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ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO CEARÁ Curso de Especialização em Direito Constitucional Wotton Ricardo Pinheiro da Silva A INEFICÁCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO FRENTE À LEI N.º 7.210/84 EM MUNICÍPIOS INTERIORANOS: UMA REALIDADE DE IGUATU FORTALEZA – 2008

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ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO CEARÁ Curso de Especialização em Direito Constitucional

Wotton Ricardo Pinheiro da Silva

A INEFICÁCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO FRENTE À LEI N.º 7.210/84 EM MUNICÍPIOS INTERIORANOS:

UMA REALIDADE DE IGUATU

FORTALEZA – 2008

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Wotton Ricardo Pinheiro da Silva

A INEFICÁCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO FRENTE À LEI N.º 7.210/84 EM MUNICÍPIOS INTERIORANOS:

UMA REALIDADE DE IGUATU

Monografia apresentada à Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Constitucional. . Orientador: Prof. Dr. José Filomeno de Moraes Filho.

FORTALEZA – 2008

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Wotton Ricardo Pinheiro da Silva

A INEFICÁCIA DA RESSOCIALIZAÇÃO DO APENADO FRENTE À LEI N.º 7.210/84 EM MUNICÍPIOS INTERIORANOS:

UMA REALIDADE DE IGUATU Monografia apresentada à Escola Superior da Magistratura do Estado do Ceará (ESMEC) como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Direito Constitucional do Curso de Especialização em Direito Constitucional. Monografia aprovada em: 19 / 12 / 2008. Orientador: __________________________________________________

Prof. José Filomeno de Moraes Filho – Dr.

1º Examinador: ________________________________________________

Prof. Marcelo Roseno de Oliveira – Ms.

2º Examinador: _______________________________________________

Prof. Flávio José Moreira Gonçalves – Ms.

Coordenador do Curso:

____________________________________________

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À minha família, parentes, amigos que me

ajudaram com estímulo e me incentivaram

nessa etapa de minha vida, sem os quais

nenhum esforço teria sentido.

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AGRADECIMENTOS

Desejo manifestar minha gratidão a Deus, que com seu poder

infinito permitiu-me à realização de mais uma conquista.

Ao professor orientador Dr. José Filomeno de Moraes Filho, pela

postura equilibrada e pela atuação inteligente e criteriosa com que me

orientou, sugerindo e interagindo na construção desta monografia.

A todos os professores do Curso de Especialização em Direito

Constitucional, pelas sábias reflexões que nos ajudaram a compreender

melhor a realidade.

A todos que direta ou indiretamente me ajudaram a tornar mais um

sonho em realidade.

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“Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito a segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.”

Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art. XXV, I)

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RESUMO

A Lei n.º 7210/1984 representa um marco histórico em nosso Direito Penitenciário. Ela como instrumento legal moderno e avançado estabelece as normas fundamentais que regerão os direitos e obrigações do condenado durante a execução da pena e tem como objetivo a reeducação e ressocialização do apenado. O presente trabalho tenta demonstrar a ineficácia da aplicabilidade da Lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984, também conhecida como Lei das Execuções Penais ou simplesmente (LEP) no que diz respeito à ressocialização dos presos em nosso país, usando como parâmetro observação in loco realizada na Cidade de Iguatu-Ceará, apesar de tal falência ser algo perceptível no dia-a-dia do cidadão comum, em qualquer parte deste país. Na realidade, discuto o quanto se encontra dissociada de sua premissa básica referida lei que, apesar de bem elaborada e de cunho notadamente de vanguarda destoa em relação a um sistema carcerário e prisional completamente arcaico, carcomido pelo tempo e pela falta de estrutura e incentivo por parte dos órgãos governamentais e pela própria inércia e apatia social, fatores determinantes para o malogro da tão pretendida ressocialização e que só fere e humilha a dignidade não só dos reclusos, mas de todos nós. Palavras-chave: Execução Penal. Sistema carcerário. Ressocialização. Ineficácia.

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ABSTRACT

The Law n.º 7210/1984 represents a historical mark in our Penitentiary Right. Her as modern and advanced legal instrument establishes the fundamental norms that govern the rights and the convict's obligations during the execution of the feather and aims at the rehabilitation and resocialization of only. The present work probe to demonstrate the inefficacy of the applicability of the Law n.º 7.210, of july 11, 1984, also known as Law of the Penal Executions or simply (LEP) in what he/she tells respect the prisoners resocialization in our country, using as parameter observation in loco accomplished in the City of Iguatu-Ceará, in spite of such bankruptcy to be something perceptible in the common citizen's day by day, in any part of this country. In the reality, I discuss him/it as one find dissociated of his/her premise referred basic law that, in spite of well elaborated and of stamp especially of vanguard sounds out of tune in relation to a prison system and prisioners completely archaic, gnawed by the time and for the structure lack and incentive on the part of the government organs and for the own inertia and social apathy, decisive factors for the failure of the so intended resocialization and that it only hurts and it humiliates the dignity not only of the reclusive ones, but of all of us. Key Word: Penal execution. Prison system. Resocialization. Inefficacy.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AIDS - Acquired Immunodeficiency Syndrome

CNJ - Conselho Nacional de Justiça

CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

CPI - Comissão Parlamentar de Inquérito

DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional

DOU - Diário Oficial da União

ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente

EUA - Estados Unidos

LEP - Lei de Execuções Penais

OAB - Ordem dos Advogados do Brasil

PPP - Parceria Público-Privada

PRIC - Penitenciária Regional do Cariri

PRONASCI - Programa Nacional de Segurança com Cidadania

RDD - Regime Disciplinar Diferenciado

SIDA - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

TJDFT - Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios

URCA - Universidade Regional do Cariri

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……………………………………………….…………............

1 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL- BREVE HISTÓRICO………..……

1.1 Natureza jurídica da execução penal……………………………...…..

1.2 A reforma da Lei de Execução Penal……………………………..…..

2 DA ASSISTÊNCIA AO PRESO……………………………………..…..

2.1 Da assistência material………………………………………………..…

2.2 Da assistência à saúde………………………………………………..…

2.3 Da assistência jurídica………………………………………………..….

2.4 Da assistência educacional………………………………………….….

2.5 Da assistência social………………………………………………….….

2.6 Da assistência religiosa……………………………………………….…

3 DIFICULDADES DE ORDEM PRÁTICA……………………………....

3.1 Da ressocialização…………………………………..……………………

3.2 Seria a Privatização a Solução?..................................................

CONCLUSÃO……….…………………………………………………………....

REFERÊNCIAS…………………………………………………………………...

APÊNDICES…………………………………….………………………….. …….

ANEXOS………….…………………………………………………………. …….

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INTRODUÇÃO

Certa vez Durkheim escreveu que o crime é necessário a

sociedade e que jamais existirá uma sociedade sem crime, pois o mesmo,

de certa forma, é uma espécie natural de controle e só não mais existirá

quando o próprio criminoso achar que o seu gesto é errado, que contraria as

normas sociais nas quais o mesmo deve estar enquadrado.

Afora esta profunda avaliação psico-sociológica escrita por

Durkheim, o certo é que, a partir do momento em que o homem necessitou

da proteção de um ente (Estado) para regular as suas ações, teve que

pagar alto preço por tal escolha, submetendo-se a regras, conceitos e

julgamentos sociais que regem comportamentos de padrões morais, sociais

ou jurídicos. A transgressão de tais regras sujeita o individuo a sanções de

natureza moral e/ou jurídica.

O homem, como ser social por natureza, desde os primórdios

mantém relações em sociedades, tribos, comunidades etc. E pelo fato de

ser plural, bem como por ser um animal movido por emoções, sempre houve

conflitos em sociedades, desde as mais primitivas até as mais organizadas.

Inicialmente, quando não havia a “figura” do Estado, o modo de se aplicar a

justiça era através da vingança privada, porém, com a evolução humana,

houve a organização do homem e a necessidade conseqüente do

nascimento do Estado, como mostra Beccaria (2002) ao dizer que os

homens, apesar de gozar de plena liberdade, não podiam usufruir da mesma

com plenitude, pois viviam em constante alerta.

Em virtude disso, o homem preferiu ceder parte dessa liberdade,

antes tida como plena, para obter segurança e tranqüilidade em sua vida

cotidiana. A partir de então originou-se um Estado soberano, que fora

colocado como único e legitimado para administrar a justiça.

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Desde então, os crimes se dividiram em públicos e privados. Os

primeiros eram punidos com penas corporais cruéis e os privados,

reprimidos pela vítima ou família. Posteriormente, o direito de punir passou

a ser exclusivamente do Estado, mas ainda havia as penas corporais que,

aos poucos, foram transformando-se por não serem mais efetivas e não

suprirem mais o interesse do Estado, tal como se depreende nas palavras

de Foucault:

No fim do século XVIII e começo do século XIX, a despeito de algumas grandes fogueiras, a melancólica festa da punição vai-se extinguindo. [...] A punição pouco a pouco deixou de ser uma cena. E tudo o que pudesse implicar de espetáculo desde então terá cunho negativo; e como as funções da cerimônia penal deixavam pouco a pouco de ser compreendidas, ficou a suspeita de que tal rito que dava um “fecho” ao crime mantinha com ele afinidades espúrias: igualando-o, ou mesmo ultrapassando-o em selvageria, acostumando os espectadores a uma ferocidade de que todos queriam vê-los afastados, mostrando-lhes a freqüência dos crimes, fazendo o carrasco se parecer com o criminoso, os juízes aos assassinos, invertendo no último momento os papéis, fazendo do supliciado um objeto de piedade e de admiração. (FOUCAULT, 1999, p. 12).

Observa-se ante o exposto que o fim dos suplícios ocorreu muito

mais pela inconveniência da manutenção dos mesmos para o Estado do que

por influências humanistas. Dessa forma, coube ao Estado pensar em um

meio de disfarçar a crueldade do sistema punitivo, dando-lhe outra forma,

como mostra Foucault (1999) ao dizer que na segunda metade do século

XVIII houve inúmeros protestos contra os suplícios, de forma que se fez

necessário distanciar a proximidade do Estado e do supliciado no momento

da punição, tendo em vista que esse modo de punir tornou-se inaceitável

pelo povo, que passou a enxergar o suplício como um revoltante ato de

tirania.

O filósofo francês correlaciona a prisão aos castigos corporais, ao

longo do tempo, dizendo que:

O poder sobre o corpo, por outro lado, tampouco deixou de existir totalmente até meados do século XIX. Sem dúvida, a pena não mais se centralizava no suplício como técnica de sofrimento; tomou

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como objeto a perda de um bem ou de um direito. Porém, castigos como trabalhos forçados ou prisão – privação pura e simples da liberdade – nunca funcionaram sem certos complementos punitivos referentes ao corpo: redução alimentar, privação sexual, expiação física, masmorra. Conseqüências não tencionadas, mas inevitáveis da própria prisão? Na realidade, a prisão, nos seus dispositivos mais explícitos, sempre aplicou certas medidas de sofrimento físico. A crítica ao sistema penitenciário, na primeira metade do século XIX (a prisão não é bastante punitiva: em suma, os detentos têm menos fome, menos frio e privações que muitos pobres ou operários), indica um postulado que jamais foi efetivamente levantado: é justo que o condenado sofra mais que os outros homens? A pena se dissocia totalmente de um complemento de dor física. Que seria então um castigo incorporal? (FOUCAULT, 1999, p. 18).

A prisão só aparece com o caráter de pena em meados do século

XVIII, pois embora esse instituto já existisse na Idade Média, o era adotado

com caráter custodial, onde as pessoas eram postas antes de serem

julgadas, mutiladas ou executadas publicamente. Contudo, nesse período,

já começa a aparecer a função de detenção de inimigos do Estado e a

prisão eclesiástica que, “por ter preceitos mais humanitários”, acabaram por

contribuir para a idéia de correção e reabilitação do indivíduo infrator.

Dessa forma, na Idade Moderna, o Estado teve que pensar em

outro meio de se fazer presente e punir os delinqüentes. A partir dessa

conjuntura, das teorias do Direito Canônico e do novo panorama da

sociedade, surgiram as casas de correção com a finalidade de reformar o

infrator através de um regime disciplinar rígido, onde o detento tivesse que

trabalhar.

Observa-se, assim, que as casas de correção na verdade não

pretendiam reformar os detentos, mas usá-los como força de produção não-

remunerada, atingindo o interesse capitalista do Estado, que legitimava o

trabalho forçado com o discurso da punição.

Na Idade Contemporânea surgiram diversas escolas com suas

teorias acerca da prisão, dentre elas podemos citar a escola correcionalista,

que dissertava sobre a sua função ressocializadora da prisão sobre o

indivíduo outrora corrompido para reintegrá-lo à sociedade de maneira sã.

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12 Para eles, nas palavras de Prado:

Ao Estado cabe a função de assistência às pessoas necessitadas de auxílio (incapazes de autogoverno). Para tal, o órgão público deve atuar de dois modos: a) restringindo a liberdade individual (afastamento dos estímulos delitivos) e b) corrigindo a vontade defectível. O importante não é a punição do delito, mas a cura ou emenda do delinqüente. (PRADO, 2005, p. 94).

Tourinho Filho (2001) é claro, ao dizer em sua obra sobre a

necessidade de um Estado interventor, que julgue os conflitos como único

administrador da justiça e que detenha a pretensão punitiva, disserta que se

as próprias partes dos conflitos resolvessem a lide em questão pelo uso da

força haveria abusos. A ausência de um poder moderador geraria na

sociedade, além do temor, a incerteza da punição, e, havendo esta, uma

possível desproporcionalidade entre a pena e o delito.

Vê-se assim que a convivência em sociedade, sempre turbulenta

em seu anseio por uma estabilidade e um poder maior no qual pudesse

confiar, criou o Estado com o intuito de atender as suas necessidades e

julgar os conflitos de forma proporcional, eqüitativa e imparcial (pois no

momento em que o mesmo surge como único titular do direito de punir,

surge a pseudo-sensação de confiança num julgamento) e de segurança.

Porém, o Estado ao nascer se corrompeu e desde os primórdios tem usado

a ferramenta punitiva a seu favor ao invés de usá-la a favor da sociedade

em busca de cumprir a finalidade social do poder monopolista da pretensão

punitiva.

É interessante observar-se as regras e padrões estabelecidos pelo

Estado Moderno no sentido de tentar recuperar os transgressores das

normas de conduta, a chamada “ressocialização do preso”, perfeitamente

exposta em legislação esmerada e de cunho bastante avançado, tal qual a

Lei das Execuções Penais – Lei n.º 7.210/84. Mais interessante ainda é

falar em ressocialização de um modo tão amplo para um grande contingente

de presos que, em sua grande maioria, nem ao menos chegaram a ser

socializados, na acepção ampla do termo, já que se encontra privada dos

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13 mais elementares direitos a que um ser humano possa ter para ser

considerado como cidadão.

Assim, uma pergunta que se faz constante para o intróito desta

obra e que, certamente, trará muitas outras indagações relacionadas, vem a

ser o fato de como aplicar plenamente a lei das execuções penais a presos

que, mesmo quando livres, não tiveram oportunidade e acesso as ações

mais básicas e elementares que a nossa Carta Magna promulga a todos os

cidadãos? Qual a decorrência de uma política tão desinteressada, e porque

não dizer “desastrada” dos Órgãos Públicos em relação a um contingente

tão significativo de presos e qual o reflexo dessa omissão sobre os próprios

familiares do recluso? Creio que com apenas tais indagações muito se

tenha a analisar e a perquirir acerca dos fatores que fazem com que o

índice de recuperação de presos em Iguatu/CE, e certamente em todo o

país, seja quase inexpressivo.

Com efeito, vive-se na busca e no aperfeiçoamento de um Estado

Democrático de Direito aflorado pela nossa Carta Política em vigor que em

seu inciso III, do artigo 1º elege a dignidade da pessoa humana como um

dos seus fundamentos.

Ora, os artigos subseqüentes da Constituição vigente, ou seja, os

artigos 2º, 3º e 4º, formam a sua base principiológica e, harmonicamente,

seguem no caminho de forçar a valorização do ser humano, valorização

essa que não pode ser alcançada com repúdio ou desrespeito as normas

constitucionais assim estabelecidas.

Com efeito, nesse sentido reza a inteligência do artigo 3º:

Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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No mesmo sentido, assim expressa o artigo 4º:

Art. 4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; IV - não-intervenção; V - igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz; VII - solução pacífica dos conflitos; VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; IX - cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político.

Com a presente monografia, tentar-se-á demonstrar aquilo que já

é do conhecimento público, notadamente dos operadores do Direito e dos

que, de forma mesmo indireta, tenham sentido a aplicação por parte do

Estado de pena ou medida corretiva segregatória de liberdade para, ao

final, partindo de um caso prático, demonstrar a ineficácia quase que

completa dos meios corretivos (correcionais) aplicados pelo Estado no

sentido de tentar ressocializar aos que infringem a lei.

Tentar-se-á demonstrar ainda que tais métodos, além de pouco

produtivo acarreta em flagrante desrespeito as prerrogativas do ser humano

e afronta aos direitos fundamentais estampados na Constituição e nos

tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário.

No entanto, deve ficar patente que este pequeno escrito

monográfico não faz qualquer espécie de apologia a impunidade ou

incentivo ao crime (fato típico e antijurídico), muito pelo contrário, pois como

se tem chance de demonstrar em trabalhos rotineiros, notadamente em

despachos exarados, nem ao menos partidário da concepção do princípio da

inocência da forma como o mesmo é absorvido pela Legislação, ou seja,

com uma acepção tão ampla em sua plenitude, em todas as esferas do

Poder Judiciário, devendo, ser recepcionado da forma como o é, somente

em relação ao primeiro grau de jurisdição.

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Na realidade, e por incrível que pareça, em primeira análise,

entendo que o maior mal da nossa sociedade hodierna vem justamente da

“frouxidão” das nossas leis, da quase certeza da impunidade ou mesmo do

fato da falta de preparo e estrutura da nossa polícia e do Poder Judiciário

em realizar um bom e célere trabalho e, de forma efetiva, dar uma resposta

a sociedade e nos moldes ao que celebra a legislação pertinente,

notadamente em relação a execução penal.

Claro que não se pode em momento algum se descuidar do lado

social. Seria infantilidade dizer o contrário. O que se quer dizer realmente é

que para que o problema seja atacado de frente, e pelo menos amenizado a

situação da violência e do sistema carcerário neste país, necessário se faz

um ataque nas duas linhas, ou seja, maciço investimento no setor social e,

em contrapartida, leis mais severas. Não necessárias mais altas, mas com a

certeza de seu cumprimento por parte do apenado.

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16 1 DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL - BREVE HISTÓRICO

Não se pode começar a discorrer sobre a deficiência da estrutura

repressiva do Estado, notadamente em relação aos apenados que tiveram

sentença com trânsito em julgado, sem se ater aos preceitos da Lei n.º

7.210, de 11 de julho de 1984, conhecida como Lei das Execuções Penais

ou simplesmente por LEP, e que objetiva, conforme o estabelecido no

próprio artigo 1º do referido dispositivo legal a “[...] efetivar as disposições

de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica

integração social do condenado e do internado.”

Na tentativa de uma melhor compreensão e elaboração acadêmica

do tema, reporta-se, ou melhor, transporta-se um pouco ao passado para

uma curta análise e comparação quanto ao que se refere a aplicação da

pena há alguns séculos atrás e sua aplicação nos dias de hoje em nosso

país.

Observe-se que inicialmente o Direito Penitenciário era disposto

dentro do Código Criminal do Império de 1830 que por sua vez era inspirado

em leis penais européias e oriundas dos Estados Unidos, além dos novos

pensamentos das escolas penais.

Em 1933 o jurista Cândido Mendes de Almeida presidiu comissão

com vistas a elaborar o Primeiro Código de Execuções Criminais da

República. O projeto previa dentre outras medidas a individualização e

distinção do tratamento penal, como, por exemplo, no caso dos toxicômanos

e de outros psicopatas, a criação de colônias penais agrícolas, da

suspensão condicional da execução da pena e do livramento condicional,

mas com a instalação do regime do Estado Novo, em 1937, o parlamento foi

suprimido e o projeto do código não foi discutido (ASSIS, 2007, on line).

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No ano de 1951 o então Deputado Carvalho Neto foi o responsável

pela produção de um projeto sobre normas gerais de Direito Penitenciário,

mas que também não se tornou Lei. Foi então que em 1957 foi sancionada a

Lei n.º 3.274 que estabelecia normas gerais do regime penitenciário, mas

devido as suas deficiências foi elaborado pelo Professor Oscar Stevenson, a

pedido do então ministro da justiça à época o projeto de um novo Código

Penitenciário que tratava a execução penal distinta do Código Penal

(ASSIS, 2007, on line).

Em 1962 o Jurista Roberto Lyra elaborou o primeiro anteprojeto de

um Código de Execuções Penais, bastante inovador em determinados

aspectos, pois dispunha sobre questões relativas às detentas e preocupava-

se com a legalidade na execução de pena privativa de liberdade (ASSIS,

2007, on line).

No ano de 1970 o Professor Benjamin Moraes Filho com a

colaboração de juristas como José Frederico Marques apresentou projeto

que dispunha sobre as regras mínimas para o tratamento de reclusos, logo

após veio outro projeto de autoria de Cotrim Neto que dentre outras

inovações tratava das questões da previdência social e do regime de seguro

contra os acidentes de trabalho sofridos pelos presos. O projeto baseava-se

na idéia que a recuperação do preso deveria estar alicerçada na

assistência, educação, trabalho e na disciplina (ASSIS, 2007, on line).

Finalmente, em 1983 surge o projeto de Lei de autoria do Ministro

da Justiça Ibrahim Abi Hackel que foi aprovado e convertido na Lei n.º

7.210/84, denominada Lei de Execução Penal considerada como um marco

histórico da nossa Legislação Penal, por estar de acordo com a filosofia

ressocializadora da pena privativa de liberdade.

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18 1.1 Natureza jurídica da execução penal

Para Salo de Carvalho (apud PRADO 2007), podem-se dividir os

sistemas de execução penal como administrativos ou jurisdicionais. Nos

sistemas administrativos, o preso é objeto da execução e as eventuais

atenuações da quantidade ou qualidade da pena são entendidas como

benefícios – liberalidades do Estado no exercício do jus puniendi. Nos

jurisdicionais, o preso é sujeito de uma relação jurídica em face do Estado,

sendo, portanto, titular de direitos e obrigações.

Segundo Prado (2007) a doutrina se divide quanto à natureza da

execução penal, considerando-a administrativa (Adhemar Raymundo da

Silva), jurisdicional (Frederico Marques, Salo de Carvalho, José Eduardo

Goulart, Maria Juliana Moraes de Araújo) ou ‘mista’ (Ada Pellegrini

Grinover, Haroldo Caetano da Silva).

Para Adhemar Raymundo da Silva (apud CARVALHO, 2003, p.

166), “cessada a atividade do Estado-jurisdição com a sentença final,

começa a do Estado-administração com a execução penal.”

Note-se que conforme o entendimento de Grinover (1987, p.7):

Não se nega que a execução penal é atividade complexa, que se desenvolve entrosadamente nos planos jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estatais: o Judiciário e o Executivo.

Em outra passagem do mesmo trabalho, afirma que:

Deixando de lado a atividade meramente administrativa que resulta na expiação da pena, através da vida penitenciária do condenado, ou de sua vigilância, observação cautelar e proteção, e que é objeto do direito penitenciário e matéria estranha ao processo, o processo de execução penal tem, assim, natureza indiscutivelmente jurisdicional. (GRINOVER, 1987, p. 10).

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Para a autora o processo de execução penal corresponde a uma

atividade de expiação da pena, o cumprimento material da sentença, mas

apreciação dos incidentes da execução – concessão de livramento

condicional, progressão de regime, indulto, comutação de pena, remição de

pena, entre outros – é função jurisdicional que cabe ao juiz da execução

(GRINOVER, 2987).

Carvalho (2003, p.170) observa que a jurisdicionalização (formal)

da execução penal no Brasil se completou a partir do início da vigência da

Lei de Execução Penal (LEP),

que fixa o conteúdo jurídico da execução (art. 1º), anuncia a jurisdição e o processo (Art. 2º), detalha a competência do Juiz de Execução Penal (Art. 66) e determina o procedimento judicial (Art. 194).

Note-se que a execução das sentenças, penais ou não penais, é

promovida pelo juiz competente com a colaboração ou não de órgãos de

outros poderes. No que se refere as sentenças civis, o próprio Judiciário

possui o aparato necessário e, eventualmente, precisa do auxílio do

Executivo, sobretudo na requisição de força policial, já com relação as

sentenças penais que condenam os réus às penas privativas de liberdade

serão sempre cumpridas em estabelecimentos especializados, mantidos

pelo Poder Executivo (CARVALHO 2003).

Quanto a esta “colaboração” de outros Poderes no exercício da

função jurisdicional do Estado, Canotilho (2002, p.551-552) esclarece que:

As várias funções devem ser separadas e atribuídas a um órgão ou grupo de órgãos também separados entre si. Isto não significa uma equivalência total entre atividade orgânica e função, mas sim que a um órgão deve ser atribuída principal ou prevalentemente uma determinada função.

E continua o mesmo autor:

Embora se defenda a inexistência de uma separação absoluta de funções, dizendo-se simplesmente que a uma função corresponde um titular principal, sempre se coloca o problema de saber se

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haverá um núcleo essencial caracterizador do princípio da separação e absolutamente protegido pela Constituição. Em geral, afirma-se que a nenhum órgão podem ser atribuídas funções das quais resulte o esvaziamento das funções materiais especialmente atribuídas a outro. Quer dizer: o princípio da separação exige, a título principal, a correspondência entre órgão e função e só admite exceções quando não for sacrificado o seu núcleo essencial. (CANOTILHO, 2002, p. 553).

Na atribuição constitucional de competências aos órgãos da

soberania, além da natureza da função desempenhada e da necessidade de

estabelecimento de freios e contrapesos para a limitação do Poder, existe

“também um problema de justeza funcional: qual dos órgãos está, pela sua

estrutura, funcionalmente mais apetrechado a cumprir determinadas

tarefas?” (CANOTILHO, 2002, p. 546).

Aí está a razão de se atribuir ao Poder Executivo a administração

penitenciária, já que, pelos motivos acima expostos, está mais adequado ao

desempenho da tarefa, mas nem por isso a execução penal deixa de

integrar a função jurisdicional do Estado (CANOTILHO, 2002).

Verifica-se, pois, que o Poder Judiciário corresponde ao conjunto

de órgãos especializados na realização da atividade jurisdicional, que pode

contar com a colaboração de outros poderes em diversos momentos,

quando aqueles se apresentarem melhor aparelhados ou em condição

somar atitudes no sentido de melhorar a prestação jurisdicional sem ferir a

lei.

Assim, note-se que a execução penal é, por princípio, jurisdicional,

apesar de ter sido considerada como administrativa durante quase toda a

nossa história, foi progressivamente, sendo jurisdicionalizada. Pode-se

então afirmar que a execução penal é atividade jurisdicional e, como tal, é

indelegável e irrenunciável por parte do Estado (CANOTILHO, 2002).

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21 1.2 A reforma da Lei de Execução Penal

Basta uma simples olhada pelas prisões deste país, aqui incluídas

as Casas de Detenções, Presídios e Delegacias de Polícias que a princípio

deveriam receber apenas presos provisórios, ainda não condenados pela

justiça ou mesmo presos não periculosos e decorrentes de prisões civis, tais

como os devedores de pensão alimentícia para se observar o quanto se

encontra falido o sistema carcerário no Brasil.

Corriqueiramente a imprensa escrita, falada e televisionada nos

encharca de casos flagrantes de desrespeitos aos direitos humanos e

afronta aos mais elementares e basilares princípios da dignidade humana, o

que faz com que muitos estudiosos sejam adeptos do chamado Direito

Penal Mínimo, tais como Eugenio Raúl Zaffaroni e Alessandro Baratta que

vêm a prisão como extrema ratio.

Apesar de toda a mazela do nosso sistema carcerário uma solução

se impõe, pois, como se sabe, embora constituir extrema violência contra o

homem tal sistema ainda não foi abolido na quase totalidade dos países que

vêm na segregação uma forma mais rápida e prática para a solução do

problema daquele que transgride as regras sociais e a legislação como

forma de aplacar a ira da sociedade e demonstrar o descontentamento do

Estado para com o ato cometido, tornando-se difícil a quebra de hábito tão

antigo e enraizado na nossa cultura, pois, como dito por Leal (2001, p. 33)

na obra intitulada Prisão – crepúsculo de uma era:

Tirante algumas experiências isoladas de prisões, foi a Igreja que, na Idade Média, inovou ao castigar os monges rebeldes ou infratores com o recolhimento em penitenciários, é dizer, em celas (daí o nome “prisão celular”), numa ala de mosteiros onde, mediante recolhimento e oração, pretendia-se que se reconciliassem com Deus.

Inicialmente cumpre-nos observar que o sistema penal brasileiro

consagra o regime progressivo no cumprimento da pena. Os critérios para a

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22 progressão estão delimitados no Artigo 112, da Lei n.º 7.210/84 (Lei de

Execução Penal), cujo Capítulo I, do Título II, regulamenta a “Classificação”,

dispondo o Artigo 5º: “Os condenados serão classificados, segundo seus

antecedentes, para orientar a individualização da execução penal.”

Pela classificação, a lei concretiza os princípios constitucionais da

igualdade, personalidade e proporcionalidade. De acordo com o Artigo 6º,

essa Classificação deve ser feita por uma Comissão Técnica interdisciplinar,

cujo trabalho, além da finalidade de individualização da pena, é destinado,

também, a fornecer elementos para que as autoridades decidam sobre

progressões e regressões do regime prisional, conversões de penas,

livramento condicional etc. Para a concessão do livramento condicional, o

Código Penal (Art. 83) condiciona à constatação de condições pessoais que

façam presumir que o liberado não voltará a delinqüir (BARROS, 2005).

Note-se que com a publicação da Lei n.º 10.792/03 que deu nova

redação aos Artigos 6º e 112 da Lei n.º 7.210/84, o sistema progressivo

sofreu profundas alterações dispensando o parecer da Comissão Técnica de

Classificação e o exame criminológico, para as progressões e regressões de

regime, as conversões de pena, livramento condicional, indulto e

comutação, ficando, contudo, mantida a exigência de exame para

classificação, que deve ser realizado ao início da execução, além de

ter modificado os Artigos 52 a 54, 57, 58 e 60, da Lei n.º 7.210/84 (LEP),

introduzindo o referido regime disciplinar diferenciado.

No tocante a dispensa do exame criminológico para a progressão

de regime prisional do condenado (requisito subjetivo), diz respeito a seu

bom comportamento carcerário e aptidão para retornar ao convívio social.

De tal forma, para obter a progressão, não é suficiente o bom

comportamento carcerário, exigindo-se, também, que esteja apto a ser

colocado em regime menos rigoroso, cuja verificação depende de alguns

meios, dentre os quais o exame criminológico, que deverá ser realizado

quando necessário.

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Entretanto, cumpre salientar que mesmo com a modificação do

Artigo 112 da Lei de Execução Penal,

o juiz pode determinar o exame criminológico quando o preso tiver praticado crime doloso com o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, ou seja, se houver necessidade de ser aferido o mérito do condenado.

Nesse caso, a decisão estará escorada no Artigo 33, § 2º, do

Código Penal, que “de forma genérica”, diz que a pena privativa de

liberdade deve ser executada de forma progressiva e segundo o mérito do

condenado; também porque o Artigo 83, parágrafo único, do mesmo Código,

para concessão do livramento condicional ao condenado por crime doloso,

cometido com o emprego de violência ou grave ameaça à pessoa, exige a

constatação de condições pessoais que façam presumir que o liberado não

voltará a delinqüir, cuja prova depende de exame criminológico.

Note-se que com relação à exigência de juízo de periculosidade,

que ainda se mantém no Artigo 83, parágrafo único, do Código Penal,

considera-se que decorreu uma antinomia no sistema, pois desde a Reforma

Penal de 1984, pretendeu-se se extirpar o critério da periculosidade como

centro do sistema de penas, através da reforma da Lei de Execução Penal,

introduzida pela Lei n.º 10.792/03, ora comentada, deveria ter alterado,

também, os termos do referido dispositivo do Código Penal, para

harmonizar-se com a alteração promovida, de eliminar o exame

criminológico e basear a progressão de regime e o livramento do condenado

em seu bom comportamento.

No tocante ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) inicialmente

reputou-se inconstitucional por ofender a princípios constitucionais e

dispositivos legais que cuidam da matéria, dentre os quais: a prisão do

condenado importe em supressão do direito de liberdade, não se trata de

uma supressão absoluta, havendo limites a serem observados pela

autoridade penitenciária; não se pode confundir regime disciplinar com

regime prisional, tendo em vista que este está ligado a norma constitucional,

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24 particularmente o princípio da legalidade, enquanto que o regime disciplinar

está afeto ao aspecto de convivência carcerária, de controle administrativo

(LEP, art. 44); o regime disciplinar diferenciado não definiu adequadamente

seus destinatários, ou seja, “não montou uma tipologia de condutas que

permitisse revelar o perfil dos condenados, que poderiam ser submetidos ao

referido regime”; sua flexibilidade conceitual faz com que quase todos os

presos sejam abrangidos, pois “qualquer preso poderá ser havido como

‘integrante’ de facção criminosa e quase todo preso poderá ter

‘comportamento que exija tratamento específico’.” (BARROS, 2005, on line)

Note-se que este regime não se mostra suficiente para solucionar

os graves problemas do sistema penitenciário. Ao contrário, o maior rigor no

isolamento individual, agrava e acelera o processo inevitável de

dessocialização, aumentando o risco de violência e desorganização social.

Não se pode deixar de considerar que a Lei de Execução Penal

contempla, em artigos esparsos (Art. 5º, 8º, 41), a exigência de se tratar

distintamente àqueles que se encontrem em diferentes situações jurídicas,

tanto que, por exemplo, no Artigo 41, XII, ao enumerar os direitos dos

presos, assevera que “constitui direito do preso: igualdade de tratamento,

salvo quanto as exigências da individualização da pena.”

Vale observar que o endurecimento da legislação penal tornou-se

necessário para o combate ao crime, notadamente em sua forma

organizada, como ocorreu, com sucesso, na Itália, onde a Corte

Constitucional respectiva não acolheu a argüição de que o regime mais

severo era violador dos direitos humanos.

Assim, tentando minimizar os efeitos drásticos da má aplicação da

LEP e cônscios de suas responsabilidades para com a mesma, não somente

o Poder Central tem se preocupado com tal assunto, o próprio Poder

Judiciário encontra-se bastante empenhado em encontrar uma solução mais

adaptável possível e que possa humanizar um pouco mais o sistema

carcerário e zelar pelos respeitos aos direitos humanos.

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Tanto assim que segundo notícia publicada na internet e da

responsabilidade da Agência Brasil, datada de 13/09/2007 e sob o título

“Judiciário prepara novo sistema de controle de execuções penais” diz-se

que:

Um programa em fase de elaboração pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) foi requisitado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para ser implantado a partir do próximo ano e aperfeiçoar o processo de execução penal em todo o país. O mecanismo vai permitir o controle online da vida de cada presidiário, registrando progressão de pena, saídas e punições, para evitar que presos fiquem detidos por tempo superior ao estabelecido na sentença judicial. (SOALHEIRO, 2007, on line).

Ainda segundo Soalheiro (2007, on line):

É um sistema bem mais completo do que o já existente, que garantirá informação atualizada em tempo hábil para o juiz. Praticamente elimina a hipótese de uma pessoa que já reúne condições de sair ficar presa indevidamente”, afirmou à Agência Brasil o secretário de Tecnologia da Informação do TJDFT, Raimundo Macedo.

Percebe-se, pois, que embora seja uma lei avançada a LEP não

conseguirá muita coisa de concreto se não sofrer mudanças bem

expressivas, mudanças essas não só confinadas ao próprio texto legal, mas,

sobretudo na mentalidade dos governantes e da sociedade como um todo,

pois sem essa integração torna-se quase que impossível qualquer espécie

de recuperação do recluso, alimentando-se um ciclo vicioso bastante

prejudicial a todos

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26 2 DA ASSISTÊNCIA AO PRESO

Dispõe o Artigo 10, da LEP, que a assistência ao preso e ao

internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o

retorno à convivência em sociedade, observando o parágrafo único do

referido dispositivo legal que tal assistência também se estenderá ao

egresso. Dessa forma, a partir do momento da prisão do indivíduo, sendo a

mesma decorrente de ato válido, fica o preso sob a proteção e

responsabilidade do Estado ou, conforme Alexis Augusto Couto de Brito

citando Francesco Carnelutti (El problema de la pena, p. 48):

Quando o Estado-juiz determina a custódia de uma pessoa, surge a obrigação de fornecer a ela os elementos mínimos para a manutenção de suas necessidades diárias quanto à alimentação, ao vestuário, à acomodação, ao ensino, à profissionalização, à religiosidade e quaisquer outras que não confrontem com a natureza da execução da pena. A reclusão somente poderá reeducar para a liberdade enquanto o modo de vida do recluso esteja prudentemente disposto para esta finalidade. (BRITO, 2006, p. 89).

Mas será mesmo que a assistência prestada pelo Estado se

coaduna com o disposto na Lei das Execuções Penais, inclusive

abrangendo todos os incisos estabelecido no Artigo 11 do mencionado

dispositivo legal, ou seja, prestação assistencial condigna na área material,

à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa?

Em recente trabalho de avaliação formulado pela disciplina de

Direito Constitucional II, a qual ministro desde o ano de 2004, junto a

Universidade Regional do Cariri (URCA), consistindo em visita a Casa de

Detenção de Iguatu1 pelos alunos da referida universidade para verem e

sentirem a realidade de um ambiente carcerário e poder manter contado

mais direto e franco com os reclusos, assim se expressou os componentes

1 Apesar de ser apenas uma casa de detenção, referido local é mais conhecido por

“Presídio de Iguatu” ou “Cadeia Pública de Iguatu” dado ao grande número de presos que se encontra atualmente recolhido àquele estabelecimento prisional, em número que beira ao triplo de sua capacidade. Ver comentário.

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27 de uma das equipes visitantes: “É humilhante a situação da cadeia pública

de Iguatu.” (sic).

Lendo a Lei das Execuções Penais (Lei n.º 7.210/84), nota-se

claramente o contraste entre a teoria e a realidade. Ao entrar no

estabelecimento penal, vê-se a precariedade da área destinada aos

visitantes e aos políciais, a estes, é clara a falta de condições para o

exercício de suas funções.

A cadeia é dividida em dois pavilhões para os homens, uma

minúscula cela para as detentas e um imundo e extremamente insalubre

compartimento, conhecido como “castigo”, que deveria ser a solitária. Neste

local, vários presos amontoam-se como animais em um local fétido, sem luz

ou ventilação, com apenas um corredor em cuja extremidade encontra-se o

portão de saída.

Cada pavilhão é dividido em cinco celas iguais, praticamente a céu

aberto, sofrendo as ações das intempéries, cujo espaço vazio de cada

pavilhão (o pátio) é destinado ao banho de sol dos internos. O banho de sol

é exclusivo para uma cela por dia, das oito às onze horas da manhã. Assim,

se um xadrez tem direito ao banho de sol na segunda-feira, só terá direito a

outro no sábado.

A ala feminina é extremamente apertada, - atualmente comporta

oito mulheres -, cuja área para o banho de sol é quase inexistente. Na parte

esquerda da cadeia, funcionava uma sala de aula para os encarcerados,

que hoje encontra-se desativada. (Equipe formada pelos alunos F.G.C.B.,

D.S.D.F. e E.P.L. dos S., 2008).

Tal relato demonstra com precisão o “choque” que o cidadão toma

ao adentrar em um mundo tão distante da realidade do seu dia-a-dia, e que,

no entanto, se encontra tão perto do mesmo. Essa realidade, pelo menos

em um primeiro momento, consegue indignar e machucar até mesmo

pessoas que lidam ou que começaram a lidar com o Direito, tais quais os

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28 estudantes em referência que certamente não pensaram o quanto é

degradante a situação de um encarcerado na maioria dos órgãos privativos

de liberdade neste país.

Embora a própria LEP tenha dado grande ênfase em relação a

assistência que deve ser disponibilizada ao recluso, inclusive discriminando

e disciplinando os tipos e a forma como a mesma deverá ser prestada, pois

como bem dito no caput do Artigo 10 da referida lei: “A assistência ao preso

e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o

retorno à convivência em sociedade”, sabe-se que tal assistência é feita de

maneira inconsistente e muito longe da ideal, convivendo o enclausurado

com toda a sorte de privações, humilhações e agressões de natureza física

e moral, sendo esta ainda pior pois pode deixar seqüelas que nunca irão

desaparecer.

Com efeito, disciplina o artigo subseqüente, ou seja, Art. 11, da

LEP, os vários modos como a assistência deverá ser prestada pelo Estado

relacionada ao aspecto material, à saúde, jurídica, educacional, social e

religiosa, tentando com isso inserir uma série de fatores que, em conjunto,

possa fazer com que o preso cumpra com sua pena e não mais volte a

delinqüir.

No entanto, sabe-se o quanto isso se encontra bem longe da

realidade. Seja por falta de recursos, seja pela falta de capacidade técnica e

de material ou, seja simplesmente pela própria omissão e displicência do

Estado, o retorno em termos de ressocialização é muito baixo, quase que

insignificante e a reincidência muito alta.

Com isso, além do aumento da violência, o Estado tem um grande

gasto para manter uma estrutura arcaica, ultrapassada e que consome

gasto mensal em torno de R$ 1.000,00 (um mil reais), por cada recluso,

podendo tal gasto chegar à média de R$ 2,2 mil mensais, em caso de haver

privatização nos moldes pretendidos pelo Estado de São Paulo, segundo

dados fornecidos pelo Diretor do Departamento Penitenciário Nacional –

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29 Aloísio Michels em entrevista concedida ao Jornal O Povo, edição do dia

6.9.2008, intitulada “Ressalvas - Governo federal critica privatização de

presídios” e que se encontra anexado ao final do presente trabalho.

Tal montante de dinheiro a ser aplicado em um único setor, não

desmerecendo sua importância, certamente fará falta a aplicação em outras

áreas que necessitam de urgente e imediato investimento público, tal como

a saúde, a educação e a própria segurança pública.

Infelizmente uma grande nação não se faz apenas com leis bem

elaboradas, mais um conjunto de fatores e atos de gestão do governo que

possam impulsionar e colocar em prática a legislação é o que alguns

autores chamam de “prestações positivas” do Estado. Segundo SILVA,

(2006, 183-184):

Veja que os direitos inerentes ao preso fazem parte também dos direitos sociais insculpidos, em sua maioria, nos artigos 6º ao 11 da Constituição da República Federativa do Brasil e que nos dizeres de José Afonso da Silva in Comentário Contextual À Constituição: Assim, podemos dizer que os “direitos sociais”, como dimensão como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos; direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam com o direito de igualdade. Valem como pressuposto do gozo dos direitos individuais, na medida em que criam condições materiais mais propícias ao aferimento da igualdade real – o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.

Nesse aspecto faz-se imperativo que o Governo tenha uma política

administrativa pró-ativa. É o que se poderia chamar de Estado ativo. Prova

disso temos a Lei n.º 8.069, de 13.7.1990, também conhecida por Estatuto

da Criança e do Adolescente (ECA), que, festejada por muitos como sendo

uma legislação avançada, à nível de primeiro mundo, não conseguiu conter

a violência e a constância dos atos infracionais praticados por menores, daí

até já se ventilar na hipótese de diminuição da idade penal, visto a

delinqüência juvenil estar começando cada vez mais cedo.

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Ora, se o intuito maior da legislação é o de ressocializar o preso,

tendo a pena não só caráter punitivo, mas também educacional, de nada

adianta a aplicação de sentença restritiva de liberdade se o apenado não

tem acompanhamento eficaz, notadamente do Estado.

A situação agrava-se mais ainda quando o apenado recebe o

benefício da progressão do regime, ou seja, por reunir os elementos

objetivos e subjetivos (tempo de reclusão, bom comportamento carcerário,

não reincidência etc.) para passar a cumprir pena em regime mais brando.

Ai começa um grande problema, pois, conforme se demonstra a seguir em

relação a apenados que cumpre pena junto a cadeia pública de Iguatu/CE,

quase a totalidade dos que conseguem a progressão do regime não

obedecem corretamente com as diretrizes do novo regime ou, muito pior,

voltam a delinqüir quando ainda estão sob o pálio do regime mais brando,

tendo assim como penalidade uma nova regressão prisional. Isto se dá pelo

fato que, diferentemente do defendido pela juíza Karam (2008) na obra

intitulada “A Privação da Liberdade: o Violento, Danoso, Doloroso e Inútil

Sofrimento da Pena”, que entende que a comunicação de falta praticada

pelo apenado não pode ensejar de imediato a regressão do regime sem que

seja dado o amplo direito a defesa, a LEP considera tal tipo de atitude como

falta grave passível de regressão ou aplicação de penalidade disciplinar.

Segundo certidão fornecida pela Secretaria da Primeira Vara da

Comarca de Iguatu, competente para o julgamentos de crimes dolosos

contra à vida, no período compreendido entre os anos de 1988 a 2008,

foram condenados a pena de reclusão 94 (noventa e quatro) pessoas, sendo

que encontra-se em tramitação atualmente 625 (seiscentos e vinte cinco)

cartas de execução criminal e que de tal número 320 (trezentos e vinte)

apenados sofreram regressão de regime por transgressão disciplinar ou

pelo cometimento de novo delito, alguns dos quais cometidos quando o

apenado se encontrava sob as benesses de regime mais brando que o

permitia sair por certo período do cárcere, tal o que acontece com os

regimes aberto e semi-aberto.

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Por outro lado, do montante de presos que se encontram hoje

cumprindo pena junto a cadeia pública de Iguatu, 131 (cento e trinta e um)

apenados respondem a mais de uma carta de guia, não sendo incomum

alguns terem três ou até cinco desse instrumento em seu desfavor, o que

comprova o fracasso da LEP quanto a pretendida reintegração social do

preso.

Sem muita dificuldade, será aqui demonstrado que em Iguatu,

como certamente na grande maioria dos demais pequenos municípios deste

país, tal assistência não vem sendo empregada da forma como determina a

legislação, o que consagra a LEP como apenas mais uma lei bem

elaborada, mas que no fundo não passa de mera utopia.

2.1 Da assistência material

Muito mais forte que palavras são as imagens captadas por

diversas fotografias tiradas na cadeia pública de Iguatu que demonstram

com clareza um ambiente insalubre, pernicioso, e que vai de encontro a

tudo quanto a diretriz da própria LEP tenta impor (Apêndice A).

Por absoluta falta de condições, seja de origem material, seja de

origem humana, a esmagadora maioria das cidades interioranas não dispõe

de presídios ou delegacias de polícia que possam receber com segurança e

dignidade os reclusos. Isto é fato notório, inclusive em quase todas as

regiões do Brasil.

Na região centro-sul deste Estado a realidade não é diferente.

Apesar de concebida para comportar apenas 50 (cinqüenta) presos, nos três

regimes, a Casa de Detenção de Iguatu encontra-se hoje com uma

superpopulação carcerária que gira em torno de 115 reclusos, inclusive

mulheres. Por ter um contingente tão acima de sua capacidade, referida

unidade prisional passou a usufruir o status “não oficial” de presídio,

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32 recebendo reclusos de toda região centro-sul deste Estado o que fez com

que sua capacidade logo fosse extrapolada.

Tal excesso de presos traz uma situação bastante difícil no

quesito segurança, já que o clima se inflama por muito pouco e, não raro,

eclodem brigas e agressões de toda a natureza, além de aumentar a

dificuldade quanto à fiscalização para impedir a entrada de drogas e armas.

É fácil de imaginar o quanto se torna precária a vida dos reclusos

naquela unidade prisional. Na verdade, a ajuda material fornecida pelos

entes públicos é mínima, tendo o sistema que sobreviver à custa de muito

esforço dos funcionários e colaboradores, notadamente a sociedade.

Pertencente a estrutura da Secretaria da Justiça e Cidadania do

Estado do Ceará – Coordenadoria do Sistema Penal, referido

estabelecimento tem como única fonte oficial de receita, verba suprimento

de fundos não sistemáticos no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) mensais,

aproximadamente. Todavia, além de insuficiente, referida verba só foi

repassada durante todo este ano por três vezes, apenas.

Para se ter uma idéia do problema, basta mencionar que o próprio

almoço dos presos é fornecido por uma firma particular, no caso a DAKOTA

– indústria calçadista sediada em Iguatu, que diariamente fornece em torno

de 120 refeições, destinadas ao jantar dos presos, de segunda a sexta-feira,

excluindo os sinais de semana e dias feriados, além de quando há parada

coletiva na firma tal qual o mês de julho, natal, carnaval etc. Dessa forma,

quando a DAKOTA não fornece a alimentação os reclusos tem-se que

preparar o próprio jantar com alimentos fornecidos pela Secretaria de

Justiça do Estado que os fornece em quantidade menor que a devida para o

café da manhã, almoço e eventual jantar.

Apesar de abrigar um número tão grande de presos, o fato é que a

condição material do estabelecimento prisional fica muito aquém do

esperado. Como exemplo, cita-se o fato dos reclusos não terem acesso a

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33 local adequado para se consultar com médico. Aliás, não existe atendimento

médico no próprio estabelecimento carcerário, o que obriga o deslocamento

diário de presos aos hospitais ou postos de saúde do município, havendo a

necessidade de deslocar policial para a escolta dos mesmos e o

acompanhamento de um agente carcerário, geralmente o próprio diretor da

cadeia pública, fazendo com que aumente o desfalque no quadro dos

servidores que prestam serviços naquela unidade que, afora o diretor, conta

apenas com 3 agentes penitenciários, revezado entre eles os turnos de 24

horas, segundo informações do Diretor do estabelecimento - Rogério

Pereira Rodrigues.

Pelo fato de haver muitas pessoas confinadas em pequeno espaço

geográfico, a proliferação de doenças, inclusive infecto-contagiosa é muito

mais fácil de ser disseminada, tal como gripe, tuberculose etc. Por outro

lado, as chamadas “doenças da pele”, tais como micose, frieiras etc.

também são bastante comuns em um ambiente tão promiscuo, sem falar no

próprio stress a que os reclusos se encontram submetidos.

Narrados apenas alguns dos problemas por que passam os

reclusos, ainda em relação ao item material, pode-se indagar por que então

a própria Justiça não toma providencias no sentido de tentar coibir tais

faltas, inclusive com a interdição do estabelecimento, já que compete ao

Juízo da Execução Criminal tal fiscalização? Diria que a resposta é

demasiada simples, embora não devidamente apropriada, ou seja, o mal

que padece a cadeia pública de Iguatu tornou-se praticamente uma regra

em todo o Território Nacional, agravada ainda pelo número acentuado de

presos e a falta de uma política criminal eficiente para enfrentar o problema.

Não se pode esquecer ainda a apatia e o próprio preconceito social.

Note que muitas das ações voltadas no sentido de trazer alguma

assistência aos reclusos são na maioria das vezes feitas de forma

desorganizada pela própria sociedade, clubes de serviços, pastorais etc.

que timidamente tentam se engajar nessa missão e quebrar a barreira do

preconceito e da ignorância da sociedade e falta de ação do Governo.

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A revista Super Interessante, em sua edição de n.º 250, datada

de março de 2008, publicou matéria intitulada “A cadeia como você nunca

viu – o dia-a-dia das prisões brasileiras”, retratando o problema em relação

aos estabelecimentos penais no Brasil, abordando com maestria a questão

e chegando inclusive a demonstrar, por meio de representação gráfica, a

relação entre o número de presos e o atual número de vagas. Após tal

demonstração, diz acertadamente referido periódico que ”O número de

vagas nas prisões até cresce, mas não acompanha o aumento na

quantidade de presos” ( SUPER INTERESSANTE, 2008, p. 56). Isso se pode

ver claramente com uma simples inspeção in loco. Portanto, o problema não

é exclusivo de Iguatu, mas sim de forma generalizada, de todos os Estados

da Federação.

Ainda reportando dados da excelente matéria publicada no

periódico retro mencionado, com relação a falta de vagas e estrutura nos

presídios do Brasil, diz a reportagem que:

Em 2002, havia 240 mil presos para 182 mil vagas, ou seja, 58 mil presos a mais do que o sistema carcerário comporta. Em 2007, esse déficit já estava em 157 mil presos – 437 mil para 262 mil vagas. Aí complica. Tanto que, hoje, 13% dos detentos que já foram julgados estão cumprindo pena em delegacias. (SUPER INTERESSANTE, 2008, p.57).

E, mais adiante, demonstrando de forma prática e exemplificativa,

destaca-se a seguinte passagem:

Nele, um canto numa cela menos abarrotada custa de R$ 100 a R$ 200. Por R$ 50 você fica numa com mais gente. Se não tiver moral no meio da bandidagem nem nada para dar, fica sem saída: vai ter que dormir na cela mais lotada. De preferência no banheiro. (SUPER INTERESSANTE, 2008, p. 57).

As autoridades sabem desse tipo de comércio, e afirmam que o

único jeito de acabar com ele é pôr fim à superlotação.

Essa situação vai acabar quando houver um estabelecimento penal que acomode a todos, em que não haja a necessidade de disputar espaços. Ai você liquida o comércio’, diz Maurício Kuehne, diretor do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça. (SUPER INTERESSANTE, 2008, p. 57).

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Tal realidade não é diferente em relação a cadeia pública de

Iguatu. Aliás, com relação a própria Comarca em si cumpre ressaltar que,

somente em relação a Primeira Vara, competente para análise dos crimes

dolosos contra a vida, tem em aberto na presente data 121 mandados de

prisão aguardando cumprimento pela autoridade policial, dos quais 115

referentes à execução criminal e 6 referentes à ações penais. Número que

tende a aumentar em velocidade muito superior ao investimento que é feito

em relação a melhorias materiais aos presos, inclusive ampliação da cadeia

pública, que, diga-se de passagem, já foi ampliada no ano de 1996 para

1997, quando foi criado mais um pavilhão com 5 celas, além da cela

feminina por iniciativa dos operadores do direito da referida Comarca –

juízes, promotores, advogados etc. e com a ajuda da iniciativa privada e da

comunidade iguatuense.

O mais curioso, no entanto, é que só recentemente parece terem

as autoridades ligadas ao problema, notadamente na esfera do Poder

Executivo e do Poder Legislativo acordado para a gravidade da situação.

Ainda assim, tentando resolver o problema de forma inteiramente

transversa, ou seja, culpando aqueles que certamente menos têm culpa - no

caso os juízes, os quais, apesar de terem como dever funcional a

fiscalização das penas e do cumprimento das diretrizes da Lei n.º 7.210/80,

não têm poder de gerência e de administração o que fica à cargo do

Executivo.

Em matéria publicada no jornal cearense Diário do Nordeste,

edição que circulou no dia 22.06.2008, em sua página 7, trás noticia com o

seguinte tema: “Sistema Carcerário – CPI Denuncia Estados Nordestinos”

em clara alusão aos trabalhos da CPI do sistema carcerário que se

desenvolvia no Congresso Nacional. Referida Comissão Parlamentar de

Inquérito (CPI) visitou alguns Estados da Federação e ficou deverás

alarmada com a situação que encontrou notadamente em referencia a falta

de higiene, superpopulação carcerária etc. onde se destaca a seguinte

passagem:

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[...] O relatório vai sugerir que cada comarca seja obrigada a ter sua unidade prisional, dentro de uma padronização arquitetônica. ‘Grande parte dos presídios visitados não servem nem para bichos. Não podemos mais permitir que está a continuidade dessa política do salve-se quem puder’, declara o relator. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2008). (sic)

Ainda na mesma matéria, destaca-se a seguinte passagem:

A comissão investigativa visitou, desde o inicio do ano, os noves estados nordestinos e encontrou um cenário preocupante e cercado pela falta de informações oficiais. Superlotação, maus-tratos, má alimentação, falta de ocupação e poucas chances de reabilitação. (DIÁRIO DO NORDESTE, 2008).

E partindo de uma forma de análise totalmente equivocada e

nitidamente querendo transferir a responsabilidade do caótico sistema

penitenciário aos juízes e promotores a Revista Brasileira de Ciências

Criminais em seu Boletim de n.º 183 lançou editorial denominado “A LEP e a

independência judicial” no qual diz:

[...] Estudos sérios demonstram que, na base desse aprisionamento espetacular, encontramos magistrados e promotores de justiça como os responsáveis principais pela situação caótica vivida nos presídios, disseminando a lógica da excepcionalidade, agravando regimes prisionais, adiando ou ignorando institutos legais quando favoráveis aos réus e condenados, e, enfim, superlotando presídios com toda uma população que não deveria estar neles.

Além de uma visão totalmente deturpada, esquecendo de mostrar

que a administração dos presídios não é competência funcional dos juízes e

promotores, muito embora a própria LEP tenha alargado tal competência,

referido edital não mostrou os chamados “estudos sérios” em que se baseou

para tais afirmações.

Muito se poderia falar em relação a falha assistência material que

é prestado ao preso nesta Comarca, no entanto, acho que tal não é

precipuamente o objetivo desta monografia, que, de uma forma mais ampla,

apenas deseja demonstrar a ineficiência da recuperação do preso face a lei

criada para tal finalidade. Assim, será passado ao item seguinte sugerindo-

se uma leitura aos relatórios mensais formulados pelo Juízo das Execuções

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37 Penais de Iguatu/CE quando das visitas realizadas na cadeia pública

daquele município.

2.2 Da assistência à saúde

Outro aspecto no qual o Poder Público parece vir se preocupando

muito pouco, é a assistência à saúde dos detentos. Para se ter uma idéia do

problema basta uma rápida olhada no gráfico que segue, o qual demonstra

a relação, em percentagem, de presos acometidos por enfermidades em

relação aos presos ditos sadio.

Gráfico 1 – Relação de presos acometidos por enfermidades em relação aos presos sadios. Fonte: Pesquisa direta.

Com efeito, segundo dados colhidos junto à direção da cadeia, de

um contingente atual de 115 reclusos, pelo menos 12 encontra-se com

algum tipo de doença, o que corresponde um pouco mais de 10% (dez por

cento) de todo o contingente carcerário. Isso levando em conta o fato de

alguns reclusos não comunicar a doença, deliberadamente omitindo tal fato

ou mesmo por não saber da existência da mesma.

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Cumpre ainda ressaltar que, além do ambiente ser propicio a

propagação de doenças e a disseminação de piolhos, percevejos etc. por

medo de rebeliões ou agressões por parte dos presos, os médicos

suspenderam o atendimento, inclusive odontológico, que faziam diretamente

na casa de detenção uma vez por semana.

Dessa forma, o preso que necessitar de atendimento médico terá

que ser conduzido a um hospital ou posto de saúde mais próximo, fazendo

com que haja despesas com transporte, combustível etc. além de desfalcar

o policiamento do estabelecimento com a escolta que será destinada ao

acompanhamento.

Certamente que um preso doente trará maiores despesas ao

Estado e sobrecarregará ainda mais o já tão combalido sistema de saúde

pública. Práticas de higiene e bons hábitos deveriam ser ensinadas e

incentivadas pelas autoridades a toda comunidade carcerária.

A dignidade do preso certamente passa pela sua saúde, fator da

mais alta importância, não podendo e não devendo o Estado se descuidar

de tal aspecto em nenhum momento, tanto assim que em relação ao

julgamento do Habeas Corpus de n.º 28.588, do Estado do Rio Grande do

Sul, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que diante da ineficiência do

Estado em prestar a assistência médica adequada, ao condenado será

concedida a prisão domiciliar até o seu restabelecimento.

Diz Alexis Augusto Couto de Brito:

O bem-estar físico e mental dos reclusos poderá ser mantido através de atividades recreativas e culturais. O ideal seria que as atividades pudessem acontecer dentro e fora do estabelecimento penal, a exemplo do Estado de São Paulo, onde mediante previa autorização, muitos presos concedem apresentações públicas ou comparecem a determinados eventos.

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As Regras Mínimas sugerem algumas medidas que integrariam a

assistência à saúde, como:

I) O recluso que não se ocupe de um trabalho ao ar livre deverá dispor, se o tempo permitir, de uma hora de trabalho ao ar livre; II) Os reclusos que disponham de condição física receberão educação física e recreativa, recebendo os equipamentos necessários; III) Todo estabelecimento penitenciário disporá dos serviços de um médico qualificado que deverá possuir alguns conhecimentos psiquiátricos; IV) Os enfermos cujo estado requeira cuidados especiais serão transferidos para estabelecimentos penitenciários especializados ou para hospitais; V) Todo recluso deve poder utilizar os serviços de um dentista qualificado; VI) Os estabelecimentos para mulheres devem possuir instalações especiais para o tratamento das reclusas grávidas, das que acabaram de dar a luz e das convalescentes; VII) Quando se permitir às mães reclusas conservarem seus filhos, deverão ser tomadas medidas para a guarda dos infantes, com pessoal qualificado, com o qual ficarão as crianças quando não estiverem sendo atendidas por suas mães; VIII) O médico deverá examinar cada recluso assim que ingresse e posteriormente, sempre que necessário, em particular, para determinar a existência de uma enfermidade física ou mental e tomar as medidas necessárias. Deve assegurar o isolamento dos reclusos suspeitos de sofrer enfermidades infecciosas ou contagiosas, assinalar as deficiências físicas e mentais que possam constituir um obstáculo para a readaptação, e determinar a capacidade física de cada recluso para o trabalho; IX) O médico deverá visitar diariamente a todos os reclusos enfermos, a todos os que se queixarem de enfermidades e a todos aqueles sobre os quais chamem sua atenção; X) O médico apresentará informes ao diretor toda a vez que estime que a saúde física ou mental de um recluso tenha sido ou possa ser afetada pela prolongação, ou por uma modalidade qualquer de reclusão; XI) O médico fará inspeções regulares e assessorará o diretor a respeito da quantidade, qualidade, preparação e distribuição dos alimentos; a higiene e a limpeza dos estabelecimentos e dos reclusos; as condições sanitárias, a calefação, a iluminação e a ventilação do estabelecimento; a qualidade e a limpeza das roupas e da cama dos reclusos; a observância das regras relativas à educação física e desportiva quando esta seja organizada por pessoal não especializado. (BRASIL, 1995).

Cumpre ressaltar que a saúde do recluso é amparada pelo

Governo Federal que, inclusive, em operação conjunta entre os Ministério

da Saúde e da Justiça lançaram a Portaria Interministerial de n.º 628, de 2

de abril de 2002, na qual foi aprovado o plano de saúde referente ao

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40 Sistema Penitenciário, definindo ainda que, na área de saúde, a atenção

aos presos deverá ser financiada em colaboração, ou seja, co-financiada

pelos setores de saúde e de justiça dos níveis federal e estadual, mediante

convênio com as secretarias estaduais. Referido Plano Nacional de Saúde

houve alterado pela expedição da Portaria Interministerial de n.º 1.777 de 9

de setembro de 2003, a qual expressamente revogou a Portaria de n.º 628.

Tentando minimizar o número de presos doentes em reclusão e a

evitar a disseminação e propagação de doenças infecto-contagiosas, foi

recentemente assinado convênio entre a Secretaria de Justiça e Cidadania

e Secretaria de Saúde do Estado do Ceará no sentido de proceder a

vacinação dos presos contra doenças virais, sendo que a mesma acontece

durante duas vezes ao ano nos meses de fevereiro e agosto. Certamente

que se trata de uma feliz iniciativa e zela um pouco bem-estar do preso.

Ainda há de se levar em conta o fato que alguns presidiários,

apesar da não apresentarem nenhum sintoma patológico, estão doentes e

não sabem ou mesmo omitem tal fato da direção do estabelecimento, o que

põe em risco a saúde dos demais companheiros de cárcere. Comentando

dados colhidos do Jornal Folha de São Paulo – edição do dia 10.07.1991,

diz Leal (1998) que a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA) é

responsável, em São Paulo, pela maioria das mortes que ocorrem no

sistema penitenciário. Estima-se que 20% dos presos (chega a 33%, entre

mulheres) estão contaminados. É uma porcentagem altíssima, dramática e

assustadora. Em 1991, a AIDS matava um prisioneiro por dia naquela

unidade federativa.

Ainda não temos estatística de tal nível na maioria do

estabelecimentos prisionais de pequeno ou médio porte do Estado do

Ceará. Contudo, a transmissão de Acquired Immunodeficiency Syndrome

(AIDS) já é uma realidade nas prisões do Ceará. Nesse momento um dos

presos de nome, encontra-se separado dos demais pela suspeita de ter

contraído tal vírus, aguardando resultado de exames clínicos.

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41 2.3 Da assistência jurídica

Certamente esse vem a ser um ponto nevrálgico do sistema e,

quiçá, o mais importante em todo esse conjunto de engrenagens, já que a

grande massa de presos condenados pela justiça é literalmente abandonada

pelos advogados que antes lhes patrocinava a causa. Fato que causa muita

preocupação ao Juízo das Execuções penais que, na maioria dos casos,

não tem como acompanhar com a rapidez necessária a situação processual

daqueles reclusos, notadamente em relação a uma comarca tal qual a de

Iguatu, que não dispõe de Vara específica para a execução penal, cabendo

tal tarefa, por conta do Código de Divisão e Organização Judiciária do

Estado do Ceará – Lei n.º 12.342, de 28 de julho de 1994, o acúmulo de tal

função com as demais atribuições do juízo, que também é responsável pelo

cumprimento de Cartas Precatórias, crimes de imprensa, infância e

juventude, júri e demais atos cotidianos da Vara, tais como: atendimento ao

público, realização de audiências, despachos e sentenças em um acervo

que beira a casa dos 4.000 processos.

Apesar de a assistência jurídica ser um direito do preso e um

dever do Estado, é extremamente difícil ao preso condenado conseguir o

acompanhamento de sua causa por meio de advogado pago pelo Estado,

ante a carência de tal profissional em comarcas interioranas.

Com relação a comarca de Iguatu, mais uma vez a mesma

encontra-se desprovida de Defensor Público, tendo o último deixado suas

funções em 18 de fevereiro de 2008, para assumir a Comarca de

Maracanaú/CE, ficando a maioria dos presos a mercê de favores e da boa

vontade de alguns profissionais que ainda fazem tal tipo de serviço e

acompanhamento. Nesse aspecto, também vale ressaltar o grande empenho

que vem promovendo o Núcleo de Assistência Jurídica da Universidade

Regional do Cariri (URCA), Unidade Descentralizada de Iguatu, que por

meio de seus professores e alunos sempre vem peticionando em favor dos

reclusos.

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42

O certo é que, não basta a boa vontade do juiz e do representante

do Ministério Público, pois é impossível se ver a contento todas as cartas de

guia em tramitação, fato que, invariavelmente, reveste em prejuízo aos

presos que já obtiveram direito à progressão de regime, por exemplo2.

Dessa forma, o juiz é muitas vezes obrigado a usar da

criatividade, mas não da ilegalidade, para conseguir amenizar tal entrave.

Assim, mesmo que informalmente, são feitos “convênios” com advogados e

mesmo estagiários do Curso de Direito da Universidade Regional do Cariri

(URCA), e até mesmo advogados pagos pelo município, para que, de forma

sistemática e constante, vejam a situação carcerária, notadamente quanto

aos aspectos da progressão de regime e cumprimento de pena, remissão

etc. fatos que mais interessam aos que cumprem penas.

Nem adianta dizer que a solução acima encontra-se longe da

ideal, já tendo inclusive levantado a própria demonstração de desagrado por

parte da Defensoria Pública do Estado do Ceará que, com razão não

concorda com tal ação, visto ser este uma das prerrogativas da Defensoria

Pública estadual. Mas o caso é de extrema gravidade e não se pode ficar a

espera da boa vontade ou mesmo dos desembaraços dos tramites

burocráticos. Afinal, não se pode esquecer a culpa objetiva do Estado,

tornando-se ilegal a segregação do preso por tempo superior ao

estabelecido na sentença ou em regime diferente do qual o mesmo faz jus

ao cumprimento, dizendo expressamente o inciso LXXV, da Constituição em

vigor que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como

o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”

Assim, concorda-se e respeita-se o posicionamento da Defensoria

Pública do Estado do Ceará; no entanto, acima das dificuldades enfrentadas 2 Carta de guia é o instrumento utilizado para o acompanhamento e fiscalização das

condições impostas ao apenado decorrente de sentença condenatória, com trânsito em julgado. Referido documento reflete todas as situações ocorridas durante o cumprimento da pena, tais como progressão, regressão, comportamento, faltas, remissão etc.

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43 pelos órgãos e entidades que lidam com os direitos dos presos, acima de

qualquer alegação de dificuldades encontrada pelos órgãos governamentais

e da limitação humana e material da própria justiça, o que se quer com tal

atitude é tão-somente o respeito ao recluso e que o mesmo não passe

tempo preso além do devido, ou sem direito a mudança de regime. Ver-se

perfeitamente neste aspecto o quanto o Governo do Estado vem sendo

omisso em suas funções para com a Defensoria Pública do Estado que

dispõe de número insuficiente de defensores para atender a todo o Estado.

Vale argumentar aqui que logo que assumir a Primeira Vara da

Comarca de Iguatu no mês de novembro de 1998, tal situação era vista com

freqüência, ou seja, não raro presos ficarem mais tempo que o devido, mais

tempo que o estipulado em sua sentença condenatória. Infelizmente, havia

casos em que o sentenciado cumpria integralmente a pena recebida em

regime fechado, muito embora tivesse sido condenado ao cumprimento em

regime diverso, fato bastante amenizado com a adoção das providencias ora

relatadas.

O fato retro mencionado acontecia principalmente em função do

grande número de feitos em tramitação nas varas judiciais, pelo grande

acúmulo de processos e atribuições das mesmas, o que, não ameniza a

culpa do sistema que gera várias injustiças, pois a liberdade e a dignidade

humana são bens sagrados, erigidos a condição de princípios

constitucionais desde os tempos da Revolução Francesa, verdadeiros

direitos fundamentais.

Em relação a situação em comento, basta dar exemplo de preso

que pelo simples furto de uma bicicleta cumpriu pena integralmente em

regime fechado. Pior ainda, às vezes até passando do tempo imposto na

sentença condenatória, ao passo que o Supremo Tribunal Federal já aceita

a progressão até mesmo em crimes considerados hediondos - capitulados

na Lei n.º 8.072, de 25 de julho 1990.

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44

Ressalta-se ainda a Constituição da República em vigor põe a

salvo a dignidade da pessoa humana, não importando o fato de a mesma

estar ou não cumprindo pena, ao amparar no caput do artigo 5º, o

conhecido princípio da igualdade, afirmando que: “Todos são iguais perante

a lei, sem distinção de qualquer natureza [...].” e ainda, podendo ser

destacado o estatuído no inciso XLIX, do mesmo artigo 5º, o qual

estabelece que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e

moral.”

O também conhecido “Princípio da Legalidade” estatuído no inciso

II, do artigo 5º da nossa Carta Política em vigor e expresso nos dizeres que

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei”, traduz-se no fato que toda a legislação infraconstitucional do

país deve se vergar as regras estabelecidas na Constituição e obediência

hierárquica aos critérios de legalidade ou, como nos dizeres de Pimenta

Bueno (apud SILVA, 2006, p. 81):

A liberdade não é, pois exceção, e sim a regra geral, o princípio absoluto, o direito positivo; a proibição, a restrição, isso sim é que são as exceções, e que por isso mesmo precisam ser provadas, achar-se expressamente pronunciadas pela lei, e não por modo duvidoso, sim formal, positivo; tudo o mais é sofisma. Em dúvida, [conclui] prevalece a liberdade, porque é o direito, que não se restringe por suposições ou arbítrio, que vigora, porque é facultas ejus, quod facere licet, nisi quid jure prohibet.

É certo que desde os tempos de Beccaria muita coisa mudou em

relação a aplicação da pena, ou pelo menos deveria ter mudado, já que a

própria Constituição em vigor ressalta no inciso III, do artigo 5º, que

“ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou

degradante”, elevando assim a dignidade da pessoa humana em verdadeiro

fundamento do Estado Democrático de Direito e perfeitamente em harmonia

com o disposto no inciso XLIX deste mesmo artigo, relacionado ao direito

dos presos ao respeito e à integridade física e moral.

Portanto, cumpre ressaltar que nos dias hodiernos a integridade

física do preso se tornou um dos alicerces que melhor representa a

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45 dignidade humana, razão pela qual o Direito repele fortemente agressões tal

qual a tortura.

Certamente que a evolução é lenta, mas contínua e em países

onde impera a democracia e o Estado Democrático de Direito muito já foi

conseguido. Hoje, por exemplo, não se tem mais penas de exílio ou

banimento, e até mesmo a pena de multa não mais pode ser convertida em

privação de liberdade, como, aliás, era até bem pouco tempo. Mais o que se

considera mais importante é sem dúvida ser a pena definitivamente

reconhecida como personalíssima, não podendo passar da pessoa do

apenado e havendo até limite temporal para o seu cumprimento, já que

aboliu-se a prisão perpétua e a pena de morte, desde que não seja em

regime de exceção, conforme dispõe a letra “b”, do inciso XLVII, do mesmo

artigo 5º da Constituição Federal em vigor.

Embora esteja a falar sobre lei, legalidade, sabe-se que muitas

arbitrariedades são cometidas no nome do Estado, de forma disfarçada ou

velada, em verdadeiro desrespeito aos direitos do homem e tolhendo

plenamente sua dignidade. Tal fato não é difícil de ser encontrado, já que

praticamente todos sabem das arbitrariedades ou dos abusos de poder

cometidos contra presos ou, em geral, aos menos favorecidos sócio-

financeiramente.

Os próprios meios de comunicação em seus noticiosos nos

saturam de noticias a tal respeito. Fato notório e inconteste, que certamente

ainda será levado um bom tempo para expurgá-lo, mesmo porque, antes de

tudo, deve haver “mudança” nas pessoas, o que invariavelmente trará

reflexos nas autoridades.

Apenas para não ficar só na retórica, e passando a um caso mais

concreto, pergunto aos nativos ou aos que aqui já convivem há algum

tempo, se não lembram o “famoso” caso acontecido há alguns anos em que

um operário foi achado enrolado por um tapete em uma das salas de uma

delegacia em pleno centro da cidade de Fortaleza/CE. Fato fartamente

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46 noticiado pela imprensa e com acompanhamento por parte da Ordem dos

Advogados do Brasil (OAB) e de diversas entidades que representam os

direitos humanos. Se esse fosse o propósito do presente trabalho, uma

série de outros casos seriam enumerados sem qualquer dificuldade,

demonstrando que os direitos dos presos são desrespeitados mesmo antes

de uma condenação definitiva, ainda quando na fase investigatória.

Ora, a própria manutenção dos presos em alguns ambientes já é

de fato considerado tratamento desumano ou degradante, pois só quem já

teve a oportunidade de realmente conhecer algumas delegacias, presídios,

casas de detenções ou outros lugares análogos para o recebimento de

presos sabe-se exatamente do que se estar falando. Como já dito, não

estar-se aqui querendo defender incondicionalmente os “direitos” dos presos

e nem compactuar do velho chavão muito utilizado por advogados,

notadamente criminalistas, que cadeia não recupera ninguém.

No entanto, levando-se em consideração a política criminal ora

empregada, não se pode deixar de reconhecer parcela de verdade em tal

afirmação, mesmo porque é exatamente sobre isso que se está falando, da

falência da Lei das Execuções Penais. Contudo, tal falha advém muito

menos da desnecessidade de prisão para quem comete algum ato ilícito

considerado grave, mas, sobretudo, pela falta de investimento e de vontade

governamental e pela própria apatia da sociedade. Como alguém pode

deixar de sofrer tratamento desumano ou degradante quando as nossas

cadeias, em sua grande maioria, mais parecem masmorras, são sujas e

cheiram mal, sendo sério vetor de transmissão de doenças, muitas delas

infecto-contagiosas.

Torna-se difícil passar mais de um dia sem que não seja veiculada

notícias dando conta do descumprimento de direitos dos presos, como

matéria publicada em 18.8.2008, no Jus Brasil (on line) na qual aduz que:

Estudos do Ministério da Justiça e da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas revelam que no Brasil há cerca de 80 mil presos provisoriamente, ou seja, sem que tenham sido condenados

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e cerca de 54 mil condenados por crimes de baixo ou médio potencial ofensivo, o que significa que poderiam cumprir medidas alternativas. Eles representam mais de 30% dos 422.373 presos do país.

Segundo a radiografia feita pela revista Super Interessante e que

gerou a reportagem intitulada A Cadeia Como Você Nunca Viu, ressalta a

mesma que:

[...] Em 2002, havia 240 mil presos para 182 mil vagas, ou seja, 58 mil presos a mais do que o sistema carcerário comporta. Em 2007, esse déficit já estava em 157 mil presos – 437 mil para 262 mil vagas. Aí complica. Tanto que, hoje, 13% dos detentos que já foram julgados estão cumprindo pena em delegacias. (SUPER INTERESSANTE 2008, p. 56).

Daí, invariavelmente, decorre a transgressão a várias outras

normas de cunho constitucional, já que a intimidade do preso, sua honra e a

vida privada passam a ser violadas. Somente para não ficar no

esquecimento, chama-se a atenção para o que disciplina os seguintes

incisos do artigo 5º, da nossa Carta Política:

Art. 5º - (…) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.

Durante os dez anos à frente da Execução Penal na Comarca de

Iguatu pode-se perceber nitidamente que o recluso encontra-se muito mais

preocupado em adquirir sua liberdade ou, pelo menos, conseguir uma

progressão do regime quando se acha recluso que com uma prestação mais

eficiente dos demais tipos de assistência decorrentes do Artigo 11 da LEP,

daí o tamanho da importância de uma eficiente assistência jurídica.

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48 2.4 Da assistência educacional

Outro fator de grande importância perante os estabelecimentos

prisionais e que vem sendo negligenciado pelo Estado ao longo do tempo,

mesmo porque a grande massa do contingente carcerário, quase a sua

totalidade, é formada por analfabetos ou pessoas com pouco grau de

instrução.

Gráfico 2 – Escolaridade dos detentos da cadeia pública de Iguatu/CE.

Fonte: Equipes formadas por alunos do Curso de Direito da URCA/UDI de Iguatu – Disciplina Direito Constitucional II – 25 de junho de 2008.

Dados colhido por alunos da URCA junto aos que cumprem pena

em regime fechado na cadeia pública de Iguatu, colhidos por amostragem,

revelam que de 14 presos entrevistados 2 não tem escolaridade, 10

possuem o Ensino Fundamental incompleto e apenas 2 o Ensino

Fundamental completo. Tal nível baixo de escolaridade reflete

inevitavelmente na própria obtenção de empregos, pois, segundo ainda tal

levantamento, apesar dos 14 presos ouvidos terem dito ter ocupação

anterior antes de serem presos, na realidade, na maioria dos casos, tal

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49 ocupação não passa de “bico” e não de emprego fixo, pois, com relação a

média da renda familiar de tais reclusos, 10 ganham menos que um salário

mínimo por mês, somente 2 disse ter renda familiar a um salário mínimo

mensal, ao passo que 2 especificou a renda.

A situação só se agrava quando se sabe que na prisão os que ali

se encontram não tem quase que nenhuma oportunidade para conseguir se

alfabetizar ou continuar a progredir nos estudos, tendo na própria

superpopulação carcerária um fator de empecilho nesse sentido.

Muito embora educação seja um direito de TODOS e DEVER do

Estado, inclusive em relação a comunidade carcerária, conforme se

depreende do exposto no Artigo 205 da Constituição da República em vigor,

estabelecendo que:

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Certamente que tal realidade passa longe das cadeias deste país.

Segundo a direção da cadeia pública de Iguatu, devido a contrato

em convênio firmado entre Secretaria de Justiça e a Secretaria de Educação

do Estado do Ceará, os presos tiveram aulas regulares apenas por um

período de dois anos consecutivos, fato acontecido já há alguns anos, mas

que não teve continuidade. Aliás, quanto a continuidade de ação dessa

natureza pesa o elevado número de presos, como já dito, além da grande

rotatividade dos mesmos, seja pelo cumprimento da pena ou pela mudança

do regime.

Ainda no aspecto relativo a educação, quero lembrar que o § 1º,

do Artigo 208, da Constituição de República consagra a educação como

sendo uma obrigação do Estado e que o acesso ao ensino obrigatório e

gratuito é direito público subjetivo.

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Dessa forma, pela importância da educação na vida do cidadão a

Lei das Execuções Penais não poderia deixar de estabelecer tal meta como

uma prioridade dando acesso a educação aos reclusos ou que cumprem

pena em sistema de prestação de serviços ou mesmo em regime menos

gravosos que o fechado, justamente ao dispor em seu Artigo 17 que a

assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação

profissional do preso e do internado.

Ora, se os princípios mais básicos e fundamentais dos presos são

desrespeitados, o que dizer então da assistência na área da educação.

Afora alguns projetos esparsos e na maioria das vezes elaborados por

entidades privadas ou pela própria sociedade civil, praticamente não se vê

qualquer projeto governamental nesse aspecto, fato que, infelizmente, não

nos traz estranheza, já que os próprios cidadãos carecem de uma melhor

atenção nesse setor.

Como se pode perceber pelos dados anteriormente lançados, a

grande massa de presos recolhidos a cadeia pública de Iguatu é composta

por pessoas de baixa ou nenhuma escolaridade e sem qualquer perspectiva

em relação a uma vida melhor e uma inserção na sociedade quando saírem

da reclusão. Dessa forma, torna-se extremamente difícil se falar em

ressocialização ou inserção social para muitos daqueles que nunca a

conheceram e que tais palavras soam apenas como algo bonito,

notadamente nos discursos políticos e de “autoridades” no assunto.

Por outro lado, a assistência educacional aqui pretendida há de

ser considerada de forma a mais ampla possível, ou seja, não somente no

sentido de abranger a escolaridade e a cultura, como também hábitos

básicos de higiene e cortesia, coisa sem dúvida, em sua grande maioria,

bem distante dos presos de uma cadeia pública interiorana.

Em artigo publicado na internet intitulado “Crise na execução

penal III: da assistência jurídica e educacional”, datado de 22 de abril de

2005, da autoria de Renato Marcão – membro do Ministério Público do

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51 Estado de São Paulo, assim se posiciona o autor a respeito de tal tema:

Tais dispositivos estão em harmonia com as Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Reclusos, adotadas em 31 de agosto de 1955, pelo Primeiro Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes; com as Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil - Resolução n.º 14, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), de 11 de novembro de 1994 (DOU de 02.12.94), e com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, estando expresso nesta que : "Todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito" , e que: "A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações, e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz".

De se ressaltar, ainda, que as previsões também se coadunam

com o Conjunto de Princípios para a Proteção de Todas as Pessoas

Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou Prisão - Resolução n.º 43/173,

da Assembléia Geral das Nações Unidas - 76ª Sessão Plenária, de 9 de

dezembro de 1988, e com os Princípios Básicos Relativos ao Tratamento de

Reclusos, ditados pela Assembléia Geral das Nações Unidas, visando a

humanização da justiça penal e a proteção dos direitos do homem.

A regra do Artigo 17 da Lei de Execução Penal vem

complementada pelas disposições do Art. 18, segundo o qual o ensino de

primeiro grau será obrigatório, integrando-se no sistema escolar da Unidade

Federativa, que também encontra suporte nas Regras Mínimas para o

Tratamento do Preso no Brasil. Resolução n.º 14, do Conselho Nacional de

Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), de 11 de novembro de 1994,

Diário Oficial da União (DOU) de 02.12.94), cujo Art. 40 dispõe que a

instrução primária será obrigatoriamente ofertada a todos os presos que não

a possuam, sendo que o teor do disposto em seu parágrafo único, cursos de

alfabetização serão obrigatórios e compulsórios para os analfabetos

(MARCÃO, 2005, on line).

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Percebe-se, pois, que a realidade ainda encontra-se bem distante

para assegurar as orientações legais estabelecidas na legislação, inclusive

de cunho internacional para preservar o direito ao preso a uma educação,

senão de boa qualidade, pelo menos eficiente no sentido de incutir-lhe um

pouco de cultura e sabedoria.

2.5 Da assistência social

Apesar de ser enfático e extremamente claro o Artigo 22 da LEP

ao dispor que: “A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o

internado e prepará-los para o retorno à liberdade”, facilmente se percebe

ser letra morta tal dispositivo, pelo menos em relação a estabelecimentos

penais inserido em cidades de pequeno e médio porte, tal qual Iguatu.

Demonstrando a importância dedicada a tal assunto, a LEP não só

diz ser devido ao recluso a assistência social como também especifica os

modos e a forma como a mesma deverá prestada, dizendo logo no artigo

seguinte:

Art. 23. Incumbe ao serviço de assistência social: I - conhecer os resultados dos diagnósticos ou exames; II - relatar, por escrito, ao Diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo assistido; III - acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias; IV - promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação; V - promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade; VI - providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da Previdência Social e do seguro por acidente no trabalho; VII - orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da vítima.

Apesar de ser um dever do Estado, nada obsta que o trabalho de

assistência social seja efetivamente prestado por empresas privadas ou

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53 mesmo pela comunidade. No entanto, tal trabalho se mostra muito

inconsistente tanto na esfera pública quanto por iniciativa privada, já que

ainda há grande estigma nas pessoas em lidar com presos, notadamente

nesses tempos de violência crescente onde muitos entendem até que a

pena capital é a solução.

Com efeito, sem qualquer perspectiva de ascensão profissional ou

enquadramento social que lhe permita uma ocupação honesta e digna,

inclusive no tocante a remuneração, a maioria dos presos regridem logo que

têm oportunidade de sair do cárcere, mesmo sendo apenas por progressão

de regime. Os números estampam tal realidade, já que pelas cartas de

guias hoje em tramitação na Primeira Vara do Fórum de Iguatu, se percebe

que a grande maioria dos apenados têm condenação em vários processos,

alguns ainda em pleno trâmite, como já demonstrado anteriormente.

Os Conselhos da Comunidade, que é órgão auxiliar do Poder

Judiciário, embora não criados especificamente para atuação na área social,

vem demonstrando ser de grande ajuda.

As regras para a organização dos Conselhos da Comunidade vêm estabelecidas por meio da Resolução de n.º 10 de 8 de novembro de 2004, estipuladas pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, que reafirmou as competências estipuladas na Lei de Execução Penal a qual dispõe em seu artigo 81, que: Art. 81. Incumbe ao Conselho da Comunidade: I - visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos penais existentes na comarca; II - entrevistar presos; III - apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho Penitenciário; IV - diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento. Por outro lado, as atribuições do Conselho da Comunidade especificadas no art. 5º da resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária vêm assim enumeradas: I) visitar, pelo menos mensalmente, os estabelecimentos e os serviços penais existentes na Comarca, Circunscrição Judiciária ou Seção Judiciária, propondo à autoridade competente a adoção das medidas adequadas, na hipóteses de eventuais irregularidades; II) entrevistar presos;

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54

III) apresentar relatórios mensais ao Juízo da Execução e ao Conselho Penitenciário; IV) diligenciar a obtenção de recursos materiais e humanos para melhor assistência ao preso ou internado, em harmonia com a direção do estabelecimento; V) colaborar com os órgãos encarregados da formulação da política penitenciária e da execução das atividades inerentes ao sistema penitenciário; VI) realizar audiências com a participação de técnicos ou especialistas e representantes de entidades públicas e privadas; VII) contribuir para a fiscalização do cumprimento das condições especificadas na sentença concessiva do livramento condicional; bem como no caso de suspensão condicional da execução da pena e fixação de regime aberto; VIII) proteger, orientar e auxiliar o beneficiário de livramento condicional; IX) orientar e apoiar o egresso com o fim de reintegrá-lo à vida em liberdade; X) fomentar a participação da comunidade na execução das penas e medidas alternativas; XI) diligenciar a prestação de assistência material ao egresso, como alimentação e alojamento, se necessária; XII) representar à autoridade competente em caso de constatação de violação das normas referentes à execução penal e obstrução das atividades do Conselho. (BRASIL, 2004).

Pelo menos isso é o que acontece em Iguatu onde tive a

oportunidade de fundar referido Conselho no ano de 2003, tendo à frente do

mesmo a advogada determinada e batalhadora - Dra. Bernadete dos Santos

Bitu, incansável combatente em prol de melhorias aos reclusos.

Como se pode observar, o Conselho da Comunidade pode dar

uma grande parcela de contribuição e fazer uma espécie de elo entre o

público e o privado, entre o Estado e a sociedade na tentativa de minorar as

deficiências do sistema prisional e buscar algum alento aos presos e aos

familiares dos mesmos, já que os reflexos são diretamente proporcionais,

inclusive orientando aos enclausurados e familiares dos mesmos sobre os

direitos do preso, como por exemplo, o especificado no inciso L, do artigo

5º, da Constituição Federal de 1988, quanto as condições para que as

presidiárias possam permanecer com seus filhos durante o período de

amamentação; ou mesmo pleito de benefícios perante a assistência social,

tal qual o auxílio-reclusão especificado no inciso IV, do artigo 201, da

Constituição Federal e Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991, combinada

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55 com o Decreto n.º 3.048, 06 de maio de 1999,e Portaria MPS n.º 119/2006.

2.6 Da assistência religiosa

Sem dúvida que a religião exerce influência muito positiva em

relação aos presos. É uma verdadeira “válvula de escape” que ajuda o

recluso a suportar os difíceis dias na prisão. Portanto, deve ter sua pratica

aceita, e até incentivada pelo Estado.

Embora sejamos um país leigo, laico e não confessional desde a

Constituição da República de 1891, sabe-se que no Brasil predomina a

Religião Católica com diversas ramificações e que as mesmas atuam de

forma intensa nos locais onde se concentram grande número de reclusos e

que tem sido responsável por um grande número de recuperação de ex-

presidiários.

Notadamente quanto a casa de detenção de Iguatu, esta já teve

período de maior intensidade quanto a participação de congregações

religiosas fazendo trabalho de evangelização naquele local, como é o caso

da Pastoral Carcerária e de grupos evangélicos, que passaram a se

ausentar tendo em vista a insistência dos presos em fazer pedidos

impertinentes e descabidos como a aquisição de bebidas alcoólicas e

cigarros, como me foi repassado pela diretoria.

Segundo Brito (2006, p. 101):

O direito do preso à assistência religiosa é garantia prevista em diferentes diplomas legais, desde a Constituição Federal de 1988, além da Lei de Execução Penal (Lei n.º 7.210, de 11 de julho de 1984), Decretos de diferentes Estados e Municípios brasileiros, Acordos etc. lembrando que a Lei Federal n.º 9.982, de 14 de julho de 2000, assegura aos religiosos de todas as confissões o acesso aos hospitais, aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar atendimento religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes.

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56

A Lei de Execução Penal, datada de 11 de julho de 1984, no seu

artigo 41, inciso VII, assim estabelece como direito do preso a assistência

material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa.

Finalmente, cumpre ressaltar ainda que no artigo 24 do mesmo

diploma, é assegurada ao preso a assistência religiosa, dispondo referido

dispositivo:

Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa. § 1º - No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos. § 2º - Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa.

Tal disposição harmoniza-se com as diretrizes esculpidas com

base principiológica que integram os direitos fundamentais do homem,

perfeitamente expostos no Artigo 5º, no qual se denotam, em especial, os

seguintes incisos:

Art. 5º - (…) III - É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado livre exercício dos cultos religiosos. (...) VII - É assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva. VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política.

Pode-se se dizer com certeza que os problemas apresentados em

nosso sistema prisional ainda não se apresentam em maiores proporções

em grande parte graça a prática de atos e confissões religiosas que

acontecem naqueles estabelecimentos, constantemente freqüentados por

católicos, evangélicos, espíritas etc. que independentemente da fé

professada, tentam levar alento e esperança aqueles que não têm nada,

nem mesmo a liberdade, e encontram na religião uma tábua de salvação ou

alívio para seu martírio. Portanto, tal pratica deve ser incentivada ao

máximo.

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57 3 DIFICULDADES DE ORDEM PRÁTICA

Primeiramente cumpre ressaltar um fato bastante conhecido por

todos, mas que sempre parece ser esquecido ou negligenciado quando da

aplicação de uma lei válida em todo o Território Nacional, ou seja, a

dimensão continental deste país e as várias peculiaridades existentes entre

as diversas regiões, fato que torna muito difícil a aplicação de lei a nível

nacional - tal qual a LEP, de forma unificada e igualitária.

Com efeito, logo em seu artigo 1º, diz a Lei n.º 7.210, de 11 de

julho de 1984, ao tratar do objeto e da aplicação da Lei de Execução Penal,

que: “A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.” (grifou-se).

Como se vê, revestida de nobre propósito, mas de difícil aplicação, pois,

como tentarei demonstrar, tal dificuldade já começa antes mesmo da prisão,

mas em família, em local de moradia onde se peca bastante pela falta de

amparo do Estado.

Segundo dados colhido junto a 1ª Vara da Comarca de Iguatu/CE,

responsável pelos crimes dolosos contra a vida e pela execução penal, por

conta do que dispõe o Código de Divisão e Organização Judiciária do

Estado do Ceará - Lei n.º 12.342, de 28 de julho de 1994, em período

relativo aos últimos dez anos, conforme formulário em anexo, pode-se

perceber que a quase totalidade dos presos que integram o sistema

carcerário daquele município, seja no regime fechado, aberto ou semi-

aberto, são oriundos da classe baixa, ou seja, privados de bons salários e

emprego fixo e estabilizado, de profissão qualificada e, muitas vezes,

vivendo da informalidade ou de “bicos”.

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Com efeito, o contingente carcerário de Iguatu encontra-se assim

representado: 3

1. Presos em regime fechado: ................................................115

2. Presos em regime semi-aberto:...........................................019

3. Presos em regime aberto:....................................................008

Total:...................................................................................142

Em relação ao sexo (regime fechado):

1. Presos do sexo masculino:.................................................112

2. Presos do sexo feminino: ..................................................003

Total.......................................................................................115

Com relação ao grau de estudo (regime fechado):

Presos analfabetos .................................................................014

Presos que têm o 1º Grau incompleto......................................086

Presos que concluíram o 1º Grau ............................................009

Presos que concluíram o 2º Grau ............................................006

Presos com nível superior incompleto ....................................000

Presos com nível superior completo .......................................000

Total.......................................................................................115

Com relação a empregos temos:

1. Presos com profissão definida ............................................ 036

2. Presos com carteira assinada...............................................022

Total……………………………………………………………………….057

3 Dados referentes ao dia 02.10.08, data em que foi protocolado o Oficio de n.º 512/08,

datado de 26 de setembro de 2008, da lavra da Direção da Casa de Detenção de Iguatu/CE.

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É bom que se observar que o baixo nível social e econômico dos

presos não pode ser justificado como única fonte para abalizar os crimes

cometidos pelos mesmos, embora não se possa negar ser certamente um

forte fator de incentivo, diria até uma espécie de catalisador para o

cometimento de contravenções.

Dessa forma, o que mais se vê na cadeia pública de Iguatu é

justamente presos pobres, sem instrução e muitas vezes abandonados

pelos advogados, que em sua grande maioria os esquece após a

condenação. Não raramente há abandono até por parte dos familiares.

Basta uma simples visita a cadeia pública de Iguatu para se

perceber que menos de 10% (dez por cento) dos reclusos que se encontram

recolhidos àquele local têm o patrocínio de advogado constituído, o que

demonstra claramente a deficiência da Justiça nesse setor e reforça o dito

popular que cadeia neste país só funciona para pobres, pretos e prostitutas.

Sem entrar no mérito quanto à necessidade da criação de um

Código de Processo Penal inteiramente novo, como vem sendo defendida

tal idéia por alguns juristas e estudiosos, o certo é que se faz necessária,

pois, rápida e abrangente mudança no sistema, não apenas mudanças

pontuais, mas que abranja não só a aplicação da pena como a própria

legislação penal e processual.

Embora de grande importância, as recentes modificações

introduzidas na legislação processual penal pelas Leis de n.ºs 11.689,

11.690 e 11.719, publicadas no Diário Oficial respectivamente em 10 de

junho do corrente ano (as duas primeiras) e 23 de junho (a última), o certo

que se torna insuficiente tal modificação, no entanto, sendo o prenúncio de

várias outras vindouras.

Na vanguarda da pretendida reforma processual penal e da LEP, o

Estado de São Paulo publicou a Lei n.º 12.906, em abril do corrente ano,

que disciplina o uso de tecnologia no controle do cumprimento de restrição

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60 de caráter penal e processual penal, ou seja, o uso das chamadas

“pulseirinhas” ou tornozeleiras para a fiscalização de condições impostas

por decisão judicial a condenados ou a preso cautelar, como uma espécie

de monitoramento, desde que o preso aquiescesse. Afora o grande debate

que se presta em torno do assunto quanto a constitucionalidade ou não da

referida lei, o certo é que tal atitude já mostra uma vontade de mudança e,

da mesma forma como é utilizada em países considerados desenvolvidos,

trata-se certamente de uma forma para tentar desafogar as prisões.

Mesmo de forma desorganizada e insípida o governo tenta fazer

sua parte no sentido de desafogar e melhorar as condições dos

encarcerados. O Jornal Diário do Nordeste do dia 28 de novembro de 2008

traz manchete com o título JOVENS INFRATORES – Governo Construirá 7

presídios, dizendo referida matéria, que ora transcrevo na integra que:

O Ministério da Justiça entregou ontem o projeto executivo de sete presídios para jovens adultos (com idade entre 18 a 24 anos) a serem construídos nos próximos meses em diferentes estados brasileiros. Cada penitenciária vai gerar 421 vagas e a previsão do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) é de que as unidades estejam prontas no segundo semestre de 2009. Segundo o ministro da Justiça Tarso Genro, os futuros presídios marcam uma mudança conceitual na política penitenciária do país, ao priorizarem as condições de ressocialização. “É a interrupção de uma cadeia de formação de criminosos que abala toda a sociedade. É um investimento altamente positivo, necessário e que não deve ser interrompido”, disse. “Teremos condições reais e efetivas de realizar tratamentos para a reintegração dos presos e assim evitar a reincidência”, acrescentou o diretor-geral do DEPEN, Airton Michels. As unidades prisionais, de âmbito estadual, terão salas de aula onde os detentos receberão cursos educacionais e profissionalizantes. Haverá, ainda, ala de saúde com médicos, psicólogos e assistentes sociais. Cada detento dividirá a cela com outros cinco presos. O único critério a ser respeitado para encaminhamento de condenados aos presídios destinados a jovens será a faixa etária, não havendo restrição quanto ao tipo de crime praticado. Para as construções, o Ministério da Justiça vai repassar em torno de R$: 14,8 milhões a cada um dos sete estados contemplados com os projetos: Bahia, Alagoas, Piauí, Pará, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A iniciativa de criar as unidades prisionais, de âmbito estadual, faz parte do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (PRONASCI). O Brasil tem 112 mil presos com idade entre 18 e 24 anos.

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61

Finalizando este capitulo e ainda na tentativa de demonstrar um

certo engajamento por partes dos órgão e Poderes constituídos, tentando

quebrar a inércia e o marasmo que sempre envolveu a questão prisional

neste país, cita-se notícia veiculada no site Consultor Jurídico do dia 3 de

setembro de 2008, intitulada Controle online – CNJ quer centralizar

acompanhamento de execuções penais, na qual diz que a Comissão

Temporária de Acompanhamento do Sistema Prisional, do Conselho

Nacional de Justiça (CNJ), quer criar um processo eletrônico para

acompanhar as execuções penais de todo o país. A idéia é garantir aos

presos a concessão de benefícios legais que eventualmente não estejam

sendo cumpridos.

3.1 Dar ressocialização.

O que se coloca em questionamento é se esse discurso ideológico

da ressocialização do indivíduo no cárcere teria alguma possibilidade de

êxito. Antes de tudo deve-se compreender a noção de sociedade e de

socialização. Segundo o dicionário Aurélio (1975), a primeira é:

1- um agrupamento de seres que vivem em estado gregário, 2- conjunto de pessoas que vivem certa faixa de tempo e de espaço, seguindo normas comuns e que são unidas pelo sentimento de consciência do grupo; e a segunda é: “1- ato de pôr em sociedade, 2- extensão de vantagens particulares por meios de leis e decretos à sociedade inteira.

Compreende-se assim que sociedade lato sensu seria

compreendida como a nação, mas em stricto sensu poderia ser uma tribo,

um agrupamento organizado, e mesmo os excluídos formariam sociedades

distintas, pois em seu nicho eles compartilhariam de valores, regras, normas

de conduta, normas éticas, etc. Dessa forma, o indivíduo já marginalizado

pelo sistema é posto na prisão, que é uma sociedade infinitamente mais

cruel e neste momento o indivíduo tem que se adaptar às novas normas,

regras de conduta, ética, enfim, uma nova realidade. Aí é que está à

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62 verdadeira ressocialização, quando o indivíduo abandona seus valores e é

forçado a se socializar e se adaptar a outro ambiente.

É uma falácia afirmar que em meio a uma sociedade corrompida,

como a prisão, se possa “reformar” o indivíduo com os valores externos, já

que a realidade vivida pelo preso não transmite os valores que o sistema

quer que o prisioneiro apreenda. É notório que este indivíduo encarcerado,

por uma questão de sobrevivência, irá abrir mão dos valores que carregava

consigo e se ressocializar sob a perspectiva prisional, voltando para a

sociedade (lato sensu) não de forma sã, como a promessa do sistema, mas

trazendo consigo os valores aprendidos na prisão.

Vê-se assim que a ressocialização não está quando o indivíduo sai

da prisão, mas quando ele entra, e neste momento ele é excluído mais uma

vez, não só de sua liberdade, mas ele também perde a sua identidade e

passa a ser apenas mais um indivíduo manipulado pelo Estado, no sentido

de querer que ele absorva os valores que o interessam para servir ao

sistema de produção capitalista neoliberal.

O sistema padece de ampla reestruturação, o que não pode ser

conseguido em curto prazo e sem uma profunda mudança na mentalidade

dos governantes e na própria sociedade, tão responsável quanto o próprio

governo no engajamento de tal mudança, estando as bases ora em vigor em

constante ataque por parte de juristas e estudiosos, fazendo lembrar as

palavras de Leal (1998, p.53), tão adequadas ao contexto ora em estudo,

dizendo respeitável jurista:

É de basilar importância desmistificar o raciocínio de que a prisão deve ter como fim precípuo a ressocialização dos condenados, até porque é cediça a compreensão de que não se pode ensinar no cativeiro a viver em liberdade, descabendo cogitar-se de ressocializar quem de regra nem sequer foi antes socializado. Surpreendentemente, apesar de tudo, a reabilitação, como meta a ser alcançada, inscreve-se em quase todas as legislações do mundo e é cobrada por quantos vêem nas altas cifras de recidiva (os Estados Unidos variam entre 40% e 50%, e os países latino-americanos, embora não exibam estatísticas confiáveis, apresentam índices altíssimos) a prova, de todas a mais cabal, da falência do sistema presidial.

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63 3.2 Será privatização a solução?

Diante do verdadeiro caos que hoje se encontra o sistema

prisional brasileiro a palavra “resolver” tem uma conotação muito forte. Com

efeito, os seguidores de tal tese utilizam como argumento o fato da

privatização ter dado certo nos presídios dos Estados Unidos da América e,

portanto, com as adequações necessárias, poderiam ser utilizada também

no Brasil. No entanto, uma distinção tem que ser feita em relação aos dois

países. É que no Brasil, ao contrário dos Estados Unidos (EUA), não se

admite execução penal que não seja jurisdicionalizada.

Dessa forma, afora problemas éticos e de ordem legal que possam

advir de tal privatização, inclusive com possível desvio de função, por

exemplo, Evandro Lins e Silva nos remete a exemplo mais grave, ou seja, o

uso do estabelecimento para lavagem de dinheiro (IBCCRIM, 2008).

Ainda em sentido contrário a tal privatização Faria (2000, p. 16-17)

levanta os seguintes argumentos:

Numa penitenciária privatizada, por exemplo, em que o preso é convertido em mão-de-obra compulsória, de que modo enquadrar seus deveres, como condenado judicial, com seus direitos trabalhistas, enquanto operário? De que maneira enquadrar esses direitos e deveres previstos em lei com as normas internas de segurança impostas pelas formas de vigilância e voltadas para os ganhos de produtividade? Qual o interesse dessas firmas, cujas ‘fábricas’ podem enfrentar problemas de flutuação de mão-de-obra, em ressocializar os presos que se revelarem excelentes trabalhadores em suas linhas de montagem?

Reforçando os argumentos de José Eduardo Faria, João Marcelo

Araújo Júnior (1995, p. 12-13), segue a mesma linha de raciocínio,

apontando que:

Ao princípio ético da liberdade individual, corresponde a garantia constitucional do direito à liberdade. Essa garantia reconhece, no âmbito da ordem jurídica, o comando ético segundo o qual não será moralmente válido a um homem exercer sobre outro qualquer espécie de poder, que se manifeste pela força. A única coação

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moralmente válida é a exercida pelo Estado através da imposição e execução de penas ou outras sanções. Portanto, o Estado, seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista jurídico, não está legitimado para transferir a uma pessoa, natural ou jurídica, o poder de coação de que está investido e que é exclusivamente seu, por ser, tal poder, violador do direito de liberdade.

Reconheçe-se que o assunto é complexo e, em primeira análise,

não há como refutar os argumentos utilizados pelos competentes

doutrinadores. No entanto, de um modo geral, não concorda-se sem

ressalva com o argumento postulado pelo referido editorial quando se

posiciona no sentido que: “Se a execução penal é uma atividade

jurisdicional e, como se sabe, a atividade jurisdicional é indelegável, por

certo que a administração penitenciária também o será” (ARAÚJO JR.,

1995, p.13).

Isso porque, data vênia, tratando-se apenas da parte

administrativa dos estabelecimentos carcerários, não se vê como tal

atividade possa ser rotulada como indelegável. Afinal, algumas experiências

nesse sentido em várias partes do país, inclusive no próprio Estado do

Ceará, mais precisamente na denominada região do cariri, encontra-se

funcionando com sucesso, tal o caso da Penitenciária Regional do Cariri

(PRIC), que é administrada por empresa terceirizada pelo Estado. Nesse

caso, não se terceirizou a aplicação da pena – que permanece exclusiva do

Estado, mas tão somente a administração de um estabelecimento prisional.

Certamente que o Estado não pode e não deve fugir as suas

obrigações. Contudo, não se pode negar que o estabelecimento

penitenciário que teve a sua administração terceirizada (estar-se falando da

PRIC) dispõe de estrutura muito melhor para a reabilitação do preso, já que

os mesmos dispõe de número limitado por celas, cursos de

profissionalização tal como ourivesaria, padaria etc. além de reunir melhor

condições para o implemento do disposto no Artigo 11 da LEP.

Assim, apesar do alto custo para o Estado que cada recluso

apresenta não se pode negar que as chances de recuperação são bem

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65 maiores, confrontando claramente com a Cadeia Pública de Iguatu que, em

palavras mais ásperas, não passa de um simples deposito humano.

O que não pode é o Estado ficar nessa inércia, discutindo o sexo

dos anjos, elaborando teorias doutrinarias e tentando legislar em confronto

com a realidade social. Afinal, as leis são feitas em função do povo, da

sociedade, e não em confronto com os padrões sociais da mesma, sob pena

de ser inócua, inútil, improdutiva. Não se pode e não se deve ter medo de

inovar, desde que tal inovação, mesmo como fonte do chamado “Direito

Alternativo” venha corresponder aos legítimos anseios da coletividade. Bem

mais desumano e cruel é se fazer de conta que tudo estar muito bem, que

nada estar acontecendo e sempre “empurrando com a barriga” uma

responsabilidade que é nossa, sobretudo do Estado que nesse aspecto,

pouco ou quase nada vem fazendo para reverter tal quadro.

Parece que os doutos se esquecem que não é apenas com a

promulgação de espécie normativa que os problemas serão resolvidos. Não

é preciso ser sociólogo ou assistente social para ver que enquanto não

houver investimento maciço na área de educação, saúde e saneamento

básico, entre outros, gerando e proporcionando uma melhor expectativa de

vida e inserção social, jamais o problema das prisões neste país será

resolvido, tornando-se uma utopia, para não dizer uma grande demagogia,

se falar em ressocialização do preso.

Portanto, defende-se a tese de um maior engajamento da

sociedade para a solução do problema, além de maior investimento na área

social, mesmo porque, cumprindo o governo a sua parte poderá cobrar com

mais eficiência e resultado daqueles que transgridem a lei.

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CONCLUSÃO

Ao término do presente trabalho, por todos os elementos que

serviram de subsídios ao mesmo, pode-se chegar a conclusão de não ser

tão difícil quanto parece a solução ao problema carcerário no Brasil, pelo

menos partindo de uma visão extremante técnica e estrutural, já que não se

trata de uma ciência exata e, portanto, sempre haverá empecilhos e

imperfeições no percurso. Assim, paradoxalmente, parece que a grande

dificuldade reside no fato da própria simplicidade do caso, daí a dificuldade

em sua concretização.

O se quer dizer na realidade é que a essência do problema passa

primeiramente pela conscientização, seja do Poder Público, seja do cidadão

em geral. A persistir tal marasmo, tal inércia social e governamental

conviveremos com o problema por muito tempo, com o agravante de a

situação tornar-se ainda mais aflitiva, pois o trabalho deve começar da

base, ainda com o jovem infrator. Apesar de não gostar de frases feitas não

se pode negar que tem bastante pertinência ao caso a frase que diz algo

como: “O menor infrator de hoje será o bandido amanhã”, ou “Sabendo

educar uma criança não será preciso punir um adulto.” Parece que se

esquecem essas frases e hoje se paga um preço muito alto por isso. Não se

consegue sequer educar nossos jovens, motivo pelo qual não se pode

estranhar o fato de termos falhado na tentativa de ressocialização dos

apenados.

Como já visto, a manutenção de um preso em regime fechado sai

extremamente cara ao Estado, onerando as despesas públicas em algo que

tras muito pouco retorno a sociedade, exceto muitas vezes o prazer de dizer

ter sido feita a justiça. Contudo, sabe-se tratar de mera utopia, pois só

estamos cada vez mais afastando o apenado do seio da sociedade, muitas

vezes satisfazendo um prazer mórbido ao dizer: “Eu disse que não daria

certo” ou “que o preso é irrecuperável.” Pior ainda, pois não raramente

escuta-se frase como “bandido bom é bandido morto.”

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67

Se já não foi dito, diz-se agora que se ousa discordar do

entendimento que pena não ressocializa ninguém. Ressocializa sim, desde

que levada com seriedade e dispondo dos recursos e condições materiais e

de pessoal necessária a real implementação da sua finalidade

ressocializante. Oficinas, trabalhos comunitários, prestação de serviços

públicos com todos os direitos e garantias sendo asseguradas ao recluso

e/ou egresso, certamente irão fazê-lo sentir-se mais útil, lhe dará a

oportunidade de aprender um ofício e, conseqüentemente, dará ao mesmo

melhor chance de ser aproveitado no mercado de trabalho quando puder

sair da prisão.

Afinal, pergunta-se, será que os paradigmas contra os quais se

insurgiu Beccaria são hoje tão distantes quanto aos daqueles tempos? Será

que em pleno século XXI, onde se busca a mais nítida expressão do Estado

Democrático de Direito e se persegue o aprimoramento e o cumprimento

dos direitos e garantias fundamentais, tão bem concebidos pelas

Constituição francesa, encontra-se presente em nossos estabelecimentos

prisionais, cumprindo esses com a finalidade para a qual foram efetivamente

criados? Creio que não.

Pelo que foi abordado no presente trabalho, entende-se que a

situação carcerária neste país só irá realmente ser resolvida, ou pelo menos

amenizada, quando houver investimento adequado no setor, criação de

novos estabelecimentos mais harmonizados ao grau de periculosidade de

cada agente infrator, mas, sobretudo, com profunda mudança no

pensamento e na metodologia dos modos hoje empregados para

“ressocializar” o encarcerado.

De nada adianta somente investimento maciço no setor se a mão-

de-obra necessária para lidar com os presos continua escassa e

despreparada. Se o egresso não tem qualquer perspectiva de conseguir

emprego decente e condigno, o que faz com que o mesmo não tenha

qualquer aspiração a uma ascensão social.

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Na realidade o problema não é fácil de ser resolvido, mas, ao que

parece, também não é tão difícil quanto “pintam”, ou seja, com um pouco de

investimento financeiro e boa vontade das autoridades que lidam com o

assunto, muita coisa pode ser feita. O que realmente não se pode aturar é a

falta de comprometimento, o jogo de empurra das autoridades constituídas,

seja por parte da OAB, seja por parte do Executivo Federal, Estadual e

Municipal, seja pelo Poder Legislativo, pelo Poder Judiciário e pela própria

sociedade em geral.

Na qualidade de juiz das execuções penais de uma das maiores

comarca do Estado do Ceará (Iguatu), fico deverás preocupado com tal

situação, chegando a fazer verdadeiro “malabarismo” no sentido de dar um

pouco de dignidade aos enclausurados na cadeia pública daquela cidade,

onde nota-se o grau de insatisfação da sociedade para com o sistema

carcerário e a noção equivocada que somente medida extrema (tal qual a

pena de morte) possa banir o crime do nosso meio.

Na realidade não se pode culpar o povo por pensar assim, pois a

gravidade da crescente violência no país aliada a falta de estrutura e

preparo das nossas polícias e morosidade do Poder Judiciário passa uma

forte sensação de insegurança e incentivo aos contraventores. Daí o porquê

de ter dito anteriormente que primeiro o Estado deve dar a estrutura e,

então, depois, fazer cobrança à altura.

Seria muito cômodo e injusto apontar aqui como única fonte de

culpa o governo. Claro que a responsabilidade do mesmo é enorme e vem

sendo demonstrado que ele não vem tratando o assunto com a seriedade

que o caso merece. No entanto, as ações no campo de política prisional

deve ser uma constante e o assunto deve ser abordado de frente, sem

demagogias ou meias-palavras para que todos possam se inteirar da real

gravidade do problema. Como ressocializar sem concretizar o lado social?

Impossível.

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Trabalhando há mais de uma década diretamente com presos e

com jovens infratores, mesmo não havendo pesquisa de campo nesse

sentido, pode-se constatar que a grande maioria dos que hoje se encontram

reclusos na Cadeia Pública de Iguatu vêm de lar desorganizado, geralmente

filhos de pais separados ou que passam por extrema necessidade material.

Com certeza muitos dos que hoje se encontram recolhidos a

cadeia pública de Iguatu são jovens, recém-saídos da adolescência, que

respondiam a grande número de atos infracionais quando ainda menor de

idade e que hoje, após o atingimento da maioridade, persistiram na vida

criminosa e pagam pelo delito com a reclusão em uma das celas daquele

triste estabelecimento prisional.

Constata-se, pois, que se o sistema prisional deste país vai de mal

a pior, podendo se dizer o mesmo em relação aos estabelecimentos

destinados a aplicação de medida sócio-educativa para jovens infratores.

É fato notório que a grande maioria das crianças e adolescentes

infratores volta a delinqüir e a se aperfeiçoar na criminalidade culminando

com o recolhimento a estabelecimento prisional quando atingem a

maioridade, quando não tombam mortos antes. Isso é o que se vê

corriqueiramente em Iguatu, sendo alguns jovens infratores bastante

conhecidos da polícia e do Poder Judiciário, o que reflete de um modo

geral, falha nos estabelecimentos destinados a acolher tais jovens, servindo

na maioria dos casos como mero degrau para a ascensão do jovem no

mundo do crime.

Torna-se inútil e inglória a tarefa de atacar somente os efeitos e

não a verdadeira causa do problema. Para se enfrentar com seriedade e

competência o problema, diminuir o grande contingente carcerário e formar

uma nação onde impere o respeito e a ordem deve ser olhado com muito

carinho as crianças em risco ou que cometem atos infracionais. Daí a

importância de uma boa estrutura social.

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O que foi dito até agora é repetido a exaustão por psicólogos,

educadores, políticos etc. sem, no entanto, ser posto em prática. Tendo

melhor concepção de sua condição humana e das regras sociais, será bem

mais difícil o cidadão transgredir a lei. Por outro lado, assim o fazendo,

deverá receber pena correspondente a gravidade do ato praticado e com

oportunidade para que possa voltar ao seio da sociedade complemente

integrada a esta, pois, afinal de contas, se por um lado não está sendo

obedecidas as diretrizes básicas da LEP, por outro lado, também, retirando

a humilhação e o desrespeito por que passa o recluso, a pena nesse país e

muito branda, sendo alguns alentados ainda com certeza da impunidade.

Não há dúvida que o contraventor tem medo de pagar

efetivamente pelo crime cometido. Contudo, no Brasil de hoje o contraventor

joga muito alto na certeza da impunidade, ou que será apenado com pena

muito branda e que, logo em breve, estará solto e apto ao cometimento de

novo delito. Isso cria um círculo vicioso e faz com que o crime seja a única

esperança do preso, sua tábua de salvação em uma sociedade que também

de antemão já o condenou. E nem adianta aqui usar do velho argumento

que cadeia não ressocializa ninguém e que pena pesada não intimida os

infratores, pois, se fosse assim, não existira crime em muitos países que

adotam penas mais duras. Com todo o respeito aos que assim pensam isso

não passa de falácia.

Claro que o crime nunca deixará de existir, e isto já foi dito no

início deste trabalho, pois segundo alguns estudiosos o mesmo é um modo

de “assepsia” da própria sociedade, não havendo qualquer país do mundo,

por mais desenvolvido que seja que consiga abolir definitivamente o crime,

na sua concepção mais ampla. E é para isso que as leis existem, para

tentar torná-la em patamar aceitável e punir aos que cometem

contravenções jurídicas e/ou sociais. O que não pode acontecer, como já

vem acontecendo, é a sociedade tornar-se omissa, passiva, e em uma

democracia representativa, tal qual a nossa, os chamados “legítimos

representantes do povo” tenham medo de proceder a uma reestruturação

geral das leis penais, como recentemente foi feito em um país sul

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71 americano, salvo engano o Chile.

Quem não conhece a historia da Colômbia, país que até bem

pouco tempo atrás tinha algumas das cidades mais violentas do mundo, tal

como Cali e a própria capital – Bogotá, e que enfrentou o problema de

frente, com seriedade, tendo hoje mudado inteiramente o perfil de tais

cidades.

No Brasil, ao contrário, a coisa ainda tomando rumos incertos e

duvidosos. Presos organizam rebeliões e crimes de dentro dos próprios

presídios. Seqüestros, assaltos, latrocínios e tantos outros mais crimes

pesados e que para nós já se tornaram rotineiros. No entanto, em nome de

uma falsa defesa dos direitos humanos, muito pouco é feito no sentido de

coibir tais abusos. Nenhuma sociedade poderá ser realmente livre e

desenvolvida enquanto os direitos humanos e fundamentais não forem

respeitados; no entanto, há de se ter em conta que nenhum direito é

absoluto e que o direito do cidadão, em regra, não se pode sobrepor ao

interesse social. Cabe ao Estado, pois, achar uma forma de equilíbrio onde

seja protegido o cidadão e ao mesmo tempo respeitados os direitos dos

presos na sua plenitude e sua plena recuperação, podendo a sociedade,

também participe nesse processo, orgulhar-se de receber um cidadão

plenamente ressocializado.

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REFERÊNCIAS

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73 CONSULTOR JURÍDICO. Controle online – CNJ quer centralizar acompanhamento de execuções penais, na qual diz que a Comissão Temporária de Acompanhamento do Sistema Prisional, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quer criar um processo eletrônico para acompanhar as execuções penais de todo o país. 3 set. 2008. Disponível em: <http://www.conjur.com.br>. Acesso em: 9 out. 1008. DIÁRIO DO NORDESTE. Jovens Infratores: governo construirá 7 presídios. Caderno Nacional, 28 nov. 2008. ______. Sistema carcerário – CPI denuncia estados nordestinos. Caderno 1, 22 jun. 2008. FARIA, José Eduardo. Privatização de presídios e criminalidade: a gestão da violência no capitalismo. São Paulo: Max Limonad, 2000. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. 14ª impressão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: história da violência nas prisões. Tradução de Ligia M. Pondé Vassallo. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. GRINOVER, Ada Pellegrini. Natureza Jurídica da Execução Penal. In: GRINOVER, Ada Pellegrini (coord.). Execução penal: mesas de processo penal, doutrina, jurisprudência e súmulas. São Paulo: Max Limonad, 1987. IBCCRIM. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. A LEP e a independência judicial. Boletim IBCCRIM, n. 183, ano 15, p. 1, fev. 2008. JUS BRASIL. País possui cerca de 80 mil presos em caráter provisório, 18 ago. 2008. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/noticias/95951/ pais-possui-cerca-de-80-mil-presos-em-carater-provisorio>. Acesso em: 9 out. 2008. KARAM, Maria Lúcia. A privação da liberdade: o violento, danoso, doloroso e inútil sofrimento da pena. Rio de Janeiro: Lúmes Júri, 2008. LEAL, César Barros. Prisão: crepúsculo de uma era. 2 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

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APÊNDICES

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76 APÊNDICES A – Fotos retiradas na Cadeia Pública de Iguatu/CE.

Fonte: Acervo do autor.

Fonte: Acervo do autor.

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Fonte: Acervo do autor.

Fonte: Acervo do autor.

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Fonte: Acervo do autor.

Fonte: Acervo do autor.

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Fonte: Acervo do autor.

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ANEXOS

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81 ANEXO A – Ata de visita a Cadeia Pública de Iguatu/CE.

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83 ANEXO B – Perfil dos presos de Iguatu/CE. Ficha cadastral.

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84 ANEXO C – Governo federal critica privatização de presídios.

Vannildo Mendes da Agência Estado

O Ministério da Justiça não recomenda a idéia e sugere que os

Estados, entre os quais São Paulo (que estuda proposta de privatização),

realizem investimentos maciços para reverter o "quadro trágico" dos

presídios superlotados Diretor do Departamento Penitenciário Nacional,

Airton Aloísio Michels: “Não há saída mágica”.

Foto 8 – Airton Aloísio Michels – Diretor do Departamento Penitenciário Nacional.

Fonte: Diário do Nordeste (2008).

O governo federal considera um equívoco a proposta de

privatização dos presídios, estudada pelo governo de São Paulo como forma

de enfrentar a superlotação do sistema penitenciário estadual. “Não existe

saída mágica, tem que haver investimento”, disse o diretor do Departamento

Penitenciário Nacional (DEPEN), Airton Michels.

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Para ele, a idéia do governador José Serra, apesar das boas

intenções, é uma "solução mirabolante" que não deu certo em nenhum

Estado e, mesmo em outros países, como Inglaterra e EUA, a privatização

ainda está incipiente e restrita.

O Ministério da Justiça, ao qual o DEPEN está vinculado, não

recomenda a idéia e sugere que os Estados, entre os quais São Paulo,

realizem investimentos maciços para reverter o “quadro trágico” dos

presídios superlotados, que não recuperam ninguém e funcionam como

escolas de crime para jovens delinqüentes. “O Brasil precisa fazer muito

para pensar em adotar algum modelo de privatização”, disse o secretário

executivo da Pasta, Luiz Paulo Barreto Teles.

Para ele, a privatização de presídios no Brasil “é uma discussão

refinada para uma realidade ruim demais”. Segundo o secretário, é preciso

também travar uma discussão ideológica sobre o tema, pois a

mercantilização dos presídios, a seu ver, pode até gerar um lobby pelo

aumento das penas. “Afinal, no conceito de mercado, isso vai gerar mais

lucros”. Antes de pensar em presídio-empresa, devia-se, a seu ver, “investir

nos chamados presídio-escola, com aprendizado agrícola, industrial e

técnico dos detentos”.

Relator da CPI do Sistema Carcerário, o deputado Domingos Dutra

(PT-MA) acha que a privatização de presídios pode ser feita, mas apenas

em caráter emergencial, para amenizar a crônica falta de vagas no sistema.

"A superlotação é a mãe das mazelas dos presídios", disse. Ele concorda

com a Parceria Público-Privada (PPP) desde que ela venha acompanhada

do reforço nas defensorias públicas e do estímulo a atividades voltadas para

a recuperação do preso, como trabalho, educação e qualificação

profissional.

Na média nacional, cada preso custa em torno de R$ 1 mil

mensais ao erário público. Pouco mais de 150 mil detentos estão em São

Paulo, onde há um déficit de mais de 40 mil vagas. No modelo de

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86 privatização estudado pelo governador de São Paulo, cada preso vai custar

em média R$ 2,2 mil mensais.

Na avaliação de Dutra, o custo dos detentos hoje é absurdo para o

Estado e para a sociedade. “O apenado sai da cadeia mais velho, sem

qualificação e com um atestado de preso”, observou. “O resultado é óbvio:

ele volta a delinqüir”. Dutra acha que a parceria nos termos analisados em

São Paulo pode ajudar, mas a seu ver o Estado não pode abrir mão da

execução da pena, por seu “relevante interesse público”.

Ele entende também que devem ser evitados os erros cometidos

em experiências anteriores, que acabaram fracassando. “Quando a parceria

fica solta, a empresa paga salários aviltantes aos agentes, presta maus

serviços e se limita a explorar presos de bom comportamento. É preciso

tomar cuidado para que a PPP não vire uma mera fonte de lucro fácil para

empresas e fornecedores.”

E-Mais:

O Brasil tem cerca de 450 mil presos espalhados em mais de

1.200 presídios. O déficit nacional é de cerca de 180 mil vagas.

Dados levantados pela CPI mostram que 82% dos presidiários

brasileiros não estudam nem trabalham. Mais de 90% deles são jovens,

pobres, semi-alfabetizados e negros