episiotomia - revendo conceitos

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REVISÃO Resumo A episiotomia ainda é o procedimento cirúrgico mais utilizado em obstetrícia. Seu uso rotineiro pode levar a uma série de complicações, dentre as quais se destacam: infecção, hematoma, rotura de períneo de 3º e 4º graus, dispareunia e lesão do nervo pudendo. Este artigo é uma revisão de literatura que aborda o histórico, as indicações, as complicações, os motivos que ainda incentivam sua prática rotineira e os custos envolvidos na episiotomia. Foram utilizadas as bases de dados da Medline, Lilacs, Pubmed e Biblioteca Cochrane. Embora as evidências científicas indiquem que o uso restrito da episiotomia deva ser incorporado em todos os serviços, na América Latina verificamos que sua utilização é muito elevada, podendo atingir taxas de até 90%. Sugerimos que as instituições hospitalares realizem treinamentos e atualizações acerca das diretrizes baseadas em evidências na obstetrícia. Abstract Episiotomy is still the most widely used surgical procedure in obstetrician. Its frequent use may cause complications such as infection, 3rd and 4th grades of perineal lacerations, dyspaurenia and pudendal nerve injury. This paper is a literature review that comprises history, indications, complications, reasons that encourage the routine practice and costs implicated in episiotomy. Medline, Lilacs, Pubmed and Cochrane Library were used as databases. Athough evidences suggest that restrictive use of episiotomy may be part of obstetrical care, in the Latin America its use is very common and may reach rates of up to 90%. It is suggested that hospital institutions should provide updating about obstetrics evidence based guidelines. Miriam Raquel Diniz Zanetti 1 Carla Dellabarba Petricelli 2 Sandra Maria Alexandre 3 Maria Regina Torloni 4 Mary Uchyiama Nakamura 3 Nelson Sass 5 Palavras-chave Episiotomia Parto normal Soalho pélvico Keywords Episiotomy Natural childbirth Pelvic floor 1 Fisioterapeuta; coordenadora do Curso de Especialização de Fisioterapia no Ciclo Gravídico Puerperal da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – São Paulo (SP), Brasil; docente e supervisora de estágio de Fisioterapia em Ginecologia e Obstetrícia do Centro Universitário FIEO (Unifieo) – Osasco (SP), Brasil 2 Fisioterapeuta; supervisora de estágio do Curso de Especialização de Fisioterapia no Ciclo Gravídico Puerperal da Unifesp – São Paulo (SP), Brasil; Docente do curso de Fisioterapia da Disciplina de Obstetrícia do Centro Universitário Padre Anchieta (UniAnchieta) – Jundiaí (SP), Brasil 3 Professor adjunto do Departamento de Obstétrica da Unifesp; Coordenadora do Curso de Especialização de Fisioterapia no Ciclo Gravídico Puerperal da Unifesp – São Paulo (SP), Brasil 4 Médica do Departamento de Obstetrícia da Unifesp – São Paulo (SP), Brasil 5 Professor-associado Doutor do Departamento de Obstetrícia da Unifesp – São Paulo (SP), Brasil Episiotomia: revendo conceitos Episiotomy: concepts review

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Page 1: Episiotomia - revendo conceitos

revisão

Resumo A episiotomia ainda é o procedimento cirúrgico mais utilizado em obstetrícia.

Seu uso rotineiro pode levar a uma série de complicações, dentre as quais se destacam: infecção, hematoma,

rotura de períneo de 3º e 4º graus, dispareunia e lesão do nervo pudendo. Este artigo é uma revisão de literatura

que aborda o histórico, as indicações, as complicações, os motivos que ainda incentivam sua prática rotineira e

os custos envolvidos na episiotomia. Foram utilizadas as bases de dados da Medline, Lilacs, Pubmed e Biblioteca

Cochrane. Embora as evidências científicas indiquem que o uso restrito da episiotomia deva ser incorporado em

todos os serviços, na América Latina verificamos que sua utilização é muito elevada, podendo atingir taxas de

até 90%. Sugerimos que as instituições hospitalares realizem treinamentos e atualizações acerca das diretrizes

baseadas em evidências na obstetrícia.

Abstract Episiotomy is still the most widely used surgical procedure in obstetrician.

Its frequent use may cause complications such as infection, 3rd and 4th grades of perineal lacerations, dyspaurenia

and pudendal nerve injury. This paper is a literature review that comprises history, indications, complications,

reasons that encourage the routine practice and costs implicated in episiotomy. Medline, Lilacs, Pubmed and

Cochrane Library were used as databases. Athough evidences suggest that restrictive use of episiotomy may

be part of obstetrical care, in the Latin America its use is very common and may reach rates of up to 90%. It is

suggested that hospital institutions should provide updating about obstetrics evidence based guidelines.

Miriam Raquel Diniz Zanetti1

Carla Dellabarba Petricelli2

Sandra Maria Alexandre3

Maria Regina Torloni4

Mary Uchyiama Nakamura3

Nelson Sass5

Palavras-chaveEpisiotomia

Parto normalSoalho pélvico

KeywordsEpisiotomy

Natural childbirthPelvic floor

1 Fisioterapeuta; coordenadora do Curso de Especialização de Fisioterapia no Ciclo Gravídico Puerperal da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – São Paulo (SP), Brasil; docente e supervisora de estágio de Fisioterapia em Ginecologia e Obstetrícia do Centro Universitário FIEO (Unifieo) – Osasco (SP), Brasil

2 Fisioterapeuta; supervisora de estágio do Curso de Especialização de Fisioterapia no Ciclo Gravídico Puerperal da Unifesp – São Paulo (SP), Brasil; Docente do curso de Fisioterapia da Disciplina de Obstetrícia do Centro Universitário Padre Anchieta (UniAnchieta) – Jundiaí (SP), Brasil

3 Professor adjunto do Departamento de Obstétrica da Unifesp; Coordenadora do Curso de Especialização de Fisioterapia no Ciclo Gravídico Puerperal da Unifesp – São Paulo (SP), Brasil

4 Médica do Departamento de Obstetrícia da Unifesp – São Paulo (SP), Brasil5 Professor-associado Doutor do Departamento de Obstetrícia da Unifesp – São Paulo (SP), Brasil

Episiotomia: revendo conceitosEpisiotomy: concepts review

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Zanetti MRD, Petricelli CD, Alexandre SM, Torloni MR, Nakamura MU, Sass N

FEMINA | Julho 2009 | vol 37 | nº 7368

Introdução

Episiotomia é um procedimento cirúrgico usado em obs-

tetrícia para aumentar a abertura vaginal com uma incisão

no períneo ao final do segundo estágio do parto vaginal. É

realizado com tesoura ou bisturi e necessita de sutura. Embora

a episiotomia tenha se tornado o procedimento cirúrgico

mais comum do mundo, foi introduzida sem muita evidência

científica sobre sua efetividade. Por isso, mundialmente, há

uma intenção de torná-la um procedimento restrito e não

mais rotineiro.

Com o intuito de apresentar uma atualização sobre a freqüência,

riscos e benefícios da episiotomia, foi realizada uma revisão da

literatura com artigos encontrados nas bases de dados Medline,

Pubmed e Lilacs, na Biblioteca Cochrane e livros na Biblac (Uni-

versidade Federal de São Paulo). As buscas bibliográficas foram

realizadas privilegiando-se os últimos oito anos (2000 a 2008),

porém oito artigos/livros científicos publicados anteriormente

a esse período foram utilizados por serem de grande relevância

para a elaboração do texto. Foram encontrados centenas de ar-

tigos, mas considerando que existe um limite de referência da

revista, foram selecionados 22 deles e dois capítulos de livro.

As palavras-chave para busca dos artigos foram: “episiotomia e

frequência”; “episiotomia e riscos/complicações”; “episiotomia

e indicações”; “episiotomia e prevenção”.

Levando em consideração que em estudo desenvolvido por

Sleep, na Inglaterra, foi encontrada taxa de episiotomia de 10%

sem prejuízo materno ou fetal, a Organização Mundial de Saúde

(OMS) sugeriu que essa taxa deveria ser uma boa referência.1

Apesar da sugestão da OMS, outros autores dizem que a

taxa ideal é de 15% e não mais de 30%.2 Percebe-se que não

há consenso em relação à sua taxa ideal de utilização e por isso

ainda é tão variável entre os países (Tabela 1). Provavelmente

esse fato é justificado porque existem diferenças não só culturais

ou de formação profissional, mas também anatômicas (pélvicas

e perineais).

Howard et al., estudando 176 mulheres negras e 1.633

brancas, verificaram que as negras têm menos necessidade

da utilização da episiotomia (26,9 versus 37,9%), com muito

menos laceração. Portanto, provavelmente em países que existe

grande miscigenação, como o Brasil, talvez a recomendação

da taxa de utilização deva ser diferente da encontrada na

Inglaterra.10

Quando a episiotomia é indicada?

Segundo a OMS (1996), a episiotomia é uma operação

ampliadora para acelerar o desprendimento diante de sofri-

mento fetal, progressão insuficiente do parto e iminência

de laceração de 3º grau (incluindo mulheres que tiveram

laceração de 3º grau em parto anterior).11 Já Guariento e

Delascio referem que essa cirurgia ampliadora está indicada

também para se evitar a compressão prolongada da cabeça,

particularmente em prematuros, o que favorece o trauma

craniano. Referem, também, que não é só para a cabeça

primeira que se praticará a episiotomia, senão também para

derradeira, de acordo com o obstáculo à respectiva desenvo-

lução. Observam-se, ainda, muitos outros motivos alegados

para se realizar a episiotomia.12

Rezende ainda considera esse procedimento indispensável nas pri-

miparturientes e nas multíparas que já foram episiotomizadas.13

Um levantamento realizado em 2003 em hospitais de onze

países (Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, República Democrá-

tica do Congo, Equador, Índia, Tibet, Uruguai, Venezuela e

Zâmbia), revelou que a taxa de episiotomia foi superior a 90%

entre as nulíparas.14

Outro estudo realizado em Hospital Universitário em São

Paulo, em 2000, mostrou que os principais critérios para indi-

cação da episiotomia foram, respectivamente: rigidez perineal

(28,7%), primiparidade (23,7%), feto macrossômico (11,9%) e

prematuridade (10,2%). Alguns outros critérios que chamaram

a atenção foram: o períneo íntegro (6,8%) e, entre os menos

frequentes, a iminência de rotura (3,4%).15

Outros autores ainda citam que alguns médicos não acre-

ditam na elasticidade do períneo, preferindo realizar a incisão.

Isso sem contar aqueles que não conseguem abandonar a prática

que lhes foi ensinada durante a formação universitária, a que

estão acostumados.16

Uma das principais indicações para a realização da episio-

tomia é a iminência de laceração de 3o e 4o graus (lesões que

afetam esfíncter externo do ânus e mucosa retal respectivamen-

te) - estado de rigidez perineal que causa lacerações se não for

realizada a episiotomia.

Tabela 1 - Taxas de episiotomia na assistência ao parto em diversos países dispostas em ordem cronológica.

País Ano Taxa de episiotomia (%)Argentina2 1993 80

Brasil3 1995-1998 94,2

França4 1996 79

EUA5 1997 38,6

Japão6 1997-2005 59,1

Suécia (Upsala)7 1999-2000 10

Itália (Perugia)7 1999-2000 58

Etiópia8 2000 40,2

França4 2002 68

Israel9 2005 37,6

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Episiotomia: revendo conceitos

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Quadro 1 - Riscos da episiotomia

• Infecção

• Hematoma

• Roturadoperíneode3ºe4ºgraus

• Celulite

• Deiscência

• Abcesso

• Incontinênciadegasesefezes

• Fístularetovaginal

• Lesãodonervopudendo

• Fasceítenecrosante

• Morte

Podemos observar que essa indicação é subjetiva, já que ainda

não existem instrumentos que mensurem a elasticidade perineal.

Portanto, como afirmar que a rigidez perineal de determinada

paciente pode acarretar laceração de 3º grau e não de 2º?

Mesmo optando-se por esse procedimento, os riscos de

laceração de 3º e 4º graus são significativos. Um estudo reali-

zado na Universidade de Miami mostrou que 36% dos 50.210

partos vaginais necessitaram de episiotomia e, desses, a incisão

mediana foi associada a 6,6% e a incisão mediolateral a 4,6%

de laceração severa.17

Embora as indicações e vantagens da episiotomia não sejam

consenso, as complicações desse procedimento são amplamente

divulgadas (Quadro 1).

Já os riscos associados são, entre outros, a extensão da lesão,

hemorragia significativa, dor no pós-parto, edema, infecções,

dispareunia e, embora rara, a endometriose da episiorrafia.

De certa forma, estudos vêm demonstrando a diminuição

dessa prática. Na Universidade da Califórnia, entre 1974 e

1994, houve uma redução na episiotomia de 86,8 para 10,4%

associada a uma redução de 53% de laceração de 4º grau e um

aumento da taxa de períneo íntegro (10,3 para 26,5%). Isso só foi

possível devido a uma análise criteriosa sobre a real necessidade

de realização desse procedimento.18

Custos envolvidos na episiotomia

Em revisão sistemática da Cochrane (2008), compararam-se

os gastos econômicos com a realização da episiotomia seletiva

ou rotineira em dois países latino-americanos. Apontou-se

uma economia entre US$ 6,50 e 12,50 em cada parto vaginal

sem episiotomia realizado no setor público. Esse custo está

relacionado apenas aos materiais de sutura. Num país como a

Venezuela, com 574.000 nascimentos por ano, sendo que 97%

deles ocorrem no setor público, a economia seria entre US$ 3,5

e 7 milhões. A mesma estimativa foi feita em relação ao Brasil,

que economizaria de US$ 15 a 30 milhões.19

Considerações sobre a elasticidade muscular

No que diz respeito aos aspectos relacionados à possível

proteção da musculatura do assoalho pélvico com a episiotomia,

merecem destaque as seguintes ponderações: o assoalho pélvico é

formado pelo diafragma pélvico e urogenital, composto de mús-

culos estriados esqueléticos que possuem algumas propriedades

importantes (como a contratilidade e a elasticidade).

Algumas terapêuticas como o alongamento e a massagem

perineal podem conduzir ao aumento da elasticidade muscular.

Além disso, existe o componente genético que torna algumas

pessoas mais flexíveis do que outras.

Numa revisão sistemática da Cochrane realizada em 2008,

três estudos foram analisados envolvendo 2.434 mulheres divi-

didas entre aquelas que realizaram massagem perineal e Grupo

Controle (nada orientado referente à massagem). A massagem

perineal foi realizada introduzindo-se um ou dois dedos numa

profundidade de 3 a 4 cm na vagina e, em seguida, eram rea-

lizados movimentos de dentro para fora e látero-lateralmente,

durante cinco a dez minutos diariamente. Concluíram que a

massagem diminuiu a necessidade da realização da episiotomia

(especialmente nas nulíparas) e que todas as mulheres deveriam

ser orientadas quanto ao uso dessa técnica.20

A deformação de um músculo, ao ser alongado, pode ser

classificada como elástica, ou seja, ocorre retorno ao seu com-

primento inicial ou plástica (deformação permanente). As va-

riáveis que definem o tipo de deformação muscular são a força

utilizada e o tempo que dura essa força. Quanto menor a força

e maior a sua duração ao distendê-lo, maior a chance de haver

deformação plástica.

Transferindo esse entendimento básico muscular para o se-

gundo período do parto, podemos considerar que as mulheres

que realizam alongamento perineal prévio podem ter mais elas-

ticidade. Além disso, a função muscular pós-parto será melhor

se houver a deformação elástica e não a plástica, necessitando,

então, de período expulsivo não prolongado.

Porém, com relação aos nervos periféricos, pouco se sabe sobre

seus limites de alongamento. Existem evidências que indicam

que sua amplitude elástica está entre 6 a 20%, mas podem ter

essa elasticidade comprometida por aderências e tecido cicatri-

cial, trauma e suturas.

Os vasos sanguíneos e nervos periféricos também são capazes

de alongamento. Aplicações de força aos vasos sanguíneos resul-

tam em fluxo sanguíneo diminuído. O alongamento excessivo

dos nervos prejudica sua função e pode resultar em deficiência

mecânica. Três fatores protegem os nervos periféricos da defor-

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mação física através do alongamento: frouxidão, a trajetória e a

elasticidade do nervo.

A episiotomia é realmente benéfica para o assoalho pélvico?

Alguns autores citam que as lacerações de 1º e 2º graus trazem

menos malefícios à função do assoalho pélvico do que a episio-

tomia. Isso pode ser explicado pela fisiologia do reparo tecidual.

Após uma lesão muscular como, por exemplo, a episiotomia, pode

ocorrer a regeneração tecidual (substituição das células lesadas

por outras do mesmo tipo) ou ainda a fibrose (substituição das

células musculares por tecido conjuntivo).

Ao ocorrer a fibrose no processo de reparação após a episio-

tomia, a função da musculatura do assoalho pélvico pode ficar

prejudicada.

Apesar de a grande maioria das lesões do músculo esquelético

se recuperarem sem formação de fibrose que leve à disfunção

muscular, a proliferação de miofibroblastos pode ser excessiva

em traumas maiores ou recidivos (como repetidas episiotomias),

resultando na formação do tecido cicatricial denso que restringe

a regeneração das miofibrilas. Com isso, o músculo lacerado

pode restaurar uma função satisfatória, mas sua recuperação

não é completa.

Logicamente, no processo de regeneração, a episiotomia terá

um impacto menor que uma laceração de 3º e 4º graus. Porém,

diversos estudos que compararam o uso rotineiro e seletivo da

episiotomia, não encontraram aumento na ocorrência dessas

lacerações importantes (Quadro 2).

Numa revisão sistemática da Cochrane feita em 2008, incluindo

seis estudos que compararam os desfechos entre o uso rotineiro

e o seletivo da episiotomia, verificou-se que a utilização seletiva

envolve menor trauma perineal posterior, menos sutura, menos

complicações de cicatrização e mais trauma perineal anterior.

Além disso, não houve diferença entre os grupos com relação a

traumas vaginais e perineais severos, dispareunia e incontinência

urinária. Por isso, a conclusão dos revisores foi que o uso restrito

da episiotomia parece apresentar maior benefício do que o seu

uso rotineiro.19

Conclusão e recomendações para a prática

Embora todas as evidências indiquem que o uso restritivo

da episiotomia deva ser incorporado em todos os serviços,

verificou-se, principalmente na América Latina, que a sua

utilização é muito elevada, podendo atingir uma frequência

de até 90%.

Apesar de suas indicações serem muitas vezes subjetivas, é

importante salientar que a primiparidade e a prematuridade

não são indicações. Devemos considerar que a musculatura

do assoalho pélvico também tem grande capacidade de

distensão e que existe diferença dessa propriedade de uma

parturiente para outra, o que determina a importância de

avaliação minuciosa.

Um preparo, durante a gestação, da musculatura do assoalho

pélvico, incluindo massagem e exercícios específicos, poderia

aumentar sua capacidade de distensão. Já que existem poucas

contraindicações ou efeitos colaterais, a massagem perineal

deveria ser ensinada à todas as gestantes.

Cabe ressaltar que a episiotomia é um dos poucos procedimen-

tos que são feitos sem consentimento da parturiente. Esse fato

também deve ser levado em consideração, pois o procedimento

pode acarretar alterações cicatriciais além das outras complicações

para o resto da vida. Assim, acreditamos que a decisão para a

realização do procedimento deva ser compartilhada com a pa-

ciente, exceto em condições em que seus benefícios justifiquem

amplamente sua realização.

Sugerimos que instituições hospitalares realizem treinamentos

e atualizações acerca das diretrizes baseadas em evidências na

obstetrícia. Althabe et al., que realizaram essas iniciativas em

hospitais no Uruguai e Argentina, conseguiram reduzir signi-

ficativamente a frequência dessa intervenção.24

Quadro 2 - Ocorrência de lacerações perineais de 3º e 4º graus de acordo com a realização da episiotomia em diversos estudos.

Literatura Número total de participantes Grupo n Períneo intacto (%) Episiotomia (%) 3º e 4º graus (%)Sleep1 1.000 Uso rotineiro 502 24,3 51,4 0,2

Usoseletivo 498 33,9 10,2 0,8

Klein et al.21 703 Uso rotineiro 350 12,6 93,7 7,4

Usoseletivo 353 19,2 43,8 7,7

ArgentineEpisiotomyTrialCollaborativeGroup2

2.606 Uso rotineiro 1.298 ** 82,6 1,5

Usoseletivo 1.308 ** 30,1 1,1

EltorkeyeNuaim22 200 Uso rotineiro 100 7,0 83,0 0,0

Usoseletivo 100 28,0 53,0 0,0

Dannecker23 146 Uso rotineiro 76 10,0 76,7 8,3

Usoseletivo 70 28,6 40,8 4,1

**Dadosinsuficientes

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Episiotomia: revendo conceitos

FEMINA | Julho 2009 | vol 37 | nº 7 371

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