no IBC acredita que seu trabalho é

respeitado como o de qualquer outro colega. Outro não faz referências às formas

de lidar com o preconceito, mas acrescenta que em sua trajetória já lidou com

ele inúmeras vezes. Acredita que ele sempre vai existir e que cabe ao indivíduo

cego reagir sempre que se deparar com situações em que esteja evidente que o

preconceito o está prejudicando.

Onze sinalizaram a existência de preconceito com relação à cegueira

dentro do IBC, criticando, de alguma forma, a postura adotada pela instituição

com relação a temas ligados à condição dos indivíduos cegos.

Pude observar a que tipo de situação estes professores se referem nas próprias

observações e na pesquisa de campo. Situações como formas de adaptação de

livros, documentos pouco acessíveis, política de ensino do Sistema Braille

dentro da instituição podem explicar esta percepção dos professores.

Não há, atualmente, um indicativo de que o IBC, enquanto

instituição,esteja preocupado em discutir e posicionar-se no que diz respeito a

preconceito, estigma e imagem social das pessoas cegas.

A aproximação com os alunos por conta das observações e da pesquisa

de campo trouxe a resposta de que os professores cegos influenciam o

comportamento de seus alunos. Em verdade, todos influenciam, no entanto, a

influência do professor cego é mais forte no aluno cego que tende a mudar de

comportamento em muitos aspectos quando teve professores videntes durante

anos seguidos e passa a ter um professor cego.

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Pude perceber que, em alguns casos, mesmo este aluno sendo da

instituição desde tenra idade, se ele tiver tido apenas professores videntes, traz

noções sobre codificadas sobre a cegueira, não se permitindo experimentar suas

próprias habilidades. Cabe ressaltar, contudo, que uma das conclusões mais

importantes, para mim foi a do surpreendente. Iniciei este trabalho com uma

hipótese, julgando que saberia as possíveis respostas de alguns dos

entrevistados.

No entanto, esquecer o previamente conhecido, isto é, meus preconceitos

e dar espaço às respostas que vinham do campo fizeram com que descobrisse

lados de meus colegas de trabalho que jamais poderia imaginar, apontando para

um IBC com suas novidades. Fez ainda com que muito do que via meus colegas

fazerem no dia-a-dia ganhasse outra conotação, vendo com outros olhos certas

reações que apresentavam. Reações ao preconceito e até reações que temos o

hábito de julgar como mantenedoras do preconceito, mas que espelham uma

vida inteira cercada pelo preconceito e o estigma com tal força que pode ser

difícil conseguir libertar-se desta situação e romper com valores tão solidamente

construídos.

Ter acesso a momentos em que eles se sentiram magoados, excluídos,

indignados, vitoriosos trouxe-me a certeza de que o trabalho na desconstrução

do preconceito é árduo e não será feito se nós, cegos, não estivermos à frente

dele, pois apenas aqueles que enfrentaram as situações buscando negociar e

solucionar problemas sejam de forma contundente, seja de forma mais amistosa,

apenas estes conseguiram amenizar os efeitos do preconceito em suas histórias.

Reconheço, entretanto, que a confiança depositada por alguns pesou um

pouco. Com frases como "Quero que você fale nisso" "Não deixe de abordar

este ponto" "Confiamos em você para levar este tema para frente". "O tema é

fundamental, mas você vai mexer em vespeiro" os sujeitos da pesquisa, meus

colegas, depositaram em mim uma confiança de que espero ter sido merecedora.

O tempo, talvez, não tenha sido longo o bastante para se verificar tudo o

que a curiosidade aguçada gostaria de investigar, porém foi o bastante para

confirmar a necessidade de apontar para os indivíduos cegos a necessidade de

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que todos nós que possuímos esta condição busquemos de alguma forma atuar

de maneira a eliminar o preconceito com nossas ações.

É fundamental que estejamos atentos para o fato de que não podemos

ficar de fora de quaisquer ações que visem ao trabalho na desconstrução do

preconceito e se minha pesquisa contribuir nesse sentido, ela terá sido útil.

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Anexo A - Modelo de entrevista

● Fale sobre sua infância:

- Do que você gostava de brincar?

- Quem eram seus companheiros nessas brincadeiras?

● E sua vida em família?

- Com quem você morava?

- Onde?

● E na escola?

- com quantos anos você começou a frequentar a escola?

- No seu tempo de escola, que tarefas eram importantes que um aluno

desempenhasse para ser considerado bem-sucedido como estudante?

- como era a escola em que você estudou?

- houve professores que te marcaram positiva ou negativamente? Em quê?

- e sobre seus colegas? Há alguma coisa marcante sobre eles, seja positiva ou

negativa, que você possa nos contar?

● Você já pensava em ser professor desde criança? Em que fase da sua vida

surgiu esta ideia?

● E sua vida fora da escola? Onde você costumava passar as férias e os fins de

semana?

● Um dia, você chegou ao ensino Médio.

- Você contou com algum tipo de apoio oferecido pela escola?

- Alguma instituição especializada deu apoio à continuidade de seus estudos?

- Os colegas costumavam ser solidários? Em caso positivo, como?

- E os professores? Costumavam ajudar? Em caso positivo, como?

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- Como era a postura daqueles que não auxiliavam?

● E na universidade? Conte como funcionou seu estudo nessa fase.

● Falando, agora, sobre trabalho, você tem outro trabalho além do IBC? Qual?

● E o trabalho aqui? Como começou?

● Você já desenvolveu outras atividades dentro do Instituto? Quais?

● O que você considera mais importante que seja transmitido aos alunos?

● Você acha que na sua vida acadêmica, houve diferença no trabalho feito por

professores cegos e por professores videntes? Fale a respeito.

● Você considera importante para um aluno cego ter professores cegos? Por

quê?

● Sobre a continuidade de sua formação:

- De que cursos ou congressos você já participou e gostou?

- Em que área você mais gosta de se aperfeiçoar?

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Anexo B – termo de consentimento livre e esclarecido

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO DE JANEIRO

Programa de Pós-Graduação em Educação

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO | PROFESSORES

Prezado/a: ______________________________________________________________________

__

Vimos, por meio deste, convidar-lhe a participar voluntariamente da pesquisa

apresentada a seguir.

Pesquisa: “Cegueira e preconceito, percepção de professores cegos sobre o tema”.

Pesquisadores: Mestranda: Carla Maria de Souza| [email protected] | Tel. (21) 2576-1766 Orientador: Prof. Dr. Marcelo Sorrentino| [email protected] | Tel. (21) 99797-7511

Justificativas: A pesquisa busca identificar as diferentes percepções de professores

cegos diante de possíveis situações de preconceito que fizeram parte de suas trajetórias

de vida.

Objetivos: O objetivo geral da pesquisa é identificar como os professores cegos agem

diante de situações de preconceito e que influências este preconceito trouxe para suas

vidas.

Metodologia: Entrevistas através de áudio-gravação, com duração média de 60 minutos

e observação de atividade desenvolvida pelo professores.

Riscos e Benefícios: Há probabilidade de constrangimento uma vez que, serão

abordados assuntos que podem trazer à baila questões sobre as quais nem sempre o

entrevistado sentirse-á à vontade para falar. No entanto, ele terá total liberdade para

desviar-se de pontos da entrevista que não deseje abordar e será respeitada a sua

vontade de não ver divulgado certos assuntos que considere de foro intimo. Tanto os participantes quanto seus alunos, bem como outros alunos que sejam

atingidos pelo preconceito podem ser beneficiados com a discussão do tema a partir de

informações dadas por pessoas que já vivenciaram situações análogas.

Eu, ______________________________________________________________________

__ __________________, de maneira voluntária, livre e esclarecida, concordo em

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participar da pesquisa acima identificada. Estou ciente dos objetivos do estudo, dos

procedimentos metodológicos, dos possíveis desconfortos com o tema, das garantias de

confidencialidade e da possibilidade de esclarecimentos permanentes sobre os mesmos.

Fui informado(a) de que se trata de pesquisa de mestrado em andamento no Programa

de Pós-Graduação em Educação da PUC-Rio. Está claro que minha participação é

isenta de despesas e que minha imagem e meu nome não serão publicados sem minha

prévia autorização por escrito. Estou de acordo com a áudio-gravação da entrevista a

ser cedida para fins de registros acadêmicos. Estou ciente de que, em qualquer fase da

pesquisa, tenho a liberdade de recusar a minha participação ou retirar meu

consentimento, sem nenhuma penalização ou prejuízo que me possam ser imputados.

____________________________________________________________________ Carla Maria de Souza, mestranda.

Prof. Dr. Marcelo Sorrentino, orientador.

__________________________________________________ [assinatura do/a professor/a voluntário/a]

Nome completo: ______________________________________________________________________

__

E-mail: _______________________________________________________

Tel. ______________________________

Identificação (RG): __________________________ |

Rio de Janeiro, _____ de ____________ de 2015.

OBS.: Este termo é assinado em 2 vias, uma do/a voluntário/a e outra para os arquivos

dos pesquisadores.

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