epistemologia das redes e teoria das paixões em hume
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Epistemologia das redes sociais, analisando a influência das paixões no comportamento online segundo a teoria de David Hume.TRANSCRIPT
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
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Comit Cientfico da Srie Filosofia e Interdisciplinaridade:
1. Agnaldo Cuoco Portugal, UNB, Brasil
2. Alexandre Franco S, Universidade de Coimbra, Portugal
3. Christian Iber, Alemanha
4. Claudio Goncalves de Almeida, PUCRS, Brasil
5. Danilo Marcondes Souza Filho, PUCRJ, Brasil
6. Danilo Vaz C. R. M. Costa (UNICAP)
7. Delamar Jos Volpato Dutra, UFSC, Brasil
8. Draiton Gonzaga de Souza, PUCRS, Brasil
9. Eduardo Luft, PUCRS, Brasil
10. Ernildo Jacob Stein, PUCRS, Brasil
11. Felipe de Matos Muller, PUCRS, Brasil
12. Jean-Fraois Kervgan, Universit Paris I, Frana
13. Joo F. Hobuss, UFPEL, Brasil
14. Jos Pinheiro Pertille, UFRGS, Brasil
15. Karl Heinz Efken, UNICAP/PE, Brasil
16. Konrad Utz, UFC, Brasil
17. Lauro Valentim Stoll Nardi, UFRGS, Brasil
18. Michael Quante, Westflische Wilhelms-Universitt, Alemanha
19. Migule Giusti, PUC Lima, Peru
20. Norman Roland Madarasz, PUCRS, Brasil
21. Nythamar H. F. de Oliveira Jr., PUCRS, Brasil
22. Reynner Franco, Universidade de Salamanca, Espanha
23. Ricardo Timm De Souza, PUCRS, Brasil
24. Robert Brandom, University of Pittsburgh, EUA
25. Roberto Hofmeister Pich, PUCRS, Brasil
26. Tarclio Ciotta, UNIOESTE, Brasil
27. Thadeu Weber, PUCRS, Brasil
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Srie Filosofia e Interdisciplinaridade - 8
Tiago Porto
EPISTEMOLOGIA DAS REDES E A TEORIA DAS
PAIXES EM HUME
Porto Alegre
2014
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Direo editorial: Agemir Bavaresco
Diagramao e capa: Lucas Fontella Margoni
Imagem da capa: The Fortune Teller (1849) de
Francois Joseph Navez
Srie Filosofia e Interdisciplinaridade - 8
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
PORTO, Tiago
Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume [recurso
eletrnico] / Tiago Porto -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2014.
107 p.
ISBN - 978-85-66923-21-6
Disponvel em: http://www.editorafi.org
1. Hume, David. 2. Epistemologia. 3. Teoria das Paixes. 4. Axel
Honneth 5. Reconhecimento I. Ttulo. II. Srie.
CDD-120
ndices para catlogo sistemtico:
1. Epistemologia 120
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
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Dedico este trabalho a Mariana Figueira, irm e amiga;
a Mariana Benevit, meu porto seguro;
e, principalmente, a Mirian Porto:
me, esta vitria tambm tua!
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A sociedade em rede no o futuro que devemos alcanar como o prximo estgio do progresso humano, ao adotarmos o paradigma das novas tecnologias. a nossa sociedade, em diferentes graus, e com diferentes formas dependendo dos pases e das culturas. Qualquer poltica, estratgia, projeto humano, tem que partir desta base. No o nosso destino, mas o nosso ponto de partida para qualquer que seja o nosso caminho, seja o cu, o inferno ou, apenas, uma casa remodelada. (CASTELLS, 2005, p. 26)
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SUMRIO
1. INTRODUO ..................................................................... 13
2 EPISTEMOLOGIA DAS REDES E REDES SOCIAIS
NA INTERNET ........................................................................ 16
2.1 ONTOLOGIA RELACIONAL E A EPISTEMOLOGIA DAS
REDES ............................................................................................. 17
2.1.1 Sociedade em rede .................................................................... 18
2.1.2 Conhecimento em rede .............................................................. 23
2.2 REDES SOCIAIS ONLINE ......................................................... 34
3 TEORIA DAS PAIXES E AS REDES SOCIAIS ....... 39
3.1 DAVID HUME E A FORA DAS PAIXES ............................... 41
3.1.1 Paixes indiretas e o agrupamento nas redes sociais ................... 43
3.1.2 Vontade e paixes diretas nos movimentos sociais ..................... 60
3.2 A FORA DAS PAIXES NAS REDES SOCIAIS ........................ 73
4 APLICAO EMPRICA: RECONHECIMENTO E
INSURREIES ....................................................................... 76
4.1 TEORIA DO RECONHECIMENTO DE AXEL HONNETH ..... 77
4.1.1 Autorrelaes positivas ............................................................. 78
4.1.2 As formas de desrespeito e o sentimento de injustia .................. 82
4.2 PAIXES E INTERNET NAS INSURREIES
CONTEMPORNEAS ...................................................................... 88
5 CONSIDERAES FINAIS .............................................. 98
6 REFERNCIAS .................................................................... 102
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Tiago Porto
1. INTRODUO
Escolhemos o tema aps os resultados obtidos nas
reunies e debates no nosso grupo de pesquisas, onde
estudamos a relao entre o sentimento de injustia e as
insurreies contemporneas organizadas pelas redes
sociais da Internet. Visto a atualidade e efervescncia do
assunto, buscamos aprofundar nosso trabalho no formato
do presente estudo. A escolha do filsofo David Hume nos
mostrou ser acertada para nos proporcionar um referencial
terico importantssimo, ainda sendo um pensador que
dialoga com os nossos dias. Tal caracterstica define, sem
sobra de dvidas, a importncia de textos que no
envelhecem com a passagem dos tempos, nos fazendo
considerar o motivo que at hoje objeto de estudos em
diversos campos da filosofia. Conforme avanamos no
nosso trabalho, acompanhamos como as paixes exercem
uma influncia inestimvel na vida do ser humano. Assim,
nem todas nossas decises so tomadas de forma fria e
puramente racional, visto que o impulso dos afetos pode
direcionar as aes para fins diferentes daqueles que eram
esperados. Por isso no decorrer desta monografia,
trabalharemos a fim de explicitar este problema: Como os
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
indivduos podem obter conhecimento na Internet e em que medida
as paixes determinam as relaes em rede e as insurreies?.
Desde o seu nascimento, o ser humano encontra-se
incluso em uma rede: seja de forma primordial, em uma
famlia, ou em uma configurao mais complexa, como no
Estado, vivemos conectados outras pessoas. Na interao
do dia a dia, as redes comunicam-se entre si na medida que
transitamos entre elas, estabelecendo contato com nossos
semelhantes no mundo fsico e no mundo online.
Considerando que o ser humano um animal gregrio,
criamos redes sociais onde podemos interagir com outros
indivduos, seja visando instruo ou apenas
entretenimento. Com o advento da Internet, as fronteiras
comunicacionais foram derrubadas, dando a essas redes
sociais um carter internacional. Assim, quando o
panorama sociopoltico no corresponde s expectativas
dos habitantes de determinada localidade, a rede
internacional de computadores oferece um ambiente
privilegiado para a denncia de abusos, organizao de
manifestaes e insurreies populares.
No primeiro captulo do nosso estudo, iremos
tratar de uma epistemologia das redes e redes sociais da
Internet visando responder nossa primeira pergunta. Na
subseo inicial, elaboraremos uma ontologia das redes a
fim de reconstruir a evoluo social at a sociedade em rede
que caracteriza os dias atuais; em seguida, nos
debruaremos sobre a forma com que os indivduos
conectados rede internacional de computadores podem
construir seu conhecimento utilizando as informaes nela
disponveis. Na subseo seguinte, iremos nos ocupar de
que forma os indivduos se agrupam nas redes sociais online,
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Tiago Porto
ferramenta essa que possui um papel importante na
organizao de movimentos sociais nos dias de hoje.
Aps analisarmos os preceitos da sociedade em
rede, no segundo captulo do presente trabalho iremos nos
aprofundar na Teoria das Paixes desenvolvida pelo
filsofo escocs David Hume, tendo sempre em vista a
estruturao da resposta para a nossa segunda pergunta.
Inicialmente, iremos analisar os pontos mais importantes da
sua investigao sobre as paixes indiretas, diretas e a
questo da vontade, sempre relacionando nossa anlise
com as caractersticas encontradas nas redes sociais online e,
posteriormente, nos movimentos sociais organizados
sobretudo nesse ambiente virtual.
No terceiro captulo do nosso estudo, utilizaremos
a Teoria do Reconhecimento construda por Axel Honneth
para estipular um vis emprico para a demonstrao dos
efeitos das paixes nas lutas por reconhecimento, visto que
estas partem de um sentimento de desrespeito. Assim, no
incio do captulo, faremos uma breve reconstruo da
filosofia prtica de Honneth, focando no desrespeito como
impulso moral para as insurreies; em seguida,
analisaremos trs movimentos insurgentes Primavera
rabe, Occupy Wall Street e Movimento Passe Livre,
apontando a normatividade neles presentes e o efeito das
paixes.
Finalmente, a guisa de concluso, iremos retomar
os pontos anteriormente abordados a fim de assinalar a
importncia das paixes na sociedade em rede,
estabelecendo paralelos entre as filosofias de Hume e
Honneth e, portanto, sua coerente aplicabilidade nessa
nova configurao social.
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
2 EPISTEMOLOGIA DAS
REDES E REDES SOCIAIS NA
INTERNET
A epistemologia o campo da filosofia que estuda
as origens do conhecimento, assim como seus mtodos,
estruturas e formas de valid-lo; mas tambm possui outros
significados, inclusive o estudo da cincia, sendo
confundido eventualmente com o campo da Filosofia da
Cincia. Japiass e Marcondes a definem como
[...] uma disciplina proteiforme que, segundo as
necessidades, se faz 'lgica', 'filosofia do conhecimento',
'sociologia', 'psicologia', 'histria' etc. Seu problema
central, e que define seu estatuto geral, consiste em
estabelecer se o conhecimento poder ser reduzido a um
puro registro, pelo sujeito, dos dados j anteriormente
organizados independentemente dele no mundo
exterior, ou se o sujeito poder intervir ativamente no
conhecimento dos objetos. (JAPIASS;
MARCONDES, 2008, p. 88)
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Tiago Porto
Para o nosso trabalho, utilizaremos o termo
epistemologia para estudar de que maneira os indivduos
conectados rede internacional de computadores
conseguem obter conhecimento, ou seja, como se d o
processo de obteno de conhecimento pelo indivduo
vinculado s redes sociais e informacionais. Para tanto,
abordaremos inicialmente o que compreendemos como
ontologia relacional e os nveis de aprendizado que a
Internet nos proporciona; em seguida, analisaremos como
se d a aglutinao de indivduos dentro das redes sociais
online.
2.1 Ontologia relacional e a Epistemologia das
Redes
Quando imaginamos uma sociedade em rede,
pensamos sobretudo em uma cadeia relacional que, mesmo
possuindo polos especficos, se comunica com os demais.
Assim, se analisarmos a sociedade contempornea,
conseguimos visualizar a interdependncia entre as
inmeras formas de comunicao em rede. Dessa forma,
iremos expor os tipos mais comuns dessas ligaes, a fim
de descrever uma ontologia1 relacional; em seguida,
abordaremos uma epistemologia das redes, dissertando de
que maneira os indivduos podem acessar as informaes
disponveis sobretudo na Internet.
1 Utilizaremos no presente trabalho o termo ontologia no sentido de uma teoria do ser em geral, da essncia do real, conforme o verbete encontrado em JAPIASS, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionrio Bsico de Filosofia, 2008.
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
2.1.1 Sociedade em rede
O ser humano, desde o seu nascimento, participa de
uma comunidade que se interliga com diversas outras. A
sua famlia relaciona-se com seu bairro, que por sua vez se
relaciona com sua cidade, que se insere dentro de um
Estado. Dentro desse panorama, observamos que h uma
rede relacional nos nveis micro a famlia na qual
nascemos e macro o Estado que nos abriga. Isso nos
permite dizer que dentro de uma grande rede estabelecida,
encontramos ns diferenciados a partir do seu contexto.
Para o presente trabalho, nos interessa saber como que a
Internet se posiciona dentro desse panorama: seus efeitos e
influncia nos mais distintos conglomerados sociais. Iremos
agora investigar como estas micro redes se constituem
dentro da Era da Informao2.
Mas o que entendemos quando falamos em rede?
No livro A Galxia Internet (2003), o pesquisador espanhol
Manuel Castells a define da seguinte forma:
Uma rede um conjunto de ns interconectados. A
formao de redes uma prtica humana muito antiga,
mas as redes ganharam vida nova em nosso tempo
transformando-se em redes de informao energizadas
pela Internet. As redes tm vantagens extraordinrias
como ferramentas de organizao em virtude de sua
flexibilidade e adaptabilidade inerentes, caractersticas
2 Com o advento da Internet, os avanos tecnolgicos e o barateamento de equipamentos que facilitam a conexo rede, vivemos em uma era onde a informao facilitada. Assim, pesquisadores como Manuel Castells, entre outros, referem-se contemporaneidade como Era da informao.
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Tiago Porto
essenciais para se sobreviver e prosperar num ambiente
em rpida mutao. (CASTELLS, 2003, p. 7)
Esse conjunto de ns, lcito dizer, reflete-se em
diversos campos da sociedade: segurana, comunicao,
informao, finanas, e comrcio, por exemplo. Cada um
desses distintos setores so autnomos, o que no significa
que no estejam inter-relacionados ou que no influenciem
uns aos outros: comrcio e finanas possuem estreita
ligao, assim como informao e comunicao andam
juntas. O que entendemos por rede de segurana o
conjunto constitudo pelas foras armadas (exrcito,
aeronutica e marinha), a polcia e demais instituies
incumbidas de assegurar a proteo dos indivduos ou da
nao frente a aes criminosas ou hostis; a rede de
comunicao, engloba os principais veculos comunicativos
subsumidos no termo mdia: televiso, jornal, rdio e demais
meios encontrados pela Internet, tais como stios de
notcias ou blogs, por exemplo; como redes informacionais,
entendemos os meios que propiciam a obteno e uso
crtico e criativo de novas informaes pelos indivduos3; as
redes comerciais englobam os ncleos de empresas
mercantes, nacionais ou internacionais; e, finalmente, as
redes financeiras representam as bolsas de valores e bancos
que gerenciam as finanas de determinado local. Essas
formas de redes possuem uma caracterstica cosmopolita,
visto que esto presentes em praticamente todas as culturas.
3 Cf. MOURA, Maria Aparecida. Cultura informacional, redes sociais e lideranas comunitrias: uma parceria necessria. Disponvel em .
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
Com o crescente uso da Internet, o alcance dessas
redes tambm aumentou, ultrapassando as fronteiras dos
pases onde situavam-se. Assim, acompanhamos o
surgimento de uma nova sociedade: a sociedade em rede. Mas
ser que essa nova configurao apenas um reflexo do
mundo fsico no virtual? Castells (2005) discorda. Segundo
ele, nos primeiros anos do sculo XXI, a sociedade em
rede no a sociedade emergente da Era da Informao:
ela j configura o ncleo das nossas sociedades4. Posto de
outra forma, ela no apenas um espelhamento social na
Internet, mas a prpria sociedade, evoluda juntamente com
suas ferramentas. Em suma, podemos dizer que a sociedade
em rede [...] uma estrutura baseada em redes operadas
por tecnologias de comunicao e informao
fundamentadas na microeletrnica e em redes digitais de
computadores que geram, processam e distribuem
informao a partir de conhecimento acumulado nos ns
dessas redes5.
Vale observar que a sociedade em rede possui
caractersticas importantes quanto ao espao e tempo. Ela
ao mesmo tempo local, pois situa-se fisicamente em
determinado territrio onde existe uma rede cabeada ou
wireless; e global, pois seu contedo pode acessar ou ser
acessado de qualquer localidade no mundo. Quanto ao
tempo, ela vive o que Castells (2009) chama de timeless time:
o instantneo, tudo ocorre em tempo real. Assim,
possvel saber o que ocorre em um pas distante apenas
4 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede: do conhecimento poltica. In: CASTELLS, Manuel; CARDOSO, Gustavo (org.). A sociedade em rede: do conhecimento aco poltica. Belm: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2005 p. 19. 5 Idem, p. 20.
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Tiago Porto
acessando um stio que transmite eventos ao vivo, por
exemplo.
importante ressaltar que h uma estreita relao
entre sociedade em rede e poder. De acordo com o seu
livro Communication Power (2009), Castells defende que as
relaes de poder so os verdadeiros constituintes das
sociedades, visto que aqueles que o possuem configuram as
instituies de acordo com os seus interesses. A coero
assegura o poder, assim como a manipulao simblica e a
criao de significados que se estabelecero nas mentes dos
indivduos: o sujeito recebe uma fantasia pronta do que
melhor para si, sendo sugestionado a aceit-lo
passivamente. Apesar dessas estruturas de poder serem
encontradas em todas as instituies sociais, sobretudo no
Estado, elas no so aceitas de maneira unnime: dentro
das relaes de poder encontramos tambm o contrapoder,
que desempenha o seu contraponto. De acordo com
Bavaresco (2013), [...] os atores sociais reivindicam seus
valores e interesses opostos e plurais, isto , h uma disputa
pela criao da rede de significados no imaginrio das
pessoas6.
Contudo, segundo Castells, a rede em si no detm
poder: este est nas mos de atores com finalidades
bastante especficas. Primeiramente, temos os programmers,
indivduos ou grupos que configuram/reconfiguram os
objetivos das redes, decidem o que possvel fazer dentro
de cada uma delas e demandam instrues aos seus
subordinados. Cada programmer possui caractersticas
6 BAVARESCO, Agemir. Epistemologia das redes sociais, opinio pblica e teoria da agenda. In SOUZA, Draiton Gonzaga de; BAVARESCO, Agemir. Direito e Filosofia I. Porto Alegre: Letra & Vida, 2013. No Prelo.
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
prprias que se refletem nas redes: por exemplo, uma rede
militar no responde mesma configurao de uma rede
financeira. Em segundo lugar, temos os switchers, que so
responsveis pelos pontos de conexo entre diferentes e
estratgicas redes. Em outras palavras, so indivduos ou
grupos que organizam a sinergia entre diferentes redes que
podem assegurar um resultado comum: uma guerra
melhor justificada quando a rede de segurana age em
consonncia com a rede de comunicao, que por sua vez
ir apresentar os fatos que amparam o conflito, por
exemplo. Sobre esses dois tipos de controladores do
poder, diz Castells (2009): programmers and switchers are
those actors and networks of actors who, because of their
position in the social structure, hold network-making power,
the paramount form of power in the network society7. H,
tambm, um terceiro grupo bastante importante: os
gatekeepers. Estes so responsveis de filtrar as informaes
que entram ou saem das redes, o que interfere diretamente
no que os indivduos podem vir a conhecer, como veremos
mais adiante.
Tendo em vista as informaes expostas at aqui,
surgem importantes questes: como que essas redes, to
diversas em seus objetivos, agem quando buscam a
ampliao do seu poder? Qual o seu objetivo ltimo?
Bavaresco (2013) observa que
Essas redes elaboram estratgias de parceria e
competio, formando redes em torno de projetos
particulares ou globais. Elas tm, porm, um interesse
7 CASTELLS, Manuel. Communication power. New York: Oxford University, c2009, p. 47, grifo do autor.
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Tiago Porto
comum: controlar as regras da sociedade e a tomada de
decises, atravs de um sistema poltico que corresponda
aos seus interesses e valores. A disputa , de fato, entre
as vrias redes com a finalidade de regular o Estado em
funo de seus interesses especficos. (BAVARESCO,
2013, no prelo)
Em outras palavras, as redes podem trabalhar em
conjunto em prol de um objetivo comum: estabelecer
polticas internas e/ou estatais que proporcionem maiores
vantagens para aqueles que as controlam, sejam elas locais
ou at mesmo globais, visto que a Internet proporciona
uma sensvel diminuio das distncias entre os indivduos.
Acompanhamos at o momento como que se d
uma ontologia relacional que desemboca em uma sociedade
em rede, que detm a Internet como espinha dorsal. Vimos,
tambm que h uma relao estreita entre poder e essa
nova configurao social, que articulada por programmers,
switchers e gatekeepers. Contudo, apesar do controle desses
indivduos ou grupos, as pessoas imersas na rede
internacional de computadores encontram as mais diversas
informaes e, portanto, constroem conhecimento. Agora,
o foco do nosso trabalho ser como essas pessoas
encontram essas informaes, de que maneira elas esto
acessveis na web para aqueles que buscam instruo.
2.1.2 Conhecimento em rede
Apesar de haverem inmeras teorias que se ocupam
do problema do conhecimento, no nosso trabalho no
iremos dissertar respeito dessas correntes tericas. Nosso
foco aqui ser expor as formas com que os indivduos
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
conectados Internet podem obter informaes e, dessa
forma, adequar e/ou construir o seu conhecimento de
acordo com os contedos por eles encontrados. Assim, no
nosso trabalho realizaremos uma descrio fenomenolgica
da forma com que os indivduos imersos na rede
internacional de computadores a utilizam como uma fonte
para a sua autoinstruo.
Entre as formas atuais de comunicao social, a
Internet tem se mostrado uma ferramenta bastante eficaz.
Com a sua expanso, as oportunidades de obteno de
conhecimento por essa via multiplicaram-se,
transformando o acesso a diversos contedos facilitado.
No errado, portanto, falar de uma democratizao do
conhecimento. Devido a isso, corriqueiro o acesso a
informaes noticiadas em qualquer parte do mundo sem
sair de casa, bastando apenas alguns poucos clicks. Se h a
necessidade de esclarecimento acadmico, basta a inscrio
em algum curso online ou procurar algum vdeo explicativo
sobre a matria a qual se deseja obter instruo.
Encontramos na rede inmeras revistas cientficas que
disponibilizam seus artigos para leitura, alm de material
que abrange a todas as reas de conhecimento. Seja para o
lazer ou para o estudo, o indivduo encontra de tudo na
Internet. Assim, inegvel a influncia e a potencialidade
que a rede internacional de computadores possui. Contudo,
algumas perguntas so bastante pertinentes: como os
indivduos conectados rede podem se instruir? Quais so
os nveis de conhecimento dispostos na Internet? Podemos
utilizar a Internet como instrumento para reformas
polticas? Veremos seguir como essas questes podem ser
adequadamente respondidas.
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Tiago Porto
Podemos afirmar que atravs da interao com
outros usurios ou com stios especficos, os usurios
estabelecem contato com os mais diversos temas,
focalizando naquilo que mais os interessam. Assim, de
acordo com a orientao do usurio, possvel obter uma
grande gama de conhecimento, seja ele prtico ou
acadmico. Partindo do interesse do usurio conectado
rede por determinado assunto, seu conhecimento comea a
se construir mediante uma relao dialtica: o indivduo
apresenta interesse por um tema, entra em contato com ele
pela rede e o sintetiza em conhecimento.
O carter multifacetado proporcionado pela
Internet oferece um amplo horizonte para a formao do
indivduo nela imerso. Contanto que saiba onde e como
encontrar a informao que se deseja, no h limites para o
desenvolvimento do sujeito. Encontramos na rede
internacional de computadores as mesmas instituies que
temos no mundo fsico, porm com um alcance ainda
maior, visto o seu carter global. Aqui, tambm existe a
mediao de programmers, switchers e gatekeepers: em
determinadas redes, o controle maior; noutras,
praticamente inexistente. No que tange o aprendizado
propriamente dito, podemos dizer que a Internet a dispe
em diferentes nveis. Assim, optamos por focar em trs,
dos quais acreditamos serem os mais relevantes: a) tcnico,
b) comunicacional e c) poltico.
a) Nvel tcnico
Observamos que a web 2.0 nos oferece uma nova
configurao da rede, proporcionando um modelo
colaborativo entre os indivduos a ela conectados no
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
processo comunicacional. Dessa forma, a hegemonia das
chamadas mdias tradicionais8 ou velha mdia (televiso, rdio e
jornais impressos) acabou sendo abalada, visto que o
sistema de comunicao vertical baseado em poucos
transmissores e muitos receptores est gradativamente
sendo substituda por um sistema horizontalizado e mais
democrtico. Os indivduos no necessitam aguardar pela
prxima edio do jornal para se atualizar quanto aos
acontecimentos do mundo, basta conectar-se Internet que
as notcias so facilmente encontradas. Outro fator que
influi diretamente nessa alterao do paradigma
informacional a velocidade: na web vive-se o tempo do
agora, os fatos so noticiados em tempo real.
Alm desses fatores, o desenvolvimento
tecnolgico e o barateamento de equipamentos que
propiciam o acesso rede contribui diretamente na
incluso de indivduos nas mdias independentes: os fatos
podem ser divulgados seja pelo meio de blogs, redes sociais
ou uploads de vdeos de forma crua, sem edio ou alguma
imposio de filtros preestabelecidos por empresas de
comunicao social. Dentro desse novo cenrio pluralista,
qualquer indivduo pode tornar-se um produtor de
informao, criticar ou relatar sua verso dos fatos.
Conforme observa Bavaresco (2013),
Com essa mudana de contexto tecnolgico, e at
econmico, com o barateamento dessas tecnologias, a
mdia independente passa a ser vivel e autossustentvel,
tendo visibilidade para influir na formao e
8 Para fins metodolgicos, iremos trabalhar com esta nomenclatura quando nos referirmos aos meios de comunicaes tradicionais.
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Tiago Porto
diversificao da opinio pblica, posicionando-se
criticamente face grande empresa jornalstica.
(BAVARESCO, 2013, no prelo)
Frente a essa nova configurao no fluxo de
informaes, as grandes empresas de mdia tradicional
tiveram de se modernizar, articulando suas orientaes s
novas mdias de vrias formas possveis. Atualmente, todas
as empresas do ramo jornalstico possuem stios na Internet
e postam informaes rapidamente, seguindo a normativa
da rede, conforme veremos a seguir.
Na Internet tambm encontramos outras formas de
informao tcnica, direcionada a tarefas especficas. Nos
chamados FAQs9 e em tutorias, so disponibilizadas
informaes respeito de praticamente qualquer assunto:
desde como trocar uma resistncia de chuveiro at como
fabricar bombas caseiras. Esta espcie de material pode ser
encontrada em diversos formatos, seja ele textual ou em
vdeo por exemplo, ficando ao gosto do indivduo
interessado pela informao decidir o qual melhor o agrada.
Nesse mesmo aspecto, tambm corriqueiro encontrar
aulas das mais variadas disciplinas, o que pode influenciar
diretamente no aumento do nvel de educao do sujeito
que procura expandir seus conhecimentos em
determinados campos do saber.
9 Sigla proveniente do ingls Frequently Asked Questions, abarca questes comumente perguntadas quanto ao funcionamento de determinado item. Essas FAQs geralmente so encontradas em sites de equipamentos ou de softwares, mas no se limitam a eles.
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
b) Nvel comunicacional
O advento da Internet causou uma grande mudana
no campo comunicacional, mudando a estrutura
verticalizada de comunicao que era estruturada no fluxo
de poucos emissores para vrios receptores (modelo este
amplamente utilizado pelas mdias tradicionais) para uma
horizontalizada, onde temos vrios emissores para vrios
receptores em interao constante. Alm disso, as
informaes difundidas nessa forma pluralizada no
recebem os filtros que os grandes grupos da mdia utilizam
quando selecionam o que pertinente ser comunicado.
Essa nova configurao, caracterizada pela troca de
mensagens em tempo real de muitos para muitos o que
Castells (2009) chama de mass self-communication:
It is mass communication because it can potentially
reach a global audience []. At same time, it is self-
communication because the production of the message
is self-generated, the definition of the potential
receiver(s) is self-directed, and the retrieval of specific
messages or content from the World Wide Web and
eletronic communication networks is self-selected.
(CASTELLS, 2009, p. 55)
Assim, a Internet proporcionou um terreno onde a
mdia independente pudesse surgir e difundir-se. Por mais
que as mdias tradicionais ainda detenham poder na
formao de opinio, cada vez mais os independentes
ganham espao, fortalecendo sua capacidade de influenciar
os indivduos que neles buscam uma fonte de informao
alternativa. Portanto, lcito dizer que existe uma
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Tiago Porto
democratizao da mdia online, trazendo na vanguarda a
diversidade e a multidimensionalidade da informao.
Podemos dizer, ento, que a mdia independente
responsvel por uma contradio no discurso estabelecido
pelas mdias tradicionais. Bavaresco (2013) observa que h
a produo de um contradiscurso, que surge nos blogs, nas
listas de e-mails, dos sites, da mdia independente,
implementando a contradio na opinio pblica. Difunde-
se uma contrainformao com uma rapidez muito grande,
o que seria impossvel se no houvesse a Internet10.
Com essa mudana de paradigma provocado pela
rede internacional de computadores, o conceito de
jornalismo teve de ser repensado11. Antigamente, o
jornalista fazia a sua investigao e preparava a sua matria,
seguindo os interesses do seu jornal; tudo aquilo que no se
adequasse ao perfil ideolgico da empresa, era rapidamente
descartado da pauta, configurando uma atitude excludente.
Contudo, com a possibilidade de um acesso
horizontalizado pela Internet, onde os indivduos podem
no somente buscar as informaes que os jornais no
cobrem, mas tambm checar se as fontes so confiveis ou
se a leitura dos fatos no tendenciosa, essa atitude teve de
ser revista. Com a divulgao da notcia na rede, o leitor j
pode interagir com o jornalista, expondo a sua opinio
10 BAVARESCO, Agemir. Epistemologia das redes sociais, opinio pblica e teoria da agenda. In SOUZA, Draiton Gonzaga de; BAVARESCO, Agemir. Direito e Filosofia I. Porto Alegre: Letra & Vida, 2013. No Prelo. 11 Existem posies a favor e contra uma suposta mudana na forma com que o jornalismo feito aps o advento da Internet. Para os fins deste trabalho, que no pretende aprofundar esse debate, assumiremos como verdadeira essa mudana.
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30
Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
quanto ao fato abordado. Dessa forma, o jornalismo passa
para uma configurao inclusiva, onde o papel do leitor,
que antes era passivo, passa a ser interativo e considerado
frente as polticas do jornal. Alm disso, h uma gama de
jornalistas em interface com as redes sociais, designados
pelas empresas para monitorar o que ocorre nelas,
mantendo assim um contato com o que est sendo
discutido no momento.
importante ressaltar que a Internet quebrou a
hegemonia da informao das mdias tradicionais,
transformando todo indivduo conectado rede em uma
fonte informativa em potencial. Seja por e-mails, blogs,
fruns ou redes sociais, cada sujeito online pode noticiar
fatos ocorridos na sua localidade ou em qualquer lugar do
mundo, de forma bruta e sem edio, focalizando
diretamente no seu pblico-alvo. Seguindo esse raciocnio,
Bavaresco (2013) ressalta que o ecossistema de mdia est
em mutao, pois se o anterior era baseado na escassez de
informaes, o novo baseia-se na abundncia e no
pluralismo12.
c) Nvel poltico
No nvel poltico, a rede internacional de
computadores tem servido como campo de denncias
contra abusos governamentais, militares ou corporativos,
pondo em cheque a maneira com que se faz poltica.
Grupos como o Wikileaks se especializam em vazar
informaes de interesse pblico, denunciando inmeras
irregularidades at ento confidenciais. Uma vez expostos
12 Idem.
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31
Tiago Porto
estes dados, o debate em esfera pblica se expande,
levando os indivduos a questionar, entre outras coisas, a
validade dos sistemas de representao poltica em vigor.
No podemos, claro, por a culpa dessa crise de
representatividade nos grupos que trazem tona esses
tpicos, visto que essas informaes no so forjadas: o
problema reside nas atividades desempenhadas pelos
representantes do poder. Dessa forma, a Internet se torna
tambm uma ferramenta de oposio contra as decises
unilaterais dos governantes, uma vez que alm de possuir
um carter comunicacional, tambm detm o poder de
agregar os indivduos sob um mesmo objetivo.
Leonardo Sakamoto (2013) observa que os polticos
tradicionais tm uma grande dificuldade em assimilar como
os movimentos sociais podem se articular pela Internet,
sobretudo pelas redes sociais, pois estes as veem apenas
como um terreno para marketing pessoal ou um meio de
fluir informao e, assim, influenciar seus eleitores13.
Existem tambm os polticos que acreditam que as redes
sociais so entidades fechadas em si mesmas e no
plataformas de construo polticas, uma vez que no so
mediadas pelos meios tradicionais de comunicao. Tendo
isso em vista, o jornalista argumenta que
Essas tecnologias de comunicao no so apenas
ferramentas de descrio, mas sim de construo e
reconstruo da realidade. Quando algum atua atravs
de uma dessas redes, no est simplesmente reportando,
mas tambm inventando, articulando, mudando. Isto,
13 Cf. SAKAMOTO, Leonardo. Em So Paulo, o Facebook e o Twitter foram s ruas. In Cidades Rebeldes. So Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013, p. 95.
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32
Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
aos poucos, altera tambm a maneira de se fazer poltica
e as formas de participao social. (SAKAMOTO, 2013,
p. 95)
Portanto, a Internet deixa de ter apenas as supostas
dimenses do entretenimento e da comunicao, passando
a exercer tambm uma influncia poltica. Pelas redes
sociais e fruns online, os indivduos descontentes com as
aes governamentais organizam protestos e manifestaes,
decidindo a pauta das reivindicaes a serem feitas. Se o
nmero de participantes expressivo e o objetivo
universalizvel, o objetivo desses grupos acaba
influenciando a opinio pblica e fora uma mudana por
parte dos governantes. inegvel, portanto, o poder que a
Internet possui se bem empregada.
Com esse panorama poltico estabelecido, vemos
gradativamente emergir da rede internacional de
computadores uma nova alternativa democrtica: a e-
democracy. Esta nova modalidade poltica representa um
controle maior por parte dos cidados e uma participao
mais ativa nas decises governamentais e na criao de
novas leis. Considerando o seu carter global, j que ela
supe uma maior interao entre cidados e governantes
mediada pela Internet, podemos dizer que sua
aplicabilidade possvel em pequenas comunidades,
estados, naes e at mesmo em um panorama mundial.
Com a interferncia direta dos indivduos, a e-democracy
proporciona um horizonte onde uma experincia de
democracia direta seria possvel14. Para citar um exemplo,
14 Cf. verbete disponvel em .
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33
Tiago Porto
podemos falar sobre a Islndia: aps a crise de 2008, o pas
passou por uma grande reformulao poltica. Aps
elegerem 25 representantes sem vnculos com partidos
polticos, estes ficaram responsveis de reescrever a Carta
Magna do pas, que depois de pronta seria revista pelo
poder judicirio. As assembleias e a confeco do
documento foram transmitidas ao vivo pela Internet, que
tambm permitiu que os demais habitantes islandeses
pudessem opinar nas decises dos seus representantes.
The CAC15 sought the participation of all citizens via the
Internet. Facebook was the primary platform for debate.
Twitter was the channel to report on the work in
progress and to respond to queries from citizens.
YouTube and Flickr were used to set up direct
communication between citizens and the council
members, as well as to participate in debates taking place
throughout Iceland. (CASTELLS, 2012, p. 39)
Dessa forma, o grupo responsvel pela nova
constituio recebeu um nmero aproximado de 16.000
sugestes e comentrios online e offline, debatidas
amplamente nas redes sociais. Como resultado, foram
escritas 15 verses do documento, levando em
considerao a amplido dos seus resultados16. Assim,
pode-se dizer que o documento final foi, literalmente,
produzido atravs de um processo de crowdsourcing17.
15 Constitutional Assembly Council, nome dado ao grupo de pessoas sem vnculos polticos eleitas pelos habitantes para trabalharem na elaborao de uma nova constituio. 16 Ibidem. 17 Processo colaborativo entre pessoas conectadas Internet.
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
2.2 Redes sociais online
Entre as caractersticas da rede internacional de
computadores, hoje em dia uma das mais importantes a
sua capacidade de agrupar os mais diferentes indivduos nas
chamadas redes sociais18: sites de relacionamento que
recebem usurios das mais diversas nacionalidades, credos
ou etnias. Uma vez inserido nessas redes, o sujeito
consegue estabelecer contato direto com pessoas
localizadas nos pontos mais remotos, contando apenas que
haja um ponto de conexo rede. Nelas, o fluxo de
informaes horizontalizado, permitindo com que cada
pessoa seja ao mesmo tempo receptor e transmissor de
novos dados. Manuel Castells afirma que
[] the most important activity on the Internet
nowadays goes through social networking sites (SNS),
and SNS have become platforms for all kinds of
activities, not just for personal friendships or chatting
but for marketing, e-commerce, education, cultural
creativity, media and entertainment distribution, health
applications, and, yes, socio-political activism. [] The
key to the success of an SNS is not anonymity, but on
the contrary, self-presentation of a real person
connecting to real persons. People build networks to be
with others, and to be with others they want to be with,
on the basis criteria that include those people who they
18 Utilizaremos o termo rede social para designar uma rede de computadores, cabeada ou no, que conecta uma rede de pessoas, grupos ou organizaes, conforme , acesso em outubro de 2013.
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35
Tiago Porto
already know or those they like to know. (CASTELLS,
2012, p. 232)
Dentre essas redes, atualmente as mais acessadas
so o Facebook e o Twitter. Visto seu carter social, esses
stios de relacionamento tm sido muito utilizados na
organizao de eventos, assim como na articulao de
protestos e manifestaes pblicas. Nas redes de
relacionamento da internet encontramos inseridos atores
sociais com grande carisma e influncia, formadores de
opinio habilidosos. Estes ditam aos seus seguidores o que
correto pensar, consumir ou experienciar. Porm, essas
caractersticas dos novos atores no sinal de necessria
futilidade: aqueles engajados em causas sociais conseguem
ser ouvidos com maior facilidade e agregam rapidamente
indivduos descontentes com determinados panoramas s
suas lutas por reconhecimento.
Nas redes sociais, o fluxo de novas informaes
constante. De posse delas e visto a possibilidade de
interao com inmeros indivduos, a capacidade de
articulao gil de movimentos insurgentes contra
desrespeitos sofridos se torna uma realidade. Em tempos
passados, as insurreies populares contavam com a
articulao de atores histricos envolvidos nas lutas sociais,
representados pelo movimento sindical ou por grupos anti-
racismo, por exemplo. Tais associaes desempenhavam o
papel de agregar luta os indivduos da comunidade,
evidenciar a matriz moral de suas lutas sociais e tornar
coesas as reivindicaes dos movimentos aos quais estavam
vinculados. Hoje em dia, inegvel que as redes sociais da
Internet desempenham esse mesmo papel; tal caracterstica
a torna, atualmente, um ator histrico poderosssimo. Se
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
analisarmos suas vicissitudes, veremos que ela centraliza
vrias caractersticas importantes para um movimento
social: agilidade no fluxo de informaes, capacidade de
agregar novos indivduos, internacionalidade, visibilidade,
facilidade na articulao estratgica e instruo.
Alm disso, Manuel Castells (2012) observa que
fazer parte de uma rede social cria um sentimento de unio
entre os sujeitos, ponto central para a superao de medos
e na descoberta da esperana19. Isso ressalta a influncia
exercida pelas paixes nas decises tomadas pelos
indivduos imersos nas redes sociais, visto que o
sentimento de unio ajuda a combater o medo opressor
que a solido traz consigo e, ao compartilhar sentimentos e
vivncias, um novo horizonte se abre proporcionando a
esperana de que determinados fatos mudem. Assim,
nascem movimentos sociais dentro e fora da rede
internacional de computadores. Quanto ao poder das
emoes em principiar esses movimentos, o socilogo
espanhol Manuel Castells afirma no seu livro Networks of
Outrage and Hope (2012) que os movimentos sociais so
sobretudo emocionais, visto que para a ecloso dos
mesmos ocorre aps a passagem da emoo para a ao.
[] social movements are emotional movements.
Insurgency does not start with a program or political
strategy. This may come later, as leadership emerges,
from inside or from outside the movement, to foster
political, ideological and personal agendas that may or
may not relate to the origins and motivations of the
participants in the movement. But the big bang of a
19 Cf. CASTELLS, Manuel. Networks of outrage and hope. Malden: Polity, 2012, p. 225.
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Tiago Porto
social movement starts with the transformation of
emotion into action. (CASTELLS, 2012, p. 13)
Segundo suas observaes, as emoes mais
relevantes para uma mobilizao social e comportamento
poltico so o medo e o entusiasmo, que causam efeitos
negativos e positivos consecutivamente ligados a dois
sistemas motivacionais bsicos: a aproximao e a
evitao20. O primeiro sistema est ligado busca por
satisfao de metas que podem trazer experincias
compensativas ao indivduo. Dessa forma, os indivduos
sentem-se entusiasmados ao compartilhar de um objetivo
que traria um bem comum todos. Da notamos uma
estreita ligao entre o entusiasmo e o sentimento de
esperana. Contudo, para que o entusiasmo e esperana
possam se fortalecer, necessrio que a ansiedade, fruto do
sistema de evitao, seja superada. A ansiedade uma
resposta a uma ameaa externa que oprime o indivduo. Ela
est ligada diretamente ao medo paralisante que impede a
ao. Porm, a superao da ansiedade pode eventualmente
provocar outro sentimento negativo: a raiva. Esta pode
aumentar com a percepo de aes injustas e a
identificao dos autores desses atos21.
Com os argumentos apresentados, conclumos esse
captulos descrevendo de que forma os indivduos
conectados rede internacional de computadores podem
construir seu conhecimento, respondendo assim primeira
pergunta que norteia o nosso trabalho. Nos voltando para a
20 Para o presente trabalho, optamos em traduzir os termos approach e avoidance como aproximao e evitao. 21 Cf. CASTELLS, Manuel. Networks of outrage and hope. Malden: Polity, 2012, p. 14.
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
segunda questo, observamos que conforme os resultados
dos estudos de Castells assinalam, podemos afirmar que as
paixes esto fundamentalmente presentes nos
movimentos sociais. Assim, o estudo da Teoria das Paixes
desenvolvida por David Hume parece uma seara profcua
para compreendermos a influncia dos afetos nas decises
tomadas pelos indivduos imersos nas redes sociais online na
Era da Informao. Portanto, iremos a seguir analisar os
pontos mais importantes desta teoria, buscando assinalar a
sua influncia nas decises dos indivduos imersos nas
redes sociais online e nas insurreies organizadas nesse
territrio virtual.
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Tiago Porto
3 TEORIA DAS PAIXES E
AS REDES SOCIAIS
O escocs David Hume viveu no sculo XVIII e
desenvolveu um sistema filosfico baseado na empiria. Os
alicerces do seu pensamento so estabelecidos no Tratado da
Natureza Humana, publicado por ele aos 26 anos; contudo,
o escrito obteve uma recepo fraca, aqum de suas
expectativas, fazendo com que Hume alegasse
posteriormente que sua obra nascera natimorta. Alm
disso, por duas vezes a ele foi negada ctedra de filosofia na
Universidade de Edimburgo. Aps esses eventos, deixou a
produo filosfica de lado momentaneamente,
trabalhando como preceptor de um jovem nobre e
posteriormente como secretrio do general Saint Claire;
finalmente, ocupou o cargo de guarda livros da biblioteca
da faculdade de advocacia de Edimburgo. O sucesso no o
alcanou devido a sua produo filosfica, mas aps a
publicao do grande estudo histrico The History of
England, que levou aproximadamente quinze anos para ser
concludo; ainda hoje, historiadores defendem ser uma das
melhores obras sobre a histria britnica.
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
No campo da filosofia, Hume escreveu sobre
diversos temas: epistemologia, esttica, moral, poltica e
religio. Entre seus livros publicados de maior relevncia,
podemos citar alm do Tratado, Investigao sobre o
Entendimento Humano, Investigao sobre os Princpios da Moral,
Dissertao sobre as Paixes22 e Histria Natural da Religio.
Quanto a sua maior obra, David Hume dividiu o Tratado
em trs livros: o primeiro refere-se a uma epistemologia
empirista, ou seja, uma teoria do conhecimento calcada no
que podemos conhecer da realidade atravs dos dados dos
sentidos; o segundo livro, nosso foco nesse trabalho,
aborda a fora das paixes e como elas surgem e se
relacionam, sendo os resultados desse estudo o pilar de
sustentao para o terceiro e ltimo livro, que trata de
investigar como a moral est subordinada a teoria das
paixes.
Na progresso do presente captulo, analisaremos
os pontos mais importantes de seu sistema filosfico
relacionado s paixes, os quais podemos encontrar
conexes com o desenrolar das associaes de indivduos
pelas redes sociais, inter-relacionando a teoria do filsofo
com o atual panorama da sociedade em rede. Dessa forma,
iremos estudar a fora das paixes segundo David Hume,
22 Aps a recepo morna recebida pelo Tratado, Hume ocupou-se nos anos seguintes em revisar os trs livros que constituem o corpus da sua obra, impulsionado pela desconfiana de que tal reao poderia se derivar da incompreenso de algumas passagens. Dessa forma, os livros Investigao sobre o Entendimento Humano, Investigao sobre os Princpios da Moral e a Dissertao sobre as Paixes derivam da reviso reflexiva empregada por Hume. Contudo, essas obras no se opem aos escritos no Tratado, apenas trazem novas luzes aos problemas anteriormente constituindo uma clarificao conceitual desse material.
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Tiago Porto
visando a) acompanhar a teoria que define as paixes
indiretas, verificando sobretudo os efeitos causados pelo
orgulho, humildade, amor, dio e suas paixes derivadas; b)
analisar a questo da vontade e a definio humeana das
paixes diretas; e, finalmente, c) encerraremos o captulo
traando um paralelo entre a Teoria das Paixes e as redes
sociais.
3.1 David Hume e a fora das paixes
Hume no decorrer do primeiro livro do Tratado
estabelece uma distino importantssima para a sua
filosofia entre impresses e ideias. As impresses provm
diretamente dos dados obtidos atravs dos sentidos,
marcados com vividez na nossa mente. J as ideias so
processos mentais que derivam dessas impresses, porm
de formas no to ntidas, mais apagadas do que as
impresses originais. Por exemplo, a ma que por ventura
comemos aps o almoo de hoje nos causa uma impresso
forte: sua cor rica de matizes avermelhadas, seu sumo
possui um misto de doura e acidez, sua consistncia
firme etc. Contudo, daqui a uma semana, a ideia que
teremos dessa mesma ma ser bastante difusa: no
lembraremos com exatido da sua cor, das caractersticas
do seu sumo ou da sua consistncia.
No segundo livro do Tratado, Hume ocupa-se das
paixes. Para o estudo destas, o autor ir traar uma
distino entre as impresses. Segundo a sua teoria, elas
podem ser de sensao/originais ou reflexivas/secundrias.
As impresses de sensao provm dos meios empricos,
como por exemplo os dados dos sentidos, prazeres e dores
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
corporais, necessitando diretamente de causas naturais
fsicas, no sendo o foco do seu trabalho nesta parte do
livro visto que concernem Filosofia da Natureza. J ao
grupo das impresses reflexivas pertencem as paixes e
outras emoes variadas, provenientes das impresses de
sensao seja de forma imediata ou partir de uma
interposio de ideias. Este grupo ser o objeto de estudo
da sua investigao, sofrendo uma nova diviso em duas
categorias: as calmas e as violentas.
Do primeiro tipo so o sentimento [sense] do belo e do
feio nas aes, composies artsticas e objetos externos.
Do segundo so as paixes de amor e dio, pesar e
alegria, orgulho e humildade. Essa diviso est longe de
ser exata. O enlevo potico e musical atinge com
frequncia grandes alturas, enquanto aquelas outras
impresses, chamadas propriamente de paixes, podem
se atenuar at se transformarem em emoes to suaves
que passam de alguma maneira despercebidas. (HUME,
2009, p. 310, grifo do autor)
O autor observa que as paixes podem ser divididas
em diretas e indiretas. As diretas so as que surgem
imediatamente da experincia de bem ou mal, da sensao
de dor ou prazer; j as indiretas seguem a mesma lgica,
contudo surgem pela conjuno de outras qualidades.
Segundo sua definio, encontramos entre as paixes do
primeiro grupo o desejo, a averso, a tristeza e a alegria; no
segundo grupo, aparecem o orgulho, a humildade, o amor,
o dio e a inveja, entre outros.
Partindo da ordenao original do livro, iremos
primeiramente abordar as paixes indiretas, sobretudo suas
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43
Tiago Porto
manifestaes mais importantes; em seguida, iremos
abordar as paixes diretas e a questo da vontade, sempre
estabelecendo no final de cada exposio terica paralelos
entre os itens e as redes sociais online.
3.1.1 Paixes indiretas e o agrupamento nas redes
sociais
Principiaremos a exposio referente s paixes
indiretas pelo orgulho e pela humildade, afetos mais simples
que no permitem uma grande variao, passando a seguir
para amor, dio e suas derivaes, considerando tambm as
paixes que possuem alguma gradao delas na sua
constituio. Ao final de cada item, investigaremos como
essas paixes so desenvolvidas dentro dos stios de
relacionamento da Internet.
a) Orgulho e humildade
Hume observa que as paixes orgulho e humildade
possuem como objeto o eu, ou seja, [...] aquela sucesso de
ideias e impresses relacionadas, de que temos memria e
conscincia ntima.23. Contudo, elas so opostas e no
podem surgir ao mesmo tempo, visto que suas foras
equivalentes fariam com que se aniquilassem mutuamente.
Tendo em vista essa disputa de foras, o autor busca definir
as diferentes razes que as provocam, pois a paixo se situa
entre as ideias de causa e o seu objeto. Entre as causas do
orgulho, so descritas as qualidades mentais de valor,
23 HUME, David. Tratado da natureza humana. 2ed., So Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 311.
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
imaginao, juzo, memria ou temperamento (coragem,
justia, bom-senso, etc), assim como atributos fsicos tais
como beleza, fora ou habilidades manuais; j os seus
opostos, esses pertencem s causas da humildade. No
obstante, essas paixes ainda se estendem a quaisquer
objetos que tenham relao ou ligao conosco, como pas,
famlia, amigos ou bens pessoais.
Conforme a teoria humeana, existem trs
propriedades distintas que constituem a natureza humana e
influenciam na gerao das paixes: a associao de ideias, a
associao de impresses e o duplo impulso. De acordo com o
estudo, a mente humana no capaz de manter a sua
ateno voltada a uma nica ideia por muito tempo, nem
mesmo com muito esforo. Temos, portanto, a
predisposio de mudar o foco dos nossos pensamentos,
mas no de maneira catica e desordenada.
A regra segundo a qual procedem consiste em passar de
um objeto quele que lhe semelhante ou contguo, ou
que produzido por ele. Quando uma ideia est
presente imaginao, qualquer outra ideia unida
primeira por essas relaes segue-a naturalmente, e
penetra com mais facilidade em virtude dessa
introduo. (HUME, 2009, p. 317)
Dessa forma, notamos como as ideias transitam
entre si, seja por meio da semelhana ou de derivaes,
dando origem associao de ideias.
A associao de impresses nos diz que impresses
semelhantes se conectam entre si, ou seja, quando uma
impresso surge outras a acompanhem logo em seguida.
Assim como no caso anterior, nossa mente no se
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Tiago Porto
comporta de forma constante, logo que uma paixo se faz
presente ela no consegue se limitar a ela puramente, sem
passar a uma paixo parecida. Isso demonstra, portanto,
que existe uma atrao ou uma associao entre as
impresses, ao modo que h entre as ideias; contudo, h
uma diferena importante entre os dois tipos: a associao
entre ideias se d mediante semelhana, causalidade e
contiguidade, enquanto a associao entre impresses
ocorre apenas por semelhana.
Finalmente, o duplo impulso mostra que as duas
espcies de associao funcionam melhor quando operam
em conjunto, favorecendo a transio quando elas
coincidem no mesmo objeto. Quando encontram um
objeto em comum, as ideias concorrem com os princpios
que agem sobre as paixes, conferindo conjuntamente um
duplo impulso mente. Desse novo impulso surge uma nova
paixo, dotada de uma intensidade maior e capaz de uma
transio mais fcil e natural da antiga para a corrente.
Uma vez estabelecidas os princpios geradores das
paixes, Hume investiga as causas do orgulho e da
humildade, que segundo ele podem ser abordadas como
qualidades operantes ou sujeitos onde essas qualidades se
encontram. Ao estudar essas qualidades, observa-se que
elas contribuem na produo das sensaes de prazer e dor:
a beleza de nosso corpo nos provoca orgulho, alm de uma
sensao prazerosa; j a feiura nos provoca sensaes
contrrias, sendo elas a humildade e a dor. Baseados no
princpio de induo24, tomamos por correto pensar que
24 Hume critica na sua obra o princpio da induo, argumentando que no passa de um efeito dos hbitos sobre a imaginao. Ao nos acostumarmos a ver uma conjuno
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
toda a causa de orgulho nos provoca prazer e toda a causa
de humildade traz consigo sofrimento. Essas qualidades
podem ou ser parte de ns mesmos ou estarem
relacionadas conosco de alguma forma. Contudo, se essas
caractersticas fossem transferidas para determinado sujeito
ou objeto que no possui nenhuma espcie de ligao
conosco, no influenciariam nos afetos por no possurem
relevncia alguma para ns.
Em suma,
Comparo, portanto, essas duas propriedades estabelecidas
das paixes a saber, seu objeto, que o eu, e sua
sensao, que prazerosa ou dolorosa com as duas
propriedades supostas das causas sua relao com o eu e
sua tendncia a produzir dor ou prazer,
independentemente da paixo [...]. A causa que suscita a
paixo est relacionada com o objeto que a natureza
atribuiu paixo; a sensao que a causa produz
separadamente est relacionada com a sensao da
paixo. Dessa dupla relao, de ideias e impresses,
que deriva a paixo. Uma ideia converte-se facilmente
em sua ideia correlata; e uma impresso, naquela outra
impresso que se assemelha e corresponde a ela.
(HUME, 2009, p.321, grifo do autor)
Antes de prosseguirmos importante ressaltar dois
pontos. Primeiro, o autor considera que a fisiologia
humana traz em si uma predisposio a produzir paixes e
ideias, dado todo o nosso aparato corpreo: o olfato nos
constante entre objetos ou aes, inferimos dessas observaes uma ligao entre eles ou uma relao de causa-efeito, ainda que no haja nenhum dado proveniente das coisas mesmas que amparem essa inferncia.
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Tiago Porto
leva sensao de fome, que nos faz formar a ideia de um
determinado alimento; ao sentir o sabor da comida feita
pela me, o indivduo se orgulha pelos seus dotes
culinrios. O segundo ponto que a natureza no produz
paixes de forma direta, necessitando sempre da
cooperao de outros fatores. Em outras palavras, as
paixes requerem causas especficas para serem excitadas e
esvanecem quando no se sustentam. Logo, se surgissem
da natureza imediatamente, seriam permanentes e
invariveis, pois no existe uma disposio corporal prpria
a elas, como no caso da fome ou apetite sexual.
Relacionando essas paixes iniciais com a sociedade
em rede, podemos afirmar que estas so bastante presentes
nas redes sociais online. Tendo em vista, na maior parte das
vezes, a sua autopromoo, as pessoas que criam um perfil
nos stios de relacionamento da Internet costumam exibir
informaes suas de acordo com as caractersticas que
acreditam serem seus pontos fortes ou que despertam de
alguma forma o seu orgulho: gostos (refinados ou
duvidosos), opinies ou bens materiais figuram entre as
peculiaridades mais comuns expostas publicamente nos
seus perfis. Baseado nessas caractersticas, o sujeito insere-
se em grupos de afinidade ou comunidades direcionadas
discusso de assuntos especficos, mantendo um contato
constante com outros indivduos que compartilham de
interesses comuns. Considerando seus traos mais
marcantes, pessoas que desejam estabelecer um maior
contato com outros indivduos no se limitam a
conversaes nos grupos, buscam tambm um vnculo
maior de amizade. Esta nova ligao pode ser refletida no
mundo fsico, abarcando as relaes entre amigos offlines, ou
manter-se to somente na esfera virtual. Assim, mais um
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
fator de orgulho entre alguns usurios das redes sociais a
quantidade de amigos ou seguidores estabelecidos em uma
micro rede de contatos, ainda que o grau de interao com
esses demais indivduos possa ser praticamente nulo. Tal
fenmeno pode ocorrer pelo carisma do sujeito ou pela
relevncia das informaes por ele disponibilizada,
podendo ser um indicador de que se trata de um ator social
com capacidades de formar opinies.
Por outro lado, a humildade surge como um
sentimento de vergonha por no possuir requisitos
abstratos ou materiais necessrios para participar de certas
associaes ou por fazer parte de algum grupo considerado
indesejvel pelos demais. Ainda que a Internet proporcione
uma nova esfera pblica, mais democrtica e
horizontalizada, alguns problemas do mundo offline se
refletem tambm no ambiente virtual. Assim, no fato
raro que pessoas pertencentes classes sociais baixas,
minorias ou grupos tnicos sofram com o desrespeito ou o
escrnio de outros indivduos, seja pelo baixo poder
aquisitivo, linguagem com erros gramaticais ou
simplesmente por representarem algo diferente. Com o
desprezo recebido por esses indivduos vem de par a paixo
da humildade, trazendo consigo a vergonha social e demais
sentimentos de injustia. So propriamente esses afetos que
podem impulsionar os movimentos sociais, conforme
acompanhamos anteriormente no pensamento de Castells e
veremos com maiores detalhes no prximo captulo.
b) O amor e o dio
Segundo Hume, o amor e o dio so paixes
impossveis de se definir propriamente pois produzem
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Tiago Porto
apenas uma impresso simples, no retendo nenhum tipo
de mistura ou composio. Em geral, esse par de paixes
possui um grau elevado de semelhana com o par
anteriormente analisado o orgulho e a humildade
sobretudo no efeito que essas paixes nos provocam: por
um lado o prazer provocado pelo amor e pelo orgulho;
pelo outro, dor na presena do dio e da humildade.
Contudo, existem importantes pontos de diferenciao
entre os dois grupos. Primeiramente, o amor e o dio no
tm como objeto o eu, mas sim um indivduo ou grupo
externo a ns. Em segundo lugar, o amor prprio no
participa dessa definio, pois a sensao produzida pela
paixo difere da emoo que sentimos por algum prximo
a ns. Em terceiro lugar, esse indivduo externo que o
objeto da paixo no pode ser a sua causa, visto que
possuem direes contrrias. Portanto, as causas do
surgimento do amor e do dio so plurais: virtude, beleza,
conhecimento, por exemplo, geram o primeiro; os seus
opostos, geram o ltimo.
Dessa explicao conseguimos obter uma nova
diferenciao entre a qualidade operante e o sujeito onde a
encontramos. Tomando por exemplo uma celebridade
conhecida por seu bom gosto, podemos dizer que a
admirao do povo se d, em primeira instncia, pelas suas
posses e, em segundo lugar, pela relao de propriedade
empregada entre a celebridade e seus pertences. Suprimir
um desses fatores nos leva destruio da paixo, o que
demonstra a teoria humeana de que a causa dessas paixes
sempre composta.
Ao direcionar o foco da sua investigao para o
afeto pelos parentes ou amigos, o autor ressalta que
qualquer pessoa que esteja unida a ns por meio de
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
alguma conexo pode ter certeza de que receber uma
parcela de nosso amor, proporcional ao grau da conexo,
sem que precisemos saber quais so as outras qualidades25.
Isto significa que o amor se d primeiramente em uma
relao que parte de ns para com o objeto, sendo seguida
pelas outras formas de relao. Dessa espcie de relao
podemos ressaltar dois tipos em especial: a consanguinidade e
a familiaridade. A primeira ocorre entre ns e nossos
parentes, estabelecendo um lao extremamente forte entre
pais e filhos, diluindo-se conforme o grau de parentesco
diminui. A segunda acontece quando nos acostumamos ou
nos tornamos ntimos de algum que no possui qualquer
grau de parentesco conosco. Assim, possumos uma maior
inclinao a preferir a companhia de uma pessoa com a
qual convivemos do que um indivduo totalmente estranho
a ns. Contudo, importante salientar que nossas relaes,
sobretudo com pessoas que no so nossas parentes, se d
sobretudo devido a simpatia que nasce entre temperamentos
similares: geralmente, buscamos a companhia de pessoas
que pensam ou se comportam de maneira parecida com a
nossa.
Cabe, aqui, analisarmos com maior ateno esse
novo conceito desenvolvido pelo autor. Segundo sua
definio, a simpatia uma qualidade humana que nos
permite simpatizar com os outros e a receber por
comunicao suas inclinaes e sentimentos, por mais
diferentes ou at contraditrios aos nossos26. Conforme
seu estudo, no fato raro que uma paixo comunicada
25 HUME, David. Tratado da natureza humana. 2ed., So Paulo: Editora UNESP, 2009, p. 386. 26 Idem, p. 351.
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Tiago Porto
atravs da simpatia inicialmente como uma ideia converta-
se em uma impresso, recebendo fora at tornar-se a
mesma paixo inicialmente transmitida. Contudo, para que
isso ocorra de forma eficaz, necessrio que a transmisso
do afeto esteja em conjuno com duas importantes
relaes: a semelhana e a contiguidade. A semelhana geral
entre as naturezas dos seres, alm de outras mais especficas
como linguagem, carter ou comportamento, facilita muito
a simpatia. Quanto maior o grau de semelhana, mais
rpido a mente realizar a transio entre a ideia
proveniente do outro e a que temos em ns mesmos.
Assim, podemos dizer que essa relao estabelece uma
conexo entre as ideias e, partindo da propenso natural
que temos de acessarmos as mesmas impresses que
observamos nos outros indivduos, auxilia na sua converso
em impresses. A relao da contiguidade tambm bastante
importante, visto que as opinies e sentimentos daqueles
que possuem algum tipo de vnculo consanguneo ou que
fazem parte do nosso meio social possuem um peso muito
maior do que os de pessoas que no partilham desses
vnculos. De acordo com as palavras de Hume, [...] para
alm da relao de causa e efeito, que nos convence da
realidade da paixo que simpatizamos, precisamos das
relaes de semelhana e contiguidade para sentir a
simpatia em sua plenitude27.
No decorrer da sua investigao, Hume observa
que outras paixes seguem-se do amor e do dio. De
acordo com o seu argumento, essas paixes so sempre
seguidas pela benevolncia e pela raiva, estando sempre em
conjuno com estas. Assim, temos a diferenciao entre
27 Idem, p. 354.
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
essas paixes e o orgulho e a humildade, visto que estas no
nos impulsionam para a ao por no possurem nenhum
desejo a elas atrelado. Contudo, o amor e o dio no se
bastam em si mesmos, no permanecendo estanques na
emoo que produzem, levando a mente cada vez mais
adiante no fluxo das paixes. Sabemos que a paixo do
amor nos traz sensaes agradveis e prazerosas, sendo
essa paixo acompanhada por um forte desejo pela
felicidade da pessoa amada e repulsa por quaisquer meio
que possa trazer sua infelicidade; enquanto o dio nos traz
averso e repulsa, produzindo-nos um desejo pelo
sofrimento e total averso pela alegria da pessoa por ns
odiada. Esses desejos aparecem somente quando a
imaginao nos apresenta a ideia de felicidade ou
infelicidade do objeto do nosso amor ou dio, mas no so
em absoluto essenciais para essas paixes: so sentimentos
naturais a esses afetos, porm no so os nicos, visto que
podem surgir uma gama imensa de afetos e as paixes de
amor e dio podem muito bem subsistir por um tempo
indeterminado sem que tenhamos o desejo de felicidade ou
infelicidade do objeto do nosso afeto. Isso ressalta que a
benevolncia e a raiva no so a mesma coisa que o amor e o
dio, mas efeitos que seguem a eles.
Dentre as paixes subordinadas ao amor e ao dio,
figuram piedade, malevolncia e inveja. A piedade uma
preocupao que temos com a infelicidade ou infortnio
alheio, no necessariamente ligada a pessoas que possuem
alguma espcie de ligao conosco. Isso se d devido
semelhana que os seres humanos partilham entre si,
porm no para aqui: podemos sentir piedade por animais
que sofrem, mesmo que esses no partilhem caractersticas
comuns conosco, pois fato que todos ns temos a
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Tiago Porto
experincia de dor e sofrimento como um referencial a ser
evitado. Em outras palavras, a dor e a tristeza exercem em
nossa mente efeitos mais fortes e duradouros que a
felicidade ou outros prazeres. Por isso, a piedade est
atrelada a contiguidade, uma vez que trata-se de uma
derivao da nossa imaginao: se temos uma viso direta
do indivduo que sofre, mais forte so seus efeitos. Tal
efeito ocorre sobretudo pela ao da simpatia. Talvez o
melhor exemplo de como funcionam as paixes causadas
pela simpatia seja o teatro: quando vamos assistir a uma
tragdia, pela simpatia nos colocamos no lugar do heri,
sorrimos e choramos conforme a trama nos apresenta
reviravoltas, experimentando todas as paixes que so
insufladas nas nossas mentes: alegria, tristeza, revolta,
piedade etc. Em suma, [] a piedade depende
inteiramente da imaginao28. Quanto a malevolncia e inveja,
seus efeitos imitam os do dio, nos trazendo
contentamento frente a infelicidade daqueles que
menosprezamos. Partindo do princpio de comparao da
grandeza entre objetos, Hume deriva essas duas paixes:
Ora, como raramente julgamos os objetos por seu valor
intrnseco; como, ao contrrio, as noes que deles
formamos resultam de uma comparao com outros
objetos, segue-se que avaliamos nossa prpria felicidade
ou infelicidade segundo observemos uma poro maior
ou menor de felicidade ou infelicidade nos demais, e
em consequncia disso que sentimos dor ou prazer. A
infelicidade de outrem nos d uma ideia mais viva de
nossa prpria felicidade, e sua felicidade, de nossa
28 Idem, p. 406.
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
infelicidade. A primeira, portanto, produz satisfao; e a
ltima, desprazer. (HUME, 2009, p. 407-408)
A malevolncia se forma, portanto, como uma
piedade s avessas: quando a felicidade de outrem parece
maior que a nossa, sofremos com isso; passamos a desejar
os infortnios alheios para que a nossa felicidade parea
superior a dos outros indivduos. Contudo, essa paixo
tambm pode ser direcionada contra ns mesmos, a fim de
buscar aflies ou aumentar nosso prprio sofrimento. Isso
pode ocorrer, segundo o autor, quando algum prximo a
ns amigo ou familiar sofre com algum infortnio,
enquanto gozamos algum prazer; ou quando sentimos
remorso por algum crime cometido contra outra pessoa,
buscando infligir alguma penitncia para expiar esse mal.
Finalmente, a inveja causada por uma satisfao que uma
pessoa prxima sente que, de certa forma, diminui a nossa
prpria ideia de satisfao privada. Essa satisfao da qual
nutrimos a inveja geralmente maior do que a nossa,
trazendo consigo um sentimento de diminuio da nossa
prpria sensao. Um dado importante que somente
podemos sentir inveja de algum prximo a ns, pois
quanto mais distante o objeto mais dissoluto o afeto.
Outra caracterstica digna de nota que sempre
encontramos uma mistura de sentimentos positivos como
amor ou ternura com a piedade e de sentimentos
negativos como o dio ou raiva com a malevolncia. A
fim de explicar essa relao, Hume diz que para determinar
o carter de uma paixo, no devemos considerar apenas a
sensao de prazer ou dor presente no momento em que
ela aflora, mas sua inclinao do comeo ao fim. Assim,
conforme foi dito anteriormente, uma paixo pode se
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Tiago Porto
relacionar com a outra devido a semelhana (por exemplo,
passar de um descontentamento a raiva, e da raiva ao dio)
e, tambm, de acordo com a sua direo: passamos de uma
paixo mais calma para outra mais violenta considerando
que fazem parte de um mesmo grupo. Contudo, o autor
ressalva que isso no pode ocorrer com a humildade e com
o orgulho, visto que essas paixes so puras sensaes,
desprovidas de direo e tendncias ao.
Finalizando a anlise das paixes indiretas
relacionadas ao amor e ao dio, cabe uma investigao do
respeito e do desprezo. Quando analisamos as caractersticas
peculiares de cada pessoa, no conseguimos ficar
impassveis. Ao observar suas boas qualidades por si s
derivamos uma sensao agradvel, desenvolvendo a paixo
do amor; se realizamos uma comparao com nossas
prprias caractersticas e notamos que estas so por ventura
menos desenvolvidas, desenvolvemos a humildade; se esses
traos particulares da pessoa nos trazer um misto dessas
paixes anteriormente citadas, aflora o sentimento do
respeito. Se partirmos para o outro extremo, para o lado das
ms qualidades, derivamos sensaes desagradveis,
desenvolvendo as paixes dio, orgulho ou desprezo
variando de acordo com o enfoque de nossa anlise.
Segundo Hume, isso ocorre pelo seguinte:
O mesmo homem pode causar respeito, amor ou
desprezo por sua condio e seus talentos, conforme a
pessoa que o considera passe de seu inferior para o seu
igual ou superior. Ao mudar o ponto de vista, mesmo
que o objeto permanea o mesmo, sua proporo
conosco se altera completamente, e isso que causa a
alterao nas paixes. Essas paixes, portanto, surgem
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
por observarmos a proporo, ou seja, surgem por uma
comparao. (HUME, 2009, p.424)
Bem, mas como possvel que um objeto consiga
provocar duas paixes diferentes em ns? Conforme vimos
anteriormente, o orgulho e a humildade tem como objeto o
eu. Assim, quando a qualidade que causa a paixo est em
ns mesmo, temos as paixes acima citadas; em outra
pessoa, nos provoca o amor ou o dio, visto que o seu
objeto sempre externo ao eu. Essas paixes de amor e
dio causadas pelo outro, quando comparadas com as
nossas prprias paixes, podem provocar o surgimento de
um afeto de sentido oposto: orgulho ou humildade. Em
suma, nenhuma qualidade presente em outra pessoa pode
nos causar orgulho ou humildade por comparao se no
for capaz de produzir essas paixes diretamente em ns
mesmos. Ou seja, determinada qualidade encontrada em
outra pessoa s poder nos causar humildade por
comparao caso essa mesma qualidade, encontrada em
ns mesmos, nos proporcione diretamente orgulho. Dessa
forma, Hume afirma que a sensao produzida pelos
objetos atravs da comparao sempre diretamente
oposta sensao original.
Contudo, razovel questionar o motivo pelo qual
em determinados casos as paixes aparecem mistas,
enquanto em outros aparecem na sua forma pura. O autor
explica da seguinte forma: quando um objeto que est apto
a gerar amor mas no apto o suficiente para gerar orgulho
est em posse de outra pessoa, ele causa diretamente a
paixo do amor em um grau elevado; porm, origina um
grau fraco de humildade, considerando o princpio da
comparao; segue-se a isso que essa ltima paixo mal
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percebida no composto criado, dado a sua fraqueza,
ressaltando a incapacidade de transformar o amor em
respeito. Segundo o autor, esse o caso da boa ndole, da
generosidade e da beleza entre outras qualidades, que
possuem uma aptido prpria em criar amor pelos demais,
mas no possuem esse mesmo vigor para aflorar o orgulho
em ns mesmos. Assim, quando essas qualidades aparecem
nos outros indivduos, elas produzem amor puro, com uma
mistura muito fraca de humildade e respeito; o mesmo se
d com as paixes opostas.
Ao fim dessa anlise, observamos que o amor e suas
derivaes, como a benevolncia por exemplo, exercem
grande influncia no comportamento dos sujeitos, o que se
reflete nas redes sociais online. Conforme vimos
anteriormente, os indivduos podem se organizar em
grupos ou comunidades a fim de debater os mais diversos
assuntos. Partindo da sensao de prazer proveniente
desses dois afetos, grupos de apoio humanitrio ou
defensores dos direitos animais ganham espao e voz ativa
na Internet. Outrossim, aes que buscam trazer maior
visibilidade causas como a erradicao da misria ou
contra a escravido infantil, por exemplo, ganham cada vez
mais adeptos, o que reafirma o poderio que a rede
internacional de computadores possui em proporcionar um
cenrio democrtico propcio para a visibilidade de causas
diversificadas. importante ressaltar que a paixo do amor
funciona muito bem com o conceito de unio empregado
por Manuel Castells, visto que o amor facilita a construo
da confiana e da esperana. De acordo com os
argumentos elaborados no captulo anterior, os indivduos
conectados s redes sociais buscam ao unirem-se outros
um sentimento de coeso para vencer o sentimento
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
negativo do medo, que pode paralisar os sujeitos que
desejam lutar por causas sociais.
Contudo, o dio e a raiva exercem a influncia
oposta s paixes acima citadas. Assim como existem
inmeros grupos que lutam a favor da incluso e em prol
de avanos humanitrios, o mesmo ocorre quando se trata
de intolerncia e segregao. Sob a bandeira da democracia
e da liberdade de expresso, grupos intolerantes utilizam a
Internet como ferramenta de combate e as redes sociais
digitais como veculo de propaganda para mensagens de
dio. Da mesma forma que ocorre com as demais
organizaes em rede, os intolerantes marcam seus
encontros e combinam suas aes online. Alm desses
grupos, existem tambm indivduos que valem-se do
anonimato que a rede pode proporcionar para atacar outras
pessoas gratuitamente ou apenas tecer comentrios que
visam desmoralizar a argumentao de outrem, buscando
chamar a ateno s vezes de forma ofensiva. Os usurios
que correspondem ao primeiro grupo so conhecidos
como haters29, enquanto os do segundo grupo so
nomeados trolls30. Contudo, a raiva no se vincula apenas a
esses indivduos, servindo tambm como um motor que
pode impulsionar os indivduos para atitudes reformistas.
Conforme vimos anteriormente, o sentimento de revolta
pode dar lugar raiva, o que ir causar um movimento
insurgente, por exemplo. Assim, ao compartilhar seus
29 Cf. matria disponvel em . 30 Cf. matria disponvel em .
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sentimentos pelas redes sociais, os indivduos acabam se
unindo em resposta s causas dessa revolta, visto que a
Internet oferece um horizonte de possibilidades para a
organizao de movimentos sociais.
Outro fator importante de nota que esses afetos
nem sempre esto marcados de forma clara, havendo
eventual ambiguidade nessas relaes. Como um exemplo
disso, podemos citar o comportamento dos trolls: ao
tecerem comentrios descontextualizados ou ofensivos, o
indivduo no busca simplesmente ser desagradvel; ao
contrrio, procura obter uma espcie de reconhecimento
que pela via argumentativa no receberia, seja pela sua
ignorncia do tema debatido ou pela sua simples falta de ter
algo construtivo a ser dito. Assim, esse indivduo vivencia
uma mistura de paixes, o que reflete-se no seu
comportamento duvidoso na rede internacional de
computadores.
Finalmente, fica claro que o conceito de simpatia
elaborado por Hume uma pea-chave para
compreendermos os motivos pelos quais grupos distintos
formam-se pelas redes sociais da Internet. Como
analisamos anteriormente, a simpatia uma qualidade
prpria do ser humano de afeioar-se a outros indivduos e
receber suas inclinaes e sentimentos. Outrossim, uma
capacidade de colocar-se no lugar de outra pessoa, visto
que compartilhamos do conhecimento das sensaes de
prazer e dor. Dessa forma, podemos dizer que o ser
humano busca agrupar-se nas redes sociais online conforme
suas afinidades, de acordo com as paixes transmitidas pela
simpatia. possvel mensurar a sua fora quando
movimentos sociais se formam a partir de algum
desrespeito sofrido por determinados indivduos ou grupos:
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Epistemologia das redes e a teoria das paixes em Hume
ao compartilhar um sentimento de injustia pela Internet
(seja no formato de documento, vdeo ou depoimento
propriamente dito), o reconhecimento do afeto negativo
provoca a reao dos demais indivduos. Isso assinala que,
independente do sujeito fazer parte do grupo que sofreu
com o desrespeito, possvel que ele possa ser solidrio e
defender a legitimidade de dado movimento social por
ventura proveniente do ocorrido. Isso tambm explica o
motivo pelo qual o cyber-bullying feito por certos grupos de
usurios da rede internacional de computadores consegue
provocar diversos distrbios nos sujeitos que sofrem desse
ato de dio, tendo em vista a argumentao de Manuel
Castells de que no existe uma diviso entre mundo fsico e
mundo virtual, j que a sociedade em rede uma evoluo
da esfera social.
3.1.2 Vontade e paixes diretas nos movimentos
sociais
A fim de concluir o segundo livro do Tratado,
Hume disserta sobre a questo da vontade e sobre o que ele
entende por paixes diretas. Segundo suas observaes, a
vontade um efeito das sensaes de prazer e dor. Mesmo
no sendo considerada uma paixo, a sua natureza e suas
propriedades so importantes