escritos sobre estética e semiotica da arte - mukarŏvský (1. a arte como facto semiológico -...

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1. A ARTE COMO FACTO SEMIOLÓGICO (*) , /t/ Cada vez se compreende melhor que o conteúdo da cons- f v ciência individual é dado, até à sua maior profundidade, pelos 5 -\ conteúdos da consciência colectiva. Por isso são cada vez mais importantes os problemas do signo e da significação, visto que um conteúdo psíquicoqueultrapassa os limites da cons- _ j A - _Tr-nrj3-.i jj.TT-fj _:.;„-—^TTi~ -;__i_~ c *_ J_ Z~™, Lr— o caracter de signo [ A ciência do signo (semio- tõgia segundo Saussurre, sematologia segundo Bühler) tem de ser elaborada era toda a sua amplitude. Tal como a lingüística actual (ver as investigações da escola de Praga, isto é, do Círculo Lingüístico de Praga), ela amplia o campo da semân- tica, pois trata, deste ponto de vista, todos os elementos do sistema lingüístico incluindo os elementos fonéticos; assim, os resultados da semântica lingüística têm de ser aplicados a todas as demais séries de signos e diferenciados conforme os seus traços específicos. mesmo todo um grupo de ciên- cias particularmente interessadas v nos problemas do signo (tanto como nos problemas da estrutura e do valor, que estão, diga-se de passagêínT^írêífãmènte"Egã9srãõs~aõ~signo: assim, por exemplo, ujma_^ra^de_arte^ ao_mesmo Jemp.q_um_5ÍgBP.. uma^^sj^t^rjM^umjíâlox). São as chamadas ciências do espí- rito (Geisteswtssênschaften, scienc&s mor ales), que trabalham com um material que possui graças à sua dupla existência no mundo dos sentidos e na consciência colectiva — o caracter mais ou menos manifesto de signo. A obra artística não pode ser identificada como queria a estética psicológica — com o estado de espírito do seu autor (*) «L'art comme fait sémiologique», Actes du VIU*» International de Philosophie à Prague, Praga, 1936.

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Page 1: Escritos sobre estética e semiotica da arte - Mukarŏvský (1. A Arte como facto semiológico - pág. 11-17; pág - 38-63)

1. A ARTE COMO FACTO SEMIOLÓGICO (*)

,

/t/

Cada vez se compreende melhor que o conteúdo da cons-fvciência individual é dado, até à sua maior profundidade, pelos

5 -\ conteúdos da consciência colectiva. Por isso são cada vez maisimportantes os problemas do signo e da significação, vistoque um conteúdo psíquicoqueultrapassa os limites da cons-_ j A - _Tr-nrj3-.i jj.TT-fj _:.;„-—^TTi~ -;__i_~ c *_ J_ Z~™,

Lr— o caracter de signo [A ciência do signo (semio-tõgia segundo Saussurre, sematologia segundo Bühler) tem deser elaborada era toda a sua amplitude. Tal como a lingüísticaactual (ver as investigações da escola de Praga, isto é, doCírculo Lingüístico de Praga), ela amplia o campo da semân-tica, pois trata, deste ponto de vista, todos os elementos dosistema lingüístico — incluindo os elementos fonéticos; assim,os resultados da semântica lingüística têm de ser aplicadosa todas as demais séries de signos e diferenciados conformeos seus traços específicos. Há mesmo todo um grupo de ciên-cias particularmente interessadas vnos problemas do signo(tanto como nos problemas da estrutura e do valor, que estão,diga-se de passagêínT^írêífãmènte"Egã9srãõs~aõ~signo: assim,por exemplo, ujma_^ra^de_arte^ ao_mesmo Jemp.q_um_5ÍgBP..uma^^sj^t^rjM^umjíâlox). São as chamadas ciências do espí-rito (Geisteswtssênschaften, scienc&s mor ales), que trabalhamcom um material que possui — graças à sua dupla existênciano mundo dos sentidos e na consciência colectiva — o caractermais ou menos manifesto de signo.

A obra artística não pode ser identificada — como queriaa estética psicológica — com o estado de espírito do seu autor

(*) «L'art comme fait sémiologique», Actes du VIU*»International de Philosophie à Prague, Praga, 1936.

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nem com nenhum dos estados de espírito que evoca naspessoas que a percebem: -

^de momentâneQ_aue, j a Q . s m todo, enquanto q u e

à~õbrã~~artística se destina a servir de intermediário entre oautor e a colectividade. Fica, porém, essa «coisa» que é a obrade arte no mundo sensorial e que é acessível à percepção detoda a gente, sem distinções. Mas a obra de arte também nãopode ser reduzida a esta «obra-coisa »j, pois sucede às vezes quea obra-coisa muda radicalmente, quer no aspecto quer naestrutura interna, ao mover-se no tempo e no espaço; mudan-ças dessas são evidentes quando, por exemplo, comparamosvárias traduções sucessivas de uma obra poética. A obra-coisafunciona, pois, unicamente, como símbolo exterior (signifi-cante, signtficant na terminologia de Saussurre) ao qual corres-ponde na consciência colectiva uma significação determinada(que às vezes se denomina «coJjje^tó^êsJaélicojO, caracterizadapelo que há de comum nos estados subjectivos da consciênciaevocados pela obra-coisa nos membros de determinada colec-tividade. A par deste núcleo central que pertence à consciênciacolectiva, existem evidentemente em qualquer acto de per-cepção de uma obra artística elementos psíquicos subjectivosque eqüivalem aproximadamente ao que Fechner resumia naexpressão «factor associativo» da percepção estética. Esseselementos subjectivos podem também ser fctbjgcjth^d^s; masapenas na medida em que a sua qualidade geral õü a suaquantidade são determinadas pelo núcleo central pertencenteà consciência colectiva. Por exemplo, |o£sjajdp_jle_espírito/(estado subjectivo) que em qualquer indlvíduoãcõmpãilEã r ã

, percepção . d.e .'. uma , jdntuji,. Jjnpr ejsionjsja,, JÉ,. to!?í?BSlte_dJfet!rente dos estados provocados_pjIÍ"jjntaía-^aiBisíijQuanto àsdiferenças quantitativas, é evidente que a quantidade de idéiase sentidos é maior no caso de uma obra poética surrealistado que no de uma obra clássica; um poema surrealistadeixa ao leitor a iniciativa de imaginar quase todo o contextodo tema, ao passo que o poema clássico lhe elimina quasepor completo — graças à precisão da expressão — a liberdadede realizar associações subjectivas. Desta maneira, as com-ponentes subjectivas do estado psíquico do sujeito receptoradquirem, pelo menos indirectamente, por meio do núcleopertencente à consciência colectiva, um caracter objectiva-mente semiológico parecido com õ das significações «secundá-rias» das palavras.

Para concluir estas observações gerais, devemos acres-centar que, repudiando a identificação da obra artística com

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o estado psíquico subjectivo, refutamos ao mesmo tempo todae qualquer teoria estética hedonista. O prazer proporcionadopela obra de arte pode chegar, quando muito, a uma objecti-vação indirecta, como^^jàgnifífia^la^e^mjàájiasjem potência.

l

,Seria incorrecto afirmar que ele faz parte indispensável dapercepção de qualquer obra de arte, pois, se na evolução daarte há períodos em que prevalece a tendência de o provocar,também há outros que lhe são indiferentes ou que buscam,mesmo, um efeito contrário. -'•—•ps^

Segundo a definição vulgar,(p signa é um f acto sensorialque seg^fjre^yjma_j^alidade| qu^poTmeio dele se pretendeevocar. VeltãcHQÕsTpõis, obrigados a inquirir qual é essa outrarealidade, \substituida pela obra_dearte3£ certo que podería-mos contentar-nos com a ãfirmãçãoi de que a obra de arteé um signo autônomo, caracterizado unicamente pêlo factode servir de intermediário entre os membros de uma colecti-vidade. Mas, desta forma, a questão do contacto da obra-coisacom a realidade seria apenas relegada para outro plano semter recebido solução. Há signos que se não referem a umarealidade diferente deles, ejooeatanlaja^sj^l^igatfíçi^e§!SSLJ~ ° <lue se ^duz natulrãlníêntedo facto de ele teraêTsêrcompreendido tanto por quem q^ emite como por quem_orecebe] Porém, no caso dos signos autônomos, esse «algo»nlõ~e~"^claramente determinado. Qual é então essa realidadeindefinida a que se refere a obra de arte? É o contexto geraldos fenômenos ditos sociais, como, por exemplo, a filosofia,a política, a religião, a economia, etc. É por essa razão que aarte — mais que qualquer outro fenômeno social — conseguecaracterizar e representar uma «época» dada; por isso mesmoa história da arte foi durante muito tempo confundida directa-mente com a história da cultura no sentido mais amplo dapalavra; e, ao mesmo tempo, também a história geral utilizafreqüentemente a delimitação de períodos estabelecida pelahistória da arte. A conexão de algumas obras de arte com ocontexto geral dos fenômenos sociais parece ser muito livre; é,por exemplo, o caso dos chamados poetas malditos, cujasobras permanecem à margem da escala de valores vigentes nomomento. Mas, precisamente por isso, ficam fora da «lite-ratura» e a colectividade só as aceita quando, em conseqüên-cia da evolução do contexto social, passam a estar em condi-ções de o exprimir. Para evitar todo e qualquer mal-entendido,temos de fazer mais uma observação. Ao dizer que uma obrade arte se refere ao conte2çtc^j^s_f£néffl«íi0s-&Qciai:4 não afír-mamos — de modo nênHúm — que ela deva unir-se-lhe neces-sariamente de tal modo que seja possível concebê-la como

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testemunho directo ou como[jreflexo_passwfOLjA obra de arte,como qualquer outro signo, pode ter uma relação indirectacom a coisa que designa (por exemplo metafórica, ou outra)sem deixar com isso de se lhe referir. Do caracter semiológicoda arte depreende-se que a obra artística nunca deve serutilizada como documento histórico ou sociológico sem préviaexplicação do seu valor documental, isto é, da quantidade dasua relação com um dado contexto [de fenômenos sociais.Para resumir o essencial do que temos estado a expor, podemosdi?er que o estudp objectivo do[^nómejgp_artísJic5JejnLjdeavaliar a obra de(^rte_^ojmo_^igjnwZ^õnis^íttirdo pélõsmibolosensor ~

_ s c 5 J e j n L j d eaar a ora de(^rte_^ojmo_^igjnwZ^õnis^íttirdo pélõsmibolo

sensorial criado pelõ~ãftistã7pelã«significação» (= objectoestético) que se encontra na consciência colectiva e j?ela_j>ua_

\j^lacjo^coina^gjs^_jdesignadaj*- relação que se refere ao con-texto segunda destas três

Mas os problemas da semiologia da arte ainda se nãoesgotaram. Juntamente com a sua função de |sjgnplautónomo,fa obra artística tem mais outra função: a funçaoclê~sígno co-

\municg.tiyg_^\ Por exemplo: uma obra de arte não funcionaapenas como obra artística mas também como «palavra»1 que| exgrim^oj^ta^ojd^^pjnto, a idéia, o sentimento, etc. Existemartes em quT^stã~funçaírco^Iuml3rtíra~ê^m\uto evidente (apoesia, a pintura, a escultura) e outras em que está oculta(o bailado) ou até se não consegue descortinar (a música,a arquitectura). Deixemos de parte o difícil problema dapresença latente ou até da total ausência do elemento comu-nicativo na música ou na arquitectura — se bem que mesmoem tais casos nos inclinemos a reconhecer um elemento comu-nicativo difuso; veja-se a ligação entre a melodia da músicae a entoação da linguagem, ligação de evidente força comuni-cativa. Referimo-nos somente àquelas artes em que o funciona-mento da obra como signo comunicativo não oferece dúvidas.São as artes em que existe o «tema» (conteúdo) e em que estetema parece, à primeira vista, funcionar como significaçãocomunicativa da obra. Na realidade, cada componente da obrade arte —inclusivamente as mais «formais»— possui o seupróprio valor comunicativo, independente do «tema». Assim,por exemplo, as cores e as linhas de um quadro significam«algo» mesmo que não haja tema nenhum — veja-se a pintura«absoluta» de Kandinsky ou as obras de alguns pintores sur-

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realistas. É justamente neste aspecto virtualmente semiológicodas componentes «formais» que reside a força comunicativada arte sem tema, a que chamamos djfussu] Querendo usarde precisão, teremos de repetir que todã™ã~êstrutura da obraartística funciona como[sigmficaçãoj e até como significaçãocomunicativa. O tema da~ÕBfã~T5m7simplesmente, o papel deeixo de cristalização desta significação — que, sem ele, per-manece v a a . V o b r a i ^

das quais a- - -— j— - uas aSegunda sierestringe, em primeira~i5iâTisF,~as~ãftes com tema.Por isso mesmo, também vemos que na evolução destas artesse manifesta a antinomia dialéctica entre a função do signoautônomo e a função do signo comunicativo. A história daprosa (novela, conto) oferece disto típicos exemplos.

Quando se aborda no aspecto, comunicativo a relaçãoda arte com a coisa designada surgem complicações de aindamaior melindre. Essa relação é diferente daquela que ligacada arte, como signo autônomo, ao contexto geral dos fenó-itienos sociais — pois, como signo comunicativo, a arte refere-$e aumjjeigrminadn fãctãLporêxempIo, a um acontecimento

localizado com precisão, a uma determinada personagem, etc.ífêste sentido, a arte parece-se com os signos puramente co-íttunícativos e a diferença fundamental consiste em que arelação comunicativa entre a obra de arte e a coisa designadalllo tem significação existencial, nem mesmo no caso em quelis faz uma clara afirmação. Ao ̂ preciaruma obra como Jl M ação artística^jiada podemos"^i i " " ~ qu^F^Gzerqueas modifi-

com a coisa designada careçam de sentidopara a obra artística: elas funcionam como factores da sua es-trutura. Para a estrutura de uma dada obra é muito importanteSaber-se se o tema é nela concebido como «real» (às vezesfftósmo como documento), ou como «fictício», ou se há umavacilação entre estes dois pólos. Poderíamos até encontrarobras que se baseiam no paralelismo e no equilíbrio mútuocie duas .relações com realidades diferentes — relações dasquais uma tem valor existencial e outra valor puramenteeomunicativo. É, por exemplo, o caso do retrato em pinturau« em escultura — que é ao mesmo tempo uma comunicaçãoíteerca da pessoa representada e uma peça artística sem valor« xislencial; jia Jiteratura, jt^flovela histórica e a novela bio-gt.ifica caractep||m-se pela mesma duplicidade A modifica-po da relação cò%~3nrêãn3ã3e* lêmj ""p"óf tanto, importantepipel na estrutura de toda a arte que trabalha com tema, masn Investigação teórica destas artes deve levar em linha de conta

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o verdadeiro caracter fundamental do tema, que consiste nofacto de se tratar da unidade de sentido e não de uma cópiapassiva da realidade — nem sequer no caso de obras «realis-tas» ou «naturalistas». Queríamos, para terminar, assinalarque o estudo da estrutura de uma obra de arte ficará, necessa-riamente, incompleto enquanto o caracter semiológico da artenão estiver suficientemente esclarecido, ^em orientação semio-

exprimida,ou eventualmente da situação ideológica, econômica, sociale cultural do meio ambiente. O teórico de arte será assimconduzido a tratar a evolução da arte como uma série detransformações de forma, ou a negá-la completamente (comose verifica em algumas correntes da estética psicológica), ou,finalmente, a concebê-la como comentário passivo de umaevolução exterior à arte. Só a posição semiológica permite aosteóricos reconhecer a existência autônoma e o dinamismofundamental da estrutura artística e compreender a evoluçãoda arte como um movimento imanente que está em relaçãodíaléctica permanente com a evolução das outras esferas dacultura.

O resumido esboço do estudo semiológico da arte que aca-bamos de expor tem a intenção de:

1) apresentar uma ilustração parcial de determinado as-pecto da dicotomia entre ciências naturais e ciências do espí-rito, à qual se dedica toda uma secção deste Congresso;

2) destacar a importância das questões semioíógicas naestética e na história da arte.

Para terminar esta exposição, permitír-nos-emos resumiras idéias principais do seguinte modo:

A) O problema do signo é, juntamente com o problema deestrutura e com o problema do valor, um dos problemas fun-damentais das ciências do espírito cujo objecto de estudotenha um caracter mais ou menos manifesto deteignolPor issodevem os resultados da investigação da semântica lingüísticaser aplicados ao material dessas ciências — particularmenteàqueles que apresentam mais evidente caracter semiológico —,diferenciando-os depois conforme a especificidade dos respec-tivos materiais.

B) A obra de arte tem o caracter de signo. Não pode ser

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identificada nem com o estado de consciência individual doseu autor, nem com o de nenhum dos sujeitos receptores, nemcom aquilo a que chamámos «obra-coisa». Existe como «objectoestético» que se encontra na consciência da colectividadeinteira. A obra-coisa sensorial é, em relação a esse objectoi material, apenas um símbolo exterior; os estados individuaisda consciência evocados por esta obra-coisa só representamü^objecto estético pelo que em todos eles existe de comum.

C) Toda e qualquer obra de arte é um signo autônomoconstituído por:

1) a «obra-coisa», que funciona como símbolo sensorial;2) o «objecto estético», que se encontra na consciência

colectiva e funciona como «significação»;3) a relação com a coisa designada, relação que se não

refere a uma existência especial e.diferente —visto que setrata de um signo autônomo — mas sim ao contexto geral dosfenômenos sociais (a ciência, a filosofia, a religião, a política,i economia, etc.) do meio ambiente concreto.

D) As artes «temáticas» (com conteúdo) têm ainda outrafunção semiológica: a função comunicativa. Neste caso, oSímbolo sensorial continua, naturalmente, a ser o mesmoque nos casos precedentes; e também o sentido é dado pelooltjecto estético inteiro, mas entre as componentes desteobjecto há um portador exclusivo que funciona como eixo de* ristalizacão da força comunicativa difusa das outras compo-nentes: é o tema da obra. A relação com a coisa designadari-lcre-se, como em qualquer outro signo comunicativo, a umat"ustência diferente (um acontecimento, uma personagem,uniu coisa, etc.). Esta qualidade faz com que a obra de arte seiiwMímelhe aos signos puramente comunicativos. Apesar disso,l relação entre a obra e a coisa designada não tem valorfMHfoncial— o que constitui uma diferença fundamental em<«mparacão com os signos puramente comunicativos. Quandouiiift obra de arte é apreciada como tal, não se pode exigir queo litt tema seja autêntico no sentido documental. Isso nãoMfíiuíica .que as modificações da relação com a coisa designadaM « i o é, os diversos graus de escala «realidade-fícção») nãoIflthfth) importância para a obra de arte: funcionam comofa< l«»t's da sua estrutura.

E) As duas funções semioíógicas — a função comunicativa# ft função autônoma—, que existem simultaneamente nasilí ((«s temáticas, formam uma das antinomias dialécticas fun-damentais da sua evolução. A sua dualidade manifesta-se, nattv<ílnt»tio, pelas permanentes oscilações da relação da arte comft . . . .Idade, ,

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intelectual, uma função estética secundária, e ficando ultra-passadas cientificamente ao fim de mais ou menos tempo,funcionam depois como fenômenos preponderantemente outotalmente estéticos. É o caso da História de Palacky ou dasobras de Buffon. A função estética, ao suprir a ausência deoutras funções, converte-se às vezes num factor de economiacultural: no sentido em que conserva as criações e as insti-tuições humanas que perderam as suas funções originais,práticas, rnantendo-as capazes de, em tempos futuros, vir ater novamente uma qualquer função prática.

A função estética é, pois, muito mais que algo que flutuaà superfície das coisas e do mundo — como por vezes sepensa. Ela intervém de modo importante na vida da socie-dade e do indivíduo, tomando parte na gestão da relação— não apenas passiva mas também activa — entre o indivíduoe a sociedade, por um lado, e a realidade em cujo centro sesituam, por outro. Como já indicámos, a continuação desteestudo dedica-se a mais minucioso esclarecimento da impor-tância social dos fenômenos estéticos; como introdução, foinecessário tentar delimitar a esfera estética e investigar a suadinâmica evolutiva.

O primeiro capítulo deste estudo teve como objectivoevidenciar o caracter dinâmico da função estética, tanto emrelação aos fenômenos que a possuem como em relação àsociedade em que ela se manifesta. O segundo capítulo pre-tende mostrar o mesmo quanto à norma estética. Se já nãoera fácil verificar a variabilidade —suposta natural numaevolução— da função estética, que possui um caracter ener-gético, mais difícil ainda é descobrir o caracter dinâmico danorma estética, que pretende ser uma regra de validez inva-riável. A função, enquanto força viva, parece predestinada amudar constantemente a extensão e direcção do seu percurso,ao passo que a norma, que é uma regra e uma medida, parece,pela sua própria essência, estática. A estética apareceu comociência das regras que regem a percepção sensorial (Baum-garten). Durante muito tempo pareceu que a sua única funçãoera a investigação das condições geralmente obrigatórias dabeleza, cuja validez derivava de suposições metafísicas ou,pelo menos, antropológicas; neste segundo caso, o valor esté-tico e o seu critério, a norma estética, eram concebidos comofactos inerentes à constituição do homem, isto é, factos que

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fe:orriam da sua condição natural. A estética experimental« f c o j s de ter sido fundada por Fechner, partia ainda do

segundo o qual existem condições geralmente obrigató-da beleza, para cuja verificação bastava eliminar acumu-o experiências, os desvios casuais do gosto individual

« uino se sabe, a evolução posterior obrigou a estética expe-*í mental a tomar em consideração o caracter variável daswrinas e a contar também com as respectivas premissas. Tam-

: tem noutros ramos e correntes da estética moderna se mani-1 Wtou desconfiança acerca do caracter obrigatório ilimitadoOàs normas: na maioria das correntes apareceu um extremo< «fiticismo quanto à própria existência e validez das normas -W pelo menos um esforço no sentido de limitar essa validez» um único caso particular de cada vez (a norma deduzidailíi personalidade do autor). Surgiu por fim a tendência deliívar o caracter geral obrigatório da norma, deduzindoempiricamente os modelos a partir das obras já criadas e«wisideradas como excelentes; os inconvenientes que nestecaso aparecem são, por um lado, a indução necessariamenteincompleta e, por outro, a petitio principü

Não vamos ocupar-nos com a crítica das várias soluções-antes procuraremos apresentar, frente a elas, uma prova post«ivá de que a contradição entre a pretensão da noiW à obri-gatoriedade geral sem a qual a norma não existiria, e o seucaiacter tão limitado quanto variável não é paradoxal mas podeyr teoricamente compreendida e dominada como antinSSaf «f éctica que serve de catalizador na evolução de toda a esferaestética. A parte primordial da nossa demonstração referir-síá» relação entre a norma estética e a organização social ia queo caracter variável e obrigatório da noíma não pode sefcomintendido e justificado sem contradição nem do ponto deVista do homem com. gênero nem do homem como indivíduomas unicamente do ponto de vista do homem como ser social.'Mas apesar disto, e antes de abordar a própria sociologia da«orma estética e preciso adquirir alguns conhecimento! fun«lamentais por meio da análise noética da sua essência

Partiremos de uma n?ção geral do yalor ^Aceitamos a definição teleológica do valor como capacidade deurna coisa para alcançar um determinado objectivo- é naturalque a determinação do objectivo e do caminho a 'ele COSconte seja dependente do sujeito concreto, e então a valoracão'ontem um momento de subjectividade. Ó caso extremo df sequando o indivíduo avalia uma coisa na perspeítiv™ de uS

/flbjectivo totalmente singular; nesse cas0P a^SaSão nãS

pode reger-se por nenhuma regra e depende completamente do

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livre arbítrio do indivíduo. Menos isolado, já, é o acto devaloração naqueles casos em que o seu resultado só é válidopara o indivíduo ern questão mas este conhece o objectivo apartir de experiências anteriores. Aí há a possibilidade de regera avaliação segundo uma determinada regra, de cuja obrigato-riedade decide o próprio indivíduo em cada caso particular;por isso também aí a decisão depende finalmente do livrearbítrio do indivíduo. Só se pode falar de uma norma autênticano caso de objectivos geralmente reconhecidos, em relaçãoaos quais o valor é percebido como existente independente-mente da vontade do indivíduo e da sua decisão subjectiva,quer dizer: como facto da chamada consciência colectiva; istorefere-se, entre outras coisas, também ao valor estético quedetermina a medida do prazer estético. Nestes casos o valoré estabilizado pela norma, que não é senão uma regra geralque deve ser aplicada a cada caso concreto a que respeite.O indivíduo pode não estar de acordo com esta norma e podemesmo procurar negar-lhe a existência e a obrigatoriedadecolectiva nos momentos em que está avaliando, embora o nãofaça em contradição com ela.

Apesar de a norma tender à obrigatoriedade sem excepção,nunca pode alcançar a validez de uma lei natural — de outromodo converter-se-ia numa lei natural e deixaria de ser umanorma. Se, por exemplo, o homem não pudesse sair dos limitesdo ritmo absoluto (como não pode ver os raios infraverme-lhos ou ultravioletas), o ritmo, de norma que exige ser res-peitada mas pode não o ser, transformar-se-ia numa lei daconstituição humana, necessária e inconscientemente mantida.Portanto a norma, embora tenda à validez ilimitada, auto-limita-se ao mesmo tempo por causa desta tendência. Não sópode ser violada como é imaginável —e isto é muito fre-qüente na prática— o paralelismo de duas ou mais normasaplicáveis a casos concretos iguais, da mesma medida de valore mutuamente concorrentes. A norma baseia-se, pois, numaantinomia dialéctica fundamental entre a validez incondicionale a potência meramente reguladora e até simplesmente orien-tadora, que implica uma possibilidade de violação. Todas asnormas têm esta tendência dúplice e antagônica, entre cujosdois pólos está o cenário em que evoluem. Apesar disto, osvários tipos de normas gravitam desigualmente, caminhandoora para um ora para outro desses pólos. Essa diversidade degravitação das diversas normas é bem patente quando compa-ramos, por exemplo, a norma jurídica, que, até pela sua deno-minação habitual — «lei» —, tende para a validez incondicio-nal, com a norma estética — principalmente na sua aplicação

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i

mais- específica, a norma artística—, que, em geral, serveapenas de terreno para a permanente violação.

Mas, apesar disso, também a norma estética pode mostrartendência para uma validez invariável. Na própria evolução daarte encontramos períodos que impõem a reivindicação deuma validez permanente e incondicional da norma, e recor-damos como exemplos tanto a poesia do classicismo francêsr orno a poesia simbolista. A fé na validade das normas eraia o forte no período classicista que Chapelain pôde escreverno prefácio ao seu poema épico La Pticelle: «Para. tratar destetema apenas reuni um conhecimento considerável do necessá-rio... Havia apenas que verificar se este gênero poético,desprezado pelos nossos mais célebres escritores, está real-mente morto ou se a sua teoria, que conheço bastante bem,poderia servir-me para provar aos meus amigos, com esteexemplo, que é possível, sem altos vôos da imaginação, apro-vdtá-la com êxito» (*)• Traduzida para a nossa terminologia,esta citação exprime uma confiança incondicional em que aaplicação perfeita da norma basta, por si só, para criar valorartístico. Quanto ao simbolismo, basta recordar o seu desejode- criar «uma obra absoluta», eternamente válida, sem depen-der do tempo nem do meio, desejo que com tanta intensidade»c manifestara, por exemplo, no caso de Mallarmé O- Tam-bém podemos indicar, para mostrar a tendência da normaestética à total obrigatoriedade, a mútua intolerância dasnormas estéticas intercompetitivas, que às vezes se manifestade tal modo que a norma estética se vê polemicamente substi-tuída por outra mais autoritária, como por exemplo pelanorma moral —chamar impostor ao adversário—• ou pelanorma intelectual — chamar ignorante ou imbecil ao adver-'..HÍO. Mesmo quando se sublinha o direito ao juízo estéticoindividual se impõe a reivindicação da responsabilidade porr l t ; o gosto pessoal é uma componente do valor humano do«(u portador.

A antinomia entre a obrigatoriedade ilimitada e a suaiirjíação —a variabilidade permanente— é, pois, válida tam-lirm para a norma estética, embora aparentemente prevaleça anegação.. Também aqui, como noutros casos, o elemento posi-i i vo serve de base de onde se tem de partir quando se analisa oi aiácter específico da norma estética. Temos assim de inter-logar-nos se existem realmente princípios estéticos que deri-K-m da própria constituição do homem, que justifiquem airudência da norma estética para a validez de uma lei. Já«iiKcrimos que a concepção primitiva da estética experimentalFumou precisamente ao tentar averiguar esses princípios. A

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diferença entre a. nossa concepção e a da estética experimentalprimitiva consiste em que, no caso desta, os princípios foramconsiderados como normas ideais, cuja localização e conserva-ção precisas poderiam assegurar a perfeição estética — en-quanto que, para nós, tais princípios são apenas premissasantropológicas necessárias à tese da antinomia dialéctica danorma estética, tese cuja antítese com iguais direitos é anegação (e portanto violação) dos princípios constitutivos.

O objectivo da função estética é a consecução do prazerestético. Já no primeiro capítulo deixámos dito que é possívelque qualquer coisa ou acção (sem se considerar a sua consti-tuição) venha a ser portadora da função estética e, por isso,objecto de prazer estético. No entanto há certas premissas naconstituição objectiva da coisa (portadora da função estética)que facilitam a aparição da função estética. A potência estéticanão é, subentende-se, inerente ao objecto: para que as pre-missas ob.jectivas possam fazer-se valer devem, de algummodo, participar da constituição do sujeito de prazer estético.As premissas subjectivas podem ter justificação quer comple-tamente individual, quer social quer antropológica dada pelacondição natural do homem como gênero. E estas premissasfundamentais, antropológicas, são justamente os princípiosque nos interessam. Podemos citar toda uma série delas. Paraas artes temporais (Zeitkünsíe) é, por exemplo, o ritmo, con-dicionado pela regularidade da circulação do sangue e da res-piração (é importante também a circunstância de a organiza-ção rítmica do trabalho ser a que melhor convém ao homem);para as artes espaciais essas premissas são a recta vertical,a horizontal, o ângulo recto e a simetria (premissas que podemser inteiramente deduzidas da constituição e da posição nor-mal do corpo humano; veja-se A. Schmarsow, Grundbegriffeder Kunstwissenschaft, Leipzig-Berlim, 1905) (10); para a pin-tura, são o caracter complementar das cores e certos outrosfenômenos do contraste de cor e de intensidade (veja-se porexemplo Seracky, Kvantitativní urceni barevného kontrastuna rortujících koíoucích — A determinação quantitativa do con-traste de cores rotatórias, Praga, 1923); para a escultura é alei da estabilidade do centro de gravidade. Destes princípiospodem ser deduzidos alguns outros, por exemplo: da lei dasimetria deduz-se a divisão fundamental da superfície de umrectângulo pela intersecção das diagonais (simetria absoluta).Há também outros princípios cuja relação com a base antro-pológica é muito menos unívoca que a destes, mas nem porisso podemos ignorar ou omitir alguns deles — como, porexemplo, o da sccção áurea. Como superstrutura imediata

te* princípios constitutivos, é necessário considerar algumasíttrmas convencionais antigas que, graças a um prolongado cos-tume, adquiriram uma naturalidade que admite a deformaçãoMWtt que esta as faça desaparecer do subconsciente, no qualUtistem em fundo (ver por exemplo o repertório das conso-Iftueias na música, baseado nas oitavas, e que, como se sabe,ílfòHa sofrendo uma ampliação gradual ao longo da evoluçãol*i música). Esta enumeração de princípios antropológicos nãoi#itt tt pretensão de ser completa. Por mais que o fosse, é certol| Witemão que a sua rede nunca poderia ser tão ampla e tão

que pudesse conter em pormenor os equivalentes deas normas estéticas possíveis. No entanto, para poderque a norma estética tem, de modo global, um funda-constitutivo, basta a existência da relação parcial entre

li tf A base psicofísica.Surge agora a questão de saber como funcionam estes

i h u ipíos em relação às normas autênticas. Seria uma nega-81» da história da arte supor-se que estes princípios são nor-M. mesmo ideais, cujo cumprimento, levado a efeito apenas

urdida do possível que seja, representa uma perfeiçãoM. i n a u Isto porque, geralmente, na evolução da arte, oslmtpios fundamentais não só não são cumpridos como se

t»Wi ¥íi até o contrário: os períodos que tendem à sua maisBÍMm'nle manutenção alternam com outros períodos em

"- t-lrs são respeitados o menos possível; os períodos deferéllfão mais ou menos radical são até os mais freqüentes,

ti» t « t v mpre os podemos classificar como períodos de deca-i Também é característico que um respeito extrema-

> rigoroso dos princípios antropológicos conduza à<:.n<;;i estética. O ritmo mecanicamente regular, a simetria> figura geométrica, etc., são esteticamente indiferentes.rdif importância dos princípios constitutivos consiste,t , em toda uma variedade de normas estéticas, tais comomostram num estudo sincrónico (estático) ou diacrónico-ratoente dinâmico), reduzindo a um denominador•i a .((instituição psicofísica do homem como gênero,

f* v«!«il<| ijue estes princípios constituem um critério espon-llfiit imito para a convergência como para a contradição entrejfjprnia» concretas e essa mesma constituição. Não servemJ|$ ttisiilíir a variabilidade evolutiva das normas mas sim

ifíà fH?*'i de base fixa; e somente em relação a esta base pode•tiHliltde ser percebida como violação de uma ordem (u).

*s»i, . « - í . m i u g a , isto é, a tendência deformadora, não pó-foitar-se sem a força centrípeta representada pelos«jtmstitutivos. Shklovsky, que afirmava (no artigo

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«A arte como método», em Teoria da Prosa) que a deformaçãoartística significa dispêndio máximo de energia, somente podiater razão supondo que nalguma parte fundamental, como traçopositivo oculto, funcionava a lei da conservação da energia,pois, de outro modo, a deformação deixaria de ser o que é —deixaria de ser a negação da regularidade. E os princípiosconstitutivos são, precisamente, a expressão da máxima con-servação da energia na esfera estética.

Nos parágrafos precedentes, temos vindo a procurar expora justificação da multiplicidade de normas estéticas (a coexis-tência de normas em mútua concorrência); mas falta aindauma explicação genética, isto é, temos de esclarecer comochega essa multiplicidade a realizar-se. Para tal, será precisoconceber a norma estética como facto histórico, ou seja, tomarcomo ponto de partida a sua variabilidade no tempo. É a con-seqüência necessária do seu caracter dialéctico, acima mencio-nado. Por isso a norma estética apresenta uma variabilidadetemporal semelhante à de outras normas; cada norma mudaapenas pelo facto de ser aplicada repetidamente e de ter deadaptar-se às tarefas exigidas pela prática. Assim, por exemplo,as normas lingüísticas —sejam elas gramaticais, lexicais ouestilísticas — transformam-se sem cessar. Mas a transforma-ção é tão lenta —pondo de parte as formações lingüísticaspertencentes à esfera da patologia lingüística, quer dizer, aslinguagens especiais — que parece invisível, convertendo o pro-blema das transformações lingüísticas num dos mais compli-cados problemas da lingüística. Sob a influência do fim prá-tico da língua e do facto de a sua função normal ser comuni-cativa e não criativa, as normas lingüísticas são muito maisfixas que as normas estéticas — embora também variem. Hátodavia normas ainda mais estáveis que as normas lingüís-ticas, que, aplicadas a um material concreto, também se trans-formam: são, por exemplo, as normas legislativas, que, já pelasua denominação de «leis», manifestam tendência a ser aplica-das de maneira incondicional e sempre a mesma. Até Englis(Teleologie jako vedeckého poznáni — A Teologia como formade conhecimento científico, Praga, 1930), apesar de tentar dis-tinguir o pensamento «normativo» simplesmente dedutivo dopensamento «teleológico» avaliador, assinala que «a interpre-tação per analogiam», necessária para resolver casos que olegislador, ao formular a lei, não contemplara mas que apa-recem na prática, «não c uma interpretação, mas sim criaçãode novas normas; e os códigos legislativos contêm uma autori-zação especial para esse tipo de interpretações, coisa que não

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seria necessária se realmente estivéssemos perante uma sim-ples interpretação das normas existentes».

Também as normas estéticas se transformam quando sãoaplicadas. No entanto, enquanto as normas legislativas, quandonão se trata de uma legislação real, se transformam dentrode limites muito estreitos, e as normas lingüísticas sofremtransformações eficazes mas invisíveis, as transformações dasnormas estéticas dão-se em muito ampla extensão e bem àvista. A forma em que a transformação de uma norma é per-i i-líida não tem sempre a mesma intensidade em todos osM-< lores da esfera estética; a maneira mais patente é aquela• nu: se observa na arte, onde a violação da norma estética é11 i i ! dos recursos de efeito mais importantes. Encontramo-nos.u|ui no limiar da evolução da linguagem dos fenômenos artís-i i ios ; a sua problemática é ampla e complexa por causa das11 ii i tuas relações existentes entre os diversos problemas. Nãopodemos dedicar-nos aqui a uma explicação pormenorizada e«Utemática (veja-se uma tentativa de esboço no nosso estudo«Mibre Vznesenost prírody — A dignidade da natureza, de Polák,hiiga, 1934), mas, apesar disso, e em conformidade com o•jfNtinto a tratar no contexto deste estudo, temos de dizerultimas palavras acerca do processo pelo qual se transforma« multiplica a norma estética em arte.

üiià obra artística é uma aplicação não adequada da normat u a , de modo que o seu estado actual não se altera por

vHltide de uma necessidade involuntária, mas sim intencional-»«i«-hU- ( e, por isso, geralmente, de maneira muito sensível.A norma é violada incessantemente. Mas é preciso assinalari|t*»j. ao examinar daqui para diante o aspecto evolutivo da

tua estética, utilizamos a palavra «violação» num sentidoi r n te daquele em que a utilizámos atrás ao analisar a faltaumprimento dos princípios estéticos; agora vamos enten-

di 1 . 1 mino relação entre a norma temporalmente precedenteu.trma nova, diferente dela, que se encontra em processoirtnação. A violação dos princípios constitutivos por uma

11 mi concreta e a violação de uma norma mais antiga porli norma nova são duas coisas diferentes. Na evolução, podefittt» ocorrer que a norma conforme ao princípio constitu-

<)u<- lhe corresponde (por exemplo, na poesia, o ritmo que** íva rigorosamente o esquema métrico) seja consideradao uma violação quando é precedida de um período de

;ão desse princípio: recordemos o dito de um teóricori»**?: poesia, segundo o qual é possível ouvir o silêncio se|JÍ precedido do ruído de um tiroteio. A história da arte,ri» perspectiva da norma estética, aparece-nos como uma

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história das revoltas contra as normas dominantes. Daí sedepreende o traço especial da arte autêntica, que consiste nofacto de, na sensação que provoca, o prazer estético se con-fundir com o desagrado. Esta característica específica foimuito bem expressa por F. X. Salda quando disse: «A sensaçãoque em nós produz uma obra de arte não é a sensação de umacoisa elegante e fina... mas sim a de uma coisa dura e rigo-rosa — de uma coisa que difere claramente do caracter con-vencional e da comodidade agradável da expressão artísticacorrente... Os conhecedores e amadores bem educados quali-ficam de crus os criadores artísticos autênticos no início dasua carreira e falam da sua arte como de uma coisa interes-sante e curiosa, mas não a valorizam como bela e de bomgosto» (Boje o zítrek; Nova krása, její geneze a charakter —Lutas pelo futuro; a nova beleza, sua gênese e seu caracter).A expressão «bom gosto» utilizada por Salda recorda involun-tariamente uma das violações mais radicais da norma estéticaa que a arte pode chegar: a violação da norma mediante oaproveitamento intencional do mau gosto.

Que vem a ser o mau gosto? Não é, de modo nenhum, tudoaquilo que não concorda com a norma estética de um dadomomento da evolução. O conceito de «fealdade» é mais amploque o de «mau gosto»; é feio, para nós, aquilo que nos pareceem desacordo com a norma estética. Só falamos de mau gostoquando avaliamos um objecto produzido pela mão do homem,no qual observemos ao mesmo tempo tanto a tendência paracumprir uma determinada norma estética como a falta decapacidade para a realizar; os fenômenos da natureza podemser feios mas não de mau gosto, a não ser nos casos excepcio-nais em que nos recordam o produto da acção do homem.O desagrado que nos causa um objecto de mau gosto não sefunda, pois, unicamente na sensação de desacordo com a normaestética, mas é reforçado pela nossa aversão à incapacidadedo seu autor. O mau gosto é, portanto, a mais aguda antíteseda arte, que, já pela sua denominação, indica a capacidadede alcançar plenamente o objectivo proposto. E, apesar disso,a arte utiliza por vezes o mau gosto para chegar aos seus finsUm exemplo instrutivo é o da arte plástica surrealista, queutiliza — como objectos que representa e como peças paramontagens pictóricas e plásticas— produtos do período damaior degradação do gosto (os fins do século XIX), imitaçõesindustriais da arte e do artesanato artístico, páginas de revistas ilustradas, etc. Deste modo, a norma da arte «superior»é violada da maneira mais radical e o desagrado estético pro-vocado faz parte do efeito artístico. Escolhemos o caso do

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surrealismo por causa do apelo da forma pela qual se realizai violação da norma estética. Embora noutras épocas e noutrascorrentes o desagrado estético não costume ser tão ostensiva-mente acentuado, ele é componente quase permanente da arte.yíva. Se agora nos interrogássemos como é possível que a arte,••fenômeno estético privilegiado, possa provocar desagrado,teríamos de responder que o prazer estético, precisamentequando tem de obter a máxima intensidade (como a que se• t i M em na arte), necessita do desagrado estético como contrastedialéctico. Mesmo ao violar as normas ao máximo, o prazer

"** u sensação dominante produzida pela arte, e o desagradoé O recurso da sua intensificação; não é por acaso que,wedsamente, a estética do surrealismo é manifestamentei» if imista. O valor artístico é individual; também as compo-i f i i f e s que produzem o desagrado se convertem, no conjunto• I . i ohra, em elementos positivos — mas apenas dentro da obra:l "ui dela e da sua estrutura voltam a assumir um valor ne-

ivo.A obra estética viola, pois, até certo ponto, e por vezes

• m medida considerável, a norma estética válida num dadomofíirrito do processo. No entanto, mesmo nos casos extremos

também, ao mesmo tempo, de manter: há até períodoslucão da arte em que o cumprimento da norma preva-

visivelmente sobre a sua violação. Mas há sempre numa;u tística qualquer coisa que a une ao passado e qualquer

(p 10 aponta para o futuro. Em geral, as targfas sãolhíidas entre diversos grupos de componentes, dos quaisi ti t sorvam a norma e outros a desintegram. No momento

i M C a obra artística aparece pela primeira vez perante ou», pode suceder que só chame as atenções aquilo que a

rigue do passado; mas até nesses casos se revelarão maisf c. laços que a unem ao que, numa dada evolução, a

".jtett. O quadro Lê déjeuner sur 1'herbe de Manet provocou,|Íf á sua primeira exibição em público, protestos contra\sitie se via de revolucionário e de inovador. Só o estudo

descobriu as relações de Manet com o seu precursor,tanto no que respeita à composição como quanto à

jj» das cores (veja-se a pormenorizada análise de DeriMalerei im XIX Jahrhundert, Berlim, 1920). Mas mesmo

avaliamos positivamente um fenômeno artístico éque a forte impressão que nos provoca a violação

p i nos não deixe ver os aspectos de conformidade comt:f que, por exemplo, M. Hysek demonstrou quanto à

,„»' feruc (fri kapitoly o Petru Bezrucovi — Três capí-itwica de Petr Bezruc, Brno, 1934).

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Uma obra de arte autêntica oscila sempre entre os-estadospassado e futuro da norma estética: o presente, sob cujo pontode vista a percebemos, surge como tensão entre a normapassada e a sua violação, destinada a fazer parte da futuranorma. Como exemplo muito sugestivo, podemos mencionara pintura impressionista. Uma das normas típicas e funda-mentais do impressionismo é a tendência para reproduzir apercepção sensorial pura, não deformada por nenhuma inter-pretação intelectual ou emocional; neste aspecto, o impressio-nismo está em correlação com o naturalismo poético. Todavia,desde o início e em simultaneidade com essa tendência, há noimpressionismo uma outra, que cada vez mais se afirma e aela se opõe: é a tendência para alterar a coordenação real dosdados sensoriais acerca do objecto representado; neste sen-tido, o impressionismo —e especialmente o impressionismotardio — está no mesmo caminho que o simbolismo poético.A transição entre as duas tendências contraditórias é possívelpor meio da anulação dos contornos lineares, e portanto tam-bém da perspectiva linear, transformando os contornos emcombinações de manchas de cor sobre a superfície do quadro.E as duas tendências contraditórias são designadas pela histó-ria com o mesmo nome: impressionismo. Isto dá-se sempre nahistória da arte; nenhuma fase da evolução corresponde ple-namente à norma herdada da fase anterior, antes cria, violan-do-a, uma norma nova. Uma criação que correspondesse ple-namente à norma herdada seria uma estandardização fácil dereproduzir, e deste limite só se aproximam as obras de epígo-nos: uma verdadeira obra de arte é irreproduzível e a suaestrutura, como já acima dissemos, é indivisível graças preci-samente à diversidade estética das componentes que reúne numconjunto único. Com o correr do tempo, desaparece a sen-sação das contradições, até então equilibradas quase violenta-mente pela estrutura: a obra chega então a ser harmoniosa ebela (no sentido de produzir um prazer estético que nada vemperturbar). F. X. Salda escreveu, correctamente, que «a belezaganha valor só sob uma perspectiva distante» (Boje o zitrek,Nova krása, její geneze a charakter). A estrutura vem a serdivisível nas diferentes normas, que já podem ser aplicadassem prejuízo fora da esfera da estrutura em que foram criadase até fora da esfera artística. Uma vez concluído este processo,a fase evolutiva, até então actual, passa a fazer parte da reservahistórica; mas as normas criadas por ela infiltram-se pouco apouco em toda a ampla esfera estética — ou como conjuntoscompletos, cânones, ou como pedaços particulares (pequenosgrupos de normas ou normas particulares isoladas). Tudo o

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que acabamos de dizer acerca do processo de criação dasnormas é válido, na sua totalidade, no caso único de uma só-formação: daquela arte que designamos, na falta de melhornome, como arte «superior» — daquela cujo portador (comllfurnas limitações que adiante mencionaremos) costuma sero estrato social dominante. A arte superior é a fonte renovadora«ltt,s normas estéticas; há, a seu lado, outras formações artísti-t nt (por exemplo: a arte de salão, a arte de «boulevard», a(«rir popular, etc.), mas estas, em geral, adoptam a norma játrfôüa pela arte superior. Como já notámos no primeiro capí-Hik>, além dos vários gêneros de arte há ainda os fenômenos««(éticos extra-artísticos, e aqui surge a seguinte pergunta:i|(? que modo penetram neste sector as normas estéticas criadasj»«Jít arte superior?

Devemos recordar aquilo que já no primeiro capítulo(o • rimos sobre a transição gradual entre a arte e os demais

<*?inVntenos estéticos. F. Paulhan (Mensogne de Vart, Paris, 1907)f In r»/.ão ao dizer que «as artes superiores, como a pintura

^cultura, são, a seu modo, também, artes 'decorativas':H f íutilidade de um quadro ou de uma estátua é decorar uma

um salão, uma fachada, uma fonte»; a esta citação pre-iios acrescentar que as artes decorativas são para Paulhani l r < tipo de produção que trabalha a matéria para lhe darus úteis ou apenas para decorá-la» — as artes decorativas,«tu rpção de Paulhan, e na concepção francesa em geral,ilto, pois, já artes autênticas mas artesanato artístico e,0ti$eguinte, fenômenos estéticos extra-artísticos. PaulhanH que a função decorativa e também a função prática

AÜ wwir estreitamente a arte à esfera dos outros fenômenosK'<>s- O. Hostinsky diz de forma ainda mais sugestiva: «Se•4*'íamos arquitectura um portal corn uma porta deco-. com que direito consideraremos um armário de estilo

' i f i < > móvel, fabricado pelo mesmo artesão, como obra deittlrrior?» (O vyznamu prumyslu umeleckého — Acercatin.ík-ação da indústria artesanal, Praga, 1887). O autoruma das pontes naturais entre a arte e o resto da esfera

. 1 . mas há muitos outros caminhos pelos quais as normasÉ*» du esfera da arte superior para a esfera extra-artística.íf.H)«remos pelo menos mais um exemplo: a influência do

l* , i i t a ! sobre a esfera dos gestos ditos de «boa educação».*ttt' ijue & «boa educação» tem, na sociedade, forte matizto (vai* M. Dessoir, Ãsthetik und allgemeine Kunstwissen-'M, »mw a sua função dominante é outra: é a de facilitarH!Í«I o» contactos sociais entre os membros da colectivi-

| i»(« se, pois, de um facto estético extra-artístico, e isto

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é válido também para os gestos no mais amplo sentido dapalavra, incluindo a mímica e os fenômenos lingüísticos, emparticular a entoação e a articulação. A função estética desem-penha aqui a importante tarefa de amortecer a primitivaexpressividade espontânea do gesto e de transformar o gesto--reacção em gesto-signo. No entanto, podemos observar outrofenômeno interessante: os gestos sociais diferem não só depaís para país (mesmo entre países de culturas aproximada-mente iguais e entre iguais classes sociais dentro deles) masainda de época para época no meu país. Para comprovar estefenômeno, basta observar pinturas e desenhos, especialmentegravuras e fotografias de uma época tão recente (relativa-mente) como os anos 40 e 50 do século passado. Os gestosmais convencionais, por exemplo a estação de pé, parecem-nosexageradamente patéticos: de pé, as pessoas colocam à frentea perna que não suporta o peso do corpo e as suas niãosparecem exprimir uma excitação desproporcionada para asituação, etc. A gesticulação social está, portanto, sujeita auma evolução, mas qual é a fonte de tal evolução? Tal comoa percepção sensorial, em particular visual e auditiva, evoluisob a influência da arte (a pintura e a escultura permitem aohomem experimentar de cada vez por novo modo o acto davisão, e a música renova o acto auditivo); tal como a poesiarenova sem cessar no homem a sensação de, falando, realizara sua relação criadora com o idioma, também a gesticulaçãotem a sua arte, que continuamente se renova: é a arte teatraldesde sempre e, de há algum tempo também a esta parte, a artecinematográfica. Para o actor, o gesto é um facto artísticoem que domina a função estética. Isso lhe permite libertar-sedo contexto das relações sociais e adquirir uma acentuadapossibilidade de transformação. A nova norma, surgida destatransformação, passa então do palco para o público. A influência da arte cênica sobre o gesto é conhecida de há muito dospedagogos e conduziu ao aproveitamento do diletantismoteatral como meio educativo (ver as representações escolareshumanistas). Actualmente, esta influência manifesta-se demodo muito evidente na vida, principalmente através docinema: temos podido observá-la nos últimos anos, especialmente em todo um sistema de gesticulação feminina (as mulheres são mais imitativas que os homens), a começar pelaforma de caminhar e a acabar nos mais pequenos movimentos,como a forma de abrir a caixa de pó-de-arroz ou o jogo dosmúsculos faciais. Assim, as novas normas estéticas penetramdirectamentc, vindas da arte, na vida quotidiana. Na esferaextra-artfstica, estas normas adquirem um valor muito mais

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Obrigatório que na arte que as criou, porque aí funcionamftomo critérios autênticos dos valores e não como mero panoáe fundo, para a violação.

Mas nem mesmo essa aplicação das normas é totalmenteAutomática, porque também aqui a norma está sujeita à acçãocie várias influências — por exemplo, a da moda. A moda, nailta essência, não é um fenômeno preponderantemente estético,.jttíis econômico. H. G. Schauer define-se como «o domínio«tclusivo de que no mercado beneficia um produto durante« f i l o tempo», e o economista alemão W. Sombart dedicoulodo um estudo ao aspecto econômico da moda (Wirtschaftniid Modé). Apesar disso, a função estética tem um papelmuito importante entre as numerosas funções da moda (comou l u nção social, às vezes a função política e, no caso da moda< ! « • vestuários, a função erótica). A moda exerce uma influênciatmvladora sobre a norma estética, suprimindo a múltipla• ' "Mipotição de normas paralelas em benefício de uma só delas;1 1 . 1 M »is da recente guerra mundial produziu-se, simultanea-mente com a intensificação da moda —pelo menos na Che-• " Itíváquia—, a eliminação da diferença entre o modo de

n das cidades e o do campo, assim como entre os das•w. gerações. O nivelamento é compensado, por outro lado,

J H 1 1 lápida sucessão temporal das normas ditadas pela moda;' (' preciso citar exemplos, encontraremos muitos ao fo-

'.»r revistas de modas de anos sucessivos. O terreno da moda>|»ti.utiente dito compreende só os fenômenos extra-artís-

1*1, mas de vez em quando estende-se também à arte — emM u t i l a r a alguns dos seus ramos laterais como a arte deí«» ou a arte de «boulevard» — e rnanifesta-se principalmente

< cr influência sobre o consumo; veja-se a popularidade•» (juidros sobre certos temas na decoração doméstica cor-i i i (por exemplo, os de ramos de flores, etc.). Até pode

Sííi l f t cr que, em cada habitação normal, sejam sistematica-' incluídas determinadas obras concretas — por exemplo,(•uns anos podíamos ver em muitos lares a Crucifixão de

IpiiWtos acima que a fonte donde provêm as normas es-li é i arte superior, donde saem para penetrar nos outrosríi iííi esfera estética. No entanto, esse processo não é tãopi'como se as normas se substituíssem umas às outrasi . {>o( exemplo, as ondas que atingem a costa depois deiHíJ.is as anteriores. As normas que se tiverem fixado bem• i ) » ,.wtor da esfera estética ou nalgum meio social podemn t v i r muito tempo; as normas novas estratificarn-se gra-Mf t « i , ' ao lado delas e asshri surge a convivência e com-

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petição de muitas normas estéticas paralelas. Há casos, prin-cipalmente no folclore, em que as normas estéticas perduramdurante séculos inteiros. É, por exemplo, do conhecimentogeral o facto de que «para as formas arquitectônicas, o cam-ponês (checo) adoptou os modelos baseados no Renascimentoe no Barroco tardios: para o vestuário, o traje regional e asua decoração, são decisivas as formas do traje citadino caristocrático em vários períodos da moda a partir dos prin-cípios do século XVI; e, para a decoração ornamental pintada,talhada, bordada e aplicada, encontraremos modelos na pinturae na arte de talha ornamental do Renascimento e do Barrocotardios» (Ceskoslovenská vias tiveda — História e geografiachecoslovaca. VIII, Praga, 1935, p. 201). Quanto aos bordadospopulares checoslovacos, V. Prazák assinalou (Bratislava, VII,pp. 251 e segs.) que «o campesinato eslovaco ainda no séculoXIX e no século XX decorava os seus bordados com orna-mentos renascentistas, introduzidos na Eslováquia pela rnodaaristocrática dos séculos XVI e XVII». Da poesia que oscilaentre o folclore e a poesia culta podemos mencionar as ins-crições dos anos 30 e 40 do século XIX encontradas no cemité-rio de Albrechtice, perto de Písek, que conservam —junta-mente com a versificação silábica— todo o estilo da poesiabarroca dos séculos XVII e XVIII — como testemunha, porexemplo, a comparação do trabalho do oleiro com a criaçãodivina, tema típico não só da poesia barroca como da poesiamedieval — , ou a descrição naturalista de um corpo decom-posto pela doença, nos seguintes versos:

Das pernas lhe caía sem cessar a carne podreaté que -ficaram os ossos muito à mostra;de pústulas se lhe cobriu toda a face,e, para maior miséria, ficou cego (B).

Basta comparar esta descrição corn algumas descriçõesbarrocas autênticas — por exemplo, a da Canção da morte deKoniás, citada por J. Vlcek (Dejiny ceské literatury — Históriada literatura checa, II, l, p. 56), para ficar claro que, no casodas inscrições de Albrechtice, se trata de um anacronismo realdo cânone poético barroco no momento em que se publicavaMaio, de Mácha, a maior obra do romantismo checo C4). Nosdois primeiros casos que acabamos de mencionar (o folcloncheco e eslovaco), a longevidade da norma é explicável porintegração da norma e da função estética no sistema fixo c Irtodas as normas e de todas as várias funções típicas do folclore(ver adiante), enquanto que o terceiro caso (as inscricot ,

sepulcrais) se explica, como vimos, pela existência de um gê-nero poético estancado, a poesia religiosa, arcaica já no mo-mento em que foram feitas as inscrições.

Demos exemplos de anacronisrnos realmente evidentes noinundo das normas estéticas; esses casos são relativamenteraros e possíveis apenas sob condições especiais. No entanto,a coexistência na esfera estética, por vezes muito estreita, denormas de diferentes épocas está na ordem do dia. Assim,por exemplo, se observarmos a poesia checa contemporâneaencontraremos nela, à parte a estrutura que se pode denominar4«í «pós-guerra» (sabendo, bem entendido, que se trata de umconglomerado de vários cânones diferentes, em parte já consi-íferavelmente petrificados), o cânone simbolista, o de Lumír C5),f, tlalguma zona periférica, como por exemplo na poesia paralltalescentes, até o de Máj (Maio, de Mácha) — isto c: ao lodo,

: |(JWâtro conjuntos de normas. Também noutras artes poderia-íttôs verificar que vigoram actualmente vários cânones: nattftttura, por exemplo, todos, certamente, a começar peloimi»ressionismo e a terminar no surrealismo. Uma imagem«tmiíi mais exacta que a criação nesta ou naquela arte nos!«Mk*ria ser proporcionada pela estatística do consumo; por>, nrmpío, no que respeita à literatura, as estatísticas daslnMiotecas públicas. Á coexistência de várias normas mani-j|ita>i6 também fora da arte: assim, por exemplo, sabe-se bemiin . os objectos que são portadores de função estética, como" 11 leveis, as roupas, etc., costumam ser classificados nalitmlucão e no comércio não apenas conforme o material e an-nlrççao mas ainda conforme os vários estilos.

Numa mesma colectividade existe, pois, simultaneamente,!»M!H uma série de cânones estéticos (16). Conhecemo-los nãoH» JHíIfi experiência objectiva, de que damos exemplos, mas.smbiátn pela experiência subjectiva. Do mesmo modo queiKillffl de nós é capaz de falar em várias formações dat M t s i j i n língua, por exemplo ern vários dialectos sociais, assimHptlPi também entender subjectivamente diversos cânones

•o-i ver os exemplos de poesia mencionados —, ainda'••MI geral, apenas um deles nos pareça adequado e se

•̂H W nosso gosto pessoal. Mas a coexistência de váriosf i í crentes na mesma colectividade de nenhum modo

' ) ( « • ' . ' t . cada um deles tende n ser o único e a eliminar osttliutf..ÍftO deduz-se do facto, atrás mencionado, de a norma^•p pfWCurar urna valide/, incondicional. A natureza expan-

eánontís recentes manifesta-se com especial força• ' t ' ui mais antigos. A rntit.ua exclusividade dos cânones

|p v* n («ífntancnle movimento toda a esfera estética. Com a

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intolerância dos vários cânones se relaciona também a cir-cunstância, assinalada por G. Tarde (Lês lois de 1'imitation,Paris, 1895, p. 375), segundo a qual as normas estéticas, tal comoas normas éticas, têm às vezes aspecto negativo e são formu-ladas como proibições.

Os diversos cânones distinguem-se uns dos outros, comojá vimos, pela sua cronologia relativa. Mas essa distinção nãoé unicamente temporal, é também qualitativa, pois o cânoneé tanto mais facilmente compreendido quanto mais antigo,encontrando por isso menor oposição. Podemos, por isso, falarde uma autêntica hierarquia de cânones estéticos, em cujovértice se encontra o mais recente, o menos mecanizado emenos relacionado com outros tipos de normas; enquanto queos cânones mais antigos, mais mecanizados e mais integradoscom os demais tipos de normas se encontram na base. Maisadiante trataremos das relações da norma estética com asoutras. Impõe-se-nos a idéia de a hierarquia dos cânones esté-ticos estar em relação directa com a hierarquia das classessociais: a norma mais recente, que se encontra no cume, parececorresponder à classe social superior, e do mesmo modo aposterior graduação de ambas estas hierarquias parece sera mesma, de modo que a camadas sociais sucessivamente maisbaixas correspondem cânones sucessivamente mais antigos.Como esquema fundamental, de contornos aproximados, estaidéia tem certa justificação; mas não deve ser entendida dog-maticamente como incondicional prefiguração da realidade.

Antes do mais, não devemos esquecer que, para a relaçãoentre a morfologia social e a norma estética, não só é impor-tante a divisão da sociedade em classes (quer dizer: a estrati-ficação vertical) mas também a sua divisão horizontal, porexemplo: as diferenças de idades, de sexo, de profissão (").Todos os tipos da divisão horizontal podem exercer influêncianestes fenômenos: assim, por exemplo, a diferença de geraçãopara geração pode provocar que membros da mesma classesocial tenham gostos diferentes e que membros de classesdiferentes, mas da mesma idade, coincidam consideravelmentequanto a gostos. As diferenças de geração são também foco damaior parte das revoluções estéticas, mediante as quais osnovos cânones adquirem valor ou se vêem mudados de ummeio social para outro. Também é muito corrente a diferençaentre o gosto das mulheres e o dos homens, podendo por ve7.esocorrer que a acção estética das mulheres tenha caracterconservador em comparação com a dos homens — tal se dá.por exemplo, no meio folclórico- • c outras vesces dar-se ocontrário, sendo então as mulheres as [•JOftiidkwftS 4o gosto

progressista; veja-se o estudo de L. Schücking acerca da famí-Jíit como factor do desenvolvimento do gosto na literaturaírtjilesa do século XVIII, onde é assinalado o papel das mulhe-res no aparecimento da novela sentimental (citado da traduçãofwssa do livro A Sociologia do Gosto Literário, Leninegrado,l'*.'K). Mas também não é necessário que o gosto mais recente

ia relacionado com a camada superior da sociedade. Assim,j»»» exemplo, na Áustria do anteguerra e principalmente natf M .'.ia, a classe socialmente dominante era a aristocracia; masH nrte superior, da qual saiu a renovação da norma estética,( r s » domínio da burguesia.

• Ao mesmo tempo, a relação entre a hierarquia estética e ud" i.irquia social é irrefutável. Cada classe social e até cada«u. n i social (por exemplo, o campo e a cidade) tem o seui 'M, |> r ío cânone estético, que passa a ser um dos seus traços

p» característicos. Quando, por exemplo, um indivíduo passa'!• m mi classe baixa para outra mais elevada, esforça-se, geral-

• • antes de mais nada, por adquirir ao menos os sinaisi (ores do gosto dessa classe em que pretende ver-se inse-íjmtidanca estética no vestuário, na habitação, na conduta

Hpíite,). Visto que a modificação do autêntico gosto pessoal>!«» «xttemamente difícil, o gosto espontâneo é um dos1 » > .1 seguros, embora por vezes ocultos, da origem de

*Ie uma pessoa. Sempre que numa determinada colecti-: If manifesta a tendência para a eliminação da hierar-

««i t t f , essa tendência reflecte-se também na hierarquiaAssim, por exemplo, o intenso desenvolvimento

MíOS socialistas para a liquidação das classes nosd-. mios do século XIX foi conscientemente acom-|«ílo desenvolvimento do artesanato artístico, pelalie teatros populares e pelas tentativas de educaçãoN » > primeiro capítulo deste estudo já mencionámos

< correlação entre o desenvolvimento da indústriat* tt activação do artesanato artístico; mas ao

l » i > cxi- í i ía e experimentava-se a ligação às tendên-ovulvimenLo social. Já o inspirador dos esforços emttjfti estética J, Ru.sk i n. considerava os seus esforçosiííS1!* dê melhorar a sociedade (aperfeiçoamento da

. 4, eU,;,), r os seus .seguidores W. Morris e W. Crane, íj(* convicções socialistas. No III Congresso sobre

S. Waelzold pronunciou um discurso em§ «íiíguiníe passagem: «A nação está tão

H. njtlwenle quer na sua vida espiritual, queo (.infra mio há compreensão» — - e acreditava

i t f s C i c t » vif -ún u «.-orisoguir uma nova consolida-

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cão da sociedade (t8). Até aqueles propagandístas da educaçãoartística cujo ponto de vista não é socialista manifestam aopinião de que a arte e a cultura estética em geral devemservir como factores de união social; Langbehn, autor doescrito Rembrandí ais Erzieher, quer, por este caminho, trans-formar a nobreza, a burguesia e os camponeses alemães em«eine Adelspartei im hõheren Sinne». De par com o esforço deliquidar ou pelo menos atenuar a hierarquização social andatambém o esforço pelo equilíbrio do gosto, e isso ao mais alto

^nível: a norma estética mais recente, e portanto mais elevada,deve converter-se em norma de todos (l9)-

O desenvolvimento desta acção social, e ao mesmo tempoestética, verificou-se nos começos da revolução russa, épocaem que a vanguarda artística se uniu à vanguarda social. Mas,nos períodos seguintes da transformação social russa, surgiuum esforço no sentido de se encontrar o equivalente estéticoda sociedade sem classes na unificação do gosto a nível médio;os sintomas disso são, por exemplo, na literatura, o realismosocialista como regresso ao «clichê» pouco fresco da novelarealista, quer dizer: ao cânone mais antigo, que já se encontravaem considerável declínio; e, na arquitectura, o classicismo decompromisso. A relação entre a organização social e a esferadas normas estéticas não se esgota nem é unívoca — nemsequer no sentido de, a uma determinada tendência social(por exemplo, ao esforço de liquidação das diferenças declasse), dever corresponder sempre e em todas as circunstân-cias a mesma reacção na esfera estética: umas vezes, a tentativade igualização dos cânones efectua-se ao nível mais elevado;outras vezes dá-se uma aceitação geral do valor médio; e nou-tras ocasiões propõe-se (veja-se a nota acerca de Tolstoi) ageneralização arcaizante da norma estética do nível inferior.

A ligação entre a organização social e a evolução da normaestética é, evidentemente, indiscutível, assim como tem suajustificação o esquema do paralelismo entre as duas hierar-quias; este paralelismo só é incorrecto quando o concebemoscomo necessidade automática e não como simples base devariantes evolutivas. Regra geral, as normas estéticas, ao envelhecer e esgotar-se, descem também na escala da hierarquiasocial. Este processo é muito complexo, porque nenhuma dascamadas sociais é —por influência da estratifiçação horizontal — um meio homogêneo, e por isso se pode encontrar numasó classe, geralmente, vários cânones estéticos. Por exemplo,a esfera da classe social dominante não coincide, em geral,com a esfera da norma estética mais recente, nem mesim»quando a norma provém realmente dessa classe. Os portadores

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ila norma mais recente (quer como criadores artísticos queri orno público) podem pertencer à juventude, que está emoposição à geração adulta que se encontra no poder (oposiçãoessa que nem sempre~é apenas de caracter estético). Outrasvtíiíes, os portadores da norma de vanguarda são indivíduos11ue entraram em contacto com a classe dominante não pornascimento mas por educação e que procedem de camadasinferiores —como, por exemplo, Mácha na poesia checa e unsdecênios depois dele Neruda e Hálek C0)- Tanto num caso comonoutro — seja o da juventude contestatária ou o de indivíduosIHTiencentes a outras camadas sociais—, na própria classedominante surge, a princípio, uma oposição contra a novanorma; e só depois de se atenuar essa oposição se pode ela<-nverter em norma da classe realmente dominante. E assim

1101 leríamos continuar a passar em revista, através deste prismaÍB disposição dos cânones estéticos, as outras classes sociais.l m Iodas elas encontraríamos grande complexidade; poucosttf?'.»s encontraríamos em que o cânone estético se ligasse tão

<Mrt:ilamente a determinada formação social que tivesse dentroicí.t posição exclusiva ou não ultrapassasse os seus limites.j m exemplo do caso em que o cânone estético ultrapassa _p•feio ''em que tem raízes e intervém noutro meio vem mencio-líufd no artigo de R. Jakobson e P. Bogatyriev «Die Folklorei!-, fine besondere Form dês Schaffens» (Donum natalicium•líiiijnen, 1929): nos círculos cultos russos dos séculos XVI

JÇVTI cultivava-se ao mesmo tempo a literatura e o folcloreKitráí ío, cuja origem era, claro está, o ç^mpo. No entanto,!>*!«» desta complexidade, o esquema do movimento descen-!• rití1 tias normas estéticas caducas pelos degraus da hierarquia

> > a e social continua a ser válido.M ti s, com essa descida, a norma não perde o seu valor

i».! mi forma real e irreparável, visto que, em geral, a camadartor não a adopta passivamente, antes a recria activamenteiwlii io da tradição estética do meio e do conjunto totalti}«)íi de normas válidas nele. Sucede também, por vezes,j. i.anone que já desceu ao mais baixo nível se eleva repen-

até ao próprio foco dos processos estéticos e sebem entendido que com novo aspecto— numa

ji Jovem e actual. Este processo é freqüente, principal-íl <!,t arte dos nossos dias: encontramos exemplos dele no

; «Contradições dialécticas na arte moderna» (Listy prókritiku — Revista.de arte e crítica, 1935). Neste sen-

portanto falar de circulação das normas es-

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Mas há outro ponto importante que não deve ser esque-cido num estudo sociológico das normas estéticas. É a relaçãoque existe entre a norma estética e as outras normas. Atéaqui, temos raciocinado como se a norma estética entrassesozinha ern contacto com a colectividade, sem levar em contaa totalidade dos tipos de normas reconhecidas nessa colecti-vidade como critérios dos mais diversos valores. Adaptámosesta limitação metodológica a fim de simplificar a explicação.Na realidade, não há barreira intransponível a separar a normaestética das outras normas. Devido à proximidade entre elas,são característicos os casos em que a norma estética se con-verte noutra vice-versa. Assim a norma ética, realizada numromance pela contradição entre o herói bom e o herói mau,converte-se — como parte da estrutura poética — numa normaestética, e, com o tempo, transforma-se num «clichê» que jánada tem a ver com o valor ético autêntico e pode até serconcebido como cômico. Na actual arquitectura funcional,que repudia todo e qualquer critério estético, as normas prá-ticas (por exemplo higiênicas, etc.) acabam por ser, na medidaem que se integram na obra e às vezes apesar da vontade doarquitecto, também normas estéticas. Também podemos indi-car casos contrários, de normas estéticas que se convertemem normas extra-estéticas: assim, um fenômeno lingüísticoinsólito (por exemplo, uma inversão da ordem das palavras ouum grupo de palavras lexicalizado), que surge numa obrapoética por motivos estéticos, pode depois passar à linguagemnão poética, comunicativa, e acabar por fazer parte da normalingüística da comunicação. Algumas deformações da ordemdas palavras, utilizadas por Mallarmé, convertem-se com otempo em recursos estilísticos da linguagem escrita não poé-tica, como atesta a frase do poeta Cocteau (Lê secret projes-sionnet): «Stéphane Mallarmé influi actualmente no estilo daimprensa diária sem que os jornalistas dêem conta disso».

Os estreitos contactos entre a norma estética e as outrasnormas permitem incluí-la na esfera da totalidade das normas.Por isso, ao tratar das relações entre a norma estética e aorganização social, não devemos omitir a circunstância de senão tratar de um contacto entre dois fenômenos isolados (istoé, entre a norma estética e uma determinada componente dacolectividade) mas sim do estabelecimento de uma relaçãomútua entre dois sistemas completos: a esfera (ou, melhordizendo: a estrutura) das normas e a estrutura da sociedade,para a qual as normas dadas constituem o conteúdo da cons-ciência colectiva. O modo como a norma estética estiver rela-cionada com as outras normas e incluída na sua estrutura

í^tal determina, assim, em, considerável medida, a sua relação* p» as demais formações sociais. Ao estudar a sociologia daf firma estética temos de formular duas perguntas: a primeira«ptre-se à estreita relação da norma estética com as outras>||rmas; a segunda, à sua posição de subordinação ou de««Ijperioridade no conjunto de todas as normas. As respostas«pfo diferentes, conforme os diversos meios sociais. Come-

• p«mos por esclarecer a primeira dessas duas questões, refe-tptte à intensidade da integração da norma estética entre as«loiras; como exemplo, oporemos um ao outro dois tipos de•Étextos de normas, correspondentes a dois meios sociais

'Hppentes; por um lado, o contexto válido apenas para a classeIpltí culturalmente dominante, criadora dos valores e normastitfurais, e, por outro, aquele que corresponde ao meio social

ffi tdor da cultura folclórica. Quanto à nossa questão, são|p meios realmente contraditórios.| 5 meio no qual as normas se constituem permite neces-

inente que a relação entre elas seja relativamente livre,que é a liberdade que faz possível o intenso movimento

llivo das várias normas. Com a autonomia da normaíca se relaciona também neste meio o direito do autor,jjiftcido em considerável medida pela sociedade, de defor-Íͧ esfera da arte outras normas além da norma estéticaÉS»mplo, as normas éticas), quando elas funcionam comotementes da estrutura artística, isto é, esteticamente; poríllftbém a chamada arte de «boulevard», quer poéticaplástica, costuma empregar a função estética para ocultarjpvfunções não toleradas pela sociedade. Libertando-se

'filio estética da sua ligação às outras, é natural que a||<g§tética evolua rapidamente e sofra mudanças violentas.Wifttrário, num meio portador de cultura folclórica real-

mlterada (como, por exemplo, no nosso país, o meioi Rússia Transcarpática), os diversos tipos de normasátt-se ligados muito estreitamente e constituem umal coerente, segundo observa a moderna investigação

ítea baseada nas teses de Lévy-Brühl, Durkheim et. ttóres (ver o trabalho do etnógrafo russo P. Bogatyriev,í iiactamente de material recolhido na Rússia Trans-ir l). Graças a esta união, a norma estética é muito menoss fio, meio folclórico que em outros, e às vezes conserva-

tilt séculos inteiros sem modificações apreciáveis.s^iégrafos até deduziram deste facto uma tese exage-|É!p0 a qual «o-povo não produz, apenas reproduz».

1ÍÜÍ afirmação está correcto, no que à norma respeita,de que o meio folclórico não cria a sua

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norma, antes a adopta -da esfera estética -- particularmenteda arte— da classe dominante. Esta razão, no entanto,não basta para negar originalidade estética à produção po-pular. Pelo contrário, a etnografia moderna demonstrou quea diferença entre o folclore autêntico e a produção indus-trializada de objectos de folclore (a indústria de arte popular)consiste precisamente no facto de a produção industrialser esquematizada e de a criação popular autêntica (porexemplo, os ovos da Páscoa ou os bordados) ser infinita-mente variada e matizada. Mas essa variedade tem o ca-racter de mera variante da norma, não de uma sua violaçãocontínua. A imobilidade da norma estética no folclore temorigem, como dissemos, na sua integração no sistemaglobal das normas: no meio folclórico a união mútua entrenormas é tão estreita que umas estorvam o movimento deoutras (21). Nisso se diferencia claramente o meio folclóricode outros meios, particularmente daquele que é o criador dasnormas e dos valores culturais, de que tratámos acima. Estáclaro que esta diferença tem considerável alcance para a carac-terística das suas formações sociais mencionadas, e que aquestão da união mútua de diversos tipos de normas é im-portante também para a sociologia da norma estética.

No entanto, mencionámos atrás outra questão importantepara a avaliação sociológica das relações entre a norma es-tética e outras normas. É a questão de saber se, num dadomeio social, a norma estética tende a dominar as outrasou se, pelo contrário, apresenta tendência para a subordina-ção no quadro do sistema total das normas. Também aquirecorreremos ao exemplo comparativo de dois meios, destavez o meio culturalmente dominante (como no exemplo an-terior) e o meio popular não folclórico, isto é, o meio popularurbano tal como no nosso país cristalizou na primeira metadedo século passado em simultaneidade com o desenvolvimentodas cidades — em especial das grandes. Do ponto de vista daunião de vários tipos de normas, estes dois meios não se distinguem fundamentalmente um do outro: em ambos é muitomais livre a ligação entre normas que no folclore. Pelo contrário, diferenciam-se quanto à inserção hierárquica da normaestética. No meio culturalmente dominante —pelo menos noactual, tal como o conhecemos por experiência própria— ,a norma estética adquire com muita facilidade a supremaciasobre as outras: por exemplo, as flutuações da arte-pela-arirque, começando no século passado, apareciam insistentementenas mais diversas correntes artísticas (por exemplo, na literatura francesa do período realista na obra de Flaubert e pouco

tiepois nas obras dos simbolistas), e as paralelas flutuaçõesdb pan-esteticismo fora da arte. Trata-se, naturalmente, deUina mera tendência para a supremacia da função estética eUto de um predomínio real e duradouro. Outras vezes levanta-«ie uma resistência contra o predomínio da função estética,Itsistência que, precisamente pela sua intensidade, dá teste-Ilunho da força da tendência a que se opõe. Ora, em contra-jRirtida, na camada popular prevalecem, em geral, sobre apMÇão estética e sobre a norma estética, outras normas,íjü$mo em criações que podemos considerar como arte; atíprma suprema da «mais modesta das artes» (expressão deJfeCapek) não é a mesma estética. Acerca da arte plástica popu-

§escreve J. Capek com razão Moliri z lidu (Pintores do povo),livro Nejskromnejsí umení (A mais modesta das artes), com-

f||lnuido-a cora a arte superior: «As grandes estátuas e os gran-ffc* quadros reclamam a nossa admiração, exprimindo de ma-Íí||ea suprema a beleza e o poder do mundo e da vida. A arteífttit modesta, de que quero falar, também os invoca: quer

«•esentar de forma pura as coisas úteis, necessárias ao ho-ft; está impregnada de devoção ao trabalho e à vida e entree outra conhece também as obrigações e as alegrias; não se

«ade1 elevadas metas, antes realiza a sua modéstia de umapira pura e comovedora, e isso é já urn mérito considerável,í* apenas ser um intermediário entre as coisas de uso||díano e o homem; e a sua linguagem, ainda que pobre

f Nleo pretensiosa, tem rara graciosidade e fervor silencioso,ftttral e é autêntica». É evidente que, sobre a norma esté-f sobre a função estética, prevalecem, na arte popular

ii*iay|0ilclórica, outras funções e outras normas — em parti-lk$ utilitárias («representar as coisas úteis») e em parteto as emocionais («maneira pura e comovedora»). É napopular urbana que o aspecto emocional alcança claroftíínio sobre o aspecto estético: «Maria não canta que» quer e vão casar dentro de um ano, mas sim que o

'••: olhos azuis anda atrás de outra. Enquanto esfregai o,- ela não canta que quer dar um passeio pela Stro-mas sim que deseja estar nada mais nada menos que

iimba escura... No fundo, Maria não é um ser profun-e melancólico; pelo contrário, mais parece dada a chis-

• incadeiras. Então, querendo elevar-se a mais altas esfe-<lsso consiste, ao fim e ao cabo, a tarefa mais importante

»#ftía e da música), eleva-se à esfera dos sentimentos tristesIJIliRSoladores: nada a enobrece tanto como imaginar-se

^ÉXão com uma coroa de flores na cabeça» (K. Capek,prazského (Canções do Povo praguês, ed. Marsyas).

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A excitação emocional, não como reacção imediata à realidademas como pura função do objecto, isto c, da canção cantada,domina, portanto, na poesia popular das cidades; e a normaemocional prevalece, nela, sobre a norma estética: quanto maiscomovente a canção, maior o seu valor. Para a diferença entrea hierarquia das normas na poesia popular e na poesia supe-rior é característica a transformação que se verifica quandoa forma da poesia popular urbana penetra na prosa escrita:a sua norma emocional muda imediatamente de substância econverte-se em estética (ver o artigo acerca de Vítezslav Hálekem S/ovo a slovesnost, I, 1935). A diferença entre a supremaciada função estética e a sua subordinação corresponde, portanto,à diferença social entre a camada que é portadora dos pro-cessos culturais e a camada popular urbana.

Acabamos de esclarecer, em traços gerais, a sociologia danorma estética. Verificámos que a maneira de abordar o pro-blema da norma estética de um ponto de vista sociológiconão é apenas uma das formas possíveis ou laterais: juntamentecom o aspecto noético do problema, é uma necessidade fun-damental, pois permite averiguar em pormenor a contradiçãodialéctica entre a variabilidade e a multiplicidade na normaestética e a sua pretensão de invariabüidade incondicional.Assinalámos, além disso, que, provindas da arte daquela classesocial que é portadora dos processos culturais, as normasestéticas renovam-se continuamente: as mais antigas descem,geralmente, na escala da hierarquia social e, freqüentemente,tendo alcançado o nível mais baixo, voltam a elevar-se repen-tinamente e a penetrar na arte da classe culturalmente domi-nante. Isto, claro, não é senão um esquema geral que no pro-cesso real se complica, tanto pelas influências da estratifica-ção horizontal da sociedade como pela variabilidade das rela-ções existentes entre a norma estética e as demais normas-variabilidade que depende da solidez da união recíproca

entre os vários tipos de normas e da sua hierarquização.O próprio esquema geral, e ainda mais as suas complicações,dite testemunho do racto de a norma estética não dever serconcebida como regra que funcione a prior i e de não podermedir com exactídlo de máquinas as condições óptimas doprowtr estético, itmdo antes uma energia viva que com todaa tmiltifamtUkcti:* d.»'» suas manifestações —e precisarnenl»mtódlttíUfí «MS» RtuUtforntidade— organiza a esfera dos fenotiwno?* eitétieoi «s 4<*wrttttaa a direccão do seu processo. PotI . U H - . . H i « to , . u t l n u á j* pcwilblJMade de haver uma norma eslétki* g* trt!rtif*Htó vátttíl tf a, prior i seja uma possibilidade ilusérí» •••"»« já ipê «i f»ftntíff»t<'« ttíitropoíógicos do ritmo, da simo

tria, etc., apesar da sua grande importância para a noéticaestética, não são normas estéticas ideais—, resulta que anorma estética existe e actua realmente e que o reconheci-mento da sua variabilidade não implica, de nenhum modo,o não reconhecimento da sua importância e muito menos anegação da sua existência.

Í.

Tendo analisado a função estética e a norma estética,vamos agora estudar o valor estético. À primeira vista, podelia parecer que a problemática do valor estético ficou esgo-tada no estudo da função estética, ou seja, da força que criat» valor, e no estudo da norma estética, que, é a regra com qued avaliamos. Mas já nos dois capítulos antecedentes assina-lamos que:

1. A esfera da função estética é mais ampla que a esferavalor estético no sentido estrito da palavra, pois que, nos

"9$ em que a função estética apenas acompanha outra fun-a questão do valor estético é. também secundária na ava-

10 da acção ou objecto dados;2. O cumprimento da norma não é uma condição indis-

tével do valor estético, especialmente onde este valor pre-lína sobre os outros — quer dizer: na arte.

Disto se depreende que a arte é a esfera própria do valornlélíco, pois é ela a esfera privilegiada dos fenômenos esté-*,'$$. Enquanto, fora da arte, o valor se subordina à norma,Ijíii é a norma que se subordina ao valor: fora da arte, oiii)i|>rtmento da norma é sinônimo de valor, mas, na arte,i v u m a é freqüentemente violada — e, mesmo quando é res-

i t ta t la , o seu cumprimento é um recurso e não um objectivo.1) cumprimento da norma produz o prazer estético; mas

vi>|t>r estético, ao mesmo tempo que o prazer, pode tambémK lua fortes elementos de desagrado sem que a sua ihtegri-rtift -mjá por isso afectada; veja-se F. W. J. von Schelling,i hrifttitt zur Philosophie der Kunst, Lepzig, 1911, p. 7: «Inifw vmhren Kunstwerk gibt es keine einzelne Schõnheit, nurN* díUKtí ist schõn». A aplicação da norma estética subordinaMI > UNO Individual à regra geral e diz respeito a um só aspectoM « i l . j r i to, à sua função estética, que não tem de ser, necessa-rtnipatt*, dominante. Em contrapartida, a avaliação estética

t O fenômeno em toda a sua complexidade, já que todas

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