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EQUIVAL ˆ ENCIA E APLICAC ¸ ˜ AO DE ´ AREAS NA MATEM ´ ATICA GREGA JO ˜ AO PITOMBEIRA DE CARVALHO 1. Introduc ¸˜ ao A geometria, desde seus prim´ordios, se preocupou com medi¸ c˜oes; segundo Herˆodoto (historiador grego (viveu em torno de 484 – 420 a.C.) a geometria teria nascido no Egito, porque, ap´os cada enchente do Rio Nilo, era necess´ario demarcar novamente as terras. Demarc´ a-las para quˆ e? Certamente para evitar disputas de propriedades entre visinhos, e, certamente mais importante, tambem para calcular impostos devidos. E para isso ´ e necess´ario calcular ´areas de terrenos. De fato, no papiro Rhind, o mais antigo documento escrito matem´atico que conhecemos, datado aproximadamente de 1700 a.C., mas copiado de um original mais antigo, escrito entre 2000 e 1800 a.C., encontram-se problemas de c´alculo de ´areas, e mesmo de volumes. Algumas das f´ormulas usadas s˜ao corretas, outras d˜ao resultados aproximados. Por exemplo, a ´area de um quadril´atero era calculada multiplicando a m´ edia dos comprimentos de dois lados opostos pela m´ edia dos comprimentos dos outros dois lados, adjacentes, o que funciona bem se o paralelogramo for “quase”um retˆangulo 1 . Encontram-se tamb´ em, entre os habitantes da Mesopotˆamia, problemas pr´aticos de geometria, envol- vendo o c´alculo de ´areas. Na Gr´ ecia, certamente se usava geometria pr´atica, para calcular ´areas e volumes, em arquitetura e agrimensura, entre outros. No entanto, por v´arias raz˜oes que n˜ao ser˜ao aprofundadas aqui, ao lado dessa geometria de car´ater essencialmente utilit´ario, desenvolveu-se, a partir de aproximadamente 600 a.C., o pensamento geom´ etrico especulativo, sem preocupa¸ c˜aocomaplica¸ c˜oes imediatas. Diz-se que Tales (aprox. 640 – 547 a.C.), usou semelhan¸ ca de triˆangulos para calcular a distˆancia de um navio `a terra. Afirma-se tamb´ em que ele foi capaz de calcular a altura da grande pirˆamide do Egito, quando visitou aquela regi˜ao, usando mais uma vez semelhan¸ ca de triˆangulos. Aos poucos, a geometria passou a ser vista mais e mais como um corpo de conhecimentos logicamente encadeados, cultivados por seu encanto e pela for¸ ca dos resultados obtidos. Plat˜ao (427–347 a.C.) ressaltou a importˆancia da matem´atica para a forma¸ c˜ao do esp´ ırito, a fim de despreendˆ e-lo das coisas sens´ ıveis, mut´aveis, sobre as quais o conhecimento ´ e imposs´ ıvel. Somente as id´ eias, imut´aveis e eternas, podiam realmente ser conhecidas. Em seus di´alogos, abundam exemplos e analogias utilizando conceitos e resultados matem´aticos, especialmente geom´ etricos. Embora n˜ao tenha sido um matem´atico, no c´ ırculo de disc´ ıpulos de Plat˜ao, em sua academia, havia v´arios matem´aticos de primeira grandeza, como Teeteto (417 a.C. – 369 a.C.) e Eudoxo ( 408 a.C - 355 a.C.), entre outros. Plat˜ao provavelmente deveu muito da matem´atica que sabia a ´ Arquitas de Tarento (viveu de aproximadamente 428 a aproximadamente 350 a.C.), seguidor ardoroso das id´ eias pitag´oricas, que viam na matem´atica a chave para a compreens˜ao do mundo. Pit´agoras (580 – 500 a.C.) ensinava que tudo ´ e n´ umero. Sua matem´atica estava impregnada de misticismo num´ erico, provavelmente haurido em suas viagens pelo “oriente”(Mesopotˆamia). Em torno de 300 a.C, encontra-se uma matem´atica bem sofisticada, exposta nos Elementos de Euclides de Alexandria (viveu aproximadamente de 325 a 265 a.C.). Um pouco depois, Arquimedes de Siracusa (287-212 a.C.) deu contribui¸ c˜oes extremamente importantes `a geometria, entre outros campos. Um pouco mais jovem, Apolˆonio de Perga (262-190 a.C.) escreveu um tratado sofisticado sobre as cˆonicas. Por que, entre os gregos, a geometria pr´atica, usada no dia a dia, no com´ ercio, na arquitetura, pelos administradores, comerciantes, fazendeiros, deu origem `a geometria como a definimos hoje, o estudo das formas planas e espaciais? N˜ao se sabe. Alguns autores estabelecem um paralelo entre o surgimento 1 van der WAERDEN, p 32.

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EQUIVALENCIA E APLICACAO DE AREAS NA MATEMATICA

GREGA

JOAO PITOMBEIRA DE CARVALHO

1. Introducao

A geometria, desde seus primordios, se preocupou com medicoes; segundo Herodoto (historiador grego(viveu em torno de 484 – 420 a.C.) a geometria teria nascido no Egito, porque, apos cada enchente doRio Nilo, era necessario demarcar novamente as terras. Demarca-las para que? Certamente para evitardisputas de propriedades entre visinhos, e, certamente mais importante, tambem para calcular impostosdevidos. E para isso e necessario calcular areas de terrenos. De fato, no papiro Rhind, o mais antigodocumento escrito matematico que conhecemos, datado aproximadamente de 1700 a.C., mas copiado deum original mais antigo, escrito entre 2000 e 1800 a.C., encontram-se problemas de calculo de areas,e mesmo de volumes. Algumas das formulas usadas sao corretas, outras dao resultados aproximados.Por exemplo, a area de um quadrilatero era calculada multiplicando a media dos comprimentos de doislados opostos pela media dos comprimentos dos outros dois lados, adjacentes, o que funciona bem se oparalelogramo for “quase”um retangulo1.

Encontram-se tambem, entre os habitantes da Mesopotamia, problemas praticos de geometria, envol-vendo o calculo de areas.

Na Grecia, certamente se usava geometria pratica, para calcular areas e volumes, em arquitetura eagrimensura, entre outros. No entanto, por varias razoes que nao serao aprofundadas aqui, ao lado dessageometria de carater essencialmente utilitario, desenvolveu-se, a partir de aproximadamente 600 a.C., opensamento geometrico especulativo, sem preocupacao com aplicacoes imediatas. Diz-se que Tales (aprox.640 – 547 a.C.), usou semelhanca de triangulos para calcular a distancia de um navio a terra. Afirma-setambem que ele foi capaz de calcular a altura da grande piramide do Egito, quando visitou aquela regiao,usando mais uma vez semelhanca de triangulos. Aos poucos, a geometria passou a ser vista mais e maiscomo um corpo de conhecimentos logicamente encadeados, cultivados por seu encanto e pela forca dosresultados obtidos.

Platao (427–347 a.C.) ressaltou a importancia da matematica para a formacao do espırito, a fim dedespreende-lo das coisas sensıveis, mutaveis, sobre as quais o conhecimento e impossıvel. Somente asideias, imutaveis e eternas, podiam realmente ser conhecidas. Em seus dialogos, abundam exemplos eanalogias utilizando conceitos e resultados matematicos, especialmente geometricos. Embora nao tenhasido um matematico, no cırculo de discıpulos de Platao, em sua academia, havia varios matematicosde primeira grandeza, como Teeteto (∼ 417 a.C. – ∼ 369 a.C.) e Eudoxo ( 408 a.C - 355 a.C.), entre

outros. Platao provavelmente deveu muito da matematica que sabia a Arquitas de Tarento (viveu deaproximadamente 428 a aproximadamente 350 a.C.), seguidor ardoroso das ideias pitagoricas, que viamna matematica a chave para a compreensao do mundo. Pitagoras (∼ 580 – ∼500 a.C.) ensinava que tudoe numero. Sua matematica estava impregnada de misticismo numerico, provavelmente haurido em suasviagens pelo “oriente”(Mesopotamia).

Em torno de 300 a.C, encontra-se uma matematica bem sofisticada, exposta nos Elementos de Euclidesde Alexandria (viveu aproximadamente de 325 a 265 a.C.). Um pouco depois, Arquimedes de Siracusa(287-212 a.C.) deu contribuicoes extremamente importantes a geometria, entre outros campos. Um poucomais jovem, Apolonio de Perga (262-190 a.C.) escreveu um tratado sofisticado sobre as conicas.

Por que, entre os gregos, a geometria pratica, usada no dia a dia, no comercio, na arquitetura, pelosadministradores, comerciantes, fazendeiros, deu origem a geometria como a definimos hoje, o estudo dasformas planas e espaciais? Nao se sabe. Alguns autores estabelecem um paralelo entre o surgimento

1van der WAERDEN, p 32.

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2 JOAO PITOMBEIRA DE CARVALHO

da filosofia e o da matematica, a partir da pratica de argumentacao empregada nos debates polıticos nascidades gregas. O certo e que, rapidamente, a matematica grega se desenvolveu. Ja Eudemo de Rodes, queviveu aproximadamente de 350 a 290 a.C., escreveu uma historia da matematica, dividida em uma historia

da aritmetica, uma historia da geometria e uma historia da astronomia, o que mostra o desenvolvimentoatingido por esses campos, na Grecia. Outros estudiosos afirmam que a matematica grega adotou seu estiloabstrato, dedutivo, devido a crise da descoberta, pelos pitagoricos, dos numeros irracionais. A descobertaque a diagonal do quadrado e incomensuravel com seu lado mostrou que os numeros, e as razoes entreeles, sao incapazes de explicar certos fatos bem simples. Ja que os numeros se mostravam incapazes detudo explicar, era necessario refugiar-se em conhecimentos mais confiaveis. Aristoteles (384 – 322 a.C.)percebia que, na pratica, baseando-se em diagramas e desenhos e impossıvel decidir se dois segmentossao ou nao comensuraveis. Essa percepcao teria obrigado os matematicos gregos a basear seus raciocıniosem argumentos puramente dedutivos, utilizando figuras ideais, perfeitas, e nao representacoes graficasimperfeitas.

Qualquer que tenha sido a razao disso, a matematica grega se desenvolveu consideravelmente. Todo umcorpo de conhecimentos, tanto geometricos quanto aritmeticos, esta presente nos Elementos de Euclides,escritos em torno de 300 a.C, a obra matematica grega mais antiga que nos chegou completa. Alemdisso, ha muitos resultados matematicos dos gregos que nos chegaram por outras vias, ou de que temossimplesmente referencias. Posteriormente a Euclides, conhecemos mais obras, como, entre outras, asConicas de Apolonio, de que sobreviveram ate nos 7 dos 8 livros originais, 4 em grego e 3 em arabe, aColecao Matematica, de Papus de Alexandria (290–350 d.C.) e varios trabalhos de Arquimedes.

Muito da matematica grega se deveu as tentativas de resolver os tres problemas classicos da geometria,a duplicacao do cubo, a quadratura do cırculo e a a triseccao do angulo. Alem disso, e inegavel, comoreconhecido hoje, a influencia da musica teorica grega no conteudo dos Elementos.

A descoberta de que existem pares de segmentos incomensuraveis moldou muito do desenvolvimento damatematica grega. Por exemplo, hoje e facil mostar que a area de um retangulo e igual ao produto doscomprimentos de dois lados adjacentes (“o produto da base pela altura”). A demonstracao, no caso emque os dois lados sao comensuraveis e feita nos livros didaticos de Matematica para o ensino basico:

Figura 1. Area de um retangulo

Toma-se uma medida comum, u, aos lados AB e AD e decompoe-se a figura em quadrados de lado u

(veja a Figura 1). Contando-se os quadrados ao longo de AB e de AD chega-se ao resultado desejado. Ocaso em que os segmentos AB e AD nao tem medida comum, ou, em linguagem moderna, quando um delesou ambos sao incomensuraveis, e geralmente evitado nos livros escolares. Uma demonstracao encontra-seem LIMA (1997).

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Como os matematicos gregos resolveram este problema? O que voce faria para medir grandezas senao houvesse os numeros reais? Seria realmente um problema. Qualquer que fosse a unidade de medidaescolhida, a diagonal do quadrado cujo lado fosse essa unidade de medida seria incomensuravel com o ladodo quadrado!

Uma solucao para este problema seria, em vez de medir grandezas, por exemplo, no caso que nosinteressa, areas, poder transformar qualquer figura em uma outra, bem simples, que escolherıamos comopadrao, e com a qual compararıamos a figura original. Para os gregos, a figura padrao com qual seriacomparada qualquer outra, era o quadrado. Ou seja, dada uma figura qualquer, como achar um quadradoque fosse igual a ela, isto e, que tivesse a mesma area.

Veremos que os matematicos gregos resolveram completamente este problema para figuras poligonais,ou seja, areas de polıgonos planos. Como mostrado nos Elementos de Euclides, dado qualquer polıgonoplano, e possıvel construir, usando somente regua e compasso, um quadrado cuja area e igual a area dopolıgono dado.

Ate que tivesse sido formulada a teoria das proporcoes de Eudoxo (viveu aproximadamente de 408a.C a 345 a.C.), a geometria grega se deparava com o problema de nao poder utilizar proporcionalidade,como fazemos atualmente, em muitas demonstracoes. Hoje, por exemplo, para demonstrar o teorema dePitagoras, podemos proceder como segue

Teorema 1. Elementos I.47 – DEMONSTRACAO USANDO SEMELHANCA– Em um triangulo retangulo,

o quadrado construıdo sobre o lado oposto ao angulo reto e igual a soma dos quadrados construidos sobre

os lados que compreendem o angulo reto.

Figura 2. Elementos I.47

Demonstracao por semelhanca de triangulos

Seja o triangulo ABC, retangulo em A (Figura 2). Do vertice A, baixe a altura AD sobre a hipotenusa

BC. E facil ver que os triangulos ABC, CBA e CAB sao semelhantes entre si.

Da semelhanca de CDA com CAB, temos que AC

CB= AD

AB= CD

AC.

Da semelhanca de ADB com CAB, temos que AB

CB= BD

AB= AD

AC.

Chamemos CD de x, DB de y e CB de a. Temos entao:

AC

CB=

CD

AC=⇒ ax = AC2

AB

CB=

BD

AB=⇒ ay = AB2

Vemos assim que a(x + y) = AC2 + AB2. Como x + y = a, chegamos ao resultado desejado.Comparemos isso com a demonstracao dada por Euclides nos Elementos, que utiliza somente equivalencia

de areas 2.

2Reproduziremos a demonstracao dada em SIMSON (1773).

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4 JOAO PITOMBEIRA DE CARVALHO

Teorema 2. Elementos I.47 – Em um triangulo retangulo, o quadrado construıdo sobre o lado oposto ao

angulo reto e igual a soma dos quadrados construidos sobre os lados que fazem o mesmo angulo reto.

Figura 3. Elementos I.47- Demonstracao de Euclides

Seja o triangulo retangulo ABC (Figura 3), cujo angulo reto e BAC. Digo que o quadrado feito sobreo lado BC e igual aos quadrados descritos sobre os lados BA, AC, que formam o angulo reto BAC.

Descreva-se sobre BC o quadrado BDEC, e sobre BA, AC, os quadrados BG, HC. Pelo ponto A

tire-se AL, paralela a BD ou CE, tirem-se tambem as retas AD, FC. Porque os angulos BAC, BAG saoretos, as duas retas CA, AG estao em direitura uma com a outra. O mesmo sera a respeito das duas AB,AH. Os angulos DBC, FBA, por serem retos, sao iguais. Ajunte-se-lhes o mesmo angulo ABC. Logo,o total DBA sera igual ao total FBC. E sendo as duas AB, AC iguais as duas FB, BC, cada uma acada uma, e o angulo DBA = FBC, sera o triangulo ABD = FBC outro triangulo. Mas o paralelogramoBL e o dobro do triangulo ABD, porque esta sobre a mesma base BD, e entre as mesmas paralelas BD,AL; e o quadrado GB; e o quadrado GB e o dobro do triangulo FBC, porque tem a base comum FB, eestao entre as mesmas paralelas FB, GC. Logo, sendo iguais os dobros de quantidades iguais, deve ser oparalelogramo BL igual ao quadrado GB. Do mesmo modo, tiradas as retas AE, BK, se demonstra, queo paralelogramo CL e igual ao quadrado HC. Logo, o quadrado inteiro BDEC, feito sobre o lado BC

oposto ao angulo reto BAC, e igual aos dois quadrados GB, HC formados sobre os lados BA, AC, quefazem o mesmo angulo reto BAC. Q.E.D.

Observe que nesta demonstracao nao se usa proporcionalidade. Todos os passos sao dados utilizandoequivalencia de areas.

Como ate Eudoxo nao havia uma teoria geral das proporcoes, que permitisse lidar com proporcionalidadede grandezas, comensuraveis ou nao, Euclides, nos Elementos, ate o Livro V faz suas demonstracoes

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utilizando equivalencia de areas, o que lhe permite, por exemplo, fazer sua famosa demonstracao para oteorema de Pitagoras, que acabamos de ver (Teorema 2).

Por que a exigencia de utilizar somente a regua e o compasso? Sao inumeras as tentativas de inter-pretacao para isso. Uma delas e que os filosofos gregos consideravam dois tipos de movimentos “naturais”eperfeitos, o movimento retilıneo uniforme e o movimento circular uniforme.

Para os primeiros geometras gregos, uma linha era o percurso de um ponto, e a linha reta era um percursosem asperezas e desvios [SZABO, 2000]. No entanto, aos poucos, os matematicos gregos se distanciaramda realidade palpavel, como se ve, por exemplo, em Platao:

[a Geometria] tem por objeto o conhecimento do que sempre e e nao do que nasce e perece.

Passaram tambem a dar ao cırculo e a reta papeis destacados:

...Aristoteles - O que nao tem nem comeco nem fim e portanto ilimitado.

Parmenides- Ele e ilimitado.

Aristoteles - Portanto ele nao tem forma, pois nao participa nem do redondo nem do reto.

Alem da ideia de perfeicao ideal atribuıda ao cırculo e a linha reta, uma outra razao possıvel para arestricao a regua e ao compasso pode ter sido a crise devida a descoberta da irracionalidade de

√2 ,

numero que pode, no entanto, ser construıdo com regua e compasso. Esses instrumentos eram a garantiada existencia de numeros como este.

No entanto, e falsa a crenca de que os gregos, na resolucao de problemas de construcoes geometricas, tra-balhavam somente com a regua e o compasso. Exatamente como os matematicos de hoje, para resolveremum problema eles usavam todas as ferramentas disponıveis ou criavam novas ferramentas apropriadas.De suas tentativas para achar solucoes para os problemas classicos, surgiram varias curvas e metodos queenriqueceram a Matematica. Encontram-se em [KNORR, 1986] e [BOS, 2001] construcoes geometricas, in-cluindo solucoes dos tres problemas classicos, utilizando varias curvas e outros instrumentos. O matematicovan der Waerden resumiu a situacao como segue:

A ideia por vezes expressa de que os gregos permitiam somente construcoes com regua e

compasso e inadmissıvel. Ela e negada pelas numerosas construcoes que nos chegaram para

a duplicacao do cubo e a trisseccao do angulo. No entanto, e verdade de que tais construcoes

[com regua e compasso] eram consideradas mais elementares, e portanto preferıveis. Pappus

afirma que se uma construcao for possıvel com regua e compasso metodos mais avancados

nao deveriam ser usados. [van der Waerden, p. 263.]

Isso parece seguir a mesma linha que o princıpio da navalha de Ockham, muito posterior. Na linguagempopular, poderıamos dizer que nao se deve usar um canhao para matar uma mosca.

Neste trabalho, veremos, inicialmente, como Euclides, nos Elementos, consegue resolver completamenteo problema de fazer a quadratura, “quadrar”, qualquer figura poligonal, usando somente transformacoesde areas, de maneira a mostrar que duas figuras tem a mesma area. Isto e, dado um polıgono qualquer,construir somente com a regua e o compasso, um quadrado com a mesma area.

Em seguida, estudaremos o problema de aplicacao de areas, uma tecnica caracterıstica da matemati-ca grega, e que posteriormente, de maneira anacronica, serviu de apoio a tese que parte da geometriagrega e uma traducao, em termos geometricos, da solucao “algebrica” de equacoes do 2o grau, ja feitapelos babilonios, ponto de vista defendido por van der WAERDEN (s/d) e fortemente contestado, maisrecentemente, por UNGURU (1981, 1982), entre outros.

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6 JOAO PITOMBEIRA DE CARVALHO

2. Equivalencia e aplicacao de areas nos Elementos de Euclides

2.1. Equivalencia de areas. Neste capıtulo, nosso objetivo e mostrar como construir, usando somenteregua e compasso, um quadrado cuja area seja igual a area de uma superfıcie poligonal dada. Euclides fazisso nos Livros I e II, antes de ter a sua disposicao a teoria das proporcoes de Eudoxo, exposta somenteno Livro V. Assim, em todas as construcoes que faremos a seguir, nao sao utilizados argumentos baseadosem proporcoes.

Em primeiro lugar, uma advertencia quanto a terminologia que empregaremos. Como faremos frequen-temente referencia aos Elementos, e importante lembrar duas coisas:

(1) Euclides emprega o termo linha reta ou reta as vezes para designar o que denominamos hojesegmento de reta, outras vezes para designar linha reta. Usa tambem o termo reta finita paradesignar segmento de reta.

(2) Para Euclides, afirmar que duas figuras sao iguais por vezes significa dizer que elas sao congruentes,outras vezes que elas tem a mesma area.

O que exporemos a seguir encontra-se nos Elementos de Euclides, Livros I e II. Faremos citacoes daEdicao de Commandino, na edicao inglesa, feita em 1756, por Robert Simson (matematico escoces queviveu de 1687 a 1768), e que foi a base para inumeras outras edicoes posteriores dos Elementos de Euclides.Esta edicao foi traduzida para o portugues, em 1773, por ordem do Marques de Pombal Em 1944, ela foipublicada no Brasil pela Edicoes Cultura, Sao Paulo. Encontra-se atualmente disponıvel, gratuitamente,no site www.dominiopublico.gov.br.

O ponto de partida de Euclides sao os criterios de congruencia de triangulos (I.4, I.8, I.26), que omitire-mos, para nao prologarmos demasiadamente esta exposicao. Em seguida, Euclides demonstra o resultadoimportante para nos, que tambem nao demonstraremos:

Teorema 3. Elementos I.34 – Os lados e os angulos opostos dos espacos formados com lihas paralelas,

ou paralelogramos, sao iguais; e todo o espaco paralelogramo, fica dividido pela diagonal em duas partes

iguais.

Apos isso, na linha de nosso trabalho, Euclides demonstra que

Teorema 4. Elementos I.35 – Os paralelogramos, que estao postos sobre a mesma base, e entre as mesmas

paralelas, sao iguais.

Ha tres casos a considerar, mostrados nas Figuras 4, 5 e 6, a seguir. Como sempre, Euclides demonstrasomente um caso, deixando o outro a cargo do leitor. Aqui, apresentaremos os 3 casos, baseando-nos natraducao para o portugues da edicao de Simson.

Figura 4. Elementos I.35 - primeiro caso

(1) Sejam os paralelogramos ABCD e EFCB sobre a mesma base BC, entre as mesmas paralelas AF ,BC (Figura 4). Digo que o paralelogramo ABCD e igual ao paralelogramo EBCF .

No paralelogramo ABCD e AB = BC, e no paralelogramo EBCF e EF = BC. Logo seraAD = EF . Ajunte-se a ambas a mesma reta DE. Sera AE = DF , isto e, o todo igual ao todo.

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Mas e AB = DC. Logo as duas EA, AB sao iguais as duas FD, DC, cada uma a cada uma. Maso angulo externo FDC e igual ao interno EAB. Sera o triangulo EAB = FDC outro triangulo.Do trapezio ABCF tire-se o triangulo FDC; e do mesmo trapezio tire-se o triangulo EAB. Logoos paralelogramos ABCD, EBCF , que sao os restos, serao iguais entre si.

(2) Suponhamos agora que o ponto E esta entre os pontos A e D, como na Figura 5.

Figura 5. Elementos I.35 - segundo caso

No paralelogramo ABCD e AB = BC, e no paralelogramo EBCF e EF = BC. Logo seraAD = EF . Retire-se a mesma reta DE Sera AE = DF , isto e, o resto igual ao resto. Mas eAB = DC. Logo as duas EA, AB sao iguais as duas FD, DC, cada uma a cada uma. Mas oangulo externo FDC e igual ao interno EAB. Sera o triangulo EAB = FDC outro triangulo. Dotrapezio ABCF tire-se o triangulo FDC; e do mesmo trapezio tire-se o triangulo EAB. Logo osparalelogramos ABCD, EBCF , que sao os restos, serao iguais entre si.

(3) Resta a considerar o caso em que D = E (Figura 6).

Figura 6. Elementos I.35 - terceiro caso

Se os lados AD, EF dos paralelogramos ABCD, DBCF opostos a base comum BC tiverem um pontocomum, D; claro esta que, sendo os paralelogramos ABCD, DBF cada um o dobro do mesmo trianguloBDC, serao iguais entre si (Figura 6). Q.E.D

De posse deste resultado, e facil mostrar que

Teorema 5. Elementos I.36 – Paralelogramos que tem bases iguais, e situados entre paralelas sao iguais.

Sejam os paralelogramos ABCD e EFGH. Tirem-se as retas BE, CH 3 (Figura 7). Sendo BC = FG,e FG = EH, sera BC = EH. Mas BC, EH sao paralelas, e entre os termos delas B, E, C, H estaotiradas as retas BE, CH; e as retas, que estao tiradas entre os extremos de duas outras iguais e paralelas,

3Estamos mais uma vez reproduzindo a versao de SIMSON (1773).

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Figura 7. Elementos I.36

e da mesma parte, sao tambem iguais e paralelas. Logo, EB, CH sao iguais e paralelas. Logo, EBCH eum paralelogramo, igual ao paralelogramo ABCD; por ter a mesma base BC e por estar entre as mesmasparalelas BC, AD. Pela mesma razao sera paralelogramo EFGH = EBCH, outro paralelogramo. Logo,os paralelogramos ABCD, EFGH serao iguais entre si.

Nas proposicoes I.35 (4) e I.36 (5), Euclides utiliza pela primeira vez a nocao de igualdade entre figurassignificando igualdade de areas, e nao congruencia, como usado em I.4, I.8, I.26, os criterios de congruenciade triangulos.

Consequencias imediatas dessas proposicoes sao

Teorema 6. Elementos I.37 – Triangulos situados sobre a mesma base e entre as mesmas paralelas sao

iguais entre si.

Teorema 7. Elementos I.38– Triangulos que tem bases iguais e estao entre as mesmas paralelas sao iguais

entre si.

As demonstracoes desses dois teoremas decorrem imediatamente dos resultados precedentes.Demonstraremos agora um resultado muito usado nos Elementos, o qual permite que Euclides possa

dispensar, muitas vezes, o conceito de figuras semelhantes.Considere um paralelogramo ABCD, com a diagonal AC (Figura 7). Seja P um ponto qualquer sobre

essa diagonal. Por P trace paralelas a AB e a BC. Sejam os pontos E, F , G e H como mostrados nafigura. Entao, os paralelogramos KGCF e AEKH tem areas iguais. Na palavras de Simson (1855),

Teorema 8. Elementos I.43 – Em qualquer paralelogramo, os complementos dos paralelogramos que

existem ao redor da diagonal, sao iguais entre si.

Figura 8. Elementos I.43

Neste enunciado, os paralelogramos que existem ”ao redor” da diagonal AC sao AEKH e KGCF . Oscomplementos sao EBGK e KFDH (Figura 8).

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EQUIVALENCIA E APLICACAO DE AREAS NA MATEMATICA GREGA 9

Seja o parallelogramo ABCD, cuja diagonal e AC; e existam ao redor da diagonal AC os parallelo-gramos EH, FG; e os que se chamam complementos, serao os dous paralogramos BK, KD. Digo, que ocomplemento BK e egual ao complemento KD.

Como ABCD e um paralelogramo, e AC e sua diagonal, o triangulo ABC e igual ao triangulo ADC.Como AEKH e um paralelogramo, e AK e sua diagonal, o triangulo AEK e igual ao triangulo AHK.Pela mesma razao, o triangulo KGC e igual ao triangulo KFC. Portanto, omo o triangulo AEK e igualao triangulo AHK, e o triangulo KGC e igual ao triangulo KFC, o triangulo AEK juntamente como triangulo KGC e igual ao triangulo AHK juntamente com o triangulo KFC. Mas ja foi mostradoque o triangulo ABC e igual ao triangulo ADC. Portanto, o que resta, o complemento BK, e igual aocomplemento KD. Q.E.D.

Esta proposicao admite outra demonstracao, consequencia direta de I.36 (Veja a Figura 9):Pela Proposicao I.36(Teorema 5), os paralelogramos HKFD e KCNH sao iguais. Pela mesma razao,

sao iguais os paralelogramos EKBG e KCME.Como os triangulos AEKe AKH sao congruentes (por que?), eles tem alturas iguais baixadas sobre

AK. Assim, as paralelas HN e EK sao equidistantes de AG e assim as areas de KHNG e de KEMC

sao iguais. Disso decorre que as areas de DHDF e de EKGB sao iguais.

Figura 9. Demonstracao alternativa de I.43

2.2. Aplicacao de areas. O que e, na terminologia matematica grega, aplicar uma figura (poligonal)a uma reta dada? Esse problema consiste em construir a figura de tal maneira que o segmento de retaseja um de seus lados. Em geral, e exigido que a figura construida, preencha algumas exigencias. Porexemplo, sejam ABCDE um polıgono e KL um segmento de reta (Figura 10). Aplicar ao segmento KL,por exemplo, um paralelogramo, com area igual a ABDE, significa construir um paralelogramo KLRS

de que KL e um dos lados, e cuja area seja igual a area de ABCDE. Pode tambem ser pedido que oparalelogramo atenda a outras exigencias, como, por exemplo, ter o angulo SKL igual a um angulo dado.

O primeiro passo nessa direcao e dado por

Problema 9. Elementos I.42– Construir um paralelogramo igual a um triangulo dado, e que tenha um

angulo igual a outro angulo dado.

Seja dado o triangulo ABC, e o angulo retilıneo D (Figura 11). Deve-se construir um paralelogramoigual ao triangulo ABC, e com um angulo igual ao angulo D.

Divida-se a base BC em duas partes iguais no ponto E; tire-se AE, e com a reta EC no ponto E se facao angulo CEF = D. Pelo ponto A conduza-se AG paralela a EC, e pelo ponto C a reta CG paralela aEF . Sera FECG um paralelogramo. E sendo BE = EC, o triangulo ABE sera igual ao triangulo AEC,por estarem ambos sobre as bases iguais BE, EC e entre as mesmas paralelas BC, AG. Logo o trianguloABC e o dobro do triangulo AEC. Mas tambem o paralelogramo FECG e o dobro do mesmo trianguloAEC, que se acha sobre a mesma base, e entre as mesmas paralelas do paralelogramo FECG. Logo, oparalelogramo FECG e igual ao triangulo ABC, e tem o angulo CEF = D, que e o angulo dado. Logo,temos construido o paralelogramo que se pedia.

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10 JOAO PITOMBEIRA DE CARVALHO

Figura 10. Aplicacao de areas

Figura 11. ELEMENTOS I.42

Em seguida, impomos mais condicoes sobre a figura a ser construıda: que ela seja aplicada a um segmentodado.

Problema 10. Elementos I.44 – Sobre uma linha reta dada, construir um paralelogramo, igual a um

triangulo dado, e que tenha um angulo igual a outro angulo retilıneo dado.

Seja dada a reta AB, o triangulo ABC e o angulo retilıneo D (Figura 12). Deve-se construir sobre areta dada AB um paralelogramo igual ao triangulo ABC, e que tenha um angulo igual ao angulo D.

Faca-se o paralelogramo BEFG igual ao triangulo ABC e com um angulo EBG igual ao triangulo D.Ponha-se BE em direitura com a reta AB, e produza-se FG para H; e pelo ponto A se tire AH paralela aBC, ou EF ; e finalmente seja conduzida a reta HB. Porque as paralelas AH, EF sao cortadas pela retaHF , os angulos AHF HFE sao menores que dois retos. Mas as retas, que com uma terceira fazem osangulos internos, e da mesma parte menores que dois retos, produzidas ao infinito finalmente concorrem.Logo, as duas retas HB, FE devem concorrer. Produza-se pois, e concorram no ponto K. Por este ponto

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EQUIVALENCIA E APLICACAO DE AREAS NA MATEMATICA GREGA 11

Figura 12. Elementos I.44

tire-se a reta KL paralela a EA e sejam produzidas as retas HA, GB ate L, e M . Logo, HLKF e umparalelogramo, cujo diametro e RH, e ao redor deste diametro RK existem os paralelogramos AG, ME,cujos complementos sao os paralelogramos LB, BF . Logo sera LB = BF . Mas o complemento BF eigual ao triangulo ABC. Logo o complemento LB sera igual ao mesmo angulo triangulo ABC. E porqueo angulo GBE e igual ao angulo ABM , e tambem e igual ao angulo D, sera o angulo ABM = D. Logo,sobre a linha reta dada AB temos construıdo o paralelogramo LB igual ao triangulo dado ABC, e comum angulo ABM igual ao angulo proposto D. Q.E.D.

A diferenca entre I.42 e I.44, e que no segundo caso e especificado um dos lados do paralelogramo, osegmento AB.

Em I.44, aprendemos a aplicar ao segmento AB um paralelogramo igual a um triangulo dado e quetem um dos angulos igual a um angulo dado. Agora e facil “transformar”qualquer polıgono em umparalelogramo. Decompomos o polıgono em triangulos e aplicamos repetidamente I.42 e I.44:

Problema 11. Elementos I.45 – Construir um paralelogramo igual a uma figura retilınea qualquer dada,

e com um angulo igual a outro angulo dado.

Seja ABCD figura retilınea dada, e E o angulo retilıneo dado: pede-se para construir um paralelogramoigual a ABCD e que tenha um angulo igual a E (Figura 13).

Una D a B, e construa o paralelogramo FH igual ao triangulo ADB, e que tenha o angulo FKH igualao angulo E.

Aplique ao segmento GH o paralelogramo GM igual ao triangulo DBC, e com o angulo GHM igualao angulo E.

O polıgono FKML sera o paralelogramo pedido.Como o angulo E e igual a cada um dos angulo FKH, GHM , o angulo FKH e igual ao angulo GHM .

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12 JOAO PITOMBEIRA DE CARVALHO

Figura 13. Elementos I.45

Adicione a estes dois angulos iguais o angulo KHG; portanto, os angulos FKH, KHG sao iguais aosangulos KHG, GHM .

Mas FKH, KHG juntos sao iguais a dois angulos retos; portanto KHG, GHM sao juntos iguais a doisangulos retos. E como no ponto H da reta GH as duas retas KH, HM , nos lados opostos a GH, formamangulos adjacentes que juntos sao iguais a dois angulos retos, KH esta sobre a reta HM .

E como a linha reta HG encontra as paralelas KM , FG, os angulos alternos MHG, HGF sao iguais.Adicione a cada um destes angulos o angulo HGL; portanto, os angulos MHG, HGL sao iguais aosangulos HGF , HGL.

Mas HGF ,HGL sao juntos iguais a dois angulos retos; portanto HGF , HGL juntos sao iguais a doisangulos retos. Assim, FG esta sobre a linha reta GL.

Como KF e paralela a HG, e HG e paralela a ML, KF e paralela a ML; e KM , FL sao paralelas;Portanto KFLM e um paralelogramo.

E como o triangulo ABD e igual ao paralelogramo HF , e o triangulo DBC e igual ao paralelogramoGM , toda a figura retilınea ABCD e igual a todo o paralogramo KFLM .

Assim, o paralelogramo KFLM foi construıdo igual a figura relinınea ABCD, e como o angulo FKM

igual ao angulo dado E. Q.E.D.Os resultados anteriores nos permitem aplicar a um segmento dado um paralelogramo que tem um

angulo dado e e igual a um polıgono dado: E suficiente decompor o polıgono em triangulos, aplicar aosegmento dado um paralelogramo que tenha um dos angulos igual ao angulo dado e que seja igual ao 1o

triangulo da decomposicao, e repetir este processo para os outros triangulos da decomposicao.Em particular, se o angulo dado for reto, o que fizemos acima nos mostra como transformar qualquer

polıgono em um retangulo. Se conseguirmos transformar este retangulo em um quadrado, teremos resolvidoo problema de fazer a quadratura de qualquer polıgono. Para isso, necessitamos de algumas proposicoesdos Elementos de Euclides.

Teorema 12. Elementos II.5 – Se uma linha reta for dividida em duas partes iguais, e em outras duas

desiguais, sera o retangulo compreendido pelas partes desiguais, juntamente com o quadrado da parte

entre as duas secoes, igual ao quadrado da metade da linha proposta.

Demonstracao – Suponha que o segmento AB esta dividido em duas partes iguais pelo ponto C e emduas partes desiguais pelo ponto D (Figura 14). Entao, o retangulo AD, DB, juntamente com o quadradosobre CD, sera igual ao quadrado sobre CB.

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EQUIVALENCIA E APLICACAO DE AREAS NA MATEMATICA GREGA 13

Figura 14. Elementos II.5

Figura 15. Elementos II.6

Com efeito, sobre CB construa o quadrado CEFB. Una os pontos B e E. Por D trace o segmento dereta DHG paralelo a CE ou a BF . Por H trace KLM paralela a CG ou EF . Enfim, por A trace AK

paralela a CL ou a BM .Entao, o complemento CH e igual ao complemento HF . A cada um destes complememntos adicione

DM . Entao CM e igual a DF . Mas CM e igual a AL, pois AC e igual a CB. Assim, AL e igual a DF .Adicione CH a AL e a DF . Entao AH e igual a DF e CH.Mas AH e o retangulo contido por AD e DB, pois DH e igual a DB; e DF juntamente com CH

e o gnomon CMG. Assim, o gnomon CNG e igual ao retangulo AD, DB. Adicionando a ambos LG

que e igual ao quadrado sobre CD, o gnomon CMG juntamente com LG e igual ao retangulo AD, DB,juntamente com o quadrado sobr CD. Mas o gnomon CMG juntamente com LG formam a figura CEFB,que e o quadrado sobre CB. Entao, o retangulo AD, DB, juntamente com o quadrado sobre CD e igualao quadrado sobre CB. Q.E.D.

Teorema 13. Elementos II.6 – Se uma linha reta for dividida em duas partes iguais, e em direitura com

ela se puser outra reta, sera o retangulo compreendido pela reta toda e mais a adjunta, e pela mesma

adjunta juntamente com o qudrado da metade da primeira reta, igual ao quadrado da reta, que se compoe

da mesma metade, e da outra adjunta.

Demonstracao: Sejam C o ponto medio de AB e D, sobre o prolongamento de AB (Figura 15).Com lado CD trace o quadrado CEFD. Una D a E. Por B trace GHG paralela a CE ou a DF . Pelo

ponto H, trace KLM paralela a AD ou a EF e por A trace AK paralela a CL ou a DM .Entao, como AC e igual a CB, o retangulo AL e igual ao retangulo CH. Mas CH e igual a HF , e

portanto tambem AL e igual a HF . A cada um desses retangulos adicione CM . Assim, AM sera igualao gnomon CMG. Mas AM e o retangulo formado por AD, DB, pois DM e igual a DB.

Entao o retangulo AD, DB e igual ao gnomon CMG.

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14 JOAO PITOMBEIRA DE CARVALHO

A cada um, adicione LG, que e igual ao quadrado sobre CB. Portanto o retangulo AD, DB, juntamentecom o quadrado sobre CB e igual ao gnomon CMG e a figura LG.

Mas o gnomon CMG juntamente com LG formam CEFD, que e o quadrado sobre CD.Portanto, o retangulo AD, DB, juntamente com o quadrado sobre CB e igual ao quadrado sobre CD.

Q.E.D.

De posse destes resultados, podemos dar o passo final para fazer aquadratura de qualquer polıgono.Isso significa construir um quadrado de area igual a area do polıgono dado.

Problema 14. Elementos II.14– Construir um quadrado igual a um polıgono dado.

Figura 16. Elementos II.14

Seja A o polıgono dado. Construa o retangulo BCDE igual ao polıgono dado. Se os lados BE e ED

forem iguais, o problema esta resolvido. Se eles forem desiguais, marque F , sobre o prolongamento de B

e tal que ED e EF sao iguais. Divida BF ao meio pelo ponto G. Trace a semi-circunferencia BHF eprolongue ED ate H (Figura 16).

Una G a H. Como o segmento BF esta dividido ao meio por G e em duas partes desiguais por E, entaoo retangulo BE, EF , juntamente com o quadrado sobre GE e igual ao quadrado sobre GF .

Mas GF e igual a GH. Assim, o retangulo BE, EF juntamente com o quadrado sobre GE e igual aoquadrado sobre GH.

Mas o quadrado sobre GH e igual aos quadrados sobre GE e EH. Assim, o retangulo BE, EF ,juntamente com o quadrado sobre GE e igual aos quadrados sobre GE e sobre EH.

Retire o quadrado sobre GE, que e comum a ambos; portanto o retangulo contido por BE, EF e igualao quadrado sobre EH.

Mas o retangulo contido por BE, EF e o paralelogramo BD, pois EF e igual a ED.Mas BD e igual ao polıgono dado.Portanto o quadrado sobr EH e igual ao polıgono dado. Q.E.D.

Uma maneira alternativa de construir um quadrado igual a um polıgono qualquer dado envolve a uti-lizacao repetida do “teorema de Pitagoras”.

Em primeiro lugar, apos decompor o polıgono dado em triangulos, o que ja sabemos fazer, transformamoscada um dos triangulos em um retangulo com a mesma area. Em seguida, utilizando II.14, transformamoscada um dos retangulos em um quadrado. Dados dois destes quadrados, utilizando o teorema de Pitagoras,podemos achar um quadrado que tenha area igual a soma das areas dos dois quadrados. De posse destequadrado, podemos continuar o processo, utilizando varias vezes o teorema de Pitagoras, ate obter umunico quadrado cuja area sera igual a area do polıgono de que partimos.

2.3. Aplicacao de areas. Ja vimos, por I.44, como aplicar a um segmento dado um paralelogramo igual aum polıgono (figura retilınea) dado e que tem um angulo especificado. Trata-se do que os gregos chamavamuma aplicacao parabolica.

Dois outros problemas, chamados de aplicacao elıptica e de aplicacao hiper- bolica, respectivamente, saoos seguintes, em seu caso mais geral:

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EQUIVALENCIA E APLICACAO DE AREAS NA MATEMATICA GREGA 15

(1) (Aplicacao elıptica ou com falta)Aplicar a um segmento de reta AB, um paralelogramo, com umangulo dado, igual a uma figura retilınea dada e de tal maneira que o que falta para completar afigura a todo o segmento AB seja um paralelogramo semelhante a um paralelogramo dado (Figura17).

(2) (Aplicacao hiperbolica ou com excesso)Aplicar a um segmento de reta AB, um paralelogramo, comum angulo dado, igual a uma figura retilınea dada e de tal maneira que ele excede o segmento AB

por um paralelogramo semelhante a um paralelogramo dado (Figura 18).

Figura 17. Aplicacao de areas elıptica

Figura 18. Aplicacao de areas hiperbolica

Nesta formulacao mais geral, a solucao desses problemas exige conhecimentos do Livro VI dos Elementos,que trata exatamente das alicacoes da teoria de proporcionalidade de grandezas, de Eudoxo (exposta noLivro V dos Elementos), as figuras planas. Podemos, por enquanto, tratar de casos particulares dessesproblemas. Mostraremos como, usando somente os recursos ja aprendidos sobre equivalencia de areas,podemos resolver este problema.

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16 JOAO PITOMBEIRA DE CARVALHO

Como aplicar um retangulo a um segmento, com falta? Voltemos a Proposicao II.5 dos Elementos.Queremos aplicar ao segmento AB um retangulo igual a figura retilınea S de tal maneira que o que faltapara termos uma figura aplicada a todo o segmento AB seja um quadrado (Figura 19).

Figura 19. Aplicacao de areas eliptica (com falta)

E facil fazer isso.Podemos supor que a figura retilınea dada e um quadrado de lado b. Seja C o ponto medio do segmento

AB. Trace CO perpendicular a AB e igual a b. Prolongue OC ate N , de maneira que ON = CB. Comcentro em O, e raio ON descreva uma circunferencia que corta CD em D (Figura 20).

Afirmamos que o retangulo AH resolve nosso problema.Com efeito, pela proposicao II.5 dos Elementos, o retangulo de lados AD e DB, juntamente om o

quadrado de lado CD e igual ao quadrado de lado CB. Ou seja, e igual ao quadrado de lado OD.Pelo teorema de Pitagoras, o quadrado de lado OD e igual a soma dos quadrados de lados OC e CD.

Retirando o quadrado de lado CD, vemos que o retangulo de lados AC e DB e igual ao quadrado de ladoOC.

A solucao deste problema esta sujeita a condicao de que b nao seja maior do que 1

2a, ou, equivalentemente,

que b2 nao seja maior do que (1

2a)2.

Figura 20. Resolucao do problema de aplicacao de areas eliptica

Esta construcao resolve completamente o problema de aplicar um retangulo a um segmento, com falta,de maneira que o que falta seja um quadrado.

Como resolver o problema de aplicar um retangulo, cuja area e dada, a um segmento, com excesso(Figura 21)?

A proposicao II.6 dos Elementos de Euclides nos permitira resolver este problema.

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EQUIVALENCIA E APLICACAO DE AREAS NA MATEMATICA GREGA 17

Figura 21. O problema de aplicacao de areas hiperbolica

Figura 22. Resolucao do problema de aplicacao de areas hiperbolica

Em primeiro lugar, podemos supor que a area dada e um quadrado de lado b. Trace BQ perpendiculara AB e igual a b. Una C a Q e com centro C e raio CQ, descreva uma circunferencia que corta oprolongamento de AB em D. Afirmamos que o ponto D resolve o problema (Figura 22).

Com efeito, o retangulo de lados AD e DB, juntamente com o quadrado de lado CB e igual ao quadradode lado CD, ou seja, e igual ao quadrado de lado CQ. Pelo teorema de Pitagoras, este quadrado e iguala soma dos quadrados de lados CB e BQ. Assim, o retangulo de lados AD e DB e igual ao quadrado delado BQ.

2.4. O Livro VI dos Elementos e o caso geral de aplicacao de areas. Euclides, no Livro V dos Ele-

mentos apresenta a teoria das proporcoes de Eudoxo, que permite trabalhar com razoes de grandezas, sejamelas comensuraveis ou nao. Trata-se de um dos pontos altos dos Elementos, e eliminou definitivamente adificuldade que tinham os matematicos gregos em trabalhar com razoes de grandezas incomensuraveis. Asolucao que Eudoxo encontrou para o problema e um dos maiores feitos da Matematica grega.

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18 JOAO PITOMBEIRA DE CARVALHO

E verdade que a formulacao de Eudoxo e de leitura difıcil, mas foi muito importante, no contextoda matematica grega. Hoje, para nos, que podemos trabalhar livremente com numeros reais, ela nosparece desnecessariamente complicada. Contudo, para os gregos, que nao tinham nem mesmo o conceitode numeros racionais, pois se limitavam a falar em razao de dois numeros naturais, ela resolveu umproblema muito serio que tinha surgido desde a descoberta, bem anterior a Eudoxo, que existem grandezasincomensuraveis.

Pode-se avaliar a contribuicao de Eudoxo pelas palavras de Dedekind, no seculo XIX, ao afirmar que seinspirou em Eudoxo para formular sua definicao de numero real – os cortes de Dedekind.

No livro seguinte, o Livro VI, Euclides aplica os resultados do Livro V ao estudo da semelhanca degrandezas geometricas, especificamente as figuras planas.

Nao podemos, aqui, estudar os Livros V e VI. Admitiremos como sabidas as nocoes usuais de pro-porcionalide. Tudo o que fizermos de agora em diante pode se justificar usando os resultados anteriorescontidos nos Elementos, do Livro I ao Livro VI. Deste livro, nos deteremos apenas no problema mais geralde aplicacao de areas.

Comecaremos nosso estudo com

Problema 15. Elementos VI.25 – Construir uma figura semelhante a uma figura retilınea dada e igual a

outra figura retilınea.

Figura 23. Elementos VI.25

Seja ABC a figura retilınea dada a qual a figura que deve ser construıda tem que ser semelhante, e D afigura retilınea dada a qual deve ser igual; assim, e pedido para construir uma figura semelhante a ABC

e igual a D (Figura 23).Aplique a BC o paralelogramo BE igual ao triangulo ABC, o que pode ser feito, pela Proposicao I.44,

e a CE o paralelogramo CM igual a D no angulo FCE, que e igual ao angulo CBL. Assim, BC esta emlinha reta com CF , e LE com EM .

Seja GH uma meia proporcional a BC, CF [VI.13], e sobre GH construa KHG semelhante e semel-hantemente situado a ABC.

Entao, como GH esta para CF como BC para GH, e, se tres segmentos forem proporcionais, a figuraconstruida sobre o o primeiro esta para a figura semelhante e semelhantemente situada sobre o segundo,assim o triangulo ABC esta para o triangulo KGH.

Mas os paralelogramos BE e EF estao entre si como BC e CF .Assim, o paralelogramo BE esta para o paralelogramo EF assim como o triangulo ABC esta para o

triangulo KGH. Ou, equivalentemente, o triangulo ABC esta para o paralelogramo BE assim como otriangulo KGH esta para o paralelogramo EF .

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EQUIVALENCIA E APLICACAO DE AREAS NA MATEMATICA GREGA 19

Mas o triangulo ABC e igual ao paralelogramo BE; portanto, o triangulo JGH e igual ao paralelogramoEF .

Mas o paralelogramo EF e igual a D; portanto, KGH e tambem semelhante a ABC.Portanto, construimos uma figura KGH semelhante a figura retilınea ABC e igual a outra figura dada

D.

Teorema 16. Elementos VI.27 – De todos os paralelogramos aplicados a uma mesma linha reta, com falta

de figuras paralelogramicas semelhantes e semelhantemente situadas a figura descrita sobre a metade da

linha reta, e maior o paralelogramo aplicado a metade da linha reta e semelhante a figura que falta.

Figura 24. Elementos VI.27

Seja AB uma linha reta e seja C seu ponto medio; aplique a linha reta AB o paralelogramo AD comfalta da figura paralelogramica DB decrita sobre metade de AB, ou seja, CB (Figura 24).

Afirmo que, de todos os paralelogramos aplicados a AB e com falta de figuras paralelogramicas semel-hantes e semelhantemente situadas a DB, AD e a maior.

Com efeito, aplique-se a linha reta AB o paralelogramo AF , com falta da figura paralelogramica FB esemelhantemente situada a DB. Entao AD e maior do que AF .

De fato, como o paralelogramo DB e semelhante ao paralelogramo FB, eles estao situados sobre amesma diagonal. Seja DB sua diagonal, e seja tracada a figura. Entao, como CF e igual a FE, e FB ecomum, o todo CH e igual ao todo KE.

Mas CH e igual a CG, pois AC e tambem igual a CB.Portanto GC e tambem igual a EK.Adicione CF a ambos.Assim o todo AF e igual ao gnomon LMN ; de maneira que o paralelogramo DB, ou seja, AD, e maior

do que o paralelogramo AF , como querıamos demonstrar.

Teorema 17. Elementos VI.28– aplicar, a uma linha reta dada, um paralelogramo igual a uma figura

retilınea dada com falta de um paralelogramo semelhante a um paralogramo dado; assim, a figura retilınea

dada nao pode ser maior do que o paralelogramo decrito sobre a metade da linha reta e semelhante ao que

falta.

Sejam AB a linha reta dada e C a figura retilınea dada a qual a figura aplicada a AB deve ser igual(Figura 25). Assim, figura C nao pode ser maior do que o paralelogramo descrito sobre metade de AB esemelhante a falta. Seja D o paalelogramo com o qual a falta deve ser semelhante.

Assim, pede-se para aplicar a linha reta dada AB um paralelogramo igual a figura retilınea dada, C, ecom falta de uma figura paralelogramica semelhante a D.

Seja E o ponto medio de AB, e sobre EB construa EBFG semelhante a D e semelhantemente situado.Complete a figura para obter o paralelogramo AG.

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20 JOAO PITOMBEIRA DE CARVALHO

Figura 25. Elementos VI-28

Se AG for igual a C, o que foi pedido esta feito, pois foi aplicada a linha reta dada AB, o paralelogramoAG igual a figura retilınea C e com falta de uma figura paralelogramica GB que e semelhante a D.

No caso contrario, seja HE maior do que C.Ora, HE e igual a GB, e portanto GB e maior do que C.Construa KLMN igual por um lado ao excesso de GB em relacao a C e semelhante, e semelhantemente

situado a D.Mas D e semelhante a GB, e portanto KM e tambem semelhante a GB. Faca KL corresponder a GE

e LM a GF .Entao, como GB e maior do que C, KM , GB sera maior do que KM . Portanto GE e maior do que

KL e GF e maior do que LM .Construa GO igual a KL, e GP igual a LM , e complete o paralelogramo OGPQ, que sera igual e

semelhante a KM .Portanto GQ e igual e semelhante a GB, e portanto esta construıda sobre a mesma diagonal que GB.Seja GBQ a diagonal. Como BG e igual a C, KM , e nestes, GQ e igual a KM , portanto, o restante,

o gnomon UWV e igual ao restante C.E, como PR e igual a OS, adicione QB a ambos; portanto o todo PB e igual ao todo OB.Mas OB e igual a TE, pois o lado AE e tambem igual ao lado EB; portanto, TE e tambem igual a

PB.Adicione OS a ambos; portant o todo TS e igual ao todo, o gnomon V WU .Mas ja foi mostrado que o gnomon V WU e igual a C; portanto TS e tambem igual a C.Assim, a linha reta dada AB, foi aplicado um paralelogramo ST igual a figura retilınea dada C e com

falta de uma figura paralelogramica QB que e semelhante a D.

Teorema 18. Elementos VI.29 Aplicar a uma linha reta dada um paralelogramo igual a uma figura retilınea

dada com excesso de um paralelogramo semelhante a um paralologramo dado.

Seja AB a linha reta dada, C afigura retilınea a qual a figura aplicada a AB tem que ser igual, e D afigura a qual o excesso deve ser semelhante (Figura 26).

Seja E o ponto medio de AB; descreva sobre EB o paralelogramo BF semelhante a D e semelhantementesituado. Construa GH igual a soma de BF e C e semelhantemente situado a D.

Sejam KH e KG correspondentes, respectivamente, a FL e a FE.Ora, como GH e maior do que FB, segue-se que KH e tambem maior do que FL e KG e maior do que

FE.Prolongue FL e FE, e sejam FLM igual a KH e FEN igual a KG, e complete MN . Entao MN e

simultaneamente igual e semelhante a GH.

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EQUIVALENCIA E APLICACAO DE AREAS NA MATEMATICA GREGA 21

Figura 26. Elementos VI.29

Mas GH e semelhante a EL; portanto MN e tambem semelhante a EL; e portanto EL esta sobre amesma diagonal que MN .

Trace a diagonal FO, e construa a figura.Como GH e igual a EL, C, enquanto que GH e igual a MN , portanto MN e tambem igual a EL, C.De ambos, subtraia EL; portanto o restante, o gomon XWV e igual a C.Ora, como AE e igual a EB, AN e tambem igual a NB [I.36], ou seja, a LP [I.43].Acrescente EO a ambos; o todo AO e igual ao gnomon V WX. Mas o gnomon V WX e igual a C;

portanto AO e tambem igual a C.Portanto, foi aplicada a linha reta AB o paralelogramo AO igual a figura retilınea C, com sobra de uma

figura paralelogramica QP que e semelhante a D, pois PQ e tambem semelhane a EL.

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22 JOAO PITOMBEIRA DE CARVALHO

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

(1) BOS, Henk J. M. - Redefining geometrical exactness : Descartes’ transformation of the early

modern concept of construction. New York: Springer, 2001.(2) BKOUCHE, Rudolf et Joelle DELATTRE - ”Pourquoi la regle et le compas”, in Comission Inter-

IREM, Histoire de problemes, Histoire des Mathematiques. Paris: -Ellipses, 1993.(3) HEATH, T.- A history of Greek mathematics, two volumes. New York: Dover, 1981.(4) KNORR, Wilbur Richard - The ancient tradition of geometric problems. Boston, Basel, Stuttgart:

Birkhauser, 1986.(5) LIMA,Elon Lages - Medida e forma em geometria. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de

Matematica, 2a ed., 1997.(6) SIMSON, Robert - Elementos de Euclides. Dos seis primeiros livros, do undecimo e duodecimo, da

versao latina de Frederico Commandino, addicionados e ilustrados por Roberto Simson, Professor

de Mathematica na Academia de Glasgow. Coimbra: Real Imprensa da Universidade, 1773. Comprivilegio real.

(7) SZABO, Arpad - L’aube des mathematiques grecques. Paris: Vrin, 2000.(8) UNGURU, Sabetai - “Does the quadratic equation have greek roots - I”, Libertas Mathematica,I,

1981, pp. 1 -39.(9) UNGURU, Sabetai - “Does the quadratic equation have greek roots - II”, Libertas Mathematica,II,

1982, pp. 1 -62.(10) van der WAERDEN, B. L.- Science Awakening I. Third edition. Gronigen: Wolters Noordhoff.

Centro Tecnico-Cientıfico, Departamento de Matematica, PUC - RJ.