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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA UNB INSTITUTO DE PSICOLOGIA IP PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA E CULTURA PCL DA LIBERDADE À PRIVAÇÃO: A SIGNIFICAÇÃO DE MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS PARA ADOLESCENTES E FAMILIARES LUANA ALVES DE SOUZA Brasília-DF 2011

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB

INSTITUTO DE PSICOLOGIA – IP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA E CULTURA – PCL

DA LIBERDADE À PRIVAÇÃO: A SIGNIFICAÇÃO DE

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS PARA ADOLESCENTES E

FAMILIARES

LUANA ALVES DE SOUZA

Brasília-DF

2011

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA – UNB

INSTITUTO DE PSICOLOGIA – IP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA E CULTURA – PCL

DA LIBERDADE À PRIVAÇÃO: A SIGNIFICAÇÃO DE

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS PARA ADOLESCENTES E

FAMILIARES

LUANA ALVES DE SOUZA

Dissertação de Mestrado apresentada no

Departamento de Psicologia Clínica e Cultura

(PCL) do Instituto de Psicologia (IP) da

Universidade de Brasília (UnB) como

requisito parcial para a obtenção do título de

Mestre em Psicologia Clínica e Cultura.

Orientadora: Profa. Dr

a. Liana Fortunato

Costa

Brasília-DF

2011

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Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e

Cultura do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, sob orientação da Profa Dr

a

Liana Fortunato Costa.

Aprovada por:

-------------------------------------------------------------------------------

Profa Dr

a Liana Fortunato Costa

Presidente

---------------------------------------------------------------------------------

Prof. Dr. Benedito Rodrigues dos Santos

Membro Externo

----------------------------------------------------------------------------------

Profa. Dr

a. Maria Inês Gandolfo Conceição

Membro Interno

----------------------------------------------------------------------------------

Profa Dr

a Maria Aparecida Penso

Membro Suplente

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À tia Irene (in memoriam), por ter me

ensinado a importância de inquietar-se perante

o mundo e lutar pelos nossos sonhos. Aos

adolescentes e suas famílias, para que

aprendam a se inquietar com as injustiças do

mundo e a lutar por seus direitos.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente, gostaria de agradecer a todas as pessoas que, de alguma maneira,

estiveram presentes em minha trajetória acadêmica.

À minha família, à minha mãe, ao meu irmão e aos meus tios Paulo e Irene (in

memoriam), que me apoiaram em todos os momentos, comemoram comigo cada conquista e

me ajudaram nos momentos de dificuldade.

À Helô e ao Artuzinho, que tornaram e tornam os meus dias ainda mais significativos,

com sorrisos contagiantes e a vivacidade de seus olhares reluzentes.

Ao Igor, pelo companheirismo e pela paciência infindáveis e por seu amor, elemento

essencial em minha vida. Obrigada por tudo!

À minha tão querida amiga Olga Jacobina, que, por acreditar na minha capacidade,

instigou-me a fazer a seleção do Mestrado em Psicologia. Obrigada pelo estímulo, querida

Jacobina, pelas conversas, pelo apoio, enfim, por sua amizade!

À Profa. Dr

a.Liana Fortunato Costa por ter me acolhido como orientanda e ter me

orientado com tamanha sabedoria. Sua orientação e suporte foram essenciais para que este

trabalho se concretizasse, principalmente, nos momentos de sofrimento.

À Profa. Dr

a. Maria Inês Gandolfo Conceição pelas aulas ministradas, pelo

acolhimento, generosidade e compreensão. Aos demais professores da Pós-Graduação em

Psicologia Clínica e Cultura da UnB pela atenção e conhecimento repassados em sala de aula.

Aos amigos do Mestrado, Bruno e Silvia, pelas conversas, reflexões acadêmicas, dicas

e momentos de descontração e apoio.

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Aos alunos da disciplina Tópicos Especiais em Psicologia da Personalidade –

Adolescente em conflito com a lei, pelos momentos de crescimento e reflexão vividos em

sala de aula, eu aprendi muito com vocês.

À Polliana, que corrigiu o meu trabalho e, mesmo com tantos erros, ainda me fez

sorrir com seus elogios.

À minha querida amiga Juliana, que, mesmo não trabalhando no mesmo lugar,

apoiou-me com sua amizade incondicional, principalmente, nos momentos de crise.

À Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda

(SEDEST), por ter me concedido o tempo necessário para a realização deste trabalho e às

minhas companheiras do Centro de Referência de Assistência Social de Planaltina, Delma,

Sissi e Edilene, pelo apoio e compreensão.

Ao Centro de Integração de Adolescentes de Planaltina (CIAP) e a todos os

profissionais que me auxiliaram na realização do trabalho, disponibilizando seu tempo,

conhecimento e disposição.

A todos os adolescentes e familiares que conheci no decorrer da pesquisa, sem eles,

este trabalho não seria possível.

E, por fim, mas não menos importante, a Deus, por ter me concedido força, coragem e

perseverança diante dos obstáculos que surgiram nesta trajetória acadêmica.

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RESUMO

O presente estudo objetiva investigar o significado que os adolescentes e seus familiares

atribuem à medida socioeducativa de internação e às medidas socioeducativas cumpridas

anteriormente à internação. A partir de uma abordagem qualitativa, foi realizado estudo de

caso de três adolescentes que cumprem a medida socioeducativa de internação no Centro de

Integração de Adolescentes de Planaltina (CIAP) e que já cumpriram outras medidas

socioeducativas anteriormente, bem como suas respectivas famílias. Foram realizadas

entrevistas individuais com os adolescentes nas instalações do CIAP e visita domiciliar para

realização das entrevistas com as famílias. Os instrumentais utilizados foram: observação

participante, diário de campo e entrevistas semi-estruturadas. Para a análise e a interpretação

dos dados, foi utilizada a técnica da análise de conteúdo com a observação para as sugestões

e críticas apresentadas por Minayo (1993 e 1994). Os achados da pesquisa evidenciam que as

medidas socioeducativas são significadas de modo diferente pelos sujeitos pesquisados,

sendo que para as famílias, as medidas em meio aberto são consideradas ineficazes, sendo a

internação a única medida socioeducativa que consegue garantir a “proteção” de seus filhos.

Por outro lado, para os adolescentes, ambas as medidas são significadas como sem

importância para suas vidas, com ressalvas para a internação, por ser a única medida que

consegue provocar “alguma coisa” nos adolescentes, seja raiva, revolta ou sentimento de

injustiça. De modo geral, a medida socioeducativa de internação é concebida de modo

paradoxal, pois, ao mesmo tempo em que restringe a liberdade, um dos direitos fundamentais,

ela garante aos adolescentes o mínimo de proteção que as medidas em meio aberto não

conseguem.

Palavras-chave: adolescência, família, adolescente infrator, medidas socioeducativas.

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ABSTRACT

This study aims to investigate the meaning that adolescents and their families attribute to

socio-educational term of freedom privation and also to the others socio-educational terms

previously attended before the freedom privation. Based on a qualitative approach, it was

conducted a case-study of three adolescents and their families. These adolescents attend to

socio-educational term of freedom privation in the Centro de Integração de Adolescentes de

Planaltina (CIAP) and also they previously attended to others socio-educational terms.

Individual interviews with the adolescents in the CIAP were recorded. It was also conducted

parental visits. It was used the following instruments: participant observation, a field diary

and semi-structured interviews. The data analysis and interpretation was based on Minayo‟s

(1993, 1994) content analysis technique with observation in order to suggest and criticize.

The research findings show that the socio-educational terms are differently evaluated by the

subjects. The families think that the socio-educational terms in open environment are

ineffective while the socio-educational term with freedom privation is the only one which can

guarantee their son‟s protection. On the other side, the adolescents say that both socio-

educational terms are meaningless, except the freedom privation, which causes anger,

rebellion or injustice felling. Broadly speaking, the freedom privation is paradoxical, because

at the same time that restricts freedom, one of the fundamental rights, it guarantees the

minimum of protection that the socio-educational terms in open environment do not.

Keywords: adolescence, family, transgressor adolescent, socio-educational terms

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LISTA DE SIGLAS

CAJE – Centro de Atendimento Juvenil Especializado

CDS – Centro de Desenvolvimento Social

CIAP – Centro de Internação de Adolescentes de Planaltina

CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social

DNCr – Departamento Nacional da Criança

DF – Distrito Federal

FNAS – Fundo Nacional de Assistência Social

FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-estar do Menor

JCAP – Juvenile Counseling and Assessment Program

LA – Liberdade Assistida

LAC – Liberdade Assistida Comunitária

LAI – Liberdade Assistida Institucional

LBA – Legião Brasileira de Assistência

PFMC – Piso Fixo de Média Complexidade

PIA – Plano individual de Atendimento

PNAS – Política Nacional de Assistência Social

PSC – Prestação de Serviços à Comunidade

MDS – Ministério de Desenvolvimento Social

RA – Região Administrativa

SAM – Serviço de Assistência ao Menor

SEAS – Secretaria de Ação Social

SEDH – Secretaria de Direitos Humanos

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SEJUS – Secretaria de Estado de Justiça

SEMSE – Seção de medidas Socioeducativas

SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo

SUAS – Sistema Único de Assistência Social

SGD – Sistema de Garantia de Direitos

SSE – Sistema Socioeducativo

VIJ – Vara da Infância e da Juventude

YCJA – Youth Criminal Justice Act

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Adolescentes participantes entrevistados -------------------------------------- p. 49

Quadro 2 – Famílias participantes entrevistadas ------------------------------------------- p. 49

Quadro 3 – Aspectos observados dos adolescentes ----------------------------------------- p. 58

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Número de adolescentes e jovens no Sistema Socioeducativo, segundo a

modalidade de atendimento no sistema – Brasil (janeiro/2004) ------------------------------ p. 22

Tabela 2 – Detalhamento de despesa da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e

Cidadania do DF, referente ao mês de dezembro de 2009 ----------------------------------- p. 105

Tabela 3 – Comparativo do repasse de recursos destinados à execução das medidas

socioeducativas do Ministério do Desenvolvimento Social para o Distrito Federal, Goiás,

Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo ------------------------------------------------------------- p. 106

Tabela 4 – Quantidade de técnicos e adolescentes em acompanhamento na liberdade assistida

pela SEJUS, 2010 ---------------------------------------------------------------------------------- p. 108

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SUMÁRIO

1. APRESENTAÇÃO ........................................................................................................... 15

2. INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 17

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ................................................................................... 24

3.1. Adolescência e família no contexto do conflito com a lei ........................................ 24

3.2. Adolescência, delinquência e instituições ................................................................. 32

3.2.1. Adolescentes em conflito com a lei: outsiders? ......................................................... 32

3.2.2. Adolescentes em privação de liberdade: instituições. ............................................... 36

3.3. Medidas Protetivas e Medidas Socioeducativas – conceito.......................................... 41

4. MÉTODO ......................................................................................................................... 47

4.1. Contexto da pesquisa ................................................................................................. 47

4.2. Participantes .............................................................................................................. 48

4.3. Instrumentos .............................................................................................................. 50

4.4. Procedimentos ........................................................................................................... 50

4.5. Análise dos dados ...................................................................................................... 53

4.6. Cuidados éticos ......................................................................................................... 54

5. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS ............................................ 56

5.1. Adolescentes e a significação das medidas socioeducativas ..................................... 56

5.1.1. Conhecendo o contexto dos sujeitos ...................................................................... 56

5.1.2. Alan, Breno e Carlos – o que eles têm a nos dizer? .............................................. 62

5.2. Famílias: participação e envolvimento no cumprimento das medidas socioeducativas

................................................................................................................................... 76

5.2.1. “É difícil, mas eu prefiro ele lá do que aqui, aprontando” .................................... 78

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5.2.2. A significação das medidas socioeducativas para as famílias ............................... 83

5.2.3. O envolvimento das famílias na execução das medidas socioeducativas e

perspectivas de futuro ....................................................................................................... 89

5.3. Aspectos institucionais na execução das medidas socioeducativas .......................... 93

5.3.1. O lugar da medida socioeducativa de internação: assistência ou segurança? ....... 97

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 110

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 118

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1. APRESENTAÇÃO

O interesse pelo tema deste trabalho se iniciou quando realizei estágio na Vara da

Infância e da Juventude do Distrito Federal (VIJ – DF), especificamente na Seção de

Medidas Socioeducativas (SEMSE). O resultado deste interesse repercutiu na realização

do meu trabalho de conclusão de curso em minha graduação em Serviço Social, em que

estudei, por meio de análise processual e entrevista com os servidores, de que modo a Vara

da Infância e da Juventude do Distrito Federal fiscaliza a execução das medidas protetivas

aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei. A pesquisa realizada evidenciou que o

trabalho da VIJ em relação à medida protetiva se limitava apenas à expedição de ofícios

aos órgãos de competência. Em contraponto, no caso da medida socioeducativa, existe um

aparato para o acompanhamento da execução, bem como uma preocupação com o

cumprimento desta.

Na linha de pensamento sobre os aspectos da proteção destinada aos adolescentes

autores de ato infracional, passei a refletir sobre possibilidades de mudança no quadro

infracional que as medidas socioeducativas em meio aberto apresentam, uma vez que os

adolescentes são acompanhados dentro do próprio convívio social, ou seja, não são

privados de sua liberdade.

A Liberdade Assistida (LA) e a Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) são

medidas apropriadas para os casos residuais, em que o adolescente tenha praticado ato

infracional não tão grave e necessite de acompanhamento, auxílio e orientação. Tem como

desígnios estimular o convívio familiar, estruturar a vida escolar e profissional, e propiciar

elementos para inserção do adolescente na própria sociedade.

Por serem medidas executadas em meio aberto, a LA e a PSC permitem que o

adolescente em conflito com a lei seja atendido dentro de sua própria comunidade.

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Portanto, essas medidas socioeducativas são, para muitos especialistas, a alternativa mais

humana e pedagógica de se educar os adolescentes, uma vez que este processo ocorre no

próprio convívio social. Entretanto, a atual situação da execução das medidas

socioeducativas em meio aberto tem colaborado com a ideia de que elas contribuem para a

desresponsabilização e para a impunidade dos adolescentes autores de atos infracionais, ao

passo que os serviços estão estruturados, em sua maioria, de forma precária e

desarticulada.

Assim, a efetividade dessas medidas, enquanto alternativas adequadas e humanas à

privação de liberdade, passa a ser questionada justamente por falta de estrutura física,

material e de recursos humanos. Ademais, a desarticulação da rede de proteção ao

adolescente (educação, saúde, assistência etc.), a liberdade assistida e a prestação de

serviços à comunidade abrem espaço para a evasão do adolescente da medida

socioeducativa ou, muitas vezes, o adolescente é considerado em situação de

descumprimento da medida por não conseguirem acessá-lo.

É recorrente nos Centros de Internação histórias de adolescentes que receberam a

internação como regressão da medida socioeducativa por descumprimento da Liberdade

Assistida, por exemplo. Quando o adolescente está privado de sua liberdade, ainda que de

forma precária, ele tem acesso à escola, à saúde, às atividades profissionalizantes, sem

falar da participação das famílias, que ocorre por meio das visitas semanais.

É sobre este contexto que o presente trabalho se faz necessário.

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2. INTRODUÇÃO

Estudar a problemática dos adolescentes em conflito com a lei requer a discussão

sobre seus direitos e deveres. Nesse sentido, convém mencionar as principais concepções

filosóficas que embasam tais direitos.

Três conceitos-chave são fundamentais para a compreensão dos direitos de crianças

e dos adolescentes no Brasil, quais sejam: a categoria menor; doutrina da situação irregular

e doutrina da proteção integral, conforme destaca Martha Machado (2003).

A categoria menor tem sua origem relacionada à uma confusão conceitual entre

crianças e adolescentes desvalidos em seus direitos sociais fundamentais e adolescentes

autores de atos infracionais. Ou seja, conforme expõe Machado (2003), as políticas

públicas da década de 1960, em que pese à política de assistência social, bem como o

ordenamento jurídico do período supracitado, tratavam de ambos os públicos (crianças

desvalidas e delinquentes) de forma idêntica.

Essa confusão conceitual, que “acabou por gerar profundas violações aos direitos

fundamentais mais básicos de ambos os grupos não é nova” (Machado, 2003, p. 29),

remonta à Europa do século XVIII. Resumidamente, é na passagem do século XVII para o

século XVIII que a categoria infância começa a ser concebida pela sociedade.

Contrariamente, na Idade Média, as crianças eram vistas como pequenos adultos e não

existia qualquer diferenciação quanto às suas necessidades e limitações.

Um fato marcante na diferenciação entre crianças e adultos foi a introdução da

escola como instituição. Entretanto, com a revolução industrial e o surgimento de classes

(operários e burgueses), que repercutiu na má distribuição da riqueza socialmente

produzida, uma massa de crianças e adolescentes passou a não ter acesso à escola. Esse

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18

grupo, por sua vez, inserido, grande parte das vezes, precocemente no mercado de trabalho

em condições de exploração, viveu séculos em completa marginalização e miséria.

Nota-se que, a partir de tal contexto de exclusão social, a criminalização juvenil,

praticada em sua maioria por jovens das classes subalternas, começava a inquietar a

sociedade. Esse cenário propiciou a confusão conceitual entre os termos “criança carente”

e “criança delinqüente”, que até hoje continua a produzir seus efeitos na sociedade. E,

desse modo, historicamente foi construída a categoria do “menor”: criança não-escola,

não-família, criança desviante, carente/delinquente, criança em situação irregular

(Machado, 2003).

No que diz respeito ao Direito, em 1899, surge o primeiro Tribunal de Menores,

nos Estados Unidos. Com a constituição dos Tribunais de Menores, toda infância

socialmente desassistida passou a ser controlada por um sistema sociopenal que não

diferenciava a situação de pobreza da prática do crime, ou seja, tratavam-se todos do

mesmo jeito: puniam-se os que cometiam crimes e acreditava-se que, ao se juntar a eles,

estavam prevenindo a criminalidade. Em outros termos, a situação da pobreza era tratava

de modo punitivo e em total negação dos direitos humanos daqueles que já tinham

socialmente os seus direitos fundamentais violados.

Essa concepção ideológica foi inspiradora dos Códigos de Menores utilizados no

Brasil e ficou conhecida como „Doutrina da Situação Irregular‟. Para Machado (2003), a

confusão conceitual entre carência/delinquência contribuiu para a criação de um direito

iníquo por três motivos principais: 1) por empregar a terminologia que criou cisão entre as

crianças e adolescentes em situação regular, merecedoras de garantias processuais, e as

crianças e adolescentes em situação irregular, não merecedoras desse direito material e

processual; 2) por possibilitar a medida de internação para crianças/adolescentes só por

serem de famílias de baixa renda, tratando a situação de pobreza como questão de polícia;

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19

3) por não garantir aos “menores” autores de ato infracional, independente dos atos

infracionais cometidos, direitos humanos elementares, como reserva legal, o contraditório

e a ampla defesa sob o discurso de que a internação seria uma medida de natureza

protetiva e não repressiva.

No Brasil, é nesse contexto e sob a ótica da Doutrina da Situação Irregular que

surgem as agências de controle da ordem pública, como é o caso do Serviço de Assistência

ao Menor (SAM), da Fundação Nacional do Bem-estar do Menor (Funabem) - 1964, da

Legião Brasileira de Assistência (LBA) - 1946 e dos serviços de proteção à maternidade e

à infância da área da saúde, articulados pelo Departamento Nacional da Criança (DNCr),

que possuíam como função primordial a repressão dos comportamentos ditos desviantes,

sendo que a legislação se encarregava de proteger a ordem social contra quaisquer ataques

(Faleiros, 2005).

Conforme expõe Sérgio Adorno (1993), o ingresso de crianças e adolescentes nas

discussões do mundo jurídico ocorria na situação reveladora de patologia social, ou seja,

situações de abandono, de carência, de vitimização e de infração penal. Contudo, tal teoria

era permeada por uma visão da ordem social bastante restrita, sendo incompatível com a

desobediência civil e com comportamentos “desviantes” às normas postas a todos os

cidadãos, independente de suas diferenças sociais e culturais.

É em contraponto a essa concepção de direito do menor que surge o paradigma da

Doutrina da Proteção Integral, a qual considera crianças e adolescentes como sujeitos de

direitos em relação ao mundo adulto; são sujeitos de direitos em suas relações com a

família, a sociedade e o Estado. Nas palavras de Machado (2003), tal doutrina é norteada

pela noção de que

(...) crianças e adolescentes são seres humanos que se encontram numa situação

fática peculiar, qual seja, a de pessoas em fase de desenvolvimento físico, psíquico,

emocional, em processo de desenvolvimento de sua potencialidade humana adulta;

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e que essa peculiar condição merece respeito e para tal há de se compreender que

os direitos fundamentais de crianças e adolescentes são especiais em relação ao

direito dos adultos (há necessidade de direitos essenciais especiais e de estruturação

diversa desses direitos) (Machado, 2003, p. 50).

Ademais, tais direitos são prioritários. Crianças e adolescentes devem receber da

sociedade e do Estado um único e igualitário regime de direitos fundamentais, livres de

tratamento discriminatório ou opressivo, ou seja, a Doutrina da Proteção Integral aponta

como postura “irregular”, não a criança ou o adolescente, como entendia a Doutrina da

Situação Irregular, mas todo e qualquer agente violador, inclusive, ousaríamos dizer,

sobretudo, o próprio poder público (Veronese, 2006).

É a Doutrina da Proteção Integral que irá nortear a Constituição Brasileira de 1988

e, consequentemente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, 1990). O ECA

considera criança os sujeitos que se encontram na faixa etária de 0 a 12 anos incompletos e

adolescente os sujeitos que possuem de 12 a 18 anos incompletos.

Um dos grandes avanços trazidos pelo ECA, conforme expõe Garcia (1999), é que

este inaugura uma nova forma de gerir os direitos da criança e do adolescente, pautada no

Sistema de Garantia de Direitos (SGD), que é definido por Wanderlino (1999) como um

verdadeiro sistema estratégico, jurídico, político e institucional que irá se integrar e se

articular na garantia do acesso de crianças e adolescentes aos serviços e programas

necessários, assim como o acesso à Justiça, por exemplo.

Propõe-se com esse Sistema uma nova gestão dos direitos de crianças e

adolescentes, baseada na articulação de ações governamentais e não-governamentais da

União, dos Estados, do DF e dos Municípios, conforme previsto no artigo 86 do ECA.

Deste modo, observamos a descentralização do poder que antes, conforme o Código de

Menores, era centralizado na figura do Juiz do menor.

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O SGD é concebido em três eixos ou linhas. O primeiro eixo trata da Promoção de

Direitos, que objetiva deliberar e formular políticas públicas (destaque às políticas sociais)

que garantam os direitos das crianças e dos adolescentes, priorizando o atendimento das

necessidades básicas do público em questão. Destacam-se aqui a Seguridade Social

(previdência, assistência social e saúde), educação, dentre outras, conforme prevê o artigo

87 do ECA.

O segundo eixo é o da Defesa de Direitos, que lida com a exigibilidade dos

direitos, ou seja, da responsabilização do Estado, da sociedade e da Família pelo não-

atendimento, atendimento irregular ou violação dos direitos individuais e coletivos das

crianças e dos adolescentes. Encontram-se neste eixo o Poder Judiciário, Ministério

Público, Defensoria Pública, Conselhos Tutelares, Segurança Pública (polícia), Centros de

Defesa, dentre outros, conforme previsto no art. 201 do ECA. Enquanto instrumentos para

a defesa dos direitos, destacam-se: ações judiciais, procedimentos e medidas

administrativas, mobilização social e medidas socio-políticas.

Por fim, o terceiro eixo é o do Controle Social, que diz respeito à vigilância do

cumprimento dos preceitos legais constitucionais e infraconstitucionais e ao controle

externo não-institucional da ação do Poder Público. Trata-se do espaço que a sociedade

civil articula ações por meio de fóruns e movimentos sociais nos espaços deliberativos,

colocando-se como fundamental para a concretização da democracia. Para o estudo em

tela, o SGD tem uma grande utilidade, principalmente o eixo da Promoção de Direitos,

pois é justamente neste eixo que estão as políticas sociais destinadas aos adolescentes em

conflito com a lei, como por exemplo, os programas que executam as medidas

socioeducativas.

A despeito da execução das medidas socioeducativas no Brasil, conforme

levantamento da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do

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Adolescente/SEDH, com base em informações fornecidas pelos estados em janeiro de

2004, existiam 39.578 adolescentes inseridos em medidas socioeducativas no Brasil, o que

corresponde a 0,2% da população total de adolescentes (12-18 anos).

No que tange às medidas socioeducativas em meio aberto (liberdade assistida e

prestação de serviços à comunidade) e meio fechado (internação, internação provisória e

semiliberdade), o quadro abaixo mostra o quantitativo de adolescentes inseridos em cada

modalidade de execução.

Tabela 1 – Número de adolescentes e jovens no SSE, segundo a modalidade de

atendimento no sistema – Brasil (Janeiro/2004)

Modalidade de atendimento N.º de adolescentes % do total

Liberdade Assistida 18.618 47%

Internação 9.591 24%

Prestação de Serviços a Comunidade 7.471 19%

Internação Provisória 2.807 7%

Semiliberdade 1.091 3%

Total Brasil 39.578 100% Fonte: Levantamento da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente/SEDH, com

base em informações fornecidas pelos estados – Janeiro/2004.

Ou seja, por meio da Tabela 1 é possível perceber que 66% dos adolescentes em

questão estão em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto e 34% em meio

fechado. Em relação ao Distrito Federal, 1.423 adolescentes estavam inseridos em medidas

socioeducativas em 2004, o que corresponde a 3,6% do quantitativo total no Brasil. Destes

1.423 adolescentes, 37% estavam em cumprimento de medida socioeducativa em meio

aberto e 63% em medida socioeducativa em meio fechado.

Outro levantamento da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do

Adolescente/SEDH de 2008 aponta informações quantitativas atualizadas sobre execução

da internação provisória e das medidas socioeducativas de internação e semiliberdade

existentes no país, consoante informações dos gestores estaduais.

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Segundo o levantamento em tela, em 2008, o total de adolescentes inseridos em

medidas socioeducativas em meio fechado era de 16.868 adolescentes, ou seja, cerca de

20% a mais que em 2004. Ademais, o Distrito Federal aparece entre os dez estados com

maior população de internos no Brasil. Não foram encontrados dados estatísticos atuais

sobre a situação do DF.

Diante do brevemente exposto, este trabalho tem como sujeitos de estudo os

adolescentes que receberam a internação e outra medida socioeducativa anterior, bem

como suas respectivas famílias. O objeto de estudo é o significado que os adolescentes e

seus familiares atribuem à medida socioeducativa de internação e às medidas

socioeducativas cumpridas anteriormente à internação.

Os objetivos específicos do estudo são: 1) identificar como os adolescentes e suas

famílias significam ambas as medidas socioeducativas; 2) identificar se os adolescentes

estabelecem alguma conexão entre a medida socioeducativa aplicada anteriormente e a

medida de internação e 3) identificar como as famílias percebem o seu envolvimento no

cumprimento das medidas socioeducativas dos filhos.

Parte-se da hipótese – sendo esta compreendida na perspectiva de Pedro Demo

(1994) como uma orientação, uma direção para compreender melhor o fenômeno estudado

e não como algo a ser comprovado – que a medida socioeducativa de internação é

significada pelos sujeitos de forma paradoxal, pois, ao mesmo tempo que transgride o

direito de liberdade do adolescente, ela garante, ainda que de modo precário, acesso à

saúde, educação e profissionalização, enfim, proteção.

Desta forma, parece-nos que é necessário violar o direito de liberdade do

adolescente para conseguir garantir o mínimo de proteção a eles. Portanto, a contrapartida

deste trabalho é também denunciar esta situação contraditória e, a partir de então,

questionar o Estado, a sociedade e a família sobre essa situação.

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3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O trabalho proposto terá como arcabouço teórico a perspectiva sistêmica defendida

por Maria José Esteves de Vasconcellos (2002), ou seja, a compreensão dos fatos

analisados levará em consideração os três pilares do novo paradigma da ciência, quais

sejam, o pressuposto da complexidade, o pressuposto da instabilidade e o pressuposto da

intersubjetividade.

Sobre o primeiro pressuposto, a ideia é ampliar o foco da observação e, por

conseguinte, o fenômeno ao qual me proponho a pesquisar será compreendido dentro de

um contexto, cujo foco passa a ser não o objeto em si, mas as relações do objeto com todos

os elementos envolvidos, de modo a reintegrar o objeto no contexto, interagindo com os

outros sistemas. No que diz respeito ao pressuposto da instabilidade, o fenômeno estudado

será compreendido numa perspectiva de mudança, ou seja, não é algo imutável e sofre

alterações no decorrer do tempo. O fenômeno é modificado pelos sistemas que se relaciona

e também os modifica. O terceiro pressuposto, o da intersubjetividade, faz-se presente uma

vez que a questão proposta para este trabalho levará em consideração não só a minha

observação, enquanto pesquisadora, mas também a percepção que os sujeitos pesquisados

possuem a respeito do tema trabalhado.

3.1. Adolescência e família no contexto do conflito com a lei

Com base nas premissas referenciadas anteriormente, são discutidas duas

categorias fundamentais deste estudo, a adolescência e a família no contexto de conflito

com a lei. Nos termos do ECA (1990), marco legal deste estudo, adolescente é o sujeito

com idade entre 12 e 18 anos incompletos. Assim, compreendemos a adolescência como a

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fase de transição entre a infância e a vida adulta, marcada por diversas transformações e

cujo contexto social é de extrema importância.

Nessa lógica, Marcelli e Braconier (1989) esclarecem que não existe um modelo

único capaz de explicar a adolescência. Logo, a compreensão mais fidedigna do que é a

adolescência deve considerar quatro modelos principais que a descrevem, quais sejam: o

modelo fisiológico (que trata das mudanças no corpo, com ênfase ao período da

puberdade); o modelo sociológico e ambiental (que considera o contexto social, familiar e

cultural do adolescente); o modelo psicanalítico (que abarca questões identificatórias e a

relação da pulsão genital na personalidade) e, por fim, o modelo cognitivo (que considera

as modificações na função cognitiva).

No campo jurídico, Machado (2003) pondera que o texto constitucional considera

crianças e adolescentes pessoas humanas em peculiar condição de desenvolvimento, ou

seja, que ainda não desenvolveram completamente sua personalidade, sendo essa uma

característica intrínseca à sua condição de seres humanos ainda em processo de

transformação, sob todos os aspectos; físico, psíquico, intelectual, moral, social etc.

Para os autores Formigli, Costa e Porto (citados por Schoen-Ferreira, 2010), de

modo geral, a adolescência é iniciada por meio das mudanças corporais advindas da

puberdade e encerra-se com a inserção social, profissional e econômica na sociedade

adulta. Entretanto, Schoen-Ferreira (2010) aponta que “a adolescência, hoje, não é mais

encarada apenas como uma preparação para a vida adulta, mas passou a adquirir sentido

em si mesma” (p. 228).

Não obstante, Carreteiro (2010) pondera que a adolescência corresponde ao ciclo

da vida que mais tem destaque na contemporaneidade, uma vez que, ao ser considerada

como o início da juventude, torna-se objeto de muitas expectativas, visto que os

adolescentes representam a possibilidade de mudanças no futuro.

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A adolescência deve ser considerada em sua multiplicidade, uma vez que

corresponde a uma fase repleta de diversas experimentações, nas quais o adolescente

procura maneiras de apropriar-se de si e, consequentemente, de seu corpo. Tais maneiras

estão estreitamente relacionadas aos contextos familiares, sociais e culturais aos quais os

adolescentes estão inseridos (Carreteiro, 2010).

Castro e Guareschi (2007) contextualizam a discussão sobre a adolescência no que

diz respeito ao fato de vivermos em uma sociedade pautada no consumismo, cuja maioria

dela está excluída do consumo, uma vez não usufrui seus benefícios ou o faz de modo

rebaixado. Para os autores, “o que está posto para se consumir em grande escala são as

formas de existência: os produtos vêm carregados de um modo de ser” (p. 13).

A respeito da adolescência, Fishman (1988) contribui ao enfatizar que a

adolescência é muito mais uma transformação social que biológica, ademais, essa

compreensão psicossocial da adolescência é fundamental na busca por soluções efetivas,

como ocorre no caso dos adolescentes em conflito com a lei.

Para Fishman (1988),

[...] a adolescência passou a existir para satisfazer uma necessidade. Ela é uma

criação das forças sociais, operando na nossa cultura, e não pode ser considerada à

parte de seu contexto social [...] não devemos nos dedicar ao negócio de tratar o

nome da dificuldade - delinquência, comportamento suicida, anorexia e assim por

diante. Em vez disso, devemos voltar nossa atenção para o contexto social que está

criando e mantendo o problema em questão (Fishman, 1988, p. 06).

Ou seja, a adolescência deve ser compreendida dentro de um contexto e, nesse

sentido, a família é um sistema fundamental, visto que é o meio social do qual o

adolescente emergiu, representante dos relacionamentos mais duradouros e onde o

adolescente tem o sustento financeiro primário. Desse modo, é na família que se

concentram grande parte dos recursos para efetuar mudanças, na maioria das vezes

(Fishman, 1988).

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O conceito de família aqui trabalhado a considera como um sistema aberto em

transformação, que opera dentro de contextos sociais específicos, constituído por três

componentes, conforme aponta Minuchin (1982). Primeiro, a estrutura da família é de um

sistema sociocultural aberto em transformação. Segundo, a família passa por um

desenvolvimento, atravessando certo número de estágios, que requer reestruturação.

Terceiro, a família se adapta a circunstâncias modificadas, de maneira a manter a

continuidade e a intensificar o crescimento psicossocial de cada membro.

Nessa mesma linha, Gomes (1987) também conceitua família como sistema que

troca com o meio em que vive informações e com o qual possui interação constante. Nasce

da sociedade, ela a mantém e é mantida por ela, não podendo ser concebida como entidade

isolada.

Assim, a existência de um adolescente em conflito com a lei significa um aviso de

que existem problemas no sistema, pois o adolescente é intensamente afetado pelo

contexto familiar e também afeta o contexto do qual faz parte (Fishman, 1988).

Sobre essa relação do adolescente no contexto familiar, Marcelli e Braconnier

(1989) apontam que o lugar ocupado pelas relações familiares, pela estrutura familiar e

pela personalidade dos pais se mostrou um dos fatores determinantes do que se denomina

“crise do adolescente”.

No que tange aos adolescentes em conflito com a lei, Segond (1992) compreende

que fatores relacionais no âmbito familiar constituem elemento fundamental para a

existência da transgressão. É justamente ao pontuar tal constatação que Segond expõe que

os termos transgressão e família estão situados numa relação dialética e dinâmica, visto

que a transgressão ao mesmo tempo em que se faz no âmbito da família pode situar-se fora

dela.

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Assim, a transgressão é entendida como processo inevitável “que tem seus efeitos

positivos e negativos, segundo os momentos e segundo o ponto de vista, e que pode ser

apontado a cada etapa de desenvolvimento individual inscrito dentro da dinâmica do

círculo da vida familiar” (Segond, 1992, p. 437).

Acrescenta-se a essa conceituação, com base nas exposições do psicanalista Roger

Dorey (citado por Segond, 1992), que nós vivenciamos a transgressão muito mais do que a

compreendemos e que é nessa incompreensão da transgressão que o autor evoca a questão

do duplo vínculo confrontado pelos adolescentes em conflito com a lei.

No que tange ao duplo vínculo, observa-se que este se materializa quando o

adolescente recebe de duas pessoas que lhe são importantes, seja em nível social ou

afetivo, mensagens contraditórias, em que ele acaba por se ver obrigado a obedecer a uma

e, automaticamente, a desobedecer à outra. Ou seja, “qualquer coisa que ele faça, sempre

vai haver alguém que vai considerar o seu ato como não congruente, inadequado ou ilegal;

ele inevitavelmente vai ser perdedor nesse jogo” (Segond, 1992, p. 438). Aqui, faz-se a

transgressão.

Convém expor que esse duplo vínculo não existe somente na relação pai-mãe, mas,

como menciona o autor supracitado, entre pais e educadores; pais e juiz; juiz e educadores

e, arrisco dizer, sociedade do consumo e regras morais postas pela sociedade e

evidenciadas por meio da forma da lei, por exemplo. Ademais, é importante colocar que

não existe causalidade linear nessa relação família e transgressão, não é a toa que uma

mesma família pode abrigar filhos delinquentes e filhos não-delinquentes, pois temos aqui

o princípio da “equifinidade”, ou seja, de que as mesmas causas não produzem os mesmos

efeitos.

Sudbrack (1992) aponta que a função paterna é fundamental para a interiorização

das regras morais, essenciais para o convívio social. Deste modo, a função paterna é

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compreendida em sua dimensão profunda e estruturante do sujeito, indo além da figura do

pai biológico e colocando-se em quatro principais níveis paralelos da paternidade:

paternidade biológica, o pai legal (do registro de nascimento), a paternidade social (o

responsável, o provedor, o educador) e a paternidade simbólica (a lei introjetada – o

interdito).

Assim, no que tange ao conflito com a lei, o contexto da Justiça aparece como

instituição da lei e referência simbólica à função paterna, e a transgressão remete à busca

da lei em um movimento que Sudbrack (1992) denomina da fala do pai à busca da lei. Ou

seja, as transgressões destes adolescentes podem ser entendidas como um chamado, “um

apelo à lei que restando falha na família, torna-se um objeto de busca” (Sudbrack, 1992, p.

454) e que encontra na figura do juiz, como substituto do pai, a imposição de regras,

limites, o interdito.

Segond (1992) faz referência a um tipo de transgressão positiva, ou seja, aquela

que ocorre quando um adolescente está inserido em regras familiares rígidas e repetidas

que não têm mais razão de existir e que negam a autonomia do adolescente. Entretanto,

quando essa transgressão positiva não é percebida pela família, as instâncias educativas e

jurídicas entram no sentido de atuar junto ao adolescente e à sua família com uma

redefinição de regras que favoreçam a retomada de um processo dinâmico. O risco que se

corre é o dessas instâncias repetirem o mesmo sintoma das famílias.

É nesse contexto que se fazem presentes as contradições muitas vezes existentes

entre regras familiares e regras sociais, em que a transgressão da regra familiar tem maior

importância e impacto para a família do que a transgressão da regra social, da lei.

Ressalta-se ainda que a relação adolescente-família é também afetada pelo contexto

social ao qual está inserida, bem como o afeta. Nesse sentido, Segond (1992) acrescenta à

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discussão da família que esta pode ser compreendida enquanto um subsistema dentro da

sociedade. Em outras palavras,

o sistema familiar é, então, um sistema dentro de outro sistema que tomamos como

objeto de estudo, pois ele é o primeiro lugar de socialização do indivíduo, sem, por

isso, ficar isento das influências contraditórias dos sistemas sociais mais amplos,

mesmo se nos limitássemos a uma abordagem dos sistemas em sua função de

educação ou de socialização (Segond, 1992, p. 438).

Ao compreender a influência dos sistemas sociais mais amplos é que Segond

(1992) aponta que, por ser um subsistema dentro da sociedade, “(...) esta mesma exerce

sobre a família, direta ou indiretamente, violências que não são simplesmente erros, mas

que também podem ser quase institucionalizadas” (pp. 442-443). Todavia, é fundamental o

olhar sobre a realidade social à qual os adolescentes em conflito com a lei e suas famílias

vivem.

É valido mencionar que a sociedade está em constante transformação e, logo, a

família também. A família está abrindo mão da socialização das crianças cada vez mais

cedo. A escola, a comunicação de massa e o grupo de iguais estão assumindo a orientação

e a educação das crianças mais velhas. Mas a sociedade não desenvolveu fontes

extrafamiliares adequadas de socialização e apoio.

Assim, Minuchin (1982) pondera que as famílias têm assumido ou renunciado a

funções de proteção e socialização de seus membros em resposta às necessidades da

cultura. “Nesse sentido, as funções da família atendem a dois diferentes objetivos. Um é

interno - a proteção psicossocial de seus membros; o outro é externo - a acomodação a

uma cultura e a transmissão dessa cultura” (p. 52). Para o autor, somente a família,

considerada a menor unidade da sociedade, pode mudar e, apesar disso, manter suficiente

continuidade para criar filhos, que não serão "estrangeiros numa terra estranha", que

estarão firmemente enraizados, o suficiente para crescerem e se adaptarem.

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Para além da discussão sobre adolescência e família, há de se considerar essa

relação num contexto mais amplo, ao qual estão inseridas as instituições, as questões

sociais, por exemplo. Compreender essa relação entre micro e macro nos permite realizar

uma abordagem mais próxima da realidade e, considero maior possibilidade de solução

dos problemas.

Retomando a discussão da adolescência num contexto social, Carreteiro (2010) cita

dois tipos de indivíduos hipotéticos, trabalhados por Robert Castel (1995), que são os

indivíduos “por excesso” e os “por falta”. A primeira categoria hipotética, ou seja, os “por

excesso”,

[...] integram uma teia de pertencimento social positivo que lhes permite ter

suficientes suportes em diferentes dimensões institucionais (educação, saúde,

família, cultura, entre outras). Esse conjunto de suportes vai lhes garantir a não

dependência, favorecendo a construção de posições autônomas. Os segundos, os

„indivíduos por falta‟, têm uma inserção social que, ao contrário, não lhes garante

posições autônomas, mas de dependência; são marcados por uma ausência de

pertencimento institucional positivo (Carreteiro, 2010, p. 17).

Estamos falando de adolescências não só tendo em vista a multiplicidade de

transformações inerentes a esse ciclo da vida, como muito bem pontua Carreteiro (2010),

mas, arrisco dizer, adolescências pensadas no Brasil de hoje, tendo como enfoque esses

dois tipos de indivíduos hipotéticos trabalhados por Castel (2005), ou seja, de grupos que

possuem ou não pertencimento, seja institucional ou social, positivo. No grupo dos “por

falta” se encontram a maioria dos adolescentes que estão em conflito com a lei, por

exemplo.

A emergência do corpo, na adolescência, também pode ser compreendida com base

nas duas categorias hipotéticas de Castel (2005), conforme é trabalhado por Carreteiro

(2010), que abarca especificamente o gênero masculino. A autora coloca que o corpo é

objeto de grandes investimentos subjetivos e que para aqueles adolescentes que não

possuem suportes sociais para investir em seu corpo ou para criar investimentos paralelos

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“o corpo se desdobra em seu próprio suporte subjetivo” (p. 18), tornando-se um capital

cujos sujeitos precisam se construir como viris.

Essa virilidade pode aparecer por meio do reconhecimento da força física, é nesse

sentido que as condições sociais têm grande impacto, pois o tráfico de drogas, por

exemplo, surge enquanto instituição comercial ilícita que representa uma forma dos

adolescentes se afirmarem perante a sociedade (Carreteiro, 2010).

Nessa perspectiva, a adolescência é conceituada não como um período natural de

desenvolvimento, mas sim um momento significado e interpretado pelo homem; um

período sujeito, assim, às diferenças culturais e de classes sociais (Castro & Guareschi,

2007). Nessa lógica do consumo, quando o acesso é limitado por questões de ordem

econômica, por exemplo, as atividades ilícitas, como é o caso do tráfico, surgem como

meio de propiciar o consumo e, logo, de gerar algum tipo de pertencimento.

3.2. Adolescência, delinquência e instituições

O trabalho apresentado possui como sujeitos da pesquisa os adolescentes que

cumpriram medida socioeducativa em meio aberto e que estão em cumprimento de medida

socioeducativa de internação estrita, ou seja, de privação de liberdade. Logo, torna-se

importante situar teoricamente a discussão da delinquência e das instituições que os

acolhem.

3.2.1. Adolescentes em conflito com a lei: outsiders?

O termo “adolescente em conflito com a lei” já denota que o adolescente violou

alguma regra imposta, alguma regra definida em lei. É justamente sobre a violação da

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regra que iniciarei a discussão trazida por Howard S. Becker (2008), em sua obra

Outsiders: estudos de sociologia do desvio.

A proposta de incorporar as contribuições de Becker ao meu trabalho se deve ao

fato de que tal autor apresenta uma perspectiva sociológica sobre os chamados “grupos

desviantes”, o que permite compreender o grupo dos adolescentes em conflito com a lei de

uma maneira diferente em comparação a outras linhas de pensar, dentre as quais destaco a

patológica, ainda muito presente no modo de olhar os adolescentes em contexto.

O próprio autor diferencia sua definição de desvio com relação às definições que

nomeia de estatística, patológica e sociológica relativística. A primeira (concepção

estatística) considera como desviante tudo aquilo que varia de modo excessivo à média,

não considerando certas variações e, portanto, está longe da preocupação com a violação

de regras que inspira outsiders. A concepção patológica - que, arrisco dizer, está muito

presente ainda no modo como se olha os adolescentes em conflito com a lei, identifica o

desvio como algo relacionado à doença e incorpora a ideia de os outsiders serem

funcionais ou disfuncionais ao sistema, sendo, desse modo, refutada pelo autor. Por fim, a

concepção sociológica relativística é a mais próxima da adotada pelo autor, contudo, a dele

se diferencia no sentido de que a concepção apresentada não considera as ambiguidades

existentes no que diz respeito às regras que devem ser tomadas como padrão. O autor

ainda pontua que um mesmo indivíduo pode fazer parte de vários grupos e violar uma

regra por pertencer a outro grupo.

Para Becker (2008), o desvio é criado pela sociedade e, por conseguinte, são as

pessoas que rotulam o comportamento desviante. Nas palavras do autor há um

[...] fato central acerca do desvio: ele é criado pela sociedade. Não digo isso no

sentido em que é comumente compreendido, de que as causas do desvio estão

localizadas na situação social do desviante ou em 'fatores sociais' que incitam sua

ação. Quero dizer, isto sim, que grupos sociais criam desvio ao fazer as regras cuja

infração constitui desvio, e ao aplicar essas regras a pessoas particulares e rotulá-

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las como outsiders. Desse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato que

a pessoa comete, mas uma consequência da aplicação por outros de regras e

sanções a um 'infrator'. O desviante é alguém a quem esse rótulo foi aplicado com

sucesso; o comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam como tal

(Becker, 2008, pp. 21-22).

Nessa passagem, ficam evidentes os conceitos que o autor adota de desvio e de

comportamento desviante, podemos identificar que uma questão primordial nesses

conceitos está relacionada à decisão do grupo hegemônico da sociedade, que decide que

tipo de comportamento é desviante e, portanto, quem é o desviante.

Nessa lógica, Guimarães, Costa, Pessina e Sudbrack (2009) acrescentam que é o

significado atribuído pelas pessoas ao ato cometido, o valor que a sociedade atribui ao ato,

que define o desviante. A identidade do desviante é conferida pelo próprio sistema de

controle. Ao cometer atos de transgressão, o adolescente está em busca de uma identidade,

de uma referência e, logo, a punição significa tanto uma ruptura quanto uma recolocação

do desviante com a sociedade.

Em se tratando do processo de imposição de regras, Becker (2008) coloca que tal

imposição é uma questão de poder político e econômico. Logo, pode-se inferir que o grupo

de adolescentes em conflito com a lei está longe de ser o que impõe as regras, tendo em

vista que dentro da sociedade de economia capitalista está ligada às relações de poder.

Ou seja, impõem as regras os grupos que possuem mais poder político e econômico

dentro da sociedade, pois

diferenças na capacidade de fazer regras e aplicá-las a outras pessoas são

essencialmente diferenciais de poder (seja legal ou extra legal). Aqueles grupos

cuja posição social lhes dá armas e poder são mais capazes de impor suas

regras. Distinções de idade, sexo, etnicidade e classe estão todas relacionadas a

diferenças em poder, o que explica diferenças no grau em que grupos assim

distinguidos podem fazer regras para outros [grifo nosso] (Becker, 2008, pp. 29-

30).

Nessa discussão sobre poder, cabe aqui salientar que estamos em uma sociedade

pautada no consumo. Assim, “podemos perceber que as relações de poder se fazem mais

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efetivas do lado de que processa, detém e produz informação, que é mais veloz e possui

maior capacidade de consumir” (Castro & Guareschi, 2007, p. 3). Logo, se quem cria e

aplica as regras é quem detém poder e quem detém poder é quem pode consumir aqueles

que não podem consumir ou consomem de modo rebaixado, já violam uma regra básica da

sociedade capitalista.

Logo, o conflito com a lei, como bem expõe Souza e Centolanza (2010), pode ser

visto como uma forma de demonstrar descontentamento com a organização da sociedade.

Para os autores e para este estudo, o conflito com a lei é considerado, em alguns casos,

“um grito de socorro do adolescente, uma busca de satisfação das necessidades humanas,

uma estratégia de sobrevivência, mais do que uma proposta política de contracultura”

(p.129). Ou seja, apesar de parecer ilógico, o adolescente viola uma regra estabelecida

socialmente para que possa se inserir naquilo que é aceito socialmente, que é garantido

pela lei, pela ordem estabelecida, mas que ele não tem acesso, principalmente direitos

sociais, como saúde, educação, assistência social, previdência social, habitação, etc.

Castro e Guareschi (2007) colocam que a pobreza e as faltas materiais podem ser

abarcadas como condição prévia de vulnerabilidade que leva o adolescente a um lugar de

exclusão. Nesse sentido,

essa exclusão é não somente econômica, mas acima de tudo diz respeito à ausência

de um lugar no mundo, de pertencimento, de reconhecimento, „de ser alguém‟. Este

alguém é relacionado pelos próprios adolescentes com os valores de adequação às

regras sociais e aos discursos hegemônicos: ter um emprego, uma família, uma

casa, filhos, ajudar economicamente os pais [grifo dos autores]. O cometimento

do delito, paradoxalmente, é algo que os afasta desses objetivos e, ao mesmo

tempo, uma forma de inclusão fora da ordem estabelecida (Castro & Guareschi,

2007, pp. 10-11).

Para esses adolescentes em conflito com a lei, situações de violência fazem parte de

seu cotidiano, o que os torna não só vítimas, mas também causadores dessa violência.

Desse modo, particularmente para aqueles jovens provenientes das camadas mais pobres,

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“a violência pode ser pensada como uma forma de resistir às injustiças sociais e ascender

ao mundo do consumo” (Castro & Guareschi, 2007, p. 4). Tornam-se outsiders não só por

violarem as regras impostas, mas por também não serem inseridos nos padrões

estabelecidos socialmente.

3.2.2. Adolescentes em privação de liberdade: instituições.

A abordagem sistêmica do conflito com a lei nos remete a uma análise que vai

além do contexto familiar e que, portanto, abarca aspectos mais amplos, como

institucionais e sociais. Nessa linha de pensamento, no que concerne às instituições que

acolhem os adolescentes sentenciados com a internação estrita, as contribuições teóricas a

respeito dessas instituições e referenciadas neste trabalho têm como base os autores

Goffman (1996) e Foucault (1987).

Goffman (1996) trabalha com o que denomina de “instituições totais”, ou seja,

aquelas que são mais “fechadas” que outras e esse fechamento é “(...) simbolizado pela

barreira à relação social com o mundo externo e por proibições à saída que muitas vezes

estão incluídas no esquema físico” (p. 16). Essas instituições totais são enumeradas em

cinco agrupamentos, sendo um deles o que interessa a este estudo, que é aquele organizado

para proteger a comunidade contra perigos intencionais e o bem-estar das pessoas assim

isoladas não constitui o problema imediato: cadeias, penitenciárias etc. (Goffman, 1996).

Estão compreendidos aqui centros de internação que, ao contrário do que foi dito, o bem-

estar dos adolescentes internados, de acordo com o preconizado pelo ECA, deveria ser um

dos problemas imediatos.

O autor pontua basicamente quatro aspectos que diferenciam as instituições totais

da vida comum. Primeiro, todos os aspectos da vida são realizados no mesmo local e sob

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uma única autoridade. Segundo, cada fase da atividade diária do participante é realizada na

companhia imediata de um grupo relativamente grande de pessoas, todas elas tratadas da

mesma forma e obrigadas a fazerem as mesmas coisas em conjunto. Terceiro, todas as

atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários, pois uma atividade leva,

em tempo predeterminado, à seguinte e toda a sequência de atividades é imposta de cima,

por um sistema de regras formais explícitas e um grupo de funcionários. Por fim, as várias

atividades obrigatórias são reunidas num plano racional único, supostamente planejado

para atender os objetivos oficiais da instituição (Goffman, 1996).

Sobre este último aspecto, podemos refletir que todas as atividades realizadas num

centro de internação para adolescentes têm por objetivo oficial o que se chama de

reintegração social desses adolescentes, apesar de, creio eu, não ser este o termo mais

adequado. Uma característica central das instituições totais e que gera inúmeras

consequências é o controle de muitas necessidades humanas pela organização burocrática

de grupos completos de pessoas.

Uma primeira consequência seria a vigilância a que os grupos estão submetidos.

Em seguida, tem-se a consequência da divisão básica entre o grupo controlado (os

internados) e o grupo de supervisores (dirigentes, funcionários). Cada um desses grupos

tende a conceber o outro por meio de estereótipos limitados e hostis. “Os participantes da

equipe dirigente tendem a sentirem-se superiores, corretos; os internados tendem, pelo

menos sob alguns aspectos, a sentir-se inferiores, fracos, censuráveis e culpados”

(Goffman, 1996, p.19).

Ainda sobre essa segunda consequência uma observação importante, a mobilidade

social entre estes dois grupos é limitada e normalmente há uma grande distância social,

que geralmente é prescrita. Aqui, podemos enfatizar a relação turbulenta entre os

adolescentes e os socioeducadores.

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As instituições totais são consideradas incompatíveis com a família, outro elemento

decisivo de nossa sociedade, pois a vida familiar muitas vezes é contrastada à vida solitária

ou à vida em grupo dentro das instituições, que dificilmente mantém uma existência

doméstica significativa (Goffman, 1996).

Para Goffman (1996), as instituições totais são um híbrido social, parcialmente

comunidade residencial, parcialmente organização formal. Além disso, o autor considera

que, em nossa sociedade, tais instituições “são as estufas para mudar pessoas; cada uma é

um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu” (p. 22). O autor também pondera

sobre o mundo do internado, perspectiva relevante para este estudo, uma vez que os

sujeitos são os adolescentes em situação de internação estrita.

Quando um novato ingressa em uma instituição total, ele chega com uma

concepção de si mesmo, construída por algumas disposições sociais estáveis no seu mundo

doméstico. Entretanto, o internado é exposto a várias formas de desfiguração e de

profanação, por meio das quais o sentido simbólico dos acontecimentos na presença

imediata do internado deixa de confirmar sua concepção anterior do eu, passando por

algumas mudanças radicais em sua carreira moral, “uma carreira que é composta pelas

progressivas mudanças que ocorrem nas crenças que têm a seu respeito e a respeito dos

outros que são significativos para ele” (Goffman, 1996, p. 24).

Como forma de compensação a essa mortificação do eu, tem-se o que Goffman

(1996) denomina de sistema de privilégios, ou seja, é este sistema que dará ao internado,

em grande parte, um esquema para a reorganização pessoal. Esse sistema é composto por

três elementos básicos, quais sejam: 1) regras de casa: que dizem respeito à rotina do

internado na instituição; 2) prêmios ou privilégios, que são obtidos pelo internado por

meio de sua obediência às regras e à equipe dirigente; 3) os castigos, que são

consequências das desobediências das regras por parte dos internados.

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Essas noções de castigos e privilégios não são retiradas do padrão da vida civil,

sendo algo peculiar à organização das instituições totais e muitas vezes passam a ligar-se a

um sistema de trabalho interno. Ressalta-se que tudo em torno desse sistema de privilégios

gira em torno da liberdade futura, logo, o bom ou o mau comportamento e o cumprimento

das regras estão associados ao tempo de permanência na instituição, por exemplo.

No caso de um centro de internação, o bom comportamento dos adolescentes, a

produtividade e a participação deles nas oficinas profissionalizantes, a relação com a

escola, por exemplo, representam indicações significativas para que eles alcancem as

saídas quinzenais, fato que perpassa por esse sistema de privilégios.

Paralelamente ao sistema de privilégios existem os chamados ajustamentos

secundários, “práticas que não desafiam diretamente a equipe dirigente, mas que permitem

que os internados consigam satisfações proibidas ou obtenham, por meios proibidos, as

satisfações permitidas” (Goffman, 1996, p. 54). Esses ajustamentos secundários seriam

uma prova para o internado de que ele ainda é um ser autônomo e, portanto, Goffman

considera que eles seriam uma (quase) forma de abrigo para o eu.

Para além das discussões trazidas por Goffman, Foucault (1987) coloca que a

prisão é ao mesmo tempo o local de execução da pena e o local de observação dos

indivíduos punidos. Ou seja, é ao mesmo tempo o lugar em que se exercer poder e onde se

produz saber. Assim, o poder de punir não mais é exercido por meio dos suplícios, como

era na Idade Média, e a sentença se inscreve entre os discursos do saber.

O autor contextualiza, em tom irônico, que a obviedade da prisão, numa sociedade

que pauta a liberdade como direito fundamental, nada mais é do que o “castigo

igualitário”, haja vista que essa mesma sociedade enuncia que todos são iguais perante a

lei. E mais, a prisão seria o aparelho para transformar os indivíduos (Foucault, 1987).

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Foucault critica a prisão como forma de humanização das punições (em

comparação à época dos suplícios) ao expor que com a reforma penal do século XVIII o

que se delineava era uma nova economia política do poder de punir, cujo objetivo era

tornar a punição e a repressão das ilegalidades algo regular e coextensivo à sociedade, ou

seja, punir melhor e de forma a inserir no corpo social o poder de punir (Foucault, 1987).

A prisão é o local onde se exerce o controle dos corpos. Para Foucault (1987), a

prisão funciona como um aparelho disciplinar exaustivo, no sentido de que deve se ocupar

de todos os aspectos do indivíduo. Dessa forma, a prisão, muito mais que a escola, a

oficina ou o exército - que implicam sempre em certa especialização, é “omnidisciplinar”.

Sua ação sob o indivíduo deve ser pautada numa disciplina incessante, interrompida

apenas depois de finalizar sua tarefa. A prisão possui poder quase total sobre os detentos e

deve atuar de modo potente para conseguir impor ao detento uma nova forma de ser, ou

melhor, “seu modo de ação é a coação de uma educação total” (Foucault, 1987, pp.198-

199).

Em suma, a prisão, como instrumento corretivo, estava pautada em uma

tecnologia penitenciária apta a produzir saber sobre o indivíduo-criminoso e sua

“virtualidade de perigos”, calcada na observação permanente. Assim, o grande objetivo de

uma instituição carcerária é alcançado por meio de um modelo coercitivo corporal,

solitário, o segredo do poder de punir é controlar e formar um sujeito de obediência (Sales,

2007).

Após essa contextualização sobre prisão, Foucault enfatiza o que é de maior

interesse para este trabalho: reflexões sobre delinquência e prisão. Para o autor, a crítica

dirigida à eficácia da prisão deve ser invertida de modo a questionarmos as razões do

fracasso da prisão. Assim, o discurso de que a prisão fracassa em reduzir os crimes deve

ser invertido pela compreensão de que a prisão conseguiu produzir muito bem a

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delinquência, considerada por Foucault (1987) como um “tipo especificado, forma política

ou economicamente menos perigosa – talvez até utilizável – de ilegalidade” (p. 230). A

prisão produz o delinquente, “sujeito marginalizado, mas centralmente controlado; produz

o delinquente como sujeito patologizado” (p. 230).

Foucault (1987) acrescenta que a delinquência, solidificada por um sistema penal

centrado sobre a prisão, representa um desvio de ilegalidade para os circuitos de lucro de

poder ilícitos da classe dominante.

3.3. Medidas Protetivas e Medidas Socioeducativas – conceito

Os sujeitos deste trabalho são os adolescentes que cumpriam medidas

socioeducativas, bem como suas famílias. Dessa forma, vamos nos ater mais

detalhadamente às medidas socioeducativas.

O artigo 227 da Constituição Federal assegura uma série de direitos à criança e ao

adolescente, estabelecendo que estes direitos devem ser assegurados pela sociedade, pelos

pais e pelo Estado.

A partir dessa premissa, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece, em seu

artigo 98, que as medidas de proteção serão aplicadas sempre que houver violação dos

direitos estabelecidos no próprio ECA por “ação ou omissão da sociedade ou do Estado”,

ou “por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável”.

Mas não somente omissões desta natureza podem motivar a aplicação das medidas

de proteção. O inciso III do artigo 98 também aponta o próprio comportamento da criança

ou adolescente como causa de aplicação de medidas protetivas. Segundo Marcelo

Mezzono, “tais hipóteses correspondem principalmente, mas não exclusivamente, aos

casos de cometimento de atos infracionais” (Mezzono, online).

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Em relação aos direitos que devem ser assegurados às crianças e adolescentes,

pode-se dizer que estão todos previstos na legislação protetiva, como vida, saúde,

educação, lazer, convívio familiar etc. Assim, as medidas protetivas que visam assegurar

tais direitos estão postas no artigo 101 do ECA e são as seguintes:

I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino

fundamental;

IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e

ao adolescente;

V- requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime

hospitalar ou ambulatorial;

VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e

tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII – abrigo em entidade;

VIII – colocação em família substituta.

Uma questão importante para este estudo é o fato de que as medidas protetivas,

conforme já mencionado, podem ser aplicadas em razão da conduta do adolescente. Dessa

forma, quando o adolescente comete ato infracional e é aplicada medida socioeducativa,

esta poder ser entendida como uma espécie de medida de proteção, embora seja voltada a

situações relacionadas ao cometimento de ato infracional. Quando uma criança (até 12

anos incompletos) comete ato infracional, não pode ser aplicada medida socioeducativa,

mas apenas, medida protetiva.

A aplicação de medidas, sejam elas socioeducativas (art. 112) ou protetivas

(art.101), pode ser feita de forma cumulativa e combinada, não havendo um número

máximo de medidas a serem aplicadas para cada caso (Mezzono, online).

As medidas socioeducativas são aplicadas quando verificadas situações nas quais o

comportamento do adolescente assume uma tipologia de crime ou contravenção penal,

conforme previsto no artigo 103 do Estatuto.

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É de se grafar que as medidas socioeducativas não têm natureza de pena, de

punição. Este entendimento está pautado no 4º Princípio Fundamental das Diretrizes das

Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil, Diretrizes de Riad, que estabelece

a necessidade de as “medidas progressistas de prevenção da delinquência, que evitem

criminalizar e penalizar crianças e adolescentes por uma conduta, não causando grandes

prejuízos ao seu desenvolvimento” (Milano, 2004, p. 125).

Em consonância com o artigo 112 do ECA, as medidas socioeducativas que

poderão ser aplicadas aos adolescentes são:

Advertência: admoestação verbal aplicada em casos de prática de ato

infracional de pouca potencialidade lesiva;

Obrigação de reparar o dano: nos termos do ECA, em se tratando de ato

infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o

adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma,

compense o prejuízo da vítima;

Prestação de Serviços à Comunidade, que consiste na realização de tarefas

gratuitas de interesse geral, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros

estabelecimentos congêneres, bem como programas comunitários ou governamentais. A

medida pode durar por até seis meses e as tarefas devem ser cumpridas durante jornada

máxima de oito horas semanais. No Distrito Federal, a PSC pode ser aplicada em duas

outras modalidades: a) visita, em que o adolescente visita alguma instituição e produz um

texto (aplicada em casos de atos infracionais mais brandos, como lesão corporal, por

exemplo); e a b) doação, em que o adolescente (trabalhador e que não possui

disponibilidade de horário para cumprir a PSC) doa um determinado valor em dinheiro à

uma instituição, ambos determinados pelo juiz.

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Liberdade Assistida: medida apropriada para casos residuais, em que o

adolescente tenha praticado ato infracional não tão grave e necessite de acompanhamento,

auxílio e orientação. Tem como desígnios estimular o convívio familiar, estruturar a vida

escolar e profissional e propiciar elementos para a reinserção do adolescente na sociedade.

O prazo mínimo de aplicação da LA é de seis meses;

Semiliberdade: trata-se de medida socioeducativa que restringe a liberdade

do infrator, menos rigorosa do que a internação, pois implica, necessariamente, na

possibilidade de realização, por parte do adolescente, de atividades externas. São

obrigatórias a escolarização e profissionalização do adolescente; e

Internação: nos termos do ECA, a internação constitui medida privativa de

liberdade, sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição

peculiar de pessoa em desenvolvimento. Ela só poderá ser aplicada quando o ato

infracional for cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no

cometimento de outras infrações graves e por descumprimento reiterado e injustificável

da medida anteriormente aplicada ao adolescente.

No que tange às medidas em meio aberto, tais como a Prestação de Serviços à

Comunidade e a Liberdade Assistida, Mário Volpi contribui de maneira muito interessante.

Segundo o autor,

prestar serviços à comunidade constitui uma medida com forte apelo comunitário e

educativo tanto para o jovem infrator quanto para a comunidade, que por sua vez

poderá responsabilizar-se pelo desenvolvimento integral desse adolescente. Para o

jovem é oportunizada a experiência da vida comunitária, de valores sociais e

compromisso social (Volpi, 1997, pp. 23-24).

Já a LA, considerada a medida socioeducativa mais severa em relação à PSC, é

aplicada nos casos em que é verificada a necessidade de acompanhamento da vida social

dos adolescentes (escola, trabalho e família). Assim,

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[...] sua intervenção educativa manifesta-se no acompanhamento personalizado,

garantindo-se os aspectos de: proteção, inserção comunitária, cotidiano,

manutenção de vínculos familiares, frequência à escola, e inserção no mercado de

trabalho e/ou cursos profissionalizantes e formativos (Volpi, 1997, p. 24).

Todavia, a filosofia dessas medidas socioeducativas, bem como as que restringem a

liberdade dos adolescentes, encontra-se ameaçada pela inexistência ou a oferta irregular de

propostas pedagógicas, o que faz com que as medidas socioeducativas sejam impostas

apenas em aspecto repressivo.

A garantia da fundamentação e a da individualização da medida geralmente não

consta das sentenças, faltando referência à alternativa meramente protetiva. Também as

sentenças e o respectivo processo restringem-se ao adolescente, sendo raras as hipóteses de

aplicação simultânea de medidas aos pais ou responsáveis.

A efetividade das medidas em meio aberto como alternativa adequada e humana à

privação de liberdade passa a ser questionada, justamente por falta de estrutura física,

material e de recursos humanos, bem como a desarticulação da rede de proteção ao

adolescente (educação, saúde, assistência etc.). A Liberdade Assistida e a Prestação de

Serviços à Comunidade abrem espaço para evasão do adolescente da medida

socioeducativa ou, muitas vezes, considera-o em situação de descumprimento da medida

por não conseguir acessá-lo. É recorrente nos Centros de Internação histórias de

adolescentes que receberam a internação como regressão da medida socioeducativa por

descumprimento da Liberdade Assistida, por exemplo.

Quando o adolescente está privado de sua liberdade, ainda que de forma precária,

ele passa a ter acesso à escola, à saúde, às atividades profissionalizantes, sem falar da

participação das famílias, que ocorre por meio das visitas semanais.

Na maioria das vezes, os adolescentes em regime de internação são aqueles que

passaram pelas medidas socioeducativas em meio aberto até mesmo pela Semiliberdade e

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que, por algum motivo, foram parar em um Centro de Internação. Logo, para este estudo, o

que vamos investigar são quais mudanças esses adolescentes perceberam na execução de

ambas as medidas. Quais as políticas e medidas que garantam o acesso à escola, à saúde ou

aos programas de profissionalização eles tiveram acesso no cumprimento das medidas

socioeducativas que receberam.

Em suma, a situação infracional dos adolescentes sujeitos deste trabalho deve ser

compreendida tanto numa perspectiva familiar como num contexto social do qual os

sujeitos fazem parte, cujas instituições são fundamentais no processo de execução das

medidas socioeducativas.

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4. MÉTODO

A presente pesquisa está fundamentada em uma perspectiva qualitativa, uma vez

que trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e

atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos

fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (Minayo, 1994).

Não obstante, o objeto da pesquisa é compreendido de modo complexo, contraditório,

inacabado e em permanente transformação, conforme problematiza Minayo (1993).

Deste modo, foram utilizadas técnicas qualitativas para levantamento e análise dos

dados da pesquisa, com o intuito de consolidar os objetivos aqui já delineados, que buscam

compreender o fenômeno estudado em suas determinações e transformações dadas pelos

sujeitos entrevistados.

4.1. Contexto da pesquisa

A pesquisa foi realizada no Centro de Integração de Adolescentes de Planaltina

(CIAP), uma das unidades de execução da medida socioeducativa de internação estrita1. O

CIAP era, até dezembro de 2010, um dos equipamentos da Secretaria de Estado de Justiça,

Direitos Humanos e Cidadania (SEJUS). Atualmente, com a mudança de Governo, as

medidas socioeducativas passaram a ser de responsabilidade da Secretaria de Estado da

Criança.

O CIAP foi inaugurado em 2006 com a proposta de atender adolescentes que ainda

não haviam completado 18 anos de idade. Entretanto, somente em 2008 a unidade foi

ativada devido a problemas com a estrutura física. O CIAP foi ocupado de maneira

imediata, tendo em vista a situação de superlotação do CAJE, de onde foram

1 Medida estabelecida por tempo indeterminado e não excedente 3 anos.

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encaminhados os primeiros adolescentes. A unidade tem capacidade para atender 80

adolescentes, apenas do sexo masculino, que residem, preferencialmente, na região

administrativa de Planaltina ou regiões próximas à ela, tais como Sobradinho, Paranoá,

Itapoã e cidades do estado do Goiás, como Planaltina de Goiás e Formosa.

O contato com a instituição iniciou-se em dezembro de 2009, mas a entrada efetiva

no campo de pesquisa só foi possível em julho de 2010, pois nesse período a instituição

passou por três direções distintas e, dessa forma, o contato teve de ser retomado diversas

vezes. Inicialmente, mantive contato com os assessores da direção do CIAP e, após dois

encontros, o contato foi estabelecido com a Gerência Socioeducativa, que administra os

núcleos de profissionalização, psicossocial e esporte e lazer, ou seja, núcleos que atendem

diretamente os adolescentes nas atividades realizadas pela instituição.

4.2. Participantes

Os sujeitos da pesquisa são três adolescentes que estão em cumprimento da medida

socioeducativa de internação estrita e que já cumpriram outras medidas socioeducativas

anteriormente, bem como as suas respectivas famílias.

Para tanto, foram realizados três estudos de caso com base nos relatos desses

adolescentes e de suas respectivas famílias, aos quais foram dados nomes fictícios no

intuito de proteger a identidade e o sigilo das informações.

Os quadros a seguir apresentam de modo sucinto e objetivo os participantes da

pesquisa:

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Quadro 1 - Adolescentes participantes entrevistados

Nº.

Adolescentes Idade Escolaridade

RA onde

reside

Ato

infracional

praticado

Tempo de

internação

Outras

medidas

socioeducativas

que já cumpriu

1 Alan 17

anos

5ª série do

Ensino

Fundamental

Planaltina

(Arapoanga) Roubo

7 meses no

CIAP

9 meses no

CAJE2

Total: 1 ano

e 4 meses

Semiliberdade

2 Breno 17

anos

3º ano do

Ensino

Médio

Sobradinho

II

Porte de

Arma

6 meses no

CIAP

4 meses no

CAJE

Total: 10

meses

Semiliberdade

3 Carlos 19

anos

5ª série do

Ensino

Fundamental

Planaltina

(Buritis IV) Homicídio

1 ano e 11

meses no

CIAP

Liberdade

Assistida e

Prestação de

Serviços à

Comunidade

Quadro 2 - Famílias participantes entrevistadas

Nº.

Adolescente/

Familiar

entrevistado

Familiares

que residem

na mesma

casa

Profissão dos Pais

Situação

conjugal

dos pais

Situação

da

Moradia

Renda

Familiar

1 Alan /Genitora Mãe, 01 irmã,

01 irmão

Genitora: do lar

Genitor: agricultor Separados

Casa

própria

R$

510,00

2 Breno/Genitora e

irmãos

Mãe, pai, 01

irmã e 01

irmão

Genitora:

doméstica

Genitor: pedreiro

Casados Casa

alugada

R$

1.500,00

3 Carlos/Genitora Mãe,01 irmã,

02 sobrinhas

Genitora:

doméstica

Genitor: não

informado

Separados Casa

alugada

R$

510,00

2 CAJE é o Centro de Atendimento Juvenil Especializado, um dos centros de internação para adolescentes do

DF.

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4.3. Instrumentos

Os instrumentos de pesquisa adotados foram a observação participante, o diário de

campo e entrevistas semi-estruturadas individuais com os adolescentes e suas famílias,

gravadas em áudio.

A observação participante, conforme expõe Minayo (1994) é o momento que

proporciona ao pesquisador observar as relações informais no campo e registrá-las no

diário de campo. A observação participante permite ao pesquisador o contato direto com o

fenômeno pesquisado, propiciando informações sobre a realidade dos sujeitos em seus

próprios contextos.

O diário de campo contém as informações que não sejam o registro das entrevistas

formais, ou seja, observações sobre conversas informais, comportamentos, hábitos,

expressões que se referem ao tema da pesquisa (Minayo, 1993).

Por fim, as entrevistas representam um instrumento privilegiado de coleta de

informações, pois sua principal contribuição é a possibilidade de revelar por meio da fala

do sujeito condições estruturais, sistemas de valores, normas e símbolos “e ao mesmo

tempo a magia de transmitir, através de um porta-voz, as representações de grupos

determinados, em condições históricas, socioeconômicas e culturais específicas” (Minayo,

1993, pp. 109-110).

4.4. Procedimentos

A exploração do campo da pesquisa iniciou-se no Núcleo de Profissionalização,

especificamente nas oficinas de artes. Convém esclarecer que na época da realização da

pesquisa existiam basicamente quatro oficinas: artes, horta, informática e cerâmica. A

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oficina de artes foi escolhida tendo em vista que os adolescentes estavam mais disponíveis

pelo tipo de atividade desenvolvida, o que facilitava o contato comigo.

O primeiro instrumento a ser utilizado foi a observação participante, que ocorreu

por meio da minha inclusão nas oficinas de artes. Estas oficinas eram realizadas em uma

sala ampla, que possuía em seu centro uma mesa de madeira extensa. Dessa forma, todos

os adolescentes, bem como a professora e eu ficávamos sentados em volta da mesa para

realizar a atividade. Essa disposição física da sala também facilitava a comunicação.

As oficinas ocorriam de segunda à quinta, tanto no período matutino quanto

vespertino. Para cada dia da semana e turno eram encaminhados adolescentes de um

mesmo módulo. Os adolescentes participavam uma vez por semana da oficina, no horário

contrário ao da escola. Cada turma era composta por quatro a seis adolescentes por aula.

Participei das oficinas de artes nas manhãs de terça-feira e nas tardes de quinta-

feira por um período de dois meses, sendo que cada participação era registrada em diário

de campo. Ao total, foi realizado contato com onze adolescentes, sendo que, de fato,

apenas oito realmente participavam das oficinas, pois os demais adolescentes eram aqueles

que preferiam ficar nos módulos ou ficavam pouco tempo nas oficinas e logo pediam para

retornar a suas alas. No período observado, a principal tarefa executada pelos adolescentes

foi a produção de caixinhas de papel, as quais depois eram vendidas em atividades

realizadas dentro e fora do CIAP pela equipe da profissionalização. Para cada três

caixinhas produzidas, uma ficava para o adolescente, ele poderia vender e obter o dinheiro

ou dar para quem quisesse. As demais eram vendidas e o dinheiro era revertido para a

manutenção da oficina.

Além das oficinas, participei de dois eventos destinados às famílias dos

adolescentes e uma audiência pública de homologação de sentença. Finalizado o período

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de observação participante, os adolescentes foram convidados a participar das entrevistas

individuais.

Os adolescentes entrevistados foram selecionados por meio da participação nas

oficinas e de pesquisa às pastas da profissionalização, que continham informações sobre

quais medidas socioeducativas eles haviam cumprido. Convém expor que cinco

adolescentes se disponibilizaram a participar da pesquisa e foram entrevistados após o

consentimento de seus responsáveis. No entanto, posteriormente à realização das

entrevistas com os adolescentes, entrei em contato telefônico com seus responsáveis e

agendei a visita domiciliar para realização da entrevista, mas somente três famílias

quiseram participar. As outras duas famílias alegaram falta de disponibilidade para a

realização da entrevista.

Além do mais, foi observado o momento da internação em que eles estavam. Este

momento diz respeito à basicamente três fases: 1) adolescentes recém-internados; 2)

adolescentes que já estão na internação há mais de seis meses e 3) adolescentes que estão

já na fase final do cumprimento da internação. Logo, foram entrevistados os adolescentes

que estavam na segunda fase da internação, pois eles já possuíam uma vivência maior na

instituição do que os recém-internados e não se corria o risco de serem liberados antes do

final da pesquisa.

As entrevistas com os adolescentes foram realizadas em uma das salas da equipe

psicossocial. No dia da entrevista, a equipe tinha se deslocado para um evento fora da

unidade de internação, logo, o local estava silencioso, o que facilitou a gravação em áudio.

É válido mencionar que fiz visita domiciliar para realização da entrevista com os

responsáveis, tendo em vista que o momento em que as famílias frequentam o CIAP é

destinado para visitar os adolescentes e, entrevistá-las nesse momento diminuiria o pouco

tempo que têm para ficar com seus filhos. Além disso, ir à casa dos adolescentes permitiu

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conhecer melhor o contexto social em que estão inseridos; seus bairros, suas casas, a

vizinhança, enfim, suas vidas extramuros à internação.

4.5. Análise dos dados

Para análise e interpretação dos dados, foi utilizada a técnica da análise de

conteúdo, com a observação para as sugestões e críticas apresentadas por Minayo (1993 e

1994). A autora diz que,

do ponto de vista operacional, a análise de conteúdo parte de uma literatura de

primeiro plano para atingir um nível mais aprofundado: aquele que ultrapassa os

significados manifestos. Para isso a análise de conteúdo em termos gerais relaciona

estruturas semânticas (significantes) com estruturas sociológicas (significados) dos

enunciados. Articula a superfície dos textos descrita e analisada com os fatores que

determinam suas características: variáveis psicossociais, contexto cultural, contexto

e processo de produção da mensagem (Minayo, 1993, p. 203).

Por meio das entrevistas degravadas e do diário de campo, foram elaboradas as

categorias que irão nortear a construção do conhecimento da pesquisa. As categorias

permitem “agrupar elementos, idéias ou expressões em torno de um conceito capaz de

abranger tudo isso” (Gomes, 1994, p. 70).

Para Minayo (1993), a análise de conteúdo tradicional (em suas diversas

modalidades) é fraca quanto à sua capacidade explicativa, pois se atém muito ao conteúdo

da fala, e à interpretação do texto sem se preocupar com o processo de tomada de decisões

no campo e nem com o contexto da ação analisada. Logo, a proposta para análise dos

dados parte do pressuposto de que a fala dos atores sociais deve ser situada em seu

contexto para melhor ser compreendida. Não obstante, o ponto de partida dessa

compreensão é o interior da fala e o ponto de chegada, o campo da especificidade histórica

e totalizante que produz a fala.

Assim, o primeiro nível de interpretação a ser realizado, segundo a proposta de

Minayo (1993), diz respeito às determinações fundamentais, ou seja, ao contexto social,

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político, histórico do grupo social estudado, a partir dos quais são formuladas as

categorias. O segundo nível de interpretação se refere aos achados na investigação, ou seja,

as comunicações individuais, observações do campo, da instituição etc., que devem ser

considerados na interpretação.

Ademais, Minayo (1993) sugere três passos principais para a realização da análise

dos dados, quais sejam:

1) ordenação dos dados: consiste na degravação dos áudios e na organização

dos relatos (seja entrevista, seja diário de campo) em determinada ordem, de acordo com a

proposta analítica;

2) classificação dos dados: realizada a partir do material recolhido e pautada

no embasamento teórico da pesquisa. Compõem-se das etapas de a) leitura exaustiva e

repetida dos textos, prolongando uma relação interrogativa com eles e b) constituição de

um corpus ou de vários corpora de comunicações se o conjunto das informações não é

homogêneo, momento em que é feita uma leitura transversal de cada corpo.

3) análise final: em suma, sugere-se nessa fase que a análise final de qualquer

investigação se dirija à uma vinculação estratégica com a realidade, de modo a dar pistas e

indicações “que possam servir de fundamento para propostas de planejamento e avaliação

de programas, revisão de conceitos, transformação de relações, mudanças institucionais,

dentre outras possibilidades” (Minayo, 1993, p. 238).

4.6. Cuidados éticos

Por ser uma pesquisa que envolve adolescente, foi solicitada autorização da Vara

da Infância e da Juventude do DF (vide anexo 6), bem como do CIAP. Ademais, todos os

participantes (adolescentes e familiares) foram esclarecidos em relação ao objetivo da

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pesquisa e os adolescentes e seus respectivos responsáveis assinaram o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (vide anexos 4 e 5).

Convém expor que a Pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do

Instituto de Humanas da Universidade de Brasília em 16 de dezembro de 2010 (vide anexo

7).

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5. APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

A análise dos dados foi realizada a partir de uma leitura exaustiva do diário de

campo, das entrevistas com os adolescentes e das entrevistas com as famílias. A partir da

leitura de cada instrumento, foram identificados sentidos comuns a todos esses três

instrumentos e, desse modo, foi possível estabelecer uma relação interrogativa entre eles,

que culminou em três núcleos de interpretação, com base nos objetivos geral e específicos

deste estudo. São eles: 1) os adolescentes e a significação das medidas socioeducativas; 2)

famílias – participação e envolvimento no cumprimento das medidas socioeducativas; e 3)

aspectos institucionais na execução das medidas socioeducativas.

5.1. Adolescentes e a significação das medidas socioeducativas

Nesse tópico, apresentaremos os achados da pesquisa com relação aos adolescentes

participantes. Antes de iniciar a discussão sobre as problematizações feitas pelos

adolescentes a respeito das medidas socioeducativas que já cumpriram e que estão

cumprindo no momento, convém mencionar algumas informações a respeito de seus

contextos. Tais informações foram coletadas por meio da observação participante nas

oficinas de artes e registradas no diário de campo. Referem-se aos oito adolescentes com

os quais mantive contato e vale esclarecer que, dentre estes, estão os três com os quais

foram realizados os estudos de caso, quais sejam, Alan, Breno e Carlos.

5.1.1. Conhecendo o contexto dos sujeitos

Em geral, pergunta-se quem são esses adolescentes. Muito tem-se a dizer sobre

eles, cada um com sua história, com suas peculiaridades. Entretanto, todos eles estão

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expostos a uma mesma condição, a de relegados sociais. Takeuti (2002) faz uso do termo

relegação social e simbólica para caracterizar melhor a situação de exclusão social na qual

vivem os jovens das periferias pobres. A preferência pelo termo dá-se pelo fato de que a

noção de exclusão social tem sido utilizada de modo descontrolado, como afirma Castel

(citado por Takeuti, 2002). Assim, o que caracteriza a trajetória social dos jovens das

periferias pobres, onde se encontram quase que a totalidade dos adolescentes em conflito

com a lei, é a "precariedade ou inexistência de experiências sociais e de relações na

sociedade que tenham o sentido social de integração, inserção, afiliação, cooperação,

participação ou inclusão (p. 154)". Ou seja:

viver a condição de relegado social significa ser "inapto" para participar da

sociedade legal, de tal modo que o indivíduo deve ser "afastado e colocado a

parte", no limite "banido". É certo que o jovem continua tendo existência na e para

a sociedade, porém unicamente na condição de desprezado, de um "pária social".

Se pensarmos num largo espaço de tempo histórico, na sociedade brasileira, os

jovens das camadas mais pobres têm vivido predominantemente na condição de

negligenciados das políticas públicas e de outros mecanismos sociais e

institucionais de regulação ou de proteção visando a seu favor (Takeuti, 2002, p.

154).

O termo relegação social não elimina a existência de algumas práticas de exclusão

social, entretanto, algumas modalidades de práticas de exclusão não definem, em absoluto,

a situação dos jovens pobres no Brasil. O que define, para Takeuti (2002), é a "ausência de

possibilidade de reconhecimento social, visto que o acesso à condição de sujeito social já

lhes é barrada, antes mesmo de se iniciar a sua socialização básica" (p. 155).

Ademais, gostaríamos de mostrar, como muito bem expõe Castel (2008b):

que seus dramas estão intimamente relacionados ao fato de os jovens não estarem

propriamente nem "fora" nem "dentro": estes jovens são expulsos para as margens

do mundo social. Mas, estas margens são menos um território exótico do que o

resultado da potencialização daquilo que está em jogo no próprio seio da sociedade

e dos interesses que a atravessam (...) Eles (os jovens delinquentes) estão presos

numa contradição e sua violência aparentemente cega é uma resposta ao caráter

niilista em relação ao impasse em que se encontram (p. 18).

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Nessa perspectiva, procuramos apresentar, por meio do Quadro 4, algumas

informações a respeito dos contextos sociais dos adolescentes observados, o que nos

permite identificar essa situação de relegação social. Como já foi colocado no referencial

teórico, não falamos aqui de adolescentes no sentido amplo, mas de um grupo específico

de adolescentes, aqueles que cometeram algum ato infracional e, por isso, estão inseridos

no sistema de justiça em cumprimento de medida socioeducativa, no caso, de internação

estrita.

Quadro 03 - Aspectos observados dos adolescentes

Itens Resultados

Trajetória

Infracional

-Todos os adolescentes observados passaram pela internação provisória;

-Todos os adolescentes receberam outras medidas socioeducativas

anteriormente à internação e estão lá porque não cumpriram a medida

socioeducativa anterior ou porque reincidiram na prática do ato infracional;

Faixa etária -A maioria dos adolescentes possuía 17 anos, apenas dois eram maiores de

idade.

Escolaridade

-Todos estavam matriculados na escola do CIAP;

-Dos oito adolescentes observados, apenas dois estavam cursando o ensino

médio. Os demais estavam no ensino fundamental, quase todos na 5ª série. E,

para eles, a escola é chata, ruim; enfim, não gostam de estudar. Ou, talvez a

escola é que não seja atrativa.

Uso de

drogas

-Todos usaram ou ainda usam drogas, entre elas, destacam-se a maconha e o

cigarro;

Contexto

familiar

-Basicamente, todos adolescentes possuem irmão ou parente próximo em

conflito com a lei;

-Todos os adolescentes têm dois ou mais irmãos;

-Sobre os pais, três adolescentes possuem pais residindo juntos, três possuem

pais separados, um, a mãe é viúva e um reside com a avó e não conhece os

pais, pois relata que a mãe o abandonou quando era bebê.

Contexto de

violência

-Desses oito adolescentes, seis mencionaram alguma situação de conflito

familiar, entre elas violência do genitor em relação à genitora, provocado

principalmente pelo envolvimento do genitor com uso abusivo de álcool;

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-Um adolescente manifestou ter sofrido violência policial, que o deixou com

um braço torto e o marcou muito, pois queria ser policial quando criança e

hoje vê a polícia como algo ruim;

Sonhos e

projetos para

o futuro

-Dos oito adolescentes, apenas um disse ter sonhos, sendo o principal fazer

faculdade de Direito. A maioria não pensa no futuro, só vive o dia de hoje e,

assim, não traçam metas e objetivos para suas vidas;

-Um adolescente disse uma frase marcante sobre ter sonhos: "meu pai dizia

que sonhar era pra vagabundo, que não tem de trabalhar pra encher barriga dos

outros”.

No que se refere às características gerais do grupo de adolescentes, conclui-se que

são adolescentes que já possuíam alguma experiência com medidas socioeducativas antes

da internação, sendo que estão na internação por não terem cumprido a medida

socioeducativa anterior ou por terem reincidido na prática do ato infracional. Convém

expor que todos passaram pela internação provisória. Essa informação evidencia que, a

grosso modo, o art. 122 do ECA tem sido cumprido, uma vez que estabelece que a medida

socioeducativa de internação só poderá ser aplicada nos seguintes casos: I - tratar-se de

ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração

no cometimento de outras infrações graves, III - por descumprimento reiterado e

injustificável da medida anteriormente imposta [grifo nosso].

Grande parte deles possuía 17 anos de idade e, no que tange ao aspecto da

escolaridade, a maioria cursava ensino fundamental, principalmente na 5ª série, ou seja,

são adolescentes com atraso escolar. A questão da inserção dos adolescentes na escola

representa um dado importante para este estudo, visto que o art. 124, inciso XI do ECA

enuncia que receber escolarização é direito dos adolescentes privados de liberdade. Todos

os adolescentes participantes estavam matriculados na escola do CIAP e afirmaram

assiduidade.

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No entanto, apenas um dos adolescentes estava cursando a série referente à idade

adequada, ou seja, quase todos apresentavam defasagem escolar. De acordo com o texto

Juventude e Políticas Sociais no Brasil, publicado pelo IPEA, Castro e Aquino (2008)

enunciam que:

(...) embora persista a identificação social do jovem como “estudante” e a escola

seja amplamente reconhecida como espaço privilegiado de socialização e

formação, o processo de escolarização da maioria dos jovens brasileiros é marcado

por desigualdades e oportunidades limitadas. Predominam trajetórias escolares

interrompidas pela desistência e pelo abandono, que, algumas vezes, são seguidos

por retomadas. As saídas e os retornos caracterizam um percurso educacional

irregular (Castro & Aquino, 2008, p. 21).

Assim, a defasagem escolar é a realidade de muitos. A frequência ao ensino médio

na idade adequada ainda não abrange metade dos jovens brasileiros de 15 a 17 anos, 34%

deles ainda estão retidos no ensino fundamental. O acesso ao ensino superior é ainda mais

restrito, contando com apenas 12,7% dos jovens de 18 a 24 anos nesse nível de ensino

(Castro & Aquino, 2008, p. 21). A proporção de jovens fora da escola, por sua vez, é

crescente conforme a faixa etária: “17% na faixa de 15 a 17 anos, 66% na de 18 a 24 anos

e 83% na faixa de 25 a 29 anos, sendo que muitos destes jovens desistiram de estudar sem

ter completado sequer o ensino fundamental” (Castro & Aquino, 2008, p. 21).

A partir de então, torna-se evidente que existe uma relação entre adolescentes em

conflito com a lei e problemas escolares, que vão desde a defasagem até a evasão escolar.

Essa relação entre a escola e os conflitos com a lei pode ser visualizada por meio das

contribuições de Assis e Constantino (2005), que expõem o seguinte:

(...) problemas escolares também contribuem para a entrada no mundo infrator.

Adolescentes em conflito com a lei tendem a ter poucos anos de estudo, com

abandono escolar secundário dada a necessidade de trabalhar, dificuldade de

conciliar escola com trabalho, desentendimento com professores e colegas,

desestímulo quanto à competência escolar atestado por reprovações repetidas, baixa

qualidade do ensino, pouca supervisão familiar no que se refere à freqüência

escolar do jovem (Assis & Constantino, 2005, p. 3).

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Sobre o uso de drogas, todos já usaram ou ainda usam alguma droga, sendo as com

maior incidência a maconha e o cigarro. O uso de drogas está intimamente associado aos

grupos em que os adolescentes estão inseridos, conforme expõem Assis e Constantino

(2005), é “expressiva a quantidade de usuários de drogas entre os adolescentes privados de

liberdade no país: em 2002, 85,6% faziam uso antes da apreensão, especialmente, de

maconha (67,1%), álcool (32,4%), cocaína/crack (31,3%) e inalantes (22,6%)”.

Adolescentes infratores tendem a procurar amigos no próprio meio de infração, buscando

estímulo e apoio em suas ações ilegais como roubos, tráfico ou uso de drogas (Assis &

Constantino, 2005, p.84).

O contexto familiar mostra que todos eles possuem algum parente em conflito

com a lei (na maioria dos casos, irmãos mais velhos). Possuem também dois ou mais

irmãos, e a respeito dos pais, no geral, metade vive junto e a outra metade são separados.

Também foi possível observar que esses adolescentes estiveram submetidos a algum

contexto de violência, na maioria dos casos, familiar e sendo violência praticada pelo

genitor em relação à genitora, além de estar associada ao uso abusivo de álcool.

De Antoni e Koller (2000) apontam que a violência intrafamiliar pode ser resultado

de uma crise não resolvida na família, bem como um padrão de relacionamento que

acompanha a história familiar daquele grupo. E, com o ingresso na adolescência, que se

evidencia pela transformação emocional e cognitiva, o jovem que é vítima ou que

presencia tal violência pode tornar-se mais capaz de enfrentar e diligenciar a situação de

violência e, assim, buscar recursos diferenciados para amenizar ou resolver esta situação.

Por conseguinte, a violência familiar pode acarretar em problemas cognitivos, emocionais

e sociais para os adolescentes, como apontam Uarez e Menkes (2006)

(...) la exposición constante de los jóvenes a la violencia familiar desde temprana

edad tiene alcances devastadores en el desarrollo – cognitivo, afectivo y de relación

- haciéndolos susceptibles a presentar síntomas que van desde dolores de cabeza o

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estómago, problemas de sueño, estrés y angustia hasta estados depresivos,

psicóticos, presentando bajo rendimiento escolar, teniendo problemas de conducta

y adicciones. (Uarez & Menkes, 2006, p.612).

Por fim, uma última constatação é que a maioria dos adolescentes não pensa no

futuro, só vivem o dia de hoje e, assim, não traçam metas e objetivos para suas vidas. A

meu ver, essa falta de perspectivas também é resultado de um conjunto de fatores

estruturais, como o insucesso escolar, a falta de investimentos na formação profissional, os

conflitos familiares, a ausência de referências positivas ou a existência de referências de

uma vida ilegal; enfim, toda uma trajetória de ausências estruturais, afetivas, entre elas, a

do próprio Estado.

5.1.2. Alan, Breno e Carlos – o que eles têm a nos dizer?

Alan, Breno e Carlos foram os adolescentes que se dispuseram a participar da

pesquisa e cujas famílias permitiram e aceitaram também participar. Os dois primeiros

possuem 17 anos e Carlos, 19. Alan e Carlos residem em Planaltina, cidade onde está

situado o Centro de Internação, em que os adolescentes estão alocados atualmente e

moram nos bairros de Arapoanga e Buritis IV, respectivamente. Já Breno mora em

Sobradinho, mais especificamente, em um setor habitacional de Sobradinho II.

Os locais de moradia desses adolescentes são considerados locais de violência,

marcados pela disputa de território entre grupos conflitantes (as “gangues”), as chamadas

periferias urbanas. São constituídas em um lugar físico e social em que estão cristalizados

os problemas de exclusão, violência e sofrimentos sociais, “engendrados pelo processo

exarcebado de uma certa racionalidade capitalista com um modo de funcionamento

paradoxal: a riqueza é gerada na medida em que se produz, ao mesmo tempo, a pobreza, a

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miséria e a exclusão maciça de pessoas do mercado de trabalho e de consumo” (Takeuti,

2002, p. 25).

Sobre a vida institucional, na época da entrevista todos estavam na unidade de

internação há mais de seis meses. Apenas Carlos já estava no CIAP há mais de um ano, foi

para lá assim que a instituição foi inaugurada. As entrevistas foram direcionadas com base

no que o art. 1243 do ECA, que estabelece os direitos dos adolescentes privados de

liberdade, com ênfase nos incisos que tratam do direito de receber escolarização e

profissionalização (inciso XI), realizar atividades culturais, esportivas e de lazer (inciso

XII) e receber visitas, ao menos, semanalmente (inciso VIII).

O que os adolescentes falam sobre as atividades realizadas no CIAP e a relação com os

profissionais

Os adolescentes se referiram à oficina de artes como algo para ocupar o tempo ou,

nas palavras de um deles, “venho pra cá porque não tenho nada pra fazer”. Ou seja, não

associavam a oficina como uma possível forma de ascensão ao trabalho, pelo contrário,

3 Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:

I - entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público;

II - peticionar diretamente a qualquer autoridade;

III - avistar-se reservadamente com seu defensor;

IV - ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada;

V - ser tratado com respeito e dignidade;

VI - permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou

responsável;

VII - receber visitas, ao menos, semanalmente;

VIII - corresponder-se com seus familiares e amigos;

IX - ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal;

X - habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;

XI - receber escolarização e profissionalização;

XII - realizar atividades culturais, esportivas e de lazer:

XIII - ter acesso aos meios de comunicação social;

XIV - receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje;

XV - manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo

comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade;

XVI - receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.

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como podemos ver na fala de outro deles: “quem vai viver de fazer caixinha?”. Também

comparavam a oficina do CIAP com a oficina de artes do CAJE, pois muitos passaram por

lá e, por meio de seus relatos, a oficina do CAJE parecia ser mais bem equipada. Eles

pediam para produzir peças com miçanga, cisne e outros objetos feitos com dobradura de

papel, porta-retrato, etc. Entretanto, a professora explicava que não possuia material para

isso e que também não tinha habilidade para algumas atividades. Para além dos

questionamentos a respeito da oficina e da atividade desenvolvida, os adolescentes

arguiram bastante sobre o método da instituição a respeito da comercialização dos

produtos, pois a cada quatro caixas produzidas uma ficava para eles e as outras três para a

instituição. Eles ficavam bem revoltados com isso, achavam o método injusto, pois, para

eles, deveria ser meio a meio. Apesar de questionarem a professora e de ela ter conversado

com a gerente da profissionalização, a regra não foi mudada.

Esse contexto nos leva a refletir sobre o que está posto na Seção VI, art. 124,

inciso XI do ECA, o qual garante o acesso à escolarização e à profissionalização como

direito dos adolescentes privados de liberdade. Todavia, o artigo não esclarece o tipo de

profissionalização que é garantida pelo Estatuto. A oficina de arte tem sua importância

motora, educativa, mas estamos falando de adolescentes que devem ser preparados para

ingressar no mercado de trabalho e não apenas terem seu tempo ocupado com a produção

de caixinhas, por exemplo. É claro que as oficinas irão proporcionar aos adolescentes

habilidades que podem ser utilizadas como meio de gerar renda, mas que, ainda assim,

possibilitarão uma inserção marginal no mercado de trabalho sem a garantia dos direitos

trabalhistas.

Convém mencionar que as oficinas existentes no CIAP, à época da observação,

além da de artes, eram a de cerâmica, panificação, horta e informática. Entretanto, todas

elas ainda eram muito precárias e, a meu ver, representavam mais uma ocupação do tempo

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do que a devida formação profissional. Acredito que, associadas às oficinas, deveria haver

outras atividades de formação profissional, como os cursos profissionalizantes. O CIAP

procurava alguns cursos extramuros e conseguiram alguns, não obstante eram casos

esporádicos, longe de representarem a regra.

Sobre a escola, os adolescentes Alan e Breno a criticaram. Alan disse que não

gosta mesmo, alega não ter paciência e Breno acha a escola fraca perto das outras, que

ficam fora do CIAP. Os dois apontaram críticas aos professores, nas palavras de Alan: “O

cara só atende a gente, o professor é uma mala, nem explica direito. Só isso mesmo” e

Breno: “A escola mesmo tem professor que chega na sala, senta e fica lá, entrega o livro

pra nós. Pronto. Bateu o sinal, ela pega o livro e sai fora”. Já Carlos disse que a escola é

boa, pois tem atividades interessantes, mas não soube dizer o que acha interessante.

A respeito da questão do trabalho e da escolarização, temos em Takeuti (2002)

algumas problematizações pertinentes. A autora coloca que os jovens querem trabalhar,

entretanto, o trabalho não ocupa na vida deles um valor central, ao passo que o trabalho

como instrumento de poder se "inserir" de algum modo na sociedade do consumo, por

exemplo, estaria acima do trabalho como valor, ou seja, como pólo de desenvolvimento e

realização pessoal. De fato, o acesso ao mercado de trabalho formal está cada vez mais

difícil e com a baixa escolarização fica mais difícil ainda. E, mesmo quando se consegue

esse acesso, ele ocorre por meio de profissões pouco valorizadas de maneira

socioeconômica, o que desmotiva esses adolescentes. Nesse sentido, vale uma crítica às

oficinas ofertadas no âmbito da internação, que geralmente estão associadas a profissões

pouco valorizadas.

Muitos adolescentes, quando conseguem pensar em alguma profissão que

gostariam de exercer, normalmente citam algo grandioso: médico, advogado, juiz, etc.

Entretanto, apresentam desinteresse pela escola e por iniciativas que possam auxiliá-los na

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busca pela formação profissional. Nesse sentido, Takeuti (2002) esclarece que, ao mesmo

tempo em que anseiam por algo grandioso, esses adolescentes "apontam os entraves

estruturais, a falta de suportes diversos (família, escola, comunidade, governo e

instituições públicas) para conseguirem por em prática aquilo que clamam" (p. 276). Ou

seja, desanimam-se ao perceberem que lhes restam apenas "lugares profissionais

desvalorizados socialmente, de baixa remuneração (manicure, ajudante de panificação,

garçon(ete), faxineiro(a), coletador de sacos de lixo, entre outros) (Takeuti, 2002, p. 276)",

que não os subtrairá da posição de relegados sociais.

Assim, dada a oferta escassa de trabalho formal que possa satisfazer os

adolescentes ao menos no plano pessoal, o mercado informal de trabalho ou a ilegalidade

parece-lhes proporcionar mais eficazmente os meios para acesso ao mundo do consumo.

No que se refere às atividades de esporte e lazer, os adolescentes entrevistados

jogavam futebol e gostavam da atividade, pois, para eles, a atividade serve de distração,

além de representar a prática de exercícios físicos.

Sobre a saúde, os adolescentes já foram atendidos no posto de saúde do CIAP.

Entretanto, falaram que, às vezes, falta medicamento e que o atendimento não é 24 horas.

Na fala de um deles: “Não é só de dia e de tarde que nós vamos ficar doentes, não. Não

tem hora marcada não, pra ficar doente”. O adolescente Alan contou que

eu tive um ataque. Tem vez que ataca. Começa a doer. Aí eles nem dão remédio,

falam que não tem. Final de semana mesmo não tem remédio aqui, não. Os caras

começam a passar mal, ficam passando mal até segunda-feira ... só mandam o

cara pro hospital quando o cara estiver morrendo, mesmo. Morrendo, morrendo,

morrendo.

Por fim, questionados sobre seus comportamentos na execução da medida de

internação e a relação que possuem com os profissionais, os adolescentes informaram ter

bom comportamento na medida socioeducativa e, logo, boa relação com os profissionais.

Entretanto, mencionaram que alguns socioeducadores querem “xerifar”, ou seja, mandar

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de mais, dar muitas ordens e reclamaram dessa relação, evidenciando a existência de uma

relação conturbada.

A despeito da relação entre adolescentes e socioeducadores, Espíndula e Santos

(2004) realizaram uma pesquisa cujo intuito foi identificar a representação que os

socioeducadores possuem a respeito dos adolescentes que estão em cumprimento de

medida socioeducativa de internação. Apesar de um dos papéis da instituição de internação

ser o de “reintegrar” na sociedade esse cidadão em fase de desenvolvimento e, por ser um

cidadão, concebê-lo como igual a todos os que vivem em sociedade; para os

socioeducadores, estes adolescentes são diferentes dos outros, pelo fato de terem cometido

atos infracionais e a causa de tais práticas delituosas estaria no meio social, na família.

Notou-se que os socioeducadores são descrentes quanto à recuperação dos adolescentes

internos e tal descrença é justificada pela ideia de uma família desestruturada, família que

não segue o modelo nuclear e termina também por ser a causa da infração do adolescente.

Em suma, o estudo de Espíndula e Santos (2004) constatou que a representação

social dos socioeducadores relativas aos adolescentes parece ancorar-se nas ideias de

correção e de punição, base da Doutrina da Situação Regular. Mudou-se o paradigma, mas

as condutas e práticas de muitos profissionais que lidam na área das medidas

socioeducativas ainda perpetuam as antigas concepções.

Em relação aos técnicos (assistentes sociais e psicólogos), os adolescentes

mencionam como algo bom, mas reclamaram que os atendimentos são poucos, como

vemos na fala de Breno: “tem vez que nem vem, nem tem atendimento. Tem vez que

passam três semanas, quatro sem atendimento. A escala está esquecida...”.

Cabem aqui algumas ponderações que Goffman (1996) faz a respeito do mundo do

internado. Ele aponta como um das características das instituições totais (conforme

referencial teórico) a vigilância à qual os grupos estão submetidos, tendo como

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consequência a divisão básica entre o grupo controlado (os internados) e o grupo de

supervisores (dirigentes, funcionários). Cada um desses agrupamentos tende “a conceber o

outro através de estereótipos limitados e hostis” e “os participantes da equipe dirigente

tendem a sentir-se superiores, corretos; os internados tendem, pelo menos sob alguns

aspectos, a sentir-se inferiores, fracos, censuráveis e culpados (Goffman, 1996, p.19).

Ainda sobre essa segunda consequência, uma observação importante é que a

mobilidade social entre estes dois agrupamentos é limitada e normalmente há uma grande

distância social, que geralmente é prescrita. Nesse âmbito, podemos correlacionar à

relação turbulenta dos adolescentes e socioeducadores.

Ainda sobre esses dois grupos, podemos pontuar a questão da restrição da

informação. Há um intermediador, por exemplo, entre o adolescente internado e o técnico

de referência que o acompanha, que é o socioeducador, cuja uma das funções é o controle

da comunicação entre os internados e os níveis mais elevados dos dirigentes. Nas oficinas

de artes isso pode ser visualizado, pois os adolescentes ficavam o tempo todo pedindo ao

socioeducador que os acompanhava no decorrer da oficina para falarem com as técnicas ou

darem algum recado, o que raramente era atendido.

É válido mencionar que eles têm plena consciência de que o comportamento, a

disciplina e o respeito às regras da instituição são elementos importantes para a decisão do

Juiz sobre as saídas quinzenais e sobre a liberação da medida socioeducativa. Isso ficou

muito claro na fala de Carlos, por exemplo, “eu não dou trabalho, não. Só tranquilidade

mesmo, que eu quero sair pra rua, ficar dando trabalho aqui, fica mais tempo... tem que ter

o comportamento bom pra sair”. Ou seja, podemos observar o que Goffman (1996)

discorre a respeito do sistema de privilégios, que é composto por três elementos básicos,

quais sejam: 1) regras de casa: que dizem respeito à rotina do internado na instituição; 2)

prêmios ou privilégios que são obtidos pelo internado por meio de sua obediência às regras

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e à equipe dirigente; 3) os castigos, que são consequências das desobediências às regras

por parte dos internados.

Observamos que tudo em relação a esse sistema de privilégios gira em torno da

liberdade futura. Ou seja, o bom ou mau comportamento e o cumprimento das regras estão

associados ao tempo de permanência na instituição, por exemplo. No caso de um centro de

internação, o bom comportamento dos adolescentes, a produtividade e participação deles

nas oficinas profissionalizantes, a relação com a escola, por exemplo, representam

indicações significativas para que eles alcancem as saídas quinzenais e, até mesmo, a

liberação da medida socioeducativa, que perpassa por esse sistema de privilégios.

Logo, será que o cumprimento das regras, o bom comportamento e a participação

nas atividades representam uma mudança de comportamento ou apenas são meios de se

conseguir os prêmios do sistema de privilégios e, por fim, a liberdade tão almejada?

Em geral, os adolescentes ou reclamam ou se queixam ou pedem. Parece-nos que

existe uma relação de filiação entre os adolescentes e a instituição. Será este mesmo o

objetivo da internação, ou seja, ser pai e mãe desses meninos? Acreditamos que não, a

instituição deve ser orientada no sentido de colaborar, de fortalecer as relações familiares

do adolescente. Ela pode ser parceira das famílias, mas não exercer o papel que cabe a

elas.

A significação das medidas socioeducativas para os adolescentes

A proposta central deste trabalho é evidenciar qual o significado que os

adolescentes e seus familiares conferem à medida socioeducativa de internação e às

medidas socioeducativas cumpridas anteriormente à internação. Logo, vamos começar

pelo que falam os adolescentes.

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Josiane Veronese (2009) explica que as medidas socioeducativas devem guiar-se

pelo trinômio: liberdade, respeito e dignidade, sendo que a intervenção junto aos

adolescentes deve ser, obrigatoriamente, pedagógica e não punitiva. Muito além de serem

matriculados, inseridos em oficinas profissionalizantes ou em qualquer atividade na

internação, é imprescindível trabalhar com esses adolescentes no sentido de que eles

entendam o que está acontecendo com eles mesmos, porque estão cumprindo medida

socioeducativa, como funciona e quais são seus direitos e deveres – ou seja, o aspecto

pedagógico precisa ser melhor trabalhado. O contato que tive com os adolescentes da

internação me causou a impressão de que existe uma preocupação muito grande em

garantir certos direitos (independente da qualidade, como escola, oficinas, esporte,

construir o PIA, elaborar relatórios etc.), mas falta uma preocupação mais com voltada

para o adolescente em si, como trabalhar cada adolescente em seu contexto, em adentrar

mais profundamente na sua história para tentar ressignificar algumas experiências de vida

e, quem sabe, provocar alguma mudança no seu imaginário social, em suas expectativas.

Mas o que dizem esses adolescentes sobre as medidas socioeducativas? No geral,

avaliam a medida de internação como algo ruim e sempre pontuam como causa desse

“algo ruim” a ausência da liberdade e a ociosidade. Para eles, a internação não serve para

nada e pouco refletem sobre o momento que ali estão passando, pelo contrário, sentem

raiva, indignação e repulsa. Ou seja, para eles não tem significado estar na internação ou a

internação é que não faz sentido algum?

Os adolescentes reconhecem que estão na internação porque fizeram algo

contrário à lei, mas não conseguem refletir ou dar alguma importância a essa medida em

suas vidas. O adolescente Carlos, que já é maior de idade e que já está na internação há

mais de um ano, diz que a internação serve para aprender coisas boas e sair melhor para o

convívio social, entretanto, quando questionado sobre as coisas boas que a internação lhe

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fornece não soube dizer nenhuma, apenas soube enumerar os aspectos negativos,

colocando novamente a questão da liberdade, a má qualidade da comida etc.

Vejamos o que eles falam quando questionados sobre o significado da medida de

internação:

Alan: O que significa estar aqui? Nada, a não ser sair mais revoltado. Os caras ficam

presos aqui e saem mais revoltados ainda. Ficar preso é muito ruim. Aqui o cara só passa

raiva. Pra que? Pra nada. Isso aqui só deixa o cara mais revoltado. Como reflete? É só

passar raiva aqui.

Breno: Eu acho essa medida normal. Me prejudicou muito.Porque era pra eu terminar o

terceiro ano, que eu estava trabalhando na rua. Por causa de um porte de arma. Eles foram

muito rígidos. Só isso mesmo. Não significa mais nada. Não tem nenhuma importância.

Isso aqui o cara reflete que é pior. Fica é pior. Porque aqui é “cabuloso”. O cara ficar

preso, sem a liberdade. Está sendo o pior momento essa internação aí, que é da mal. Aqui

não tem como o cara o refletir. Só preso, preso. Ele não faz nada. Porque aqui o cara não

faz nada, fica preso. Fica vivendo essas humilhações desses agentes aí. O cara sai pior,

revoltado.

Carlos: É complicado. O significado é o seguinte: pra aprender as coisas boas, né? Tive

minha liberdade, cometi um crime. Aí aqui já é pra tipo... Uns falam que saem bons, outros

falam que saem piores. Mas eu estou pretendendo sair bom aí, pra voltar para a sociedade

de novo, ficar tranquilo e agora. É só na tranquilidade mesmo. Importância assim não tem

nenhuma, mas eu acho que deve ter as coisas boas também, né?Aqui é ruim demais. O

negócio é a liberdade mesmo. Ficar com a sociedade, né? Ficar preso não é vida pra gente,

não. O negócio é a liberdade mesmo.

Outra colocação importante que os adolescentes fizeram é em relação às suas

famílias. Eles afirmam que suas famílias são presentes na internação, pois sempre os

visitam. No geral, eles não sabem informar se as famílias participam de alguma atividade

na internação, apesar de Carlos ter mencionado que, de vez em quando, sua família

frequenta algumas reuniões antes de visitá-lo. Todos concordaram que a presença das

famílias é importante para eles, serve de apoio nesse momento difícil. E, o mais importante

é que foi possível perceber, por meio de suas falas, que muitos só estão cumprindo a

medida por conta das famílias, para não causarem mais sofrimento às suas mães, como diz

Carlos “minha mãe sempre fala: „meu filho, quando você sair, pra você voltar. Pra você

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cumprir e pra você não ficar fugindo, quando ver um polícia, não ficar se escondendo‟. Eu

falo: „mãe vou cumprir‟. Aí eu estou cumprindo. Vou cumprir por causa dela mesmo. Só

por causa dela”.

Sobre as outras medidas socioeducativas que cumpriram antes da internação, Alan

e Breno falaram a respeito da semiliberdade e Carlos, da prestação de serviços à

comunidade e da liberdade assistida.

Sobre a semiliberdade, as falas deixaram claro que, no que diz respeito à

profissionalização, não havia oficinas. Nenhum dos dois adolescentes chegou a realizar

algum curso ou oficina profissionalizante no cumprimento da medida. Alan, por exemplo,

nem chegou a ser matriculado na escola, pois evadiu em menos de um mês e Breno

continuou estudando em Sobradinho II, onde reside, sendo que a semiliberdade era em

Taguatinga Sul.

Sobre o acesso à saúde, Alan e Breno contaram que havia um posto de saúde

próximo à casa de semiliberdade, mas os adolescentes informaram que nunca precisaram

usar.

Logo, ao realizarem uma comparação entre a internação e a semiliberdade, os

dois adolescentes afirmaram que a semiliberdade era melhor que a internação, mesmo não

tendo os mesmos serviços ofertados, pois tinham mais liberdade e contato com o mundo

exterior, sendo que o fato de poderem ficar com as famílias nos finais de semana também

apareceu como algo positivo, como podemos observar na fala de Breno:

a semiliberdade é de boa. Assim, dava até pro cara refletir um pouco. E o cara ia

pra ficar com a família todo final de semana. Não ficava preso, estudava na rua,

aprendia mais. A semiliberdade dá pro cara refletir melhor. Porque o cara pensava.

Nos finais de semana estava com a família. Era de boa.

Ainda sobre a participação das famílias, os adolescentes colocam que estas quase

não iam à semiliberdade, bem como não havia atividades voltadas para elas.

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Já o adolescente Carlos, que cumpriu LA e PSC, pouco soube dizer da PSC e, em

relação à LA, a medida não o ajudou em nada, pois ele só ia assinar um papel e conversar

com a técnica. Para ele, a medida não serviu para nada. Observou ainda que, na internação,

pelo menos ele participa das oficinas, em contraponto à LA, a qual não ofertava curso

algum. Acrescenta-se que também estava fora da escola quando do cumprimento da

liberdade assistida. Sobre a participação da família, disse que sua mãe nunca precisou ir ao

local onde a LA era executada e que nunca recebeu visita domiciliar. Segue a fala do

jovem Carlos, sobre a medida de liberdade assistida:

Foi de boa. Era só assinar lá mesmo. Podia dar uma melhorada, né? Dado um curso

lá mesmo. Eu não estava nem aqui, né? Também. Foi de boa. (...) importância

assim, muita importância ela não teve, não. Eu fiquei pouco tempo assinando só no

CDS mesmo. Só assinava. Não fazia muita coisa... Ninguém fazia nada, não. Só

assinar lá, conversar um pouco com a mulher. Perguntava como eu estava, se eu

tava andando armado. Essas coisas assim. Aí eu assinava e ia embora. Mas não

tinha dado nenhum curso nem nada assim não.

A fala dos adolescentes nos permite observar que as medidas socioeducativas que

cumpriram não tiveram muita importância em suas vidas, principalmente as em meio

aberto ou em semiliberdade. Apesar de se queixarem da internação e de afirmarem que tal

medida socioeducativa não tem nenhuma importância em suas vidas, parece que só a

internação conseguiu despertar alguma coisa neles, mesmo que essa coisa seja a raiva, a

revolta, a indignação. E, nos parece que só a internação consegue garantir um mínimo do

que é preconizado como de responsabilidade das medidas socioeducativas, pois só na

internação estudam, participam de oficinas, entre outras atividades.

Entretanto, talvez as medidas em meio aberto e a semiliberdade não tenham feito

tanto sentido porque sofrem com o descaso por parte do poder público. Não há

investimento em relação a essas medidas. Se pensarmos no que a sociedade quer, no que

ouvimos as pessoas comentando, o que lemos nos jornais, o desejo é que esses

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adolescentes sejam presos mesmo, excluídos do convívio social, pois não têm solução.

Logo, o que gera uma sensação maior de “segurança” é a internação, é o regime de prisão.

O que a sociedade precisa entender é que se prender resolvesse, não haveria reincidência.

Exemplo claro do não-investimento nas medidas em meio aberto é o fato do

Distrito Federal, ao optar por colocar as medidas em meio aberto como responsabilidade

da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (SEJUS), renuncia os

recursos federais destinados à execução das medidas socioeducativas, desde que estejam

sob responsabilidade da Secretaria responsável pela política social de assistência social, no

caso do DF, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Transferência de Renda

(SEDEST). Voltaremos a tecer considerações mais detalhadas posteriormente nas

reflexões institucionais.

No senso comum, o que se espera das medidas socioeducativas é punição, é

excretar do convívio social os delinquentes responsáveis pela violência e insegurança

social. Já para os profissionais da área (alguns), acadêmicos interessados no assunto

(alguns), juristas (alguns), representantes dos direitos humanos (alguns) e tantos outros (ou

poucos), as medidas socioeducativas assumem outro propósito, que eu resumiria,

grotescamente, em uma palavra: milagre. Digo isso porque esperamos que elas dêem conta

de toda uma trajetória de ausências, de violências, de exclusão, de não ser ou de ser

alguém indesejado, invisível, abjeto. E esperamos isso num contexto (social, econômico,

familiar e, arrisco dizer, principalmente, político) que não permite que esses adolescentes

sejam outra coisa, que ocupem outra posição se não a de relegados sociais.

Nós, (sociedade) temos de trabalhar para que esses adolescentes não cheguem a

entrar no sistema socioeducativo. Não quero aqui acreditar ou defender que um mundo

sem violência, crimes e infrações é possível, mas impossível é permitir que os adolescentes

estejam cada vez mais cedo acessando o sistema de justiça e com histórias de vida que

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deixam evidente o excesso de faltas: falta de amor, de carinho, de orientação, de educação,

de lazer, de saúde, de direitos, de um Estado presente, de uma família responsável e de

uma sociedade preocupada com o todo.

Sobre o futuro

“Não ter futuro! Não ter uma existência social reconhecida é

o destino de milhares de crianças brasileiras, quando não

impedidas de simplesmente existir (...)” (Takeuti, 2002, p.

198).

Para finalizar esta parte dedicada ao que os adolescentes têm a nos dizer, vamos

falar do que move e, muitas vezes, trilham as nossas vidas: os sonhos. Quem é que não

sonha? Quem não tem objetivos para a vida, metas a serem conquistadas? A maioria

desses adolescentes não tem sonhos, não conseguem pensar no futuro, não acreditam em

planejamento.

Questionados sobre o futuro, para os adolescentes, o trabalho sempre vem em

primeiro lugar, os estudos vêm depois ou nem aparecem. Para todos eles, deixar a vida do

crime associa-se a deixar de dar trabalho e/ou causar sofrimento às suas famílias. Ou seja,

eles não têm muitas perspectivas para o futuro. Alan disse: “nós não sabemos o dia de

amanhã, se eu estou vivo, se eu estou morto (...) se eu ficar pensando, fazendo plano pro

futuro é „boom‟, dá tudo errado”.

Sobre a questão de sonhar, de pensar no futuro, vale a pena refletir sobre as

projeções sociais atribuídas a estes adolescentes. O olhar social é determinante e a

subjetivação de um olhar social negativo sobre si e sobre o seu grupo social pode acarretar

na devastação do que eles acham de si próprios. O que pretendo dizer é que, conforme

expõe Takeuti (2002):

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a internalização dos estigmas não os deixa escapar do comportamento atribuído. A

dita "patologização" é assumida por eles próprios, num processo de projeção (pela

sociedade) e de introjeção (por eles) dos estigmas. O olhar social é o de atribuição

imediata do "medonho" ou do "mau olhado" (Takeuti, 2002, pp. 234-235).

Não obstante, esses adolescentes acabam agindo de acordo com o que lhes é

atribuído socialmente. Eles são levados a agir de acordo com que se espera deles,

estimulados pela raiva de serem imputados a uma identidade virtual delinquente e, assim, a

violência passa a ter um importante lugar no processo de constituição identitária desses

adolescentes (Takeuti, 2002).

Desse modo, o precário capital social, cultural, simbólico, econômico e, em muitos

casos, afetivo faz com que esses adolescentes excluam a possibilidade de sonhar, de terem

uma imagem positiva de si. Nas palavras de Castel (2008b), “a ausência de qualquer

perspectiva de futuro é o testemunho de uma desesperança profunda. O presente cristaliza

assim todas as recusas, mas parece nem se apoiar nem culminar em nada” (p. 17).

5.2. Famílias: participação e envolvimento no cumprimento das medidas

socioeducativas

Essa parte do estudo visa dar voz às famílias dos adolescentes entrevistados. Para

tanto, conforme descrito na metodologia, foram realizadas visitas domiciliares para

realização das entrevistas, uma vez que houve a preocupação em não retirar o pouco tempo

que as famílias possuem para ficar com seus filhos no momento das visitas semanais. Não

obstante, ir até a casa onde os adolescentes residem também contribuiu para que

tivéssemos maior conhecimento de suas realidades social, familiar e comunitária.

Alan reside com sua mãe, Sra. Leda, e sua irmã mais nova, Aline, de 12 anos de

idade. Alan possui mais dois irmãos, que não moram com eles, ambos com passagem pelo

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sistema de justiça, assim como seu genitor, acusado de matar a sua primeira esposa. A

relação familiar é bastante conflituosa e Alan vivenciou muitas agressões do pai em

relação à mãe. Inclusive, Sra. Leda nos contou que uma vez Alan atirou contra a mão de

seu genitor para protegê-la das ameaças de morte feitas pelo ex-marido. Nas palavras dela:

Ele [o ex-marido] me perseguia muito. Queria me matar. Queria matar esses meus

meninos mais velhos aí e uma vez o Felipe atirou nele também por coisa das

perseguições dele com a gente. O Felipe falava: “Atirei mesmo. Eu ia era matar ele,

para ele deixar de ser covarde e não sei o que, e aí está vingado o que ele fez com a

senhora”. Só que assim... Eu até esqueço. É tanta coisa... Aí eles brigaram. O

Felipe fez isso com ele e pronto.

Já Breno reside com seus pais, Dona Silvia e Seu José, uma irmã (Bruna, 22 anos)

e um irmão (Bruno, 23 anos), sendo que este último cometeu o mesmo ato infracional que

Breno, ou seja, porte de arma. Segundo relatos de Bruna, ela e os irmãos nunca

presenciaram algum tipo de violência física entre os pais, mas nessa família observamos a

existência da negligência emocional, sendo concebida como a “falha em prover suporte

emocional adequado ou permitir que a criança presencie violência doméstica” (Kaplan,

1999, citado por Weber et al., 2002, p. 163). Na entrevista, os filhos se queixaram de falta

de carinho, de afeto e de diálogo. Alegaram que, materialmente, os pais não lhes deixam

faltar nada, mesmo com toda a simplicidade em que vivem, mas emocionalmente falta

muita coisa.

A família de Carlos é composta por sua mãe, Sra. Maria, a irmã (Carla, 23 anos),

que já foi atendida na delegacia da criança e do adolescente por tráfico de drogas, e duas

sobrinhas. O pai mora em outro estado e só viu o filho quando ainda era pequeno. Sra.

Maria contou que ele era muito violento e com medo de morrer ou perder os filhos, fugiu

para Brasília com as crianças, quando Carlos ainda tinha cerca de três anos de idade. A

mãe de Carlos sempre trabalhou em casa de família e, muitas vezes, tinha de dormir na

casa dos patrões, deixando os seus filhos sozinhos:

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[...] aí eu tive que trabalhar. Eu dormia no serviço. Aí nós não tínhamos mais

aquele contato, assim, aquela coisa de mãe protetora não tinha mais, que eu tinha

que trabalhar para botar as coisas dentro de casa, pagar aluguel, porque eu saí de lá

e não tinha nada, entendeu? Então eu queria construir uma vida.

Ou seja, em todas as famílias há histórico de envolvimento com o crime por parte

de seus integrantes, sejam irmãos e/ou parentes mais distantes. Também percebemos a

existência de violência, seja ela física ou emocional. Além do mais, as famílias

entrevistadas são de baixa renda, residem em locais de maior vulnerabilidade social,

conhecidos por serem violentos (as periferias urbanas), sendo que apenas a família de Alan

possui casa própria. Todas as mães são domésticas e, na família de Breno, único caso em

que os pais residem juntos, o pai trabalha como pedreiro. Percebemos aqui que as famílias

vivem em contexto de pobreza; os genitores exercem profissões pouco valorizadas

socialmente; a violência compõe suas histórias de vida.

Qual será o resultado de todo esse contexto? Vamos ver o que as famílias têm a nos

dizer sobre o envolvimento dos filhos com atos infracionais e o que esse envolvimento tem

lhes causado.

5.2.1. “É difícil, mas eu prefiro ele lá do que aqui, aprontando”

Essa foi a resposta de uma das famílias entrevistadas quando questionada sobre o

envolvimento de seu filho com o crime e como toda essa situação, bem como se o fato de

estar em regime de restrição da liberdade afeta o sistema familiar.

No geral, o cometimento do ato infracional é explicado pelas famílias como

resultado da falta de orientação e presença dos pais, assim como o frágil diálogo entre eles

e os filhos e a presença de más companhias. Nas palavras das famílias:

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Família Alan: Sei lá. O Alan é assim: ele começou a usar essas coisas quando

tinha uns 13 anos. De 13 para 14 anos. Aí foi roubar, aprontar, mas o pai dele ainda

vivia dentro de casa (...) o pai dele também deu uns exemplos muito ruins. A gente

só vivia brigando dentro de casa. Aí eu não sei se foi por causa da bagunça que ele

via dentro de casa ou até porque ele se sentiu assim, solto. Mas não, porque ele

começou a aprontar com o pai mesmo dentro de casa. Aí não sei. Ele ia assim,

nessa idade queria muito usar coisa que não tinha. Aí ele começou a ir roubar e a

ser violento, igual ele foi assim, na rua. Mas ele só foi violento com o pai mesmo,

com outras pessoas não. Nunca bateu em mim. O negócio dele é roubar mesmo. Aí

eu não sei se é precisão ou o que é.

Família Breno: (genitora) É como se... O problema eu acho que foi a falta de

diálogo. O que eu penso, assim. Não abriu os olhos. Foi deixando, deixando...

(irmã) A mãe trabalhava demais para não deixar faltar comida. Ele (Breno) sempre

falava com a minha mãe. Ele chegava... Ele é o mais carinhoso também. Assim, ele

é o mais apegado assim, com a minha mãe também. Tentava se aproximar da

minha mãe, mas a minha mãe e meu pai nunca... Sabe... Nunca deu espaço para ele.

Ele tentou se aproximar, mas não deu. Ele foi fez o que? Ele foi pra rua caçar

amigo, né?

Família Carlos: (...) eu sei que eu tinha que trabalhar, tinha que me preocupar com

o trabalho e não faltar as coisas pra eles. Não sei se esse foi meu erro. Não sei. Que

eu queria que eles não passassem fome, eu queria que eles tivessem um lugar pra

dormir, tivessem um teto. Eu me preocupava nisso. Eu não chegava a imaginar de

um dia o Carlos ia se envolver com essas coisas. Aí assim: quando eu chegava

dentro de casa no sábado, que eu chegava duas horas, estava tudo tranquilo.

Ninguém me falava... Assim, falava que ele estava saindo de noite, mas não falava

assim, sempre.

Duas, das três famílias entrevistadas, são chefiadas por mulheres, que precisaram

deixar suas casas e filhos para garantir o essencial: comida, teto; enfim, uma existência

mínima. Mas ao optarem por seus empregos, quem vai cuidar de seus filhos? Quem vai

orientá-los, auxiliá-los nas tarefas escolares, organizar a rotina do dia-a-dia? A resposta

todos nós sabemos: a rua, os vizinhos, o tráfico de drogas, o mundo.

Nesta perspectiva, Sales (2007) evidencia, a partir de indicadores econômicos e de

acesso a bens e serviços, que a família atravessa uma crise enquanto instituição no cenário

mundial, mas que são os segmentos mais pauperizados da sociedade que sofrem com os

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impactos socioeconômicos, pois “na base da pirâmide, a família que ganha pouco lança

mão de todos os artifícios de que dispõe para manter o mínimo de qualidade de vida”

(Filho, citado por Sales, 2007, p. 81).

Por conseguinte, no caso das mulheres chefes de família, pertencentes às classes

mais pauperizadas e com baixo índice de escolaridade, muitos são os obstáculos existentes

para sua inserção no mercado de trabalho regular como, por exemplo, a exigência de

participação em tempo integral que, somada às quase nulas contrapartidas do Estado e dos

patrões em oferecer suporte aos cuidados com seus filhos, obrigam as famílias a fazer

escolhas que refletem intensamente sobre a (não)educação das crianças, sendo a educação

entendida num contexto amplo, inclusive no aspecto dos valores morais e éticos (Sales,

2007).

Minuchin (1982) já fazia essa análise da situação da família num contexto de

grandes mudanças na sociedade, colocando que a família “tem assumido ou renunciado a

funções de proteção e socialização de seus membros em resposta às necessidades da

cultura” (Minuchin, 1982, p. 52) e, portanto, a família está abrindo mão da socialização

das crianças cada vez mais cedo, sendo que a sociedade ainda não desenvolveu “fontes

extrafamiliares adequadas de socialização e apoio” (p. 53).

Mais uma vez, defendemos aqui que os adolescentes em conflito com a lei são,

sobretudo, resultado da conjuntura política, cultural, social e econômica, na qual se

encontra a nossa sociedade. Enquanto crianças e adolescentes que necessitam da atenção

do Estado no sentido de garantir seus direitos básicos, como educação, saúde, assistência

social, esses adolescentes e suas respectivas famílias esbarram na oferta mínima e

inadequada dessas políticas sociais e, portanto, não conseguem superar as barreiras

existentes, permanecendo à margem da sociedade, (in)visíveis, relegados socialmente. O

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conflito com a lei é um grito de socorro, uma forma de existência social, de se tornar

visível.

Retomando a questão dos reflexos do conflito com a lei no sistema familiar, como

será para essas famílias lidar com a internação de seus filhos? Em suma, as famílias

apontam a internação de seus filhos como algo difícil, pois, para algumas, o filho era a

“alegria da casa, querido por todos”; para outras, o filho significava proteção contra as

ameaças do ex-marido. Em suma, todas alegam que a internação gerou um vazio na

família, mas com o qual elas foram se acostumando aos poucos.

Sobre o “vazio” deixado pelos filhos, cabe aqui ponderar a respeito dos papéis que

eles desempenham em suas famílias. Em uma das famílias entrevistadas, temos a situação

do filho que atira contra a mão do pai como forma de proteger a mãe de suas ameaças.

Nessa mesma família, a mãe diz que sente muita falta do filho “(...) porque mesmo ele

saindo para as ruas e tudo, ele ficava dentro de casa, era a minha companhia. Às vezes,

quando o pai dele vinha aí caçar briga, ele estava perto para me defender”.

Aqui vemos a figura do filho parental que, conforme mostram Penso e Sudbrack

(2004), são adolescentes que desempenham diferentes papéis, ao lado da mãe, ao longo do

Ciclo de Vida Familiar, ocupando espaços vazios da relação conjugal, mantendo-se numa

relação de rivalidade e/ou de afastamento do pai. Assim sendo, “o desempenho e o

investimento nesses papéis dificultam a identificação com seu pai e, também, o movimento

de separação-individuação desse adolescente de sua família, complicando o seu processo

de construção identitária” (Penso & Sudbrack, 2004, p. 36).

Esse filho parental é excluído do subsistema fraterno e elevado ao subsistema

parental, assumindo prematuramente uma responsabilidade emocional considerável, que

resulta na aproximação do adolescente em relação à mãe com um gradual distanciamento

do pai, sendo que esse distanciamento pode ocorrer quando o adolescente percebe que a

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mãe sofre na relação com o pai, como é o caso relatado pela mãe do adolescente Alan,

exemplo que denuncia claramente a sua triangulação na relação do casal, que é

denominado de defensor da mãe contra as agressões do pai (Penso & Sudbrack, 2004).

Para as autoras acima citadas, uma das maneiras que o adolescente que vive essa

situação encontra para lidar com a angústia vivida e criar possibilidades de separação e de

liberação desse lugar de filho parentalizado pode ser a busca por outros contextos de

construção identitária, em que Penso e Sudbrack (2004) destacam o uso de drogas que o

leva, quase que simultaneamente, ao envolvimento com atos infracionais.

Toda essa relação feita por Penso e Sudbrack (2004, com base nas contribuições de

Miermont et al.,1994, Ausloos, 1977; Fishman, 1996; Samaniego & Schürmann, 1999)

está referenciada na abordagem sistêmica, que identifica o sintoma de um dos membros da

família como um fenômeno relacional, que tem uma função, no e para o sistema,

funcionando como regulador deste, tentando superar a crise, sem que nenhuma mudança

real ocorra. Contudo, ao mesmo tempo em que sintoma regula o sistema, ele também

denuncia suas dificuldades em enfrentar crises específicas.

Assim, o uso de drogas e o cometimento de atos infracionais passam a ser

analisados como um sintoma de toda a família, sendo encarado como uma forma de lidar

com os conflitos, mais do que um problema em si mesmo. A função desse sintoma é

conduzir uma mensagem que denuncia falhas do sistema familiar e social, ao mesmo

tempo em que indica a necessidade de mudança no seu funcionamento (Bulaccio, Rosset,

Roussaux, citados por Sudbrack, 1992).

Na mesma linha de pensamento, Krohn, Hall e Lizotte (2009) apontam em seu

estudo que os adolescentes que vivem em famílias que experimentam transições são mais

propensos a cometer atos de delinquência e uso de drogas com maior frequência que os

adolescentes que vivem em famílias que vivenciam poucas transições. Para os autores,

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entre as possíveis consequências das transições familiares que podem levar a

comportamentos problemáticos estão as mudanças no bem-estar econômico da família, as

tensões entre os membros da família, o estresse que resulta de mudanças na organização

familiar e os problemas relacionados a essas mudanças, assim como problemas no âmbito

escolar. Ademais, os autores também relacionam o envolvimento com atos infracionais e

uso de drogas com as relações de amizades que os adolescentes estabelecem com colegas

que possuem comportamentos considerados problemáticos.

Para concluir, mesmo com a saudade e o fato de terem que se deslocar

semanalmente para a unidade de internação e passarem por situações que consideram

constrangedoras, como diz Dona Silvia: “ah, só de tirar a roupa, já é uma humilhação.

Aquele pessoal olhando as comidas, ficar cortando as bananas... Tudo ali é humilhante”, o

sistema familiar vai se reorganizando e as famílias se acostumam com seus filhos presos

porque acreditam que lá eles estão protegidos dos perigos que o mundo oferece,

evidenciando, assim, o que elas esperam da medida socioeducativa de internação, ou seja,

o que não conseguiram fazer em relação aos seus filhos.

5.2.2. A significação das medidas socioeducativas para as famílias

Vimos, na parte destinada aos adolescentes, que as medidas socioeducativas são

significadas por eles como algo sem importância, sem sentido, mas que, mesmo assim,

consegue despertar neles sentimentos de raiva, indignação, revolta, porque, além de tolidos

de sua liberdade, ficam submetidos a uma série de regras e imposições que transformam

seus imaginários, o que pensam sobre eles próprios. E para as famílias? Será que elas

pensam como os seus filhos ou será que as medidas socioeducativas possuem outro

significado para elas?

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Para as famílias entrevistadas, a internação está associada à ideia de proteção para

os adolescentes e de tranquilidade para elas, no sentido de saberem que lá seus filhos estão

protegidos dos perigos do mundo exterior. Também é vista pelas famílias como a única

medida socioeducativa capaz de provocar reflexão aos adolescentes, no sentido de dar

valor à liberdade. Ou seja, só restringindo a liberdade é que eles param para pensar. Assim,

elas pensam. Vejamos o que elas disseram:

Família Alan: “No fundo eu acho que é até bom, porque do jeito que o Alan estava

aí, meu irmão, nossa. Se ele não estivesse ido para lá, eu não sei nem o que tinha

acontecido, porque ele estava muito sem controle, sabe? Estava aprontando demais.

Uma vez atrás da outra. Aí, para mim está sendo bom, porque ele está sossegado lá,

está evitando muita coisa. E eu também estou um pouco mais tranquila. Para mim

significa que eu quero... Assim, que ele saia de lá bem. Está significando assim,

que eu estou tranquila. Porque se ele não estivesse internado, estava muito

ruim com ele aí na rua aprontando” (grifo nosso).

Família Breno: “Muito difícil mesmo ver ele... Por mais que ele errou, entendeu?

É muito difícil para nós. Muito mesmo. É. Amadurecimento, assim. Porque assim:

as duas vezes que ele aprontou, que ele ficou os 45 dias, eu acho que ele não levou

muito a sério. Igual ele estava lá no semi, né? Aí ele não cumpriu o semi direito,

né? Aí eu acho que esse aí deu para ele... Ele agora está amadurecendo. Ele está

vendo que a liberdade é bem mais importante, né? (...)Minha mãe quer dizer

que antigamente ele passava os 45 dias, ele pensava: “ah, „de menor‟, não dá

nada mesmo. Vou aprontar”. Mas agora ele está bem. Já tem sete meses e ele

nem tem previsão de quando ele vai sair. Ele pode ficar até três anos. Agora sim

está caindo a ficha dele, né? Ele está achando que ele vai aprontar e não dá nada.

Não, né?”(grifo nosso).

Família Carlos: O Tiago agora já pensa diferente, entendeu? (...) Ele fala: “é. Se

eu tivesse feito o que a senhora me pediu, o que a senhora me falava, eu não estava

aqui, né, mãe?” Eu falo: “É. “Mas eu não escutei a senhora”. Então hoje ele já

pensa diferente. Então se ele não tivesse lá, ele estava naquela: não, eu... Que nem

ele falava, que ele era “de menor”, que ele só ficava 45 dias e podia voltar pra

casa. Era isso... Que ele achava que podia fazer, fazer e não ficava preso.

Agora, pra ele, ele já sabe. Ele já pensa melhor. Tem importância pra mim,

porque lá o Tiago não está aprontando. Aqui fora, o Tiago... Eu, como mãe, eu

tinha medo de uma hora chegar uma notícia: “mataram seu filho, seu filho

está morto”, entendeu? Quantas mortes já teve aqui e eu fui ver, e eu falava

assim: “Meu Deus! Não me deixa passar por isso, de ver aquele corpo no

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chão”. Uns criticando, que era bandido, que não prestava, que era um vagabundo,

entendeu? Então eu não quero passar por isso. Eu quero que meu filho mude de

vida (grifo nosso).

Outra consideração que fazem sobre a internação é que esta seria a única medida

socioeducativa capaz de mostrar aos adolescentes que eles podem ser punidos, mesmo

sendo de “menor”, como pode ser visualizado na seguinte fala: “já está mudando mais, que

ele está vendo que „de menor‟ tem punição sim”. Percebe-se a confusão existente entre

impunidade penal e inimputabilidade, que Volpi (2001) aponta como um dos mitos

existentes em torno dos discursos proferidos pelo senso comum a respeito das medidas

socioeducativas.

Segundo este mito, os adolescentes estariam mais propensos ao cometimento de

atos infracionais porque a legislação aplicada a eles é muito branda em termos de punição.

Percebe-se, neste sentido, uma má compreensão dos conceitos de inimputabilidade penal e

impunidade, ou seja, o adolescente pode ser inimputável do ponto de vista penal, mas isso

não exclui o fato de que ele é responsabilizado pelo cometimento do ato infracional, tanto

é que existem as medidas socioeducativas. A relevância deste mito para este trabalho

reside justamente no fato de que o não-funcionamento adequado das medidas

socioeducativas, em que pese às medidas socioeducativas em meio aberto, contribui para

repercussão dessa confusão conceitual.

As próprias famílias criticam as outras medidas socioeducativas, sejam elas as em

meio aberto ou em meio fechado, no caso, a semiliberdade e a internação provisória. Para

as famílias de Alan e Breno, que cumpriram semiliberdade, ambos na unidade de

Taguatinga Sul, os adolescentes tinham muita liberdade e ficavam muito ociosos. Um dos

adolescentes nem chegou a estudar quando estava na semiliberdade, pois evadiu em menos

de um mês. Sobre a questão da liberdade, uma fala chamou muita atenção: “Lá era muito

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liberal. Ele saía para comprar pão. Saía, ia para a esquina. Era como se ele estivesse em

casa. Ele saía. Fez foi piorar.”. Ou seja, tem-se a noção de que a medida só tem efeito se

priva o adolescente de quase toda a liberdade.

É importante ressaltar que os dois adolescentes que cumpriram a semiliberdade

evadiram da medida e as famílias não comunicaram as autoridades responsáveis, apenas

aconselharam seus filhos, o que não adiantou em nada, eles continuaram evadidos. No

caso da família de Alan, sua mãe falou o seguinte sobre a situação do filho na

semiliberdade: “(...) ele não respeitou foi nada e reclamava muito de lá, que era ruim, que

estava longe e não sei o que. Aí um dia que ele veio em casa, voltou e na outra semana ele

não quis, não”, ou seja, o filho não quis cumprir a medida e ela acatou.

Essa situação evidencia as contradições muitas vezes existentes entre regras

familiares e regras sociais, em que a transgressão da regra familiar tem maior importância

e impacto para a família que a transgressão da regra social, da lei, conforme expõe Segond

(1992). Cabe aqui uma fala muito intrigante da Sra. Leda, mãe de Alan, quando fala sobre

o momento em que descobriu que o filho estava cometendo furtos e roubos, ela não deixou

claro que não era para o filho roubar, apenas disse para ele não levar “essas coisas” para

casa:

Eu sei que ele andou chegando com umas coisas aí. Não chegava mais porque eu

brigava. Falei: “Alan, eu não sei onde você está arrumando isso, mas eu não quero

essas coisas aqui, não”. Aí eu acho que ele roubava pra lá. Não chegava... Aí parou

de chegar aqui com as coisas. Por lá mesmo ele gastava para lá.

Para a família do adolescente Carlos, que cumpriu LA e PSC, as medidas não

surtiram efeito nem para família, nem para o adolescente. No caso da LA, era só assinar

um papel mensalmente, a genitora nunca ia à unidade de execução por causa do trabalho e,

à época, o adolescente não estudava, tampouco, fazia qualquer tipo de curso, só ia “assinar

um papel” e conversar com a técnica. A família nunca recebeu uma visita da equipe de

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execução da LA e nunca participou de nenhuma atividade. Para a genitora, a medida não

valeu a pena:

Assim, pra ele ficar melhor? Não, porque eu não achei nada. Assim, que nem uma

vez, eu fiquei desempregada e eu fui lá no CDS, poxa, não me ajudaram em nada.

A Cristiane era que ia com ele, aí eu não podia, porque você sabe: doméstica, tem

que está ali... Não tem pra onde. Só que aí, na hora lá, eu não sei o que eles falavam

pra ele, o que ele fazia, não sei. Eu sei que sempre chegava um boletim pra assinar.

No caso da PSC, a genitora só foi no primeiro dia levar o filho para conhecer o

local e apresentá-lo, que era o Lar dos Velhinhos em Sobradinho. Depois, o adolescente ia

por conta própria, mas deixou de cumprir porque estava sendo ameaçado de morte e a

genitora informou o fato à Vara da Infância, mas não teve retorno algum.

Resumindo, as famílias não participavam de nenhuma atividade sistemática na

execução das medidas socioeducativas mencionadas, em nenhuma delas os adolescentes

fizeram curso profissionalizante e apenas Breno estudava quando no cumprimento dessas

medidas socioeducativas.

Vamos comparar o significado das medidas para os adolescentes e suas famílias.

Os adolescentes entrevistados falam que as medidas socioeducativas não tiveram nenhuma

importância em suas vidas e, quando levados a comparar a internação com as outras

medidas que receberam anteriormente, identificam a internação como a pior, mesmo esta

garantindo acesso à escola, oficinas profissionalizantes e outras atividades ausentes nas

outras medidas socioeducativas. Afinal, o que “pesa” é a liberdade, é ficar preso em uma

cela, sendo monitorado 24 horas por dia, não cumpre o objetivo de “ressocializar”,

esperado da internação, como coloca Conceição (2010) “é inequívoca a constatação de que

a pena de reclusão é falha em seu aspecto correcional da conduta social. Tem sido

sistematicamente observado que a sanção de restrição de liberdade cria sérios obstáculos à

ressocialização, além de ferir direitos fundamentais do cidadão” (p. 91).

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Já para as famílias, as medidas socioeducativas que os adolescentes receberam

antes da internação é que não serviram para nada. Para essas famílias, a internação é

considerada a única medida capaz de “dar conta” desses adolescentes e que, logo, causa

nas famílias a sensação de que lá eles estão protegidos.

Sobre essa comparação entre a medida socioeducativa de internação e as demais

medidas, Conceição (2010) coloca que é fato que a maioria dos adolescentes que cometem

algum ato infracional grave em que cabe a aplicação da medida socioeducativa de

internação, acumula um histórico de transgressões consideradas mais brandas, o que nos

leva a deduzir que “as medidas antes aplicadas não foram eficazes, pois não preveniram a

reincidência” (p. 92). Por conseguinte, a internação é vista como a solução, uma vez que as

demais medidas socioeducativas fracassaram em seu propósito socioeducativo. Contudo:

não se pode responsabilizar o Estatuto por esses fracassos, pois, na realidade, essas

propostas não estão sendo aplicadas de acordo com o que está previsto. A

responsabilidade não é outra senão da própria sociedade que fracassou em

viabilizar os mecanismos estabelecidos, mas que insiste na prática estereotipada de

travestir sua culpa e condenar os próprios adolescentes quando transgridem a lei

(Conceição, 2010, p. 93).

Já com relação ao caráter protetor que é atribuído à medida socioeducativa de

internação e cujas famílias compartilham, Conceição (2010) elucida que “embora possa

proteger o adolescente de si mesmo, no caso dos ameaçados de morte, o confinamento é

uma contenção para vida” (p. 91), pois denuncia a inoperância das políticas sociais que

visam garantir direitos e proteção, inoperância esta que reflete nas estatísticas de violência

contra os jovens.

De fato, se o objetivo da internação é trabalhar o adolescente para retornar ao

“convívio social” dentro das regras socialmente aceitas, o que vemos é que ao egressarem

do confinamento, torna-se muito mais difícil ser aceito socialmente; os adolescentes

continuam “temidos” e, agora, mais do que nunca, marcados, estigmatizados.

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5.2.3. O envolvimento das famílias na execução das medidas socioeducativas e

perspectivas de futuro

Falamos sucintamente no tópico anterior sobre a participação das famílias nas

medidas socioeducativas anteriores à internação, ou seja, de que não participavam

ativamente na execução das medidas impostas a seus filhos, pois, ao que parece, suas

presenças não foram exigidas. E na internação, como essas famílias participam da

execução?

O entendimento das famílias quanto à participação na execução da medida

socioeducativa de internação pode ser resumido em uma única ação: visitas semanais.

Religiosamente, aos domingos, as mães dos adolescentes vão até o CIAP para visitarem

seus filhos. Tentam levar aquilo que eles mais gostam e que é permitido: “Desde a

primeira vez, sempre que ele vai preso eu visito ele. Eu tendo as coisas para levar ou não,

eu vou. Levo alguma coisa quando tem. Quando não tem, eu não levo” (família Alan). O

único dia da semana em que não precisam trabalhar (pois trabalham aos sábados) é

destinado para os filhos detidos.

Mas além de visitar e conversar, aconselhar os seus filhos, o que mais elas fazem

na instituição? As famílias de Breno e Carlos mencionaram a existência de reuniões com

os pais, para explicar o que acontece lá dentro, apresentar os profissionais, falar das

dificuldades da unidade, etc. Mas, informam que nem sempre podem participar dessas

reuniões ou simplesmente não se atentam às datas, “(...) assim, teve um dia que teve uma

atividade lá, mas só que assim: eu pego os papéis, não lei. Aí, quando eu vou ver, já

tinha...” (família do Breno).

Ademais, na maioria das vezes, as famílias nem sabem dizer direito quais são as

atividades que os filhos desenvolvem dentro da unidade de internação. Ou seja, apesar de

sempre visitarem os filhos, sabem pouco do que ocorre lá dentro e não se sentem no direito

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de cobrar e exigir do Estado uma melhor execução da medida. Muitas vezes entregam seus

filhos e pronto. O envolvimento delas na execução da internação é muito superficial.

Observe as falas:

Família Alan: Nunca me falaram nada do colégio. Eu sempre pergunto para o

Felipe, e ele diz que está estudando. Só fala que está estudando. Deve ser aula

normal, assim, de escola. Não é, não? Ou é oficina?

Família Breno: ele joga bola três vezes na semana, parece. Deixa eu ver: a tarde é

na escola, né? Aí ele faz esse curso. Tem um curso lá. Agora, eu não sei do que é.

Ele falou lá.

Família Carlos: Não. Eu não sei. Eu pergunto e ele só fala que está estudando. Eu

falo: “O que você está fazendo?” “Estou estudando”.

Mas o que está por trás dessa participação superficial, desse pouco envolvimento?

Encontramos em Pedro Demo (2008) uma das possíveis respostas: pobreza política. Para o

autor, a pobreza não é sinônima apenas da ausência de bens materiais, pois mera carência

não gera, necessariamente, pobreza. Ou seja, “pobreza é carência politizada, no sentido de

a carência servir para o favorecimento de alguns em detrimento de muitos” (Demo, 2008,

p.1) e tem como pano de fundo o confronto político entre uns poucos que se apropriam de

bens e poder e muitos que ficam de fora, mas “ficar de fora não é termo correto, porque,

sendo pobreza parte integrante desta sociedade, os pobres estão dialeticamente incluídos,

embora na margem, na periferia, tal qual numa unidade de contrários” (Demo, 2008, p.2).

Assim, a noção de pobreza política sugere que a carência de cidadania

possivelmente seja a dimensão mais grave nos pobres, porque esta carência impede que se

tornem protagonistas de sua própria emancipação.

Pedro Demo (2008) faz uma crítica ao mercado liberal como regulador único de

tudo, explicando que a

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(...) questão da cidadania é apagada do mapa, porque é indesejável: um

protagonista que questiona o mercado estaria fora de lugar. Hoje parece um

dinossauro. Como vimos, nossos jovens são mais de direita do que de esquerda.

Não formulam utopias. Bastam-se com benefícios do sistema e com consumo

(Demo, 2008, p.33).

Ou seja, ser pobre politicamente significa não se reconhecer enquanto sujeito de

direito. É por isso que essas famílias não sabem cobrar do Estado, neste caso, da unidade

de internação, cursos melhores, uma escola de qualidade, mais atividades e menos tempo

ocioso. São pobres, ignorantes em saber exigir do Estado e da sociedade, enquanto

cidadãs, que os seus filhos sejam respeitados e tenham seus direitos assegurados.

A crítica de Pedro Demo (2008) em torno das políticas sociais coloca justamente que

a resposta dada pelo Estado ao enfrentar as problemáticas sociais não passa de políticas

pobres para o pobre. Ou seja, “é correto partir do pobre, se o quisermos como sujeito

participativo, mas é contraditório deixá-lo na pobreza. Parte-se da pobreza para sair dela

(...) na verdade, o sistema não teme um pobre com fome, mas teme um pobre que sabe

pensar (p.9, grifo nosso).

Outra reflexão importante a respeito da participação das famílias na execução das

medidas socioeducativas dos filhos pode ser visualizada no trabalho de Peterson-Badali e

Broeking (2009). As autoras fazem uma breve análise da legislação canadense destinada

aos jovens em conflito com a lei, a Youth Criminal Justice Act (YCJA), no sentido de que,

apesar dos avanços da legislação em reconhecer de modo geral as responsabilidades dos

pais e do interesse das famílias na liberdade e bem-estar das crianças e adolescentes, a

legislação contém pouca discussão dos princípios ou pressupostos que regem o

envolvimento dos pais e não fornece orientações específicas sobre como os pais têm de

cumprir os seus papéis. Deste modo, cabe aos diversos funcionários envolvidos na

execução da lei interpretar as intenções da legislação com respeito ao lugar dos pais e de

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envolvê-los, de acordo com esta interpretação. Muitas vezes, a falta de uma orientação

adequada aos pais em relação ao seu papel na execução das medidas socioeducativas dos

filhos pode gerar uma compreensão equivocada a respeito do papel da instituição. Como já

mencionado neste estudo, acreditamos que a instituição deve ser parceira das famílias e

não assumir seu papel. Mas, fazendo um comparativo com o estudo de Peterson-Badali e

Broeking (2009), o ECA também não deixa claro como deveria ser o envolvimento dos

pais no processo socioeducativo e, então, os papéis de cada um, ou seja, do Estado, da

família e do próprio adolescente ficam indefinidos, dando espaço para mais e mais

desencontros.

Quanto ao futuro de seus filhos, as famílias mencionaram o desejo de que eles

trabalhem, estudem e consigam uma vida digna e, consecutivamente, a questão do trabalho

sempre vem em primeiro lugar, evidenciando que, para essas famílias, o trabalho é visto

como meio de se alcançar uma vida digna e de se tornarem responsáveis por si próprios:

“Toda mãe pensa o melhor para os filhos. Trabalhar, fazer curso, tentar fazer uma

faculdade. Eu estou falando: ver se vocês trabalham e vão cassar o rumo de vocês. A gente

pensa o melhor, né?”(família do Breno).

No caso das famílias dos adolescentes Alan e Breno, as falas das genitoras só

mostram desejos, sem algo mais concreto. No caso da família do Carlos, já se percebe um

empenho maior da família para auxiliar o adolescente nessa “mudança de vida” como, por

exemplo, mudar de localidade, pois ele tem muitas rixas na cidade onde reside e a genitora

acredita que se eles ficarem na cidade o adolescente não terá chances para promover essa

mudança. Inclusive, menciona o apoio da equipe técnica do CIAP, em termos de

orientação, para a mudança de localidade, uma vez que a família reside de aluguel.

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5.3. Aspectos institucionais na execução das medidas socioeducativas

“O ser humano é um. Privá-lo de alguns de seus direitos

fundamentais equivale a negá-los em sua totalidade.”

(Badinter, 2008, p.11)

Dentro da perspectiva sistêmica adotada como arcabouço teórico deste trabalho, o

conflito com a lei deve ser situado para além dos aspectos individuais e familiares, mas em

conjunto aos aspectos sociais e institucionais. Apesar da internação, enquanto instituição,

não ser o foco deste trabalho, analisaremos os aspectos institucionais ressaltados na

observação participante realizada no CIAP e, por conseguinte, cabe uma breve análise das

políticas sociais no Brasil, destinadas aos adolescentes em conflito com a lei.

A internação é a medida socioeducativa aplicada em último caso, quando nenhuma

das outras medidas socioeducativas conseguiu sucesso ou quando a infração praticada é

considerada como grave ameaça ou violência à pessoa. Além disso, conforme preconiza o

Art. 121. do ECA (1990), a internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos

princípios de brevidade, da excepcionalidade e do respeito à condição peculiar de pessoa

em desenvolvimento. Esta medida é aplicada tão-somente em caráter excepcional porque

priva o sujeito de um de seus direitos fundamentais: a liberdade. Não obstante, os próprios

instrumentos normativos e legais colocam a internação como último caso. Encontramos no

SINASE uma citação interessante a este respeito:

A privação do ambiente familiar e social traz mais problemas do que

benefícios àqueles que são submetidos a ela [grifo nosso]. Não é possível

desconsiderar que historicamente foi construído um ideário de que a

institucionalização era apropriada para determinado grupo de crianças e

adolescentes, aqueles considerados em situação irregular, justificando a separação

da família e da sociedade dentro do modelo institucional correcional-repressivo

(...). Entretanto, para que se assegure o seu direito de cidadania e os danos não

sejam ainda maiores, a entidade e/ou programa de atendimento deve garantir que o

adolescente tenha acesso aos seus demais direitos (Brasil, 2006).

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Ou seja, é reconhecido no âmbito normativo que a internação não é a medida

socioeducativa mais apropriada, entretanto, a lei a exige, o que evidencia a existência de

um paradoxo. Mas também a lei exige que a entidade e/ou programa de atendimento

garanta que o adolescente não seja privado de seus demais direitos. Para tanto, as entidades

devem apresentar condições adequadas em termos de estrutura física e material, corpo

técnico qualificado, oferta de políticas sociais como saúde, educação, esporte e lazer,

dentre outras necessidades inerentes à condição de pessoas em desenvolvimento, a qual se

encontra os adolescentes.

No decorrer da observação participante realizada no CIAP, foi possível constatar

que a instituição tem realizado planejamento e ações que demonstram a preocupação em

desempenhar um atendimento socioeducativo mais eficaz e eficiente, a despeito das

dificuldades existentes. Essa constatação foi possível tendo em vista, por exemplo, o fato

da instituição realizar atividades que envolvam a família dos adolescentes internados na

própria instituição, com o intuito de torná-las mais presentes no cumprimento da medida

socioeducativa dos filhos e também de lhes oferecer alguma atenção.

No período de realização da observação participante, foram realizadas duas

atividades com as famílias. A primeira tratava-se de um grupo de reflexão entre pais e

filhos, moderado pela equipe técnica da instituição. A segunda atividade realizada contou

com a participação de vários setores do CIAP, ou seja, equipe técnica, profissionalização,

escola, segurança, equipe de saúde, etc. Nessa atividade, as famílias eram levadas aos

módulos onde os seus filhos estavam e lá eram realizadas dinâmicas que exigiam o

entrosamento dos participantes. Por conseguinte, adolescentes e familiares receberam um

lanche especial e depois os familiares foram conduzidos à escola do CIAP onde estavam

sendo ofertados serviços de beleza. Os familiares que quisessem podiam cortar os cabelos,

escovar, passar chapinha e aferir a pressão.

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Ademais, a instituição iniciou a construção do Plano Individual de Atendimento

(PIA) previsto pelo SINASE, “cuja elaboração constitui-se numa importante ferramenta no

acompanhamento da evolução pessoal e social do adolescente e na conquista de metas e

compromissos pactuados com esse adolescente e sua família durante o cumprimento da

medida socioeducativa” (Brasil, 2006) e que envolve, em sua construção, a participação de

todos os setores4 da internação, bem como da família e do próprio adolescente, de modo a

propor ações estratégicas para cada adolescente internado em diversas áreas.

Além disso, já foram iniciadas as audiências públicas para homologação das

sentenças, que requer da equipe institucional do CIAP os PIAs e também que a equipe se

reúna para levar ao promotor e ao Juiz aqueles casos de liberação da medida e pedidos de

saídas quinzenais, por exemplo.

Ou seja, o CIAP está caminhando para executar uma internação melhor e mais

próxima dos parâmetros estabelecidos pelo SINASE, pelo menos é o que percebemos no

decorrer do período observado e no âmbito técnico, ou seja, dos serviços prestados.

Todavia, ainda tem muito que caminhar. Algumas dificuldades institucionais, que

extrapolam os muros do CIAP, ainda são muito presentes, como a falta de materiais para

realização das oficinas, o que faz com que a instituição realize algumas atividades com

vistas à manutenção delas.

4 Conforme estabelece o SINASE, a elaboração do PIA se inicia na acolhida do adolescente no programa de

atendimento e o requisito básico para sua elaboração é a realização do diagnóstico polidimensional por meio

de intervenções técnicas junto ao adolescente e sua família, nas áreas:

a) Jurídica: situação processual e providências necessárias;

b) Saúde: física e mental proposta;

c) Psicológica: (afetivo-sexual) dificuldades, necessidades, potencialidades, avanços e retrocessos;

d) Social: relações sociais, familiares e comunitárias, aspectos dificultadores e facilitadores da inclusão

social; necessidades, avanços e retrocessos.

e) Pedagógica: estabelecem-se metas relativas à: escolarização, profissionalização, cultura, lazer e esporte,

oficinas e autocuidado. Enfoca os interesses, potencialidades, dificuldades, necessidades, avanços e

retrocessos. Registra as alterações (avanços e retrocessos) que orientarão na pactuação de novas metas.

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A meu ver, essa situação é muito séria e demonstra a falta de investimento nas

medidas socioeducativas. Se falta material para as oficinas na internação, imagine nas

medidas em meio aberto que não são vistas como prioridade, não é a toa que o adolescente

entrevistado que cumpriu liberdade assistida nos contou que nada fazia quando estava na

LA, apenas “assinava um papel” e “conversava com uma mulher”. Além do mais, os

materiais produzidos deveriam ser destinados em sua totalidade à própria instituição e aos

adolescentes/famílias. Os produtos da horta, da panificação poderiam ser utilizados

primeiramente na própria instituição e, depois de sanadas as necessidades internas, é que

poderiam ser comercializados interna ou externamente. Do mesmo modo, a oficina de

artes. Os materiais produzidos deveriam ser dados às famílias e comercializados de modo

que o ganho financeiro fosse revertido para a família e para o adolescente e não para

manter a própria oficina.

Por meio da fala dos adolescentes, explorada no tópico destinado a eles, podemos

observar algumas críticas quanto à saúde, à escola, às oficinas profissionalizantes e ao

escasso atendimento com as técnicas, além, por exemplo, da alimentação, que eles alegam

ser de péssima qualidade, como afirma Breno: “Parece lavagem pra porco. Não é comida

normal, não. É pior. Os bicho faz na má fé” e Carlos: “Oxe, tem vez que vem cru, tem vez

que vem... Quando vem uma coisa boa é raramente mesmo. Tem vez que vem cru, o

negócio “cruzão” mesmo, carne viva”. Também falam da relação com os monitores e

alegam que eles querem “mandar demais”, que na internação passam raiva com “a

humilhação desses agentes aí”. Ou seja, são questões sérias e que devem ser levadas em

consideração pela instituição, afinal, qual é o foco da medida socioeducativa de

internação? A intervenção junto aos adolescentes, no intuito de “ressocializá-los”. Se a

instituição gira em torno dos adolescentes, eles têm de ser ouvidos.

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Existe ainda certa dificuldade da equipe institucional em cumprir o prazo,

estabelecido pelo Ministério Público e Vara da Infância, de 45 dias para elaboração do

PIA. Todavia, a equipe está caminhando e penso que essa questão do prazo também deve

ser direcionada ao próprio poder judiciário, tendo em vista a morosidade em responder aos

relatórios e pedidos de liberação dos adolescentes, por exemplo.

De modo geral, arrisco dizer que o maior problema não é a instituição em si, mas a

execução da medida socioeducativa de internação como um todo. A instituição está

submetida a um contexto maior, no âmbito da secretaria à qual pertence. E esta, por sua

vez, está inserida no bojo das demais políticas sociais e, com certeza, não é a “menina dos

olhos” dos gestores políticos e nem para onde é destinada a maior parte dos recursos

financeiros. É disso que vamos falar um pouco.

5.3.1. O lugar da medida socioeducativa de internação: assistência ou

segurança?

Ao longo do tempo, as medidas socioeducativas permaneceram situadas nas

Secretarias de Segurança Pública dos estados brasileiros, evidenciando a existência de um

Estado penal-policial. Como bem aponta Sales (2007), o Estado penal-policial tem se

erguido mais e mais com o enfraquecimento do Estado de Bem-Estar Social. No Brasil e

demais países da América Latina, é possível observar uma predominância do Estado penal-

policial desde o Império ao entra-e-sai das ditaduras. No caso específico do Brasil:

aos problemas crônicos de uma cultura de corrupção e de brutalidade institucional,

ou cultura de violência, de cariz social mais amplo, soma-se no âmbito da justiça,

do sistema sócio-jurídico – socioeducativo e penitenciário – um perfil de uma

pobre política social para os pobres. Uma moldura institucional marcada, dentre

outros, pelo exorbitante poder dos delegados e juízes, mais um treinamento de

policiais, monitores de unidades de internação de adolescentes e agentes

penitenciários freqüentemente inadequado (Sales, 2007, p. 27).

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Porquanto, o tratamento institucional que os adolescentes considerados infratores

sempre receberam foi, em geral, repressivo e punitivo, perpassado por eventuais injunções

assistencialistas e benevolentes, sendo, ao final dos anos 1970, que essa situação se tornou

questão pública e passou a ser incorporada no âmbito dos direitos, o que acabou por

culminar, já nos anos 1990, com a promulgação do ECA (Sales, 2007).

Entretanto, mesmo com o ECA ainda temos muito que caminhar, pois o grande

impasse que encontramos em relação às leis e a tantas declarações de direitos que existem

reside no reconhecimento apenas formal de direitos e liberdades, sem que seja explicitado

como é possível realizá-los. Para além disso, Sales (2007) ao citar Chauí (1989), coloca

que “a prática de declarar direitos significa, em primeiro lugar, que não é um fato óbvio

para todos que aqueles são portadores de direitos, nem que tais direitos devam ser

reconhecidos por todos” (Sales, 2007, p. 43). Clara demonstração disso é o discurso atual

em torno da diminuição da maioridade penal, o que evidencia a não-compreensão, por

parte de quem a defende, da situação de pessoas em condição peculiar de desenvolvimento

em que os adolescentes se encontram, por exemplo.

Tal como já foi dito, existe um relação paradoxal entre leis, direitos e realidade.

Logo, para Takeuti (2002), é evidente que a maior parte das agências estatais de

atendimento ao “menor” guiam-se pelo princípio da repressão, da disciplina e da punição,

não diferindo das práticas observadas nos estabelecimentos penais. E, todas as

humilhações, maus-tratos, enfim, violências exercidas por policiais e/ou por funcionários

de instituições socioeducativas são sinais da reprodução das violências contidas na

sociedade, como um todo. Ou seja,

as contradições do sistema social global atravessariam essas instituições de

proteção e amparo do "menor". O contexto objetivo - de precariedade da estrutura

organizacional, insuficiência de dotação orçamentária e escassez de recursos

financeiros e de pessoal qualificado para o bom funcionamento da "máquina" -

consiste numa das expressões das contradições da política nacional do bem-estar do

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menor. Alie-se aí, o contexto subjetivo das práticas institucionais expresso pela

apatia, indiferença, sentimento de impotência e, por vezes, pelo sadismo de certos

funcionários das agências de implementação. Enfim, tais condições estruturais

terminam "boicotando" a intencionalidade de prevenção e controle do problema do

"menor" (Takeuti, 2002, p. 183-184).

Ora, ninguém acredita que a prisão corrija. Contudo, no caso da medida

socioeducativa de internação, muitos julgam e esperam que ela possibilite a reintegração

do adolescente à sociedade e que restabeleça sua cidadania. Mas, o que a internação

consegue fazer é excluir esses adolescentes, “estigmatizá-los, adoecê-los no sentido físico

e moral, e, mesmo, transformá-los em criminosos a serem eliminados pela sociedade,

presos ou mortos (...)” (Salles Filho, 2010, p. 115), ou seja, sabemos que o adolescente em

regime de internação terá menos possibilidades de se reintegrar à sua vida anterior ao ato

considerado infracional.

Jacobina e Costa (s.d) fazem uma análise da trajetória de adolescentes que

receberam medida protetiva em um dado momento de suas vidas e, anos depois, receberam

medida socioeducativa de liberdade assistida. A grande contribuição do trabalho das

autoras é mostrar que quando esses adolescentes receberam medidas protetivas, estas não

cumpriram sua função prática ou objetiva, “não trazendo desdobramentos que de fato

garantam a proteção, que é a sua finalidade”. Logo, anos mais tarde, esses adolescentes

voltam a ser alvos do Estado, mas agora, como infratores da lei. Nas palavras das autoras

entendemos que estes adolescentes não são mais invisíveis, já os enxergamos. Nós

os vemos quando procuram o Estado solicitando ajuda e este aplica uma medida de

proteção. Temos o registro formal de que esta criança foi vista quando ainda em

um contexto de extrema vulnerabilidade e há o registro de sua condição de

adolescente cometendo um ato infracional. Assistimos a trajetória percorrida por

este adolescente e sua família. Contudo, assistimos, no sentido passivo da palavra:

ver, testemunhar, acompanhar visualmente, mas não o sentido da ação: auxiliar,

ajudar, socorrer. Assistimos “de camarote” a desproteção se tornar infração

(Jacobina & Costa, s.d).

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Creio eu, esta situação só deixa mais clara e evidente a questão do Estado penal-

policial, pois só depois que o adolescente comete ato infracional é que ele começa a ser

visto pelo Estado e pela sociedade de um modo não tão passivo. No caso da sociedade,

esta passa a cobrar do Estado uma postura punitiva em relação aos adolescentes. E mais,

mesmo quando o Estado aplica uma medida socioeducativa, o presente estudo mostra que

só a internação é que consegue garantir um mínimo de proteção, tendo em vista as

atividades ofertadas no âmbito institucional, atividades estas que as medidas em meio

aberto não conseguem garantir por não receberem o investimento necessário.

Um exemplo muito claro da pouca atenção destinada às medidas de proteção é o

fato de que, no do Distrito Federal, a Seção de Medidas Socioeducativas (SEMSE), da

Vara da Infância e da Juventude do DF (VIJ) fiscaliza a execução das medidas

socioeducativas, tanto em meio aberto quanto em meio fechado. Já no caso das medidas

protetivas, só existe por parte da VIJ a fiscalização dos abrigos (Souza, 2008).

Nesse sentido, parece que, apesar da existência da Constituição Brasileira e do

Estatuto da Criança e do Adolescente, a prática é quase sempre a mesma, remete-se à

doutrina da situação irregular. Muda-se a roupagem, mas a ação permanece, porque para

mudar é necessário deixar a postura de espectador e mergulhar fundo na participação e na

compreensão dos processos particulares e sociais geradores da violência cotidiana.

Conhecer a problemática das crianças e adolescentes em risco social e pessoal e dos

adolescentes em conflito com a lei é compreender que o processo de violência é uma

construção coletiva, no contexto tanto familiar, como social, político e econômico. O

espaço afetivo no grupo familiar dá lugar para a violência, porque é aí que as expressões

da questão social, produto da desigualdade social, encontram-se respaldadas, sobretudo

naqueles grupos em processo de vulnerabilidade social acentuado (Souza, 2008).

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Para concluir, a medida socioeducativa de internação, independente de onde ela

esteja situada, no âmbito das políticas sociais, ela gera o que Castel (2008a) chama de

discriminação negativa. Para o autor, a discriminação é ardilosa porque se constitui numa

negação do direito, impõe-se a partir do momento em que cessamos de admitir que as

diferenças legítimas possam ser fundadas num estatuto hereditário, como quando, por

exemplo, um plebeu não podia assumir as funções de um nobre: ele não era discriminado,

mas simplesmente mantido em seu lugar, dentro de uma estrutura social onde cada um

devia "ocupar o seu lugar".

Logo, Castel (2008a) coloca que existem dois tipos de discriminação: a positiva e a

negativa. A discriminação positiva seria aquela que “consiste em fazer mais por aqueles

que têm menos” (p. 13), ou seja, sua ação incide sobre uma desvantagem, visando reduzir

ou anular esta diferença.

Já a discriminação negativa não consiste somente em dar mais àqueles que têm

menos; ela, ao contrário, marca seu portador com um defeito quase indelével, pois:

ser discriminado negativamente significa ser associado a um destino embasado

numa característica que não se escolhe, mas que os outros no-la devolvem como

uma espécie de estigma. A discriminação negativa é a instrumentalização da

alteridade, constituída em fator de exclusão (Castel, 2008a, p.14).

As políticas destinadas aos adolescentes em conflito com a lei ilustram essa

ambiguidade. Eles são o público preferido da determinação de um Estado que quer mostrar

a sua autoridade de infalível contra os fatores da desordem, por isso, são presos, detidos.

Simultaneamente, eles são esquecidos quando se trata de considerar o conjunto das

condições necessárias para que alguém possa conduzir-se e ser reconhecido como cidadão

por inteiro na sociedade. As discriminações que eles sofrem são a marca deste déficit de

cidadania (Castel, 2008a). Nas palavras de Takeuti (2002) “a sociedade brasileira, de um

lado, oscila entre a delinquentização e a vitimização do "menino pobre" e, de outro, uma

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atitude direcionada ao resgate do direito a uma vida digna para a criança e o adolescente

"pobre"” (p. 184).

Algumas particularidades do Distrito Federal

No Distrito Federal, por muitos anos a medida socioeducativa de internação foi

executada unicamente no Centro de Atendimento Juvenil Especializado (CAJE) e

administrada pela Polícia Civil do DF, sendo os diretores policiais civis. Ao mesmo tempo,

a parte técnica era realizada pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e

Transferência de Renda (SEDEST), antiga Secretaria de Ação Social (SEAS), que era

responsável pelas medidas socioeducativas de semiliberdade e liberdade assistida. A

prestação de serviços à comunidade tinha sua execução a cargo da Vara da Infância e da

Juventude, mais especificamente, a Seção de Medidas Socioeducativas (SEMSE).

Com o passar dos anos, as direções começaram a oscilar entre policiais e técnicos

(assistentes sociais, psicólogos e pedagogos) e, atualmente, quando da realização deste

trabalho, o CIAP, instituição recente, sempre foi administrado por técnicos sociais,

evidenciando uma mudança significativa no que diz respeito às diretrizes da instituição, ao

menos no que tange o “olhar profissional”.

Na gestão do governo passado (2006-2010), houve uma junção das medidas

socioeducativas em uma única repartição, a Secretaria de Estado de Justiça, Direitos

Humanos e Cidadania (SEJUS). Esta passou a ser responsável por todas as medidas, ou

seja, as em meio aberto e fechado. Aparentemente, essa junção permitiu uma maior

integração entre as medidas socioeducativas, contudo, vários foram os aspectos negativos

dessa mudança.

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No âmbito da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), o “Serviço de

Orientação e Acompanhamento a Adolescentes em Cumprimento de Medida

Socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade” está

preconizado como uma ação da proteção social especial de média complexidade, e sua

implementação é de responsabilidade do órgão executor da Política de Assistência Social,

que no Distrito Federal, conforme a Lei nº. 4.176, de 16 de julho de 2008, é a Secretaria de

Desenvolvimento Social e Transferência de Renda (SEDEST).

Ou seja, de acordo com a Portaria n.º 222, de 30 de junho de 2008, do Ministério de

Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a Resolução n.º 05, de 03 de junho

de 2008, do FNAS5, existe recurso para ser repassado aos municípios e Distrito Federal

para a execução do Serviço em tela. Este recurso está previsto no Piso Fixo de Média

Complexidade (PFMC III). Tal recurso é repassado para os municípios e DF pelo Fundo

Nacional de Assistência Social (FNAS).

O Piso Fixo de Média Complexidade III (PFMC III)6 foi o nome criado para o

repasse que co-financia a implementação no CREAS do Serviço de Proteção Social aos

Adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto de Liberdade

Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade (MDS, 2009).

5 O Fundo Nacional de Assistência Social (FNAS), instituído pela Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993,

tem por objetivo proporcionar recursos e meios para financiar o benefício de prestação continuada e apoiar

serviços, programas e projetos de assistência social. Cabe ao Ministério do Desenvolvimento Social e

Combate à Fome, como órgão responsável pela coordenação da Política Nacional de Assistência Social, gerir

o Fundo Nacional de Assistência Social, sob orientação e controle do Conselho Nacional de Assistência

Social (CNAS). (Texto atualizado extraído do Decreto nº 1.605, de 25 de agosto de 1995).

6 Os documentos que regulamentam os Pisos de Proteção Social Especial, entre eles, o Piso de Média

Complexidade é a Portaria nº. 440, de 23 de agosto de 2005. A Portaria n° 460, de 18 de dezembro de 2007

atualizou os valores dos repasses do Piso Fixo de Média Complexidade e a Portaria nº 431, de 03 de

dezembro de 2008, que dispõe sobre a expansão e alteração do co-financiamento federal dos serviços de

Proteção Social Especial, no âmbito do SUAS. A portaria está disponível no site do MDS –

www.mds.gov.br/suas.

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De acordo com a Portaria n.º 222, de 30 de junho de 2008, do MDS, os recursos do

co-financiamento federal do PFMC para implementação do Serviço de Proteção Social aos

Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de LA e

PSC nos CREAS serão destinados ao Distrito Federal e aos municípios que atenderem aos

seguintes critérios:

I - estar habilitados, até maio de 2008, no nível de Gestão Plena ou Gestão Básica do

SUAS;

II - ter Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS e Centro de

Referência de Assistência Social - CRAS, em funcionamento;

III - ter população superior a cinqüenta mil habitantes no caso dos municípios localizados

nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e superior a cem mil habitantes nos

municípios localizados nas Regiões Sul e Sudeste;

Segundo a Portaria n.° 460, de 18 de dezembro de 2007, os valores dos repasses do

Piso Fixo de Média Complexidade foram atualizados para:

I - Para os municípios que recebem mensalmente R$ 3.100,00 (três mil e cem reais) do

Piso Fixo de Média Complexidade para o custeio dos serviços do CREAS, o valor do co-

financiamento será acrescido de R$ 4.068,00, (quatro mil e sessenta e oito reais) a cada

grupo de até 40 adolescentes;

II - Para os municípios que recebem mensalmente valor igual ou superior a R$ 6.900,00

(seis mil e novecentos reais) do Piso Fixo de Média Complexidade para o custeio dos

serviços do CREAS, o valor do co-financiamento será acrescido de R$ 2.068,00, (dois mil

e sessenta e oito reais) a cada grupo de até 40 adolescentes.

Todavia, o recurso é repassado para a Secretaria que é responsável pela execução

da Política de Assistência Social e, estando o Serviço analisado sob a responsabilidade da

SEJUS, entende-se que há uma perda de recurso, uma vez que a SEDEST não recebe tal

recurso por não executar o Serviço, nem a SEJUS pode receber o recurso porque não é a

Secretaria responsável pela Política de Assistência no DF. A comprovação desta situação

pode ser percebida se observamos os documentos de execução orçamentária do DF no ano

de 2009, por exemplo, e do MDS. Os dados apresentados foram obtidos no site da

Secretaria de Planejamento e Gestão do Distrito Federal e se referem à execução

orçamentária de novembro de 2009. Serão apresentados quadros da execução orçamentária

da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania.

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Sobre a SEJUS/DF, observa-se que foi autorizado o quantitativo de 200.000,00

(duzentos mil reais) para a manutenção e a ampliação de unidades do Sistema

Socioeducativo e, no entanto, nada foi liquidado até dezembro de 2009. E, no que diz

respeito ao atendimento destinado ao adolescente em cumprimento de liberdade assistida,

só foi liquidado 81% do recurso autorizado.

Tabela 2 - Detalhamento de Despesa da Secretaria de Estado de Justiça, Direitos Humanos

e Cidadania do DF referente ao mês de dezembro de 2009

Natur. Fonte ID Lei Alteração Contingenciado Bloqueado Despesa Autorizada Empenhado Disponível Liquidado

Esfera 2 SEGURID

449052 100 0 200.000,00 0,00 0,00 0,00 200.000,00 199.490,00 510,00 0,00

200.000,00 0,00 0,00 0,00 200.000,00 199.490,00 510,00 0,00

Esfera 2 SEGURID

339030 100 0 0,00 141.000,00 0,00 0,00 141.000,00 123.140,67 17.859,33 119.623,47

339039 100 0 0,00 9.000,00 0,00 0,00 9.000,00 2.570,00 6.430,00 2.570,00

0,00 150.000,00 0,00 0,00 150.000,00 125.710,67 24.289,33 122.193,47

SUBTOTAL

Programa Trabalho 14.421.1506.5139.0001 MANUTENÇÃO E AMPLIAÇÃO DE UNIDADES DO SISTEMA SÓCIO EDUCATIVO

Programa Trabalho Programa Trabalho 14.421.1506.6194.7886 ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE COM MEDIDA DE LIBERDADE ASSISTIDA

SUBTOTAL

Fonte: Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão do Distrito Federal.

http://www.seplag.df.gov.br/sites/100/132/00001217.pdf

No site do MDS em números é possível ter acesso ao montante de recursos

investidos e ao quantitativo de beneficiários dos programas executados pelo MDS, por

município, referentes ao mês de novembro (2010).

No intuito de evidenciar que o DF não recebe recursos para execução das medidas

socioeducativas em meio aberto, são apresentados a seguir quadro dos recursos repassados

pelo MDS aos estados do Goiás, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo:

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106

Tabela 3 - Comparativo do repasse de recursos destinados à execução das Medidas

Socioeducativas do MDS para Distrito Federal, Goiás, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo,

2010.

Unidade da Federação Quantidade de Beneficiários

atendidos

Valores (R$) pagos até

fev/2010

Distrito Federal 0 0

Goiás 1,3 mil adolescentes 90,2 mil

Paraná 2,9 mil adolescentes 174,8 mil

Rio de Janeiro 4,4 mil adolescentes 247,3 mil

São Paulo 2,9 mil adolescentes 201,1 mil

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome. Site: http://www.mds.gov.br/sites/mds-

em-numeros.

A tabela apresentada mostra que o DF não recebeu recursos para execução do

Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de

Liberdade Assistida, justamente porque o referido Serviço não é executado pela SEDEST

e, portanto, esta não cumpre os requisitos exigidos pela Portaria n.º 222, de 30 de junho de

2008, do MDS, conforme já apresentado anteriormente.

Além dessas observações, convém fazer uma abordagem geral do orçamento da

Política de Assistência Social no Brasil. Nesse sentido, é importante ponderar as

contribuições trazidas por Fagnani (2001) de que os estudos sobre o financiamento e os

gastos sociais nos permitem observar sobre o alcance, os limites e o caráter redistributivo

das políticas sociais.

Seguindo essa linha de pensamento, Salvador (2007) coloca que um importante

indicador na avaliação das políticas sociais é a natureza das fontes de financiamento, pois

(...) os recursos fiscais que advêm das receitas de impostos e taxas e apresentam

maior potencial redistributivo, mas são os menos utilizados no financiamento da

Seguridade Social. As contribuições sociais são recursos parafiscais custeados por

empresas e trabalhadores e se constituem, no Brasil, na principal fonte de

financiamento da Seguridade Social. Essa base de custeio não atende plenamente o

objetivo da eqüidade e tem caráter regressivo. Quando o acesso ao benefício

depende da contribuição (por exemplo, na previdência social), uma parcela

significativa de pessoas fica excluída do sistema) (Salvador, 2007, online).

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107

No artigo apresentado pelo autor, intitulado de “Afirmação e ampliação de direitos

no Orçamento da Seguridade Social”, ele traz contribuições sobre os recursos que

compõem as fontes de financiamento da Seguridade Social e que desempenham um papel

relevante na política econômica e Social do Brasil, pós-1994. O autor mostra que

significantes parcelas da arrecadação tributária que deveria ser utilizada nos programas da

previdência social, da saúde e da assistência social, ou seja, na Seguridade Social, são

retidos pelo Orçamento Fiscal da União e canalizados para o superávit primário. Assim,

podemos concluir que sendo a Política de Assistência Social uma componente da

Seguridade Social, as suas fontes de financiamento revelam que não há uma priorização da

Política Social no que diz respeito a política econômica geral do Governo.

Ainda sobre a situação da Liberdade Assistida no DF, em contato com a SEJUS

foram disponibilizados os seguintes dados a respeito da execução da medida:

Tabela 4 – Quantidade de técnicos e adolescentes em acompanhamento de Liberdade

Assistida pela SEJUS, 2010

Nº. Unidade

Qtde. de

adolescentes

vinculados

Qtde. de técnicos*

Psicólogo Assistente

Social Pedagogo Total

1 Brasília 54 1 1 0 2

2 Brazlândia 51 1 0 0 1

3 Ceilândia 395 2 2 0 4

4 Gama 105 2 0 0 2

5 Guará 77 1 1 0 2

6 Núcleo

Bandeirante 67 1 1 0 2

7 Paranoá 94 2 1 0 3

8 Planaltina 165 1 2 0 3

9 Recanto 149 0 1 0 1

10 Samambaia 212 1 0 2 3

11 Santa Maria 106 2 0 0 2

12 São Sebastião 70 1 1 0 2

13 Sobradinho 80 1 1 0 2

14 Taguatinga 135 1 2 0 3

Total 1760 32

Fonte: Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania (SEJUS), 2010.

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108

O SINASE, no capítulo destinado à Gestão dos Programas, coloca que a equipe

mínima para execução da LA deve ser composta por

(...) técnicos de diferentes áreas do conhecimento, garantindo-se o atendimento

psicossocial e jurídico pelo próprio programa ou pela rede de serviços existente, sendo a

relação quantitativa determinada pelo número de adolescentes atendidos:

1) Em se tratando da Liberdade Assistida Comunitária (LAC), cada técnico terá sob seu

acompanhamento e monitoramento o máximo de vinte orientadores comunitários. Sendo

que cada orientador comunitário acompanhará até dois adolescentes simultaneamente;

2) Em se tratando Liberdade Assistida Institucional (LAI),34 cada técnico acompanhará,

simultaneamente, no máximo vinte adolescentes (Brasil, 2006, p. 44).

No caso do Distrito Federal, é realizada a Liberdade Assistida Institucional (LAI) e,

conforme relatado, cada técnico deveria acompanhar até 20 adolescentes. Entretanto,

conforme os dados disponibilizados, percebe-se que em nenhuma Região Administrativa

(RA) onde a LA é executada essa quantidade é seguida. No Recanto das Emas, observa-se

que só existe uma assistente social para acompanhar 149 adolescentes; na Ceilândia, a

proporção de adolescentes acompanhados por técnico é de aproximadamente 98

adolescentes; em seguida, temos a Samambaia, com cerca de 70 adolescentes por técnico.

A RA de Brasília é a que apresentar a menor proporção, sendo 27 adolescentes por técnico

e, mesmo assim, ultrapassa a quantidade proposta pelo SINASE.

Nesse momento, convém expor o que o ECA coloca como atribuições do

orientador responsável pela execução da LA:

Art. 119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a

realização dos seguintes encargos, entre outros:

I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e

inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência

social;

II – supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo,

inclusive, sua matrícula;

III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no

mercado de trabalho;

IV– apresentar relatório do caso (Brasil, 1990).

Dada essa situação e todo o contexto apresentado no decorrer do artigo e frisando

que a LA é uma medida que visa o acompanhamento do adolescente na escola, inclusão

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109

em atividades profissionalizantes e acompanhamento do adolescente e sua família, fica a

questão: é possível a realização de um acompanhamento adequando ao adolescente em

liberdade assistida no contexto apresentado?

Nas palavras de Lenz e Cruz (2009)

(...) acreditamos que a Lei se faz no cotidiano, com práticas, por meio da micropolítica, no

miudinho, na roda viva diária. A falta de lugares, a indefinição das atribuições, as lutas

entre os saberes-poderes, os (não)ditos... interditos... tantos conflitos com a Lei. E a

questão retorna, com diversos olhares (im)pertinentes: qual o alcance das medidas

socioeducativas? Quem (não) está em conflito com a Lei? (p. 537, grifo nosso).

A nosso ver, quem está em conflito com a lei, neste caso, é o próprio Governo, que

não cumpre o que está previsto em lei, ou seja, a obrigatoriedade legal de as medidas

socioeducativas de liberdade assistida e prestação de serviços a comunidades serem

executadas em órgão ligado ao SUAS e não a órgão externo ao Sistema de Assistência

Social como, no caso, a SEJUS, e que traz como consequência desse descumprimento,

como evidenciamos, a perda de recursos orçamentários necessários para a execução das

medidas socioeducativas.

E, para finalizar, apesar da mudança de governo, a atual gestão já iniciou suas

ações evidenciando que pouco entende do assunto. As medidas socioeducativas foram

transferidas para a Secretaria de Estado da Criança. Ora, se medida socioeducativa é

destinada apenas para adolescentes, ou seja, que possuem entre 12 e 18 anos incompletos,

colocar as medida socioeducativas sob a responsabilidade de uma secretaria destinada às

crianças, mostra que nem mesmo o ECA os responsáveis pela mudança conhecem direito.

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110

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo deste trabalho foi compreender o significado que as medidas

socioeducativas têm para os adolescentes e suas famílias. Percebemos que cada grupo

atribui um significado diferente para as medidas. Para os adolescentes, as medidas

socioeducativas, sejam elas em meio aberto ou fechado, não possuem nenhum significado,

não conseguem atribuir importância a essas medidas em suas vidas. No entanto, a medida

socioeducativa de internação é a única que consegue provocar nesses adolescentes alguma

coisa, seja essa coisa, raiva, revolta e/ou sentimento de injustiça.

Já para as famílias, as medidas em meio aberto ou fechado, no caso, a

semiliberdade, também são significadas por elas como algo sem importância em suas vidas

e na de seus filhos. Na verdade, essa “falta de importância” está relacionada ao insucesso

dessas medidas socioeducativas em relação ao papel de ressocialização de seus filhos.

Entretanto, já a medida socioeducativa de internação é significada pelas famílias como a

única capaz de promover a proteção de seus filhos e de provocar alguma mudança em suas

vidas, pois o peso de perder a liberdade, para essas famílias, consegue fazer com que os

adolescentes reflitam sobre suas práticas.

Muito além de garantir proteção e provocar reflexão, a medida socioeducativa de

internação “dá conta” do que as famílias não conseguiram, ou seja, consegue afastá-los de

seus grupos, de suas práticas infracionais. Mas consegue isso porque os priva de sua

liberdade e isso não necessariamente gera uma mudança de comportamento nos

adolescentes, pois, não é à toa que os próprios adolescentes não conseguem atribuir um

significado positivo à internação.

Com base nas falas dos sujeitos entrevistados, se comparamos a medida

socioeducativa de internação com as demais medidas, sejam as em meio aberto e a

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semiliberdade, vemos que a internação é a única medida que consegue garantir

minimamente o que o ECA preconiza, ou seja, escola, profissionalização, lazer, saúde,

acompanhamento psicossocial, etc. Ou seja, nos parece que há um investimento muito

maior na internação do que nas demais medidas, que são consideradas as que possuem

maiores chances de “transformar” o adolescente e suas condutas, mas que, ao serem pouco

valorizadas não produzem os resultados almejados.

Assim, vemos que há uma conduta por parte do Estado que condiz com a

perspectiva penal-policial e que vai, inclusive, contra as próprias normativas, tal como o

ECA, pois, segundo este, a internação é medida aplicada em último caso, no entanto,

quando não se investe nas demais medidas socioeducativas, principalmente nas medidas

em meio aberto, os adolescentes vão parar na internação, seja pelo não cumprimento da

medida anteriormente aplicada, ou pela reincidência na prática do ato infracional, ou por

cometimento de ato infracional mais grave.

No âmbito institucional, a unidade de internação em que foi realizada a pesquisa

mostrou-se, tecnicamente falando, preocupada em realizar um trabalho mais próximo do

que preconiza o ECA e, consequentemente, já começou a implantar algumas diretrizes do

SINASE, como o PIA e as audiências realizadas na instituição para homologação das

sentenças. Também demonstrou iniciativa em trabalhar com as famílias de modo a

incentivar que participem da execução da medida socioeducativa de seus filhos.

Contudo, apesar das iniciativas institucionais, a medida socioeducativa de

internação e as demais estão incluídas num bojo de políticas sociais que não compõem a

prioridade de investimento dos gestores políticos, como é o caso do Distrito Federal,

conforme exemplificado na análise institucional deste trabalho, pois, em se tratando de um

Estado de inspiração neoliberal, tal qual é o Brasil, as ações e estratégias sociais

governamentais incidem fundamentalmente em “políticas compensatórias, em programas

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112

focalizados, voltados àqueles que, em função de sua „capacidade e escolhas individuais‟,

não usufruem do progresso social. Tais ações não têm o poder – e freqüentemente, não se

propõem a – de alterar as relações estabelecidas na sociedade” (Hofling, 2001, p.39).

Sartório e Rosa (2010) ao analisarem os discursos dos operadores jurídico-sociais

em processos judiciais de Varas da Infância e Juventude de duas cidades brasileiras

constataram que a questão jurídica prevaleceu e as expressões da questão social acabaram

sendo abafadas. Em outras palavras, o que estava mais evidente nas análises dos processos

era a ausência do Estado na consolidação dos direitos, deixando claro o papel do sistema

de justiça que acaba atuando na culpabilização do indivíduo e não na articulação da

questão do direito ao papel das políticas públicas. Todavia, essa constatação foi sobreposta

pelo discurso da legalidade, da burocracia institucional, da tramitação e dos prazos. Assim,

para as autoras “mesmo estando a questão jurídica em posição privilegiada nos discursos,

são as expressões da questão social que estão no cerne da infração e atuam como

impedimento até para o cumprimento da medida socioeducativa imposta” (Sartório &

Rosa, 2010, p. 572).

Esse exemplo nos remete à reflexão de que uma administração pública que possua

uma concepção crítica de Estado e que, por conseguinte, considere como sua função

atender à sociedade como um todo, sem privilegiar os interesses dos grupos detentores do

poder econômico, deve estabelecer como programas prioritários os de ação

universalizantes, que permitam aos grupos e setores desfavorecidos incorporar as

conquistas sociais, visando à reversão do desequilíbrio social. Mais do que oferecer

“serviços” sociais – entre eles a educação, saúde, assistência social, dentre outras – as

ações públicas, articuladas com as demandas da sociedade, devem se voltar para a

consolidação de direitos sociais (Hofling, 2001).

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113

Um exemplo interessante sobre políticas sociais voltadas para os adolescentes em

conflito com a lei pode ser encontrado no trabalho de Gallo (2008), que faz um estudo

sobre a experiência do Canadá em relação a esses adolescentes. O autor enuncia que é

muito comum o juiz solicitar uma avaliação psicológica do adolescente no Canadá, com o

objetivo de serem mais precisos na aplicação da medida socioeducativa. Esse tipo de

avaliação permite que o tribunal tenha informações não só do ato infracional praticado,

mas também do adolescente enquanto pessoa em desenvolvimento, com suas

particularidades pessoais, familiares e acadêmicas. Ademais,

não mais se trata de um crime praticado por um adolescente, mas de um

adolescente que praticou um ato infracional; isto é, o foco é desviado do crime

para a pessoa [grifo nosso], deixando-se de ver somente o crime e a punição e

passando–se a olhar para o adolescente que porventura praticou aquele crime

(Gallo, 2008, p 329).

Com base nessa avaliação psicológica, que é realizada em parceria com a

Universidade, o Juiz pode determinar além das medidas socioeducativas que o adolescente

seja inserido em algum outro acompanhamento, como um serviço de aconselhamento,

atendimento clínico (psicológico e/ou psiquiátrico), sendo que o adolescente é obrigado a

participar desses serviços concomitantemente ao cumprimento da medida socioeducativa.

Ou seja, o adolescente é obrigado a cumprir o que chamamos aqui no Brasil de medida

protetiva e que conforme mostra Jacobina e Costa (no prelo) não há uma execução efetiva

das medidas de proteção.

Logo, com base no estudo de Gallo (2008), cabe aqui uma sugestão ao Brasil a

exemplo do Canadá, pois a parceria entre o sistema judiciário e as universidades pode

promover uma intervenção cientificamente embasada, que poderia prevenir a reincidência.

Além disso, esse tipo de ação conjunta pode possibilitar à universidade fazer pesquisas,

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114

bem como executar serviços de extensão complementares à execução das medidas

socioeducativas.

Outro exemplo bem sucedido, conforme expõem Calhoun, Glaser, e Bartolomucci

(2001), é o Juvenile Counseling and Assessment Program (JCAP), um programa de

avaliação e aconselhamento juvenil desenvolvido Universidade da Georgia, destinado aos

adolescentes em conflito com a lei. O objetivo do programa é reunir serviços, pesquisa e

formação profissional de forma colaborativa e de trabalhar em prol da proteção e

atendimento das necessidades dos adolescentes acompanhados.

A abordagem teórica utilizada pelo Programa compreende a questão do ato

infracional como resultante de variáveis associadas com 1) as características da

criança/adolescente (por exemplo, a predisposição genética/hereditariedade, sexo,

personalidade dimensões/ inteligência, competência, habilidades sociais/ de vida e fatores

de transformação cognitiva), 2) contextos ecológicos dentro dos quais vive a

criança/adolescente (por exemplo, a família, colegas da escola e da comunidade) e 3) as

interações entre essas variáveis.

Para garantir um bom atendimento e obter os resultados desejados, o JCAP trabalha

de modo articulado com a rede de proteção e atendimento ao adolescente e atende,

anualmente, uma média de 120 adolescentes, entre a faixa etária de 9 a 17 anos de idade,

que cometeram desde os delitos mais simples até os considerados mais graves.

Precisamos somar esforços para garantir a proteção de crianças e adolescentes e

prevenir sua inserção no mundo infracional. E, no caso dos que já se encontram inseridos

no sistema de justiça, precisamos somar esforços para conseguir modificar o futuro desses

adolescentes, que conforme eles mesmos falam, geralmente acaba em duas possibilidades:

cadeia ou cemitério.

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115

E, quando falo somar esforços, refiro-me a um trabalho em rede, articulado, que de

fato mobilize o sistema de garantia de direitos, que não permita a esses adolescentes e suas

famílias saírem da rede de proteção desprotegidos; que envolva os três poderes do Estado,

ou seja, Judiciário, Legislativo e Executivo e muito além do Estado, que envolva a

participação de uma sociedade consciente, de uma universidade participativa e

interventiva.

Neste estudo, trabalhamos apenas a significação das medidas para os adolescentes e

familiares, contudo, acredito que seria importante a realização de um trabalho posterior

voltado aos profissionais que atuam junto aos adolescentes, em todas as áreas, ou seja, na

equipe técnica, escola, saúde, segurança, enfim, em todos os ambientes que compõem a

unidade de internação. Afinal, os profissionais que atuam junto aos adolescentes e suas

famílias representam a presença do Estado e, deste modo, suas intervenções devem estar

em consonância com as normativas legais e com a proposta da Doutrina da Proteção

Integral.

Sabemos que muitos profissionais que lidam com os adolescentes (em diversos

âmbitos) desconhecem o ECA, a Doutrina da Proteção Integral e, além disso, conforme já

mencionado, a legislação brasileira não deixa muito claro quais seriam as atribuições dos

pais e, por exemplo, dos próprios profissionais na execução e acompanhamento das

medidas socioeducativas e, assim, a relação entre instituição e família pode se confundir a

ponto de uma delegar para a outra as suas atribuições. Isso acaba por gerar o inverso do

que se pretende, ou seja, desproteção.

O presente estudo evidencia que as famílias entrevistadas não sabem realizar um

acompanhamento efetivo de seus filhos, sabem muito superficialmente o que os seus filhos

fazem dentro da unidade de internação. A participação se restringe quase que à visita

semanal. É nesse ponto que a instituição deve trabalhar de modo a empoderar essas

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famílias. Esse empoderamento, segundo Williams e Aiello (2004), seria o processo pelo

qual as famílias adquirem conhecimento, habilidades e recursos para terem um controle

maior sobre suas vidas e melhorarem a qualidade de seu bem-estar. Ou seja, em vez de se

olhar somente para que tipo de ajuda as pessoas necessitam, deve-se olhar para as

competências que já estão presentes naquela família e as novas oportunidades que podem

surgir devido a novas demandas e situações que afetam o sistema familiar.

No âmbito da intervenção para com os adolescentes em conflito com a lei, esta

demanda novos patamares de vida que não somente o da não-reincidência, pois ater-se

somente ao ato infracional corresponde ao olhar estrito do “sintoma” e remete à adoção de

intervenções que visam apenas suprimir o “mal”, o “patológico”, e não compreender o

adolescente enquanto sujeito em condição peculiar de desenvolvimento e conectado a todo

um contexto familiar, social, econômico etc.

Por fim, arrisco dizer que, a partir das contradições evidenciadas por este trabalho e

pela produção teórica que foi utilizada, o desafio maior posto para a sociedade brasileira é

de garantir a proteção integral a crianças e adolescentes em risco pessoal e social e a

adolescentes em conflito com a lei, para então, implementar o projeto de sociedade que o

Estatuto da Criança e do Adolescente introduz em seu texto. Este é um dos aspectos

importantes do ECA: implementar uma política de atendimento que garanta a proteção

integral, que envolva, antes de tudo, a articulação de pessoas/profissionais em torno de um

objetivo comum que viabilize a solidariedade coletiva permanente e a garantia de direitos.

Já estamos caminhando, exemplo disso é o SINASE, mas ainda temos que avançar muito.

E, é justamente por termos muito que avançar, que gostaria de deixar evidente o

meu interesse em realizar um trabalho semelhante aos exemplos de Gallo (2008) e

Calhoun, Glaser, e Bartolomucci (2001) junto à Universidade de Brasília. Esta instituição,

da qual faço parte enquanto aluna, tem muito a oferecer à comunidade; temos professores

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117

qualificados e que estudam temáticas relacionadas ao adolescente em conflito com a lei;

temos alunos de mestrado e doutorado interessados no assunto e que também trabalham

em algumas políticas públicas relacionadas aos adolescentes; temos muitos graduandos

interessados em aprender e pôr em prática o conhecimento adquirido e que necessitam

conhecer os aspectos da realidade profissional que os esperam fora dos muros da

universidade; e, por fim, temos muitos adolescentes e famílias necessitando de

atendimento qualificado.

O que este trabalho evidencia é que precisamos de política pública eficiente, eficaz

e efetiva e a universidade compõe o rol de instituições que devem participar de alguma

forma das políticas públicas, seja no planejamento, implementação e/ou avaliação, para

assim, tornar efetivos os três pilares básicos que a sustentam: ensino, pesquisa e extensão.

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118

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125

ANEXOS

ANEXO 1

ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM OS ADOLESCENTES

Observações: os itens I e II serão respondidos por meio da entrevista realizada com o

adolescente, bem como por meio de consulta ao seu prontuário na unidade de internação.

I. DADOS DO (A) ADOLESCENTE:

Identificação:

Data de Nascimento:

Sexo:

Raça/Cor:

Região Administrativa onde reside:

II. SOBRE A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO:

Ato infracional praticado:

Data de ingresso na Unidade de Internação:

a) DAS OFICINAS:

Participa de Oficinas da Unidade? ( ) sim ( ) não

Se sim, qual (is)?

Quantas vezes por semana?

Se não, por quê?

Gosta da Oficina? ( ) sim ( ) não

Por quê?

b) DO ACESSO A ESCOLA:

Frequenta a escola da Unidade de Internação? ( ) sim ( ) não

Se sim, em qual série está?

Quantas vezes por semana frequenta a escola:

Se não, por quê?

Em que série parou?

Gosta da escola? ( ) sim ( ) não

Por quê?

c) DO ACESSO À SAÚDE:

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Já utilizou ou utiliza algum serviço de saúde dentro da instituição?

Se sim, qual?

Se não, por quê?

d) DAS OUTRAS ATIVIDADES

Participa de outras atividades ainda não mencionadas?

Quais?

III. DA FAMÍLIA:

Com que frequência sua família vêm à Unidade de Internação?

Participar de grupos ou outras atividades desenvolvidas pela Unidade de

internação?

Quais?

IV. SOBRE A EXECUÇÃO DAS MEDIDAS DE INTERNAÇÃO:

Qual o significado a medida de internação tem para você?

Qual a importância que a medida de internação tem na sua vida?

Como você percebe o seu comportamento no cumprimento da medida de

internação?

Como você percebe a participação da sua família na execução da medida de

internação?

Em relação à escola, saúde, oficinas e outras atividades, que observação você pode

fazer sobre o acesso a essas atividades na internação?

Gostaria de falar sobre mais alguma coisa? Se sim, o que?

V. SOBRE A EXECUÇÃO DA MEDIDA SOCIOEDUCATIVA APLICADA

ANTERIORMENTE:

Qual o ato infracional que gerou a medida socioeducativa aplicada anteriormente à

internação?

Como era a execução da medida (quantas vezes por semana/mês frequentava a

unidade, que atividades realizava, etc.)?

Qual o significado a medida socioeducativa aplicada anteriormente tem para você?

Qual a importância essa medida teve e têm na sua vida?

Como você percebia o seu comportamento no cumprimento dessa medida?

Como você percebia a participação da sua família na execução dessa medida?

Em relação à escola, saúde, oficinas e outras atividades, que observação você pode

fazer sobre o acesso a essas atividades quando você cumpriu essa medida?

Gostaria de falar sobre mais alguma coisa? Se sim, o quê?

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ANEXO 2

ROTEIRO PARA ENTREVISTA COM AS FAMÍLIAS DOS ADOLESCENTES

VI. SOBRE A FAMÍLIA ATUAL

Como é a relação entre os membros desta família?

Qual a história de vocês?

VII. SOBRE A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO:

Como essa família lida com a internação do adolescente?

O que levou o seu filho a cometer o ato infracional?

Como a família participou e participa do processo de internação do

adolescente?

A família participa de alguma atividade no CIAP? Se sim, qual?

Quem visita o adolescente?

Com que freqüência o adolescente é visitado?

A família acompanha o adolescente na escola? De que forma?

A família sabe quais as atividades o adolescente realiza no CIAP?

Você acha que a internação tem alguma importância na vida do seu filho? Se

sim, qual?

E para você, a internação tem alguma importância?

O que a internação do seu filho significa para a sua família?

VIII. SOBRE A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA APLICADA

ANTERIORMENTE:

Qual foi a medida socioeducativa que seu filho cumpriu antes da internação?

Você se lembra como era realizado o acompanhamento do seu filho nessa

medida socioeducativa?

Quais eram as atividades que seu filho realizava quando estava cumprindo essa

medida socioeducativa?

Como você participou da execução dessa medida socioeducativa? Participava

de alguma atividade junto com seu filho?

Qual foi a importância dessa medida socioeducativa na vida do seu filho? E na

sua?

Você acha que essa medida socioeducativa ajudou você e seu filho? De que

forma?

IX. SOBRE AS PERSPECTIVAS DE FUTURO:

Quando seu filho sair da internação, como você acha que vai ser?

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ANEXO 3

ROTEIRO PARA DIÁRIO DE CAMPO

Data:___/____/______

Horário:

Atividade observada:

Descrever:

1) Atividade realizada;

2) Desenvolvimento da atividade;

3) Descrição dos sujeitos;

4) Observações e comentários da pesquisadora.

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ANEXO 4

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA

ADOLESCENTES

Olá,

Convido você a participar da pesquisa “Da Liberdade à Privação: a Significação

de Medidas Socioeducativas para os Adolescentes e Familiares”.

Queremos saber sua opinião sobre o a execução da medida socioeducativa de

internação e outras medidas socioeducativas aplicadas anteriormente à internação. Sua

participação é muito importante para nós! Ela nos ajudará a contribuir para o avanço de

conhecimentos nesta área, bem como pode oferecer oportunidade para que você refletiva

sobre questões pessoais.

Para tanto, convidamos você a participar de uma entrevista, que será gravada em

áudio. Sua família também será convidada a participar da pesquisa. E, após a pesquisa,

este material será mantido sob responsabilidade da pesquisadora.

A coleta de dados para a pesquisa também acontecerá nas oficinas semanais de

artes realizadas no CIAP, nas quais a pesquisadora participará como observadora.

Em nenhum momento você será identificado. Os resultados da pesquisa serão publicados e

ainda assim a sua identidade será preservada. Ou seja, as informações se manterão

anônimas, seu nome não aparecerá. Os dados serão armazenados e analisados apenas pela

pesquisadora.

Sua participação é voluntária, você não terá nenhum gasto e ganho financeiro por

participar na pesquisa. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu

consentimento, bem como se recusar a responder o que quiser. Sua recusa não trará

nenhum prejuízo em seu atendimento nesta instituição (CIAP), tampouco na relação com

os pesquisadores.

Uma cópia deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ficará com você.

Em caso de dúvidas e para maiores esclarecimentos, você poderá entrar em contato com a

pesquisadora responsável, Luana Alves de Souza, no telefone (61)9267-3495.

Eu aceito participar do projeto citado acima, voluntariamente, após ter sido

devidamente esclarecido e autorizo a utilização dos dados recolhidos para a pesquisa.

Nome completo do adolescente: ____________________________________________

Assinatura do adolescente:_________________________________________________

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ANEXO 5

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO PARA OS PAIS

Olá,

Convido sua família a participar da pesquisa “Da Liberdade à Privação: a

Significação de Medidas Socioeducativas para os Adolescentes e Familiares”.

Queremos saber a opinião de vocês sobre a execução da medida socioeducativa de

internação e outras medidas socioeducativas aplicadas anteriormente à internação. Sua

participação é muito importante para nós! Ela nos ajudará a contribuir para o avanço de

conhecimentos nesta área, bem como pode oferecer oportunidade para que você refletiva

sobre questões pessoais.

Para tanto, convidamos sua família a participar de uma entrevista, que será gravada

em áudio. Seu filho que está cumprindo a medida de internação também será convidado a

participar da pesquisa. E, após a pesquisa, este material será mantido sob responsabilidade

da pesquisadora.

A coleta de dados para a pesquisa também acontecerá nas oficinas semanais de

artes realizadas no CIAP, nas quais a pesquisadora participará como observadora.

Em nenhum momento sua família será identificada. Os resultados da pesquisa serão

publicados e ainda assim a identidade de vocês será preservada. Ou seja, as informações se

manterão anônimas, o nome dos componentes da família não aparecerá. Os dados serão

armazenados e analisados apenas pela pesquisadora.

Sua participação é voluntária, você não terá nenhum gasto e ganho financeiro por

participar na pesquisa. A qualquer momento você pode desistir de participar e retirar seu

consentimento, bem como se recusar a responder o que quiser. Sua recusa não trará

nenhum prejuízo em seu atendimento nesta instituição (CIAP), tampouco na relação com

os pesquisadores.

Uma cópia deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ficará com você.

Em caso de dúvidas e para maiores esclarecimentos, você poderá entrar em contato com a

pesquisadora responsável, Luana Alves de Souza, no telefone (61)9267-3495.

Eu aceito participar do projeto citado acima, voluntariamente, após ter sido

devidamente esclarecido e autorizo a utilização dos dados recolhidos para a pesquisa.

Nome completo do responsável: ____________________________________________

Assinatura do responsável: ________________________________________________

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ANEXO 6

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132

ANEXO 7