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REVENDO ALGUMAS HABILIDADES COMUNICATIVAS NO ENSINO E
APRENDIZAGEM DE LÍNGUA(S)
Antonio Carlos Santana de Souza1
PG-UFGRS/UEMS
Cristiane Schmidt2
UNIOSTE
Considerações iniciais
Considerando que o fenômeno linguístico é de natureza dinâmica, heterogênea e dialógica,
estando sujeito a constante variação, na medida em que os usuários da língua interagem em distintas
situações sociocomunicativas. Enquanto usuários, temos diferentes maneiras de fazer uso da língua
e, dessa forma, estamos constantemente adequando a língua aos contextos concretos de interação
viva e às respectivas intenções comunicativas. Sabemos que um ato comunicativo – seja ele oral ou
escrito – caracteriza-se por envolver uma relação cooperativa com nosso interlocutor; por transmitir
informações e intenções e por uma forma adequada a sua função. Nesse sentido, tudo o que dizemos,
fazemo-lo dirigido a alguém, a um interlocutor concreto, quer dizer, sócio-historicamente situado.
A linguagem e seu caráter interativo
Considerando a função social da linguagem, empregamos a língua para diferentes ações
sociais, como a representação de nossas intenções e concepções de mundo. Mediante a linguagem
expressamos nossas intenções e deixamos marcados nossos posicionamentos; enfim, interagimos
com o(s) outro(s), enquanto sujeitos sociais. Dessa forma, esse processo envolve controle,
1 Doutorando em Letras no Programa de Pós-Graduação pela UFRGS; Mestre em Semiótica e Linguística Geral pela
FFLCH-USP; Licenciado em Letras Português pela FFLCH-USP; Professor Assistente nos Cursos de Bacharelado e
Licenciatura em Letras da UEMS/Campo Grande. 2 Doutoranda em Letras no Programa de Pós-Graduação pela UNIOESTE; Mestre em Educação pela UFRGS; Licenciada
em Letras Português/Alemão pela UNISINOS; Professora Colaboradora do Curso de Letras/Alemão/UNIOESTE.
negociação e compreensão. Moita Lopes (2012) concebe a língua como um espaço específico de
construção da vida social. Nas palavras do linguista, o ser humano é eminentemente um ser do
discurso que se (re)constrói pela palavra, sendo que essa a matéria essencial das aulas de línguas.
Entendemos que o ato de comunicar não surge do nada, uma vez que o sujeito inicia uma
comunicação em uma determinada situação. Constantemente advêm questões, tais como:
a) O que ele quis dizer com isso?
b) Quem é que está falando isso e qual sua intencionalidade comunicativa?
c) De onde ele fala e por que fala dessas coisas, dessa forma?
Por mais que tentemos sistematizar, normatizar e estabelecer padrões para as interações nos
diversos contextos, a natureza dialógica e argumentativa da linguagem irá prevalecer. Quer dizer:
existem marcas que denunciam as intenções e a presença de um responsável pelo que está sendo
dito/escrito.
Conforme Jordão (2013), o processo de ensino e aprendizagem de língua implica:
Muito mais do que ensinar e aprender um código, mas também aprender a construir
sentidos do/para/no mundo e, neste processo, aprender a posicionar-se diante dos
sentidos produzidos por si e por outros, a entender como eles são construídos,
valorizados, distribuídos e hierarquizados nas comunidades interpretativas pelas
quais nos constituímos enquanto sujeitos (JORDÃO, 2013, p. 77-78).
Da mesma forma, Oliveira corrobora afirmando que o ato de aprender consiste num
“processo de construção de conhecimentos, de desenvolvimento de habilidades e de aquisição e/ou
mudança de comportamentos e atitudes” (OLIVEIRA, 2014, p. 27).
Conforme essa autora, a formação de professores de línguas e a prática pedagógica requer a
concepção de língua, em que os aspectos formais e estruturais não estejam dissociados do uso da
língua e dos significados que esses elementos ajudam a produzir. Refere-se ao entendimento de
língua como interação social, em que o texto oral e o escrito qualificam-se como eixos norteadores
das aulas de línguas.
Ao concebermos a língua nessa dimensão, estamos fazendo uma mudança teórico-
metodológica, ao passo em privilegiamos sua natureza social e interativa, em detrimento aos
enfoques, nos quais predominam uma visão de língua descomprometida com o uso social.
No entanto, Almeida Filho no texto “Interação e aprendizagem de línguas na pesquisa em
sala de aula” nos alerta que a “língua estrangeira é quase sempre concebida como ‘língua dos outros’,
língua estranha, ‘estudada’ para tratar de assuntos ‘dos outros’ e que precisa ser dominada como
matéria esperada do currículo escolar (...)” (ALMEIDA FILHO, 2012, p.222).
Ao admitirmos a natureza eminentemente social e dialógica da língua, depreendemos que a
língua não está pronta e que os sentidos estão sempre se fazendo e refazendo. Para Geraldi, ao tratar
do ensino e aprendizagem de línguas, especificamente da língua portuguesa na obra intitulada “O
texto na sala de aula” (2005), nos reafirma que a linguagem é mais do que possibilitar uma
transmissão de informações de um emissor a um receptor, mas deve ser vista como um lugar de
interação humana. Ao mesmo tempo, o autor reitera a função da língua como facilitadora das nossas
ações, assim como desencadeadora de ações do falante sobre o ouvinte, constituindo compromissos
e vínculos entre os interlocutores.
Nesse sentido, toda compreensão implica uma atitude responsiva da parte do interlocutor,
ou seja, o leitor/ouvinte, ao se apropriar de um determinado enunciado, de acordo com a perspectiva
bakhtiniana3, tende a se posicionar em relação a ele, por meio de atitudes distintas, tais como
concordar, adaptar, acrescentar, retirar informações, aprofundar, opor-se, contrapor-se, etc.
3 Mikhail Bakhtin (1895-1975) - filósofo da linguagem nascido na Rússia - construiu uma reflexão
sobre a natureza da linguagem a partir de um viés sociológico, em que ele considera a palavra mediante duas faces: ela procede de alguém e se dirige a outrem, constituindo-se no produto da
interação do locutor/escritor e do ouvinte/leitor. O conceito do dialogismo e da relação dialógica
entre locutor e interlocutor no meio social, nos é apresentado na obra “Marxismo e Filosofia da
Linguagem” (1929), em que o teórico trata das relações entre a linguagem e a sociedade. Nessa
perspectiva, a interação por meio da linguagem se dá em contextos concretos, nos quais os
protagonistas do processo comunicativo participam de forma dialógica. Ou seja, aquele que enuncia
seleciona palavras apropriadas para elaborar uma mensagem compreensível para seu interlocutor; já
o interlocutor interpreta e responde com postura ativa àquele enunciado, internamente (por meio de
seus pensamentos) ou externamente (por meio de um novo enunciado oral ou escrito). Cf. Beth Brait.
Trata-se de uma reação que consiste numa resposta ativa, contrapondo-se ao modelo de
comunicação pautado na teoria da informação de base mecanicista, em que os protagonistas do
processo comunicativo, restringem-se à troca de informações e, no qual, de um lado (o locutor)
encontra-se na qualidade de participante ativo e no outro lado, o receptor, tem uma posição passiva.
Breves apontamentos acerca do ensino de línguas
Trazendo essa discussão para a área de ensino de línguas, especificamente no que diz
respeito ao domínio de língua(s) estrangeira(s), destacamos ser uma necessidade no contexto atual,
considerando a demanda social e a política de formação do cidadão num mundo multilíngue e, de
certo modo, compreendido como sem fronteiras. Verificamos isso no cenário recorrente, marcado
pela globalização, pela diversidade e troca virtual, em que o papel das línguas estrangeiras vem
adquirindo um novo significado, traduzindo-se num marco da contemporaneidade.
Entendendo que o aprendizado de uma língua estrangeira ocorre tanto nos espaços formais
de ensino, quanto em outros contextos – precisamente na mídia e internet –, procuramos investigar
como colaborar com os aprendizes na interação dos mesmos nessas situações comunicativas. Isso
implica um estudo em relação ao uso efetivo da língua, na interação com o outro. Ou seja,
compreender o tratamento atribuído aos diferentes textos (orais/escritos) no ensino/aprendizagem de
línguas, na perspectiva de um aprendiz discursivamente confiante, capaz de interagir com a
diversidade de textos reais em circulação na atualidade.
Do mesmo modo, reconhecemos o papel do professor, enquanto mediador no processo de
ensino e aprendizagem de língua estrangeira, como sendo de extrema importância. Para tanto,
reiteramos a perspectiva teórico-metodológica e a prática pedagógica pautada na interação social, em
que haja inclusão dos textos orais e escritos produzidos com intencionalidade comunicativa,
oportunizando a interação social e o engajamento discursivo do aprendiz de língua(s).
Os professores, enquanto profissionais, exercem um papel essencial nesse processo, uma
vez que o ensino é, essencialmente, complexo. “Complexidade é a segunda palavra porque entendo
Bakhtin e a natureza constitutivamente dialógica da linguagem. Campinas, SP: Editora da Unicamp,
2005, p. 87-98.
que, assim como a língua é um sistema complexo, a aquisição da língua também o é, assim como é
complexo o aprender a ensinar” (OLIVEIRA, 2013, p. 49).
É fundamental que os professores, mediante a prática reflexiva e o uso de recursos
pedagógicos adequados, possibilite a compreensão acerca do uso, da intencionalidade e do contexto
de produção dos diversos textos e situações sociocomunicativas. Quer dizer, refletir sobre o que as
pessoas fazem como usuários/falantes de idiomas, ao agirem e interagirem nos diversos contextos
sociais e culturais. No momento em que se ensina língua também se ensina formas de entender e de
construir o mundo, implicando em desenvolver atitudes respeitosas em relação aos sentidos de outras
pessoas (JORDÃO, 2013).
Considerando a dinamicidade e a emergência das práticas discursivas presentes na realidade
heterogênea contemporânea, evidenciamos a necessidade de um preparo perante os desafios
provenientes do encontro com a diversidade linguística e cultural, com melhores condições para
interpretar os possíveis deslocamentos dele decorrentes, não como algo ameaçador, mas sim,
enriquecedor.
Na contemporaneidade, a interatividade é condição para o convívio social e a atuação
profissional, sendo as tarefas cada vez mais textualizadas e diversificadas, nas quais convivem a
linguagem verbal e a não verbal. As necessidades vêm crescendo na proporção da complexidade das
transformações de um mundo globalizado, justificando o trabalho com as práticas linguísticas. A
diversidade dos campos de trabalho, por exemplo, intensificou a comunicação interpessoal no âmbito
familiar, empresarial e social, assim como ampliou o uso de ferramentas tecnológicas, como o e-
mail, o facebook e o twiter corporativo.
Vale ressaltar que, a cada dia são maiores as exigências quanto à competência em relação à
leitura e à escrita. Não se podemos negar a importância da escrita na atualidade, pois esta permeia as
esferas individuais em todos os níveis profissionais. Embora o domínio do texto escrito não seja
garantia de ascensão social, amplia as possibilidades de inserção no mundo contemporâneo. Os textos
desempenham papel fundamental na vida familiar, social e profissional, nos dispondo em interação
constante e nas diversas situações comunicativas, quais sejam: relatórios, e-mails, conversas
informais e virtuais, reportagens, redações, bilhetes; enfim, produzimos textos o tempo todo, seja em
ambientes institucionalizados ou não.
Considerando o exposto, destacamos a seguir determinadas habilidades comunicativas no
que se refere ao processo de ensino e aprendizagem de línguas.
Revendo as metodologias de ensino de habilidades orais
No processo de aprendizagem de línguas o entendimento da língua estrangeira tem um papel
mais importante que a produção oral ou escrita. O fato de não obrigarmos os aprendizes a produzirem
a língua estrangeira falada antes de eles sentirem-se aptos para isso, aumenta a confiança, a motivação
e a competência dos mesmos, porque eles não estão aprendendo uma língua e nada mais.
Partindo do princípio de que nativos também têm problemas de compreensão de sua língua,
aprendizes de línguas, geralmente, utilizam estratégias para facilitar sua comunicação; tais como a
simplificação de estruturas, elipse e emprego de expressões formulaícas.
Sendo assim, é essencial que os alunos falem sem hesitação de possíveis problemas
inerentes ao processo comunicativo. A hesitação é uma característica natural da interação falada.
Portanto, se nossos alunos usarem estratégias de hesitação estarão empregando a língua e, dessa
forma, desenvolvendo suas habilidades comunicativas.
Quando ouvimos alguém falar, precisamos usar uma série de habilidades se quisermos ser
interlocutores eficientes. Algumas dessas habilidades envolvidas utilizadas são:
i. os sinais têm de ser identificados e separados de todos os outros sinais sonoros no ambiente;
ii. a fala tem que ser segmentada em unidades para que as palavras possam ser reconhecidas;
iii. o ouvinte tem de usar seu conhecimento linguístico para formular uma resposta correta e
apropriada ao que lhe foi dito e;
iv. a sintaxe do enunciado tem de ser entendida assim como o significado pretendido pelo falante.
Além disso, nós, enquanto usuários, temos de ter um propósito pré-estabelecido para
ouvirmos nossos interlocutores, seja social ou para obtenção de informações. Também são
necessárias habilidades extralinguísticas como, por exemplo, perceber o estado de espírito do falante
ou poder visualizar certas informações.
Brown and Tule (1983) chamam de Interactional Talk a fala que é primordialmente social;
Transactional Talk é aquela cujo propósito é transferir ou trocar informações. Os dois termos
representam um contínuo na realidade, do aspecto social aos aspectos informativos de ouvir. Muitas
situações focalizam-se entre os dois extremos e exigem uma combinação das habilidades linguísticas
e não linguísticas.
Partindo do princípio que, ouvir é uma habilidade linguística passiva, para desenvolvê-la
temos de mostrar claramente ao aluno o relacionamento entre o falar e o ouvir. Para se falar
eficientemente temos de ouvir corretamente. Em algumas situações, nas quais podemos dividir as
habilidades necessárias em duas categorias: ouvir sem falar e ouvir podendo falar.
Só o fato de expor os aprendizes ao contato com a língua estrangeira não é o suficiente.
Temos de adotar uma posição de ensino, que envolve exercícios de suporte e a gradação da
complexidade dos exercícios.
Ouvir ou lembrar? Não lembrar não significa necessariamente não entender. Falantes de
língua materna não precisam necessariamente se lembrar exatamente do que lhes foi dito. E nossos
alunos? Alguns exercícios exigem mais do que o necessário. Em determinadas situações, alguns
autores de materiais de ensino exageram a quantidade de informações ao formular perguntas de
compreensão de textos. Isso faz com que haja uma distorção de certos aspectos do mundo criado por
eles.
Usuários de línguas organizam seus enunciados em padrões típicos que correspondem à
diversidade de textos (por exemplo, histórias, piadas, descrições, comparações e instruções),
chamadas rotinas comunicativas (Widdowson, 1983). Ao apresentarem as rotinas, os falantes usam
“habilidades de negociação” permitem que sejam entendidos em qualquer situação. Essas habilidades
servem para checar sentidos específicos, modificar o enunciado, corrigir interpretações erradas etc.
As rotinas são meios convencionais de apresentar informações. Elas são previsíveis e ajudam a
manter a clareza.
As habilidades de negociação referem-se a nossa capacidade de lidar com as rotinas
comunicativas em determinadas situações e dividem-se em dois tipos: management of interaction
que estabelece um consenso sobre quem vai falar e o tópico; e negotiation of meaning que se refere
a comunicação clara das ideias.
Falantes podem negociar em vários níveis. Por exemplo, eles podem:
i. influenciar o nível da compreensão;
ii. tentar controlar a conversa;
iii. mostrar hostilidade para com o interlocutor, interrompendo-o;
iv. adicionar informação;
v. pedir ou dar clarificação.
Destacamos que, em qualquer desses níveis os falantes, necessariamente, se preocupam com
a ação responsiva dos interlocutores.
Faerch and Kasper (1983), identificam as estratégias de comunicação oral usadas por
aprendizes de língua estrangeira como:
Achievement strategies (estratégias de realização)
(i) Guessing strategies ( foreignizing words, borrowing, literal translation, coining);
(ii) Paraphrase strategies (lexical substution strategy, circumlocution);
(iii) Co-operative strategies (asks for a word, translation, physically indicating or miming).
REDUTION STRATEGIES
(i) Avoidance strategies (certain sound sequences, tricky structures lack of vocabulary).
É necessário que percebamos quais dessas estratégias são as mais importantes e eficientes
no que tange ao ensino e aprendizado de línguas. As metodologias de habilidades de recepção e de
produção oral propõem atividades de dois tipos (FAERCH; KASPER, 1983):
i. accuracy (possibilitam a produção de linguagem correta) e;
ii. communicative or interactional skills (possibilitam o uso eficiente da língua).
Para tanto, podemos considerar os seguintes exercícios:
(i) descobrir a informação que está faltando;
(ii) repetição de diálogos;
(iii) reconstruindo sequências de histórias e;
(iv) dando informações.
Antes de adotarmos livros didáticos e propormos atividades para os nossos alunos, devemos
verificar alguns aspectos:
i. quão previsíveis serão a informação e o vocabulário; o efeito disso na comunicação;
ii. quanta negociação é necessária;
iii. quanta reação por parte do ouvinte;
iv. quanta preparação do falante e;
v. quanta preparação do professor.
O domínio das habilidades da língua oral é uma necessidade de todo aluno de língua
estrangeira, é por meio do ensino da língua oral que o aprendiz terá oportunidades para refletir sobre
seu objeto de estudo, desenvolvendo, desta forma, seu senso crítico acerca da linguagem e tudo que
a envolve.
Habilidade de recepção: foco na leitura
Dentre as habilidades comunicativas, destacamos a leitura, enquanto atribuição e construção
de significados, além de ser uma possibilidade de conhecimento das diversas áreas do saber.
Como atividade dinâmica e interativa entre autor, texto e leitor na interpretação e
compreensão de sentidos: quando lemos, estamos produzindo ou recriando sentidos. De fato, a leitura
é um processo em que o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, não
apenas de busca de significados. Também na leitura participa-se do processo sócio-histórico de
produção se sentidos, sendo que isso se faz de um lugar e tempo determinado (contexto).
Na leitura, estão implicados, além do locutor, seus interlocutores; elementos ausentes aos
quais tudo que é produzido na escrita irremediavelmente se dirige. Portanto, no processo que começa
na escritura – que desencadeia a leitura – estão contidos os elementos fundamentais: autor, texto,
leitor.
Enquanto leitor, não podemos nos esconder atrás do texto, como se nada tivéssemos a ver
com o que ele enuncia, ou seja, não existe essa neutralidade; quando lemos construímos sentidos e,
livre do limite do tempo e do contexto em que foi produzido, um único texto possibilita múltiplas
leituras. A apreensão de sentidos inerentes a essas múltiplas leituras demandam segundo
(KLEIMAN, 2000):
i. a identificação dos objetivos do texto, a intenção do autor, classificação das informações mais
relevantes das secundárias;
ii. avaliação da consistência das informações e releitura do texto quando falhas de compreensão
são detectadas.
Quando lemos, não são as informações que são transmitidas; porém constroem-se sentidos
entre os leitores e os produtores do texto. Dessa forma, os sentidos de um texto não são propriedades
privadas do autor, não nascem nem se extinguem no momento em que escrevemos. Os sentidos são
parte de um processo; se realizam em um contexto, mas não se limitam a eles: estão situados num
tempo e se projetam para o futuro – é a historicidade do texto. Nossa identidade de leitura é
configurada por nosso lugar social, e nosso lugar social define nossas estratégias de leitura.
Desse modo, a relação autor/texto/leitor não é direta nem mecânica; visto que passa por
mediações, por variadas determinações, que dizem respeito a nossa experiência de linguagem. Na
leitura o leitor se relaciona, interpreta e compreende, procura estabelecer relações e problematizando
e se posicionando a partir de sua posição social.
Vale destacar que a compreensão e interpretação de textos não é fruto da simples apreensão
de sentidos literais: compreender não implica em apenas traduzir ou resumir um texto; mas
compreender envolve percepção, seleção de saliências textuais, confirmação e confrontação,
compreender é um jogo de inferências.
A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de
conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo
de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento
linguístico, o textual, o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto.
E porque o leitor utiliza justamente diversos níveis de conhecimento que interagem entre si,
a leitura é considerada um processo interativo. Pode-se dizer com segurança que sem o engajamento
do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão (KLEIMAN, 2000).
Dessa forma, percebe-se que a compreensão é um verdadeiro jogo entre aquilo que está
explícito no texto (que é em parte percebido, em parte previsto) e o que o leitor insere no texto por
conta própria, a partir de previsões e inferências que faz baseado no seu conhecimento de mundo.
Dentro desse conhecimento de mundo, insere-se o conhecimento linguístico.
A formação do leitor é um fator importante no processo formativo, porque constitui um
instrumento necessário para a realização de novas aprendizagens, sobretudo na atuação profissional.
Sendo assim, a leitura deveria ser vista como um processo de ensino/aprendizagem que vai além de
um simples ato de decodificar, pois envolve uma complexidade e exige sacrifício, é também descobrir
e descobrir-se.
A importância da leitura, para essa autora consiste na possibilidade dela proporcionar prazer,
conhecimento e a construção de um pensamento crítico. Mediante a interação do leitor com o texto,
é possível favorecer a participação em diálogos, debates, opiniões, possibilitando a construção de
novos conhecimentos. A leitura é um processo em que o leitor realiza um trabalho ativo de construção
do significado do texto; dessa forma, trabalhar a leitura em um sentido de construir significados e
não somente buscar significados.
Dessa forma, Kleiman (2000) propõe alternativas no que diz respeito à concepção de leitura
nas práticas pedagógicas; ela propõe-se que a leitura seja trabalhada de diversas maneiras,
considerando suas funções diversificadas, dando ao estudante/leitor a oportunidade de interagir não
só com seus pares, mas com o próprio texto, levando-o a questionar-se em relação as intenções do
autor em abordar esse tema, levantar hipóteses, ter um posicionamento positivo ou negativo, dentre
outros aspectos.
Como leitor, podemos ocupar distintos comportamentos: ora leitor construtor e ora leitor
analisador. No primeiro tipo, o leitor se apóia em seus conhecimentos prévios para prever as
informações veiculadas em um texto. Ele prediz muito do que é dito e pode inventar informações que
não se encontram no texto. Dessa forma, esse tipo de comportamento pode prejudicar a integridade
das informações veiculadas ao texto (SILVEIRA; MURASHIMA, 2011).
Conforme as autoras, outro tipo – o leitor analisador – analisa linearmente as informações
do texto, processa de forma lenta o significado de todas as partes para atingir a compreensão textual.
Enquanto leitores proficientes, usa-se, de acordo com a necessidade, a estratégia mais apropriada.
Assim, os textos contêm informações novas que demandam uma leitura mais cautelosa, atenta, uma
compreensão mais criteriosa, analítica. Todavia, os textos contêm também informações mais
previsíveis, demandando, para sua compreensão, as estratégias do leitor construtor (SILVEIRA;
MURASHIMA, 2011).
Também Cipriano Luckesi (2010), em sua obra sobre o ato de ler no contexto universitário,
chama a atenção para a postura do leitor na prática da leitura. O autor apresenta um conceito de leitura
como um processo dinâmico, que envolve diferentes etapas, como a decodificação de símbolos
gráficos e a compreensão/apreensão do conteúdo, assim como o julgamento ou o posicionamento
acerca do texto lido.
O que importa não é a leitura pela leitura, ma sim a leitura como mecanismo auxiliar do
trabalho do entendimento do mundo. Isso requer uma prática de leitura crítica que seja
contextualizada, ou seja, que estuda o contexto de produção do texto, sua época, local, intenção de
produção, finalidade comunicativa, assim como procura relacionar a obra com o produtor do texto.
Para tanto, o teórico propõe um esquema de leitura, uma proposta didática composta por três
momentos distintos ou atividades, quer sejam:
(i) Identificação dos elementos subsidiários da leitura: autor do texto, a fonte, extensão do texto, o conteúdo,
a tipologia textual, as referências feitas no texto, estudo dos componentes desconhecidos no texto
(vocabulário técnico, nomes de autores, correntes doutrinárias, fatos históricos que são desconhecidos).
Ele reafirma a importância do sujeito deixar de assumir uma postura como um leitor objeto,
aquele que apenas identifica e decodifica, de forma mecânica, os símbolos, não assumindo uma
postura crítica frente ao texto, perdendo a objetividade. Nessa situação o leitor não compreende com
precisão a mensagem, as informações transmitidas, apenas as memoriza e as reproduz, sem
consciência acerca da origem, evolução, nem dos fundamentos de tais informações.
(ii) Compreensão/apreensão do conteúdo da leitura: Por outro lado, o autor destaca que o leitor poderá
ser sujeito da leitura, quando ao invés de apenas reter as informações, conseguir compreender a
mensagem, ou seja, seja capaz de estabelecer relações sobre e para além do texto. Pois o texto não
termina nele mesmo, mas ele mediatiza leitor e mundo, cumprindo, dessa forma, sua função: auxiliar
no entendimento da realidade, do mundo.
(iii) Posicionamento acerca da leitura: nessa perspectiva o leitor procura avaliar o texto, fazendo
constantes questionamentos e buscando dialogar/interagir com o autor do texto. Isso ajudará a criação
de novas mensagens que se apresentarão como novas compreensões da realidade e construção de
novos significados, garantindo o processo de multiplicação e ampliação do conhecimento, da cultura.
Enquanto leitor sujeito procura-se criar o novo, não repetindo o conhecimento, mas sendo criativo e
avançando/aprofundando o que está posto e já construído.
Ainda, conforme Luckesi (2010), na postura do leitor-sujeito, passa-se a ser leitor-autor,
pois que não apenas recebe mensagens, mas as cria e as transmite com novo dimensão. Só assim, se
multiplica a cultura e a aprofunda.
Habilidade de recepção: foco na escrita
Da mesma forma, é inegável o valor/importância da escrita na atualidade, pois esta permeia
as esferas individuais em todos os níveis profissionais. Embora o domínio do texto escrito não seja
garantia de ascensão social, amplia as possibilidades de inserção no mundo contemporâneo.
Quando se trata da escritura de um texto técnico, como o exposto acima, deve-se dar atenção
especial ao conteúdo, no sentido de selecionar as informações que são, de fato, essenciais aquilo que
se deseja transmitir. Para se encadear um texto técnico, se trabalha com relação de
causa/fato/consequência (MACHADO NETO, 2003).
Para se manter a unidade do texto, cada ideia ou conceito deve ser tratado de forma
independente e completa, em um único parágrafo. Isso evita a dispersão, se cada ideia ou informação
aparecer uma única vez, em um único lugar. Procurar, também dar atenção à forma do texto, cuidando
para não se redigir períodos muito longos, que podem dificultar o processamento das palavras, por
parte do leitor. Observar se as informações que constituem um período devem constituir uma unidade
temática, ou seja, essas informações não podem ser independentes. Ora, se o leitor é o alvo do texto
técnico, devemos nos preocupar com a compreensão que ele terá do que escrevemos.
Para tanto, é importante na medida em que o texto vai sendo construído, que sejam
apresentadas conclusões parciais sobre as informações que estamos disponibilizando. O texto
técnico, por natureza, tem de ser claro, eliminado-se nele o que está subentendido, para que não seja
um desafio para a inteligência do leitor (MACHADO NETO, 2003).
O processo de escrever, ainda segundo Antunes (2010), é um processo de interação, por isso
não tem sentido escrever quando não se está procurando agir com o outro, trocar ideias, informações,
sob algum pretexto. Assim como é uma atividade contextualizada, situada em algum momento,
espaço e evento cultural. E, dentre outras características, escrever é uma atividade que se manifesta
em gêneros particulares de texto. Ou seja, os textos não têm a mesma cara. Como em outras áreas
sociais, estamos sujeitos aos esquemas convencionais, definidos institucionalmente e legitimados
pela própria recorrência. Saber usar textos é característica do mundo letrado em que vivemos.
Quanto à produção do texto na prática pedagógica, Geraldi (2005) apresenta algumas
condições necessárias. É preciso que o estudante/produtor de textos:
i. tenha o que dizer;
ii. tenha uma razão para dizer;
iii. tenha para quem dizer.
Ou seja, que se constitua como sujeito, assumindo a responsabilidade da palavra e que sejam
escolhidas estratégias adequadas, de acordo com o interlocutor. Para isso, é necessária a existência
da relação interlocutiva no processo de produção de textos em sala de aula. É essa relação que
orientará todo o processo da prática com a linguagem.
Escrever subentende-se a expressão com eficácia, ou seja, quando se consegue que o
interlocutor não apenas identifique as intenções comunicativas do autor, mas que a leitura modifique
o comportamento em função da compreensão textual. Os leitores, não apenas são decifradores do
texto, mas podem ser influenciados pela argumentação do produtor do texto. Caso se queira
apresentar ideias que reforcem a razão do interlocutor, o texto precisa ser convincente; se, no entanto,
o objetivo é levar o leitor a mudar de opinião sobre um assunto, o texto precisa se persuasivo.
Para produzir um texto coerente e interessante, é fundamental conhecimento sobre o assunto
que será explorado e saber organizar as informações relativas a essa ideia. Assim, a elaboração de
um texto pressupõe um acurado planejamento, em etapas:
i. pré-escritura: definimos qual objetivo do texto, busca de informações, de anotações, de
listagens, esquemas;
ii. escritura: processamento e geração de ideias, uma tarefa recursiva e a organização das ideias
e informações;
iii. pós-escritura: consta na revisão do texto, verificando-se possíveis desvios em relação aos
padrões linguísticos, a existência de sentidos imprecisos, e a possível acessibilidade e
aceitabilidade do leitor.
Sendo assim, a escrita é um dos processos mais complexos da atividade humana, que faz
exigências à memória e ao raciocínio. A competência em escrita requer um estudo sério e está
relacionado com o modo como se aprende a escrever e a importância que essa atividade tem para os
sujeitos. Da mesma forma, a competência, tanto no ato de ler, falar e escrever qualifica-se com de
notória importância na dimensão da competência comunicativa/ discursiva.
Considerações finais
O domínio das habilidades de recepção (leitura e compreensão oral) e de produção
(expressão oral e escrita) é fundamental para que haja uma integração social efetiva, pois, por meio
dela, o homem se comunica, dialoga, expõe ideias, pensamentos, opiniões.
No ensino de línguas, não se trata de “ensinar “a língua materna ou a estrangeira, nem se
pode, aliás, ensinar uma língua. O que cabe aos professores de língua é ir aumentando a capacidade
comunicativa dos alunos, trabalhar com a(s) língua (s), melhorando sempre mais e tornando mais
produtivo o desempenho desse instrumento.
Com esta discussão concluímos que as habilidades comunicativas ainda são muito pouco
exploradas nas aulas de língua materna e estrangeira. A problemática desse tipo de negligência do
ensino é que os alunos continuarão sem ter formação e consciência de uso das habilidades necessárias
e de suas adequações às diversas situações de comunicação que nos envolve.
O ensino de línguas deve despertar a curiosidade dos alunos quanto as similaridades e
diferenças entre as línguas que eles se propõem a estudar, ampliar a visão de mundo e contribuir para
que o sujeito compreenda mais o seu meio e sua identidade social e cultural.
Referências BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes de. Interação e aprendizagem de línguas na pesquisa em sala
de aula. In: MENDES, Edleise; CUNHA, José Carlos (Orgs.). Práticas em sala de aula de línguas:
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