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UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Faculdade de História, Direito e Serviço Social CAMPUS DE FRANCA ROSA MARIA DA EXALTAÇÃO COUTRIM Envelhecimento e Resistência: um estudo da identidade na Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos (1983 - 1990) Franca, SP, 1998

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UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Faculdade de História, Direito e Serviço Social

CAMPUS DE FRANCA

ROSA MARIA DA EXALTAÇÃO COUTRIM

Envelhecimento e Resistência: um estudo da identidade na Associação de

Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos (1983 - 1990)

Franca, SP, 1998

2

ROSA MARIA DA EXALTAÇÃO COUTRIM

Envelhecimento e Resistência: um estudo da identidade na Associação de Aposentados e

Pensionistas de São José dos Campos (1983 - 1990)

Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre

em História à Comissão Julgadora da Faculdade de História, Direito e Serviço

Social, sob a orientação da Profa. Dra. Eneida G. de Macedo Haddad

_______________________________________

_______________________________________

_______________________________________

UNESP - Universidade Estadual Paulista Faculdade de História, Direito e Serviço Social

Franca, SP, 1998

3

4

A meus pais, Heitor e Iolanda, pessoas maravilhosas que me permitiram sonhar e ensinaram a transformar estes sonhos em metas. Com gratidão.

Ao Mauricio, meu companheiro de jornada, pela cumplicidade que nos une em todos os momentos. Com amor.

A Mayara e Renato, meus filhos. Com esperança.

5

Agradecimentos

À profa Eneida G. de Macedo Haddad, quem me acompanhou, com

muita paciência, nesta etapa de amadurecimento pessoal e

intelectual.

Aos meus familiares, sempre presentes com palavras de ânimo e

apoio.

À profa Dra Maria Aparecida de Aquino, pela análise cuidadosa do

projeto e sugestões muito pertinentes.

À profa Dra Márcia D’Aléssio, quem me ensinou a procurar “o que

somos” e “o que queremos” nos estudos sobre a identidade.

À profa Dra Laima Mesgravis e à profa Dra Luci Gati Pietrocolla,

membros da banca do Exame Geral de Qualificação, pelas críticas e

indicações de leituras plenamente pertinentes ao trabalho.

À Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos

Campos, pela liberdade que me foi dada para pesquisar seus

arquivos. Consulta esta feita ao sabor de interessantes discussões

com seus membros e de um delicioso cafezinho.

Ao arquivo do jornal “Valeparaibano”, gerenciado por Gilberto

Martins, e aos seus funcionários; pela amabilidade e

profissionalismo.

À Biblioteca Municipal de São José dos Campos “Cassiano Ricardo”,

onde parte das matérias jornalísticas foi pesquisada; pela atenção e

receptividade.

Às instituições CAPES e FAPESP, pelo apoio financeiro essencial.

A todos os entrevistados, pelo carinho e prontidão com que me

acolheram.

6

Resumo

Este trabalho é relativo à pesquisa histórica da Associação de

Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos de 1983 a 1991. A

entidade criada no âmbito do Movimento dos Aposentados e Pensionistas,

desde os primeiros anos de funcionamento esteve voltada para as conquistas

previdenciárias da categoria.

Sua identidade, em construção desde o início das atividades, teve

interferência do Movimento, do poder local e da memória do grupo formada

por lembranças das vitórias e derrotas sofridas na luta contra o

achatamento dos proventos percebidos pelos aposentados e pensionistas.

A pesquisa de campo foi constituída pelas fontes orais e documentais

(dentre estes a fonte jornalística) e visou demonstrar como a entidade, em

seu espaço de ação, articulou forças para constituir-se em instrumento de

resistência dos aposentados contra sua exclusão social, provocada pela

pauperização da categoria.

Palavras chave: identidade, resistência, aposentadoria, idosos,

neoliberalismo, previdência social.

7

SUMÁRIO

NOTA INTRODUTÓRIA…………………………………………………… 10

CAPÍTULO I

A Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos

Campos: um pouco de história……………………………………………...

24

1.1 A Relação com o Sindicato……………………………………………… 25

1.2 A fundação………………………………………………………………… 32

1.3 Tornando-se eclética…………………………………………………….. 40

1.4 Em busca do próprio espaço……………………………………………. 46

CAPÍTULO II

O Modelo Previdenciário Brasileiro e a Organização das Políticas

Neoliberais: o jogo da resistência diante das metamorfoses do outro..

49

2.1 Breve histórico da previdência social no Brasil (1923 -1960)……… 52

2.2 A publicação da LOPS e o modelo previdenciário no governo

militar (1960 -1980)………………………………………………………….. 59

2.3 O neoliberalismo e sua difusão na previdência social (1980-1990) 70

2.4 A Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos

Campos: A resistência na relação com seu outro………………………...

77

CAPÍTULO III

A (re)Organização da Identidade da Associação de Aposentados e

Pensionistas de São José dos Campos…………………………………….

93

3.1. Adotando um conceito de identidade………………………………..

95

3.2. Coesão do grupo: experiências compartilhadas……………………

107

3.3. A influência dos projetos na organização identitária……………..

117

3.4. Poder local: Alianças e estratégias para a sobrevivência do

grupo……………………………………………………………………...

133

Considerações finais…………………………………………………………. 140

Referências Bibliográficas…………………………………………………... 145

8

9

SIGLAS

AAPSJC - Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos

CAPs - Caixas de Aposentadorias e Pensões

CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas

COBAP - Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas

CONCLAT - Congresso Latino-Americano de Trabalhadores

Federação - Federação de Aposentados e Pensionistas de São Paulo

FGTS - Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço

IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões

INPS - Instituto Nacional de Previdência Social

LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social

MOP - Movimento dos Aposentados e Pensionistas

PRN - Partido da Renovação Social

PSDB - Partido Social Democrata Brasileiro

SUS - Serviço Único de Saúde

10

11

NOTAS INTRODUTÓRIAS

Este é um estudo sobre a história da Associação de Aposentados e

Pensionistas de São José dos Campos (AAPSJC), no qual problematizou-se

a formação da identidade e a resistência do grupo. Uma Associação que,

embora constituída por aposentados, difere-se das associações voltadas para

o lazer, tão divulgadas atualmente.

Nos últimos anos, vem-se constatando a busca pelos aposentados de

maior participação na sociedade por meio da inserção em grupos

geracionais. A observação empírica aponta, a proliferação de universidades,

cursos, centros e programas de turismo voltados para a Terceira Idade.

Não se pode negar uma tendência cultural geral dos aposentados das

camadas médias (independentemente do estágio de desenvolvimento

econômico do país) de procurarem formas criativas para recuperar sua auto-

estima. O cuidado com o corpo e o lazer tem se apresentado como alternativa

para os idosos das camadas médias - o que conseqüentemente, possibilita a

formação de novos grupos identitários.1 No entanto, as mudanças culturais

ocorridas nas sociedades contemporâneas não têm sido acompanhadas por

melhorias na situação econômica da massa da população idosa,

especificamente daqueles dependentes da previdência pública. Por isso,

Eneida Haddad alerta para os perigos da generalização.

Tomar a juventude, a velhice, a vida ou a morte, sem

considerar as diferenças é cair nas tramas da

universalidade abstrata. Entretanto, os propalados

‘programas para idosos’ repousam em pressupostos a-

históricos. A questão social da velhice é formulada

desconsiderando os fundamentos materiais de sua

existência, vista como ameaça que paira igualmente

sobre todos os homens, independentemente do lugar

que ocupam no processo produtivo. Há por detrás, o

MODELO, o esquema da homogeneidade (1991:15).

1 Utilizando-se do conceito exposto por Carlos Rodrigues Brandão “... as identidades são

representações inevitavelmente marcadas pelo confronto com o outro...mais do que isto, não

apenas o produto inevitável da oposição por contraste, mas o próprio reconhecimento social da

diferença” (1986:42). Grifos do autor.

12

A discussão a respeito da validade e da abrangência dos programas

voltados para o que tem sido chamado de Terceira Idade, embora

interessante, não integra a preocupação do presente trabalho, centrado na

organização política dos aposentados. Por isso, embora relativo ao processo

do envelhecimento, ele não se propõe ensinar como ter uma velhice feliz e

saudável. Não aborda as misérias do corpo na velhice ou os programas que

pregam um envelhecimento sem doenças, mas está atento ao

envelhecimento sem cidadania. Pretende ir além da crise de auto-estima por

que passa o aposentado, saltando para a crise de identidade desta categoria

identificada com a pobreza.

Criada no âmbito do Movimento de Aposentados e Pensionistas, a

AAPSJC tem como propósito a união dos aposentados e pensionistas de São

José dos Campos em torno da melhoria dos benefícios pecuniários por eles

recebidos. Em outras palavras, sua luta está intimamente ligada às

questões relacionadas à melhoria do padrão de vida do dependente da

previdência pública no Brasil.

O corte temporal iniciado em 1983, quando ocorreu a fundação da

entidade, estendeu-se até 1991, ano da inauguração de sua sede própria.

Observe-se ainda que este ano foi marcado por um novo cenário na política

previdenciária decorrente do governo de Fernando Collor de Mello, iniciado

no ano anterior. 2

A história da Associação é curta, porém dentro de poucos anos,

fundadores e primeiros associados estarão impossibilitados de dar seus

depoimentos. Aliando esta constatação ao raciocínio de Foucault (1979), de

que o presente por si não se explica, acredita-se ser importante recorrer ao

passado da entidade, a fim de contribuir para a definição de suas formas de

luta diante de um futuro incerto.3 Houve, portanto, a intenção de pensar o

passado da AAPSJC, tendo em vista a aplicação das políticas públicas

2 A discussão em torno do neoliberalismo no Brasil tem se aprofundado nos últimos anos. Dentre os

autores que discutem o tema estão Francisco de Oliveira (1996), que em seu texto Neoliberalismo à

Brasileira, aponta o governo Sarney como marco para a aplicação das políticas neoliberais no

Brasil. Sader (1996), Sola (1993), Kuntz (1993) e Draibe (1988). 3 Nesta obra Foucault discute a importância da análise genealógica, onde o passado é compreendido

a partir de uma preocupação do presente.

13

neoliberais no Brasil, para que novas alternativas sejam criadas por esse

grupo, por outros grupos e por outros pesquisadores, ao vislumbrarem o

tenebroso futuro que está se delineando para os movimentos sociais e para

os dependentes da previdência social. Muita pretensão? Talvez. Mas assim

como centenas de outros iniciantes (ou não) na arte do pensar sobre, a

insegurança diante do futuro levou a investigadora recorrer ao passado.

Morto nos documentos, vivo na memória.

Para facilitar a compreensão do objeto, os objetivos foram

esquematizados em tópicos e permearam a pesquisa do começo ao fim, para

não se perder de vista o que se buscava:

Conhecer as origens da Associação de Aposentados e

Pensionistas de São José dos Campos, interior de São Paulo.

Relacionar a história da Associação com o contexto maior, da

organização da previdência pública brasileira, no período entre

1983 e 1991.

Compreender a formação da identidade do grupo ao longo de

sua história e as formas de resistência encontradas por ele

para se manter.

A pesquisa direcionou-se então, para a investigação da identidade de

uma associação que foi criada em um período determinado, num local

determinado e por certos indivíduos. O texto de Benjamin ilustra a

percepção da história desta entidade como algo que ultrapassa o tempo

linear ... “A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo

homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de ‘agoras’ ” (1994:229-30).

A fim de nortear os rumos da investigação, algumas hipóteses foram

formuladas. É importante esclarecer que, embora sempre presentes, elas

estiveram longe de se constituir em campo restritivo para análise, mas

representaram uma referência para o desenvolvimento da pesquisa.

Naturalmente, sofreram algumas modificações periféricas com o decorrer da

investigação. Principalmente após as enriquecedoras leituras relativas à

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questão da resistência e do projeto como constituinte da identidade. Porém,

na essência, mantiveram o projeto inicial.

O grupo em estudo forjou uma identidade própria no período entre

1983 e 1990. Esta foi influenciada por vários fatores, internos e externos a

ele, tais como:

memória do grupo, acumulada a partir da convivência e do

compartilhamento de experiências;

relação com o poder local, onde as estratégias e táticas de

barganha foram criadas e recriadas;

organização central do Movimento de Aposentados e

Pensionistas.

Ao privilegiar a memória e os projetos da entidade, analisou-se a

formação identitária sob dois prismas: o passado e o futuro. O primeiro,

trazendo as experiências compartilhadas como ponto de união. O segundo,

compreendendo as estratégias definidas como organização de luta e

sobrevivência futuras. Estudando os arranjos e relações com o governo local,

enfocou-se a resistência do grupo como esforço para manter-se enquanto

entidade representativa de uma categoria tão desunida.

O leitor provavelmente indagará: - Por quê identidade e resistência?

Porque sem uma não há outra. Sem saber o que somos e o que queremos,

motores da identidade, dificilmente saberemos o que poderíamos ser, ponto

básico para a resistência.

No dicionário Aurélio o termo resistência é assim explicado:

“ Ato ou efeito de resistir. Força que se opõe a outra,

que não cede a outra. Luta em defesa. Defesa. Fig.

Oposição ou reação a uma força opressora. Embaraço,

obstáculo, empecilho. Fig. Vigor moral; ânimo”.

Interessantes caminhos vão se delineando ao refletir sobre a

resistência de um grupo de idosos. Em uma análise menos cuidadosa o

objeto de pesquisa não estaria associado ao termo. Perguntas surgiram em

torno do tema. Como pode o idoso se constituir em “força que se opõe e não

15

cede a outra”? Quais as armas dos aposentados para exercer a “oposição a

uma força opressora”? E mais, como podem causar “embaraço” e ser um

“empecilho” se o que lhes falta é justamente “vigor moral e ânimo”?

Questões como essas estiveram sempre presentes.

A abordagem dada ao objeto não se restringiu à histórica, não só

pela própria formação da pesquisadora em Ciências Sociais, mas também

por escolha voluntária. Fizeram parte da construção do trabalho, além de

historiadores, olhares de economistas, sociólogos, antropólogos e até

psicólogos.

Não se pretendeu aqui seguir uma conduta rígida com relação à

construção metodológica, uma vez que foram adotados autores de diversas

linhas metodológicas, e mais ainda, a construção do objeto esteve

permanentemente atrelada à análise indutiva. Mesmo correndo o risco da

incoerência de métodos, optou-se por trabalhar autores diversos como David

Harvey, Michel de Certeau, Boaventura de Sousa Santos, Michel Foucault,

Marilena Chauí, Maurice Halbwachs, entre outros.

A partir de um objeto restrito, com características monográficas,

pretendeu-se caminhar para um campo mais amplo, inserindo este objeto

em uma realidade em transformação. Tentou-se evitar, como coloca Jobson

de A. Arruda, o soterramento do “porquê” em privilégio do “como”. Ou ainda,

“no lugar de uma grande história, pequenas e variadas histórias”(Arruda,

s/d: 8). Uma dificuldade se apresentou como conseqüência desta opção:

Como perceber no objeto, a resistência cotidiana e os

traços de políticas sociais e econômicas tão amplas,

fruto de mudanças que estão sendo realizadas

mundialmente?

Optou-se por recorrer a pesquisadores que trabalham atualmente

com a questão da globalização e das políticas neoliberais. O trabalho em

construção encontrou então alguns pilares onde se ancorar. Boaventura de

Sousa Santos, David Harvey, Emir Sader, Pablo Gentili, Viviane Forrester,

entre outros. Para a análise específica da resistência, recorreu-se à Marilena

Chauí, Michel de Certeau, Flávia Shlilling, Michel Foucault, e outros. A

16

reflexão em torno da questão da memória e identidade contou com o

trabalho de Pierre Nora, Michel Pollack, Maurice Halbwachs, Leví Strauss,

Gilberto Velho e Luci G. Pietrocolla.

Buscou-se, assim, fazer uma análise mais ampla da história da

Associação, conferindo a ela o movimento de ampliação e contração do foco,

trabalhando a subjetividade (como identidade e resistência), inserida no

contexto de transformações políticas e econômicas. Conforme escreveu

Arruda ao refletir sobre um nova história.4

Uma nova hermenêutica incorpora novas estratégias de

aproximação com o passado, incorporando o novo valor

da subjetividade humana e, sem perder de vista os

fenômenos estruturais, as classes, os grupos, as formas

coletivas de vida, incorporar a descontinuidade, a

quebra das relações entre auto-conhecimento e auto-

interpretação das pessoas e das circunstâncias de suas

vidas, ruptura esta que deveria ser observada e

interpretada pelos historiadores, transcendendo o

horizonte cultural do passado (Arruda. S/d:21).

No primeiro capítulo, o leitor encontrará um levantamento histórico

da Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos de

1983 a 1990. O objetivo deste capítulo foi levar o leitor a conhecer a

formação da entidade no seio do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos,

Mecânicos e Material Elétrico de São José dos Campos, Jacareí, Caçapava e

Santa Branca. O capítulo traz também o contexto do Movimento de

Aposentados e Pensionistas que levou a formação das associações, dentre

elas, aquela que é o objeto da investigação.

O segundo capítulo trata da trajetória da previdência social

brasileira de 1923 a 1980 baseada em bibliografia específica, e das formas de

resistência encontradas pela Associação para se manter diante das novas

políticas sociais adotadas já no início dos anos 90. Procurou-se neste capítulo

relacionar as transformações ocorridas mundialmente com as

transformações da previdência pública brasileira.

Com o objetivo de melhor compreender as estratégias de

sobrevivência do grupo, o último capítulo foi dedicado aos fatores

4 Não confundir com a História Nova.

17

constituintes da identidade da Associação. Trabalhou-se as relações com o

poder local como forma de manutenção do grupo. A memória e os projetos

para o futuro, foram analisados como pilares para a coesão do mesmo diante

da força exercida pelo governo federal, representado pela previdência.

Procedimentos Técnicos

Por se tratar de uma investigação norteada por tema e período

definidos, decidiu-se utilizar recursos da história oral temática.5 Os detalhes

pessoais do depoente interessaram à medida em que se revelaram

importantes à temática principal e as especificidades foram buscadas nas

generalizações.

As entrevistas ofereceram a dimensão viva da memória para a

pesquisa histórica, no entanto, os depoimentos orais, conforme suas

características, apresentaram forte carga de subjetividade tanto por parte

da fonte quanto do pesquisador, em todas as fases da pesquisa. Como o

objetivo não foi fazer um trabalho biográfico, não se permaneceu restrito aos

depoimentos. Além disso, a história oral se mostrou particularmente

instigante quando se intentou trabalhar com lacunas deixadas pelos

documentos. Procedeu-se então à análise da documentação escrita

produzida pela Associação e de registros jornalísticos encontrados na

imprensa local entre 1983 e 1991.

O periódico selecionado para a investigação foi “O Valeparaibano”,

um dos jornais de maior tiragem no Vale do Paraíba na época. Alguns

critérios pesaram na escolha deste diário: o fato dele não ter sofrido

interrupção no período definido e possuir um arquivo completo e em bom

estado de conservação. Não foram analisadas matérias jornalísticas

relativas ao posto regional do INSS, impertinentes ao tema central.

As seções pesquisadas foram:

5 De acordo com Meihy (1996) esta modalidade de história oral parte de um tema preestabelecido e

específico. Busca então a versão do narrador a respeito de um período ou fato delimitado pelo

pesquisador.

18

“Carta do leitor”: a fim de conhecer as possíveis declarações

espontâneas feitas pela AAPSJC.

“Local”: onde se encontram notícias relacionadas especificamente ao

município.

“Regional”: para investigar notícias referentes às associações co-

irmãs da região e a ascendência da AAPSJC sobre elas.

“Editais”: para tomar conhecimento dos editais de convocação de

assembléias ou eventos afins.

Vale mencionar que a proposta original da pesquisa não incluiu a

análise ideológica do discurso da imprensa. Mesmo assim, foi realizada

entrevista com Gilberto Martins, gerente do Centro de Documentação

(CEDOC) do referido jornal, com o fim de captar a linha ideológica, as

origens do jornal e seu atrelamento político.

Documentos como Estatuto, livro de Atas, fichas de filiação, entre

outros, constituíram-se fontes importantes para a pesquisa.6 Permitiram

que fosse construído o quadro de datas, nomes e normas de funcionamento,

que deu suporte às entrevistas, além de possibilitarem um aprofundamento

maior em torno dos objetivos e pontos de discussão dos primeiros

integrantes do grupo.

Não se pretendeu, em nenhum momento, garantir a objetividade

absoluta da investigação, mas o reconhecimento e, conseqüentemente, o

maior controle da própria subjetividade e das fontes utilizadas. Acredita-se

que o reconhecimento da interferência do pesquisador foi fundamental para

a realização da pesquisa. Maria Isaura Pereira de Queiroz dá sua

6 Todas as fontes foram submetidas à análise de coerência interna e externa. De acordo com

Thompson, a análise de coerência interna da entrevista é efetuada mediante a leitura desta como

um todo, a fim de que o pesquisador possa perceber as contradições do texto. O mesmo

procedimento pode ser adotado para outras fontes. “Toda supressão ou invenção de monta

ocasionará incoerências, contradições e anacronismos extremamente óbvios, especialmente se a

entrevista durar por mais de uma sessão” (1992:306).

A análise de coerência externa é um dos procedimentos que diminui os riscos de utilização de

depoimentos inverossímeis e implica na conferência destes com outras fontes (cf. Tompson,

1992:307).

19

contribuição para a discussão em torno da interferência pessoal do

investigador, revelando-a como um exercício de individualidade e reflexão:

O termo ‘subjetivo’ exprime o sujeito pensante em sua

individualidade, naquilo que lhe é próprio e que,

compondo uma das matrizes de sua experiência de

vida, forçosamente interfere em suas interpretações,

em sua imaginação, em seus julgamentos; todo o

conhecimento que adquire ao longo da existência

estaria, assim, fortemente marcado pela contingência e

pelo arbitrário de suas condições peculiares. Todo

conhecimento captado através da subjetividade, isto é,

daquilo que compõe o íntimo de um indivíduo e a que

ele está mais efetivamente ligado, traria a marca do

único e do incomunicável (1991:51).

Pode-se perceber, a partir deste trecho que a subjetividade, enquanto

experiência própria e individual, traz não apenas benefícios à ciência, mas é

o próprio agente causador da pluralidade de olhares sobre o passado e o

presente de uma sociedade ou instituição.

Ao abordar um tema contemporâneo, relativo à identidade de um

grupo formado por aposentados, a história oral apresentou instrumentos que

puderam ser utilizados na análise do objeto. “A elucidação das origens é um

dos elementos básicos do processo de construção de identidade, quer se trate

de uma empresa, uma instituição ou uma nação” (Motta,1994:70). Acredita-

se que este processo se torna ainda mais claro se os próprios membros

trabalham suas memórias com o objetivo de elucidar a origem do grupo,

mesclando passado e presente em suas falas.

Vale ressaltar ainda que o estudo em questão não teve como objetivo

investigar o Movimento de Aposentados e Pensionistas no Brasil, mas abrir

um outro enfoque de observação, que é o desdobramento deste Movimento

em uma cidade do interior paulista. Seu compromisso também não esteve

em conhecer os líderes nacionais, mas os pioneiros do movimento na cidade,

que construíram uma entidade que se mantém em crescimento até os dias

atuais.

O trabalho da memória dos depoentes foi acompanhado e registrado,

porém não foi analisado porque a pesquisa restringiu-se a captar seu sentido

20

social e, conseqüentemente, sua contribuição para a história da Associação e

do Movimento de Aposentados e Pensionistas. Conforme coloca Sebe Bom

Meihy:

Como pressuposto, a história oral implica uma

percepção do passado como algo que tem continuidade

hoje e cujo processo histórico não está acabado. A

presença do passado no presente imediato das pessoas

é razão de ser da história oral. Nesta medida, a história

oral não só oferece uma mudança para o conceito de

história, mas, mais do que isto, garante sentido social à

vida de depoentes e leitores que passam a entender a

seqüência histórica e a sentirem-se parte do contexto

em que vivem (1996:10).

Os discursos dos primeiros integrantes da Associação possibilitaram

a percepção de correntes políticas, rivalidades internas, embates, conchavos

e acordos, muitas vezes imperceptíveis nos documentos escritos. Estes traços

invisíveis nas Atas de reuniões, Estatutos, listas de presenças de

assembléias e demais documentos produzidos pela entidade, puderam

tornar-se mais claros nas falas dos colaboradores. Bem como as estratégias

diante do poder local, puderam transparecer nos depoimentos. Conforme

Ferreira:

Ainda que objeto de poucos estudos metodológicos mais

consistentes, a história oral, não como uma disciplina,

mas como um método de pesquisa que produz uma

fonte especial, tem-se revelado um instrumento

importante no sentido de possibilitar uma melhor

compreensão da construção das estratégias de ação e

das representações de grupos ou indivíduos em uma

dada sociedade (1994:12).

Optou-se pela coleta de depoimentos entre os integrantes da

AAPSJC que participaram da formação e dos primeiros 8 anos de vida do

grupo. Esta opção foi feita, principalmente por se tratar aqui de um estudo

de história recente, o que possibilitou o contato com parte dos fundadores da

entidade que ocuparam cargos na diretoria ou associados que se filiaram até

1991.

Outros depoimentos foram tomados entre pessoas que não fizeram

parte da Associação, mas que estiveram presentes nos seus primeiros oito

anos de funcionamento. Como José Luiz Gonçalves, na época secretário

21

geral e, posteriormente, presidente do Sindicato dos trabalhadores

Metalúrgicos, Mecânicos e Material Elétrico de São José dos Campos, ao

qual a Associação esteve atrelada até 1986, quando tornou-se eclética.

O depoimento de Nelson Marchesini, secretário da Federação de

Aposentados e Pensionistas de São Paulo no período estudado, também foi

tomado, visto que a AAPSJC esteve presente nas reuniões mensais da

Federação e nos Encontros Estaduais promovidos pela entidade. Estes

depoimentos serviram como apoio na percepção da relação travada entre

Federação e a Associação e, da influência da direção central do Movimento,

na formação da identidade do grupo. Ao todo, 20 entrevistas foram

realizadas: 18 com membros da Associação e duas com representantes da

Federação e Sindicato.

A princípio, delimitou-se um objetivo específico para cada fonte,

porém, para surpresa da investigadora, com o correr da pesquisa houve

intercâmbio entre os temas norteadores de cada uma delas, delineando-se

assim uma complementaridade das fontes.

Um roteiro temático norteou as entrevistas gravadas. Os

depoimentos foram transcritos, para que possibilitassem à pesquisadora um

segundo contato com eles, de forma mais aprofundada e para que o

arquivamento e manuseio fossem facilitados. O roteiro foi fundamental e

serviu para o estabelecimento de uma conversação continuada e uma

exploração maior a respeito do tema específico da pesquisa.

Em uma seleção seguinte, uma segunda cópia foi recortada

(anotando-se, evidentemente, as referências do informante e a data da

entrevista) e arquivada de acordo com sub-temas que obedeceram o roteiro.

A partir daí, depois de cuidadosas leituras, os temas básicos do trabalho

foram sobressaindo, tornando possível a construção das categorias.7

7 A princípio surgiram 13 categorias comuns às três fontes. No caso das entrevistas, surgiram mais

do que as 13 básicas (identificadas então por símbolos). Depois do estudo mais detalhado, estas

puderam ser agrupadas em 3 grandes grupos que obedeceram a ordem dos objetivos: - História da

Associação. - Previdência Social. - Identidade.

22

No que diz respeito à documentação produzida pela Associação,

primeiramente foi selecionada e arquivada de acordo com sua natureza e

destino como, por exemplo, Estatutos, cartas enviadas, Atas e documentos

relativos à participação em Congressos e Encontros, etc. Em uma fase

seguinte, os documentos passaram por nova triagem, de acordo com sub-

temas (13 categorias, cada uma identificada com uma letra) como relações

com políticos locais, participação na comunidade, construção da sede

própria, finanças, convênio médico, relacionamento com as centrais do

Movimento, relacionamento com o governo federal, etc. Assim como nos

depoimentos, os trechos mais significativos do ponto de vista da questão

central, foram destacados e analisados.

As matérias jornalísticas referentes à Associação no período definido

foram xerocopiadas e passaram primeiramente por uma triagem. Em uma

segunda etapa, os artigos selecionados foram fichados e arquivados de

acordo com as 13 categorias pertinentes ao tema central.

É fundamental esclarecer que para o manuseio das duas últimas

fontes foram elaboradas fichas de referência contendo dados básicos como

fonte, data, autor, sinopse do assunto tratado e observações. Estas fichas

serviram como referência para o cruzamento das fontes e para

complementação de umas às outras. As fichas de cada fonte tiveram

anotações com cores diferentes. Desta forma, evitou-se a confusão das

mesmas no momento de devolvê-las nos respectivos arquivos.

O trabalho está concluído (ou melhor, está iniciado). Percebe-se que

novos olhares foram lançados. O objeto deixou de constituir-se enquanto tal

e passou a ser parte do criador. Os caminhos foram tortuosos. A escassez de

bibliografia específica foi contrabalançada pela vontade dos entrevistados de

falar sobre seus temores e suas incertezas diante de uma previdência que

assume outros contornos com o passar do tempo. Sentiu-se em suas falas a

vontade de gritar com a energia própria da indignação.

Depoimentos como os que foram coletados serviram de estímulo

para a continuidade do trabalho. Percebia-se na entonação de voz, no olhar,

23

na emoção e, porque não, nas lágrimas contidas em certos momentos, que

existe uma parcela da população como o sr. Filippo, dona Anselma, sr.

Costantino e muitos outros, que está dizendo a todo momento “olhe para

mim, olhe para você. Veja no passado o que será o seu futuro.”

Não tenho a intenção aqui de colocar as mazelas e dores do trajeto

da pesquisa, porque os estudantes e aqueles que não o são, de uma maneira

ou de outra, passaram pelas dificuldades do processo criativo. Gostaria de

falar um pouco de paixão. Não o sentimento com o qual lidamos na condição

de seres humanos, mas sim na condição de aprendizes da ciência. A paixão

da qual falo é aquela pelo objeto de pesquisa. Este sentimento permeou todo

o trabalho e, creio que sem ela, as dificuldades não teriam sido superadas.

Foi ela, e só ela, quem permitiu a conclusão do trabalho. Para fazer

uma revolução? Não. Para exercer e mostrar uma forma de resistência. A

paixão esteve presente em todos os momentos, desde a escolha do tema (que

foi feita há 14 anos atrás) até os momentos finais. Com ela, as leituras

deixaram de ser tão árduas, a pesquisa de campo tornou-se prazerosa e as

horas (dias, meses...) de reflexão e descobertas foram atraentes momentos

para o exercício dos vários olhares possíveis no momento, sobre o objeto. Por

isso, os empecilhos se fizeram presentes em todas as fazes da pesquisa,

porém nenhum obstáculo foi tão grande a ponto de ofuscar o prazer das

descobertas.

Os limites existem. O limite do tempo, teórico, bibliográfico,

metodológico.... contudo, não são vistos como muros ou cercas, que impedem

o “conhecer mais”. Pelo contrário, são entendidos como portas, portões

abertos para a reflexão e para a superação. Na medida em que estes forem

sendo percebidos pelo leitor, novas questões irão se delineando em torno do

tema. É isso que desejo: provocar um pensar sobre. A partir do momento em

que se torna público o próprio exercício, chama-se a atenção para uma

questão pouco difundida pela mídia e pelo mundo acadêmico, porém de

fundamental importância para o trabalhador, a aposentadoria. E isso trás

uma satisfação enorme.

24

Nos anos 80 e começo dos 90 o grito dos personagens foi mais

ouvido. Hoje, o alto escalão do governo mal recebe seus representantes. A

reforma da previdência social em trâmite no Congresso prega o gasto

mínimo com os aposentados. Outras formas de luta estão sendo estudadas,

outras estratégias são pensadas para fazer frente ao poder neoliberal.

Conseguirão? A resposta fica para o amanhã.

25

Capítulo I

A ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS DE

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS: UM POUCO DE HISTÓRIA

“Os que vieram antes de mim, os que são

bons, os que são velhos, aprenderam tudo

que é minha vez de aprender.

Eles sabem o que eu não sei. Conhecem o

que é o bem e o que é o mal, e o que se deve

fazer e o que se não deve.

Os que vieram antes de mim hão de me dar

conselhos e hão de me citar exemplos.

E, em vez de fazer como os rebeldes, que

riem da sabedoria e desobedecem, hei de

atender ao que me disserem e hei de refletir

sobre isso.

E quando for a minha vez de saber, hei de

aconselhar também os que vierem depois de

mim.”

Criança Meu Amor, Cecília Meirelles

26

1.1 A Relação com o Sindicato

A Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos

está inserida na 4a região8 do estado de São Paulo, contando hoje com 18

Associações. Destas, 17 são ecléticas9 e uma representa única categoria

profissional. É a maior e mais antiga do Vale do Paraíba.

Atualmente as Associações de Aposentados e Pensionistas que

compõem a 4a região são as dos municípios de: Poá, Jacareí, Mogi das

Cruzes, Taubaté, Ubatuba, Lorena, Tremembé, Caçapava,

Pindamonhangaba, Suzano, Guaratinguetá, Campos do Jordão, Queluz,

Caraguatatuba, Guarulhos, Cruzeiro e São José dos Campos. Todas

ecléticas. A única exceção é a “Associação dos Papeleiros Aposentados de

Mogi das Cruzes, Suzano e Região”, que representa apenas esta categoria

profissional.

A Associação estudada foi fundada no referido município em 19 de

dezembro de 1983. A iniciativa da criação da entidade partiu de um grupo

de metalúrgicos aposentados e da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores

Metalúrgicos, Mecânicos e Material Elétrico de São José dos Campos,

Jacareí, Caçapava e Santa Branca, que localizava-se à rua Maurício

Diamante no 65, Jardim Matarazzo. Por isso denominou-se Associação dos

Trabalhadores Metalúrgicos, Aposentados e Pensionistas de São José dos

Campos, Jacareí, Caçapava e Santa Branca. Funcionou nos primeiros anos

no prédio do próprio Sindicato, que fornecia aos primeiros diretores da

entidade a infra estrutura necessária para o início de suas atividades.

Depois de alguns meses passou à rua Joaquim Freire no 32, para,

posteriormente, voltar à rua Maurício Diamante, onde ocupou uma

8 De acordo com o Conselho Regional da Federação de Aposentados e Pensionistas, a 4a região

compreende Vale do Paraíba, Litoral Norte, Alto e Baixo Tietê e Região Serrana, somando um

total de 300 mil aposentados e pensionistas. Atualmente é a maior do estado de São Paulo. 9 As entidades consideradas ecléticas são aquelas que não estão vinculadas a uma única categoria

profissional, estando, portanto abertas a profissionais aposentados e pensionistas de todos os

setores da economia.

27

residência térrea.10 Deste endereço a Associação saiu para ocupar sua sede

própria em 1990. Com exceção da sede própria, todos os outros prédios

anteriormente ocupados eram de propriedade ou alugados pelo Sindicato.

Inicialmente, o principal objetivo da Associação era analisar os

benefícios recebidos por seus associados e abrir processos contra a

previdência social, nos casos de erros de cálculos que pudessem prejudicar o

aposentado. Segundo o capítulo 1 do primeiro estatuto, a Associação foi

criada...

...para fins de estudo, coordenação, proteção e

representação legal dos aposentados metalúrgicos

perante ao Instituto Nacional de Previdência Social e

demais órgãos públicos e associações, no sentido de

solidariedade e promoção social dos representados

(capítulo 1o dos estatutos de 25/01/1984).

Foi impossível pensar o surgimento da AAPSJC sem inseri-la no

Movimento de Aposentados e Pensionistas (MOP), que se delineou nos anos

80. Eneida Haddad (1991) esclarece que o Movimento surgiu dos limites

impostos pela previdência à categoria. Oriundos das fileiras do sindicalismo,

em sua maioria, os dirigentes das primeiras Associações de Aposentados e

Pensionistas no Brasil ergueram a bandeira de luta contra a política

previdenciária.

Com a unificação do sistema previdenciário brasileiro,

não há mais espaço para os embates fragmentados com

o Estado. No passado, a ação reivindicatória dos

segurados era fracionada por categorias, de sorte que

as mais combativas conquistaram melhores coberturas

previdenciárias como, por exemplo, os ferroviários, os

marítimos e os bancários. No presente, somente um

movimento global de defesa do interesse de todos os

atingidos pela ‘crise’ da Previdência Social seria capaz

de negociar com o Estado, não mais a ampliação dos

benefícios e serviços, mas a qualidade dos mesmos

(Haddad, 1991:100).

Trabalhou-se a história da Associação como incluída em um

Movimento muito mais amplo de resistência às medidas de achatamento

promovidas pela previdência social. No início dos anos 80, São José dos

10 Não foi encontrado nenhum registro referente aos períodos de permanência da Associação nos

endereços mencionados.

28

Campos foi uma das várias cidades que viveram o surgimento destes novos

agentes de mudança: os aposentados.

A Associação surgiu posteriormente a um processo de aproximação

do Sindicato com seus associados aposentados iniciado em 1981. Pode-se

dizer que três fatores básicos propiciaram a agremiação dos fundadores da

Associação:

1. Iniciativa da diretoria empossada em 1981 de reintegrar os

aposentados da categoria ao Sindicato.

2. Pressão por parte dos aposentados que se percebiam à margem

dos serviços oferecidos e das atividades políticas do Sindicato.

3. Deliberação do CONCLAT da Praia Grande (SP) de apoio às

Associações de Aposentados e Pensionistas.

Ary Russo, presidente do Sindicato empossado em 1981, chamou a si

a responsabilidade de reintegrar os aposentados ao Sindicato durante sua

gestão. Segundo depoimento do secretário geral na época, José Luiz

Gonçalves,11 esta diretoria de oposição à anterior, assumiu o comando do

Sindicato em 1981 com propostas de mudança.

Então nós encontramos no sindicato uma

situação...interessante. Primeiro que os trabalhadores,

quando eles perdiam o emprego se eles fossem sócios do

sindicato, eles não tinham mais nenhum apoio sindical.

Nós entendíamos o contrário. Quando eles perdiam o

emprego, por qualquer motivo, greve ou demissão

comum, eles tinham que ter o apoio do sindicato,

porque era o momento em que eles mais precisavam do

sindicato. Outra situação interessante que nós

encontramos, foi que o aposentado metalúrgico não

poderia ser mais sócio do sindicato. Enquanto ele

contribuía com o sindicato ele poderia ser sócio, se

aposentando, ele passaria a ser um inativo. Um

metalúrgico, mas não na ativa. Ele também não

poderia ser mais sócio do sindicato. Então uma das

decisões que nós tomamos foi de mudar essas coisas...

Então essa decisão de apoiar os aposentados, ela vem

imbuída no grupo de oposição. Não era a principal

bandeira do Movimento, mas estava dentro das

11 José Luiz Gonçalves assumiu a presidência do Sindicato nas duas gestões seguintes (1983 a 1985 e

1986 a 1988).

29

bandeiras do Movimento esse apoio. Tanto é que

crescem imediatamente após a tomada de posse do

sindicato, entre 81 e 82 (José Luiz Gonçalves - ex-

secretário Geral e ex-presidente do Sindicato dos

Metalúrgicos).

Foi possível compreender com isso, que havia uma preocupação da

diretoria com este contingente de metalúrgicos que se colocava à margem do

sindicato com o advento da aposentadoria.

Outros depoimentos revelaram que os próprios sindicalizados

aposentados sentindo-se marginalizados pela diretoria, exerciam pressão

sobre ela. Vale ressaltar que o Sindicato na época já havia se consolidado

como o mais estruturado da região, oferecendo aos seus associados convênios

com farmácias e médicos, colônia de férias e demais serviços. O aposentado,

ao ser privado destas vantagens, sentia-se traído pela diretoria. Por ter

contribuído durante anos e permanecer à margem dos benefícios, sofria uma

queda de status diante de seus colegas e familiares.

Eu falei: não, tem direito. Por que não? e os que

estavam aposentados também não tinham. O Zezinho

(José Luiz Gonçalves),12 não sei se você conhece o

Zezinho, que era presidente do Sindicato, não da

Associação, do Sindicato. Eu cheguei e falei com ele, aí

ele pôs também. Nós reclamamos disso aí. O que, o

aposentado aposentou acabou? Eu acho que isso aí tá

errado. Nós temos o direito, nós somos aposentados.

Aposenta mas tem o direito de qualquer coisa, não digo

outros tipos de coisa.... mas de ocupar de alguma coisa,

como festa, colônia de férias, médico, né. Então nós

temos tudo isso aí, apesar de eu nunca ter usado. Mas

nós temos o direito. Fazia a mesma coisa que o governo,

aposentou, ele quer jogar fora (João Silvestre de

Souza).

Outro fator que também influenciou a aproximação entre o Sindicato

e os aposentados da categoria foi a decisão das Centrais Sindicais na época,

de divulgar e apoiar as associações que estavam surgindo nos primeiros

anos da década de 80.

O Congresso que nós participamos da CONCLAT, que

precedeu a CUT, também tinha no seu bojo o apoio aos

aposentados e a criação de Associações de Aposentados.

Então o Congresso, na verdade, foi uma decisão que

12 Parênteses meus.

30

ocorre até hoje e as pessoas não percebem muito, mas o

Congresso às vezes consolida idéias e decisões já

tomadas. Então o apoio aos aposentados se consolidou

após o CONCLAT e depois no Congresso da CUT, mas

ele se consolidou em base de decisões já tomadas pelo

nosso Movimento (José Luiz Gonçalves - ex- secretário

Geral e ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos).

Os aposentados, afastados do sindicato, foram então procurados pela

diretoria e uma nova carteirinha13 lhes foi entregue bem como, os direitos

foram restituídos, inclusive de participação em Assembléias. Apesar desta

aproximação, as reivindicações do Sindicato mantiveram-se voltadas para os

trabalhadores da ativa.

Por outro lado, o MOP ampliava seu campo de ação e, embora

Centrais como COBAP e Federação ainda não tivessem sido fundadas na

época, Associações de Aposentados e Pensionistas já estavam em

funcionamento em vários municípios, principalmente da Grande São

Paulo14. Vale mencionar que metalúrgicos aposentados de São José dos

Campos tomaram conhecimento do Movimento e estabeleceram relações com

Associações de outros municípios. As mais mencionadas entre os

entrevistados foram as de Santos, de Santo André e de Osasco. Estes

contatos foram fundamentais para a criação da Associação de São José dos

Campos. Depoimentos revelaram que as primeiras reuniões se realizaram

na própria sede do Sindicato por volta de 1981 e 1982.15

Com o início das reuniões, os objetivos do grupo foram se definindo.

A assistência permanente do sindicato a este núcleo incipiente foi percebido

por alguns informantes como uma “jogada tática” da diretoria.

Essas reuniões eram na gestão do Ary Russo e já tinha

o apoio do sindicato. O Ary Russo inteligente, foi

excelente. O sindicato queria o seguinte, eles queriam...

13 A carteirinha de identificação do aposentado constava o termo “remido”, o que significava isenção

de pagamento de mensalidade. 14 Importante deixar claro que a Federação dos Aposentados e Pensionistas do Estado de São Paulo é

constituída por Associações de Aposentados e Pensionistas, ou departamentos sindicais de

aposentados e pensionistas em atuação nos diversos municípios do estado de São Paulo. Da mesma

forma, a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (COBAP) é constituída pelas

Federações. Não é permitida a filiação individual à Federação, bem como a filiação direta das

Associações à Confederação. 15 Infelizmente não foi possível encontrar qualquer registro escrito das reuniões realizadas nesta

época.

31

lavar as mãos. Como que eles faziam então se nós não

tínhamos representação pra defender os direitos dos

trabalhadores aposentados? Então o que faz o Ary? O

Ary convoca ajuda, cria a Associação, porque aí o

sindicato ficava livre do trabalhador aposentado. Então

assim fizeram (Antemil Corrêa da Silva).

O depoimento acima provocou indagações a respeito da intenção do

Sindicato ao estimular e abrigar uma Associação de Aposentados em seu

seio, fornecendo não apenas o espaço físico, mas também a infra-estrutura

jurídica e econômica. Agindo desta forma, a diretoria manteve um segmento

dos trabalhadores que estava alijado da organização sindical, na ativa.

Levantando suas próprias bandeiras, os aposentados deixariam de

pressionar o Sindicato por uma participação maior em suas atividades e pela

defesa dos interesses destes na sua pauta de reivindicações.

Um outro objetivo do Sindicato evidenciou-se na fala de outro

informante, ex-sindicalista, que acompanhou a formação e a atuação de

outras Associações de Aposentados na Grande São Paulo.

O Sindicato dos Metalúrgicos cobria as questões como

assistência médica, assistência jurídica... a gente

começou a crescer mais em função desse apoio do

sindicato. Então o primeiro momento na Assoc. ela

tinha um caráter mais...segundo as diretorias

anteriores, tinham interesse que a Associação viesse a

ser uma alavanca, um apoio pra ajudar a diretoria a se

manter na direção. Toda vez que tivesse uma

campanha eles contavam com o apoio dos

aposentados... a Associação tinha que ter um pouco

mais de autonomia. A Associação começa quando Ary

Russo era presidente, já com esse caráter, isso é dentro

da experiência, porque isso funcionou muito em São

Paulo. Acontece que em São Paulo o sindicato é grande,

é enorme, tem um contingente de aposentados que

garante a eleição de qualquer diretoria. Isso sempre

acontece, por isso dificilmente se renova uma diretoria

em S. Paulo, em função dos aposentados (João Batista

Cândido).

O depoimento abaixo reforça esta idéia de utilização da Associação

para a manutenção da diretoria no poder:

...nós entramos nessa entidade, que foi fundada através

do Sindicato dos Metalúrgicos, mas ela tinha como

objetivo principal congregar. Era de que os seus filiados

da época fizessem parte de uma entidade da qual eles

32

(aposentados)16 desfrutassem. E o Sindicato dos

Metalúrgicos desfrutavam destes benefícios, junto

àqueles aposentados que se encontravam na entidade

somente com a finalidade de utilizar do homem de

idade para a votação em pleitos sindicais (Onofre

Silva).

Enfim, de acordo com os entrevistados, as Associações constituíam-

se em propício campo para a arregimentação de votos com o fim de garantir

o fortalecimento da direção. Isso levou a crer que, por trás de uma atitude de

auxílio e divulgação do Movimento dos Aposentados e Pensionistas, o

Sindicato preparou, na época, um instrumento de consolidação do poder.17

As primeiras reuniões da Associação dos Trabalhadores

Metalúrgicos, Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos, Jacareí,

Caçapava e Santa Branca foram realizadas em uma sala do Sindicato. Por

falta de espaço disponível, uma sala foi emprestada para as atividades da

Associação. Este espaço era tão pequeno que, segundo a maioria dos

depoentes, se entravam duas pessoas a terceira deveria ficar esperando na

porta para ser atendida. O primeiro registro escrito das reuniões datou de

12 de julho de 1983,18 cinco meses antes de sua fundação. Além de Antemil

Corrêa, que foi o presidente da Comissão de Organização da Associação,

estavam Benedito Domingos e José Ferian, dois entrevistados que

permaneceram ligados à diretoria da Associação por todos estes anos.

Vale ressaltar que parte dos primeiros integrantes do núcleo tiveram

atuação sindical anterior. Antemil Corrêa, ex-diretor do Sindicato dos

Metalúrgicos de Mogi das Cruzes, foi perseguido e preso nos anos 70.

Benedito Domingos, um dos fundadores do Sindicato dos Metalúrgicos de

São José dos Campos, atuou na direção do mesmo desde 1956. José Feriam

trouxe a experiência sindical de São Paulo, onde conheceu o funcionamento

de Associações de Aposentados. Outros participantes da Comissão de

16 Parênteses meus. 17 Segundo depoimento de José Luiz Gonçalves, a gestão da chapa de Ary Russo para a direção do

Sindicato estabeleceu uma ruptura com as gestões anteriores, ligadas à classe patronal e ao

sindicalismo pelêgo. O que explica em parte, a tentativa de agremiar os votos dos aposentados

para o fortalecimento da chapa. 18 Uma carta escrita em papel timbrado do Sindicato, convidando o sr. Antemil Correa da Silva para

a reunião da Associação dos Aposentados. O tesoureiro do Sindicato assinou: João Miranda da

Silva.

33

Organização também tiveram participação sindical, contudo vários membros

eram sindicalizados não atuantes.

1.2 A Fundação

A Ata de fundação da entidade é datada de 19 de dezembro de 1983.

A Assembléia contou com 18 participantes, dentre eles o advogado do

Sindicato dos Metalúrgicos, Dr. Zélio de Paulo Aquir e o tesoureiro João

Miranda. A convocação foi feita por carta aos metalúrgicos aposentados.

...já se passava um ano e nada de concreto se tinha

realizado em benefício dos aposentados, e nem

informações que lhes assegurasse os últimos

acontecimentos à respeito da Associação (Livro de Atas

no 1- Ata de 19/12/1983).

Percebeu-se por este trecho da primeira Ata que havia dificuldades

de organização legal da entidade, apesar de toda infra-estrutura dada pelo

Sindicato. Foi formada nova comissão para providenciar a documentação da

entidade.

A primeira eleição realizou-se em 6 de janeiro de 1984, contando com

a presença de João Miranda da Silva como representante do Sindicato.19 A

diretoria eleita provisoriamente por 120 dias teve como presidente Benedito

Domingos e foi incumbida de tomar as primeiras medidas administrativas

da Associação. O estatuto também foi aprovado nesta Assembléia. Não

houve a participação de qualquer membro representante de outra

Associação.

Segundo depoimentos, o primeiro estatuto foi elaborado por

membros da Comissão e por um representante do Sindicato,

independentemente de qualquer outro documento que servisse como modelo.

Não houve um atrelamento deste com o do Sindicato ou com outra

Associação de Aposentados.20 Contudo, em uma análise comparativa com os

estatutos da Federação dos Aposentados e Pensionistas do Estado de São

19 O edital de convocação da Assembléia foi divulgado pelo jornal “O Valeparaibano” em edição de

28/12/1983, p. 4. 20 Infelizmente não foi possível encontrar provas escritas a respeito da formulação do estatuto.

34

Paulo, datado de 18 de fevereiro de 1983, foi possível encontrar muitas

semelhanças entre este e o elaborado pela Associação em janeiro de 1984.

Para citar uma delas temos no Capítulo I da Federação:

Da Federação e Seus Fins

Art. 1o - Fica constituída, por força dos presentes

Estatutos, a FEDERAÇÃO DOS APOSENTADOS E

PENSIONISTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO com

sede e fôro nesta Capital e com base em todo território

do Estado, para fins de estudo, coordenação, proteção e

representação das entidades e do grupo social originado

pelos dependentes do Instituto Nacional da Previdência

e Assistência Social e Instituto da Previdência do

Estado de São Paulo 21 (Estatutos da federação de

Aposentados e Pensionistas do Estado de São Paulo de

18/2/1983 - capítulo 1).

Já nos estatutos da Associação pôde ser encontrado também

no Capítulo 1:

Artigo 1o - Com sede e foro nesta Cidade de São José

dos Campos, é constituída para fins de estudo,

coordenação, proteção e representação legal dos

aposentados metalúrgicos perante ao Instituto

Nacional de Previdência Social e demais órgãos

públicos e associações, no sentido de solidariedade e

promoção social dos representados.22 (Estatutos da

Associação de Trabalhadores Metalúrgicos Aposentados

e Pensionistas de São José dos Campos, Caçapava,

Jacareí e Santa Branca de 25/1/1984 - capítulo 1).

Logo nas primeiras Atas, percebeu-se que os integrantes da

diretoria tinham consciência do que significava uma Associação de

Aposentados e Pensionistas. Não sabiam muito bem “o que eram”, mas

tinham noção do que “queriam ser”. Isso norteou suas atitudes desde os

primeiros meses de fundação, contudo a dificuldade maior estava em se

arregimentar mais associados. Vários metalúrgicos aposentados recusavam-

se a participar por receio de se comprometer com a atividade sindical, o que

comprova a heterogeneidade dos associados da entidade.

Quando foi criada a Associação, muitos não queriam

porque pensavam que era do sindicato. Eu dizia, não é

sindicato, amigo, é associação (Raimundo Rodrigues).

21 Grifos meus. 22 Grifos meus.

35

Um dos diretores fez uma análise dos motivos para a atual

inadimplência na Associação.

Estes 3.400 inadimplentes que nós temos, a maioria é

daquela época, que se filiaram porque sentiram a

necessidade. Resolvido o problema, acabou. É errado?

Não é, eu costumo analisar da seguinte forma: Nossa

geração teve uma fase de mutismo de 21 anos que foi a

fase ditatorial. Uma fase em que não se podia falar, não

se podia expressar o pensamento. Isso calou fundo na

consciência daquela geração. Então o poder de reação

hoje é muito mais lento. Porque ainda cala no

subconsciente deles essa dúvida, o que é que eu faço?

Será que eu faço? E se eu fizer, o que pode me

acontecer? Porque tem muita gente que vem aqui

inocentemente, e você mostra: - Olha, você tinha que

receber tanto, está recebendo tanto, tá sendo

prejudicado. Então você tem que entrar com uma ação

na justiça pra reaver este direito que é teu. - É, mas e

se eu perder a aposentadoria?

(G. Costantino).

Embora se refiram a momentos diferentes da Associação - o segundo

depoimento fez alusão à um período mais recente - as duas afirmações

demonstraram a dificuldade de se ampliar e manter o quadro de associados.

O que revelou um certo temor dos aposentados metalúrgicos de se

aproximar de qualquer agremiação com propostas de atividades políticas em

oposição ao governo federal. Este receio pode ser explicado como fruto do

longo período ditatorial por qual passou o Brasil nos anos anteriores.23

Os dois primeiros anos de funcionamento da Associação estiveram

voltados para a organização administrativa e para a consolidação enquanto

entidade representativa dos aposentados. As correspondências enviadas pela

entidade nesta época revelaram o objetivo de divulgar a Associação aos

políticos do município e da região, além de fazer algumas reivindicações,

como passes de ônibus gratuitos para os aposentados e o reconhecimento da

entidade como de utilidade pública.

Internamente, as divergências existiam e a rotatividade dos

diretores era intensa. As Atas revelaram que já em fevereiro de 1984 havia a

23 Uma análise não muito profunda, porém mais detalhada do período em questão é realizada no

capítulo 2.

36

preocupação da diretoria em aglutinar aposentados não sindicalizados.

Vários depoimentos corroboraram essa idéia desde os primeiros meses de

funcionamento da entidade, o que provocou a reflexão em torno de uma

possível preparação para a abertura da Associação aos aposentados de

outras categorias profissionais. Isto significaria uma separação do sindicato,

embora estivessem atados a ele pelo espaço comum que ocupavam.

Eu achei que a Associação se manter do sindicato não

estava correto. Então foi aí que surgiu a proposta de se

juntar. Aí que nós começamos a nos encontrar com o

seu Ribeiro24que já tinha uma Associação também

começando. Fomos conversar com ele. Tivemos várias

reuniões juntos, tinham os bancários também que não

tinham Associação nenhuma...então nós fomos

consultando...e chegamos à conclusão de que seria

interessante. Aí não houve nenhuma oposição da parte

da diretoria do sindicato. Então nós convocamos uma

assembléia e tornamos a nossa Associação eclética. Eu

acho que foi uma experiência boa né? (João

Batista Cândido).

Aparentemente não houve nenhuma divergência com o Sindicato. No

entanto, um ofício enviado em setembro de 1984 a um vereador de São José

dos Campos reivindicava um imóvel para a Associação.25 A presença deste

documento demonstrou que já havia, também, a intenção de separação física

do Sindicato. As fontes consultadas não revelaram qualquer tentativa deste

para impedir que a agremiação se tornasse eclética ou que tivesse seu

espaço próprio.

Em 8 de fevereiro de 1985 realizou-se a eleição da diretoria

definitiva, contando com 78 votantes. Na época, os cargos eram de

presidente, vice presidente, 1o e 2o secretários, 1o e 2o tesoureiros, conselho

fiscal e suplentes. João Batista Cândido foi eleito presidente e Bento

Moreira, vice. O presidente, ex-sindicalista e militante do PT, freqüentava a

diretoria do Sindicato, embora não fizesse parte dela. Foi convidado por José

24 O sr. Ribeiro era presidente da Associação dos Aposentados e Pensionistas Têxteis de São José dos

Campos na época. 25 Ofício s/n assinado por Bento Moreira, vice presidente da Associação. Destinado ao vereador

Fernando Birué. Pede a cessão de imóvel público situado à R. Floriano Peixoto para a promoção de

“assistência social, recreação, enfim, momento de lazer para os aposentados”.

37

Luiz Gonçalves (secretário Geral do Sindicato) a administrar a Associação. A

preocupação principal da diretoria recém empossada foi:

Ampliar o quadro de associados

Formar uma liderança política

Estes objetivos ficaram bem claros no depoimento a seguir.

Bom, no começo, começo mesmo, o primeiro objetivo era

ampliar a Associação. Criar o maior número de

associados possível. Então aí a maior dificuldade era ir

atras do pessoal, convencer...mostrar a importância da

organização, mostrando que se a gente não se

organizasse a coisa ia ficar ruim pra nós. Então nesse

primeiro momento a gente estava fazendo esse

trabalho. Depois a minha primeira preocupação foi no

sentido de formar um pouco a consciência, sobretudo

dos que estavam se aproximando mais, estavam se

dedicando mais...no sentido deles abrirem os

horizontes, liderança (João Batista Cândido).

Pela fala de João B. Cândido e pelos documentos escritos foi possível

concluir que a Associação passou a estabelecer, a partir de junho de 1985,

uma postura mais ofensiva junto ao governo federal. A análise das

correspondências enviadas no ano revelaram o mesmo total do ano anterior

(seis). Contudo, enquanto o número de ofícios endereçados ao governo local

diminuiu, aumentou o montante daqueles emitidos ao governo federal e às

Centrais do Movimento.26

A participação em congressos aumentou. Somente em 1985, a

Associação esteve presente em vários congressos e encontros em São Paulo e

em outros estados. Na agenda constavam Congresso Nacional em Curitiba

(PR), Encontro de Aposentados e Pensionistas em Santa Teresa (RJ),

Seminário dos Aposentados e Pensionistas em Campinas (SP), Seminário dos

Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda (RJ), etc. 27

A presença de representantes da Associação nas reuniões mensais

da Federação era assídua e os laços com Vicente Bevilácqua (Vicentinho),

26 A Federação foi criada em 1983 e a COBAP, em 1985. Não foi encontrada nenhuma

correspondência com outras Associações nos anos anteriores. 27 Algumas participações em Congressos eram financiadas pelo Sindicato, porém todas as outras

atividades exercidas pelos membros da diretoria eram financiadas pelos próprios diretores.

38

membro da Associação de Aposentados de Santo André (S.P), se estreitaram.

Vicentinho foi apontado pelos fundadores como um elemento chave para a

orientação do grupo e sua iniciação no Movimento.

De São Paulo mesmo nós não pegamos nada, na

verdade quem deu o Know How pra nós foi a

Associação de Sto. André, o Vicentinho. Não o

Vicentinho da CUT,28 era o Vicentinho baixinho, tal.

Ele vinha aqui na época para nos dar o subsídio. A

Federação já existia ... Não veio como representante da

Federação, veio como representante da Associação de

Sto. André. Foi ele quem deu toda acessoria(José

Ferian).

Um advogado independente do Sindicato assumiu os trabalhos da

Associação e em novembro de 1985 cerca de 300 processos estavam em

andamento na entidade. Optou-se então pela distribuição destes entre

outros advogados que, com o passar dos anos, apresentaram uma grande

rotatividade. Este fato pôde ser explicado, até certo ponto, pelo

descontentamento da diretoria com a demora dos processos, que

permaneciam parados durante anos nos trâmites legais.

Com o crescimento do número de associados, a divulgação da

entidade também aumentou. Basta relatar que em 1984, o periódico

pesquisado não trouxe nenhuma matéria relativa à Associação. Já em 1985,

seis artigos foram publicados. Em 16 de agosto de 1985 era enunciado o

primeiro em página de rosto no jornal “O Valeparaibano”.29

Outras preocupações também tinham espaço na diretoria. A

reivindicação junto ao sindicato para a utilização do convênio médico e da

colônia de férias pelos associados aposentados, embora não tão constante

quanto o andamento dos processos e a construção de um espaço próprio,30

também ocupavam a pauta de reuniões desde os primeiros anos da entidade.

Esta dificuldade só veio a ser sanada quando foi homologado o convênio

28 Aqui o informante diferenciou o Vicentinho, sindicalista atual dirigente da CUT, do Vicente

Beviláqua da Associação Aposentados e Pensionistas de Santo André na época. 29 O referido artigo, relativo aos processos impetrados pela Associação será citado no terceiro

capítulo. 30 A construção da sede própria foi uma reivindicação mais recente. Nos 4 primeiros anos de

funcionamento da Associação reivindicou-se do poder público a “Casa do Aposentado”. Um projeto

mais amplo que teria a finalidade de propiciar também lazer para o associado.

39

exclusivo da Associação, já em 1990. Este caráter da entidade de reivindicar

também o lazer e o convênio será melhor analisado no terceiro capitulo,

referente à identidade.

A primeira Associação a se desmembrar de São José dos Campos foi

a de Jacareí, criada ainda em 83. Passou a funcionar de fato, em 1986,

quando Antemil C. da Silva assumiu a presidência. Até então, a diretoria da

Associação dos Metalúrgicos de São José dos Campos manteve plantões de

atendimento na cidade de Jacareí.31 A segunda a se separar foi a de

Caçapava, fundada em janeiro de 1985. É importante ressaltar que ambas

as Associações já foram fundadas com um caráter eclético, o que não

impediu o intercâmbio entre elas e a posição de liderança da Associação de

São José dos Campos.

Em 24 de janeiro de 1986, dia do aposentado, a Associação registrou

sua primeira organização de ato público em frente a Câmara Municipal.

Participou também de ato público em Caçapava e missa organizada pela

Associação de Jacareí naquele município. Na manifestação de São José dos

Campos, foram colocadas 7 reivindicações, todas relacionadas com os

reajustes e correção dos valores de pagamentos. O ato público foi noticiado

nas rádios e publicado em manchete na primeira e quarta páginas do jornal

“O Valeparaibano” em edição de 24/01/1986.

Foi interessante notar que o mesmo jornal publicou 3 meses depois

matéria referente à uma outra associação formada pela iniciativa de um

comerciante ex-vereador e candidato a deputado estadual, Gaspare

Demartini. A manchete de primeira página noticiou “Aposentados já têm

associação”. O título da notícia trazia “Aposentados se reúnem e criam

associação”(“O Valeparaibano”, 13/4/86:6) Contou com o apoio do vereador

Jairo Pintos, que cedeu o plenário da Câmara para a primeira assembléia.

Esta contou com cerca de 300 participantes. Benedito Domingos, diretor da

Associação de Aposentados Metalúrgicos de São José dos Campos foi um dos

31 O jornal “O Valeparaibano” noticiou em 1o de setembro de 1983 na página 5 : “Aposentado funda

associação para manter convênio.” Referindo-se a Associação eclética de Jacareí. Contudo, segundo

depoimento de um de seus fundadores Antemil Correa, esta nunca funcionou de fato.

40

coordenadores da comissão que criou a referida associação. Ressaltou em seu

discurso a existência das Associações dos Aposentados Metalúrgicos e dos

Têxteis, propondo a união de todas.

Pelo conteúdo da matéria e depoimentos tomados, principalmente o

de Benedito Domingos, houve uma certa ingenuidade dos participantes da

assembléia quanto aos propósitos eleitoreiros de Demartini e dos políticos

envolvidos na criação da referida associação. Com a aproximação das

eleições para deputado estadual e federal, a criação de uma associação

eclética seria oportuna para a conquista dos votos dos aposentados.

Um mês depois, o mesmo jornal publicou em primeira página:

“Candidato usa até a padroeira”. E na página 6 da mesma edição

encontrava-se “Políticos acabam com reunião de aposentados - a reunião

reivindicatória foi transformada por Demartini em comício em prol de sua

candidatura” (“O Valeparaibano”, 25/5/86:6). Estas notícias ratificaram a

idéia de que a Associação de Aposentados e Pensionistas Metalúrgicos de

São José dos Campos, assim como a dos Têxteis, ao se envolver na criação de

uma nova Associação no município, buscavam a ampliação de suas relações

com aposentados de categorias distintas dos metalúrgicos.

Em setembro de 1986, uma comissão foi criada para a organização

da Associação de Aposentados e Pensionistas do Vale do Paraíba, órgão de

poder deliberativo organizado e dirigido pelas associações do Vale. Embora

seguisse as diretrizes do MOP, sua fundação não foi de iniciativa da

Federação. A liderança era exercida pela Associação de São José. Este papel

de organização da união política do Vale do Paraíba revelou uma

aproximação da Associação muito maior com as mais novas, ecléticas, do que

com a categoria dos metalúrgicos. O cordão umbilical que unia a Associação

ao Sindicato foi cortado progressivamente, revelando a intencionalidade da

diretoria de separação deste. Tornar-se eclética significava antes de mais

nada, tornar-se isenta de qualquer atividade partidária exercida pelos

metalúrgicos.

41

Um episódio registrado em Ata demonstrou mais claramente a

aversão dos associados e de certos membros da diretoria à atividade

partidária, usual no Sindicato cuja diretoria estava ligada à CUT.

Annete Silva comentou que a política partidária está

minando todo e qualquer processo de novos assuntos,

entre as organizações, devendo com isso, manter a

Associação anti-partidária . Devermos participar em

organizações políticas e não trazer políticas às

Associações (Livro de Atas no 1 - Ata de 24/10/86).

Um recado claro para o presidente João Batista Cândido, militante

do PT. O próprio presidente em depoimento, faz uma análise dos membros

da diretoria na época e a atividade sindical destes.

O seu Failla, seu Silva, o Milton, esse pessoal não tinha

liderança, não participava do movimento sindical.

Então eles tinham uma dificuldade de aceitar o

sindicato. Então eu tentava fazer este elo. Mas por

outro lado, foi positivo no sentido de fazer ficar mais

autônomo também, né? Não ficar tão dependente do

sindicato. Apoiei a idéia de tornar a Associação eclética

(João Batista Cândido).

1.3 Tornando-se Eclética

Em 26 de novembro de 1986 a Associação deixou de ser exclusiva

para os metalúrgicos e passou a aceitar como associados, aposentados

provenientes de todas as categorias profissionais. Ao tornar-se eclética,

denominou-se então Associação de Aposentados e Pensionistas de São José

dos Campos. Um estatuto mais elaborado, com funções da diretoria mais

definidas e com criação de cinco cargos passou a reger a administração da

Associação. Chamou a atenção o artigo 43o que tratou de um ponto

nevrálgico na administração: a atividade político-partidária dos dirigentes.

A Associação dos Aposentados e Pensionistas de São

José dos Campos deverá ser apolítica. Seus diretores

poderão candidatar-se a cargos políticos, caso houver,

os mesmos deverão solicitar licença temporária, até

terminar o seu mandato político, porém continua

somente como sócio (Estatutos da Associação de

42

Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos -

Capítulo XII - Artigo 43o).

Neste mesmo ano, a Associação participou da criação do Conselho

Comunitário da Previdência em São José dos Campos.

O Conselho Comunitário da Previdência Social foi

criado através do Decreto Federal no 92.701 de 21 de

maio de 1986, mas só agora começa a sair do papel. A

única entidade em São José que se interessou em

formá-lo foi a Associação de Aposentados (“O

Valeparaibano”, 5/8/87:3).

O Conselho tinha como objetivo fiscalizar e ser um intermediário

entre os usuários e a previdência social, levando ao agente previdenciário do

município as reclamações e reivindicações dos usuários em reuniões

mensais. Esta iniciativa não durou por muito tempo, visto que desde suas

primeiras reuniões houve divergências no comando da entidade.

Em maio de 1987, tomou posse a nova diretoria eleita.32 Ocupando

cargo de chefia no setor administrativo de uma multinacional o presidente

Onofre Silva nunca teve participação sindical, bem como outros membros da

diretoria. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos na época justificou a

formação político-ideológica dos participantes da Associação nos primeiros

anos.

Não houve uma imposição. No começo houve uma

simbiose muito grande entre o sindicato e a Associação

nas lutas e no trabalho do dia a dia, porque estavam

umbilicalmente ligados ao sindicato, tanto no prédio

quanto na sua formação inicial. Agora, a geração dos

aposentados metalúrgicos não é...hoje já começa a ser,

mas no período não era a geração que formava a

Central Única dos Trabalhadores. Era uma geração

anterior dos trabalhadores, até antes de 64, ou no

período de 64, mas de um período em que a CUT não

existia. Então era anterior. Agora ela já começa a ter

uma influência já da nova geração porque em 1978/79

já começa o pessoal que viveu esse período aposentar.

Então tem uma história, um conhecimento da história

vivida diferente daquela geração que foi a que

inicialmente trabalhou na Associação de Aposentados.

Então é natural que exista um distanciamento em

32 A votação teve chapa única, em assembléia que contou com 61 votantes. A diretoria foi composta

por 21 membros, tendo Onofre Silva como presidente, João Batista Cândido como vice, Walter de

Paula como secretário geral e Milton de Moraes como 1o secretário.

43

relação a formação da própria CUT, do próprio

sindicato dos metalúrgicos dessa direção, dessa turma

que mudou a direção sindical. Agora, a fraternidade foi

muito grande em todo período (José Luiz Gonçalves -

ex-secretário e ex-presidente do sindicato dos

Metalúrgicos).

Outro fato interessante ocorrido foi a eleição da primeira mulher

para a diretoria da Associação de Aposentados e Pensionistas de São José

dos Campos. Luzia Saloio Pedro entrou na entidade após a morte de seu

marido, um dos diretores na gestão anterior. Permaneceu por menos de um

ano. Preferiu não revelar os motivos que provocaram o seu desligamento.

Depois dela não houve mais registros da presença feminina nos quadros da

diretoria da Associação até 1990.

A diretoria que tomou posse em 1987 apresentou características

bastante diferentes das anteriores. Foi o grupo que permaneceu coeso por

mais tempo, sendo que vários diretores da época permanecem na entidade

até os dias atuais. Atualmente, com exceção de Benedito Domingos (que saiu

em 1996) e José Ferian (suplente de diretoria), nenhum outro diretor

exerceu atividade sindical ou político-partidária. O grupo conferiu sua

marca na Associação primando pela organização administrativa, embora

não deixasse de manter o vínculo com as Centrais do Movimento e a

participação nos atos políticos dos aposentados.

Medidas de otimização do trabalho da secretaria e contabilidade

foram tomadas como a criação de recibos e fichas de caixa. As fichas de

inscrição foram atualizadas e mudaram a sua configuração.33 Onofre Silva

que desde os primeiros meses da fundação participou da Associação, ocupou

o cargo de secretário antes de se eleger presidente.

Essa entidade, depois que eu entrei na Associação, foi

quando nós começamos a criar os registros que até

então a entidade não tinha oficialmente. A partir do

momento que eu entrei comecei a pensar na legalização

da entidade em si, não só junto aos órgãos, no registro

de pessoa jurídica como também dos seus associados

que lá se encontravam, que não tinham uma ficha

cadastral. E foi principalmente nessa época que nós

33 Não foi encontrado nenhuma ficha de inscrição de associado dos primeiros anos de funcionamento

da Associação.

44

criamos um registro que permanece até hoje. Cada

sócio tem uma ficha cadastral, e essa ficha cadastral

obedece um número de matrícula (Onofre Silva).

As primeiras preocupações relacionadas à divulgação das medidas

adotadas pela diretoria aos associados foram registradas em Ata, em maio

de 1987, quando se propôs a criação do jornal do aposentado. Outra urgência

na pauta das reuniões era o convênio médico (já mencionado anteriormente),

reivindicado ao sindicato, porém implantado pela própria administração da

Associação. Com o aumento da divulgação e a implantação do convênio

médico, o corpo de associados tornou-se ainda mais eclético, visto que estes

entravam em contato com as atividades da Associação não tanto por meio do

Sindicato, mas por intermédio de vizinhos, de propaganda em rádio ou de

outros associados.

Chamou a atenção a iniciativa da Associação de propor a presença

de aposentados nas diretorias dos sindicatos em 1988, quando o Movimento

de Aposentados crescia em todo país e as manifestações se multiplicavam. O

apoio dos sindicatos à luta dos aposentados sempre foi reivindicado pelo

MOP, principalmente nos últimos anos da década de 80 e nos primeiros anos

da década de 90, quando o embate com o governo federal tornou-se mais

expressivo.34 Embora esta proposta tenha coincidido com o clima de euforia,

mobilização e ampliação dos horizontes do Movimento, a reivindicação deste

apoio era constante nas reuniões dos diretores da Associação. Não foi

possível precisar em que medida essas reivindicações foram atendidas,

contudo, delegados de São José dos Campos tomaram parte nas

manifestações em Brasília pelo menos uma vez, com as despesas pagas pelo

Sindicato.

Os Jornais acompanharam a participação da Associação de São José

dos Campos, que já contava com 560 filiados,35 nas atividades programadas

pelas centrais. Em 1988, ano da Constituinte, oito matérias referentes à

34 A respeito das queixas dos aposentados pela não participação dos sindicatos em suas lutas

consultar Haddad, op.cit. Outro estudo interessante a respeito do recrudescimento dos embates do

Movimento com o governo federal , principalmente no final dos anos 80 e início dos 90 está em

Simões, 1998. 35 Número registrado no Livro de Atas no 1- Ata de 4/4/88.

45

Associação foram publicadas no jornal “O Valeparaibano”, todas referentes à

luta no âmbito nacional. Alguns depoimentos também se referiram a este

período como de constante atuação da Associação.

...nós começamos em poucas pessoas, em 38 ou 40

pessoas e depois ela se estendeu e foi pegando força. Aí

tivemos condições de participar de congresso, todos

congressos que surgiram não ficaram sem

representação nossa de modo geral. Então fomos

fortalecendo. Com esse fortalecimento nosso então, o

governo sentiu um pouco na pele, ele achou que a gente

tinha um pouco de força (Antemil Correa dos Santos).

Nós podemos fazer como de fato fizemos e continuamos

fazendo atos públicos na praça da Sé, mas aonde se

decide o destino de 16 milhões de aposentados e

pensionistas hoje é em Brasília, tanto no ministério

quanto no Congresso Nacional. Então foram várias as

nossas idas para Brasília para catequizar deputados e

senadores sobre aquilo que nós acreditamos se correto

ser uma aposentadoria para um trabalhador depois de

35 anos de trabalho (G. Costantino).

A Associação de São José sempre foi atuante. Teve

período em que ela foi mais ou menos atuante. Para te

dar um exemplo, no período da Constituinte ela foi

mais atuante no nosso Movimento (Nelson Marchesini

ex e atual secretário da Federação).

São José dos Campos sediou o 3o Encontro Estadual de Aposentados

e Pensionistas realizado de 22 a 24 de julho de 1988. O Encontro teve o

apoio da Federação e Associações do Vale do Paraíba. A prefeitura do

município incumbiu-se do fornecimento da alimentação, do transporte dos

delegados e da divulgação do Encontro. A realização deste foi no prédio do

grupo de Terceira Idade Nova Era e o alojamento em uma escola estadual.

Importante notar o apoio enfático da Prefeitura ao evento, o que levou a

acreditar que, sem ele, o evento não se realizaria. Amparo tal só pôde ser

conseguido devido à estreita relação da diretoria com o poder público

municipal.

Em paralelo às atividades políticas, internamente, a Associação se

defrontava com a inadimplência e a busca de recursos para a realização de

46

seus projetos. O maior na época: a construção da Casa do Aposentado.36

Iniciou-se então a “campanha dos 1.000 sócios”, meta que deveria ser

atingida até o final de 1988. Não foi conseguida, alcançando-se o número de

932 filiados, porém no ano seguinte houve uma considerável ampliação no

quadro de associados. O número de processos em andamento atingiu a

marca dos 304,37 fora os que já haviam sido pagos.

Pela primeira vez, São José dos Campos mandou um representante à

Brasília integrando a comissão da Federação para negociações junto ao

Ministro da Previdência Social, Jader Barbalho. No âmbito da ação do

Movimento, a Associação de São José divulgou suas ações em prol do

pagamento do 13o salário. Em 4 de dezembro de 1988 o Jornal “O

Valeparaibano” publicou a primeira notícia relativa à luta pelo pagamento

do 13o salário aos aposentados e pensionistas. A manchete “Aposentado que

não se filiar vai ficar sem o 13o”. Claramente favorável à Associação, a

matéria divulgou que a entidade impetrou mandato de segurança contra a

União pelo pagamento integral do 13o salário aos aposentados.

A relação da entidade com o poder local tornou-se ainda mais

estreita. Em março de 1989 a Associação viu atendida sua reivindicação

feita ainda em 1984. O prefeito Joaquim Bevilacqua sancionou a Lei no

344/89, que tornou a AAPSJC entidade de utilidade pública.38 Dessa forma,

a Associação tornou-se isenta de impostos e passou a ter o direito de receber

auxílio financeiro do poder público.

O acirramento dos conflitos com o governo federal e a divulgação do

Movimento ampliou o número de processos. A entidade contou na época com

508 processos em andamento, um aumento de 67,10% do fim de 1988 a

março de 1989. A imprensa noticiou os principais embates. Somente em

1989, dezoito notícias foram publicadas referentes à Associação. Dez a mais

do que no ano anterior. As matérias trataram de assuntos distintos como

36 Notar que em 1988, pouco antes da construção da sede própria, a Associação ainda tinha como

projeto a construção da Casa do Aposentado, um projeto ambicioso que extrapolava a identidade

política da Associação propiciando também ao aposentado lazer e serviços de saúde. 37 Livro de Atas no 1 - Ata de 25/11/88. 38 Na referida Lei que teve como autor do projeto o vereador Jairo Pintos, a Associação é classificada

como “entidade civil de fins representativos e de estudo”. (Lei Municipal no 3448/89)

47

processos ganhos, participação em encontros e congressos, atos públicos,

pagamento do 13o salário, entre outros.

Benedito Domingos e G. Costantino faziam o elo com outras

entidades, bem como representavam a AAPSJC nas reuniões da Federação.

Ele (Costantino) sabe tudo, sabe trabalhar muito bem

em cálculo, então isso facilitou, e muito. Também se

perder o Costantino acaba tudo porque não tem mais

nada. Para conseguir tudo o que nós temos aí, o

elemento que mais viajou foi eu e o Costantino. Nós

tínhamos homogenicamente a mesma vivência e ele

trabalhava na parte técnica e eu na parte política. Nós

éramos uma dupla. Fizemos palestras em Sumaré,

fizemos várias palestras por aí, juntos. O que conduziu

praticamente o conceito da nossa entidade ao primeiro

plano. Porque nós conseguimos levar além da fronteira

esse conceito... Vez por outra nós estávamos em reunião

na Federação, quando nós víamos que aquela reunião

não era produtiva naquilo que nós queríamos e não se

avançava em nada, nós já tínhamos uma reunião

programada na própria procuradoria do INSS e lá nós

participávamos 2 ou 3 horas discutindo com os técnicos

da previdência, e com isso nós fomos aprimorando o

nosso conhecimento a nível previdenciário para poder

estar aplicando (Benedito Domingos).

1.4 Em Busca do Próprio Espaço

A prefeitura passou a procurar terreno para a doação à Associação

ainda em 1989. A partir de então, as Atas não registram mais o termo “Casa

do Aposentado”, mas sede própria, deixando claro que o projeto ambicioso

havia sido substituído por outro com utilidade mais definida e objetiva. A

doação de um terreno39 de aproximadamente 636 m2 localizado na região

central da cidade, foi feita em agosto de 89, em sessão solene com a presença

do prefeito.

Uma demonstração de que a situação financeira da Associação

melhorava, na medida em que as relações com o poder municipal se

39 De acordo com o contrato, o terreno para a construção da sede foi cedido “a título precário,

gratuito e por prazo indeterminado, revogável a qualquer tempo.” (Contrato no 1826/89 da

Prefeitura Municipal de São José dos Campos).

48

intensificavam e o Movimento se fortalecia, foi registrada na ata de 31 de

julho de 89. Esta atestou o pagamento de pró labore aos diretores.40 O fato

levou a reflexão em torno deste pagamento como um atrativo aos associados

para exercer função na diretoria, e aos próprios diretores para não deixarem

seus cargos, já que receberiam um complemento no orçamento familiar.

Concomitantemente aos preparativos da comissão escolhida para a

construção da sede própria, a Associação se mobilizou para fundar uma

Associação de Aposentados em Ubatuba e uma sub-sede de São José dos

Campos em Caraguatatuba.

O auxílio financeiro para a construção da sede veio primeiramente

da Prefeitura, chefiada pelo prefeito Joaquim Bevilácqua e, posteriormente,

pelo seu vice Pedro Yves Simão. Desde o projeto até o fim da construção, a

prefeitura foi grande colaboradora. Outras fontes foram mobilizadas como a

poupança da própria Associação e o Livro de Ouro criado para registrar as

doações de pessoas físicas, de empresas, de outras associações.

Eles tiveram para a sede própria um apoio muito

grande da prefeitura. O prefeito da época quem

concedeu o terreno. Houve um movimento nesse

sentido. Tiveram aí uma relação com o prefeito da

época que possibilitou a eles ter a sede, que eu acho

muito bem localizada. De fácil acesso, que veio

melhorar a atuação deles e ter uma relação melhor com

a situação. Eu acho que o Sindicato dos Metalúrgicos,

na medida das lutas comuns, continua atuando, eu

acho, com apoio recíproco (José Luiz Gonçalves - ex-

secretário e ex-presidente do Sindicato).

Importante notar que as estratégias para captação de recursos

passavam pelas esferas privadas e públicas, não apenas municipal, mas

também estadual. Em agosto de 1990 as Atas registraram a mobilização da

entidade para ser reconhecida como de Utilidade Pública Estadual, a fim de

se tornar apta a receber verba do governo do estado.

40 Nos registros orais é comum encontrar diretores e associados comentando a respeito da falta de

dinheiro da entidade para o pagamento de diárias e passagens daqueles que se colocavam à serviço

da Associação. Por isso, concluiu-se que o pagamento do pró-labore aos diretores significou o

fortalecimento econômico da entidade. Não foi fornecido qualquer outro dado para que se fizesse

possível concluir pelo montante recebido.

49

A festa de inauguração contou com a presença do prefeito na época,

Pedro Yves Simão e, do ex-prefeito e então secretário do trabalho de São

Paulo, Joaquim Bevilácqua, além de mais 250 associados.

Com a inauguração da sede própria em 24 de janeiro de 1991, seu

maior projeto, a Associação iniciou seu trabalho em um espaço distinto do

ocupado pelo Sindicato dos Metalúrgicos. Contudo, os depoimentos

demonstraram que a relação amistosa entre este e Associação se mantém

até os dias atuais. Membros da diretoria da Associação continuaram a ser

convidados a fazer explanações aos sindicalistas. Entretanto, foi possível

perceber, por meio das entrevistas, que existem, assim como nos anos 80,

reclamações em torno da indiferença dos sindicatos, de um modo geral,

diante das bandeiras dos aposentados.

50

Capítulo II

O MODELO PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: O JOGO DA

RESISTÊNCIA DIANTE DAS METAMORFOSES DO OUTRO

Sobre resistência...

Diz sim e diz não ao mesmo tempo, adere e

resiste ao que pesa com a força da lei, do

uso e do costume e que parece, por seu peso,

ter a força de um destino.

Marilena Chauí

51

O Movimento de Aposentados e Pensionistas surgiu na década de 80

em resposta à política previdenciária brasileira.41 Com a meta de

compreender a articulação do MOP e, conseqüentemente, da Associação em

torno de suas reivindicações, julgou-se importante a discussão do modelo

previdenciário adotado no Brasil na década de 80. Um breve apanhado

histórico da previdência social se fez necessário então, não com o objetivo de

levantar um grande debate em torno das diversas óticas de análise

presentes na literatura, mas de subsidiar a compreensão da organização da

Associação para fazer frente a seu outro.

De acordo com Cláudio Salm (1984) a previdência social surgiu como

resposta ao crescimento da urbanização durante a revolução industrial na

Europa.42 A marginalização, a pobreza e a miséria eram encaradas como

objeto de compaixão daqueles que se incumbiam de minorar os sofrimentos

dos excluídos do processo produtivo. Já nesta época, buscou-se a meta da

centralização, generalização e estatização do assistencialismo praticado até

então por entidades filantrópicas e igrejas. Segundo o autor, alguns fatores

puderam ser abordados, guardando as peculiaridades de cada país, como

aqueles que proporcionaram o surgimento do sistema previdenciário no

mundo:

A crescente proletarização possibilitou a idealização de um

mecanismo previdenciário devido às pressões cada vez maiores

exercidas pela classe em prol de um aparato assistencial. Além

disso, o aumento da massa de contribuintes tornou viável o

financiamento da estrutura previdenciária.

As reivindicações dos trabalhadores em torno das questões

mais básicas foram, progressivamente, sendo atendidas pelo

41 Segundo Haddad... “Após a uniformização dos benefícios previdenciários, somente um movimento

global de defesa do interesse de todos os atingidos pela ‘crise’ da previdência social seria capaz de

negociar com o Estado...Portanto, o Movimento de Aposentados e Pensionistas marcou o

aparecimento de uma nova forma de articular a defesa dos interesses dos beneficiários da

previdência social” (1983:38) . 42 de Faro aponta a Alemanha como pioneira na formação dos sistemas públicos previdenciários

ainda em 1883. A proposta alemã se espalhou pela Europa e países como a Áustria em 1888, a

França em 1894 e a Itália em 1898 adotaram o exemplo. A Inglaterra implantou seu sistema

previdenciário em 1911 (1992).

52

Estado. Com isso, a legislação social tornou-se cada vez mais

abrangente, na medida em que exigências como

regulamentação do trabalho infantil e feminino e, redução da

jornada de trabalho foram atendidas.

O Estado deixou progressivamente de exercer apenas o papel

de regulador das relações de trabalho. Alargando suas funções,

este passou a interferir mais diretamente na vida social. Com a

ampliação dos gastos públicos do Estado originava-se um novo

conceito de cidadania.

A previdência foi, portanto, compreendida pelo autor como

conseqüência de um ajuste do Estado à massa de despossuídos surgidos com

o avanço do capitalismo. Por trás deste novo conceito de cidadania existiu a

necessidade da sociedade capitalista de minorar a desigualdade inerente ao

sistema.

A Previdência talvez seja a mais típica destas políticas

sociais características do novo conceito de cidadania.

No fundamental, ela surge como uma compensação à

exclusão temporária ou permanente da vida ativa.

Entende-se não ser justo relegar os trabalhadores

circunstancialmente afastados da força de trabalho à

proteção da caridade formal ou informal, e para tanto

criam-se mecanismos para assegurar uma renda

mínima em uma ou várias das situações de exclusão da

vida ativa (Salm,1984:107-8).43

A base de vários sistemas de seguridade recaiu sobre três

modalidades básicas de exclusão da vida ativa: Acidente de trabalho, velhice

ou doenças não profissionais e desemprego. A partir deste tripé os diversos

tipos de seguro foram se estruturando, na medida em que a massa de

trabalhadores e ex-trabalhadores crescia à margem do sistema produtivo e

do novo conceito de cidadania.

43 As conclusões do autor vão ao encontro da leitura de Henry Lefebvre feita por Kosminsky e

Andrade. De acordo com Lefebvre, a sociedade capitalista é fragmentada em classes, camadas e

grupos. Esta fragmentação gerenciada pelo Estado tem em sua base uma grande parcela de

marginalizados das benécias da geração de riqueza (pequenos artesãos e camponeses, grande

parte dos assalariados, desempregados, mulheres e jovens sem qualificação, etc.) que se tornam

alvo do saber e do poder. É para esta população que se destinam as políticas públicas (Kosminsky

e Andrade, 1996:61-2).

53

2.1. Breve Histórico da Previdência Social no Brasil (1923

-1960)

Existem registros que atestam a existência de programas de

previdência social já no período colonial, porém na época não havia ainda

uma estrutura com caráter abrangente e atrelada ao Estado.

No caso brasileiro, do mesmo modo que no continente

europeu, a previdência também teve início de uma

forma voluntária. Especificamente, a primeira

instituição de previdência aqui no Brasil começou em

10 de janeiro de 1835, com a criação do Montepio Geral

de Economia dos Servidores dos Estado (Mongeral).

Originalmente voltado, como indica seu nome, para

atender aos servidores públicos, o Mongeral sempre

teve caráter privado, com os benefícios cobertos pelas

contribuições dos associados (Faro, op.cit:7).

Até o início da década de 20 não houve qualquer iniciativa do Estado

para a extensão dos benefícios a outras categorias profissionais, além dos

funcionários públicos e dos militares. Existe um certo consenso em torno do

ano de 1923 como o marco da origem da previdência social no Brasil.44 Como

o objetivo do presente trabalho não foi problematizar a gênese do sistema

previdenciário brasileiro, adotou-se o mesmo padrão de corte temporal.

Em 24 de janeiro de 1923 foi aprovado o Decreto-lei no 4.682 de

autoria do deputado paulista, ex secretário da Justiça Elói Chaves.45 A

referida Lei, conhecida como Lei Elói Chaves, tornava obrigatório às

companhias ferroviárias a criação de um fundo de aposentadorias e pensões,

denominadas Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs).

A Lei Elói Chaves propunha contribuições tripartites entre

empresas, empregados e governo, com o fim de manter um fundo

responsável pela renda vitalícia do trabalhador com a aposentadoria, pelas

pensões por ocasião da morte do cônjuge contribuinte e pela assistência

44 Ver Malloy (1976), Salm (1984), Cohn (1980). 45 Segundo Malloy, a Lei Eloy Chaves foi promulgada com o objetivo de dividir as o proletariado, que

mesmo com uma organização ainda frágil em torno da questão social, reivindicava direitos.

“Provavelmente a melhor maneira de entender esta Lei é a de tomá-la como tentativa, por parte

dos setores da elite do poder, de esvaziar a agitação operária mediante um enfoque reformista da

questão social” (op.cit.:119).

54

médica do contribuinte. Surgiu como reflexo das mudanças internacionais

das relações de trabalho, principalmente na Europa e Argentina.

A administração das CAPs era feita com a participação de

empregadores e empregados. O Estado, embora contribuísse com o fundo por

meio de uma taxa extra cobrada pelos serviços que as empresas

participantes das CAPs prestavam, não participava da gestão

administrativa. O sistema de capitalização era regulado por normas

baseadas em organizações internacionais semelhantes. Em 1926 o esquema

das CAPs foi estendido à outras categorias de trabalhadores, como

portuários e, posteriormente, às companhias telegráficas. Conforme Salm

(op.cit) em 1937 haviam 183 Caixas de Pensão e Aposentadoria no país

seguindo a administração colegiada e a forma de capitalização originais.

O sistema das CAPs estava longe da democratização da previdência

social. Não era um direito adquirido do cidadão, na medida em que tinha

caráter corporativista. Basta dizer que os grupos que conquistaram suas

próprias Caixas eram não apenas os mais “estratégicos” do ponto de vista da

política econômica da época, como também os que possuíam maior

organização sindical. A distribuição também não era igualitária entre os

próprios financiadores, visto que cada trabalhador contribuía

percentualmente ao seu salário e recebia benefícios proporcionais. Esta

forma de organização das CAPs foi fundamental para o futuro da

previdência brasileira.

Em suma, a política previdenciária no Brasil não

evoluiu para uma concepção de previdência social, mas

para uma concepção de desigualdade inerente, um

seguro social imposto pelo Estado e apenas aplicável

aos empregados ativos (Malloy, 1976:118).

Em 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o sistema

previdenciário brasileiro - se é que já podia ser chamado assim - assumiu

um caráter mais centralizador. As classes assalariadas urbanas, em

constante crescimento e organização, buscaram maior regulamentação da

previdência social, organizada até então por acordos entre patrão e

empregados. Foram criados em paralelo às CAPs, os Institutos de

55

Aposentadorias e Pensões (IAPs), sob a coordenação direta do Estado. A

maior diferença entre Caixas e Institutos é que estes aglutinavam os

trabalhadores por categoria e não mais por empresa. Independentemente de

onde trabalhassem, todos os profissionais de determinada categoria

possuíam as mesmas obrigações e recebiam os mesmos benefícios. Várias

Caixas se fundiram para criar Institutos. O primeiro foi o dos Marítimos em

1933, seguido pelo dos Bancários em 1934, que possuíam um grande poder

corporativista e fizeram tradição na luta sindical. O IAPI, Instituto de

Aposentadorias e Pensões dos Industriários, somente começou seu

funcionamento em 1938.

Conforme Hochman (1988), o IAPI foi o Instituto que possuiu em

suas fileiras o maior número de técnicos da previdência responsáveis pela

criação e modificações de planos e programas destinados à modernização da

previdência social no Brasil. Os membros do IAPI foram os mentores

intelectuais da unificação e universalização da Previdência Social.

Detentores de sólida formação técnica e ideológica estavam comprometidos

com a modernização do sistema previdenciário brasileiro e seu alinhamento

com os países de primeiro mundo.46

A forma e o ritmo com que a previdência se expandiu revelaram a

sua utilidade para o governo populista de Vargas. Representou não apenas

um eficiente cabo eleitoral nas eleições, mas também um importante meio de

controle da organização sindical (basta notar que a cobertura previdenciária

se destinava aos trabalhadores urbanos). Entre os partidos, principalmente

PSD, UDN e PTB, a legislação da previdência social também era alvo de

disputas e barganhas.

Independente de sua origem, a Previdência Social

brasileira é bastante afetada pelas características

políticas e econômicas dos períodos que sucedem a

Revolução de 30. À medida em que se generaliza às

populações assalariadas urbanas nas décadas de 30/40,

a Previdência Social altera seu papel político.

Organizada agora em função de categorias

46 Interessante a abordagem do autor a respeito da rivalidade entre e industriários (IAPI) e

bancários (IAPB) e a forte oposição destes últimos à unificação da previdência. Hochman (1988).

56

profissionais, a Previdência vai se desenvolvendo sobre

um espaço político e institucional que é o mesmo do

sindicalismo corporativista organizado por Getúlio

Vargas (Salm,op.cit:125).

A previdência social tornou-se um propício campo para consolidação

de poder, tanto por parte do governo quanto por parte dos sindicatos

atrelados ao Estado. As direções das CAPs e dos IAPs, elites burocráticas

extraídas das lideranças sindicais, possuíam largo poder de negociação e

mobilização. A década de 40 iniciou com uma proposta internacional de

centralização da previdência.

O relatório do inglês William Beveridge publicado em 1942, foi

considerado com o passar do tempo, o modelo de seguridade que poderia ser

aplicado a países que tivessem as mínimas condições para tal. O referido

relatório foi responsável por amplo debate a nível internacional, reflexo das

transformações econômicas e sociais sofridas no pós-guerra. No Brasil uma

equipe liderada pelo IAPI propôs uma leitura do documento adaptada ao

contexto da realidade sócio-econômica brasileira. As principais propostas do

plano eram:

Unificação dos sistemas de seguros públicos existentes.

Nacionalização e universalização do seguro.

Intervenção do poder público na manutenção do nível de

emprego.

Pôde-se perceber que a centralização foi o principal pilar da

proposta, que pretendia garantir a política de bem estar social (Welfare

State) ampliando o conceito de cidadania e igualdade. O Estado apareceu,

então, como agente amenizador das desigualdades provocadas pela auto-

regulação social.

No Brasil a força do corporativismo presente nas CAPs e nos IAPs, e

políticos que temiam pela perda de suas bases eleitorais, representaram

grande empecilho para a implantação das reformas.

57

Com a Constituição de 1946, muitos projetos apresentados na

Câmara Federal propunham a reformulação da previdência social, alguns

trazendo propostas de mudanças superficiais e outros trazendo já traços do

futuro modelo previdenciário brasileiro. Um ano depois da promulgação da

Constituição Federal de 1946, foi apresentado pelo deputado Aluizio Alves

(UDN), o projeto de Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) que previa a

unificação da legislação dos Institutos e Caixas e incluía no sistema único os

trabalhadores autônomos e os profissionais liberais.47 Neste projeto, o tripé

responsável pela sustentação da previdência social brasileira estava

definido:

Universalização

Uniformização

Centralização

Em 1950, Aluizio Alves apresentou mais uma versão do projeto da

LOPS na Câmara. Cada vez mais a legislação da previdência social se

tornava alvo de política partidária e assumia conformações necessárias ao

populismo. Este jogo de forças entre partidos, técnicos e forças sindicais nos

momentos de crise foi um dos grandes motivos para a lentidão das reformas.

Em 1953 a terceira versão da LOPS chegou ao plenário da Câmara Federal.

Diante de uma conjuntura política de crise, o Executivo

lança mão da previdência social como um meio de

revigorar o populismo, nos velhos moldes trabalhistas,

acionando medidas tanto com relação às classes

assalariadas - como é o caso do I Congresso Brasileiro

da Previdência Social - como no legislativo ... Em

resumo,1953 torna-se um marco na evolução da

história política da previdência social, na medida em

que coube ao Executivo a iniciativa de politizá-la, vale

dizer, de introduzi-la na arena política como um

poderoso instrumento de controle/mobilização (Cohn,

op.cit:175-6).

A criação do Ministério da Previdência, expressão máxima da

centralização previdenciária, foi protelada até 1951. Nesta época, já estava

se consolidando entre a elite técnica a idéia de ampliação dos serviços

47 A respeito de maiores detalhes do conteúdo da LOPS consultar também Cohn, op. cit.

58

oferecidos pelo Estado, que deveria estendê-los além da distribuição de

benefícios para a prática da assistência social.

Desde sua idealização, a previdência social funcionou como meio de

captação de divisas. O governo contencionista de Vargas encontrou no

referido órgão, não um meio de distribuição dos serviços sociais promovidos

pelo Estado, mas sim, sólida fonte de recursos para a promoção de sua meta

número um, a industrialização. O sistema de capitalização ineficiente,

aliado ao desvio de recursos para outros setores da economia e à utilização

político/partidária da previdência social, provocaram a ineficiência e a

falência do sistema previdenciário brasileiro desde seus primeiros anos de

funcionamento.

Com a morte de Vargas em 1954, Café Filho assumiu a presidência e

a crise econômica e política já instaurada se acentuou. Nesta época

transpareceu ainda mais o débito de empresários e governo com a

previdência.

...a sobrecarga financeira com os gastos em prestações

vai se fazer sentir sobretudo pela ampliação das

categorias assalariadas cobertas pelas instituições

previdenciárias e pelo ônus de baixa rentabilidade dos

investimentos feitos através do regime de capitalização.

No instante em que, pela simples ampliação numérica

dos setores assalariados urbanos, ocorre a previsão por

ampliação das prestações, argumenta-se, na

dependência da conjuntura política ser mais ou menos

impermeável às demandas das classes assalariadas,

com o equilíbrio financeiro das instituições. E então o

débito da União aparecerá de forma mais ou menos

acentuada, dependendo da força da oposição nos

diferentes momentos (Cohn, op.cit: 191).

A ampliação dos debates nos meios políticos, sindicais e técnicos,

refletiu o avanço das negociações e conchavos em torno da promulgação da

LOPS. Por outro lado, o aumento da mobilização popular também exerceu

forte influência nas decisões do governo que, conforme mencionado, tinha na

previdência um instrumento de mobilização e controle das massas.

A abertura da economia brasileira para os monopólios estrangeiros

impulsionada por Juscelino Kubitschek nos anos 50, propiciou às décadas

59

seguintes um crescimento da economia muito maior do que nas anteriores. A

diversificação do parque industrial veio acompanhada pela inserção de

novas tecnologias e conseqüente aceleração do ritmo da produção. Paul

Singer ao se referir aos três maiores países da América Latina (Argentina,

Brasil e México) demonstrou que foi colocado em prática um plano de

desenvolvimento que acabou custando caro a esses países:

De 1955 em diante, iniciou-se um processo de

integração de importantes setores da indústria destes

países no circuito internacional do capital.

Conseqüentemente, a industrialização do Brasil, da

Argentina e do México (e de outros países em condições

análogas) tornou-se cada vez mais solidária com o

movimento do capital internacional, passando a

participar de sua expansão e sofrendo as conseqüências

de suas contrações em medida cada vez maior. Isso terá

conseqüências cada vez mais importantes para o

andamento da economia brasileira... (Singer,1976:48).

Ainda seguindo a referida obra, pôde-se constatar que o

investimento feito no Brasil entre 1955 e 1961 se concentrou na forma de

financiamento (mais de 80%) e não de investimento direto. Estes dados

levaram a perceber a importância dos rumos tomados, no final da década de

50, para o desenvolvimento econômico brasileiro futuro. A política

populista/desenvolvimentista do período elevou a inflação e o achatamento

salarial, provocando o aguçamento da relação dialética entre Estado e forças

populares. Nos primeiros anos da década de 60 a situação do governo se

agravava:

Desta maneira, a participação popular no processo

político, nos quadros da Constituição de 1946, era

reforçada e aprofundada pelo ciclo de lutas econômicas

desencadeadas pela inflação e democracia: quanto mais

se acelerava a subida dos preços, tanto mais ampla e

efetiva ia se tornando a participação popular no

processo político, e quanto mais se intensificava a

mobilização popular tanto mais rapidamente

aumentavam os preços (Singer,op.cit:53).

O empresariado nacional, até então sem se reconhecer como força

hegemônica, encontrou no Estado um grande aliado, capaz de adotar, por

um lado, políticas paternalistas e, por outro, abrir as portas para o capital

60

estrangeiro, oferecendo-lhe vantagens irrecusáveis. No campo social, as

políticas públicas sofreram cortes no orçamento.

Em 1960 depois de muitos impasses e dificuldades dentro e fora do

Congresso, finalmente a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) foi

aprovada. No contexto político e social a década de 60 apresentou mudanças

significativas. A previdência social acompanhou estas mudanças.

2.2. A Publicação da LOPS e o Modelo Previdenciário no

Governo Militar (1960 -1980)

Após a promulgação da Lei no 3.807/60 (LOPS), os técnicos do IAPI,

defensores da racionalização e modernização do sistema, assumiram altos

cargos na previdência social e continuaram buscando o alinhamento do

sistema previdenciário brasileiro com outros, europeus e americanos.

A referida Lei constituiu-se em um importante prenúncio do

processo de universalização que iria sofrer a previdência social na década de

70. Ao contrário do que se pretendia, a LOPS não trouxe a unificação dos

Institutos e Caixas, e muito menos um consenso nos cenários político e

sindical. Conforme Malloy (op.cit.) o período entre 1960 e 1964 foi de intensa

luta entre facções, aquelas favoráveis à unificação e à aplicação de reformas

mais profundas e, aquelas partidárias de mudanças superficiais.

Paralelamente à polêmica em torno da nova Lei, havia o

agravamento da dívida do governo com a previdência reflexo já mencionado,

da má gestão e do desvio dos recursos para outros setores.

A emenda de número 31, que aumenta o montante de

recursos destinado à previdência social, acaba sendo

rejeitada. Em conseqüência, para o ano de 1960 a

União consigna somente 800 milhões de cruzeiros,

quando sua dívida para com a previdência alcança a

cifra de 60 bilhões de cruzeiros (Cohn, op.cit:223).

61

A crise econômica em que o Brasil mergulhou nos primeiros anos da

década revelaram a ineficiência do programa econômico do governo

Goulart.48 A fragilidade financeira foi acompanhada do desgaste do

trabalhismo populista diante da elite governamental. O equilíbrio da

previdência como instrumento de mobilização e controle dos trabalhadores,

mantido pelo Estado Novo, progressivamente foi quebrado. O apelo às

camadas urbanas e rurais e à setores da burguesia nacional descontentes

com a penetração do capital internacional, não foi suficiente para impedir a

crise econômica (que se manifestou principalmente pelo processo

inflacionário) e política que assolaram o país.

Solitário, sem o apoio da elite empresarial e dos partidos ligados a

ela, Goulart não teve seus esforços para redução do déficit da balança

comercial reconhecidos. Por outro lado, sua relação amistosa com os

comunistas e seu declarado apoio à reforma agrária provocou o repúdio dos

credores americanos, do empresariado nacional e de facções do próprio

partido do qual fazia parte - o PTB.

Malloy (op.cit.) afirmou que com o objetivo de manter suas bases no

sindicalismo organizado, Goulart promoveu medidas bastante populares

mas que oneravam ainda mais os cofres da previdência. Em 1962 a primeira

delas foi publicada e eliminou a exigência dos 55 anos de idade para a

aposentadoria. Na referida lei, o tempo de trabalho (35 anos) também

passou a contar como requisito. Com esta medida, surgiram críticas dos

técnicos, que alegavam a falta de recursos para atendimento do grande

número de segurados mais jovens. Outros decretos e Leis continuaram a ser

publicados com o mesmo objetivo...

Finalmente, numerosos especialistas em previdência

social argumentaram que o Governo Goulart esvaziava

o sistema ainda mais através de empréstimos

48 A respeito do Plano de Metas que entrou em seu último triênio em 1960 consultar Lessa, C. O

Último Triênio - A Política Econômica à Retaguarda dos Acontecimentos. In:15 Anos de Política Econômica. São Paulo, Brasiliense, 1983. Interessante estudo sobre a crise do governo Goulart

pode ser encontrado em Bandeira, M. O Governo João Goulart: As Lutas Sociais no Brasil (1961-1964). São Paulo, Civilização Brasileira.

62

politicamente motivados e de medidas demagógicas

como, por exemplo, o subsídio à moradia dado aos

trabalhadores. Aqui não se trata de julgar esses atos

isoladamente, mas de observar que os especialistas os

viam como irracionais, politicamente motivados,

considerando que ajudavam o sistema a mergulhar na

bancarrota (Malloy, 1986:126).

As dívidas do governo com a previdência aumentava a cada dia e em

02 de março de 1963 foi publicada a Lei 4.214 criando o FUNRURAL (Fundo

de Assistência ao Trabalhador Rural). A referida Lei ampliou a assistência

social e ao mesmo tempo demonstrou a aliança de Goulart com lideranças

dos trabalhadores agrários.49 Ligações deste tipo incomodavam a elite

burocrática presente nos IAPs, principalmente no mais forte dentre eles, o

dos industriários (IAPI). No mesmo ano, em 27 de dezembro, a Resolução no

1.500 regulamentou o Regimento único dos Institutos de Aposentadorias e

Pensões.

As divergências internas à previdência refletiam a luta ideológica

que permeava todos os setores da sociedade. De um lado, as medidas

populistas e de aproximação de Goulart com a esquerda e, de outro a crise

econômica que provocava manifestações de descontentamento das massas

por meio de greves e passeatas. As pressões da elite política/econômica e os

altos níveis inflacionários formaram barreiras intransponíveis no governo

Goulart. Em 1964 foi decretado o golpe militar.

O golpe de 64 foi fruto de longa e cuidadosa preparação de setores

militares e econômicos. De acordo com a abordagem de Armand Dreifuss

(1981), o complexo IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais)/ IBAD

(Instituto Brasileiro de Ação Democrática) teve peso fundamental para a

divulgação dos ideais destes setores. Sua função era a preparação ideológica

das camadas médias da população, tornando inviáveis as reformas propostas

pelo governo de Goulart. As contradições e pressões aumentaram até o

estrangulamento em 1964, quando o governo militar assumiu o poder

auxiliado pela ala conservadora do empresariado e por setores da burocracia

civil.

49 Esta Lei só foi colocada em prática em 1971. A alegação: falta de recursos.

63

As reformas ocorridas na previdência social pós 64 foram reflexo do

fim do período democrático e o início da ditadura. A unificação do sistema

previdenciário seguiu-se à proposta centralizadora do governo militar

definindo a estrutura da seguridade social nos anos subseqüentes. Segundo

Cohn (op.cit) a previdência deixou então, de ser instrumento de barganha

entre partidos e lideranças sindicais. Esta modificação só se tornou possível

com a eliminação das oposições trabalhistas e das influências da classe

trabalhadora, enquanto instrumentos de pressão e membros ativos da

gerência das instituições previdenciárias. Malloy compactuou com a visão de

Cohn, e com muita propriedade, diferenciou o que representaram a ditadura

de Vargas e a ditadura militar para a participação dos trabalhadores na

previdência social.

...após um período de intensa mobilização, o novo

regime tentou, indiscutivelmente, despolitizar as

questões de política social, desmobilizar o operariado e,

assim, eliminar os trabalhadores organizados como

força política relevante na formulação da política

pública. Se Vargas no período inicial seguiu uma

política de "inclusão controlada” dos trabalhadores na

coalizão que dominava o Estado, o novo regime seguiu

uma política de “exclusão controlada” dos

trabalhadores da nova coalizão dominante do âmbito do

Estado” (Malloy, 1976: 128).

Em uma ótica mais global, o Estado brasileiro, comandado pela

ditadura militar, sofreu modificações de fundamental importância para a

história do país. O sonho de tornar o Brasil uma potência mundial justificou,

para os militares, os meios adotados para atingir o fim. Com uma política de

endividamento externo (e conseqüente dependência dos países credores), o

governo militar liderou a industrialização e chamou a si a responsabilidade

da modernização do país. No processo de produção das mercadorias, as

novas tecnologias trazidas pelas multinacionais mostravam uma nova

organização produtiva e gerencial para o trabalhador.

O Estado, transformando-se em uma imensa máquina burocrática,

tornou-se incapaz de racionalizar seus próprios gastos. Enquanto as

camadas populares sentiam o achatamento salarial, programas como

Mobral, na década de 70, tiveram como objetivo dar ao trabalhador o

64

mínimo de escolaridade para participar do mercado de trabalho e,

conseqüentemente, conseguir acompanhar o desenvolvimento tecnológico

trazido pelo capital estrangeiro. Maria Helena Moreira Alves corrobora a

visão do governo militar exposta até aqui. Segundo a autora ...

Instaurada a crise da democracia formal em 1964, as

classes clientilísticas brasileiras, associadas ao capital

internacional, agiram decisivamente no sentido de

transformar as estruturas do Estado, para dar

continuidade a um modelo de desenvolvimento

capitalista dependente e explorador (1987:315).

Em 1966 foi instituído o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de

Serviço). Uma forma de poupança do trabalhador, que veio substituir a

estabilidade deste na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). O FGTS

era formado pela contribuição do trabalhador para um fundo, cujo objetivo

era de dotar este mesmo trabalhador de uma reserva por ocasião da

demissão. O FGTS conferiu ao mercado de trabalho maior liberdade para a

rotatividade de mão de obra.

No mesmo ano, a previdência social realizou a meta da

centralização, preconizada pela LOPS. O decreto-lei no 72, de 21 de

novembro de 1966, criou o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social).

Com essa medida, todos os IAPs e CAPs se fundiram e, foi instituído um

sistema único de contribuição e distribuição dos benefícios. Além da meta da

unificação, a previdência também caminhou para a universalização,

incluindo benefícios a empregados domésticos.

Os anos de 1964 e 1967 foram marcados por recessões de curta

duração e que afetaram diretamente as camadas mais populares da

sociedade. Nos anos de 1965 e 1966 a queda da inflação promovida pelo

governo de Castelo Branco, que assumiu a presidência em 1964, propiciou

um clima de otimismo entre as elites política e econômica. Entre outras

medidas, os cortes nos gastos do governo - inclusive a taxa do salário mínimo

- eram tidos como fundamentais para a diminuição da inflação no período.

Novos empréstimos internacionais foram conseguidos graças à queda da

65

inflação. No entanto, a taxa de 41% não pode ser mais rebaixada e em 1967

nova crise política e econômica se iniciou.

Com uma política contencionista e com a sua dívida para com a

previdência aumentando, o governo militar se viu em posição delicada,

mesmo dirigindo suas forças para a “despolitização” da previdência em prol

da organização tecnicista desta. A ampliação dos direitos previdenciários foi

inevitável.

Em resumo, podemos afirmar que as conquistas dos

trabalhadores em outros momentos políticos já haviam

sido incorporadas de tal forma à sua condição de

cidadania que era impossível voltar atrás neste

assunto. Pelo contrário a estratégia estatal, apoiada

pelas classes empresariais, vê na manutenção e

ampliação destes direitos a possibilidade de obtenção

da harmonia social em um contexto altamente

desfavorável para os trabalhadores, impossibilitados de

organização e participação política e sobretudo os

principais prejudicados pelo selvagem processo de

acumulação em curso (Oliveira e Teixeira,1989:204).

A partir da citação acima, pôde-se perceber a dificuldade do governo

militar da época, em gerenciar a previdência social dentro dos moldes da

LOPS e do populismo. O sistema de arrecadação e capitalização

previdenciário já demonstrava sinais de falência nesta época. Seguindo o

raciocínio de Salm (op.cit), as décadas de 30 e 40 propiciaram uma grande

arrecadação para os cofres da previdência, porém as altas taxas de inflação e

a má capitalização dos recursos nas décadas seguintes, levaram ao

esvaziamento destes.

Seguindo o pressuposto de Oliveira e Teixeira (op.cit.) a partir de

1966 a previdência social brasileira assumiu as diretrizes de:

ampliação da cobertura previdenciária - extensão dos serviços

prestados à população urbana e parte da população rural;

ênfase na medicina individual e curativa em detrimento dos

programas de saúde coletiva e preventiva;

criação de um complexo-médico-industrial privado, oriundo da

produção de equipamentos médicos e medicamentos e, possível

66

graças à articulação do Estado com o capital internacional,

representado pela indústria farmacêutica;

desenvolvimento de um padrão de prática médica baseado na

lucratividade, o que tornou possível o crescimento de grupos

privados.

Notou-se, a partir desta esquematização das metas do governo

militar, um forte estímulo à previdência privada em detrimento de políticas

públicas, principalmente no que se referiu ao aspecto da saúde. A

assistência médica, desde 1967 sob responsabilidade do Ministério da

Saúde, na prática ficou relegada às esferas do INPS.

Como já foi dito, os rumos da previdência pública refletiram o clima

autoritário dos últimos anos da década de 60 e a primeira metade dos anos

70. Estes foram marcantes para a organização de movimentos sociais, que

demonstravam a insatisfação da população. O governo militar teve no

sistema de segurança um de seus principais aliados contra a “subversão”.

Seus inimigos imediatos eram os que possuíam ideologia diferente do poder

e os adeptos da luta armada, o que o forçava a manter uma rede de

vigilância entranhada não apenas na sociedade civil, mas também em toda

estrutura militar.

Sindicatos, organizações estudantis e associações de categoria,

uniram-se em torno da reivindicação dos direitos à liberdade e cidadania.

Contudo, eram impedidos de se manifestar devido ao Estado instituído e

fortalecido pelo aparato repressivo/militar. Movimentos sociais eclodiram em

todas as partes do país, porém a forte repressão política impediu uma

formação sindical e associativa fora da clandestinidade. Os primeiros anos

da década trouxeram consigo o amadurecimento da organização da

resistência ao poder normativo da época.

O trabalhador oprimido pelo poder político da era dos militares e

pela nova organização do trabalho, precisou encontrar novas formas de

resistência e auto-preservação. De acordo com Alves (op.cit.), a busca de

estabilidade institucional por parte do Estado de Segurança, estabeleceu

67

entre este e a oposição, uma relação dialética onde a ação de um provocava

reação de outro, estabelecendo-se assim ciclos alternados de repressão e

liberalização. A partir do final de 1974, o governo Médici (1969-1974),

apontado por Skidmore (1991) como mais autoritário e repressivo de todos

os presidentes do golpe, iniciou o processo de retorno à democracia,

conseqüência da ausência de sustentação do Estado repressivo/Militar.

Conforme Góes e Camargo:

A gênese da abertura não é entendida aqui como ponto

de partida da ação que se desencadeou para reformar o

sistema político. Essa ação se inicia em 1974, com a

eliminação da censura à imprensa e a contenção dos

aparelhos repressivos. A gênese refere-se à percepção

inicial da conveniência de superar ou atenuar o

autoritarismo. Não me refiro à percepção havida por

parte da sociedade ou de seus setores mais organizados

e ativos, mas por parte dos detentores do poder. Eles se

anteciparam às demandas da sociedade por mudanças

e iniciaram a ação que, inicialmente denominada

‘descompressão’, passou a ser chamada de ‘abertura

política’ (1984:126).50

Thomas Skidmore (op.cit.) defende que o governo Médici foi

marcantemente diferente de seus antecessores. Constituído mais por

administradores do que por políticos (tendo a frente destes o Ministro

Delfim Neto), colocava-se acima da sociedade e não teve maior expressão no

processo de descompressão do sistema. Por outro lado, seu sucessor, Ernesto

Geisel (1974-1978) tinha não apenas uma imagem mais fechada e austera do

que Médici, como também era um autêntico tecnocrata, apresentando

grande interesse pelos detalhes da administração. No Ministério da

Fazenda, Delfim Neto foi substituído por Mário Henrique Simonsen, porém

o General Golbery do Couto e Silva continuou a ser o “homem forte” do

governo. Neste momento, o processo de redemocratização do país

apresentava-se como questão delicada para o governo, que precisava ao

50 Para maiores esclarecimentos a respeito da censura na imprensa escrita e as formas criativas de

resistência por parte de jornais na época consultar Aquino, Maria A. de. Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-78): O exercício cotidiano da dominação e resistência - o Estado de São Paulo e Movimento. São Paulo, USP, 1990. Dissertação de mestrado.

68

mesmo tempo, tranqüilizar os militares da chamada linha dura51 e evitar a

organização da esquerda. Como bom Castelista, Geisel tinha como meta

manter o crescimento econômico e acreditava que a ditadura precisava

continuar durante um período definido. Este equilíbrio entre os linha dura e

os moderados foi mantido por ele com muitos esforços.

Na esfera econômica, o governo Geisel começou a se debater com a

crise mundial e seus reflexos na economia nacional.

Essas ameaças à estratégia econômica baseada na

dívida se materializaram em vários graus durante o

governo Geisel. Os ingressos de capital, pelo menos,

continuaram em volume suficiente para financiar o

crescimento, intensivo de importações (Skidmore,

op.cit: 404-5).

A previdência, inserida neste contexto, sofreu modificações

substanciais. A Lei 6.036, de 1o de maio de 1974, desmembrou o Ministério

do Trabalho e Assistência Social, criando o Ministério da Previdência Social.

Neste momento a previdência passou a contar com força de Ministério. No

mesmo ano, o governo militar iniciou efetivamente a assistência aos idosos.

Com a assinatura da Portaria 82, de 4 de Julho de 1974, garantiu aos idosos

uma renda mensal vitalícia.

Os idosos cobertos pela previdência social, atingidos

pela política da acumulação da miséria, contaram, pela

primeira vez, com um dispositivo legal que os assistisse

sem que, no entanto, a realidade vivida por esse

segmento da população fosse mencionada, mesmo

porque pobreza e previdência não poderiam aparecer

associadas num momento em que o governo tentava

velar os infortúnios ocasionados pelo “milagre

econômico”, impedindo o desmascaramento dos

curandeiros sofisticados a serviço da simbiose Estado -

burguesia internacional - associada

(Haddad:op.cit:240).

De acordo com Oliveira e Teixeira (op.cit), o II PND (Plano Nacional

de Desenvolvimento) em 1974 deixava claro um interesse maior sobre o

aspecto social do que o PND anterior.52 Estes dados levaram à reflexões a

51 O termo linha dura é utilizado por Skidmore (op.cit. p. 385) e Alves (op. cit. p. 325) para designar

os setores do governo militar mais conservadores e adeptos à repressão. 52 Sônia Draibe defende a idéia da existência do do Welfare State no Brasil nesta época, com a

ampliação e centralização dos serviços sociais promovidos pelo Estado. Para a autora, Welfare

69

respeito do papel central que a previdência social ocupou nesta política

assistencialista, fruto das desigualdades sociais provocadas pelo “milagre”.53

...as alterações na conjuntura política criam uma

situação tal que passa a demandar o fortalecimento da

opção pela seguridade social. E, mais do que isso, exige

uma intensificação deste modelo através do aumento

crescente da cobertura e ampliação dos benefícios

(op.cit:239).

A questão principal estava, portanto, na grande desigualdade de

renda - e de cidadania - que prevaleceu no período da ditadura militar.

Mesmo um sistema previdenciário modernizado e alinhado aos de países de

primeiro mundo, estava sujeito a sucumbir à má gestão de recursos e à

desigualdades sociais tão profundas.54

O problema da proteção social no Brasil não está na

concepção equivocada do sistema, nem na sua natureza

ambígua, nem no seu movimento pendular entre o

contribuinte e o cidadão. No Brasil, os contribuintes são

os cidadãos de fato, ficando os demais na dependência

da incorporação à cidadania por extensão da política

social, naturalmente limitada pelos recursos

(Daim,1992:83).

A ampliação das políticas públicas ocorreu sob forte influência

clientelista, atingindo as fileiras da seguridade social, da educação, da

habitação, etc. A respeito da modernização do sistema, Cláudio Salm

declarou:

State ou Estado de Bem Estar Social significa “... no âmbito do Estado Capitalista...processos que,

uma vez transformada a própria estrutura do Estado, expressam-se na organização e produção de

bens e serviços coletivos, na montagem de esquemas e transferências sociais, na interferência

pública sobre a estrutura de oportunidades de acesso a bens e serviços públicos e privados e,

finalmente, na regulação da produção e de bens e serviços sociais privados.” (1988: 27). Já para

Malloy, o que ocorreu com a previdência no período militar foi uma ampliação da política

paternalista já expressa na Lei Eloy Chaves... “A opinião paternalista expressa por Eloy Chaves

nos anos 20 até hoje ecoa em muitas partes. Um dos proponentes do conceito de salário social, por

exemplo, ligou o desenvolvimento destes programas a uma necessidade nacional objetiva que

precisa ser preenchida pelo Estado, porque a massa da população, por força das circunstâncias, é

incapaz de (ou não quer) planejar e salvar o seu próprio futuro. Ante esta falha social coletiva de

uma população que só pensa a curto prazo, o Estado precisa entrar em cena e assegurar o seu

bem-estar” (Malloy, 1986:148). 53 O período do milagre econômico no Brasil, ocorrido entre fins da década de 60 até meados da

década de 70, é apontado por economistas e historiadores como ímpar na história nacional.

Implicou num grande crescimento econômico calcado no endividamento externo, sem que fosse

diminuído o grande desnível social existente na época. 54 Para uma análise comparativa da previdência brasileira com a de outros países, consultar Malloy,

1986 p.151-66.

70

Trata-se, sem dúvida, de uma ampla escala de serviços

e benefícios sociais, conformando com um sistema de

seguridade social quase que completo se tomarmos

como padrão de referência países de seguridade social

amadurecida (op.cit:115).

Ainda de acordo com o autor, no período de 1971 a 1981, a relação

entre contribuinte e população urbana passou de 17,8% para 30,1%.

Aumento bastante expressivo, ainda mais considerada a década anterior que

foi de 12,6% (op.cit: 131). No entanto, embora com caráter universalista, a

qualidade do serviço oferecido decaiu. A centralização excessiva das decisões

e dos recursos financeiros durante o governo militar debilitou a ação dos

governos municipais. Além disso, o sistema de arrecadação manteve-se o

mesmo desde a década de 60 (ampliando-se apenas as alíquotas de cada

contribuinte), sendo que os recursos da previdência continuaram a ser

utilizados para o financiamento de obras completamente diferentes dos

propósitos para os quais esta foi criada.55

Seguindo o raciocínio dos autores citados (Oliveira e Teixeira, 1989;

Daim, 1992; Salm, 1984) pôde-se perceber o impasse para o qual a

previdência social brasileira caminhou nos anos 70. Por trás da ampliação e

da diversificação dos serviços oferecidos, um grande abismo financeiro foi

gerado. A crise mundial, deflagrada nos primeiros anos da década de 70,

levou vários países da Europa e Estados Unidos a desenvolver uma política

pública contencionista.

No Brasil, por conta do milagre econômico, os gastos com a

previdência social se ampliaram, ao mesmo tempo em que se abriu as portas

para a entrada de capital privado em setores como saúde, por exemplo. Nos

fins da década de 70 não apenas a dívida externa mantinha seu crescimento,

como também a dívida interna assumia grandes proporções. O colapso era

inevitável.

55 A respeito do desvio de verbas da previdência para aplicações com rentabilidade de risco e para

setores determinados pela conjuntura política ver Salm, op. cit., p. 132 em diante.

71

2.3. O Neoliberalismo e Sua Difusão na Previdência Social

(1980-1990)

Para facilitar a compreensão dos rumos da economia interna, e

conseqüentemente da previdência social, nos primeiros anos da década de

80, julgou-se importante levantar algumas questões referentes às

transformações mundiais ocorridas nos meados da década de 70.

A crise em que o modelo fordista de acumulação56 mergulhou a

partir de 1973, teve sérias repercussões na economia e na organização

política das nações. Segundo David Harvey (1993), foi mais profunda do que

as crises cíclicas inerentes ao sistema capitalista e, trouxe grandes

transformações na área econômica, política e social.57

O setor de serviços, desde então, vem assumindo proporções nunca

previstas numa organização econômica onde está ocorrendo um processo de

desindustrialização. Iniciado no pós guerra, quando o Estado interferiu

claramente na produção e na geração de riquezas, o Estado do Bem Estar

Social inaugurou novos conceitos de cidadania e consumo. Com a

flexibilização do Capital ocorrida nos anos 70, tem havido uma adaptação

muito maior da indústria e das novas tecnologias produtivas e gerenciais, ao

mercado consumidor que também se modifica. Além disso, a ampliação do

mercado financeiro internacional passou a movimentar um montante de

riquezas muito maior do que em décadas anteriores. Com as mudanças na

geração e gerência da riqueza, o Estado tem dividido com o mercado, o papel

de eixo norteador e controlador das relações sociais e produtivas.

56 Henry Ford, pode ser simbolicamente denominado pai do fordismo, originado no início do século

XX. As inovações tecnológicas e organizacionais do fordismo implicavam basicamente em atrelar a

produção em massa ao consumo em massa, o que exigia uma nova organização social que aliava a

racionalização à democracia. O modelo fordista baseado na otimização da produção e na linha de

montagem encontrou seu aperfeiçoamento na organização científica do trabalho criada pelo

taylorismo, precursor da divisão do trabalho manual e intelectual na fábrica. 57 Vários estudos se referem à ruptura do modelo fordista de acumulação. Vale mencionar, de forma

resumida que a mencionada crise mundial de produtividade e ajuste de mercado teve seu primeiro

choque em 1973/4 com o choque do petróleo. Esta dificuldade conjuntural só veio a revelar a

inadequação da rigidez do modelo fordista às novas necessidades econômicas e políticas mundiais.

Para melhores esclarecimentos consultar Harvey, op. cit.

72

Jacob Gorender (1997) apresenta algumas divergências de outros

estudiosos58 do processo de flexibilização e globalização59 da economia,

porém demonstra uma definição clara e objetiva deste processo, que pôde ser

melhor identificado já no começo dos anos 80.

O fordismo originou plantas de dimensões enormes,

uma vez que deu prioridade absoluta à economia de

escala e estimulou a verticalização. Já os recursos

técnicos mais modernos favorecem a produção enxuta,

a economia de escopo, a produção diversificada em

pequenos lotes, a terceirização ou subcontratação.

Dessa maneira, formaram-se empresas-rede, com

conformação variada e flexível, que vincula a empresa

dona do design e da griffe a inúmeras outras,

executantes das mais diversas operações fabris. A

vinculação se faz e desfaz de acordo com a conveniência

da empresa detentora da griffe ... (Gorender, op.cit.:

326).

Com a organização sócio-econômica inaugurada na década de 70, a

classe trabalhadora também precisou se reorganizar. Ricardo Antunes

(1995), enfoca as dificuldades enfrentadas pelo movimento sindical na

sociedade contemporânea. Segundo ele, a raiz do modelo sindical,

fundamentada no período fordista, tinha como fator crucial a estabilidade do

trabalhador. Com a diversificação da ocupação deste no capitalismo flexível,

trabalhadores temporários, com horários menos rígidos ou com atividade

informal, ficaram de fora deste modelo sindical. Para a solução da crise por

que tem passado a organização trabalhadora, os sindicatos mais organizados

têm recorrido à fusões ou mesmo à formação do corporativismo, nem sempre

positivos.

A reestruturação social provocada pela globalização do mercado não

se limita à organização de classe, vai muito além, diz respeito à cidadania. O

não ajustamento à nova ordem econômica e de mercado, implica em

exclusão. Esta tem atingido não apenas jovens e velhos, mas também a

população considerada economicamente ativa. O desemprego vem

ultrapassando os índices do chamado exército industrial de reserva e, tem

58 Para maiores esclarecimentos a respeito dos pontos de divergência, contrastar o referido texto de

Gorender (op. cit.) com Sader e Gentili (1996). 59 Jacob Gorender (op.cit.) em sua explanação sobre a globalização faz um apanhado histórico a

respeito do processo no mundo e as conseqüências para o Brasil.

73

assumido caráter estrutural, isto é, torna-se crônico. As novas técnicas de

gerenciamento enxuto, aliadas ao avanço da tecnologia, extinguem cargos

considerados ainda na década de 70, essenciais.

Interessante notar que a forte ideologia que acompanha a

globalização, cria a certeza de ser este o rumo natural da história e não há

outras alternativas. É o que nos aponta Viviane Forrester (1997).60

Nossa indiferença, nossa passividade em face desse

horror distante, mas também em face do outro (menos

freqüente, mas não menos doloroso) que nos é contíguo,

pressagiam o pior perigo. Porque estamos em perigo, no

próprio centro do perigo. O desastre está preparado,

totalmente específico. Sua arma principal: a rapidez de

sua inserção, sua habilidade de não causar inquietação,

em parecer natural e como se estivesse implícito. Em

persuadir que não há alternativa para a sua

implantação. Em só deixar-se perceber depois que se

tornaram inativas e suspensas as lógicas que podiam

ainda opor-se ao seu domínio e até mesmo denunciar

suas próprias lógicas. (op.cit:39).

A flexibilização do capital respalda-se na organização política

neoliberal. O Estado neoliberal, tem estimulado a subjetividade coletiva do

Estado centralizado em detrimento da subjetividade individual. Por trás de

uma aparente incompatibilização, constata-se a separação entre este e a

sociedade civil. Enquanto Marx, com o surgimento do capitalismo, via no

conceito de classe a única alternativa para a homogeneização da consciência

do trabalhador, hoje a globalização do mercado e o american way of life

generalizam-se, transformando as estratégias de resistência dos oprimidos.

As classes sociais diferenciam-se internamente e a cada dia vêm surgindo

novos estratos e categorias. Neste processo, as organizações classistas

perdem força e conseqüentemente, as suas políticas específicas se

enfraquecem (Sousa Santos,1993).

Enquanto os países de primeiro mundo se adaptavam às novas

regras de mercado, no Brasil, a década de 80 foi palco de crise aguda no

60 A autora, em sua obra, enfoca não apenas as mudanças mundiais em seu lado mais injusto e cruel,

mas também o aspecto individual, chamando a atenção do leitor para as pressões que os

indivíduos (principalmente os excluídos, como desempregados, dependentes da previdência, etc.)

sofrem sobre sua identidade e sua auto estima na sociedade globalizada.

74

setor produtivo61 e de ebulição dos movimentos sociais. A abertura política

tornou possível a manifestação popular pelas eleições diretas no país. A

organização sindical se fortaleceu e novos espaços para a formação de grupos

identitários foram abertos. Entretanto, para Moreira Alves (op.cit.) a relação

dialética entre governo militar e setores organizados da sociedade civil foi

tão intensa, que ambos iniciaram o processo de abertura política debilitados

e, a oposição não conseguiu desenvolver mecanismos de ruptura real com o

poder militar:

Do ponto de vista da oposição, esta realidade de

preservação do poder de Estado assinala os limites das

possíveis negociações para a modificação do modelo

político, social e econômico. Apesar de sua intrínseca

instabilidade institucional, o Estado ainda detém

influência suficiente para fazer adotar medidas que

garantam sua continuidade. A oposição, embora

dispondo de maior legitimidade e apoio popular, ainda

está dividida, carecendo de formas adequadas de

mediação (Alves, op.cit: 327).62

No âmbito econômico, a crise dos anos 80 é apontada como a mais

aguda que o Brasil viveu. A grande dependência do mercado externo e de

credores internacionais comprometeu o equilíbrio interno. O FMI (Fundo

Monetário Internacional) passou a ser o gerenciador da economia brasileira:

Os credores externos eram o público-alvo e os juizes. Os

ministros do Planejamento e da Fazenda

empreenderam expedições bem orquestradas ao

exterior para assegurar e reassegurar que as metas

exageradamente otimistas estavam seguramente, ao

alcance. Enquanto isso, a credibilidade interna

dissipava-se. Delfim permanecia no cargo porque o

governo não era capaz sequer de definir uma estratégia

alternativa (Fishlow, 1988:180).

61 “O colapso total da estratégia de crescimento esboçada no III Plano de Delfim foi confirmado em

1982. Não cabia mais ao Brasil ‘escolher’ ou ‘recusar’ uma recessão. Em fins de 1982 a necessidade

de evitar a inadimplência externa suplantou todas as demais metas econômicas. PIB, produção

industrial, emprego, bem-estar social, tudo ficou subordinado à descoberta de dólares para pagar

os juros da dívida” (Skidmore, op.cit: 458). 62 É interessante notar a observação de Souza a respeito da organização político-partidária no Brasil

em meados dos anos 80. “O atual processo partidário-parlamentar, caracterizado pela existência

de um vasto centro - um espaço onde todos estão com todos e de que não conhecem nem os limites

nem a espinha dorsal - que eu chamaria de ‘centrismo invertebrado’, teve aí seu ponto de partida.

Não é de admirar que o governo enfrente imensas dificuldades na construção de uma base

parlamentar que o apoie, ou que a sociedade pareça incapaz de encontrar referências para

compreender o processo político” (op.cit: 569).

75

Seguindo o raciocínio dos autores em questão (Alves, 1987 e Fishlow,

1988), é possível notar que a Nova República surgiu como fruto de uma

conjuntura econômica e social de extrema fragilidade. No momento em que a

política econômica se voltava para a inserção do Brasil no mundo em

processo de globalização, as responsabilidades pela desigualdade social não

eram imputadas a ninguém, visto que a distinção entre governo e sistema

político tornou difícil a identificação da esquerda e da direita

(Souza,1988:577). No campo social as desigualdades se ampliaram e, o

achatamento dos salários exigia medidas amenizadoras urgentes do

governo. Neste período, as políticas sociais funcionaram como tentativa de

regulação nas contradições inerentes à economia capitalista.

Em meio à crise inflacionária brasileira, os ventos do neoliberalismo

sopraram mais fortes, vindos principalmente da Inglaterra, sob o governo

Thatcher, (1979) e dos Estados Unidos, sob o governo Reagan (1980).63 A

previdência social foi um de seus principais alvos no Brasil, reflexo de

outros países.64

Esta afirmação tornou-se evidente, quando foi constatado que o

Estado neoliberal tem como meta o descompromisso com os programas

sociais. Este direcionamento das políticas públicas revelam a grande

restrição da intervenção do Estado nas práticas econômicas e sociais. Sua

premissa básica tem sido a diminuição da ação do Estado como poder

regulamentador. Sônia Draibe define claramente a intenção do governo

neoliberal:

...a proposta liberal significa o corte no gasto social e a

desativação dos programas sociais públicos. A ação do

Estado no campo social deve ater-se a programas

assistenciais - auxílio à pobreza - quando necessários,

de modo complementar à filantropia privada e das

comunidades. Mesmo assim, os programas de auxílio à

pobreza não devem ser dirigidos a grupos específicos,

para não provocar distorções no mercado (1993:90).

63 Sobre as origens do neoliberalismo consultar Anderson, P. Balanço do Neoliberalismo. In: Sader e

Gentili (op. cit.) 64 Dados estatísticos a respeito dos gastos com aposentadorias em diversos países no mundo nas

décadas de 70 e 80 e informações sobre os vários tipos de aposentadoria, podem ser encontrados

em Draibe (1986).

76

A mesma autora entende a política neoliberal na América Latina

como fundamentada num tripé: descentralização, privatização e

concentração dos programas sociais. Tendo a privatização como objetivo,

estes países iniciam programas de desestatização dos serviços públicos que,

segundo a autora, impressionam a população desavisada, mas não resolvem,

nem sequer minimizam, a situação de pauperização desta população.

Não foi possível afirmar neste estudo, em que medida as diretrizes

neoliberais foram adotadas nos primeiros 5 anos da década, contudo,

considerou-se relevante refletir a respeito do colapso do sistema

previdenciário brasileiro que os anos 80 trouxeram à tona. À crise, o governo

da Nova República respondeu (assim como os governos anteriores) com o

aumento das alíquotas. Os critérios de financiamento e de aplicação dos

recursos não foram questionados.

A postura da medicina previdenciária de permanecer curativa ao

invés de preventiva, individualizada no lugar de coletiva e beneficiária dos

grandes trustes, permaneceu a mesma. Além disso, a linha divisória entre

previdência e assistência social continuou duvidosa (Salm, op.cit.).

Conforme o autor, o centro nevrálgico da crise residiu não no

aumento do contingente de inativos, dependentes da previdência, mas sim

na ausência de capitalização dos recursos arrecadados. Isto significa que a

ampliação do número de beneficiários, que deu seqüência à meta de

universalização da previdência, não encontrou sua contrapartida na

captação de recursos que atendesse à demanda. A defasagem gerada foi o

principal motivo para a falência do sistema, antes mesmo de propiciar uma

condição de vida digna à quase totalidade dos inativos dependentes deste.65

Os aposentados sofreram nos anos 80 verdadeiros golpes em seus

cálculos de aposentadoria e reajustes. Por se constituir na categoria mais

65 Compartilhando da análise de Salm (op. cit.) Oliveira e Teixeira colocam ... ” Como vimos

afirmando diversas vezes, a crise previdenciária origina-se na contradição estrutural de um

sistema em crescente expansão, em decorrência de determinações políticas, sem que este processo

tenha sido acompanhado de qualquer alteração no mesmo sentido, na restrita base financeira

deste sistema” (op. cit:278).

77

desorganizada e com baixo poder de reivindicação, o governo lançou mão dos

recursos da previdência para cobrir outros setores mais defasados.

Em uma análise mais ampla, notou-se que quando os modelos de

políticas públicas de países desenvolvidos são adotados nos de economia

subdesenvolvida, sem critérios de avaliação ponderados, a crise torna-se

ainda mais aguda. No Brasil o sistema previdenciário público, corroído pela

má administração, pela burocratização e pela corrupção, está falido. Esta

situação tem sido vivida por outros países, principalmente pelos mais

pobres.

Na Argentina, Uruguai, Equador, Chile, Peru, Bolívia,

Filipinas, Turquia, o Banco Mundial exerce fortes

pressões para impor projetos modernizantes e já está

enfrentando crescentes resistências. O modelo imposto

pelo BIRD ao Chile, durante a ditadura Pinochet, levou

os trabalhadores a receber aposentadorias que os

colocam abaixo da linha da pobreza, conforme estudo

da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”

(Cadernos do Terceiro Mundo, 1996: 6).66

O mesmo artigo apontou para a amplitude do projeto...

As pressões do Banco Mundial e do Fundo Monetário

Internacional não se limitam às aposentadorias e

pensões. São, de fato, aspectos de um projeto global

muito mais profundo e exigente. As reformas dos

sistemas de previdência estão intimamente ligadas à

abertura dos mercados e às privatizações (op.cit: 7).67

A partir desta explanação, acredita-se que os cuidados foram

tomados para não se cair no economicismo, que atribui como causa da crise

na previdência, apenas seu colapso econômico e a depressão financeira

conjuntural brasileira. Defende-se, neste trabalho, a idéia de que questões

mais profundas também influíram na crise previdenciária em que o Brasil

mergulhou, como a adoção de medidas contencionistas nas políticas

públicas, importadas de países do primeiro mundo, tornando clara sua

66 Augusto Pinochet no Chile e o deputado Roberto Campos (com o projeto 1136/83) no Brasil, foram

apontados no mesmo artigo da revista, como responsáveis pelo fortalecimento da política de

privatização da previdência pública em 1983. 67 Este artigo se baseia no documento “Assalto às Aposentadorias - Política de Seguridade Social do

Banco Mundial para os países do Sul”, de Susanne S. Paul, presidente do Comitê de Organizações

Não Governamentais Sobre a Terceira Idade, das Nacões Unidas, e James A Paul, diretor-

executivo da ONG Fórum de Políticas Mundiais; edição em espanhol do Instituto do Terceiro

Mundo, Montevidéu, Uruguai.

78

intenção de inserção nos programas neoliberais, preconizados por países

como Inglaterra e Estados Unidos.68

No início dos anos 90 o estímulo ao sistema de previdência privada

tornou-se evidente, demonstrando uma política de aguçamento das

desigualdades no final da vida do trabalhador. O Estado, por sua vez,

progressivamente tem imputado aos gastos do setor público a

responsabilidade pela crise estrutural do sistema.

2.4. A Associação de Aposentados e Pensionistas de São José

dos Campos: A Resistência na Relação com Seu Outro

Conforme mencionado anteriormente, a situação dos aposentados e

pensionistas piorou a partir dos meados da década de 70. A qualquer sinal

de dificuldades financeiras de outros setores da economia, o governo lançava

mão dos recursos provenientes da previdência social.

Além da previdência se constituir como “caixa” de reserva, outros

fatores como a inflação e o achatamento salarial refletiam nos proventos dos

aposentados. Segundo Haddad (1993:35), a Lei 6.205, de 29 de abril de 1975,

piorou a situação da categoria. A referida Lei foi responsável pelo fim do

salário mínimo como “fator de correção” dos benefícios, passando este a ser o

sistema especial de atualização monetária.

Esta medida refletiu no poder de barganha dos aposentados.

Enquanto os reajustes dos benefícios permaneciam atrelados aos do salário

mínimo, as pressões sindicais e populares (mesmo sob um regime de

ditadura) funcionavam como forças reivindicadoras. No momento em que

houve a desvinculação dos benefícios do salário mínimo, desatou-se o elo

entre as exigências dos aposentados e as lutas sindicais. A categoria perdeu

uma grande força.

68 Esta mesma linha de raciocínio pode ser encontrada em Mota (1995:117-58).

79

Ainda segundo a autora, a situação se agravou e a abertura para a

defasagem com relação ao salário mínimo foi dada pelo Decreto 77.077, de

24 de janeiro de 1976, que estabeleceu a vinculação do citado sistema

especial de atualização monetária a um valor de referência diferente para

cada região do país. Ora, com esta medida, o governo se desobrigou de

reajustar os proventos dos aposentados de acordo com qualquer medida

oficial de inflação. Estes passaram a ganhar menos que o salário mínimo

(Haddad,1993:35-6).

Em 1979, enquanto o Brasil vivia uma situação de crise econômica e

os efeitos do “milagre” não podiam mais ser sentidos, a situação dos

aposentados e pensionistas se agravou de tal forma, que levou a categoria a

se organizar. Seguindo a seqüência de medidas de achatamento, a Lei 6.708,

de 30 de outubro de 1979, foi responsável por grande defasagem da

categoria.69

De acordo com a referida Lei, o salário mínimo deveria ser corrigido

pelo INPC semestralmente e seguiria diferentes valores para os diversos

patamares salariais acumulativamente. Isso significa que os níveis salariais

mais baixos deveriam ter reajustes menores (o que prejudicou diretamente a

categoria). Além disso, os reajustes passaram a ser pagos de acordo com o

índice do salário mínimo anterior. Em outras palavras, não só os

aposentados e pensionistas que ganhavam o mínimo passaram a ter

reajustes menores, como também tiveram seus proventos corrigidos sobre

os 6 meses anteriores. Este processo trazia em si o que foi chamado de

“efeito cascata”, isto é, a defasagem crescia a cada reajuste.

A organização do Movimento dos Aposentados e Pensionistas não se

configurou como tal, antes de 1979. Embora algumas Associações tenham se

fundido, não conseguiram representatividade suficiente em outras

categorias para se tornarem Centrais.70 Foi nos anos 80 que as Associações,

69 A respeito das demais Leis e decretos que acabaram por levar os aposentados e pensionistas a uma

terrível defasagem na época, consultar Haddad, 1993 e Simões, 1998. 70 A União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil foi fundada em 1966, fruto da junção da

Associação dos Trabalhadores Gráficos Aposentados de São Paulo e da Legião dos Inativos de São

Paulo (Haddad,1993:40).

80

até então isoladas, criaram suas Centrais - Federação (no âmbito do estado

de São Paulo) em 1983 e COBAP (no âmbito nacional) em 1985.

A organização e o amadurecimento do Movimento ocorreu, conforme

já demonstrado, concomitantemente à divulgação pela mídia, da propalada

crise da previdência. Longe de se propor que os meios de comunicação de

massa tenham desencadeado o Movimento, acredita-se que há a

possibilidade desta ter influenciado na opinião pública e, como conseqüência,

na iniciativa dos aposentados de procurar seus direitos.71

As colocações anteriores levam a concluir que o Movimento dos

Aposentados e Pensionistas foi fruto do colapso em que o sistema

previdenciário se encontrava e, mais precisamente, da situação de

pauperização em que mergulhou a categoria nos fins da década de 70 e início

dos anos 80. Conforme Haddad:

O projeto de uma ação reivindicatória conjunta não se

fez de imediato à uniformização dos benefícios dos

IAPs. Foram constituídas, em primeiro lugar,

associações para informar e orientar os dependentes da

previdência social. A partir delas, e com as profundas

defasagens dos proventos dos aposentados e

pensionistas, decretadas pelos dispositivos

institucionais concretizadores da política de ‘confisco

salarial’ ao longo do pós-64, e agravadas ao final da

década de 70, é que apareceram as federações e - com a

união das mesmas - a COBAP. Em 1985, os ecos do

Movimento poderiam ser ouvidos em todo o território

nacional, não fossem as barreiras levantadas para

evitar sua ressonância maior (1993:38).

A afirmação feita acima foi ratificada por depoimentos que

revelaram o trabalho inicial de conscientização das Associações.

O que a gente pretendia era mesmo isso, era esclarecer

o associado, porque de um modo geral, o aposentado, já

desde aquela época ele não sabia os direitos dele...como

é que ele poderia...às vezes ele tinha o benefício dele

errado, calculado errado, como é a coisa mais comum,

benefício calculado errado. Então a Associação

esclarecia...um grupo de aposentados que estavam

naquela mesma situação acabava colocando um

71 Vale ressaltar que as reflexões a respeito da influência da mídia como um fator contribuinte para a

organização dos aposentados não possuem qualquer comprovação documental e serve apenas como

hipótese para estudos futuros. Sobre a divulgação do Movimento na mídia consultar Simões, 1998.

81

advogado para resolver o problema, como aconteceu

(Florivaldo Camocardi).

Nós só não tínhamos condições de fazer nada porquanto

nosso conceito a nível de entidade...não tinha

divulgação. Então nós nos louvávamos das pessoas que

nos procuravam e a gente passava aquela proposta pra

poder conseguir alguma coisa. Então, veja bem, os

encaminhamentos que nos preocupou sobremaneira foi

exatamente as defasagens que ocorreram na questão

dos proventos de aposentadoria. Porque nós partimos

do princípio de que, em primeiro plano o aposentado

tinha que ter consciência de que o que ele estava

ganhando, se não era o justo, era o que estava correto.

Então isso nós tínhamos que eliminar da cabeça

daqueles que naturalmente imaginavam: bom, hoje, eu

contribuí durante tantos anos, e contribuí sobre 20

salários, porque que eu ganho um salário mínimo? ...

Então esse conceito todo, essa mecânica toda que nós

tínhamos que conhecer e conhecer também a legislação

no seu conteúdo para poder explicar, nos deu conta que

os projetos mais prementes foram esses (Benedito

Domingos).

A partir do que foi colocado, tornou-se possível antever que a questão

da conscientização dos aposentados foi fundamental para o fortalecimento

do Movimento. Em um espaço menor, o da Associação, o trabalho de

conscientização foi gradual (e porque não, permanente) e fundamental para

a atração de novos associados, responsáveis pela manutenção da entidade.

Os aposentados precisavam antes saber no que implicava o Movimento e o

que era a Associação. Quais os benefícios que poderia trazer para eles.

Abrindo aqui um parêntese para uma análise mais global da

situação, podemos perceber que o Movimento refletia algo além da crise da

previdência social brasileira, ou mesmo das dificuldades econômicas pela

qual o Brasil vinha passando. O Movimento amadureceu em uma década em

que novos agentes surgiram em todo o mundo.

Com a diminuição da intervenção do Estado no âmbito social e

produtivo em favor do mercado, provocada pelas políticas neoliberais, a

capacidade reguladora deste diminuiu. Foram abertas para novas

alternativas de organização dos grupos de pressão. Houve mudanças na

relação indivíduo/Estado e a luta pela cidadania precisou assumir outros

82

contornos. Boaventura de Sousa Santos esclareceu as mudanças nos

movimentos emancipatórios:

do ponto de vista da emancipação, é possível pensar em

novas formas de cidadania (coletivas e não individuais;

menos assentes em direitos e deveres do que em formas

e critérios de participação), não-liberais e não

estatizantes, em que seja possível uma relação mais

equilibrada com a subjetividade (op.cit.:213).

De acordo com esta ótica de análise das classes sociais na sociedade

capitalista contemporânea, os movimentos sociais também podem ser

estudados como organizações com caráter muito mais abrangente e

propósitos universais. As orientações pós-materialistas são características

destes novos movimentos sociais, que canalizam suas reivindicações para

problemas mundiais como a ecologia, o desarmamento nuclear e o pacifismo.

O reconhecimento das diferenças também é uma característica destes

agentes emergentes. Este traço revela um esforço contemporâneo para o

resgate da subjetividade individual e da identidade de grupos.

Conforme o autor, ao mesmo tempo que as possibilidades de

negociação e transformação surgem nos partidos, sindicatos, empresas e

famílias, no nível social qualquer mudança parece inviável e, uma

organização social diferente da existente se mostra impossível. As mudanças

giram em torno de um horizonte mais limitado do que a esfera sócio-

econômica, tonando assim remota a perspectiva de mudança estrutural.

Segundo Sousa Santos, as lutas em que os novos movimentos sociais se

traduzem...

pautam-se por formas organizativas (democracia

representativa). Os protagonistas destas lutas não são

as classes sociais, ao contrário do que se deu com o duo

marshalliano cidadania-classe social no período do

capitalismo organizado; são grupos sociais, ora maiores,

ora menores que classes, com contornos mais ou menos

definidos em vista de interesses colectivos por vezes

muito localizados mas potencialmente universalizáveis

(Sousa Santos,op.cit: 225).72

72 O autor utiliza o termo capitalismo organizado para identificar o mesmo período que Harvey

(op.cit.) identificou como Fordismo iniciado nas primeiras décadas do século XX e finalizado na

década de 70.

83

A partir das colocações do autor, ousou-se compreender o Movimento

de Aposentados e Pensionistas como fruto (além da política econômica e

previdenciária brasileira) também das novas formas de organização e

reivindicação que estavam se delineando nos países de primeiro mundo.

Enquanto parte de uma organização maior, o MOP, a Associação de

Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos constituiu-se, na época,

em uma voz que gritava contra a defasagem dos proventos da categoria.

Para conhecer melhor esta voz que resistia e não aceitava leis e cálculos

impostos pelo poder, incorporado no governo federal, julgou-se necessário

fazer alguns esclarecimentos a respeito do conceito de resistência adotado

aqui. Partiu-se, então, de alguns parâmetros para que o termo resistência

não se reduza a um conceito tão abstrato, que não possa ser percebido na

realidade empírica da pesquisa.73

Flávia Schilling (1991) coloca que resistência não é revolução.

Implica em um movimento cotidiano para a manutenção da vida, da

subjetividade.

Resistência não é revolução, não se pretende tal,

mesmo que pareça indicá-la e mesmo que possa até,

sustentá-la. Portadora de ambigüidades, por

momentos parecendo uma ilusão pois reprodutora da

ordem fundamental e de sua lógica, por momentos

portadora de recusas que questionam profundamente

essa mesma ordem e a lógica que a sustenta (1991:5).

Interessante notar no texto da autora a noção de ambigüidade,74

onde nem o poder em forma de dominação e reprodução e, nem a força de

oposição a este poder são totais, hegemônicos. A brilhante fala de Marilena

73 Conforme mencionado na introdução, a definição trazida pelo Dicionário Aurélio Básico do termo

resistência aponta: - “Ato ou efeito de resistir. Força que se opõe a outra, que não cede a outra.

Luta em defesa. Defesa. Fig. Oposição ou reação a uma força opressora. Embaraço, obstáculo,

empecilho. Fig. Vigor moral; ânimo.” p. 566. 74 A noção de ambigüidade trabalhada no texto seguiu a idéia colocada por Marilena Chauí, onde o

termo não significa deficiência, mas sim as várias dimensões do objeto a ser analisado e também

pelas diversas dimensões intrínsecas ao sujeito que as analisa. “ Ambigüidade é a forma de

existência dos objetos da percepção e da cultura, percepção e cultura sendo, elas também,

ambíguas, constituídas não de elementos ou de partes separáveis, mas de dimensões simultâneas

que, como dizia ainda Merleau Ponty, somente serão alcançadas por uma racionalidade alargada,

para além do intelectualismo e do empirismo.” (Chauí 1986:123). Outro texto da autora deve ser

mencionado aqui, para aqueles que se interessam pelo estudo da resistência. Neste, é trabalhada a

resistência de mulheres contra sua opressão. Chauí, M. Participando do Debate Sobre Mulher e

Violência. In: Perspectivas Antropológicas da Mulher. Rio de Janeiro, Zahar, vol. 4. 1985.

84

Chauí aponta a consciência do que é e do que poderia ser, como motor da

resistência.

Consciência que opera com paradoxos, porque o real é

tecido de paradoxos, e que opera paradoxalmente,

porque tecida de saber e não-saber simultâneos, marca

profunda da dominação. A consciência trágica, em seu

sentido originário, tal como revelada pela tragédia

grega, não é aquela que se debate com um destino

inelutável, mas, ao contrário, aquela que descobre a

diferença entre o que é e o que poderia ser e que por

isso mesmo transgride a ordem estabelecida, mas não

chega a constituir uma outra existência social,

aprisionada nas malhas do instituído. Diz sim e diz não

ao mesmo tempo, adere e resiste ao que pesa com força

da lei, do uso e do costume e que parece, por seu peso,

ter a força de um destino (1986:177-8).

Esta relação de parcialidade, determina as regras do que a autora e

Certeau (1994) chamaram de “jogo”.

Michel de Certeau (1994) trabalhou formas de resistência nas

relações de poder que permeiam a vida cotidiana. Nota-se que o autor, ao

definir a noção de jogo de dominação e resistência no espaço das práticas

cotidianas, também rompe com a idéia de bloco hegemônico da ideologia

dominante. Baseou-se em Foucault (1995), 75 apontando a trama do social

como espaço de ação de focos de resistência dispersos, mas atuantes:

Se é verdade que por toda parte se estende e se precisa

a rede de vigilância, mais urgente ainda é descobrir

como é que uma sociedade inteira não se reduz a ela:

que procedimentos populares (também ‘minúsculos’ e

cotidianos) jogam com os mecanismos da indisciplina e

não se conformam com ela a não ser para alterá-los;

enfim, que ‘maneiras de fazer’ formam a contrapartida,

do lado dos consumidores (ou dominados), dos processos

mudos que organizam a ordenação sócio-política

(Certeau,op.cit:41).

75 Não se pode trabalhar nesta ótica de análise da resistência sem, no mínimo mencionar o trabalho

de Michel Foucault. No que refere ao poder da disciplina no âmbito das estruturas jurídico-política

o autor revela... “Por regular e institucional que seja, a disciplina, em seu mecanismo, é um

‘contra-direito’. E se o juridismo universal da sociedade moderna parece fixar limites ao exercício

dos poderes, seu panoptismo difundido em toda parte faz funcionar, ao arrepio do direito, uma

maquinaria ao mesmo tempo imensa e minúscula que sustenta, reforça, multiplica a assimetria

dos poderes e torna vãos os limites que foram traçados. As disciplinas ínfimas, os panoptismos de

todos os dias podem muito bem estar abaixo do nível de emergência dos grandes aparelhos e das

grandes lutas políticas.” (Foucault, 1995: 195-6). Grifos meus.

85

Michel Mafesolli (1993) trabalhou sob a ótica de Certeau,

comparando o jogo duplo exercido pelos políticos com o procedimento do

cidadão comum. Afirmou que na política, este jogo duplo é praticado num

espaço comum, como uma permanente negociação a fim de manter o poder.

De acordo com o autor, as estratégias desta coletividade têm o mesmo fim,

pois trazendo a contradição em si, este jogo garante a subjetividade e

consequentemente a preservação do grupo. Atitudes cotidianas e, às vezes

despercebidas pelos próprios protagonistas, constróem o real. Códigos de

sobrevivência são desenvolvidos no cotidiano, revelando assim uma lógica

própria da vida.

Muito interessante notar que os caminhos apontados pelos autores

acima propõem alguns parâmetros de análises próximos. Embora muitos

deles possuam paradigmas teóricos diferentes (como é o caso de Boaventura

de Sousa Santos e Michel Foucault ou, Marilena Chauí e Michel de

Certeau), direcionam suas análises de resistência ao poder, na sociedade

contemporânea, para a questão da subjetividade e do contra-poder, para a

luta cotidiana construída por ações, muitas vezes, não elaboradas ou mesmo

inconscientes.

Um trabalho de Paulo de Salles Oliveira (1993) sobre o universo da

convivência entre avós e netos, na periferia de uma cidade paulista,

demonstrou como os dois extremos das idades do homem sofrem a dupla

opressão, enquanto classe social e grupo etário. De acordo com o autor, a

resistência destes grupos é tecida no cotidiano marcado pela convivência.

Mas, a despeito de inferiorizados socialmente são

capazes de criar práticas originais, de reinterpretar

idéias e sugestões, de reinventar o que já vem pronto e

de fazer de suas vidas uma travessia de partilhas e

mudanças. Contentar-se com pouco e, deste, ainda

extrair força criadora para resistir, recriando a vida em

conjunto, é algo que comporta uma simbologia

expressiva, capaz de muito ensinar. Não pretendo com

isso dizer que se deva considerar as relações entre avós

e netos como modelos, capazes de criar amanhã um

novo ser (op.cit:3).

86

Instigante (e árduo) foi pensar um grupo de idosos, envolvidos em

um movimento político maior, sob a ótica da resistência apresentada pelos

autores acima. Em uma análise mais cuidadosa, pôde-se perceber que o

grupo em sua luta cotidiana para firmar-se como parte de um Movimento,

ou melhor, como grupo de pressão,76 exerceu formas diversas de resistência.

As formas de luta foram conscientemente escolhidas, embora a ambigüidade

resistência/adesão estivesse sempre presente.

Para eles, a resistência estava no dia a dia, não revolucionária e

feita de pequenos atos de recusa ao poder. Não era hegemônica, mas

demonstrou inteligência dos atores envolvidos. Por isso mesmo, a relação

entre os sujeitos e a estrutura de poder se configurou como um

desenvolvimento constante de estratégias e de invenções cotidianas. Possuía

uma ambigüidade inerente e permanente, revelando momentos de aceitação

passiva alternados com recusa e consciência

As reflexões em torno da Associação facilitaram a compreensão de

como se deu o duplo movimento de reprodução e negação da dominação, sem

que nenhum dos extremos tenham sido completados. Isto é, sem que o

governo, personificado na previdência, tivesse acabado com qualquer tipo de

resistência e, sem que os aposentados tivessem eliminado a previdência

social. Dependentes mutuamente, aposentados e previdência não podem se

destruir um ao outro porque seria seu próprio fim. Aí a característica de

“jogo” na relação.

As estratégias nestes primeiros 8 anos de funcionamento da

entidade foram se alterando à medida em que o governo da Nova República

assumia outros contornos. A defasagem dos benefícios nos primeiros anos da

década de 80 provocou reações na Associação que não foram as mesmas do

final da década. As armas variaram. Na relação direta com o governo, cartas

76 Recorreu-se a uma definição de Jean Meynaud a respeito dos grupos de pressão. De acordo com a

tipologia do autor estas associações podem ser caracterizadas enquanto grupos de pressão. Ele os

definiu como forças que orientam e direcionam o mecanismo governamental. O debate nos meios

acadêmicos a respeito do papel destes grupos na sociedade industrial ainda está em aberto. Para o

autor...“O único critério que preserva de interpretações subjetivas é comprovar nos interessados

uma vontade de influir nas decisões dos poderes públicos. Desde que esta vontade se manifeste, o

organismo considerado entra na classe dos grupos de pressão” (1962:7). Isso ocorre

independentemente do juízo moral ou da desaprovação da opinião pública.

87

reivindicatórias, processos encaminhados e manifestações programadas pela

própria Associação, foram importantes instrumentos de reivindicação.

Durante o período investigado (1983 a 1990), 21 correspondências

foram enviadas para o governo federal. Em 1985 foram emitidos ofícios

idênticos em nome das Associações do Vale do Paraíba ao presidente José

Sarney e ao ministro da previdência social Waldir Pires. Nos documentos,

escritos em papel timbrado da Associação dos Trabalhadores Metalúrgicos

Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos, Jacareí, Caçapava e

Santa Branca, continham nove reivindicações feitas pela COBAP. De forma

polida, porém em tom de cobrança, os documentos se encerraram...

Indubitavelmente, as reivindicações solicitadas,

atendidas, vem de encontro aos desejos dos

aposentados e pensionistas, que lutam para um dia

melhor, dentro do Governo da Nova República,

objetivando os reajustes de seus benefícios tão

defasados e, um tratamento tão desigual ao que é dado

aos empregados da ativa....Aceite os cumprimentos de

todos os aposentados e pensionistas, admiradores e

incentivadores do notável trabalho que Vossa

Excelência vem realizando no atual Governo (ofício s/n:

18/11/85).77

Pôde-se perceber que no texto, o primeiro ofício enviado ao governo

federal pela Associação, coexistiram reivindicação e elogio ao governo

Sarney. Sem realizar uma profunda análise lingüistica, é possível notar a

contradição, ou melhor, a ambigüidade implícita nos dois parágrafos. Os

elogios tecidos no final não anularam a cobrança e a reclamação diante da

defasagem e da desigualdade com que os aposentados são tratados.

A ambigüidade esteve presente nas correspondências enviadas no

período, embora, com o passar dos anos, o discurso tenha se tornado mais

claro e seguro. Cobranças, denúncias e insatisfação foram registradas,

chegando a ser usados termos mais “ofensivos” como na carta de

reivindicações enviada ao Ministro da Previdência Social Jader Barbalho,

em 89, demonstrando extrema insatisfação com sua gestão. Termos como

“...atitude indecente...”, “...propaganda mentirosa, injuriosa e falsa...”,

77 Grifos meus.

88

“...ineficiência...” foram utilizados. No parágrafo a seguir pode-se notar o

tom no qual o documento foi encerrado.

Por todos os desmandos, fraudes e mentiras ocorridos

no decurso dos anos sem que, uma palha sequer fosse

movida para que esse estado de coisas tenham fim é

que dizemos: a nossa paciência, Sr. Ministro, está se

esgotando, mas, como somos homens e mulheres de um

povo sofrido e maltratado pelos Poderes Públicos e por

não aceitar mais que mentiras, fraudes, empreguismo e

outras mazelas continuem a imperar em “nosso”

Ministério é que declaramos à V. Excia., em alto e bom

tom, que jamais abdicaremos de nossa luta visto

considerá-la justa e honesta...(ofício 053/89: 5/6/1989).78

A análise de documentos como este levou a reflexão em torno do que

é chamado aqui de “termos ofensivos”, como fruto do fortalecimento da

entidade e da organização do Movimento de Aposentados e Pensionistas

ocorrido nos fins dos anos 80.

Esta profunda insatisfação, demonstrada nas correspondências do

período, foi substituída pelo otimismo com a posse de Fernando Collor de

Melo na Presidência e Antônio Rogério Magri no Ministério do Trabalho e

Previdência Social. 79 Em carta enviada a Collor em 27 de abril de 90, em

nome de todas Associações do Vale do Paraíba, a AAPSJC apresentou 11

tópicos argumentando (por meio de leis e estatísticas) contrariamente à

notícia - e não ao governo - divulgada no jornal “Folha de São Paulo” do dia

26 de abril daquele ano, de que o aumento do salário mínimo inviabilizaria a

previdência social. Em síntese o documento questionou sobre:

Quais as políticas definidas pelo governo para garantir o pleno

emprego e o crescimento econômico. - Se há o conhecimento de

que os aposentados foram a “classe que mais sofreu os arrochos

salariais...” Que 82% dos aposentados e pensionistas ganham

de um a três salários mínimos. - Pergunta qual a porcentagem

do PIB gasta com os aposentados. - Denuncia que a União não

arca com a folha de pagamento dos funcionários da Previdência

78 Grifo do documento. 79 A respeito da recepção do governo de Fernando Collor de Melo pelas centrais do Movimento

consultar Haddad, 1991:193-97.

89

Social e sim, os contribuintes. - Coloca que a previdência arca

com as despesas com a saúde pública e pedem a participação de

empregados, aposentados e pensionistas e empresários na

gestão dos recursos da previdência (cf. ofício 180/90: 27/4/90)

É interessante ressaltar também que, a partir de 88, a

correspondência com alguns deputados federais se intensificou (Arnaldo

Faria de Sá - PRN, Farabulini Jr., Geraldo Akimin - PSDB), transparecendo

um relacionamento bastante cordial. Os deputados, muitas vezes, eram

tidos como porta-vozes e mensageiros diretos de cartas elaboradas para o

executivo pela Associação e pela central do Movimento.80

Este dado demonstrou a arregimentação e articulação progressiva de

forças no âmbito político federal, revelando estratégias de luta. Por meio de

alianças com partidos, nem sempre considerados de oposição, como é o caso

do deputado Arnaldo Faria de Sá, líder do PRN no governo Collor e tido

como aliado dos aposentados.

No que se refere aos estatutos da Associação, percebeu-se que ao

definir os propósitos da entidade, a resistência não se apresentou de forma

unidimensional. Houve diferenças do primeiro, registrado em 30 de março

de 1984, para o segundo, publicado em 9 de fevereiro de 1987.

A Associação de Aposentados e Pensionistas de São

José dos Campos...é constituída...para defender e

representar seus filiados perante os governos Federal,

Estadual e Municipal, Previdência Social, órgãos

públicos, sindicatos, associações e a sociedade81 (Artigo

1o dos estatutos de 30/03/90).

No segundo estatuto mudanças substanciais ocorreram, tornando a

Associação eclética. Contudo, o que interessou no momento foram as

alterações nos objetivos da Associação.

A Associação de Aposentados e Pensionistas de São

José dos Campos...é constituída para fins precípuos de

80 Como exemplo pode ser citado o ofício 043/89 de 9 de maio de 1989 ao Deputado Arnaldo Faria de

Sá sugerindo as alterações para a elaboração do anteprojeto da previdência. O documento inicia-se

com “ Prezado Deputado e Amigo” e tem expressões como “ ...fornecer , ao Companheiro, a

relação...” 81 Grifos meus.

90

estudos82, coordenação, proteção e representação legal

de todas as classes de aposentados e pensionistas,

perante o Instituto Nacional de Previdência Social -

INPS e demais órgãos públicos, e associações, no

sentido de solidariedade e promoção social dos seus

representados83 (capítulo 1 dos estatutos de 09/02/87)

Verificou-se, ao comparar os dois documentos, que houve uma

elaboração maior do 2o texto, tornando mais abrangente o papel da entidade.

Enfatizou a idéia de proteção e defesa dos aposentados contra o poder, que

na época recrudescia seus ataques aos aposentados. Esta é mais uma

demonstração de organização, ou melhor, reorganização frente às novas

investidas do poder personificado no INPS, órgãos públicos e associações.

No âmbito do MOP, outras alternativas eram usadas para mostrar

que havia uma resistência. Para a participação em encontros e congressos

da categoria por exemplo, os diretores da Associação lançavam mão de suas

relações com o poder local para conseguir ônibus e auxílio de viagem. A

questão da relação da Associação com o governo municipal será abordada

num próximo momento (capítulo 3). No entanto, vale ressaltar que também

esta alternativa da qual a entidade lançou mão para “driblar” as

dificuldades financeiras, pode ser encarada como uma forma de resistência

encontrada por ela para continuar atuante no Movimento.

Importante chamar a atenção para o fato de que a meta de

crescimento e fortalecimento da entidade estiveram presentes nestes

primeiros anos da Associação. A idéia de que a boa administração é aquela

que consegue angariar mais adeptos esteve presente em todo o trajeto da

entidade no período estudado. Por trás deste objetivo estava a conquista do

reconhecimento perante a opinião pública, e mais, perante as forças políticas

e econômicas locais.

Dos anos de 1983 a 1991, 60 matérias relativas à Associação de

Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos foram publicadas no

jornal Valeparaibano. Na época, não o maior, mas um dos maiores periódicos

82 No capítulo 3 será abordado o termo estudos inserido neste estatuto enquanto necessidade para a

obtenção de verbas públicas. 83 Grifos meus.

91

do Vale do Paraíba. Não foram encontradas matérias pagas pela Associação.

Dos artigos pesquisados, nenhum foi referente ao envolvimento em

escândalos, ou divergências internas, ou mesmo fracasso de alguma

atividade promovida pela entidade. Presidentes e diretores, por vezes deram

depoimentos técnicos ou emitiram opinião relativos à medidas adotadas pelo

governo. A respeito do dia do aposentado, 24 de janeiro ...

Hoje é o dia nacional dos aposentados e pensionistas,

que só na cidade somam mais de 40 mil. A data

entretanto, não contará com nenhum tipo de

comemoração. ‘O pacote econômico do Governo arrasou

com a categoria que não terá mais aumento de salário

na sua data-base em março’, declarou o presidente da

Associação dos Aposentados e Pensionistas de São José

dos Campos, Onofre Silva. Com isso, o aposentado terá

mais de 80% de perda sobre o seu salário que, ao invés

de aumentar ‘mingua cada vez mais’ (“O

Valeparaibano”, 24/01/89: 3).

À medida em que se buscava a identificação como entidade

representativa da categoria no município, a imagem divulgada na imprensa

ressaltava não apenas o êxito de associados que tiveram seus processos

ganhos na justiça, mas também as manifestações públicas lideradas pela

Associação ou que contaram com sua participação. Com uma imagem de

austeridade e ao mesmo tempo, fragilidade (porque a identidade de

aposentado está ligada à idéia de pobreza) e perseverança na condução dos

processos, a Associação buscou construir um conceito de entidade digna da

confiança da elite local e dos aposentados joseenses.

Um artigo chamou a atenção ao exaltar a energia dos membros da

Associação. Com chamada na 1a página, referente às preparações para o dia

do aposentado, a matéria que trouxe a foto do então presidente da entidade.

Entitulou-se “Aposentado prova que é bom de briga e luta por aumento”.

Para qualquer pessoa menos avisada eles não passam

de um ‘grupo de velhinhos’. Mas eles são diferentes.

Todos aposentados com uma média de idade de 50 anos

e um ‘pique’ de 20...estão lutando como qualquer uma

da muitas categorias de trabalhadores lesados...(O

Valeparaibano, 21/01/88:5)

92

Por meio deste pequeno trecho tornou-se possível a percepção da

entidade colocando seus membros como “diferentes” da maioria dos idosos

(que com uma média de idade em torno dos 50 anos são chamados de

“velhinhos”). A idéia transmitida foi de energia, força e indignação diante

das medidas governamentais que “lesam” a categoria.

Pela notícia entitulada “Aposentados recebem seus cheques, dois

anos depois”, foi possível compreender como o pagamento dos processos

contribuiu para a construção da imagem de eficiência da Associação.

A Associação dos aposentados e Pensionistas entregou,

ontem, nove cheques para beneficiados que, através da

justiça, reclamaram seus direitos. Para a maioria a

espera de um até dois anos valeu a pena, não pelo valor

em si, mas pela obtenção de um bom resultado...O

diretor Giuseppe Costantino - que entregou os cheques

- se sentia satisfeito porque a ocasião era um

coroamento de uma luta que não tem fim. ‘Através da

justiça, os aposentados estão sabendo que existe uma

entidade que se preocupa com os seus direitos e que

não devemos deixar nosso dinheiro nas mãos do

governo’...(“O Valeparaibano”, 07/07/89:5).

Ao refletir a respeito deste cuidado por parte da Associação em

elaborar o que foi chamado de imagem e conceito, pode-se perceber que o

objetivo das diretorias que passaram por lá durante os anos em questão,

esteve voltado não apenas para o crescimento da entidade, mas também

para o seu reconhecimento público enquanto digna de confiança dos

aposentados e da elite local.

A partir desta constatação tornou-se possível a interpretação do

reconhecimento público da entidade, como mais uma forma de resistência

desta contra as medidas de achatamento promovidas pelo poder. E mais, as

investidas do governo contra a categoria acabaram por se reverter em

benefício da entidade. Na medida em que os processos ganhos e as vozes dos

diretores da entidade foram divulgados, tornaram-se representativos dos

aposentados no âmbito local.

É possível permanecer escrevendo a respeito deste jogo entre

governo e Associação por longas páginas. As estratégias não foram

93

esgotadas e em todas as fontes puderam ser encontrados traços da

ambigüidade. A preocupação acompanhou todo o trajeto da entidade até

1990, quando foi feito o corte temporal da pesquisa. Para concluir, resta

dizer que pela análise documental, foi possível perceber a relação dialética

expressa no binômio aceitação/recusa apontado pelos autores estudados.

Esta relação embora conflitante, esteve intrínseca ao funcionamento da

Associação, dando a ela uma personalidade, uma identidade.

94

Capítulo III

A (RE) ORGANIZAÇÃO DA IDENTIDADE DA ASSOCIAÇÃO

DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS DE SÃO JOSÉ DOS

CAMPOS

Sobre poder...

O exercício do poder é um jogo de forças

antagônicas em que há a dominação

eventual, mas que supõe uma margem

de liberdade e de possibilidades de

ação. Há “zonas de incerteza” na

relação de poder que possibilitam

movimentos de aproximação e recuos,

confrontos e aproximações.

Fischer e Carvalho

95

Ao chegar no 3o capítulo uma certa retrospectiva vem à mente da

investigadora. Acredita-se que este movimento constante de idas e vindas

seja importante para uma boa articulação da parte a ser trabalhada com as

anteriores, a fim de tornar clara a idéia que se está tentando transmitir.

No 1o capítulo a meta principal foi apresentar a Associação ao leitor.

Seu trajeto nos primeiros anos, as dificuldades e as influências sofridas pelo

grupo, que tentava se organizar e dar o primeiro impulso para a entidade.

Caminhando um pouco mais, o 2o capítulo abriu algumas

possibilidades para a reflexão em torno do “outro” do MOP e,

conseqüentemente, da Associação: a previdência social e, em última

instância, o governo federal. Daí a necessidade de apresentação de alguns

dados históricos da previdência. Encerrando o capítulo julgou-se importante

levantar algumas questões referentes ao jogo de resistência exercido pela

Associação para evitar sua falência diante do poder.

Como complementação ao 2o, e ao mesmo tempo, como parte central

da pesquisa, segue a construção do terceiro capítulo. Esta tem como objetivo

definir o conceito de identidade adotado, utilizando-se a memória enquanto

ponto importante para a coesão do grupo, bem como os projetos para o

planejamento de ações futuras. Algumas colocações relativas à crise de

identidade pela qual passa o aposentado também são abordadas, e, já na

ótica grupal, reflete-se a respeito do papel da coesão do grupo bem como dos

projetos para a organização de sua identidade. Finalizando, são colocadas as

questões referentes à relação travada com o poder local, como forma

estratégica para a manutenção da resistência.

96

3.1. Adotando um Conceito de Identidade

Iniciando a discussão em torno da identidade de um grupo de

aposentados, acredita-se ser fundamental discorrer sobre o conceito aqui

adotado. Na tentativa de aplicar esta concepção à análise do objeto, serão

tratados, a seguir, alguns aspectos da crise de identidade por que passa o

aposentado.

Para trabalhar a questão, referenciou-se basicamente em Carlos

Rodrigues Brandão (1986), Roberto Cardoso de Oliveira (1976) e,

principalmente, em Gilberto Velho (1994)84 que, fundamentando-se em

Alfred Schutz (1979), traz uma abordagem diferenciada das demais.

Brandão (op.cit.) expõe uma definição de identidade que passa da

ótica individualista para a ótica do grupo. É neste sentido que se desenvolve

o presente estudo. Segundo Brandão:

Entre psicólogos sociais e antropólogos, na questão da

identidade o que interessa mais é a tessitura das

inúmeras formas de relações entre pessoas - tipos

sociais de pessoas; entre grupos dentro de uma

sociedade (operários e patrões, protestantes e católicos,

negros e brancos) entre sujeito e grupos de duas

sociedades, por exemplo, como as tribos e as franjas

pioneiras das frentes pastoris da sociedade regional

brasileira ... Se a alguns importa explicar como

individualmente as pessoas passam pela trajetória

84 Leví-Strauss (1952), preocupou-se com a questão da alteridade. Defendeu a idéia de que esta

implica na imagem do outro. É criada a partir da percepção de que o indivíduo (o grupo, no caso)

não está sozinho, que além dele existem outros, indivíduos ou grupos, diferentes. Segundo o autor,

é o reconhecimento da diferença que provoca a alteridade, e sem este reconhecimento, o grupo se

referencia apenas em si mesmo.

97

biopsicológica de sua identificação, a outros interessa

compreender os mapas sócio-culturais que traçam para

os indivíduos os caminhos de sua trajetória (1986:38).

Julga-se importante deixar claro, portanto, que a pesquisa

desenvolvida adota esta postura diante do objeto, reservando para áreas

como a psicologia e a psicanálise as questões relativas às identidades

individuais. Não se pretende, entretanto, separar a esfera individual e

grupal como se fossem campos isolados e estanques. Ainda seguindo

Brandão (op.cit.), percebe-se a dimensão individual da construção da

identidade intrínseca à sua dimensão social, já que o ser é constituído de

ambas dimensões (do ser e da consciência do ser).

Trazendo esta ótica de análise para o objeto de estudo, pode-se

afirmar que a identidade do membro de uma Associação de Aposentados só

surge a partir de sua situação concreta e individual de aposentado. Embora

seja possível ser simpatizante da causa dos dependentes da previdência

social, a identidade do grupo só se torna possível a partir da consciência

individual da situação de aposentado.

Debert e Simões apontam um caminho para a compreensão da

identidade de aposentado. Segundo os autores a idéia de pobreza e

fragilidade acompanha a imagem deste, desde o século XIX, quando na

França foi imputado ao Estado, e não mais à família e à filantropia, o dever

de prover o futuro do velho trabalhador.

...pensar na aposentadoria era, sobretudo, identificá-la

com a pobreza. As aposentadorias, no contexto europeu

e norte-americano, surgiram como meios de substituir

as intervenções pontuais de cunho filantrópico dirigidas

às populações carentes. Configurando-se como um

sistema de proteção aos trabalhadores idosos, a

aposentadoria deu uma identidade específica aos velhos

pobres, distinguindo-os de outros setores alvos da

assistência social (1994:33).

De acordo com o referencial teórico colocado, nota-se que o

aposentado se percebe, ou melhor, identifica-se enquanto tal, a partir do

momento em que se defronta com sua própria vida concreta que tornou-se

passado - a vida de trabalhador. Em oposição ao seu futuro - a vida de

98

aposentado. Esta percepção da nova realidade resulta, em muitos casos, em

crise identitária, assunto que será abordado mais adiante. A comparação

passado/presente pode também ser encarada como diferença.

Identidades são, ... , não apenas o produto inevitável da

oposição por contraste, mas o próprio reconhecimento

social da diferença. A construção das imagens com que

sujeitos e povos se percebem passa pelo emaranhado de

suas culturas, nos pontos de intersecção com suas vidas

individuais (Brandão, op.cit:42).

Roberto Cardoso de Oliveira (op. cit.) desenvolve a idéia de

identidade enquanto conjunto de ideologias, ou melhor, de uma ideologia,

entendendo o termo como um feixe de representações.85 A partir desta

concepção o autor compreende a identidade como determinada pelas

relações sociais. Este enfoque permite o desenvolvimento dos conceitos de

“relações de identidade” e de “contraste de identidades”, o que pressupõe a

convivência entre várias delas:

Queremos nos referir especificamente à noção de

“relações de identidade”. Tal noção, supõe a existência

não de uma, mas de pelo menos duas identidades,

denominadas “identidades complementares” ou

“combinadas” (“matching identities”) (op. cit:44).

Utilizando-se do parâmetro de análise do autor, pode-se afirmar que

o discurso da identidade é substituído pelo das identidades. Nas últimas

décadas, com a grande velocidade das transformações, este conceito se

ajusta, visto que estas se substituem e coexistem cada vez mais

rapidamente.

Ao estudar a vida das famílias de perseguidos políticos no Brasil

durante o regime militar, Pietrocolla (1995) compreendeu a transformação

da identidade enquanto processo permanente de adaptação ao meio. De

acordo com o conceito utilizado pela autora, a “construção” e “reconstrução”

85 O autor utiliza-se do conceito de ideologia de Poulantzas (1969), segundo o qual esta seria uma

forma em que se assumem representações. Estas representações, segundo o autor, não têm como

“função” propiciar um vislumbramento da verdade na estrutura social. Por isso ela confere aos

indivíduos e grupos uma representação do real que possibilita a estes desempenhar seus papéis

nesta mesma estrutura. Por isso “Se ideologia é um discurso coerente, construído para eliminar

contradições encontradiças no sistema social, ela possui uma natureza sistêmica, integrada, capaz

de conter um ‘saber’ organizado (se bem que não científico) para certos fins, sejam eles econômicos,

políticos, estéticos, etc.” (Oliveira, op.cit: 40).

99

da identidade ocorre devido a necessidade individual de desenvolver

estratégias que assegurem a sobrevivência. Interessante pensar a

identidade daqueles que viveram entre parênteses (para usar a

denominação da autora), sob a ótica das adaptações que a vida de fugas,

exílio e clandestinidade exigiam.

O compromisso com a vida, assumido por intermédio

das mudanças impostas pelo destino, bem como o

compromisso político indicaram que as identidades

construídas no viver entre parênteses passavam por

alterações, incluindo-se o desenvolvimento de algumas

táticas para o enfrentamento de novas situações. Houve

também movimentos no sentido da reconstrução das

identidades. Elementos do passado e do futuro foram

interferindo e construindo o presente. Heróica ou não, a

identidade passava por alterações. Mudanças bruscas,

lentas, identidades se construindo, se desconstruindo

ou se reconstruindo desenhavam um quadro marcado

por fraquezas, reação, tentativas de vencer ... de

sobreviver! (op.cit: 79)

A noção de identidade construída (ou seria melhor dizer

‘emprestada’?) a partir dos autores acima, compreende não apenas a idéia

que o grupo faz de si mesmo. Tendo como contraposição de sua própria

imagem o seu outro - a previdência social - o grupo inserido no MOP

percebe-se como diferente, e mais, como opositor. Esta certeza do que é, leva

o grupo a definir o que quer e como agir para atingir suas metas.

Os grupos se apresentam como lugar onde as individualidades e as

subjetividades se articulam e, porque não, se complementam. Por isso,

abrem espaço para a convivência das várias identidades, já que cada

membro possui uma experiência de vida única e tem a oportunidade de

pertencer a outros grupos (familiares, partidários, religiosos, etc.). Estes

representam uma referência à qual indivíduos com interesses comuns

podem sentir-se pertencentes. Assim, despertam a sensação de

pertencimento, tão importante para a formação identitária.

Neste locus comum do grupo, as diferenças se organizam em torno

de um objetivo (ou objetivos) único(s). Por isso, a identidade grupal não

rouba a individualidade de seus membros, mas representa interesses

gerais. Seu fortalecimento significa energia, poder no confronto com seu

100

outro. Resta dizer ainda que a idéia de identidade (ou identidades)

apreendida relaciona-se com o movimento. Por não ser estanque, esta traz

em seu seio o relacionamento entre várias identidades, e por isso, modifica-

se pela ação do tempo e do espaço.

Não se buscou, portanto, uma identidade única e estática da

Associação no correr dos anos estudados. Procurou-se seu movimento, sua

formação e, porque não, sua construção e re-construção permanentes.

O movimento de reconstrução da identidade torna-se claro quando se

recorre a dois autores basicamente: Velho (op.cit) e Halbwachs (1990) que

interpreta a memória como imbuída de movimento.

Gilberto Velho (op.cit.) desenvolve um enfoque peculiar da

identidade, que interpreta-se aqui, como complementação do elo

identidade/memória. O autor baseia-se em Schutz (1979) para criar uma

outra ligação, a de identidade/projeto.86

Segundo Velho (op. cit.), a identidade é constituída por uma esfera

socialmente pré - existente (como é o caso da etnia, da família, etc.) e por

uma universo que pertence ao terreno das escolhas. Nas sociedades

denominadas pelo autor de complexas, existe uma multiplicidade de

referências, que traz à tona a problemática da fragmentação, característica

da modernidade. Convivem nesta sociedade fenômenos aparentemente

opostos como individuação/integração e tradição/modernidade. Estas

aparentes ambigüidades constituem-se num alargamento das possibilidades

em relação às sociedades pré-industriais.

Neste contexto, a individuação assume um caráter muito mais

marcante do que nas sociedades tradicionais. A idéia de projeto (enquanto

planejamento para o futuro) aliado à memória constitui-se então, um campo

para se pensar a reconstrução permanente de indivíduos e de grupos, numa

sociedade que tem como característica a destruição e a reconstrução:

86 De acordo com Schutz “Todo projetar consiste numa antecipação da conduta futura por meio da

fantasia. Porém, projetar é mais do que apenas fantasiar. O projeto é a fantasia motivada pela

intenção posterior, antecipada, de desenvolver o projeto. A possibilidade prática de desenvolver a

ação projetada, dentro do quadro imposto da realidade do Lebenswelt, é uma característica

essencial do projeto” (1979: 138).

101

As circunstâncias de um presente do indivíduo

envolvem, necessariamente, valores, preconceitos,

emoções. O projeto e a memória associam-se e

articulam-se ao dar significado à vida e às ações dos

indivíduos, ou em outros termos, à própria identidade.

Ou seja, na constituição da identidade social dos

indivíduos, com particular ênfase nas sociedades e

segmentos individualistas, a memória e o projeto

individuais são amarras fundamentais. São visões

retrospectivas e prospectivas que situam o indivíduo,

suas motivações e o significado de suas ações, dentro de

uma conjuntura de vida, na sucessão das etapas de sua

trajetória (Velho, op.cit:101).

Ao trazer a análise individual para o grupo, percebe-se uma outra

dimensão do tempo. Um presente constituído não apenas por aquilo que foi

vivido pelo grupo, mas também por aquilo que se pretende experienciar no

futuro. A identidade deixa de ser analisada sob a ótica de dois tempos

(passado e presente) e passa a contar com um terceiro, o futuro. É

interessante notar como esta abordagem acerca da constituição da

identidade, numa concepção subjetiva (assim como a memória), pode

possibilitar a percepção por parte do pesquisador do relacionamento do

grupo com o meio e com o espaço onde se articula:

... o projeto existe no mundo da intersubjetividade. Por

mais velado ou secreto que possa ser, ele é expresso em

conceitos, palavras, categorias que pressupõem a

existência do Outro. Mas, sobretudo, o projeto é o

instrumento básico de negociação da realidade com

outros atores, indivíduos ou coletivos. Assim ele existe,

fundamentalmente, como meio de comunicação, como

maneira de expressar, articular interesses, objetivos,

sentimentos, aspirações para o mundo (Velho,

op.cit:103).

A citação acima auxilia na percepção do objeto de estudo enquanto

grupo constituído por metas específicas, que crê possíveis de serem

idealizadas. Ao criar e executar projetos, este se percebe enquanto capaz de

ter “aspirações para o mundo”. Sua memória e suas relações no presente

lhes fornecem o instrumental para pensar um futuro. Contudo, por estarem

em constante mudança, oferecem o caráter de mutabilidade aos projetos, o

que se refletirá na identidade.

102

Para se obter uma visão mais clara da noção de “projeto” enquanto

fruto dos dois tempos, passado e futuro, crê-se importante fazer uma rápida

explanação sobre a memória. A respeito da diferença entre esta e história;

Nora (op.cit.) expõe sua análise:

Memória e história: longe de serem sinônimos,

tomamos consciência que tudo opõe uma à outra. A

memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e,

nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta

à dialética da lembrança e dos usos e manipulações,

susceptível de longas latências e de repentinas

revitalizações. A história é a reconstrução sempre

problemática e incompleta do que não existe mais. A

memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido

no eterno presente; a história, uma representação do

passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se

acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de

lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes,

particulares ou simbólicas, sensível a todas as

transferências, cenas, censura ou projeções. A história,

porque operação intelectual e laicizante, demanda

análise e discurso crítico (1993:9).

O historiador pode tornar possível a percepção e, conseqüentemente,

a interpretação das mudanças da identidade ocorridas com o passar do

tempo, processo que o próprio grupo, inserido na sua cotidianedade e no seu

tempo, não pode perceber. Halbwachs alerta para a visão unilateral que o

grupo pode ter de si mesmo, conferindo a este um caráter de imutabilidade:

A memória coletiva é um quadro de analogias, e é

natural que ela se convença que o grupo permanece, e

permaneceu o mesmo, porque ela fixa sua atenção

sobre o grupo, e o que mudou, foram as relações ou

contatos do grupo com os outros (op.cit:88).

Neste caso, é importante chamar a atenção para o tempo de criação

de uma identidade de grupo, que não é pontual, mas alargado. Ao se pensá-

la como constituída pelo tempo, não é possível fazer a junção de momentos -

uma cronologia - pois esta está aquém do tempo da memória.

Vale ressaltar que a relação de poder entre os grupos está intrínseca

ao da convivência destes, proporcionando um jogo de forças interno e externo

a eles. Este embate se reflete na manutenção da memória, e ao se procurar a

unilateralidade desta, há a negligência das outras. Pollak contribui para a

103

discussão em torno da relação entre memória e poder, alertando para o

perigo das generalizações e, conseqüentemente, para a perpetuação da

memória dominante.

Distinguir entre conjunturas favoráveis ou

desfavoráveis às memórias marginalizadas é de saída

reconhecer a que ponto o presente colore o passado.

Conforme as circunstâncias, ocorre a emergência de

certas lembranças, a ênfase é dada a um ou a outro

aspecto (1983:8).

Embora esta não seja sua meta principal, o estudo em questão abre

caminhos para a reflexão em torno da relação de poder entre os grupos e as

memórias. Ao enfocar um pequeno grupo de uma cidade do interior, filiada a

uma organização de nível nacional, deixa-se de centrar a observação nas

lideranças do Movimento e na previdência social. Trabalha-se, portanto,

com a “periferia” (sem querer desmerecer a importância das Associações)

das Centrais, analisando-se, desta feita, o que se pode chamar de uma

“memória marginal”.87

A Crise de Identidade do Aposentado - Algumas Considerações

As várias abordagens sobre identidade apresentadas acima

subsidiam o estudo sobre a crise enfrentada pelo indivíduo ao chegar à

aposentadoria. Em conformidade com o que já foi exposto anteriormente, o

não aprofundamento nas calorosas discussões entre psicanalistas, psicólogos

e terapeutas a respeito da identidade é proposital, pois acredita-se que não

estão no centro desta investigação. Contudo, julga-se que algumas

colocações relativas ao abalo da identidade do aposentado precisam ser

feitas. Para tanto recorreu-se a Santos (1990), que em seu mestrado na área

da psicologia desenvolveu um interessante estudo sobre o tema.

87 O conceito de “memória marginal” foi extraído do texto de Michel Polack que trata a disputa entre

memórias, em oposição à ótica durkheimiana de Maurice Halbwachs. Segundo Pollak “Ao

privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a

importância de memórias subterrâneas que, como parte integrante das culturas minoritárias e

dominadas, se opõem à ‘memória oficial’, no caso a memória nacional.” (op. cit:4)

104

De acordo com a autora, na construção da identidade individual é

necessário que haja uma dose de poder88 e de auto-afirmação, a fim de que

se construa a auto-estima. Na sociedade capitalista, a atividade do trabalho

é um grande fator identitário e assume este significado de potência, tão

importante para o fortalecimento da auto-estima. Quando o indivíduo se

separa da vida produtiva pela aposentadoria (ou mesmo pelo desemprego)

há a dissociação desta forte referência e, conseqüentemente, uma

desorganização de seu poder pessoal.

Nas últimas décadas tem se fortalecido a visão da aposentadoria

enquanto sinônimo de velhice. Esta associação entre os dois termos tem sido

ponto de discussão entre pesquisadores de varias áreas.89 Neste estudo, não

se pretende aprofundar nesta questão. Por isso, parte-se do princípio de que

a aposentadoria não se constitui em um marco para se adentrar na fase da

velhice, mas sim em um ponto fundamental para a vida do trabalhador,

pois, a partir dela, o destino da grande maioria deles será traçado.

A velhice é mais uma fase da vida do indivíduo, assim como a

infância e a adolescência. Contudo, este período da vida é marcado por

perdas (do trabalho, do status, do poder aquisitivo, dos companheiros etc.),

provocando um vazio identitário.90 Na adolescência a crise de identidade

também ocorre, porém, a aceitação por parte da sociedade capitalista é

muito maior. O adolescente é considerado um indivíduo em formação, um

consumidor em potencial, um jovem produtor e reprodutor, imagem inversa

da que se faz do idoso. Edith Motta ressalta a oposição de perspectivas

econômicas entre jovens ingressantes no mercado de trabalho e aposentados.

No começo de carreira, o jovem acalenta a esperança de

prosperidade. Sonha progredir no emprego, merecer

promoções ou encontrar colocação melhor, vir um dia a

perceber salário compensador, fazer bons negócios,

tornar-se financeiramente independente, etc. O

88 O termo poder é utilizado nesta frase como sinônimo de força, autoridade e capacidade no âmbito profissional e familiar.

89 A respeito da ideologia por trás desta associação ver Haddad, Eneida G. de M. A Ideologia da Velhice. São Paulo, Cortez, 1986. Debert, G.G.

Pressupostos da Reflexão Antropológica Sobre a Velhice. In: Textos Didáticos. IFCH/UNICAMP, 1 (13):7-30, março, 1994.

90 Ao analisar diversos discursos a respeito do envelhecimento, Debert discorre a respeito da visão pessimista da realidade do idoso, ligada à solidão e

ao vazio identitário; em oposição à visão otimista, apregoada pelos programas para 3a idade. Debert, G. G. A Invenção da Terceira Idade e a

Rearticulação de Formas de Consumo e Demandas Políticas. In: Revista Brasileira de Ciências

Sociais. 12(34), junho/97.

105

aposentado sabe, porque todos sabem, que o montante

de sua aposentadoria será fatalmente inferior aos

salários percebidos nos anos de atividade; sabe, ainda,

que os reajustamentos feitos em decorrência da espiral

inflacionária serão insuficientes para compensar a

desvalorização do dinheiro; sabe que não terá novas

promoções e, sobretudo, sabe que não mais lhe resta

tempo para fazer um pecúlio....Finalmente, ele não

ignora que as despesas com a própria saúde tenderão a

crescer, embora a receita tenda a diminuir (1981:8-9).

As perspectivas econômicas negativas abatem a identidade

individual do ex trabalhador. Santos (op.cit) aponta a alteração do status na

família como outro fator de abalo nesta identidade. Esta é a fase em que os

filhos se casam ou em que já estão trabalhando, ganhando, em muitos casos,

mais do que os proventos da previdência oferecem. Perdendo a auto-estima,

o aposentado freqüentemente se afasta do grupo e é rejeitado por ele.

Forma-se então um círculo vicioso, onde o isolamento aparece como única

alternativa e, conseqüentemente, o reconhecimento e a valorização de si

deixam de ser buscados.

Sabe-se que na sociedade capitalista, o velho tem sido considerado

uma máquina improdutiva, ao contrário de outras sociedades, que têm na

pessoa idosa a personificação de seu passado, a identidade de seu povo. A

sociedade industrial, ao marginalizar aquele que se encontra nesta fase da

vida, separa os tempos da existência e relega a ele apenas o passado, sem

contudo torná-lo guardião da memória. Massacrados pela mídia, pelo ritmo

acelerado das transformações sociais e por uma situação econômica que, em

muitos casos, margeia a da pobreza absoluta, o idoso perde seu lugar. Vê-se

privado do sentido de pertencimento.

Ainda conforme Santos (op.cit), a intensidade da crise de identidade

por que passa o aposentado varia de acordo com o grau de importância que

era dado ao trabalho. As mulheres, neste caso, sofrem menos, porque

freqüentemente têm nos afazeres da casa um ponto de referência. Porém,

para o homem, o rompimento com o mundo profissional exige a criação de

outros grupos de inserção e um grande esforço a fim de buscar a identidade

longe de seu antigo trabalho.

106

Ao se aposentar, o indivíduo, na maioria dos casos, se vê frente a

frente com o tempo livre, sem que tenha sido preparado para aproveita-lo de

maneira prazeirosa. Depara-se com a matéria prima para um trabalho

específico: a memória. Durante a vida “produtiva” ele se esforça por

desenvolver sua memória objetiva, imediata, que vai lhe servir para a

reprodução da vida cotidiana. Qualidades valorizadas durante a vida

profissional, como responsabilidade, pontualidade, dinamismo e eficiência,

na velhice são substituídas por outros valores como conformismo, adaptação

e aprendizagem de novos papéis sociais. Mesmo porque, estas primeiras

habilidades já não lhe servem mais.

Dumazedier (1976) trabalha com a questão dos usos do tempo livre.

Segundo ele, a fragmentação e conseqüente despersonalização do trabalho

são os maiores causadores do empobrecimento cultural do trabalhador. O

tempo livre, por sua vez, ocupa um papel fundamental na manutenção da

integridade física e psicológica do indivíduo. Quando este deixa de

aproveitar os momentos de lazer para o aprendizado e para atividades que

propiciem a integração do físico com a mente (o que se ousaria chamar de

desalienantes), não há um contraponto à rotina empobrecedora. A questão

principal é que o tempo valorizado na sociedade de consumo é o tempo de

produção e aquisição de bens, não o tempo pessoal, o tempo para

convivência grupal que seria o responsável, a grosso modo, pelo

“recarregamento psíquico” e identitário do trabalhador.

Trazendo a ótica de análise do autor para a questão das

transformações da vida cotidiana nas últimas décadas, é possível perceber

que o exercício da reflexão e a lembrança deixam de ser atividades

reconhecidas como tal, sendo confundidas com o ócio (que adquire nesta

sociedade um sentido pejorativo). Da mesma forma, as longas conversas no

portão são substituídas pelo divã do analista (quando o poder aquisitivo

torna possível) e a convivência grupal se torna esporádica, pois os grupos são

formados por curto período de tempo. Com isso, o espaço para a lembrança e

para a troca de experiências torna-se cada vez mais curto.

107

Recorrendo ao brilhante texto de Walter Benjamin (1994), toma-se

novos subsídios para a reflexão em torno das transformações

contemporâneas do lembrar e do narrar. Pode-se perceber por meio do

referido texto, que a figura do narrador está cada vez mais distante de nossa

sociedade porque a memória não se direciona para o passado, mas para o

tempo curto, imediato. Não se cultiva mais o hábito de lembrar, apenas de

memorizar. O processo que se está observando na sociedade contemporânea

é o que Benjamin chamaria de esvaziamento da experiência.

Para o autor, a narrativa está relacionada com a transmissão de

lições de vida e de conselhos, que são possíveis à medida em que há um

afastamento temporal ou espacial do narrador. Os conselhos são passados de

geração em geração por pessoas que tenham experienciado o suficiente para

dividir sua sabedoria com aqueles que estão prontos para ouvi-la.

A narração não busca os recônditos da psicologia, é simples e direta,

exigindo assim um estado de distensão do ouvinte, o que é raro na sociedade

industrial contemporânea. O dom de ouvir desaparece progressivamente,

juntamente com o dom de narrar. De acordo com o autor...

Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo

e ela se perde quando as histórias não são mais

conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou

tece quando ouve histórias (op.cit:205).

Devido a esses e outros fatores, a aposentadoria, isto é, o tempo livre

do qual o trabalhador tem direito após longos anos de trabalho, apresenta-se

como um período de questionamentos e incertezas, pois não há mais espaço

para o exercício da memória e da narrativa.91 O aposentado não se prepara

para tal atividade e, por isso, como diria Benjamin, não aprendeu a ouvir e a

narrar. Mesmo porque não lhe foi permitido o estado de distensão. Devido a

esses e outros fatores a crise de identidade do aposentado implica em revisão

de vida. Como revelou Santos...

91 A questão do encontro do idoso com a memória é bastante polêmica devido às perspectivas

pregadas pelos programas desenvolvidos para a 3a idade. A discussão está em aberto: “A

construção de uma imagem positiva do envelhecimento entre os alunos não tem como referência a

idéia dos velhos como detentores da sabedoria e da experiência. É antes a disponibilidade para o

aprendizado e para novas experiências que dá uma identidade ao grupo e uma particularidade ao

envelhecimento de cada um” (Debert,1997: 48) .

108

No momento da aposentadoria, o sujeito interroga-se

sobre sua velhice e sua morte. Tais interrogações

traduzir-se-ão por mudanças em sua identidade,

mudanças estas susceptíveis de influenciar os projetos

de vida (op.cit:30).

Em uma análise mais profunda percebe-se que a velhice reflete o

modo como o trabalhador é visto na sociedade de consumo. Por isso, o

preparo para a aposentadoria ultrapassa aos novos cursos preparatórios

disponíveis nas grandes indústrias destinados ao trabalhador com mais de

30 ou 40 anos de idade. Vai além dos debates veiculados pela mídia. Implica,

antes de tudo, na valorização do ser humano, seja ele criança, jovem ou

velho, conforme defende Ecléa Bosi:

A degradação senil começa prematuramente com a

degradação da pessoa que trabalha. Esta sociedade

pragmática não desvaloriza somente o operário, mas

todo trabalhador: o médico, o professor, o esportista, o

ator, o jornalista (1979:38).

3.2. Coesão do Grupo: Experiências Compartilhadas

Ao trazer a perspectiva de análise traçada no item anterior para o

objeto em questão, torna-se possível a compreensão da coesão do grupo como

fator constituinte da identidade. Conforme mencionado anteriormente,

vários associados e membros da diretoria atual ingressaram na Associação

desde seus primeiros anos de funcionamento.

Quando inquiridos sobre os fatores que contribuíam para a união e

permanência do grupo, os colaboradores dirigiram seus depoimentos para

questões como experiência de luta, confiança mútua, afinidade e união,

idealismo, perseverança e trabalho, e interesses financeiros. Antes de

adentrar na análise dos depoimentos, julga-se importante colocar que,

109

conforme já foi mencionado anteriormente, esta análise referencia-se em

Halbwachs (op.cit). 92

Segundo o autor, a memória do grupo não se sobrepõem à

individual. Elas se interpenetram na medida em que a lembrança coletiva

serve como suporte para cobrir alguma falha da memória pessoal e esta, por

sua vez, é evocada para trabalhar pontos obscuros na memória coletiva. Isto

ocorre porque seus limites de espaço e tempo são diferentes, sendo a

memória coletiva muito mais ampla e generalizada do que a individual

(op.cit.53-4).

O que se tentou perceber nesta pesquisa não foi a memória de cada

um dos seus membros, com suas particularidades e seus detalhes próprios,

mas sim a memória do grupo que cada um deles traz em si. Pode-se dizer

que se procurou seguir o esquema traçado por Halbwachs quando este trata

da memória individual e a da memória nacional.

Para que, atrás da imagem, ele atinja a realidade

histórica, será preciso que saia de si mesmo, que se

coloque do ponto de vista do grupo, que possa ver como

tal fato marca uma data, porque penetrou num círculo

das preocupações, dos interesses e das paixões

nacionais. Mas nesse momento o fato cessa de se

confundir com uma impressão pessoal. Retomamos

contato com o esquema da história. É então, diremos,

sobre a memória histórica que é preciso se apoiar. É

através dela que esse fato exterior a minha vida de

criança vem assim mesmo assinalar com sua impressão

tal dia, tal hora, e que, a vista dessa impressão me

lembrará a hora ou o dia; mas a impressão por si

mesma é uma impressão superficial, feita de fora, sem

relação com minha memória pessoal e minhas

impressões de criança (op.cit:61).

Pode-se compreender pela citação acima, que a memória possui a

propriedade da interpenetração entre lembranças individuais e história.

Ambas se apoiam e complementam na construção mental do fato. Por meio

da pesquisa, foi possível observar que, em muitos casos, a memória

92 O autor, cuja obra original em francês foi publicada em 1968, foi escolhido como referência teórica

devido seu trabalho publicado sobre a memória de grupo. No entanto, atualmente o tema

“memória” tem sido alvo de muitos estudos. Àqueles que tiverem interesse, pode ser aqui citado

Goff, J. Le. Memória. In: História e Memória. Campinas, ed. UNICAMP, 1990.

110

individual recorreu à memória histórica. Um exemplo disso está no

depoimento a seguir, quando o colaborador se recordou de quando se

aposentou.

Portanto no meu caso específico e no caso em geral de

muita gente que estava nesta faixa salarial como eu,

fomos obrigados por mês a contribuir sobre 20 salários

mínimos. Eu contribui durante 9 anos, paguei até 73 e

me aposentei em 82. Só que eu fui obrigado a me

aposentar com 30 anos de serviço porque em 1982,

mesmo o governo militar estando já... caindo o

autoritarismo na época do João Batista Figueiredo, o

general, o coronel Jarbas Passarinho era ministro da

Previdência e já naquela altura ele queria modificar o

sistema de aposentadoria da previdência retirando o

tempo de serviço. Portanto esta reforma que hoje está

ocorrendo, data já daquela época. Cumpridos os 30

anos, que eu ganharia proporcionalmente, não

integralmente, eu me vi forçado a solicitar esta

aposentadoria porque eu não sabia o dia de amanhã (G.

Costantino).

Outro exemplo também pode ser mencionado com o mesmo

propósito.

Eu me aposentei em abril de 78. Não foi logo depois que

fundamos a Associação porque eu continuei

trabalhando ainda, e quando a pessoa se aposenta e

continua a trabalhar, ela não se dá conta de que

começou a perder o poder aquisitivo. Então eu, na

época foi assim, me aposentei em abril, continuei a

trabalhar. Dado o histórico de como a Previdência fazia,

então praticamente se eu me aposentei em abril, o

aumento do s.m. vinha em maio. Quer dizer que eles

dividiam para você que daria o que? 1/12 . Em 1 mês eu

já tive queda na minha aposentadoria. Então seria,

como se faz até hoje , como se fosse um empregado novo

da empresa. Não iam me dar o aumento todo, mas na

indústria eu receberia. Na previdência procuram o

índice menor, o IGPM ...é quando você acaba tendo

defasagem, que é o que nós estamos tendo hoje de novo.

Entre78 e 88, quando eu pagava entre 14 e 17 salários,

como a previdência remunerava a pessoa de acordo com

a contribuição, como ela faz até hoje, aí nós começamos

a contribuir até 20 s.m. O meu salário dava entre 14 e

17,5. Eu me aposentei com 8 salários e meio. Aí já

tinha baixado. Nesse tempo já tinham me levado 5

salários (José Ferian).

111

A memória não é estanque, mesmo porque, é uma criação sujeita às

interferências do tempo presente, cheio de estímulos e por si mesmo

mutável. Como afirma Halbwachs...

A imagem que fiz de meu pai, desde que o conheci, não

parou de evoluir, não somente porque, durante sua

vida, as lembranças se juntaram às lembranças: mas

eu mesmo mudei, isto é, meu ponto de vista se

deslocou, porque eu ocupava dentro de minha família

um lugar diferente e sobretudo porque fazia parte de

outros meios (op.cit:74).

Ao levar a colocação para o campo dos grupos, pode-se concluir que

estes mudam constantemente pela ação do presente. A saída de antigos

membros e a inserção de novos confere a estes rotatividade de memórias e

experiências individuais. Essas modificações ocorridas durante longos

períodos de tempo, por vezes sutis, tornam-se imperceptíveis ao historiador.

Este, por seu turno, é capaz de captar mudanças substanciais nos grupos

ocorridas em um tempo longo, pois a história as condensa.

Esta característica da memória foi claramente perceptível ao nível

das entrevistas. Os depoentes, talvez por fazerem parte de uma entidade

que ainda está em plena atividade, mesclaram constantemente traços do

passado com o presente. Como a proposta da pesquisa não era fazer uma

delimitação rígida do que foi, do que é e do que será a Associação, não foi

feita a interrupção dos depoimentos. Contudo, reconhece-se a dificuldade

principalmente no que diz respeito aos objetivos e às frustrações do grupo,

de se distinguir, nos depoimentos, aqueles que faziam parte do passado

daqueles estabelecidos para o futuro.

A característica da mudança constante esteve presente na

Associação desde sua fundação. Mesmo porque, aquele à que se opõe - a

previdência social - não permite a estagnação. A propriedade de movimento

inerente ao grupo já foi, de certa forma, discutido no capítulo anterior

quando se tratou da resistência, esclarecendo que as estratégias de luta

exigem, por si mesmas, a constante mutação e a inventividade do grupo. No

entanto, vale chamar a atenção para as várias fases por que passou, sempre

tendo em mente que estava ligado ás diretrizes das Centrais do Movimento.

112

Recorrendo ao primeiro capítulo relativo à trajetória da entidade,

nota-se que, a grosso modo, algumas etapas podem ser delimitadas na

organização da entidade. As primeiras diretorias tinham como objetivo

conscientizar o aposentado que procurava esclarecimentos a respeito dos

seus cálculos de aposentadoria, do que era uma Associação de aposentados e

o que ela pretendia. Em uma fase seguinte, já sob a direção de João Batista

Cândido, em torno de 1985, uma preocupação relevante era a formação da

liderança do Movimento em São José dos Campos. Quando Onofre Silva

assumiu a presidência por volta de 1986, os esforços se dirigiram para a

organização legal, a conquista de verbas para a manutenção da entidade e a

aproximação com o poder local. O mesmo presidente continua na diretoria

da entidade até os dias atuais, contudo antigos companheiros saíram e

outros membros entraram, levando para a Associação novas sugestões e

alternativas.

Com esta colocação pretende-se mostrar, em uma análise mais

generalizada, como as perspectivas individuais interferiram na direção e

organização do grupo, embora esteja claro que este sempre esteve ligado a

um outro muito maior que é o Movimento dos Aposentados.

Outro fator interessante apontado pelo autor no campo da memória,

diz respeito à seletividade exercida por ela daquilo que será retido. Esta

seletividade está diretamente relacionada com a experiência dos membros

do grupo. De acordo com a maior ou menor vivência de fatos diretamente

relacionados com o indivíduo ou com o grupo.

Certamente, os limites até os quais recuamos no

passado são variáveis conforme os grupos, e isto é o que

explica que os pensamentos individuais de acordo com

os momentos, isto é, segundo o grau de sua participação neste ou aquele pensamento coletivo, atingem lembranças mais ou menos distantes 93 (Halbwachs,

op.cit.130).

Esta característica do “esquecimento” de conquistas importantes

para a Associação pode ser encontrada em vários depoimentos (pois o

esquecimento é intrínseco à memória). Contudo, é interessante observar o

93 Grifos meus.

113

depoimento de uma associada que demonstrou um total desligamento das

atividades da Associação. Não cabe aqui discutir os motivos de seu

afastamento físico da entidade (embora todos os meses comparecesse à sede

para efetuar o pagamento da mensalidade), mas chamar a atenção para o

seu não compartilhamento da memória do grupo. Ao esquecer de tudo, ou

quase tudo, que se referia à entidade, a associada negou-se (não

deliberadamente) a compartilhar da identidade do grupo.

Quando questionada a respeito do que era a Associação e quais os

seus objetivos, a resposta foi clara...

Engraçado, até hoje eu ainda não sei direito. Tem

convênio, tem tudo lá agora, né? Mas na época não

tinha. Convênio com médico, tudo. Eu nunca usei, mas

disse que tem...Eu só uso o INPS, quando precisa eu

vou aqui correndo nos postinhos mesmo. É mais fácil

porque até ir lá...Não tenho idéia porque ela foi

formada. É incrível, mas até hoje eu não sei isso (risos).

Lá no sindicato eles pediam os documentos, a gente

levava, arrumava direitinho e eles falavam, agora a sra.

guarda. Então a gente ficava sempre naquela

expectativa (Verônica Gonçalves da Silva).

Outra passagem interessante refere-se à construção da sede própria

(com o apoio da prefeitura), apontada pela grande maioria dos depoentes,

como a maior conquista da Associação.

Sempre eles comentam dos médicos. Tem um médico

bom agora, temos isso, temos aquilo. Não me lembro da

ajuda da prefeitura. Quando eu fiquei sócia lá eu fiquei

um tempão sem pagar. Aí depois eu voltei e paguei os

atrasados e continuei. Porque aí eles falaram, a

senhora entra com o processo, vê se consegue os

atrasados. Aí paguei os atrasados e até hoje eu estou

em dia. Não lembro de nada. Inclusive quando eu fiquei

sabendo (da mudança da sede)94 eles já tinham mudado

ali (risos). Nesse ponto eu sou meio desligada viu

(Verônica Gonçalves da Silva).

É possível permanecer por longo tempo levantando questionamentos

sobre este depoimento e o trajeto da memória da depoente, entretanto o

objetivo neste momento é compreender os “esquecimentos” à luz de

Halbwachs (op.cit.). Pela ótica do autor, a expressão nesse ponto eu sou meio

94 Parênteses meus.

114

desligada, significaria a não participação de um pensamento individual em

um pensamento coletivo. Este exemplo revela que o grupo não reduz a

memória individual à uma memória coletiva. Ambas se entrelaçam e se

complementam...ou não, como é o caso de dona Verônica.

Com exceção desta depoente, os outros apresentaram uma conduta

próxima nas respostas, revelando que o grupo se vê como resultado de um

esforço conjunto na defesa de uma causa: a melhoria da qualidade de vida do

aposentado joseense. Conforme mencionado, a união e perpetuação do grupo

foram apontados pelos depoentes como conseqüência não apenas da

experiência de luta,95 das vitórias e derrotas do Movimento, mas também da

confiança mútua entre seus membros, da afinidade pelo ideal comum, pela

perseverança e trabalho de seus dirigentes e também por estabilidade

econômica da entidade.

O sentimento de perda predominou em algumas lembranças, como

se o vivido na década de 80, não pudesse mais se repetir no próprio

Movimento.

As viagens...um tempo muito bom. Eu tenho

lembranças. Isso fortaleceu o grupo, eu acredito que

sim. As derrotas ... Os 147% ... as vitórias. Até hoje se

toca processo dos 147 (José Ferian).

Outros indicaram as derrotas como situação de união.

Os fatores que auxiliaram foram exatamente essas

derrotas. A direção prega, nós precisamos nos unir

porque não tem outro jeito...porque se a gente não lutar

a gente não ganha este processo...mas a maioria desses

processos são abertos pela Associação de aposentados e

exatamente isso leva eles a ficar um pouco coesos lá

porque eles têm essa carência, essa necessidade de usar

aquilo lá prá abrir os processos e as

consultas...(Raimundo Dias da Silva)

É interessante notar no depoimento acima como o associado se

refere a “eles” e “a gente”, dando a entender que embora exista uma

diretoria que permanece “lá” na sede, ele enquanto associado compartilha

dos ideais. Há neste caso, a nítida distinção entre os dirigentes e os

associados, mas os ideais são os mesmos. Já no depoimento seguinte, do

95 O termo experiência de luta foi retirado dos próprios depoimentos.

115

diretor de patrimônio na época e que permanece até os dias atuais no

mesmo cargo, aponta a dificuldade da diretoria para formar novos líderes.

Segundo ele, a “experiência de batalha” os torna unidos e conhecedores dos

caminhos difíceis da “política”. A fase de incertezas característica dos grupos

“inexperientes” já não é obstáculo para este, pois conseguiu formar uma

liderança com “disposição para o trabalho e conhecimento”.

É porque é um grupo que há tempos vem militando, a

gente sabe as dificuldades, se conhece bem... a política.

A importância do grupo é essa, que já tem bastante

experiência. Se você pega um grupo novo vai começar

tudo outra vez porque as pessoas não têm a experiência

que já adquirimos em 10 anos de batalha...Ajudou

muito, pelo menos as alegrias que nós tivemos, porque

quando você começa alguma coisa você não sabe se vai

dar certo. Em 87, 88 e 89 já estava projetando a nossa

sede, já sabia que tínhamos vários processos ganhos na

justiça, então a gente já sabia que ia dar certo. Era

difícil mas a gente já sabia que ia dar certo. A coesão do

grupo foi importante porque a gente reuniu uma

diretoria com experiência. É difícil você arrumar uma

diretoria disposta a trabalhar e que tenha

conhecimento... e nós conseguimos fazer isso (Milton

Francisco de Oliveira).

Geralmente quando a gente tem um tropeço, a gente

parece que sai daquilo mais fortalecido...pra lutar por

aquele ideal que a gente tem. Acho que isso que deu

mais força para o grupo (Horácio Lemes Simões).

Mais uma vez, as dificuldades aparecem como motivo de união do

grupo. É interessante notar como a idéia de luta, embate e força estão

presentes nestes depoimentos. Termos como estes remetem as reflexões para

a questão do outro. A imagem relacionada a um confronto difícil, permite a

percepção da união e da experiência como um requisito importante para a

“vitória”- para utilizar os termos dos depoimentos acima. O outro não é

percebido então como apenas o diferente, mas como aquele que oprime, que

subjuga e que contra ele, é preciso obter a “vitória”.

As categorias como afinidade e união, ideal e perseverança surgiram

como desdobramentos da questão central: experiência. Por meio dos

depoimentos foi possível perceber as diversidades no interior do grupo.

Assim como o passado vivenciado pelos membros da diretoria confere a eles

116

maior experiência diante das novas questões colocadas pela previdência e

pelos problemas específicos da Associação, também é apontado como fator de

estagnação da direção. Isto significa que pensamentos divergentes no

interior do próprio grupo, assinalam a permanência da diretoria por tantos

anos como um ponto contra a renovação das idéias.

...falando especificamente de S. José, nós tivemos uma

homogeneidade durante esses anos dos personagens

que compõem a direção da entidade e que na sua

essência e que devia a cada 2 mandatos mudar um

pouco, para se dar uma nova injeção de ânimo e dar

continuidade aos projetos antigos porque na medida

em que...veja bem, nós fundamos a entidade em 83.

Pelo que você pode observar, de 83 pra cá nós

convivemos praticamente 12 anos juntos, o mesmo

grupo de pessoas, mudando só o cargo, mas para você

avaliar isso com muita precisão, você tem que avaliar

desse grupo membro por membro, as idéias deles

(Benedito Domingos).

O depoimento a seguir chamou a atenção. Isto porque foi o único a

fazer referência ao pró-labore (concessão dos meados dos anos 90) dos

diretores como ameaça à desvirtuação dos objetivos iniciais da associação.

Foi o único também a apontar a utilização de cargos de direção com fins

político-partidários. Estas questões não foram aprofundadas por exigirem

uma modificação na periodização e, conseqüentemente, uma ampliação da

pesquisa. O registro de sua fala poderá enriquecer futuros estudos.96

Os que estão ali com idéia de trabalhar em prol dessa

categoria de aposentados dessa população e aqueles

que entram ali, tem um cargo , esse cargo ou eu vou

usar politicamente, ou vou fazer isso ou aquilo, para ter

status. Porque a Associação de Aposentados de São

José dos Campos é uma entidade que tem um

referencial de serviços prestados. Então o que acontece?

Durante esses anos todos, esses personagens, embora

homogenicamente continuaram juntos, continuou às

vezes, por conveniência. Como disse, a entidade surgiu

com muita dificuldade, mas quando ela atingiu um

estágio não só a nível de uma sede própria que foi

conquista nossa, politicamente ou não, a nível de um

convênio médico que hoje tem um resultado mais ou

menos e faz com que mantenham os associados, a nível

de uma receita que hoje possibilita quem está lá hoje

96 A entrevista com Benedito Domingos consta como Anexo I do presente trabalho porque considerou-

se que esta apresenta elementos para a reflexão em torno do futuro do Movimento.

117

receber alguma coisa em função do trabalho que presta,

então é preciso que se analise esse aspecto. Bom eu

estou aqui porque hoje eu ganho uma ajuda de custo,

digamos de R$500,00 ou R$ 600,00. Isso já está bom

para mim. Agora, os direitos dos outros que vá às favas.

(Benedito Domingos ).97

Outros não foram tão específicos, mas acenaram para o risco da

perda de criatividade caso a direção se mantenha sem renovações. Por outro

lado, a falta de chapas concorrentes revela que existia e ainda existe uma

certa inércia e falta de participação. Foi esta mesma indiferença que fez com

que os membros das primeiras diretorias se alternassem nos cargos sem

enfrentar quaisquer restrições dos associados. Menções contrárias ou de

desacordo com as eleições não foram encontradas em qualquer documento

produzido pela entidade.

Não vejo ninguém estranho lá. Eu acho que se mudasse

o grupo, eu não sei não, francamente eu não sei

não...acho que se mudasse um pouco aquela turma que

está lá, acho que melhorava mais, sei lá. Sangue novo,

apesar de que muda, muda, muda em todo lugar e não

resolve nada. Cada dia tem mais aposentado lá, eu

tentei levar uma porção, mas ninguém ficou não, quem

mais ficou fui eu (Verônica Gonçalves da Silva).

Eu acredito que...e é essa diretoria que vem vindo, só

que já...voltando atras ... perguntou por que dessa

diretoria, desse tempo todo...vai cair no mesmo vazio.

Se você não formar novas cabeças, coisa e tal, você

nunca vai ter chapa concorrente. É sempre a mesma

diretoria que fica empossada. Tem eleição e tal, mas

fica a mesma porque não tem concorrente. A diretoria

que está nunca foi de posição de que se fizesse outra

chapa, mas por força das circunstancias permanece a

mesma (José Ferian).

É possível notar uma certa ambigüidade na questão da união do

grupo. Ao mesmo tempo que depoimentos apontam a unidade enquanto

fruto das experiências vividas, outros acenam com a possibilidade desta

união ter sido causada por “conveniência” ou apatia de associados e

diretores. Esta ambigüidade é interpretada aqui, não como um limite à

continuidade do grupo, mas como as duas faces de uma mesma moeda, visto

97 Não foram encontradas provas relativas ao pró labore recebido pelos diretores da entidade que

garantam a veracidade do depoimento, principalmente no que diz respeito ao montante

mencionado pelo entrevistado, considerado bastante elevado para uma Associação de aposentados.

118

que uma alternativa não anula a outra. Isto significa, que o fato de alguns

depoentes enxergarem o aspecto da manutenção do grupo por falta de

alternativas, não quer dizer que não haja a união do grupo por questões

ligadas à experiência de luta, confiança mútua, ideal e perseverança.

Ambas visões do grupo se complementam mutuamente, revelando a

diversidade no todo. Corroborando a idéia colocada acima, o grupo aparece,

então não como um redutor da subjetividade, mas como um espaço para a

articulação de diversidades, de interesses que se abrigam sob um ideal

comum. No caso, a luta contra a previdência. A memória do grupo age como

força de coesão. Fortalecendo as afinidades, oferece auto confiança não

apenas à direção, mas também aos associados, sendo um estímulo para a

continuidade do grupo.

3.3. A Influência dos Projetos na Organização Identitária

Conforme mencionado no item 3.1, o presente trabalho referencia-se

nos projetos como um dos elementos formadores da identidade de grupo.

Estes oferecem a dimensão do futuro para a organização grupal, na medida

em que as metas de ação conjunta são traçadas. Como diria Certeau, quando

as estratégias são definidas.

O compartilhamento dos membros do grupo nestes planos

estratégicos não é total. Deve-se considerar as divergências internas e a não

participação de parte dos associados nas escolhas feitas pela diretoria, pois,

como já foi mencionado, o grupo não é hegemônico dado seu caráter de

aglutinador de identidades.

Nas três fontes pesquisadas foram encontrados registros dos projetos

elaborados pelos diretores e sugestões dos associados para o

aperfeiçoamento destes. Em parte, estes planos foram orientações advindas

119

das Centrais, como estratégias globais do Movimento montadas com fins de

reivindicação e denúncia da situação econômica do aposentado.98 Estes

projetos também serão mencionados aqui, no entanto, o objetivo principal do

trabalho é demonstrar como a Associação definiu as suas próprias metas que

giraram em torno do que se arriscou denominar de “eixo identitário”. Este

eixo foi conferido pelo Movimento, porém cada associação criou um espaço

para imprimir suas próprias características na sua administração.

O gerenciamento independente das Centrais exercido pela entidade,

será trabalhado nesta parte do capítulo porque é ele quem lhe confere as

particularidades, os traços singulares que também auxiliam na formação

identitária. Julga-se, entretanto, que é interessante demonstrar como os

depoentes perceberam a relação entre as Centrais do Movimento e a

Associação, a fim de compreender o que foi esta relativa autonomia, para

posteriormente saber como foi aproveitada.

Para demonstrar qual foi a influência das Centrais nos primeiros

anos de atividade da Associação, julga-se interessante mencionar os

propósitos da Federação no que diz respeito às associações filiadas.99

No capítulo 1 dos Estatutos da Federação publicados em fevereiro de

1983 pode-se encontrar:

A Federação, na realização dos seus objetivos,

assegurará colaboração às demais associações no

sentido de solidariedade, da luta pela integração e

contra as discriminações econômicas, sociais e políticas

do Aposentado e à pensionista (parágrafo único).

São Prerrogativas da Federação ...

c) - Convocar e realizar assembléias de aposentados e

pensionistas nos municípios e nas categorias onde não

houver associações organizadas e colaborar com as

entidades representativas dos trabalhadores;

98 Como exemplos destas orientações das Centrais podem ser citados os Congressos e Encontros da

categoria, cartas enviadas à imprensa, telegramas e ofícios destinados ao governo federal,

manifestações públicas em datas e ocasiões importantes como o dia do aposentado, etc. 99 O estatuto da COBAP não foi inserido no presente trabalho devido seu relacionamento direto com

as Federações, e não Associações. Trechos analisados dos Estatuto da COBAP de 1985 podem ser

encontrados em Haddad (1991:140-41).

120

d) - promover a solidariedade e união entre seus

representados e coordenar suas atividades, visando

suprir as deficiências técnicas e administrativas ...

(Estatutos da Federação dos Aposentados e

Pensionistas do estado de São Paulo - capítulo 1 - da

Federação e Seus Fins).

É possível perceber pelos trechos acima, que a Federação, desde sua

criação, contou com o propósito de representar, orientar e coordenar as

atividades das Associações membros. Não transparece nestes estatutos, o

ideal de imposição ou mesmo de vigilância sobre as filiadas. Contudo, o

julgamento dos depoentes que acompanharam a criação da Associação de

São José dos Campos indicam que esta teve uma autonomia maior do que a

referida nos estatutos da Federação.

A COBAP e a Federação, eles não ajudaram, mas

também não prejudicaram. Nós agimos independente,

mesmo desde 83. No começo a gente seguia um pouco o

que eles falavam porque a gente não tinha experiência,

mas depois a gente foi vendo que tem que andar pelas

próprias pernas. Não adianta você esperar de outro,

você tem que fazer. Mesmo porque eu não sei se eles

podem ajudar também, porque eles dependem das

associações para sobreviver. A gente depende dos

sócios, eles dependem da gente para sobreviver. Então

eles não têm muita condição de ... às vezes a gente é

que dá sugestões para eles. Sempre o pessoal da

COBAP e da Federação é um pessoal da CUT, da CGT,

política... então nós aqui não temos este problema.

Político querendo tirar vantagem. E lá sempre teve

esse problema (Milton Francisco de Oliveira)

Olha, até hoje não ajudaram em nada. A COBAP nunca

auxiliou com nada. Nem nas viagens que nós fizemos à

Brasília pra reivindicar nossos direitos. Então nunca

tivemos o apoio da Federação e da Confederação. Eles

não atrapalharam, mas em compensação nunca

tivemos o apoio ... quase nenhum. Muito relativo o

apoio delas (Horácio Lemes Simões).

Um terceiro depoimento aponta a Federação como parte de um todo.

Sem estrutura suficiente para prestar auxílio às Associações que se

formavam, porém com características político-partidárias, o que a

Associação não aprova.

As Centrais do Movimento não estiveram presentes no

crescimento da entidade. Nem a Federação e nem a

121

COBAP. Ao contrário disso, a Federação nossa até hoje

ela precisa de acessoria de várias outras entidades

porque nunca teve. Foi uma entidade que existiu no

conceito do estado de S.P. como uma entidade política,

porque a parte da Federação é uma parte mais política

mas depende de quem está lá. Ela foi administrada por

um que foi até vereador, que é o Henos Amorina, depois

foi presidida pelo Galdino, que hoje é vereador...elas

não deram subsídio até porque elas não têm como dar.

As entidades que vivem hoje, elas sobrevivem por si só.

A Federação nunca teve, digamos, um departamento

jurídico, um depto. político, nunca teve. Quem ocupava

cargo por lá era para ter no seu currículo: Sou

presidente da Federação dos Aposentados (Benedito

Domingos).

A idéia que transparece destes depoimentos é de que a Federação

não estava tão próxima das Associações, na época, quanto pregam seus

estatutos de 1983. A frase “eles não atrapalharam mas nunca tivemos

apoio” demonstra que as Centrais se mantiveram em uma posição de

distanciamento, ou próxima disto, pois não estiveram nem de acordo e nem

em desacordo com os rumos tomados pela Associação.

É importante ressaltar também o movimento separatista liderado

pela Associação de São José dos Campos que abrangeu todas as Associações

do Vale do Paraíba e litoral norte. Este foi registrado em Ata de julho de

1990. Tal movimento propôs um bloco independente das Centrais do

Movimento. A alegação era de que as Associações não dependiam mais da

Federação e esta, por sua vez, as usava com propósitos de política

partidária. A iniciativa não teve êxito, porém foi uma demonstração de

insatisfação coletiva diante dos rumos tomados pelas lideranças do

Movimento de Aposentados e Pensionistas.

Esta interpretação da interferência das Centrais nos primeiros anos

de funcionamento da entidade não foi compartilhada por todos os depoentes.

Alguns - como os que estão refenciados abaixo - perceberam uma presença

maior das Centrais na organização do Movimento em São José dos Campos.

Por outro lado, entre os associados, pouquíssimos ouviram falar da COBAP

122

e da Federação, demonstrando que sua atuação na Associação não foi tão

marcante a ponto de transparecer ao quadro de Associados.

Elas sempre ajudaram. A COBAP veio depois, mas em

várias atividades nossas vinham os diretores da

Federação responsáveis pelo Vale do Paraíba. Muitos

companheiros de outras Associações, o Vicentinho, de

Diadema parece, nos apoiou bastante. As Centrais

nunca atrapalharam nosso trabalho (João Batista

Cândido).

Foi ótima. Contribuíram muito pra isso. Ajudavam,

davam uma assistência extraordinária. Até hoje dão

uma assistência à nós, vamos à São Paulo...uma beleza.

Se convidarem eles, eles estão prontos à atender. É

uma união extraordinária. Um trabalho ótimo. Não

teve obstáculo pela Federação porque quando nós

vamos criar um projeto, nós apresentamos nos

congresso e é aprovado. Se não for aprovado, é porque a

outra (proposta) era melhor e nós concordamos. Nós

não somos individualistas. O interesse nosso é a

comunidade como um todo. A Federação nunca

contestou idéia nossa, eles até pedem que a gente crie

sugestões, que a gente apresente soluções de como

chegar lá, e quando fazemos congresso defendemos a

tese apresentamos, e ali é escolhida a tese melhor, que

tem a possibilidade de ser bem aproveitada porque se

fosse depender do que nós aprovamos, se o governo

quisesse, o nosso país seria outro (Antemil Correa da

Silva).

Interessante notar que os elogios à atuação da Federação, embora se

refiram a uma presença maior desta nos momentos de dificuldade, também

se direcionam para a questão da autonomia das Associações em relação às

Centrais. A própria Federação reconhece que freqüentemente, quem lhes dá

acessoria são as Associações.

Muitas vezes a gente pede para ele coisas que nós não

sabemos aqui ou que sabemos e não temos certeza,

então nós falamos...Costantino,100 estamos meio

enroscados com a coisa. Então ele vem e nos coloca

aquilo que ele sabe (Nelson Marchesini - ex e atual

secretário da Federação dos Aposentados e

Pensionistas de São Paulo).

As matérias jornalísticas examinadas referem-se às manifestações

promovidas no Vale do Paraíba com a presença de membros da Federação e

até mesmo da COBAP. 100 G. Costantino é ex-secretário e atual diretor técnico da AAPSJC.

123

Por meio dos documentos escritos e orais analisados, pôde-se

concluir que o papel das Centrais na gerência dos primeiros anos de

existência da Associação não foi determinante.101 Não cabe aqui fazer uma

análise mais detalhada sobre as coerências ou incoerências das Centrais ao

adotar uma conduta de distanciamento do cotidiano de suas associadas. O

importante é constatar esta relativa autonomia das Associações. A partir

daí, torna-se possível a reflexão em torno das formas como ela foi

trabalhada pela AAPSJC na construção de seu espaço de organização, e

mais, de sua identidade. Como diria Velho (op.cit.), como ela se constituiu

em indivíduo-sujeito dentro de seu espaço de ação.

Para atingir este fim, é importante conhecer os projetos da

Associação. Como eles se realizaram (ou não) neste espaço tecido pela

entidade, e qual a sua influência na formação identitária da mesma.

Os Projetos - Delimitações para o Futuro

No dicionário encontrou-se a seguinte definição de projeto:

Idéia que se forma de executar ou realizar algo, no

futuro; plano, intento, desígnio. Empreendimento a ser

realizado dentro de determinado esquema (Dicionário

Básico Aurélio da Língua Portuguesa: 532).

Pode-se perceber pelas palavras do dicionário que a noção de projeto

remete à idéia de plano para o futuro. Por ser um intento, ainda não é

concreto, porém é consciente, mesmo porque faz parte do desejo daquele que

planeja. Acredita-se que o termo projeto pode ser alvo de uma análise mais

aprofundada à luz da colocação de Schutz.

Nossa tese é a seguinte: Uma ação é consciente no

sentido em que, antes de realizarmos, temos em nossa

mente uma figura do que vamos fazer. Esse é o “ato

101 É importante deixar claro que embora tendo pouca influência no cotidiano da Associação, as

Centrais exerceram papel fundamental na existência da mesma, pois, conforme mencionado

anteriormente, a entidade foi criada no âmbito do Movimento dos Aposentados e Pensionistas.

Trabalhando esta questão sob a ótica de Gilberto Velho, o MOP confere à Associação a identidade

“dada” e o trabalho cotidiano da entidade, que implica na sua sobrevivência, confere a ela a

identidade “adquirida”. “É evidente que existe uma básica diferença entre uma identidade,

socialmente já dada, seja étnica, familiar etc. e uma adquirida em função de uma trajetória com

opções e escolhas mais ou menos dramáticas.”. (op.cit:97).

124

projetado”. Então, conforme prosseguimos para a ação,

continuamente retemos a figura diante de nosso olho

interior (retenção), ou de vez em quando a relembramos

(reprodução) ... É a essa “consulta ao mapa” que nos

referimos quando chamamos uma ação de consciente ...

Nossas ações são conscientes se anteriormente as

mapeamos no “tempo futuro perfeito” (op.cit:126-7).

Por meio da idéia de mapa colocada pelo autor, é possível

compreender como a memória recorre àquilo que foi retido como referência

para o que se deseja vivenciar, ou melhor, que se planeja experienciar. O

movimento de idas e vindas entre o que se idealiza e o que se realiza,

executado pela consciência, confere ao projeto o caráter de mutabilidade.

Principalmente se for considerado que o tempo presente, o cotidiano,

interfere neste deslocamento. Schutz define que, à medida em que a ação

pretendida é colocada em prática, algumas projeções feitas anteriormente

são substituídas por outras.

Assim, conforme a ação tem lugar e caminha para o seu

fim, a experiência do ator se alarga - ele “envelhece”. O

que estava dentro do círculo iluminado da consciência,

durante o momento da projeção, retorna agora à

escuridão, e é substituído mais tarde por experiências

vividas, que foram meramente esperadas ou

“protendidas”... Isso será verdade mesmo se a ação

marchou de acordo com o plano. “As coisas parecem

diferentes na manhã seguinte” (Schutz,

op.cit:128-9).

A análise dos documentos levou à percepção dos projetos como

motivadores das ações da Associação. Conforme o amadurecimento da

entidade, estes foram sendo colocados em prática concomitantemente às

diretrizes traçadas pelas Centrais.

Vários planos da entidade surgiram com o correr dos anos, como

colônia de férias, farmácia, “Casa do Aposentado”, processos contra o

governo federal para o recebimento das defasagens, sede própria, convênio

médico, etc. Dentre eles, os três últimos apresentaram maior freqüência em

todos os documentos (orais e escritos) analisados:

Os processos contra o INPS, foram a própria razão de ser da

entidade. Permearam seu trajeto por todo período estudado.

125

Embora nem sempre estivessem explícitos nos documentos,

puderam ser percebidos por outras menções, como por exemplo,

as alusões à troca de advogados (que foram muitas).

O projeto da sede própria tornou-se mais concreto por volta de

1987/88, porém o desejo de construção de um espaço próprio

para a entidade se fez presente desde os primeiros anos de

funcionamento da entidade. Um exemplo disto foi o projeto da

“Casa do Aposentado” (mencionado no capítulo 1), muito mais

amplo que o da sede, mas que já demonstrava a busca da

independência física do Sindicato dos Metalúrgicos.

O convênio médico, colocado em prática no fim da década de 80,

acompanhou várias diretorias da entidade. O projeto, nem

sempre teve a forma definitiva de convênio particular da

Associação. Nos primeiros anos de funcionamento da entidade,

a criação de uma forma alternativa de atendimento médico

para o associado, era buscada sob a forma de inserção deste no

convênio do Sindicato.102

No início, a entidade esteve voltada para a sua divulgação e

organização. Prova disto está nas atas de 19 de dezembro de 1983 a junho

de 1985 quando pela primeira vez, se fez menção à relação com o governo

estadual103 e à escolha de membro representante junto ao INPS. Até então,

os registros em Ata giraram em torno de questões relativas a eleições e

organização administrativa. Um depoente colocou os objetivos da

Associação.

A meta da Assoc. quando entrei era buscar todos os

direitos que os aposentados têm, que eles perderam. De

lá para cá (86 em diante) todos os governos, todos os

governos que entraram, no tempo dos aumentos

salariais todos, sempre teve defasagem ... nunca deram

certo o que a gente tem direito. Então, nossa finalidade

102 A primeira menção ao convênio médico foi registrada no Livro de Atas no 1 - Ata de 3/9/85, quando

foi feita a leitura do pedido de extensão de serviços como convênio médico, colônia de férias,

farmácia e dentista do Sindicato para aposentados não sindicalizados. 103 Na Ata de 12 de junho de 1985 foi registrado o envio de correspondência ao governador de São

Paulo Franco Montoro, em apoio à greve dos funcionários da secretaria da Saúde.

126

está aí, foi buscar aquilo que nos deviam. No início era

o convênio médico, construção da farmácia, construção

da sede própria que não existia na época. Então, tudo

isso era meta. E todas estas metas nós já cumprimos ...

construímos a sede própria, fizemos o convênio médico.

A única coisa que nós não fizemos até agora foi a

farmácia, que é um projeto nosso antigo, mas nós

esperamos que, até o fim do ano, a gente consiga

alguma coisa (Dilzo Ferreira).

Os processos - No mesmo período (1983-85) foram encontradas 3

matérias no jornal “O Valeparaibano” relativas à Associação, todas se

referindo à sua organização e convidando para as eleições de diretoria.104

Em 16 de agosto de 1985, ocupando espaço na primeira e na quarta página,

foi publicada a primeira matéria alusiva aos processos abertos pela entidade

contra a defasagem dos benefícios. Sob o título “Aposentados querem

reposição salarial”(“O Valeparaibano”, 16/8/85: 4) , o artigo revelou que esta

possuía em mãos, 30 ações (e a associação dos aposentados da categoria dos

têxteis, 40) prestes a serem entregues à justiça.105 Em edição de 23 de

janeiro de 1987 este número já havia subido para 400 (cf. “O Valeparaibano,

23/1/87: 4).

A abertura de processos contra o INPS ocupou espaço no referido

periódico por seis vezes durante o período estudado, sem contar as matérias

relativas à Associação que tiveram outros títulos e que fizeram menção a

eles.

É fundamental deixar claro que os processos não possuíam um fim

em si. Eram parte de uma situação de enfrentamento muito maior, que

tinha no espaço jurídico, um dos campos de luta, conforme coloca Haddad...

104 As publicações do período além da mencionada no texto foram: 1- “Edital” - para a convocação de

“Assembléia da Associação de Trabalhadores Metalúrgicos Aposentados e Pensionistas de S.J.C.,

Caçapava, Jacareí e Santa Branca. Para fins de eleição de diretoria provisória e aprovação de

Estatuto.” Jornal (“O Valeparaibano”, 20/12/83: 4). 2- “Aposentados e pensionistas metalúrgicos

promovem reuniões classistas”. Convocação de assembléia porque se “passou um ano sem

conseguir o dinamismo que se pretendia”. (“O Valeparaibano” , 28/12/83: 4). 105 Conforme mencionado no capítulo 2, a Lei 6.708/79 provocou uma grande defasagem nos proventos

dos dependentes da previdência, ao aplicar o reajuste semestral baseado no salário mínimo

anterior. Esta situação se alterou com o Decreto-Lei 2.171 de novembro de 1984. “Esse Decreto-

Lei, em seus artigos 1o e 2o dispôs que os reajustes dos benefícios a cargo da Previdência Social far-

se-iam sempre que alterado o salário-mínimo, a contar da data em que este entrasse em vigor,

sendo os índices de reajustamento os mesmos da política salarial. Foi a primeira vitória do

Movimento, segundo os entrevistados” Haddad (1991:110).

127

O Movimento de Aposentados e Pensionistas abriu um

espaço político extremamente rico que, ao questionar os

limites impostos pela Previdência social, ao reconhecer

a necessidade do envolvimento sindical, coloca a

questão dos direitos dos inativos como uma extensão do

direito do trabalho (1991: 145).

Uma associada colocou sua interpretação sobre os objetivos mais

amplos da Associação.

O objetivo maior que eu sempre senti foi esse, de

fortalecimento da categoria para a obtenção dos

direitos desta mesma categoria (Anselma Aparecida

Gaspareto).

Entre os depoimentos, não foram encontradas respostas categóricas

relativas aos processos, porém, eles são mencionados como integrantes de

uma luta que também se utiliza de outras armas fora do âmbito jurídico.

O problema mais sério que apareceu e a gente estava

encarando, foi os processos daquela defasagem de 83,

que houve uma defasagem muito grande da ...

principalmente na forma dos cálculos dos proventos de

quem é aposentado. Então isso dava margem pra ...

cabia processo pra receber essa diferença, inclusive os

atrasados, né? Aí a gente foi divulgando isso,

mostrando isso, cada vez que ... começou a aparecer o

pessoal pedir pra abrir processo. Então o nosso maior

problema foi ir atras de advogados que trabalhassem

isso com ... fosse um expert no assunto, especialista na

área, né ... Mas num primeiro momento o corte do

trabalho foi esse. E participar de manifestações de

Associações em defesa dos direitos dos aposentados.

Então era esse nosso objetivo (João Batista Cândido).

O projeto principal da Associação é junto ao INSS.

Procurar o direito que o aposentado tem. Fazer ela

cumprir as obrigações, o INSS, que naquela época era

INPS. Então nós levantamos uma bandeira de luta pra

que nós não fossemos prejudicados futuramente nas

contas. Com toda luta que nós tivemos, com todo

trabalho, cada dia que passa fica mais difícil para o

aposentado. A história cada hora piora. A previdência

só não foi à falência porque nós criamos a Federação e a

Confederação e nós fiscalizamos, com pouca coisa que

temos, fiscalizamos e denunciamos toda corrupção, nós

vamos, fazemos congresso e denunciamos (Antemil

Correa da Silva).

Um terceiro depoimento pode ser citado para melhor demonstrar a

importância dada a este projeto da Associação.

128

Qual a essência da Associação? Primeiramente foi fazer

processos. Uma das principais causas foram as

defasagens, cálculos errados. Então não é fácil. A

Assoc. mantém dois ou três advogados para tocar esses

processos. Eu mesmo tenho quatro ou cinco (processos).

O objetivo é justamente correr atrás das perdas (José

Ferian).

A luta contra o governo federal encontrou nas ações contra o INSS

um espaço jurídico para o exercício da resistência. Os resultados dos

processos, embora lentos, serviram como atrativo para a conquista de novos

sócios para a entidade e, mais, para marcar presença constante da categoria

no âmbito legal.

Sede própria - Este projeto também acompanhou a entidade desde os

primeiros anos de funcionamento. Conforme mencionado no 1o capítulo, a

proposta inicial das diretorias era a construção da “casa do aposentado”,

local que, além de manter o caráter político da entidade, também seria um

espaço lazer e assistência médica para o associado. Porém, conforme

Gilberto Velho coloca, o projeto não é imutável, está sujeito a influências do

meio.

O projeto não é abstratamente racional, como já

mencionei, mas é resultado de uma deliberação

consciente a partir das circunstâncias, do campo de possibilidades em que está inserido o sujeito (Velho,

op.cit:103).

A sua inserção no campo de possibilidades oferecido pelo tempo

presente, pelo contexto em que se configurou a Associação nos anos

delimitados, tornou possível a alteração do projeto da “casa do aposentado”

para o da sede própria. Mais modesto, mas que também demandou grande

esforço das diretorias que se empenharam em sua construção.

Sem abandonar a proposta inicial de separação física do sindicato, a

Associação articulou forças junto ao poder local, a partir da divulgação de

uma imagem de fragilidade e ao mesmo tempo de organização (conforme

mencionado no capítulo 2).

A primeira menção à construção da sede própria foi feita na 3a

reunião da diretoria.

129

Presença do diretor tesoureiro do Sindicato - João

Miranda que sentou-se à mesa e reiterou sua

colaboração à Associação para que ela possa ter sua

sede própria e manutenção de sua existência. Frisou

também seu desejo de que haja a “identidade como

entidade de classe” (Livro de Atas no 1- Ata de 6/2/84).

Por esta referência torna-se possível perceber que o Sindicato

almejava não apenas a autonomia da Associação, mas também a construção

de uma identidade própria de aposentado, independente da categoria dos

metalúrgicos. O registro seguinte em Ata dos planos de construção da “casa

do aposentado”, encontra-se em Ata de 1988,106 quando esta foi confirmada

como uma das metas da entidade. Não foi possível compreender quando

houve a substituição do projeto inicial para o da sede, pois a menção

seguinte ao tema só foi registrada mais de um ano depois,107 quando se

realizou uma reunião extraordinária de diretoria para traçar os planos para

construção desta.108

Em nenhuma das fontes foram encontrados sinais de frustração pela

substituição de um projeto mais ambicioso por um mais modesto. Nos

depoimentos, a “casa do aposentado” nem chegou a ser mencionada, e

quando aqueles que se lembravam deste projeto inicial foram questionados,

referiram-se à ele como algo secundário, fruto daquele momento. Inúmeros

são os depoimentos que colocam a sede própria como o principal, ou um dos

principais projetos da entidade.

A mais importante foi a construção da nossa sede,

porque ficamos independentes. A gente dependia dos

outros para ter local de trabalho. A partir da

construção da nossa sede nós ficamos independentes,

esse foi nosso principal projeto. A partir desse veio

outros projetos, que se realizaram porque a gente está

em nossa sede (Milton Francisco de Oliveira).

Eu acho que...ela ficou praticamente com...como você

quando tem uma casa, você está em uma casa que não

é sua. Mesmo que não pague aluguel, a casa não é sua.

Então eu acho que a sede própria representou a

liberdade. Você sabe que você tem aquele prédio. É a

106 Livro de Atas no 1 - Ata de 26/2/88. 107 Livro de Atas no 1 - Ata de 8/8/89. 108 O decreto municipal no 6756 de 21/7/89 de doação (permissão de uso) de terreno público para a

Associação foi o motivo da reunião. A partir desta data várias outras reuniões extraordinárias

foram convocadas para dar andamento à construção da sede.

130

mesma coisa que a gente ter casa própria... Não teve

briga com o sindicato, não teve, não teve. No

comecinho, começou o pessoal da CUT, o Ary Russo, o

Miranda, a gente até apoiou ele. Se alguém te falou

alguma coisa eu não estou sabendo (José Ferian).

Os dois depoimentos acima revelam que a sede própria representou

liberdade, autonomia, embora não tenha sido encontrado nenhum dado que

indicasse conflito entre a Associação e o Sindicato. Este espaço significou

também um local propício à organização social e administrativa, como

demonstra o depoimento abaixo.

Eu acho que foi bom. Foi bom. A sede... ela teve

possibilidade de se organizar melhor. Teve

possibilidade de se organizar em tudo. Não só

socialmente como administrativamente. De maneira

que eu acho que foi uma coisa muito boa. Na minha

opinião eu acho que foi esse... A maior conquista deles

foi isso aí, porque é uma coisa que bem poucas

“Sociedades” conseguiram (Florivaldo Camocardi).

Além de significar liberdade e organização, percebeu-se que a

construção de um espaço próprio esteve carregada do sentido de poder. Com

a sede, o grupo se viu mais fortalecido para exercer suas atividades e para

crescer. Halbwachs oferece ainda uma outra visão do espaço.

A sociedade não estabelece somente uma relação entre

a imagem de um lugar e um escrito. Ela considera o

local enquanto se relaciona então a uma pessoa, seja

porque esta o tenha demarcado com balizas e cercas,

seja porque ali reside habitualmente, porque o explora

ou mande explorar. Tudo isto é o que podemos chamar

de espaço jurídico, espaço permanente, pelo menos

dentro de certos limites de tempo, que permite a cada

instante à memória coletiva, desde que perceba o

espaço, de nele localizar a lembrança dos direitos

(op.cit:145-6).

A interessante colocação do autor provoca um outro olhar sobre a

questão. Percebe-se que o projeto da construção da sede própria expressou o

objetivo de impressão do grupo em seu próprio espaço. Havia a necessidade

de conferir ao lugar a identidade de uma Associação que defende os

interesses dos aposentados. Mesmo ocupando uma pequena casa de

propriedade do Sindicato dos Metalúrgicos, o grupo ensejou a “liberdade”

131

porque o espaço ocupado não possuía a memória dos aposentados, mas

estava impregnado da memória dos metalúrgicos da ativa.

Para compreender melhor a questão, é interessante fazer o raciocínio

inverso ao de Halbwachs, citado abaixo, quando este trata da resistência dos

grupos ao terem que abandonar seus antigos espaços.

Se esses grupos não se adaptam mais depressa, se em

muitas circunstâncias, dão prova de extraordinária

faculdade de inadaptação, é porque outrora traçaram e

determinaram seus limites e suas reações em relação a

uma certa configuração do meio exterior, até se tornar

parte integrante das muralhas às quais se encostavam

suas casas, as colunas que as sustentavam, as

abóbadas que os abrigavam. Para eles, perder seu lugar

no recanto de tal rua, à sombra daquele muro, ou

daquela igreja, seria perder o apoio de uma tradição

que os ampara, isto é, sua única razão de ser

(op.cit:138).

A citação acima permite a compreensão do desejo do grupo de

construir seu espaço próprio como o inverso da resistência ao abandoná-lo. A

saída do sindicato e a construção da sede passa a ser vista como um novo

espaço a ser formado para a impressão das memórias da Associação. O

Sindicato não permitia, para usar os termos do autor, que fossem traçados e

determinados seus limites e reações, e por isso, não era identificado com as

lutas dos aposentados. Era preciso mais do que um lugar para funcionar, era

necessário que este lugar estivesse impregnado da luta dos aposentados, e

não dos metalúrgicos.

Convênio médico - O projeto da implantação do convênio médico não

foi o principal da entidade, porém é apontado como uma conquista do grupo.

Conforme mencionado, esta reivindicação de inserção do aposentados no

convênio do Sindicato foi registrada em ata em 1985. Daí em diante pode-se

perceber um empenho do grupo em criar seu próprio convênio,109

pressionado pelas reclamações dos associados que se viam impossibilitados

de freqüentar a colônia de férias (por falta de vagas), bem como utilizar-se

109 Mostra desta iniciativa foi mencionada em Ata. “Antemil Correa falou sobre criação de convênios

semelhantes aos de Jacareí. Separado do Sindicato.” (Livro de Atas no 1 - 24/10/86).

132

da farmácia e dos serviços médico - dentários oferecidos pelo Sindicato

(Livro de Atas no 1 - 21/1/87).

Em dezembro de 1988, diversos médicos já haviam sido consultados

e os exames laboratoriais passaram a ser encaminhados para o SUS (Serviço

Único de Saúde). Em meados de 1990, o convênio já possuía 12 médicos e 2

laboratórios e estava concluído em sua primeira fase. A meta seguinte:

Convênio odontológico.

Nas áreas sociais uma das preocupações das

Associações foi com o problema da saúde. A saúde do

idoso hoje é uma das coisas que preocupa qualquer

entidade, principalmente quando se trata da saúde do

idoso. A prova disso em São José dos Campos é o nosso

convênio médico. Naquela época já havia uma

preocupação com isso. Nós só não tínhamos condições

de fazer nada porquanto nosso conceito a nível de

entidade...não tinha divulgação. Então nós nos

louvávamos das pessoas que nos procuravam e a gente

passava aquela proposta pra poder conseguir alguma

coisa (Benedito Domingos).

...a maioria desses processos são abertos pela

Associação de aposentados e exatamente isso leva eles

a ficar um pouco coesos lá porque eles têm essa

carência, essa necessidade de usar aquilo lá prá abrir

os processos e as consultas fazem a gente ficar sócio.

Quando a gente fica sócio tem direito à consulta, mas a

consciência não existe (Raimundo Dias da Silva).

Em uma primeira análise, o convênio médico foi compreendido

enquanto medida assistencialista adotada pela diretoria para angariar

maior número de associados. Por este raciocínio, este representaria então

um fator de perda de identidade política da entidade. Após uma análise

mais detalhada dos depoimentos percebeu-se que a fala de um membro da

Associação propiciou a análise da questão por um outro ângulo. Segundo o

depoente...

Este projeto é sempre uma luta direta contra o governo.

O governo tem que dar saúde, não dá. Então a gente

tem que se virar. Uma série de coisas que o governo

tem que dar para a gente e não dá. Então a mesma

coisa da luta da aposentadoria é a luta da saúde. A

gente tem idéia de construir um mini hospital porque o

aposentado não pode pagar um convênio médico. Não

tem assistência médica. Então os projetos são iguais,

133

um força o outro. Isso não tira a identidade, de jeito

nenhum. Um (projeto) complementa o outro110 (Milton

Francisco de Oliveira).

A colocação acima possibilitou a percepção do projeto do convênio

médico, não simplesmente como medida assistencialista, com o objetivo de

atrair maior número de associados para a entidade. Embora esta análise

não esteja descartada, ele pode ser encarado como uma forma de resistência

dos aposentados com baixo poder aquisitivo, que ao recusarem as filas e o

mal atendimento oferecido pelo serviço público de saúde, optam por um

atendimento mais digno.

O convênio médico, sob esta ótica, pode ser examinado não como

perda de identidade do grupo, mas uma recusa de seus membros em

permanecer nas filas do INPS (atual INSS), e dos postos de saúde. Afinal,

quem pode tirar do indivíduo sua vontade de ser melhor atendido? Optando

pelo convênio o aposentado diz “não” para o sistema público de saúde. Busca

bom atendimento, médicos geriatras, conforto com salas de espera, dentistas

e, tudo mais que devolve a ele o sentimento de pertencimento à sociedade.

As frustrações pela não realização dos projetos foram muitas. Os

depoimentos assinalaram a falta de verbas, a desunião dos aposentados, a

falta de conscientização destes, a ausência de vontade política dos

governantes, etc. como pontos de entrave. Porém, os impasses da justiça foi

o principal deles, embora estivesse relacionado com os demais. Os processos

movidos contra a previdência social permaneciam (e ainda permanecem)

durante anos na esfera jurídica e vários associados morreram na espera de

recebê-los.

Assim, os projetos da Associação se complementaram e fizeram parte

de um todo: a luta contra o descaso com que a categoria é tratada pelo

governo. Processos, construção da sede própria e convênio médico não foram

projetos isolados. Estiveram integrados na questão maior do Movimento,

embora fossem formas próprias, encontradas a partir de suas necessidades

cotidianas e das articulações de forças locais.

110 Parênteses meus.

134

3.4. Poder Local: Alianças e Estratégias para a Sobrevivência

do Grupo

O município de São José dos Campos foi o espaço no qual a

Associação se situou e articulou. A análise do mesmo como locus

diferenciado do nacional e do internacional, implica na interpretação do

grupo da AAPSJC enquanto parte do Movimento de Aposentados e

Pensionistas, porém com influência da dinâmica deste espaço em sua

identidade.

Para trabalhar esta questão julga-se importante dar uma definição

do que foi chamado aqui de poder local. Pinho (1993) (apud Daniel, 1988),

coloca que o poder político local é constituído pela elite política do governo

municipal, formado pelos seus órgãos administrativos e pela câmara dos

vereadores. O poder econômico local é composto pelas empresas que visam

lucratividade e que dependem, para seu funcionamento, do poder político. Já

o poder social local é formado por múltiplas forças, como as elites locais

oriundas das camadas médias, dos representantes empresariais e

profissionais liberais.

A expressão poder local utilizada no presente trabalho, tem então

como objetivo, expressar a influência das três formas de poder colocadas pelo

autor, embora tenha sido possível perceber por meio da análise das fontes,

que a articulação do grupo se deu muito mais no âmbito do poder político

local do que econômico e social.

Compreendendo o local não apenas como espaço geográfico e

territorial, mas também como rede de relações, tornou-se possível perceber o

movimento dado pelo jogo de interesses que gera oposições e alianças.

Segundo esta ótica de análise, a interferência na identidade dos grupos

ocorre sob a forma de conflitos ou de alianças com o poder local,

especialmente quando se trata de um grupo de pressão.

Na esfera dos municípios, novas conformações foram surgindo na

década de 80 como reflexo das mudanças mundiais. O local, enquanto lugar

135

onde o jogo de poder se faz mais evidente, assumiu contornos diferentes da

década anterior. Tânia Fischer comenta a importância deste para se

conhecer o jogo das resistências e a sua organização.

Aos estudos relacionais que situam o local como um dos

níveis de poder, agregam-se aqueles onde o local se

afirma como um objeto de estudo pela sua

especificidade; uma história própria, um conjunto de

relações sociais delimitados, um espaço de memória, de

formação de identidades e de práticas políticas

específicas. Como lembra Rivellois (1990)... ‘as

instituições locais não são apenas um reflexo de lógicas

dominantes, porque o nível local está ligado à história,

às representações coletivas específicas, às formas

culturais ... No entanto, o nível local é também o lugar

das tensões, das lutas, portanto, um nível de contra-

poder’ (Fischer,1993:13).

Uma das propostas deste trabalho ao questionar a relação do grupo

com as forças locais, é justamente conhecer em que medida estas

interferiram nos objetivos traçados por ele, conseqüentemente, qual a

interferência na sua formação identitária.

Pôde-se notar que o número de ofícios emitidos pela Associação para

o governo municipal (Legislativo e Executivo) foi superior a qualquer outro

destino. Entre janeiro de 1984 (1983 não houve correspondência nenhuma )

e julho de 1990, foram enviados 54 ofícios a prefeitos, vereadores e

secretários de São José dos Campos (sendo que um número inexpressivo foi

destinado à políticos de Jacareí). Este montante corresponde a 56,8% do

total de correspondências enviadas no período.

Foi possível notar que a relação da entidade com o governo

municipal se deu em um clima de amabilidade e de dependência financeira

por parte da Associação. Os temas das correspondências variaram e por isso

foram categorizados em:

Tornar-se “entidade social”- o que implica em recebimento de verba

anual.

Reivindicações - criação de legislação que proporcione passes

gratuitos e isenção do IPTU para aposentados.

136

Empréstimo de espaços e bens públicos - como teatro municipal,

parque, plenário da Câmara; bem como cessão de ônibus e aparelhagem de

som.

Construção da Sede Própria - terreno e construção.

Divulgação - de eleições, assembléias com presença de

personalidades políticas e novo estatuto.

Congratulações - com nova mesa da Câmara e prefeitos.

Intercessão junto ao governo federal - pedido de envio de telegramas

e cartas para que matérias relativas aos aposentados fossem aprovadas ou

repudiadas.

O ano de 1989 foi o que mais apresentou correspondências com o

poder local (19). Predominaram pedidos de cessão de ônibus, para que

diretores e associados da entidade pudessem participar de Atos Públicos

promovidos pelas Centrais em Brasília e São Paulo, e terreno para a

construção da sede própria.

É interessante notar que nos anos de 1988, 1989 e 1990 as

correspondências tenderam a se concentrar em dois pólos:

O acirramento das relações com o poder federal

A construção da sede própria

Estes dois pontos podem ser interpretados como importantíssimos

para a identidade da Associação. A relação com o governo federal como

resposta e estratégia de resistência do Movimento às políticas neoliberais

em formação; a construção da sede enquanto espaço próprio conquistado.

Não foi objetivo desta pesquisa, fazer uma análise aprofundada do

discurso das correspondências, porém não se pode deixar de mencionar, o

que foi classificado como “tom de vítima” de determinadas correspondências,

bem como o “tom ofensivo de outras”. Principalmente quando os ofícios se

destinam a pedir doações (poder político local, iniciativa privada, igreja,

137

imprensa), os termos utilizados intentavam apelar para a sensibilidade do

interlocutor. A título de exemplo, algumas expressões foram selecionadas:

“...esquecidos nos meios políticos...”

“...Nossos velhinhos...defesa da população carente da

qual fazemos parte...”

“...amenizar o sofrimento do aposentado...”

“...classe tão sofredora...”

“...Sem condições...”

Foi possível notar que, com o passar dos anos, o “tom de vítima” foi

substituído nas correspondências, conforme aumentaram aquelas

destinadas ao governo federal e ocorreu o fortalecimento do Movimento de

Aposentados.

No que diz respeito à legalização da entidade, desde os primeiros

meses de funcionamento houve a preocupação da diretoria em organizar a

documentação da Associação. Em março de 1989, a partir de projeto

elaborado pelo vereador Jairo Pintos, a Lei Municipal no 3448/89 foi

assinada pelo prefeito Joaquim Bevilácqua. A referida Lei tornava a

Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos, de

Utilidade Pública, sendo considerada “entidade civil de fins

representativos e de estudos.” 111

Tornando-se legalmente de Utilidade Pública, a Associação passou a

ter direito de requerer verba não só a nível municipal, mas também estadual

(desde que se tornasse Utilidade Pública do Estado). Além destas

facilidades, a entidade também passou a receber auxílio financeiro periódico

para seu funcionamento e isenção de impostos.

A partir destes dados, é possível perceber que a preocupação da

AAPSJC em manter-se organizada legalmente extrapola as necessidades do

Movimento enquanto ação conjunta. A legalização foi utilizada também

111 Chamou a atenção o ofício s/n assinado por Heleno R. da Silva (secretário) enviado à bancada do

PMDB na Câmara de Vereadores de São José dos Campos em 11 de setembro de 1984. O

documento solicitava, já naquela época, a elaboração de Projeto de Lei que tornasse a entidade de

utilidade pública. Por este ofício, em papel ainda sem timbre ou número de identificação e com

erros de português, foi possível perceber a intenção clara da diretoria em captar recursos do

governo municipal já nos primeiros meses de funcionamento.

138

como medida de consolidação desta diante do poder local e uma estratégia de

captação de verbas do poder público.

A participação da prefeitura na construção da sede própria foi

decisiva. Conforme mencionado, o então prefeito Joaquim Bevilácqua e seu

sucessor Pedro Yves Simão providenciaram o terreno, o projeto e a verba

para a construção.

O governo municipal, na pessoa do Joaquim Bevilácqua

e do Pedro Yves ajudaram bastante. Nós construímos

aqui com a ajuda deles. Ninguém atrapalhou, os

vereadores, geralmente apresentam monções de

confraternização com a gente. Quando há qualquer

problema quanto à Associação, eles levam a

conhecimento do plenário na câmara, mas projeto para

nos ajudar mesmo, infelizmente eles não têm não. Mas

também nunca foram contra. Nunca tivemos problemas

com vereadores (Horácio Lemes Simões).

Prefeitos e vereadores também estiveram presentes em

manifestações e atos públicos promovidos pela Associação. Para a realização

do 3o Encontro Estadual dos Aposentados e Pensionistas em julho de 1988,

no município de São José dos Campos 112 a prefeitura não só colocou à

disposição da comissão organizadora o secretário municipal de comunicação

social113, como também forneceu alojamento, alimentação e transporte para

os congressistas. Em troca, o Encontro entraria no programa de festividades

em comemoração ao aniversário da cidade.

Nota-se aí a aliança da entidade com o poder político local para

organização do Movimento. O prefeito Antônio José Mendes Faria esteve

presente na abertura solene do encontro:

Disse da satisfação e do empenho que o Poder Público

do município teve, em dar total apoio ao 3o Encontro

Estadual dos Aposentados e Pensionistas, mencionou

também, que havia incluído o evento nos Festejos

Oficiais do Aniversário da Cidade (Anais do 3o Encontro

Estadual dos Aposentados e Pensionistas - julho/1988).

112 O 3o Encontro contou com a participação da liderança do Movimento como Oswaldo Lourenço,

presidente da COBAP e Henos Amorina, presidente da Federação além do Deputado Federal

Arnaldo Faria de Sá. Teve como temário: - balanço e discussão das atividades das Associações e

Confederações. - Encaminhamento de resoluções para o 10o Congresso Nacional. - Traçar plano de

ação da categoria e a discussão de problemas nacionais. 113 Conforme registrado no Livro de Atas no 1 - ata de 29/4/1988.

139

Assim como o atual prefeito na época, o ex prefeito da cidade (que

futuramente voltaria a ocupar o cargo) também fez sua menção.

Dr. Joaquim Bevilácqua, Deputado Federal, disse que

votou nas emendas apresentadas, na Constituinte, a

favor da nossa categoria e que, no segundo turno de

votação da Constituinte, ficará vigilante para

consolidar tais conquistas. Lembrou ainda aos

presentes que, São José dos Campos, foi o primeiro

município do Brasil, na gestão dele como prefeito, a

conceder o passe livre aos idosos, nos transportes

coletivos urbanos (Anais do 3o Encontro Estadual dos

Aposentados e Pensionistas - julho/1988).

Em 25 de fevereiro de 1990, a imprensa noticiou a Assembléia Anual

de Avaliação da categoria realizado na câmara dos vereadores de São José

dos Campos. A primeira dama da cidade, Isa Bevilácqua, representou o

prefeito na reunião que contou com a presença de: Deputado Federal

Antonio Carlos Mendes Thame (PMDB), Geraldo Alckimin (PSDB) e

Farabulini Júnior.114

Os depoimentos complementam as outras fontes, revelando que o

poder político local pode ser um aliado importante para os grupos, desde que

se “procure as pessoas certas na hora certa”.

Olha, as dificuldades sempre foi falta de dinheiro

(risos) . Porque a gente sempre depende de um,

depende de outro. Depende de favores, então sempre

foi a falta de dinheiro... O que ajudou foi a política. Não

atrapalhou, ajudou. A política sempre ajuda desde que

a gente procure as pessoas certas, na hora certa .

Mais à frente, no mesmo depoimento...

A gente tem o projeto da farmácia, um grande projeto,

mas por enquanto está no papel. O hospital, a gente

deu um pouco de azar na política porque se tivesse

ganho o outro prefeito a gente tinha meio caminho

andado... Demos azar porque a gente tem que escolher.

114 A Assembléia que contou com a presença de cerca de 250 pessoas teve também a participação do

presidente da COBAP, Oswaldo Lourenço. Na pauta estava a exposição das atividades da

Associação em 1989, esclarecimentos sobre os processos em andamento, leitura de ofício enviado

ao futuro ministro da previdência social, Antônio Rogério Magri (Livro de Atas no 1 - ata de

24/2/1990). Embora sem pertinência direta com o tema tratado no momento, vale a pena registrar

o clima de otimismo da categoria com a posse de Magri no Ministério da Previdência. “Esperamos

que o futuro ministro Rogério Magri consiga transformar a Previdência em uma casa de respeito.”

(Oswaldo Lourenço - presidente da COBAP em entrevista para “O Valeparaibano” de 25/2/1990, p.

4).

140

Ás vezes escolhe certo, às vezes escolhe errado (Milton

Francisco de Oliveira).

Por trás da “neutralidade partidária” da Associação e do Movimento

como um todo, existe um jogo de interesses que tece cotidianamente suas

formas de existência. Não se crê que este jogo modifique o eixo identitário do

grupo, que se relaciona diretamente com as políticas públicas federais, mas

que dê configurações próprias a este.

A análise desta documentação oferece indicações de que a Associação

de Aposentados e Pensionistas desde sua fundação até 1990 utilizou-se do

poder local enquanto campo de alianças para atingir seus objetivos. Para a

elite política municipal, por seu turno, a entidade representou um reduto de

votos. Em troca, ofereceu condições para manutenção e fortalecimento do

grupo.

141

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ainda na década de 70, o mundo conheceu uma das maiores crises já

vividas, quando o modelo fordista de acumulação entrou em colapso nos

países industrializados. A crise teve sérias repercussões na economia e na

organização política de todo planeta.

A nova ordem mundial iniciada na referida década, tem criado

mecanismos de adaptação do setor industrial às novas tecnologias. O

mercado financeiro também tem se ajustado ao dinamismo característico da

flexibilização do capital. O sindicalismo e as organizações de classe têm se

reavaliado porque, com o aumento do número de trabalhadores

desempregados, em empregos temporários e em atividades informais, o

modelo sindical montado no período fordista de acumulação tornou-se

obsoleto.

A nova forma de geração da riqueza, da organização do mercado e

da regulamentação social trouxe consigo a globalização da economia. O não

ajustamento à nova ordem econômica e de mercado, implica em exclusão de

jovens e idosos. E mais, de trabalhadores na faixa da população considerada

“economicamente ativa”, que vêem seus cargos extintos da noite para o dia.

O desemprego aumenta, e o que é mais lamentável, se torna irreversível. Na

medida em que o mercado fica mais competitivo, o perfil do profissional

procurado implica em educação especializada.

A flexibilização do capital encontrou no Estado neoliberal a

contrapartida política para seu desenvolvimento. Com a nova política, o

Estado mínimo se desobriga da interferência e da regulamentação das forças

econômicas, deixando ao mercado sua auto-regulação.

No Brasil, a década de 80 foi aberta com crise econômica e política. A

previdência social encontrava-se em plena crise, fruto de mecanismos de

capitalização inadequados e desvio dos recursos previdenciários para outros

142

setores da economia. Estes fatores, aliados à sua utilização político-

partidária, ocasionaram um sistema previdenciário ineficiente e falido

desde seus primeiros anos de funcionamento.

Por trás da polêmica da ampliação dos serviços previdenciários,

havia uma questão muito maior: a desigualdade social gerada pelo modelo

desenvolvimentista brasileiro.

Durante os anos 80, a organização sindical se fortaleceu e foram

abertos novos espaços para a formação de grupos identitários

reivindicatórios. A luta pela democracia tomou as ruas. Neste contexto

surgiu o Movimento dos Aposentados e Pensionistas, revelando novos

agentes no cenário social: os aposentados.

Estes negaram-se a calar diante das políticas públicas de

enxugamento na previdência características dos tempos de crise (agravadas

pelo prenúncio dos paradigmas neoliberais). À crise da previdência, o

governo da nova república - assim como os anteriores - reagiu aumentando

as alíquotas dos trabalhadores e das empresas, sem que fosse questionada a

estrutura de arrecadação e capitalização destes para o atendimento do

aumento da demanda.

A organização do Movimento dos Aposentados e Pensionistas não

assumiu proporções nacionais antes de 1979. Em uma esfera menor, a do

município de São José dos Campos, interior de São Paulo, o trabalho de

conscientização política dos aposentados foi gradual (e porque não,

permanente) e fundamental para a atração de novos associados,

responsáveis pela manutenção da entidade.

O MOP e, conseqüentemente, a Associação foram considerados neste

trabalho como algo mais do que um grupo de pressão, como diria Meynaud

(op.cit.). A segunda, alvo da análise, foi interpretada como um ponto de

resistência cotidiana. Parte de uma organização maior, não pretendeu fazer

uma revolução, nem destruir o seu outro. Seu objetivo foi, desde os seus

primeiros anos, constituir-se enquanto órgão de oposição às políticas sociais

voltadas para as pensões e aposentadorias.

143

Portadora de ambigüidades próprias daquele que se opõe e resiste,

fez frente ao poder que assumiu a forma de dominação e reprodução. A

Associação, desde o começo, teve consciência do que era e o que poderia ser,

para usar as palavras de Chauí (op.cit.), e por isso traçou suas estratégias e

projetos para manter-se viva. Construiu sua identidade na convivência das

várias identidades que a formaram e de um projeto comum.

O cotidiano da entidade (e do Movimento, é claro) organizou-se num

duplo movimento de aceitação e negação da dominação, sem que nenhum

dos extremos tivesse sido completado, isto é, sem que governo personificado

na previdência tivesse conseguido exterminar qualquer tipo de resistência e

sem que os aposentados tivessem almejado o desaparecimento da

previdência social Por se constituírem parte de um mesmo todo, aposentados

e previdência são interdependentes. Assim sendo, no jogo de resistência, os

aposentados não podem objetivar a eliminação da previdência, sob pena de

estar decretando seu próprio fim. A relação entre ambos é marcada por

conflitos, estratégias de luta e embates. Qual o vencedor? Tem sido o

Estado, porém a cada momento surgem novos contra-ataques.

Cada estrategista lançou mão de seus argumentos. A meta de

crescimento e, conseqüentemente, sobrevivência da entidade esteve presente

em todas as diretorias estudadas. Para atingir tal objetivo, a Associação

utilizou-se a estratégia da conquista do reconhecimento perante a opinião

pública, e mais, perante as forças políticas e econômicas locais. Com a

construção de uma imagem de austeridade e, ao mesmo tempo, fragilidade e

perseverança na condução dos processos, a Associação buscou construir um

conceito de entidade digna da confiança da elite local e dos aposentados

joseenses.

Os processos ganhos na justiça tornaram-se bandeiras de luta e a

divulgação das vozes dos diretores da entidade, por meio da imprensa,

tornaram-se representativas dos aposentados no âmbito local. Atraindo e re-

arranjando as forças locais para sua causa, as investidas do governo contra

144

a categoria acabaram por se reverter em benefício da agremiação, pois

tornaram-se propaganda negativa da política social dos anos 80.

Seus projetos não foram imutáveis porque sempre estiveram em

contato com novas iniciativas do governo, com a mudança de membros do

grupo conferindo-lhe outras memórias, com a reorganização do poder local e

com o cotidiano. Daí seu movimento e a construção e reconstrução

identitária permanentes.

Ao longo de sua existência, o Movimento dos Aposentados e

Pensionistas vem sofrendo modificações. Hoje, o alto escalão do governo

não recebe mais seus representantes em Brasília e as reformas da

previdência social trazem medidas de enfraquecimento da categoria. A

privatização do sistema caminha a passos largos. Pode-se questionar: é este

o fim do Movimento? Sua identidade desviou-se do eixo original? Estas

indagações são deixadas para novos estudos .

A reforma da previdência social em trâmite no Congresso gera

polêmica. O Movimento dos Aposentados e Pensionistas tem posição

contrária a diversos pontos, contudo, seus direitos já estão assegurados.

Talvez agora os sindicatos assumam uma postura mais próxima do MOP,

até então desejada, mas nunca conseguida. A esquerda vem tentando se

mobilizar contra vários pontos da reforma julgados prejudiciais aos

trabalhadores, como a questão da idade mínima para a aposentadoria. No

último dia 10 de maio, o jornal Folha de São Paulo publicou matéria relativa

à polêmica da votação da reforma da previdência. O inciso 1o do artigo 201 -

relativo a idade mínima para a aposentadoria - foi suprimido. Os

governistas interpretaram a lei de forma diferente da oposição, isto é,

consideraram mantido o aumento da idade mínima para 60 anos de idade e

35 anos de contribuição para homens, e 55 anos de idade e 30 anos de

contribuição para mulheres. Enquanto permanece o debate no Congresso

Nacional, 167 milhões de Reais têm sido gastos, com parlamentares, como

forma de “barganha” para a aprovação de emendas. 115

115 Conforme “Folha de São Paulo” 10/5/98. Caderno 1, p. 5.

145

É necessário um olhar mais alargado da realidade da Associação

para perceber suas táticas de sobrevivência dentro de um contexto adverso e

um futuro incerto. Isto significa que a resistência deste grupo de

aposentados está em manterem-se vivos, unidos e fortes. A vida é sua maior

resistência.

Hoje, outras formas de resistência estão sendo planejadas pois o

outro está em mutação. Um exemplo disso é o projeto de criação do PAN

(Partido dos Aposentados Nacional) que já tem um nome em estudo para

representante de São José dos Campos à candidato a Deputado Federal.

Segundo seus próprios idealizadores, passeatas e viagens ao Distrito Federal

para convencer os Deputados a lutar pelos aposentados não têm dado mais

resultados.

Hoje a Associação conta com 10.019 associados e 3 advogados lhe

prestando serviços. O convênio médico possui 22 dentistas e cerca de 70

médicos conveniados, além de farmácias e laboratórios.116 O trabalho de

controle de processos, planilhas e demais atividades é feito por

computadores instalados na própria sede. Não há dúvidas de que a

Associação cresceu e aumentou seu campo de ação.

Questões, no entanto são inevitáveis: serão estas novas estratégias

tão eficientes quanto aquelas que provocaram as mudanças na Constituição

de 1988, ou que venceram a batalha pelos 147%? Não sabemos. Contudo, o

número de processos enviados à justiça aumenta a cada dia, insistindo em

mostrar que os aposentados estão vivos e cuidam do que é deles. Haverá um

retrocesso? Sabe-se somente que os aposentados não mais se calarão.

Descobriram que possuem voz.

116 Os advogados não são exclusivos da Associação. Dados fornecidos pelo diretor Horácio Lemes

Simões em 12/5/98.

146

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