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UNESP - UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA Faculdade de História, Direito e Serviço Social
CAMPUS DE FRANCA
ROSA MARIA DA EXALTAÇÃO COUTRIM
Envelhecimento e Resistência: um estudo da identidade na Associação de
Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos (1983 - 1990)
Franca, SP, 1998
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ROSA MARIA DA EXALTAÇÃO COUTRIM
Envelhecimento e Resistência: um estudo da identidade na Associação de Aposentados e
Pensionistas de São José dos Campos (1983 - 1990)
Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Mestre
em História à Comissão Julgadora da Faculdade de História, Direito e Serviço
Social, sob a orientação da Profa. Dra. Eneida G. de Macedo Haddad
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_______________________________________
UNESP - Universidade Estadual Paulista Faculdade de História, Direito e Serviço Social
Franca, SP, 1998
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A meus pais, Heitor e Iolanda, pessoas maravilhosas que me permitiram sonhar e ensinaram a transformar estes sonhos em metas. Com gratidão.
Ao Mauricio, meu companheiro de jornada, pela cumplicidade que nos une em todos os momentos. Com amor.
A Mayara e Renato, meus filhos. Com esperança.
5
Agradecimentos
À profa Eneida G. de Macedo Haddad, quem me acompanhou, com
muita paciência, nesta etapa de amadurecimento pessoal e
intelectual.
Aos meus familiares, sempre presentes com palavras de ânimo e
apoio.
À profa Dra Maria Aparecida de Aquino, pela análise cuidadosa do
projeto e sugestões muito pertinentes.
À profa Dra Márcia D’Aléssio, quem me ensinou a procurar “o que
somos” e “o que queremos” nos estudos sobre a identidade.
À profa Dra Laima Mesgravis e à profa Dra Luci Gati Pietrocolla,
membros da banca do Exame Geral de Qualificação, pelas críticas e
indicações de leituras plenamente pertinentes ao trabalho.
À Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos
Campos, pela liberdade que me foi dada para pesquisar seus
arquivos. Consulta esta feita ao sabor de interessantes discussões
com seus membros e de um delicioso cafezinho.
Ao arquivo do jornal “Valeparaibano”, gerenciado por Gilberto
Martins, e aos seus funcionários; pela amabilidade e
profissionalismo.
À Biblioteca Municipal de São José dos Campos “Cassiano Ricardo”,
onde parte das matérias jornalísticas foi pesquisada; pela atenção e
receptividade.
Às instituições CAPES e FAPESP, pelo apoio financeiro essencial.
A todos os entrevistados, pelo carinho e prontidão com que me
acolheram.
6
Resumo
Este trabalho é relativo à pesquisa histórica da Associação de
Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos de 1983 a 1991. A
entidade criada no âmbito do Movimento dos Aposentados e Pensionistas,
desde os primeiros anos de funcionamento esteve voltada para as conquistas
previdenciárias da categoria.
Sua identidade, em construção desde o início das atividades, teve
interferência do Movimento, do poder local e da memória do grupo formada
por lembranças das vitórias e derrotas sofridas na luta contra o
achatamento dos proventos percebidos pelos aposentados e pensionistas.
A pesquisa de campo foi constituída pelas fontes orais e documentais
(dentre estes a fonte jornalística) e visou demonstrar como a entidade, em
seu espaço de ação, articulou forças para constituir-se em instrumento de
resistência dos aposentados contra sua exclusão social, provocada pela
pauperização da categoria.
Palavras chave: identidade, resistência, aposentadoria, idosos,
neoliberalismo, previdência social.
7
SUMÁRIO
NOTA INTRODUTÓRIA…………………………………………………… 10
CAPÍTULO I
A Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos
Campos: um pouco de história……………………………………………...
24
1.1 A Relação com o Sindicato……………………………………………… 25
1.2 A fundação………………………………………………………………… 32
1.3 Tornando-se eclética…………………………………………………….. 40
1.4 Em busca do próprio espaço……………………………………………. 46
CAPÍTULO II
O Modelo Previdenciário Brasileiro e a Organização das Políticas
Neoliberais: o jogo da resistência diante das metamorfoses do outro..
49
2.1 Breve histórico da previdência social no Brasil (1923 -1960)……… 52
2.2 A publicação da LOPS e o modelo previdenciário no governo
militar (1960 -1980)………………………………………………………….. 59
2.3 O neoliberalismo e sua difusão na previdência social (1980-1990) 70
2.4 A Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos
Campos: A resistência na relação com seu outro………………………...
77
CAPÍTULO III
A (re)Organização da Identidade da Associação de Aposentados e
Pensionistas de São José dos Campos…………………………………….
93
3.1. Adotando um conceito de identidade………………………………..
95
3.2. Coesão do grupo: experiências compartilhadas……………………
107
3.3. A influência dos projetos na organização identitária……………..
117
3.4. Poder local: Alianças e estratégias para a sobrevivência do
grupo……………………………………………………………………...
133
Considerações finais…………………………………………………………. 140
Referências Bibliográficas…………………………………………………... 145
9
SIGLAS
AAPSJC - Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos
CAPs - Caixas de Aposentadorias e Pensões
CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas
COBAP - Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas
CONCLAT - Congresso Latino-Americano de Trabalhadores
Federação - Federação de Aposentados e Pensionistas de São Paulo
FGTS - Fundo de Garantia Por Tempo de Serviço
IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões
INPS - Instituto Nacional de Previdência Social
LOPS - Lei Orgânica da Previdência Social
MOP - Movimento dos Aposentados e Pensionistas
PRN - Partido da Renovação Social
PSDB - Partido Social Democrata Brasileiro
SUS - Serviço Único de Saúde
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NOTAS INTRODUTÓRIAS
Este é um estudo sobre a história da Associação de Aposentados e
Pensionistas de São José dos Campos (AAPSJC), no qual problematizou-se
a formação da identidade e a resistência do grupo. Uma Associação que,
embora constituída por aposentados, difere-se das associações voltadas para
o lazer, tão divulgadas atualmente.
Nos últimos anos, vem-se constatando a busca pelos aposentados de
maior participação na sociedade por meio da inserção em grupos
geracionais. A observação empírica aponta, a proliferação de universidades,
cursos, centros e programas de turismo voltados para a Terceira Idade.
Não se pode negar uma tendência cultural geral dos aposentados das
camadas médias (independentemente do estágio de desenvolvimento
econômico do país) de procurarem formas criativas para recuperar sua auto-
estima. O cuidado com o corpo e o lazer tem se apresentado como alternativa
para os idosos das camadas médias - o que conseqüentemente, possibilita a
formação de novos grupos identitários.1 No entanto, as mudanças culturais
ocorridas nas sociedades contemporâneas não têm sido acompanhadas por
melhorias na situação econômica da massa da população idosa,
especificamente daqueles dependentes da previdência pública. Por isso,
Eneida Haddad alerta para os perigos da generalização.
Tomar a juventude, a velhice, a vida ou a morte, sem
considerar as diferenças é cair nas tramas da
universalidade abstrata. Entretanto, os propalados
‘programas para idosos’ repousam em pressupostos a-
históricos. A questão social da velhice é formulada
desconsiderando os fundamentos materiais de sua
existência, vista como ameaça que paira igualmente
sobre todos os homens, independentemente do lugar
que ocupam no processo produtivo. Há por detrás, o
MODELO, o esquema da homogeneidade (1991:15).
1 Utilizando-se do conceito exposto por Carlos Rodrigues Brandão “... as identidades são
representações inevitavelmente marcadas pelo confronto com o outro...mais do que isto, não
apenas o produto inevitável da oposição por contraste, mas o próprio reconhecimento social da
diferença” (1986:42). Grifos do autor.
12
A discussão a respeito da validade e da abrangência dos programas
voltados para o que tem sido chamado de Terceira Idade, embora
interessante, não integra a preocupação do presente trabalho, centrado na
organização política dos aposentados. Por isso, embora relativo ao processo
do envelhecimento, ele não se propõe ensinar como ter uma velhice feliz e
saudável. Não aborda as misérias do corpo na velhice ou os programas que
pregam um envelhecimento sem doenças, mas está atento ao
envelhecimento sem cidadania. Pretende ir além da crise de auto-estima por
que passa o aposentado, saltando para a crise de identidade desta categoria
identificada com a pobreza.
Criada no âmbito do Movimento de Aposentados e Pensionistas, a
AAPSJC tem como propósito a união dos aposentados e pensionistas de São
José dos Campos em torno da melhoria dos benefícios pecuniários por eles
recebidos. Em outras palavras, sua luta está intimamente ligada às
questões relacionadas à melhoria do padrão de vida do dependente da
previdência pública no Brasil.
O corte temporal iniciado em 1983, quando ocorreu a fundação da
entidade, estendeu-se até 1991, ano da inauguração de sua sede própria.
Observe-se ainda que este ano foi marcado por um novo cenário na política
previdenciária decorrente do governo de Fernando Collor de Mello, iniciado
no ano anterior. 2
A história da Associação é curta, porém dentro de poucos anos,
fundadores e primeiros associados estarão impossibilitados de dar seus
depoimentos. Aliando esta constatação ao raciocínio de Foucault (1979), de
que o presente por si não se explica, acredita-se ser importante recorrer ao
passado da entidade, a fim de contribuir para a definição de suas formas de
luta diante de um futuro incerto.3 Houve, portanto, a intenção de pensar o
passado da AAPSJC, tendo em vista a aplicação das políticas públicas
2 A discussão em torno do neoliberalismo no Brasil tem se aprofundado nos últimos anos. Dentre os
autores que discutem o tema estão Francisco de Oliveira (1996), que em seu texto Neoliberalismo à
Brasileira, aponta o governo Sarney como marco para a aplicação das políticas neoliberais no
Brasil. Sader (1996), Sola (1993), Kuntz (1993) e Draibe (1988). 3 Nesta obra Foucault discute a importância da análise genealógica, onde o passado é compreendido
a partir de uma preocupação do presente.
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neoliberais no Brasil, para que novas alternativas sejam criadas por esse
grupo, por outros grupos e por outros pesquisadores, ao vislumbrarem o
tenebroso futuro que está se delineando para os movimentos sociais e para
os dependentes da previdência social. Muita pretensão? Talvez. Mas assim
como centenas de outros iniciantes (ou não) na arte do pensar sobre, a
insegurança diante do futuro levou a investigadora recorrer ao passado.
Morto nos documentos, vivo na memória.
Para facilitar a compreensão do objeto, os objetivos foram
esquematizados em tópicos e permearam a pesquisa do começo ao fim, para
não se perder de vista o que se buscava:
Conhecer as origens da Associação de Aposentados e
Pensionistas de São José dos Campos, interior de São Paulo.
Relacionar a história da Associação com o contexto maior, da
organização da previdência pública brasileira, no período entre
1983 e 1991.
Compreender a formação da identidade do grupo ao longo de
sua história e as formas de resistência encontradas por ele
para se manter.
A pesquisa direcionou-se então, para a investigação da identidade de
uma associação que foi criada em um período determinado, num local
determinado e por certos indivíduos. O texto de Benjamin ilustra a
percepção da história desta entidade como algo que ultrapassa o tempo
linear ... “A história é objeto de uma construção cujo lugar não é o tempo
homogêneo e vazio, mas um tempo saturado de ‘agoras’ ” (1994:229-30).
A fim de nortear os rumos da investigação, algumas hipóteses foram
formuladas. É importante esclarecer que, embora sempre presentes, elas
estiveram longe de se constituir em campo restritivo para análise, mas
representaram uma referência para o desenvolvimento da pesquisa.
Naturalmente, sofreram algumas modificações periféricas com o decorrer da
investigação. Principalmente após as enriquecedoras leituras relativas à
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questão da resistência e do projeto como constituinte da identidade. Porém,
na essência, mantiveram o projeto inicial.
O grupo em estudo forjou uma identidade própria no período entre
1983 e 1990. Esta foi influenciada por vários fatores, internos e externos a
ele, tais como:
memória do grupo, acumulada a partir da convivência e do
compartilhamento de experiências;
relação com o poder local, onde as estratégias e táticas de
barganha foram criadas e recriadas;
organização central do Movimento de Aposentados e
Pensionistas.
Ao privilegiar a memória e os projetos da entidade, analisou-se a
formação identitária sob dois prismas: o passado e o futuro. O primeiro,
trazendo as experiências compartilhadas como ponto de união. O segundo,
compreendendo as estratégias definidas como organização de luta e
sobrevivência futuras. Estudando os arranjos e relações com o governo local,
enfocou-se a resistência do grupo como esforço para manter-se enquanto
entidade representativa de uma categoria tão desunida.
O leitor provavelmente indagará: - Por quê identidade e resistência?
Porque sem uma não há outra. Sem saber o que somos e o que queremos,
motores da identidade, dificilmente saberemos o que poderíamos ser, ponto
básico para a resistência.
No dicionário Aurélio o termo resistência é assim explicado:
“ Ato ou efeito de resistir. Força que se opõe a outra,
que não cede a outra. Luta em defesa. Defesa. Fig.
Oposição ou reação a uma força opressora. Embaraço,
obstáculo, empecilho. Fig. Vigor moral; ânimo”.
Interessantes caminhos vão se delineando ao refletir sobre a
resistência de um grupo de idosos. Em uma análise menos cuidadosa o
objeto de pesquisa não estaria associado ao termo. Perguntas surgiram em
torno do tema. Como pode o idoso se constituir em “força que se opõe e não
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cede a outra”? Quais as armas dos aposentados para exercer a “oposição a
uma força opressora”? E mais, como podem causar “embaraço” e ser um
“empecilho” se o que lhes falta é justamente “vigor moral e ânimo”?
Questões como essas estiveram sempre presentes.
A abordagem dada ao objeto não se restringiu à histórica, não só
pela própria formação da pesquisadora em Ciências Sociais, mas também
por escolha voluntária. Fizeram parte da construção do trabalho, além de
historiadores, olhares de economistas, sociólogos, antropólogos e até
psicólogos.
Não se pretendeu aqui seguir uma conduta rígida com relação à
construção metodológica, uma vez que foram adotados autores de diversas
linhas metodológicas, e mais ainda, a construção do objeto esteve
permanentemente atrelada à análise indutiva. Mesmo correndo o risco da
incoerência de métodos, optou-se por trabalhar autores diversos como David
Harvey, Michel de Certeau, Boaventura de Sousa Santos, Michel Foucault,
Marilena Chauí, Maurice Halbwachs, entre outros.
A partir de um objeto restrito, com características monográficas,
pretendeu-se caminhar para um campo mais amplo, inserindo este objeto
em uma realidade em transformação. Tentou-se evitar, como coloca Jobson
de A. Arruda, o soterramento do “porquê” em privilégio do “como”. Ou ainda,
“no lugar de uma grande história, pequenas e variadas histórias”(Arruda,
s/d: 8). Uma dificuldade se apresentou como conseqüência desta opção:
Como perceber no objeto, a resistência cotidiana e os
traços de políticas sociais e econômicas tão amplas,
fruto de mudanças que estão sendo realizadas
mundialmente?
Optou-se por recorrer a pesquisadores que trabalham atualmente
com a questão da globalização e das políticas neoliberais. O trabalho em
construção encontrou então alguns pilares onde se ancorar. Boaventura de
Sousa Santos, David Harvey, Emir Sader, Pablo Gentili, Viviane Forrester,
entre outros. Para a análise específica da resistência, recorreu-se à Marilena
Chauí, Michel de Certeau, Flávia Shlilling, Michel Foucault, e outros. A
16
reflexão em torno da questão da memória e identidade contou com o
trabalho de Pierre Nora, Michel Pollack, Maurice Halbwachs, Leví Strauss,
Gilberto Velho e Luci G. Pietrocolla.
Buscou-se, assim, fazer uma análise mais ampla da história da
Associação, conferindo a ela o movimento de ampliação e contração do foco,
trabalhando a subjetividade (como identidade e resistência), inserida no
contexto de transformações políticas e econômicas. Conforme escreveu
Arruda ao refletir sobre um nova história.4
Uma nova hermenêutica incorpora novas estratégias de
aproximação com o passado, incorporando o novo valor
da subjetividade humana e, sem perder de vista os
fenômenos estruturais, as classes, os grupos, as formas
coletivas de vida, incorporar a descontinuidade, a
quebra das relações entre auto-conhecimento e auto-
interpretação das pessoas e das circunstâncias de suas
vidas, ruptura esta que deveria ser observada e
interpretada pelos historiadores, transcendendo o
horizonte cultural do passado (Arruda. S/d:21).
No primeiro capítulo, o leitor encontrará um levantamento histórico
da Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos de
1983 a 1990. O objetivo deste capítulo foi levar o leitor a conhecer a
formação da entidade no seio do Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos,
Mecânicos e Material Elétrico de São José dos Campos, Jacareí, Caçapava e
Santa Branca. O capítulo traz também o contexto do Movimento de
Aposentados e Pensionistas que levou a formação das associações, dentre
elas, aquela que é o objeto da investigação.
O segundo capítulo trata da trajetória da previdência social
brasileira de 1923 a 1980 baseada em bibliografia específica, e das formas de
resistência encontradas pela Associação para se manter diante das novas
políticas sociais adotadas já no início dos anos 90. Procurou-se neste capítulo
relacionar as transformações ocorridas mundialmente com as
transformações da previdência pública brasileira.
Com o objetivo de melhor compreender as estratégias de
sobrevivência do grupo, o último capítulo foi dedicado aos fatores
4 Não confundir com a História Nova.
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constituintes da identidade da Associação. Trabalhou-se as relações com o
poder local como forma de manutenção do grupo. A memória e os projetos
para o futuro, foram analisados como pilares para a coesão do mesmo diante
da força exercida pelo governo federal, representado pela previdência.
Procedimentos Técnicos
Por se tratar de uma investigação norteada por tema e período
definidos, decidiu-se utilizar recursos da história oral temática.5 Os detalhes
pessoais do depoente interessaram à medida em que se revelaram
importantes à temática principal e as especificidades foram buscadas nas
generalizações.
As entrevistas ofereceram a dimensão viva da memória para a
pesquisa histórica, no entanto, os depoimentos orais, conforme suas
características, apresentaram forte carga de subjetividade tanto por parte
da fonte quanto do pesquisador, em todas as fases da pesquisa. Como o
objetivo não foi fazer um trabalho biográfico, não se permaneceu restrito aos
depoimentos. Além disso, a história oral se mostrou particularmente
instigante quando se intentou trabalhar com lacunas deixadas pelos
documentos. Procedeu-se então à análise da documentação escrita
produzida pela Associação e de registros jornalísticos encontrados na
imprensa local entre 1983 e 1991.
O periódico selecionado para a investigação foi “O Valeparaibano”,
um dos jornais de maior tiragem no Vale do Paraíba na época. Alguns
critérios pesaram na escolha deste diário: o fato dele não ter sofrido
interrupção no período definido e possuir um arquivo completo e em bom
estado de conservação. Não foram analisadas matérias jornalísticas
relativas ao posto regional do INSS, impertinentes ao tema central.
As seções pesquisadas foram:
5 De acordo com Meihy (1996) esta modalidade de história oral parte de um tema preestabelecido e
específico. Busca então a versão do narrador a respeito de um período ou fato delimitado pelo
pesquisador.
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“Carta do leitor”: a fim de conhecer as possíveis declarações
espontâneas feitas pela AAPSJC.
“Local”: onde se encontram notícias relacionadas especificamente ao
município.
“Regional”: para investigar notícias referentes às associações co-
irmãs da região e a ascendência da AAPSJC sobre elas.
“Editais”: para tomar conhecimento dos editais de convocação de
assembléias ou eventos afins.
Vale mencionar que a proposta original da pesquisa não incluiu a
análise ideológica do discurso da imprensa. Mesmo assim, foi realizada
entrevista com Gilberto Martins, gerente do Centro de Documentação
(CEDOC) do referido jornal, com o fim de captar a linha ideológica, as
origens do jornal e seu atrelamento político.
Documentos como Estatuto, livro de Atas, fichas de filiação, entre
outros, constituíram-se fontes importantes para a pesquisa.6 Permitiram
que fosse construído o quadro de datas, nomes e normas de funcionamento,
que deu suporte às entrevistas, além de possibilitarem um aprofundamento
maior em torno dos objetivos e pontos de discussão dos primeiros
integrantes do grupo.
Não se pretendeu, em nenhum momento, garantir a objetividade
absoluta da investigação, mas o reconhecimento e, conseqüentemente, o
maior controle da própria subjetividade e das fontes utilizadas. Acredita-se
que o reconhecimento da interferência do pesquisador foi fundamental para
a realização da pesquisa. Maria Isaura Pereira de Queiroz dá sua
6 Todas as fontes foram submetidas à análise de coerência interna e externa. De acordo com
Thompson, a análise de coerência interna da entrevista é efetuada mediante a leitura desta como
um todo, a fim de que o pesquisador possa perceber as contradições do texto. O mesmo
procedimento pode ser adotado para outras fontes. “Toda supressão ou invenção de monta
ocasionará incoerências, contradições e anacronismos extremamente óbvios, especialmente se a
entrevista durar por mais de uma sessão” (1992:306).
A análise de coerência externa é um dos procedimentos que diminui os riscos de utilização de
depoimentos inverossímeis e implica na conferência destes com outras fontes (cf. Tompson,
1992:307).
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contribuição para a discussão em torno da interferência pessoal do
investigador, revelando-a como um exercício de individualidade e reflexão:
O termo ‘subjetivo’ exprime o sujeito pensante em sua
individualidade, naquilo que lhe é próprio e que,
compondo uma das matrizes de sua experiência de
vida, forçosamente interfere em suas interpretações,
em sua imaginação, em seus julgamentos; todo o
conhecimento que adquire ao longo da existência
estaria, assim, fortemente marcado pela contingência e
pelo arbitrário de suas condições peculiares. Todo
conhecimento captado através da subjetividade, isto é,
daquilo que compõe o íntimo de um indivíduo e a que
ele está mais efetivamente ligado, traria a marca do
único e do incomunicável (1991:51).
Pode-se perceber, a partir deste trecho que a subjetividade, enquanto
experiência própria e individual, traz não apenas benefícios à ciência, mas é
o próprio agente causador da pluralidade de olhares sobre o passado e o
presente de uma sociedade ou instituição.
Ao abordar um tema contemporâneo, relativo à identidade de um
grupo formado por aposentados, a história oral apresentou instrumentos que
puderam ser utilizados na análise do objeto. “A elucidação das origens é um
dos elementos básicos do processo de construção de identidade, quer se trate
de uma empresa, uma instituição ou uma nação” (Motta,1994:70). Acredita-
se que este processo se torna ainda mais claro se os próprios membros
trabalham suas memórias com o objetivo de elucidar a origem do grupo,
mesclando passado e presente em suas falas.
Vale ressaltar ainda que o estudo em questão não teve como objetivo
investigar o Movimento de Aposentados e Pensionistas no Brasil, mas abrir
um outro enfoque de observação, que é o desdobramento deste Movimento
em uma cidade do interior paulista. Seu compromisso também não esteve
em conhecer os líderes nacionais, mas os pioneiros do movimento na cidade,
que construíram uma entidade que se mantém em crescimento até os dias
atuais.
O trabalho da memória dos depoentes foi acompanhado e registrado,
porém não foi analisado porque a pesquisa restringiu-se a captar seu sentido
20
social e, conseqüentemente, sua contribuição para a história da Associação e
do Movimento de Aposentados e Pensionistas. Conforme coloca Sebe Bom
Meihy:
Como pressuposto, a história oral implica uma
percepção do passado como algo que tem continuidade
hoje e cujo processo histórico não está acabado. A
presença do passado no presente imediato das pessoas
é razão de ser da história oral. Nesta medida, a história
oral não só oferece uma mudança para o conceito de
história, mas, mais do que isto, garante sentido social à
vida de depoentes e leitores que passam a entender a
seqüência histórica e a sentirem-se parte do contexto
em que vivem (1996:10).
Os discursos dos primeiros integrantes da Associação possibilitaram
a percepção de correntes políticas, rivalidades internas, embates, conchavos
e acordos, muitas vezes imperceptíveis nos documentos escritos. Estes traços
invisíveis nas Atas de reuniões, Estatutos, listas de presenças de
assembléias e demais documentos produzidos pela entidade, puderam
tornar-se mais claros nas falas dos colaboradores. Bem como as estratégias
diante do poder local, puderam transparecer nos depoimentos. Conforme
Ferreira:
Ainda que objeto de poucos estudos metodológicos mais
consistentes, a história oral, não como uma disciplina,
mas como um método de pesquisa que produz uma
fonte especial, tem-se revelado um instrumento
importante no sentido de possibilitar uma melhor
compreensão da construção das estratégias de ação e
das representações de grupos ou indivíduos em uma
dada sociedade (1994:12).
Optou-se pela coleta de depoimentos entre os integrantes da
AAPSJC que participaram da formação e dos primeiros 8 anos de vida do
grupo. Esta opção foi feita, principalmente por se tratar aqui de um estudo
de história recente, o que possibilitou o contato com parte dos fundadores da
entidade que ocuparam cargos na diretoria ou associados que se filiaram até
1991.
Outros depoimentos foram tomados entre pessoas que não fizeram
parte da Associação, mas que estiveram presentes nos seus primeiros oito
anos de funcionamento. Como José Luiz Gonçalves, na época secretário
21
geral e, posteriormente, presidente do Sindicato dos trabalhadores
Metalúrgicos, Mecânicos e Material Elétrico de São José dos Campos, ao
qual a Associação esteve atrelada até 1986, quando tornou-se eclética.
O depoimento de Nelson Marchesini, secretário da Federação de
Aposentados e Pensionistas de São Paulo no período estudado, também foi
tomado, visto que a AAPSJC esteve presente nas reuniões mensais da
Federação e nos Encontros Estaduais promovidos pela entidade. Estes
depoimentos serviram como apoio na percepção da relação travada entre
Federação e a Associação e, da influência da direção central do Movimento,
na formação da identidade do grupo. Ao todo, 20 entrevistas foram
realizadas: 18 com membros da Associação e duas com representantes da
Federação e Sindicato.
A princípio, delimitou-se um objetivo específico para cada fonte,
porém, para surpresa da investigadora, com o correr da pesquisa houve
intercâmbio entre os temas norteadores de cada uma delas, delineando-se
assim uma complementaridade das fontes.
Um roteiro temático norteou as entrevistas gravadas. Os
depoimentos foram transcritos, para que possibilitassem à pesquisadora um
segundo contato com eles, de forma mais aprofundada e para que o
arquivamento e manuseio fossem facilitados. O roteiro foi fundamental e
serviu para o estabelecimento de uma conversação continuada e uma
exploração maior a respeito do tema específico da pesquisa.
Em uma seleção seguinte, uma segunda cópia foi recortada
(anotando-se, evidentemente, as referências do informante e a data da
entrevista) e arquivada de acordo com sub-temas que obedeceram o roteiro.
A partir daí, depois de cuidadosas leituras, os temas básicos do trabalho
foram sobressaindo, tornando possível a construção das categorias.7
7 A princípio surgiram 13 categorias comuns às três fontes. No caso das entrevistas, surgiram mais
do que as 13 básicas (identificadas então por símbolos). Depois do estudo mais detalhado, estas
puderam ser agrupadas em 3 grandes grupos que obedeceram a ordem dos objetivos: - História da
Associação. - Previdência Social. - Identidade.
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No que diz respeito à documentação produzida pela Associação,
primeiramente foi selecionada e arquivada de acordo com sua natureza e
destino como, por exemplo, Estatutos, cartas enviadas, Atas e documentos
relativos à participação em Congressos e Encontros, etc. Em uma fase
seguinte, os documentos passaram por nova triagem, de acordo com sub-
temas (13 categorias, cada uma identificada com uma letra) como relações
com políticos locais, participação na comunidade, construção da sede
própria, finanças, convênio médico, relacionamento com as centrais do
Movimento, relacionamento com o governo federal, etc. Assim como nos
depoimentos, os trechos mais significativos do ponto de vista da questão
central, foram destacados e analisados.
As matérias jornalísticas referentes à Associação no período definido
foram xerocopiadas e passaram primeiramente por uma triagem. Em uma
segunda etapa, os artigos selecionados foram fichados e arquivados de
acordo com as 13 categorias pertinentes ao tema central.
É fundamental esclarecer que para o manuseio das duas últimas
fontes foram elaboradas fichas de referência contendo dados básicos como
fonte, data, autor, sinopse do assunto tratado e observações. Estas fichas
serviram como referência para o cruzamento das fontes e para
complementação de umas às outras. As fichas de cada fonte tiveram
anotações com cores diferentes. Desta forma, evitou-se a confusão das
mesmas no momento de devolvê-las nos respectivos arquivos.
O trabalho está concluído (ou melhor, está iniciado). Percebe-se que
novos olhares foram lançados. O objeto deixou de constituir-se enquanto tal
e passou a ser parte do criador. Os caminhos foram tortuosos. A escassez de
bibliografia específica foi contrabalançada pela vontade dos entrevistados de
falar sobre seus temores e suas incertezas diante de uma previdência que
assume outros contornos com o passar do tempo. Sentiu-se em suas falas a
vontade de gritar com a energia própria da indignação.
Depoimentos como os que foram coletados serviram de estímulo
para a continuidade do trabalho. Percebia-se na entonação de voz, no olhar,
23
na emoção e, porque não, nas lágrimas contidas em certos momentos, que
existe uma parcela da população como o sr. Filippo, dona Anselma, sr.
Costantino e muitos outros, que está dizendo a todo momento “olhe para
mim, olhe para você. Veja no passado o que será o seu futuro.”
Não tenho a intenção aqui de colocar as mazelas e dores do trajeto
da pesquisa, porque os estudantes e aqueles que não o são, de uma maneira
ou de outra, passaram pelas dificuldades do processo criativo. Gostaria de
falar um pouco de paixão. Não o sentimento com o qual lidamos na condição
de seres humanos, mas sim na condição de aprendizes da ciência. A paixão
da qual falo é aquela pelo objeto de pesquisa. Este sentimento permeou todo
o trabalho e, creio que sem ela, as dificuldades não teriam sido superadas.
Foi ela, e só ela, quem permitiu a conclusão do trabalho. Para fazer
uma revolução? Não. Para exercer e mostrar uma forma de resistência. A
paixão esteve presente em todos os momentos, desde a escolha do tema (que
foi feita há 14 anos atrás) até os momentos finais. Com ela, as leituras
deixaram de ser tão árduas, a pesquisa de campo tornou-se prazerosa e as
horas (dias, meses...) de reflexão e descobertas foram atraentes momentos
para o exercício dos vários olhares possíveis no momento, sobre o objeto. Por
isso, os empecilhos se fizeram presentes em todas as fazes da pesquisa,
porém nenhum obstáculo foi tão grande a ponto de ofuscar o prazer das
descobertas.
Os limites existem. O limite do tempo, teórico, bibliográfico,
metodológico.... contudo, não são vistos como muros ou cercas, que impedem
o “conhecer mais”. Pelo contrário, são entendidos como portas, portões
abertos para a reflexão e para a superação. Na medida em que estes forem
sendo percebidos pelo leitor, novas questões irão se delineando em torno do
tema. É isso que desejo: provocar um pensar sobre. A partir do momento em
que se torna público o próprio exercício, chama-se a atenção para uma
questão pouco difundida pela mídia e pelo mundo acadêmico, porém de
fundamental importância para o trabalhador, a aposentadoria. E isso trás
uma satisfação enorme.
24
Nos anos 80 e começo dos 90 o grito dos personagens foi mais
ouvido. Hoje, o alto escalão do governo mal recebe seus representantes. A
reforma da previdência social em trâmite no Congresso prega o gasto
mínimo com os aposentados. Outras formas de luta estão sendo estudadas,
outras estratégias são pensadas para fazer frente ao poder neoliberal.
Conseguirão? A resposta fica para o amanhã.
25
Capítulo I
A ASSOCIAÇÃO DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS DE
SÃO JOSÉ DOS CAMPOS: UM POUCO DE HISTÓRIA
“Os que vieram antes de mim, os que são
bons, os que são velhos, aprenderam tudo
que é minha vez de aprender.
Eles sabem o que eu não sei. Conhecem o
que é o bem e o que é o mal, e o que se deve
fazer e o que se não deve.
Os que vieram antes de mim hão de me dar
conselhos e hão de me citar exemplos.
E, em vez de fazer como os rebeldes, que
riem da sabedoria e desobedecem, hei de
atender ao que me disserem e hei de refletir
sobre isso.
E quando for a minha vez de saber, hei de
aconselhar também os que vierem depois de
mim.”
Criança Meu Amor, Cecília Meirelles
26
1.1 A Relação com o Sindicato
A Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos
está inserida na 4a região8 do estado de São Paulo, contando hoje com 18
Associações. Destas, 17 são ecléticas9 e uma representa única categoria
profissional. É a maior e mais antiga do Vale do Paraíba.
Atualmente as Associações de Aposentados e Pensionistas que
compõem a 4a região são as dos municípios de: Poá, Jacareí, Mogi das
Cruzes, Taubaté, Ubatuba, Lorena, Tremembé, Caçapava,
Pindamonhangaba, Suzano, Guaratinguetá, Campos do Jordão, Queluz,
Caraguatatuba, Guarulhos, Cruzeiro e São José dos Campos. Todas
ecléticas. A única exceção é a “Associação dos Papeleiros Aposentados de
Mogi das Cruzes, Suzano e Região”, que representa apenas esta categoria
profissional.
A Associação estudada foi fundada no referido município em 19 de
dezembro de 1983. A iniciativa da criação da entidade partiu de um grupo
de metalúrgicos aposentados e da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores
Metalúrgicos, Mecânicos e Material Elétrico de São José dos Campos,
Jacareí, Caçapava e Santa Branca, que localizava-se à rua Maurício
Diamante no 65, Jardim Matarazzo. Por isso denominou-se Associação dos
Trabalhadores Metalúrgicos, Aposentados e Pensionistas de São José dos
Campos, Jacareí, Caçapava e Santa Branca. Funcionou nos primeiros anos
no prédio do próprio Sindicato, que fornecia aos primeiros diretores da
entidade a infra estrutura necessária para o início de suas atividades.
Depois de alguns meses passou à rua Joaquim Freire no 32, para,
posteriormente, voltar à rua Maurício Diamante, onde ocupou uma
8 De acordo com o Conselho Regional da Federação de Aposentados e Pensionistas, a 4a região
compreende Vale do Paraíba, Litoral Norte, Alto e Baixo Tietê e Região Serrana, somando um
total de 300 mil aposentados e pensionistas. Atualmente é a maior do estado de São Paulo. 9 As entidades consideradas ecléticas são aquelas que não estão vinculadas a uma única categoria
profissional, estando, portanto abertas a profissionais aposentados e pensionistas de todos os
setores da economia.
27
residência térrea.10 Deste endereço a Associação saiu para ocupar sua sede
própria em 1990. Com exceção da sede própria, todos os outros prédios
anteriormente ocupados eram de propriedade ou alugados pelo Sindicato.
Inicialmente, o principal objetivo da Associação era analisar os
benefícios recebidos por seus associados e abrir processos contra a
previdência social, nos casos de erros de cálculos que pudessem prejudicar o
aposentado. Segundo o capítulo 1 do primeiro estatuto, a Associação foi
criada...
...para fins de estudo, coordenação, proteção e
representação legal dos aposentados metalúrgicos
perante ao Instituto Nacional de Previdência Social e
demais órgãos públicos e associações, no sentido de
solidariedade e promoção social dos representados
(capítulo 1o dos estatutos de 25/01/1984).
Foi impossível pensar o surgimento da AAPSJC sem inseri-la no
Movimento de Aposentados e Pensionistas (MOP), que se delineou nos anos
80. Eneida Haddad (1991) esclarece que o Movimento surgiu dos limites
impostos pela previdência à categoria. Oriundos das fileiras do sindicalismo,
em sua maioria, os dirigentes das primeiras Associações de Aposentados e
Pensionistas no Brasil ergueram a bandeira de luta contra a política
previdenciária.
Com a unificação do sistema previdenciário brasileiro,
não há mais espaço para os embates fragmentados com
o Estado. No passado, a ação reivindicatória dos
segurados era fracionada por categorias, de sorte que
as mais combativas conquistaram melhores coberturas
previdenciárias como, por exemplo, os ferroviários, os
marítimos e os bancários. No presente, somente um
movimento global de defesa do interesse de todos os
atingidos pela ‘crise’ da Previdência Social seria capaz
de negociar com o Estado, não mais a ampliação dos
benefícios e serviços, mas a qualidade dos mesmos
(Haddad, 1991:100).
Trabalhou-se a história da Associação como incluída em um
Movimento muito mais amplo de resistência às medidas de achatamento
promovidas pela previdência social. No início dos anos 80, São José dos
10 Não foi encontrado nenhum registro referente aos períodos de permanência da Associação nos
endereços mencionados.
28
Campos foi uma das várias cidades que viveram o surgimento destes novos
agentes de mudança: os aposentados.
A Associação surgiu posteriormente a um processo de aproximação
do Sindicato com seus associados aposentados iniciado em 1981. Pode-se
dizer que três fatores básicos propiciaram a agremiação dos fundadores da
Associação:
1. Iniciativa da diretoria empossada em 1981 de reintegrar os
aposentados da categoria ao Sindicato.
2. Pressão por parte dos aposentados que se percebiam à margem
dos serviços oferecidos e das atividades políticas do Sindicato.
3. Deliberação do CONCLAT da Praia Grande (SP) de apoio às
Associações de Aposentados e Pensionistas.
Ary Russo, presidente do Sindicato empossado em 1981, chamou a si
a responsabilidade de reintegrar os aposentados ao Sindicato durante sua
gestão. Segundo depoimento do secretário geral na época, José Luiz
Gonçalves,11 esta diretoria de oposição à anterior, assumiu o comando do
Sindicato em 1981 com propostas de mudança.
Então nós encontramos no sindicato uma
situação...interessante. Primeiro que os trabalhadores,
quando eles perdiam o emprego se eles fossem sócios do
sindicato, eles não tinham mais nenhum apoio sindical.
Nós entendíamos o contrário. Quando eles perdiam o
emprego, por qualquer motivo, greve ou demissão
comum, eles tinham que ter o apoio do sindicato,
porque era o momento em que eles mais precisavam do
sindicato. Outra situação interessante que nós
encontramos, foi que o aposentado metalúrgico não
poderia ser mais sócio do sindicato. Enquanto ele
contribuía com o sindicato ele poderia ser sócio, se
aposentando, ele passaria a ser um inativo. Um
metalúrgico, mas não na ativa. Ele também não
poderia ser mais sócio do sindicato. Então uma das
decisões que nós tomamos foi de mudar essas coisas...
Então essa decisão de apoiar os aposentados, ela vem
imbuída no grupo de oposição. Não era a principal
bandeira do Movimento, mas estava dentro das
11 José Luiz Gonçalves assumiu a presidência do Sindicato nas duas gestões seguintes (1983 a 1985 e
1986 a 1988).
29
bandeiras do Movimento esse apoio. Tanto é que
crescem imediatamente após a tomada de posse do
sindicato, entre 81 e 82 (José Luiz Gonçalves - ex-
secretário Geral e ex-presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos).
Foi possível compreender com isso, que havia uma preocupação da
diretoria com este contingente de metalúrgicos que se colocava à margem do
sindicato com o advento da aposentadoria.
Outros depoimentos revelaram que os próprios sindicalizados
aposentados sentindo-se marginalizados pela diretoria, exerciam pressão
sobre ela. Vale ressaltar que o Sindicato na época já havia se consolidado
como o mais estruturado da região, oferecendo aos seus associados convênios
com farmácias e médicos, colônia de férias e demais serviços. O aposentado,
ao ser privado destas vantagens, sentia-se traído pela diretoria. Por ter
contribuído durante anos e permanecer à margem dos benefícios, sofria uma
queda de status diante de seus colegas e familiares.
Eu falei: não, tem direito. Por que não? e os que
estavam aposentados também não tinham. O Zezinho
(José Luiz Gonçalves),12 não sei se você conhece o
Zezinho, que era presidente do Sindicato, não da
Associação, do Sindicato. Eu cheguei e falei com ele, aí
ele pôs também. Nós reclamamos disso aí. O que, o
aposentado aposentou acabou? Eu acho que isso aí tá
errado. Nós temos o direito, nós somos aposentados.
Aposenta mas tem o direito de qualquer coisa, não digo
outros tipos de coisa.... mas de ocupar de alguma coisa,
como festa, colônia de férias, médico, né. Então nós
temos tudo isso aí, apesar de eu nunca ter usado. Mas
nós temos o direito. Fazia a mesma coisa que o governo,
aposentou, ele quer jogar fora (João Silvestre de
Souza).
Outro fator que também influenciou a aproximação entre o Sindicato
e os aposentados da categoria foi a decisão das Centrais Sindicais na época,
de divulgar e apoiar as associações que estavam surgindo nos primeiros
anos da década de 80.
O Congresso que nós participamos da CONCLAT, que
precedeu a CUT, também tinha no seu bojo o apoio aos
aposentados e a criação de Associações de Aposentados.
Então o Congresso, na verdade, foi uma decisão que
12 Parênteses meus.
30
ocorre até hoje e as pessoas não percebem muito, mas o
Congresso às vezes consolida idéias e decisões já
tomadas. Então o apoio aos aposentados se consolidou
após o CONCLAT e depois no Congresso da CUT, mas
ele se consolidou em base de decisões já tomadas pelo
nosso Movimento (José Luiz Gonçalves - ex- secretário
Geral e ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos).
Os aposentados, afastados do sindicato, foram então procurados pela
diretoria e uma nova carteirinha13 lhes foi entregue bem como, os direitos
foram restituídos, inclusive de participação em Assembléias. Apesar desta
aproximação, as reivindicações do Sindicato mantiveram-se voltadas para os
trabalhadores da ativa.
Por outro lado, o MOP ampliava seu campo de ação e, embora
Centrais como COBAP e Federação ainda não tivessem sido fundadas na
época, Associações de Aposentados e Pensionistas já estavam em
funcionamento em vários municípios, principalmente da Grande São
Paulo14. Vale mencionar que metalúrgicos aposentados de São José dos
Campos tomaram conhecimento do Movimento e estabeleceram relações com
Associações de outros municípios. As mais mencionadas entre os
entrevistados foram as de Santos, de Santo André e de Osasco. Estes
contatos foram fundamentais para a criação da Associação de São José dos
Campos. Depoimentos revelaram que as primeiras reuniões se realizaram
na própria sede do Sindicato por volta de 1981 e 1982.15
Com o início das reuniões, os objetivos do grupo foram se definindo.
A assistência permanente do sindicato a este núcleo incipiente foi percebido
por alguns informantes como uma “jogada tática” da diretoria.
Essas reuniões eram na gestão do Ary Russo e já tinha
o apoio do sindicato. O Ary Russo inteligente, foi
excelente. O sindicato queria o seguinte, eles queriam...
13 A carteirinha de identificação do aposentado constava o termo “remido”, o que significava isenção
de pagamento de mensalidade. 14 Importante deixar claro que a Federação dos Aposentados e Pensionistas do Estado de São Paulo é
constituída por Associações de Aposentados e Pensionistas, ou departamentos sindicais de
aposentados e pensionistas em atuação nos diversos municípios do estado de São Paulo. Da mesma
forma, a Confederação Brasileira de Aposentados e Pensionistas (COBAP) é constituída pelas
Federações. Não é permitida a filiação individual à Federação, bem como a filiação direta das
Associações à Confederação. 15 Infelizmente não foi possível encontrar qualquer registro escrito das reuniões realizadas nesta
época.
31
lavar as mãos. Como que eles faziam então se nós não
tínhamos representação pra defender os direitos dos
trabalhadores aposentados? Então o que faz o Ary? O
Ary convoca ajuda, cria a Associação, porque aí o
sindicato ficava livre do trabalhador aposentado. Então
assim fizeram (Antemil Corrêa da Silva).
O depoimento acima provocou indagações a respeito da intenção do
Sindicato ao estimular e abrigar uma Associação de Aposentados em seu
seio, fornecendo não apenas o espaço físico, mas também a infra-estrutura
jurídica e econômica. Agindo desta forma, a diretoria manteve um segmento
dos trabalhadores que estava alijado da organização sindical, na ativa.
Levantando suas próprias bandeiras, os aposentados deixariam de
pressionar o Sindicato por uma participação maior em suas atividades e pela
defesa dos interesses destes na sua pauta de reivindicações.
Um outro objetivo do Sindicato evidenciou-se na fala de outro
informante, ex-sindicalista, que acompanhou a formação e a atuação de
outras Associações de Aposentados na Grande São Paulo.
O Sindicato dos Metalúrgicos cobria as questões como
assistência médica, assistência jurídica... a gente
começou a crescer mais em função desse apoio do
sindicato. Então o primeiro momento na Assoc. ela
tinha um caráter mais...segundo as diretorias
anteriores, tinham interesse que a Associação viesse a
ser uma alavanca, um apoio pra ajudar a diretoria a se
manter na direção. Toda vez que tivesse uma
campanha eles contavam com o apoio dos
aposentados... a Associação tinha que ter um pouco
mais de autonomia. A Associação começa quando Ary
Russo era presidente, já com esse caráter, isso é dentro
da experiência, porque isso funcionou muito em São
Paulo. Acontece que em São Paulo o sindicato é grande,
é enorme, tem um contingente de aposentados que
garante a eleição de qualquer diretoria. Isso sempre
acontece, por isso dificilmente se renova uma diretoria
em S. Paulo, em função dos aposentados (João Batista
Cândido).
O depoimento abaixo reforça esta idéia de utilização da Associação
para a manutenção da diretoria no poder:
...nós entramos nessa entidade, que foi fundada através
do Sindicato dos Metalúrgicos, mas ela tinha como
objetivo principal congregar. Era de que os seus filiados
da época fizessem parte de uma entidade da qual eles
32
(aposentados)16 desfrutassem. E o Sindicato dos
Metalúrgicos desfrutavam destes benefícios, junto
àqueles aposentados que se encontravam na entidade
somente com a finalidade de utilizar do homem de
idade para a votação em pleitos sindicais (Onofre
Silva).
Enfim, de acordo com os entrevistados, as Associações constituíam-
se em propício campo para a arregimentação de votos com o fim de garantir
o fortalecimento da direção. Isso levou a crer que, por trás de uma atitude de
auxílio e divulgação do Movimento dos Aposentados e Pensionistas, o
Sindicato preparou, na época, um instrumento de consolidação do poder.17
As primeiras reuniões da Associação dos Trabalhadores
Metalúrgicos, Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos, Jacareí,
Caçapava e Santa Branca foram realizadas em uma sala do Sindicato. Por
falta de espaço disponível, uma sala foi emprestada para as atividades da
Associação. Este espaço era tão pequeno que, segundo a maioria dos
depoentes, se entravam duas pessoas a terceira deveria ficar esperando na
porta para ser atendida. O primeiro registro escrito das reuniões datou de
12 de julho de 1983,18 cinco meses antes de sua fundação. Além de Antemil
Corrêa, que foi o presidente da Comissão de Organização da Associação,
estavam Benedito Domingos e José Ferian, dois entrevistados que
permaneceram ligados à diretoria da Associação por todos estes anos.
Vale ressaltar que parte dos primeiros integrantes do núcleo tiveram
atuação sindical anterior. Antemil Corrêa, ex-diretor do Sindicato dos
Metalúrgicos de Mogi das Cruzes, foi perseguido e preso nos anos 70.
Benedito Domingos, um dos fundadores do Sindicato dos Metalúrgicos de
São José dos Campos, atuou na direção do mesmo desde 1956. José Feriam
trouxe a experiência sindical de São Paulo, onde conheceu o funcionamento
de Associações de Aposentados. Outros participantes da Comissão de
16 Parênteses meus. 17 Segundo depoimento de José Luiz Gonçalves, a gestão da chapa de Ary Russo para a direção do
Sindicato estabeleceu uma ruptura com as gestões anteriores, ligadas à classe patronal e ao
sindicalismo pelêgo. O que explica em parte, a tentativa de agremiar os votos dos aposentados
para o fortalecimento da chapa. 18 Uma carta escrita em papel timbrado do Sindicato, convidando o sr. Antemil Correa da Silva para
a reunião da Associação dos Aposentados. O tesoureiro do Sindicato assinou: João Miranda da
Silva.
33
Organização também tiveram participação sindical, contudo vários membros
eram sindicalizados não atuantes.
1.2 A Fundação
A Ata de fundação da entidade é datada de 19 de dezembro de 1983.
A Assembléia contou com 18 participantes, dentre eles o advogado do
Sindicato dos Metalúrgicos, Dr. Zélio de Paulo Aquir e o tesoureiro João
Miranda. A convocação foi feita por carta aos metalúrgicos aposentados.
...já se passava um ano e nada de concreto se tinha
realizado em benefício dos aposentados, e nem
informações que lhes assegurasse os últimos
acontecimentos à respeito da Associação (Livro de Atas
no 1- Ata de 19/12/1983).
Percebeu-se por este trecho da primeira Ata que havia dificuldades
de organização legal da entidade, apesar de toda infra-estrutura dada pelo
Sindicato. Foi formada nova comissão para providenciar a documentação da
entidade.
A primeira eleição realizou-se em 6 de janeiro de 1984, contando com
a presença de João Miranda da Silva como representante do Sindicato.19 A
diretoria eleita provisoriamente por 120 dias teve como presidente Benedito
Domingos e foi incumbida de tomar as primeiras medidas administrativas
da Associação. O estatuto também foi aprovado nesta Assembléia. Não
houve a participação de qualquer membro representante de outra
Associação.
Segundo depoimentos, o primeiro estatuto foi elaborado por
membros da Comissão e por um representante do Sindicato,
independentemente de qualquer outro documento que servisse como modelo.
Não houve um atrelamento deste com o do Sindicato ou com outra
Associação de Aposentados.20 Contudo, em uma análise comparativa com os
estatutos da Federação dos Aposentados e Pensionistas do Estado de São
19 O edital de convocação da Assembléia foi divulgado pelo jornal “O Valeparaibano” em edição de
28/12/1983, p. 4. 20 Infelizmente não foi possível encontrar provas escritas a respeito da formulação do estatuto.
34
Paulo, datado de 18 de fevereiro de 1983, foi possível encontrar muitas
semelhanças entre este e o elaborado pela Associação em janeiro de 1984.
Para citar uma delas temos no Capítulo I da Federação:
Da Federação e Seus Fins
Art. 1o - Fica constituída, por força dos presentes
Estatutos, a FEDERAÇÃO DOS APOSENTADOS E
PENSIONISTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO com
sede e fôro nesta Capital e com base em todo território
do Estado, para fins de estudo, coordenação, proteção e
representação das entidades e do grupo social originado
pelos dependentes do Instituto Nacional da Previdência
e Assistência Social e Instituto da Previdência do
Estado de São Paulo 21 (Estatutos da federação de
Aposentados e Pensionistas do Estado de São Paulo de
18/2/1983 - capítulo 1).
Já nos estatutos da Associação pôde ser encontrado também
no Capítulo 1:
Artigo 1o - Com sede e foro nesta Cidade de São José
dos Campos, é constituída para fins de estudo,
coordenação, proteção e representação legal dos
aposentados metalúrgicos perante ao Instituto
Nacional de Previdência Social e demais órgãos
públicos e associações, no sentido de solidariedade e
promoção social dos representados.22 (Estatutos da
Associação de Trabalhadores Metalúrgicos Aposentados
e Pensionistas de São José dos Campos, Caçapava,
Jacareí e Santa Branca de 25/1/1984 - capítulo 1).
Logo nas primeiras Atas, percebeu-se que os integrantes da
diretoria tinham consciência do que significava uma Associação de
Aposentados e Pensionistas. Não sabiam muito bem “o que eram”, mas
tinham noção do que “queriam ser”. Isso norteou suas atitudes desde os
primeiros meses de fundação, contudo a dificuldade maior estava em se
arregimentar mais associados. Vários metalúrgicos aposentados recusavam-
se a participar por receio de se comprometer com a atividade sindical, o que
comprova a heterogeneidade dos associados da entidade.
Quando foi criada a Associação, muitos não queriam
porque pensavam que era do sindicato. Eu dizia, não é
sindicato, amigo, é associação (Raimundo Rodrigues).
21 Grifos meus. 22 Grifos meus.
35
Um dos diretores fez uma análise dos motivos para a atual
inadimplência na Associação.
Estes 3.400 inadimplentes que nós temos, a maioria é
daquela época, que se filiaram porque sentiram a
necessidade. Resolvido o problema, acabou. É errado?
Não é, eu costumo analisar da seguinte forma: Nossa
geração teve uma fase de mutismo de 21 anos que foi a
fase ditatorial. Uma fase em que não se podia falar, não
se podia expressar o pensamento. Isso calou fundo na
consciência daquela geração. Então o poder de reação
hoje é muito mais lento. Porque ainda cala no
subconsciente deles essa dúvida, o que é que eu faço?
Será que eu faço? E se eu fizer, o que pode me
acontecer? Porque tem muita gente que vem aqui
inocentemente, e você mostra: - Olha, você tinha que
receber tanto, está recebendo tanto, tá sendo
prejudicado. Então você tem que entrar com uma ação
na justiça pra reaver este direito que é teu. - É, mas e
se eu perder a aposentadoria?
(G. Costantino).
Embora se refiram a momentos diferentes da Associação - o segundo
depoimento fez alusão à um período mais recente - as duas afirmações
demonstraram a dificuldade de se ampliar e manter o quadro de associados.
O que revelou um certo temor dos aposentados metalúrgicos de se
aproximar de qualquer agremiação com propostas de atividades políticas em
oposição ao governo federal. Este receio pode ser explicado como fruto do
longo período ditatorial por qual passou o Brasil nos anos anteriores.23
Os dois primeiros anos de funcionamento da Associação estiveram
voltados para a organização administrativa e para a consolidação enquanto
entidade representativa dos aposentados. As correspondências enviadas pela
entidade nesta época revelaram o objetivo de divulgar a Associação aos
políticos do município e da região, além de fazer algumas reivindicações,
como passes de ônibus gratuitos para os aposentados e o reconhecimento da
entidade como de utilidade pública.
Internamente, as divergências existiam e a rotatividade dos
diretores era intensa. As Atas revelaram que já em fevereiro de 1984 havia a
23 Uma análise não muito profunda, porém mais detalhada do período em questão é realizada no
capítulo 2.
36
preocupação da diretoria em aglutinar aposentados não sindicalizados.
Vários depoimentos corroboraram essa idéia desde os primeiros meses de
funcionamento da entidade, o que provocou a reflexão em torno de uma
possível preparação para a abertura da Associação aos aposentados de
outras categorias profissionais. Isto significaria uma separação do sindicato,
embora estivessem atados a ele pelo espaço comum que ocupavam.
Eu achei que a Associação se manter do sindicato não
estava correto. Então foi aí que surgiu a proposta de se
juntar. Aí que nós começamos a nos encontrar com o
seu Ribeiro24que já tinha uma Associação também
começando. Fomos conversar com ele. Tivemos várias
reuniões juntos, tinham os bancários também que não
tinham Associação nenhuma...então nós fomos
consultando...e chegamos à conclusão de que seria
interessante. Aí não houve nenhuma oposição da parte
da diretoria do sindicato. Então nós convocamos uma
assembléia e tornamos a nossa Associação eclética. Eu
acho que foi uma experiência boa né? (João
Batista Cândido).
Aparentemente não houve nenhuma divergência com o Sindicato. No
entanto, um ofício enviado em setembro de 1984 a um vereador de São José
dos Campos reivindicava um imóvel para a Associação.25 A presença deste
documento demonstrou que já havia, também, a intenção de separação física
do Sindicato. As fontes consultadas não revelaram qualquer tentativa deste
para impedir que a agremiação se tornasse eclética ou que tivesse seu
espaço próprio.
Em 8 de fevereiro de 1985 realizou-se a eleição da diretoria
definitiva, contando com 78 votantes. Na época, os cargos eram de
presidente, vice presidente, 1o e 2o secretários, 1o e 2o tesoureiros, conselho
fiscal e suplentes. João Batista Cândido foi eleito presidente e Bento
Moreira, vice. O presidente, ex-sindicalista e militante do PT, freqüentava a
diretoria do Sindicato, embora não fizesse parte dela. Foi convidado por José
24 O sr. Ribeiro era presidente da Associação dos Aposentados e Pensionistas Têxteis de São José dos
Campos na época. 25 Ofício s/n assinado por Bento Moreira, vice presidente da Associação. Destinado ao vereador
Fernando Birué. Pede a cessão de imóvel público situado à R. Floriano Peixoto para a promoção de
“assistência social, recreação, enfim, momento de lazer para os aposentados”.
37
Luiz Gonçalves (secretário Geral do Sindicato) a administrar a Associação. A
preocupação principal da diretoria recém empossada foi:
Ampliar o quadro de associados
Formar uma liderança política
Estes objetivos ficaram bem claros no depoimento a seguir.
Bom, no começo, começo mesmo, o primeiro objetivo era
ampliar a Associação. Criar o maior número de
associados possível. Então aí a maior dificuldade era ir
atras do pessoal, convencer...mostrar a importância da
organização, mostrando que se a gente não se
organizasse a coisa ia ficar ruim pra nós. Então nesse
primeiro momento a gente estava fazendo esse
trabalho. Depois a minha primeira preocupação foi no
sentido de formar um pouco a consciência, sobretudo
dos que estavam se aproximando mais, estavam se
dedicando mais...no sentido deles abrirem os
horizontes, liderança (João Batista Cândido).
Pela fala de João B. Cândido e pelos documentos escritos foi possível
concluir que a Associação passou a estabelecer, a partir de junho de 1985,
uma postura mais ofensiva junto ao governo federal. A análise das
correspondências enviadas no ano revelaram o mesmo total do ano anterior
(seis). Contudo, enquanto o número de ofícios endereçados ao governo local
diminuiu, aumentou o montante daqueles emitidos ao governo federal e às
Centrais do Movimento.26
A participação em congressos aumentou. Somente em 1985, a
Associação esteve presente em vários congressos e encontros em São Paulo e
em outros estados. Na agenda constavam Congresso Nacional em Curitiba
(PR), Encontro de Aposentados e Pensionistas em Santa Teresa (RJ),
Seminário dos Aposentados e Pensionistas em Campinas (SP), Seminário dos
Aposentados e Pensionistas de Volta Redonda (RJ), etc. 27
A presença de representantes da Associação nas reuniões mensais
da Federação era assídua e os laços com Vicente Bevilácqua (Vicentinho),
26 A Federação foi criada em 1983 e a COBAP, em 1985. Não foi encontrada nenhuma
correspondência com outras Associações nos anos anteriores. 27 Algumas participações em Congressos eram financiadas pelo Sindicato, porém todas as outras
atividades exercidas pelos membros da diretoria eram financiadas pelos próprios diretores.
38
membro da Associação de Aposentados de Santo André (S.P), se estreitaram.
Vicentinho foi apontado pelos fundadores como um elemento chave para a
orientação do grupo e sua iniciação no Movimento.
De São Paulo mesmo nós não pegamos nada, na
verdade quem deu o Know How pra nós foi a
Associação de Sto. André, o Vicentinho. Não o
Vicentinho da CUT,28 era o Vicentinho baixinho, tal.
Ele vinha aqui na época para nos dar o subsídio. A
Federação já existia ... Não veio como representante da
Federação, veio como representante da Associação de
Sto. André. Foi ele quem deu toda acessoria(José
Ferian).
Um advogado independente do Sindicato assumiu os trabalhos da
Associação e em novembro de 1985 cerca de 300 processos estavam em
andamento na entidade. Optou-se então pela distribuição destes entre
outros advogados que, com o passar dos anos, apresentaram uma grande
rotatividade. Este fato pôde ser explicado, até certo ponto, pelo
descontentamento da diretoria com a demora dos processos, que
permaneciam parados durante anos nos trâmites legais.
Com o crescimento do número de associados, a divulgação da
entidade também aumentou. Basta relatar que em 1984, o periódico
pesquisado não trouxe nenhuma matéria relativa à Associação. Já em 1985,
seis artigos foram publicados. Em 16 de agosto de 1985 era enunciado o
primeiro em página de rosto no jornal “O Valeparaibano”.29
Outras preocupações também tinham espaço na diretoria. A
reivindicação junto ao sindicato para a utilização do convênio médico e da
colônia de férias pelos associados aposentados, embora não tão constante
quanto o andamento dos processos e a construção de um espaço próprio,30
também ocupavam a pauta de reuniões desde os primeiros anos da entidade.
Esta dificuldade só veio a ser sanada quando foi homologado o convênio
28 Aqui o informante diferenciou o Vicentinho, sindicalista atual dirigente da CUT, do Vicente
Beviláqua da Associação Aposentados e Pensionistas de Santo André na época. 29 O referido artigo, relativo aos processos impetrados pela Associação será citado no terceiro
capítulo. 30 A construção da sede própria foi uma reivindicação mais recente. Nos 4 primeiros anos de
funcionamento da Associação reivindicou-se do poder público a “Casa do Aposentado”. Um projeto
mais amplo que teria a finalidade de propiciar também lazer para o associado.
39
exclusivo da Associação, já em 1990. Este caráter da entidade de reivindicar
também o lazer e o convênio será melhor analisado no terceiro capitulo,
referente à identidade.
A primeira Associação a se desmembrar de São José dos Campos foi
a de Jacareí, criada ainda em 83. Passou a funcionar de fato, em 1986,
quando Antemil C. da Silva assumiu a presidência. Até então, a diretoria da
Associação dos Metalúrgicos de São José dos Campos manteve plantões de
atendimento na cidade de Jacareí.31 A segunda a se separar foi a de
Caçapava, fundada em janeiro de 1985. É importante ressaltar que ambas
as Associações já foram fundadas com um caráter eclético, o que não
impediu o intercâmbio entre elas e a posição de liderança da Associação de
São José dos Campos.
Em 24 de janeiro de 1986, dia do aposentado, a Associação registrou
sua primeira organização de ato público em frente a Câmara Municipal.
Participou também de ato público em Caçapava e missa organizada pela
Associação de Jacareí naquele município. Na manifestação de São José dos
Campos, foram colocadas 7 reivindicações, todas relacionadas com os
reajustes e correção dos valores de pagamentos. O ato público foi noticiado
nas rádios e publicado em manchete na primeira e quarta páginas do jornal
“O Valeparaibano” em edição de 24/01/1986.
Foi interessante notar que o mesmo jornal publicou 3 meses depois
matéria referente à uma outra associação formada pela iniciativa de um
comerciante ex-vereador e candidato a deputado estadual, Gaspare
Demartini. A manchete de primeira página noticiou “Aposentados já têm
associação”. O título da notícia trazia “Aposentados se reúnem e criam
associação”(“O Valeparaibano”, 13/4/86:6) Contou com o apoio do vereador
Jairo Pintos, que cedeu o plenário da Câmara para a primeira assembléia.
Esta contou com cerca de 300 participantes. Benedito Domingos, diretor da
Associação de Aposentados Metalúrgicos de São José dos Campos foi um dos
31 O jornal “O Valeparaibano” noticiou em 1o de setembro de 1983 na página 5 : “Aposentado funda
associação para manter convênio.” Referindo-se a Associação eclética de Jacareí. Contudo, segundo
depoimento de um de seus fundadores Antemil Correa, esta nunca funcionou de fato.
40
coordenadores da comissão que criou a referida associação. Ressaltou em seu
discurso a existência das Associações dos Aposentados Metalúrgicos e dos
Têxteis, propondo a união de todas.
Pelo conteúdo da matéria e depoimentos tomados, principalmente o
de Benedito Domingos, houve uma certa ingenuidade dos participantes da
assembléia quanto aos propósitos eleitoreiros de Demartini e dos políticos
envolvidos na criação da referida associação. Com a aproximação das
eleições para deputado estadual e federal, a criação de uma associação
eclética seria oportuna para a conquista dos votos dos aposentados.
Um mês depois, o mesmo jornal publicou em primeira página:
“Candidato usa até a padroeira”. E na página 6 da mesma edição
encontrava-se “Políticos acabam com reunião de aposentados - a reunião
reivindicatória foi transformada por Demartini em comício em prol de sua
candidatura” (“O Valeparaibano”, 25/5/86:6). Estas notícias ratificaram a
idéia de que a Associação de Aposentados e Pensionistas Metalúrgicos de
São José dos Campos, assim como a dos Têxteis, ao se envolver na criação de
uma nova Associação no município, buscavam a ampliação de suas relações
com aposentados de categorias distintas dos metalúrgicos.
Em setembro de 1986, uma comissão foi criada para a organização
da Associação de Aposentados e Pensionistas do Vale do Paraíba, órgão de
poder deliberativo organizado e dirigido pelas associações do Vale. Embora
seguisse as diretrizes do MOP, sua fundação não foi de iniciativa da
Federação. A liderança era exercida pela Associação de São José. Este papel
de organização da união política do Vale do Paraíba revelou uma
aproximação da Associação muito maior com as mais novas, ecléticas, do que
com a categoria dos metalúrgicos. O cordão umbilical que unia a Associação
ao Sindicato foi cortado progressivamente, revelando a intencionalidade da
diretoria de separação deste. Tornar-se eclética significava antes de mais
nada, tornar-se isenta de qualquer atividade partidária exercida pelos
metalúrgicos.
41
Um episódio registrado em Ata demonstrou mais claramente a
aversão dos associados e de certos membros da diretoria à atividade
partidária, usual no Sindicato cuja diretoria estava ligada à CUT.
Annete Silva comentou que a política partidária está
minando todo e qualquer processo de novos assuntos,
entre as organizações, devendo com isso, manter a
Associação anti-partidária . Devermos participar em
organizações políticas e não trazer políticas às
Associações (Livro de Atas no 1 - Ata de 24/10/86).
Um recado claro para o presidente João Batista Cândido, militante
do PT. O próprio presidente em depoimento, faz uma análise dos membros
da diretoria na época e a atividade sindical destes.
O seu Failla, seu Silva, o Milton, esse pessoal não tinha
liderança, não participava do movimento sindical.
Então eles tinham uma dificuldade de aceitar o
sindicato. Então eu tentava fazer este elo. Mas por
outro lado, foi positivo no sentido de fazer ficar mais
autônomo também, né? Não ficar tão dependente do
sindicato. Apoiei a idéia de tornar a Associação eclética
(João Batista Cândido).
1.3 Tornando-se Eclética
Em 26 de novembro de 1986 a Associação deixou de ser exclusiva
para os metalúrgicos e passou a aceitar como associados, aposentados
provenientes de todas as categorias profissionais. Ao tornar-se eclética,
denominou-se então Associação de Aposentados e Pensionistas de São José
dos Campos. Um estatuto mais elaborado, com funções da diretoria mais
definidas e com criação de cinco cargos passou a reger a administração da
Associação. Chamou a atenção o artigo 43o que tratou de um ponto
nevrálgico na administração: a atividade político-partidária dos dirigentes.
A Associação dos Aposentados e Pensionistas de São
José dos Campos deverá ser apolítica. Seus diretores
poderão candidatar-se a cargos políticos, caso houver,
os mesmos deverão solicitar licença temporária, até
terminar o seu mandato político, porém continua
somente como sócio (Estatutos da Associação de
42
Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos -
Capítulo XII - Artigo 43o).
Neste mesmo ano, a Associação participou da criação do Conselho
Comunitário da Previdência em São José dos Campos.
O Conselho Comunitário da Previdência Social foi
criado através do Decreto Federal no 92.701 de 21 de
maio de 1986, mas só agora começa a sair do papel. A
única entidade em São José que se interessou em
formá-lo foi a Associação de Aposentados (“O
Valeparaibano”, 5/8/87:3).
O Conselho tinha como objetivo fiscalizar e ser um intermediário
entre os usuários e a previdência social, levando ao agente previdenciário do
município as reclamações e reivindicações dos usuários em reuniões
mensais. Esta iniciativa não durou por muito tempo, visto que desde suas
primeiras reuniões houve divergências no comando da entidade.
Em maio de 1987, tomou posse a nova diretoria eleita.32 Ocupando
cargo de chefia no setor administrativo de uma multinacional o presidente
Onofre Silva nunca teve participação sindical, bem como outros membros da
diretoria. O presidente do Sindicato dos Metalúrgicos na época justificou a
formação político-ideológica dos participantes da Associação nos primeiros
anos.
Não houve uma imposição. No começo houve uma
simbiose muito grande entre o sindicato e a Associação
nas lutas e no trabalho do dia a dia, porque estavam
umbilicalmente ligados ao sindicato, tanto no prédio
quanto na sua formação inicial. Agora, a geração dos
aposentados metalúrgicos não é...hoje já começa a ser,
mas no período não era a geração que formava a
Central Única dos Trabalhadores. Era uma geração
anterior dos trabalhadores, até antes de 64, ou no
período de 64, mas de um período em que a CUT não
existia. Então era anterior. Agora ela já começa a ter
uma influência já da nova geração porque em 1978/79
já começa o pessoal que viveu esse período aposentar.
Então tem uma história, um conhecimento da história
vivida diferente daquela geração que foi a que
inicialmente trabalhou na Associação de Aposentados.
Então é natural que exista um distanciamento em
32 A votação teve chapa única, em assembléia que contou com 61 votantes. A diretoria foi composta
por 21 membros, tendo Onofre Silva como presidente, João Batista Cândido como vice, Walter de
Paula como secretário geral e Milton de Moraes como 1o secretário.
43
relação a formação da própria CUT, do próprio
sindicato dos metalúrgicos dessa direção, dessa turma
que mudou a direção sindical. Agora, a fraternidade foi
muito grande em todo período (José Luiz Gonçalves -
ex-secretário e ex-presidente do sindicato dos
Metalúrgicos).
Outro fato interessante ocorrido foi a eleição da primeira mulher
para a diretoria da Associação de Aposentados e Pensionistas de São José
dos Campos. Luzia Saloio Pedro entrou na entidade após a morte de seu
marido, um dos diretores na gestão anterior. Permaneceu por menos de um
ano. Preferiu não revelar os motivos que provocaram o seu desligamento.
Depois dela não houve mais registros da presença feminina nos quadros da
diretoria da Associação até 1990.
A diretoria que tomou posse em 1987 apresentou características
bastante diferentes das anteriores. Foi o grupo que permaneceu coeso por
mais tempo, sendo que vários diretores da época permanecem na entidade
até os dias atuais. Atualmente, com exceção de Benedito Domingos (que saiu
em 1996) e José Ferian (suplente de diretoria), nenhum outro diretor
exerceu atividade sindical ou político-partidária. O grupo conferiu sua
marca na Associação primando pela organização administrativa, embora
não deixasse de manter o vínculo com as Centrais do Movimento e a
participação nos atos políticos dos aposentados.
Medidas de otimização do trabalho da secretaria e contabilidade
foram tomadas como a criação de recibos e fichas de caixa. As fichas de
inscrição foram atualizadas e mudaram a sua configuração.33 Onofre Silva
que desde os primeiros meses da fundação participou da Associação, ocupou
o cargo de secretário antes de se eleger presidente.
Essa entidade, depois que eu entrei na Associação, foi
quando nós começamos a criar os registros que até
então a entidade não tinha oficialmente. A partir do
momento que eu entrei comecei a pensar na legalização
da entidade em si, não só junto aos órgãos, no registro
de pessoa jurídica como também dos seus associados
que lá se encontravam, que não tinham uma ficha
cadastral. E foi principalmente nessa época que nós
33 Não foi encontrado nenhuma ficha de inscrição de associado dos primeiros anos de funcionamento
da Associação.
44
criamos um registro que permanece até hoje. Cada
sócio tem uma ficha cadastral, e essa ficha cadastral
obedece um número de matrícula (Onofre Silva).
As primeiras preocupações relacionadas à divulgação das medidas
adotadas pela diretoria aos associados foram registradas em Ata, em maio
de 1987, quando se propôs a criação do jornal do aposentado. Outra urgência
na pauta das reuniões era o convênio médico (já mencionado anteriormente),
reivindicado ao sindicato, porém implantado pela própria administração da
Associação. Com o aumento da divulgação e a implantação do convênio
médico, o corpo de associados tornou-se ainda mais eclético, visto que estes
entravam em contato com as atividades da Associação não tanto por meio do
Sindicato, mas por intermédio de vizinhos, de propaganda em rádio ou de
outros associados.
Chamou a atenção a iniciativa da Associação de propor a presença
de aposentados nas diretorias dos sindicatos em 1988, quando o Movimento
de Aposentados crescia em todo país e as manifestações se multiplicavam. O
apoio dos sindicatos à luta dos aposentados sempre foi reivindicado pelo
MOP, principalmente nos últimos anos da década de 80 e nos primeiros anos
da década de 90, quando o embate com o governo federal tornou-se mais
expressivo.34 Embora esta proposta tenha coincidido com o clima de euforia,
mobilização e ampliação dos horizontes do Movimento, a reivindicação deste
apoio era constante nas reuniões dos diretores da Associação. Não foi
possível precisar em que medida essas reivindicações foram atendidas,
contudo, delegados de São José dos Campos tomaram parte nas
manifestações em Brasília pelo menos uma vez, com as despesas pagas pelo
Sindicato.
Os Jornais acompanharam a participação da Associação de São José
dos Campos, que já contava com 560 filiados,35 nas atividades programadas
pelas centrais. Em 1988, ano da Constituinte, oito matérias referentes à
34 A respeito das queixas dos aposentados pela não participação dos sindicatos em suas lutas
consultar Haddad, op.cit. Outro estudo interessante a respeito do recrudescimento dos embates do
Movimento com o governo federal , principalmente no final dos anos 80 e início dos 90 está em
Simões, 1998. 35 Número registrado no Livro de Atas no 1- Ata de 4/4/88.
45
Associação foram publicadas no jornal “O Valeparaibano”, todas referentes à
luta no âmbito nacional. Alguns depoimentos também se referiram a este
período como de constante atuação da Associação.
...nós começamos em poucas pessoas, em 38 ou 40
pessoas e depois ela se estendeu e foi pegando força. Aí
tivemos condições de participar de congresso, todos
congressos que surgiram não ficaram sem
representação nossa de modo geral. Então fomos
fortalecendo. Com esse fortalecimento nosso então, o
governo sentiu um pouco na pele, ele achou que a gente
tinha um pouco de força (Antemil Correa dos Santos).
Nós podemos fazer como de fato fizemos e continuamos
fazendo atos públicos na praça da Sé, mas aonde se
decide o destino de 16 milhões de aposentados e
pensionistas hoje é em Brasília, tanto no ministério
quanto no Congresso Nacional. Então foram várias as
nossas idas para Brasília para catequizar deputados e
senadores sobre aquilo que nós acreditamos se correto
ser uma aposentadoria para um trabalhador depois de
35 anos de trabalho (G. Costantino).
A Associação de São José sempre foi atuante. Teve
período em que ela foi mais ou menos atuante. Para te
dar um exemplo, no período da Constituinte ela foi
mais atuante no nosso Movimento (Nelson Marchesini
ex e atual secretário da Federação).
São José dos Campos sediou o 3o Encontro Estadual de Aposentados
e Pensionistas realizado de 22 a 24 de julho de 1988. O Encontro teve o
apoio da Federação e Associações do Vale do Paraíba. A prefeitura do
município incumbiu-se do fornecimento da alimentação, do transporte dos
delegados e da divulgação do Encontro. A realização deste foi no prédio do
grupo de Terceira Idade Nova Era e o alojamento em uma escola estadual.
Importante notar o apoio enfático da Prefeitura ao evento, o que levou a
acreditar que, sem ele, o evento não se realizaria. Amparo tal só pôde ser
conseguido devido à estreita relação da diretoria com o poder público
municipal.
Em paralelo às atividades políticas, internamente, a Associação se
defrontava com a inadimplência e a busca de recursos para a realização de
46
seus projetos. O maior na época: a construção da Casa do Aposentado.36
Iniciou-se então a “campanha dos 1.000 sócios”, meta que deveria ser
atingida até o final de 1988. Não foi conseguida, alcançando-se o número de
932 filiados, porém no ano seguinte houve uma considerável ampliação no
quadro de associados. O número de processos em andamento atingiu a
marca dos 304,37 fora os que já haviam sido pagos.
Pela primeira vez, São José dos Campos mandou um representante à
Brasília integrando a comissão da Federação para negociações junto ao
Ministro da Previdência Social, Jader Barbalho. No âmbito da ação do
Movimento, a Associação de São José divulgou suas ações em prol do
pagamento do 13o salário. Em 4 de dezembro de 1988 o Jornal “O
Valeparaibano” publicou a primeira notícia relativa à luta pelo pagamento
do 13o salário aos aposentados e pensionistas. A manchete “Aposentado que
não se filiar vai ficar sem o 13o”. Claramente favorável à Associação, a
matéria divulgou que a entidade impetrou mandato de segurança contra a
União pelo pagamento integral do 13o salário aos aposentados.
A relação da entidade com o poder local tornou-se ainda mais
estreita. Em março de 1989 a Associação viu atendida sua reivindicação
feita ainda em 1984. O prefeito Joaquim Bevilacqua sancionou a Lei no
344/89, que tornou a AAPSJC entidade de utilidade pública.38 Dessa forma,
a Associação tornou-se isenta de impostos e passou a ter o direito de receber
auxílio financeiro do poder público.
O acirramento dos conflitos com o governo federal e a divulgação do
Movimento ampliou o número de processos. A entidade contou na época com
508 processos em andamento, um aumento de 67,10% do fim de 1988 a
março de 1989. A imprensa noticiou os principais embates. Somente em
1989, dezoito notícias foram publicadas referentes à Associação. Dez a mais
do que no ano anterior. As matérias trataram de assuntos distintos como
36 Notar que em 1988, pouco antes da construção da sede própria, a Associação ainda tinha como
projeto a construção da Casa do Aposentado, um projeto ambicioso que extrapolava a identidade
política da Associação propiciando também ao aposentado lazer e serviços de saúde. 37 Livro de Atas no 1 - Ata de 25/11/88. 38 Na referida Lei que teve como autor do projeto o vereador Jairo Pintos, a Associação é classificada
como “entidade civil de fins representativos e de estudo”. (Lei Municipal no 3448/89)
47
processos ganhos, participação em encontros e congressos, atos públicos,
pagamento do 13o salário, entre outros.
Benedito Domingos e G. Costantino faziam o elo com outras
entidades, bem como representavam a AAPSJC nas reuniões da Federação.
Ele (Costantino) sabe tudo, sabe trabalhar muito bem
em cálculo, então isso facilitou, e muito. Também se
perder o Costantino acaba tudo porque não tem mais
nada. Para conseguir tudo o que nós temos aí, o
elemento que mais viajou foi eu e o Costantino. Nós
tínhamos homogenicamente a mesma vivência e ele
trabalhava na parte técnica e eu na parte política. Nós
éramos uma dupla. Fizemos palestras em Sumaré,
fizemos várias palestras por aí, juntos. O que conduziu
praticamente o conceito da nossa entidade ao primeiro
plano. Porque nós conseguimos levar além da fronteira
esse conceito... Vez por outra nós estávamos em reunião
na Federação, quando nós víamos que aquela reunião
não era produtiva naquilo que nós queríamos e não se
avançava em nada, nós já tínhamos uma reunião
programada na própria procuradoria do INSS e lá nós
participávamos 2 ou 3 horas discutindo com os técnicos
da previdência, e com isso nós fomos aprimorando o
nosso conhecimento a nível previdenciário para poder
estar aplicando (Benedito Domingos).
1.4 Em Busca do Próprio Espaço
A prefeitura passou a procurar terreno para a doação à Associação
ainda em 1989. A partir de então, as Atas não registram mais o termo “Casa
do Aposentado”, mas sede própria, deixando claro que o projeto ambicioso
havia sido substituído por outro com utilidade mais definida e objetiva. A
doação de um terreno39 de aproximadamente 636 m2 localizado na região
central da cidade, foi feita em agosto de 89, em sessão solene com a presença
do prefeito.
Uma demonstração de que a situação financeira da Associação
melhorava, na medida em que as relações com o poder municipal se
39 De acordo com o contrato, o terreno para a construção da sede foi cedido “a título precário,
gratuito e por prazo indeterminado, revogável a qualquer tempo.” (Contrato no 1826/89 da
Prefeitura Municipal de São José dos Campos).
48
intensificavam e o Movimento se fortalecia, foi registrada na ata de 31 de
julho de 89. Esta atestou o pagamento de pró labore aos diretores.40 O fato
levou a reflexão em torno deste pagamento como um atrativo aos associados
para exercer função na diretoria, e aos próprios diretores para não deixarem
seus cargos, já que receberiam um complemento no orçamento familiar.
Concomitantemente aos preparativos da comissão escolhida para a
construção da sede própria, a Associação se mobilizou para fundar uma
Associação de Aposentados em Ubatuba e uma sub-sede de São José dos
Campos em Caraguatatuba.
O auxílio financeiro para a construção da sede veio primeiramente
da Prefeitura, chefiada pelo prefeito Joaquim Bevilácqua e, posteriormente,
pelo seu vice Pedro Yves Simão. Desde o projeto até o fim da construção, a
prefeitura foi grande colaboradora. Outras fontes foram mobilizadas como a
poupança da própria Associação e o Livro de Ouro criado para registrar as
doações de pessoas físicas, de empresas, de outras associações.
Eles tiveram para a sede própria um apoio muito
grande da prefeitura. O prefeito da época quem
concedeu o terreno. Houve um movimento nesse
sentido. Tiveram aí uma relação com o prefeito da
época que possibilitou a eles ter a sede, que eu acho
muito bem localizada. De fácil acesso, que veio
melhorar a atuação deles e ter uma relação melhor com
a situação. Eu acho que o Sindicato dos Metalúrgicos,
na medida das lutas comuns, continua atuando, eu
acho, com apoio recíproco (José Luiz Gonçalves - ex-
secretário e ex-presidente do Sindicato).
Importante notar que as estratégias para captação de recursos
passavam pelas esferas privadas e públicas, não apenas municipal, mas
também estadual. Em agosto de 1990 as Atas registraram a mobilização da
entidade para ser reconhecida como de Utilidade Pública Estadual, a fim de
se tornar apta a receber verba do governo do estado.
40 Nos registros orais é comum encontrar diretores e associados comentando a respeito da falta de
dinheiro da entidade para o pagamento de diárias e passagens daqueles que se colocavam à serviço
da Associação. Por isso, concluiu-se que o pagamento do pró-labore aos diretores significou o
fortalecimento econômico da entidade. Não foi fornecido qualquer outro dado para que se fizesse
possível concluir pelo montante recebido.
49
A festa de inauguração contou com a presença do prefeito na época,
Pedro Yves Simão e, do ex-prefeito e então secretário do trabalho de São
Paulo, Joaquim Bevilácqua, além de mais 250 associados.
Com a inauguração da sede própria em 24 de janeiro de 1991, seu
maior projeto, a Associação iniciou seu trabalho em um espaço distinto do
ocupado pelo Sindicato dos Metalúrgicos. Contudo, os depoimentos
demonstraram que a relação amistosa entre este e Associação se mantém
até os dias atuais. Membros da diretoria da Associação continuaram a ser
convidados a fazer explanações aos sindicalistas. Entretanto, foi possível
perceber, por meio das entrevistas, que existem, assim como nos anos 80,
reclamações em torno da indiferença dos sindicatos, de um modo geral,
diante das bandeiras dos aposentados.
50
Capítulo II
O MODELO PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO: O JOGO DA
RESISTÊNCIA DIANTE DAS METAMORFOSES DO OUTRO
Sobre resistência...
Diz sim e diz não ao mesmo tempo, adere e
resiste ao que pesa com a força da lei, do
uso e do costume e que parece, por seu peso,
ter a força de um destino.
Marilena Chauí
51
O Movimento de Aposentados e Pensionistas surgiu na década de 80
em resposta à política previdenciária brasileira.41 Com a meta de
compreender a articulação do MOP e, conseqüentemente, da Associação em
torno de suas reivindicações, julgou-se importante a discussão do modelo
previdenciário adotado no Brasil na década de 80. Um breve apanhado
histórico da previdência social se fez necessário então, não com o objetivo de
levantar um grande debate em torno das diversas óticas de análise
presentes na literatura, mas de subsidiar a compreensão da organização da
Associação para fazer frente a seu outro.
De acordo com Cláudio Salm (1984) a previdência social surgiu como
resposta ao crescimento da urbanização durante a revolução industrial na
Europa.42 A marginalização, a pobreza e a miséria eram encaradas como
objeto de compaixão daqueles que se incumbiam de minorar os sofrimentos
dos excluídos do processo produtivo. Já nesta época, buscou-se a meta da
centralização, generalização e estatização do assistencialismo praticado até
então por entidades filantrópicas e igrejas. Segundo o autor, alguns fatores
puderam ser abordados, guardando as peculiaridades de cada país, como
aqueles que proporcionaram o surgimento do sistema previdenciário no
mundo:
A crescente proletarização possibilitou a idealização de um
mecanismo previdenciário devido às pressões cada vez maiores
exercidas pela classe em prol de um aparato assistencial. Além
disso, o aumento da massa de contribuintes tornou viável o
financiamento da estrutura previdenciária.
As reivindicações dos trabalhadores em torno das questões
mais básicas foram, progressivamente, sendo atendidas pelo
41 Segundo Haddad... “Após a uniformização dos benefícios previdenciários, somente um movimento
global de defesa do interesse de todos os atingidos pela ‘crise’ da previdência social seria capaz de
negociar com o Estado...Portanto, o Movimento de Aposentados e Pensionistas marcou o
aparecimento de uma nova forma de articular a defesa dos interesses dos beneficiários da
previdência social” (1983:38) . 42 de Faro aponta a Alemanha como pioneira na formação dos sistemas públicos previdenciários
ainda em 1883. A proposta alemã se espalhou pela Europa e países como a Áustria em 1888, a
França em 1894 e a Itália em 1898 adotaram o exemplo. A Inglaterra implantou seu sistema
previdenciário em 1911 (1992).
52
Estado. Com isso, a legislação social tornou-se cada vez mais
abrangente, na medida em que exigências como
regulamentação do trabalho infantil e feminino e, redução da
jornada de trabalho foram atendidas.
O Estado deixou progressivamente de exercer apenas o papel
de regulador das relações de trabalho. Alargando suas funções,
este passou a interferir mais diretamente na vida social. Com a
ampliação dos gastos públicos do Estado originava-se um novo
conceito de cidadania.
A previdência foi, portanto, compreendida pelo autor como
conseqüência de um ajuste do Estado à massa de despossuídos surgidos com
o avanço do capitalismo. Por trás deste novo conceito de cidadania existiu a
necessidade da sociedade capitalista de minorar a desigualdade inerente ao
sistema.
A Previdência talvez seja a mais típica destas políticas
sociais características do novo conceito de cidadania.
No fundamental, ela surge como uma compensação à
exclusão temporária ou permanente da vida ativa.
Entende-se não ser justo relegar os trabalhadores
circunstancialmente afastados da força de trabalho à
proteção da caridade formal ou informal, e para tanto
criam-se mecanismos para assegurar uma renda
mínima em uma ou várias das situações de exclusão da
vida ativa (Salm,1984:107-8).43
A base de vários sistemas de seguridade recaiu sobre três
modalidades básicas de exclusão da vida ativa: Acidente de trabalho, velhice
ou doenças não profissionais e desemprego. A partir deste tripé os diversos
tipos de seguro foram se estruturando, na medida em que a massa de
trabalhadores e ex-trabalhadores crescia à margem do sistema produtivo e
do novo conceito de cidadania.
43 As conclusões do autor vão ao encontro da leitura de Henry Lefebvre feita por Kosminsky e
Andrade. De acordo com Lefebvre, a sociedade capitalista é fragmentada em classes, camadas e
grupos. Esta fragmentação gerenciada pelo Estado tem em sua base uma grande parcela de
marginalizados das benécias da geração de riqueza (pequenos artesãos e camponeses, grande
parte dos assalariados, desempregados, mulheres e jovens sem qualificação, etc.) que se tornam
alvo do saber e do poder. É para esta população que se destinam as políticas públicas (Kosminsky
e Andrade, 1996:61-2).
53
2.1. Breve Histórico da Previdência Social no Brasil (1923
-1960)
Existem registros que atestam a existência de programas de
previdência social já no período colonial, porém na época não havia ainda
uma estrutura com caráter abrangente e atrelada ao Estado.
No caso brasileiro, do mesmo modo que no continente
europeu, a previdência também teve início de uma
forma voluntária. Especificamente, a primeira
instituição de previdência aqui no Brasil começou em
10 de janeiro de 1835, com a criação do Montepio Geral
de Economia dos Servidores dos Estado (Mongeral).
Originalmente voltado, como indica seu nome, para
atender aos servidores públicos, o Mongeral sempre
teve caráter privado, com os benefícios cobertos pelas
contribuições dos associados (Faro, op.cit:7).
Até o início da década de 20 não houve qualquer iniciativa do Estado
para a extensão dos benefícios a outras categorias profissionais, além dos
funcionários públicos e dos militares. Existe um certo consenso em torno do
ano de 1923 como o marco da origem da previdência social no Brasil.44 Como
o objetivo do presente trabalho não foi problematizar a gênese do sistema
previdenciário brasileiro, adotou-se o mesmo padrão de corte temporal.
Em 24 de janeiro de 1923 foi aprovado o Decreto-lei no 4.682 de
autoria do deputado paulista, ex secretário da Justiça Elói Chaves.45 A
referida Lei, conhecida como Lei Elói Chaves, tornava obrigatório às
companhias ferroviárias a criação de um fundo de aposentadorias e pensões,
denominadas Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs).
A Lei Elói Chaves propunha contribuições tripartites entre
empresas, empregados e governo, com o fim de manter um fundo
responsável pela renda vitalícia do trabalhador com a aposentadoria, pelas
pensões por ocasião da morte do cônjuge contribuinte e pela assistência
44 Ver Malloy (1976), Salm (1984), Cohn (1980). 45 Segundo Malloy, a Lei Eloy Chaves foi promulgada com o objetivo de dividir as o proletariado, que
mesmo com uma organização ainda frágil em torno da questão social, reivindicava direitos.
“Provavelmente a melhor maneira de entender esta Lei é a de tomá-la como tentativa, por parte
dos setores da elite do poder, de esvaziar a agitação operária mediante um enfoque reformista da
questão social” (op.cit.:119).
54
médica do contribuinte. Surgiu como reflexo das mudanças internacionais
das relações de trabalho, principalmente na Europa e Argentina.
A administração das CAPs era feita com a participação de
empregadores e empregados. O Estado, embora contribuísse com o fundo por
meio de uma taxa extra cobrada pelos serviços que as empresas
participantes das CAPs prestavam, não participava da gestão
administrativa. O sistema de capitalização era regulado por normas
baseadas em organizações internacionais semelhantes. Em 1926 o esquema
das CAPs foi estendido à outras categorias de trabalhadores, como
portuários e, posteriormente, às companhias telegráficas. Conforme Salm
(op.cit) em 1937 haviam 183 Caixas de Pensão e Aposentadoria no país
seguindo a administração colegiada e a forma de capitalização originais.
O sistema das CAPs estava longe da democratização da previdência
social. Não era um direito adquirido do cidadão, na medida em que tinha
caráter corporativista. Basta dizer que os grupos que conquistaram suas
próprias Caixas eram não apenas os mais “estratégicos” do ponto de vista da
política econômica da época, como também os que possuíam maior
organização sindical. A distribuição também não era igualitária entre os
próprios financiadores, visto que cada trabalhador contribuía
percentualmente ao seu salário e recebia benefícios proporcionais. Esta
forma de organização das CAPs foi fundamental para o futuro da
previdência brasileira.
Em suma, a política previdenciária no Brasil não
evoluiu para uma concepção de previdência social, mas
para uma concepção de desigualdade inerente, um
seguro social imposto pelo Estado e apenas aplicável
aos empregados ativos (Malloy, 1976:118).
Em 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, o sistema
previdenciário brasileiro - se é que já podia ser chamado assim - assumiu
um caráter mais centralizador. As classes assalariadas urbanas, em
constante crescimento e organização, buscaram maior regulamentação da
previdência social, organizada até então por acordos entre patrão e
empregados. Foram criados em paralelo às CAPs, os Institutos de
55
Aposentadorias e Pensões (IAPs), sob a coordenação direta do Estado. A
maior diferença entre Caixas e Institutos é que estes aglutinavam os
trabalhadores por categoria e não mais por empresa. Independentemente de
onde trabalhassem, todos os profissionais de determinada categoria
possuíam as mesmas obrigações e recebiam os mesmos benefícios. Várias
Caixas se fundiram para criar Institutos. O primeiro foi o dos Marítimos em
1933, seguido pelo dos Bancários em 1934, que possuíam um grande poder
corporativista e fizeram tradição na luta sindical. O IAPI, Instituto de
Aposentadorias e Pensões dos Industriários, somente começou seu
funcionamento em 1938.
Conforme Hochman (1988), o IAPI foi o Instituto que possuiu em
suas fileiras o maior número de técnicos da previdência responsáveis pela
criação e modificações de planos e programas destinados à modernização da
previdência social no Brasil. Os membros do IAPI foram os mentores
intelectuais da unificação e universalização da Previdência Social.
Detentores de sólida formação técnica e ideológica estavam comprometidos
com a modernização do sistema previdenciário brasileiro e seu alinhamento
com os países de primeiro mundo.46
A forma e o ritmo com que a previdência se expandiu revelaram a
sua utilidade para o governo populista de Vargas. Representou não apenas
um eficiente cabo eleitoral nas eleições, mas também um importante meio de
controle da organização sindical (basta notar que a cobertura previdenciária
se destinava aos trabalhadores urbanos). Entre os partidos, principalmente
PSD, UDN e PTB, a legislação da previdência social também era alvo de
disputas e barganhas.
Independente de sua origem, a Previdência Social
brasileira é bastante afetada pelas características
políticas e econômicas dos períodos que sucedem a
Revolução de 30. À medida em que se generaliza às
populações assalariadas urbanas nas décadas de 30/40,
a Previdência Social altera seu papel político.
Organizada agora em função de categorias
46 Interessante a abordagem do autor a respeito da rivalidade entre e industriários (IAPI) e
bancários (IAPB) e a forte oposição destes últimos à unificação da previdência. Hochman (1988).
56
profissionais, a Previdência vai se desenvolvendo sobre
um espaço político e institucional que é o mesmo do
sindicalismo corporativista organizado por Getúlio
Vargas (Salm,op.cit:125).
A previdência social tornou-se um propício campo para consolidação
de poder, tanto por parte do governo quanto por parte dos sindicatos
atrelados ao Estado. As direções das CAPs e dos IAPs, elites burocráticas
extraídas das lideranças sindicais, possuíam largo poder de negociação e
mobilização. A década de 40 iniciou com uma proposta internacional de
centralização da previdência.
O relatório do inglês William Beveridge publicado em 1942, foi
considerado com o passar do tempo, o modelo de seguridade que poderia ser
aplicado a países que tivessem as mínimas condições para tal. O referido
relatório foi responsável por amplo debate a nível internacional, reflexo das
transformações econômicas e sociais sofridas no pós-guerra. No Brasil uma
equipe liderada pelo IAPI propôs uma leitura do documento adaptada ao
contexto da realidade sócio-econômica brasileira. As principais propostas do
plano eram:
Unificação dos sistemas de seguros públicos existentes.
Nacionalização e universalização do seguro.
Intervenção do poder público na manutenção do nível de
emprego.
Pôde-se perceber que a centralização foi o principal pilar da
proposta, que pretendia garantir a política de bem estar social (Welfare
State) ampliando o conceito de cidadania e igualdade. O Estado apareceu,
então, como agente amenizador das desigualdades provocadas pela auto-
regulação social.
No Brasil a força do corporativismo presente nas CAPs e nos IAPs, e
políticos que temiam pela perda de suas bases eleitorais, representaram
grande empecilho para a implantação das reformas.
57
Com a Constituição de 1946, muitos projetos apresentados na
Câmara Federal propunham a reformulação da previdência social, alguns
trazendo propostas de mudanças superficiais e outros trazendo já traços do
futuro modelo previdenciário brasileiro. Um ano depois da promulgação da
Constituição Federal de 1946, foi apresentado pelo deputado Aluizio Alves
(UDN), o projeto de Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) que previa a
unificação da legislação dos Institutos e Caixas e incluía no sistema único os
trabalhadores autônomos e os profissionais liberais.47 Neste projeto, o tripé
responsável pela sustentação da previdência social brasileira estava
definido:
Universalização
Uniformização
Centralização
Em 1950, Aluizio Alves apresentou mais uma versão do projeto da
LOPS na Câmara. Cada vez mais a legislação da previdência social se
tornava alvo de política partidária e assumia conformações necessárias ao
populismo. Este jogo de forças entre partidos, técnicos e forças sindicais nos
momentos de crise foi um dos grandes motivos para a lentidão das reformas.
Em 1953 a terceira versão da LOPS chegou ao plenário da Câmara Federal.
Diante de uma conjuntura política de crise, o Executivo
lança mão da previdência social como um meio de
revigorar o populismo, nos velhos moldes trabalhistas,
acionando medidas tanto com relação às classes
assalariadas - como é o caso do I Congresso Brasileiro
da Previdência Social - como no legislativo ... Em
resumo,1953 torna-se um marco na evolução da
história política da previdência social, na medida em
que coube ao Executivo a iniciativa de politizá-la, vale
dizer, de introduzi-la na arena política como um
poderoso instrumento de controle/mobilização (Cohn,
op.cit:175-6).
A criação do Ministério da Previdência, expressão máxima da
centralização previdenciária, foi protelada até 1951. Nesta época, já estava
se consolidando entre a elite técnica a idéia de ampliação dos serviços
47 A respeito de maiores detalhes do conteúdo da LOPS consultar também Cohn, op. cit.
58
oferecidos pelo Estado, que deveria estendê-los além da distribuição de
benefícios para a prática da assistência social.
Desde sua idealização, a previdência social funcionou como meio de
captação de divisas. O governo contencionista de Vargas encontrou no
referido órgão, não um meio de distribuição dos serviços sociais promovidos
pelo Estado, mas sim, sólida fonte de recursos para a promoção de sua meta
número um, a industrialização. O sistema de capitalização ineficiente,
aliado ao desvio de recursos para outros setores da economia e à utilização
político/partidária da previdência social, provocaram a ineficiência e a
falência do sistema previdenciário brasileiro desde seus primeiros anos de
funcionamento.
Com a morte de Vargas em 1954, Café Filho assumiu a presidência e
a crise econômica e política já instaurada se acentuou. Nesta época
transpareceu ainda mais o débito de empresários e governo com a
previdência.
...a sobrecarga financeira com os gastos em prestações
vai se fazer sentir sobretudo pela ampliação das
categorias assalariadas cobertas pelas instituições
previdenciárias e pelo ônus de baixa rentabilidade dos
investimentos feitos através do regime de capitalização.
No instante em que, pela simples ampliação numérica
dos setores assalariados urbanos, ocorre a previsão por
ampliação das prestações, argumenta-se, na
dependência da conjuntura política ser mais ou menos
impermeável às demandas das classes assalariadas,
com o equilíbrio financeiro das instituições. E então o
débito da União aparecerá de forma mais ou menos
acentuada, dependendo da força da oposição nos
diferentes momentos (Cohn, op.cit: 191).
A ampliação dos debates nos meios políticos, sindicais e técnicos,
refletiu o avanço das negociações e conchavos em torno da promulgação da
LOPS. Por outro lado, o aumento da mobilização popular também exerceu
forte influência nas decisões do governo que, conforme mencionado, tinha na
previdência um instrumento de mobilização e controle das massas.
A abertura da economia brasileira para os monopólios estrangeiros
impulsionada por Juscelino Kubitschek nos anos 50, propiciou às décadas
59
seguintes um crescimento da economia muito maior do que nas anteriores. A
diversificação do parque industrial veio acompanhada pela inserção de
novas tecnologias e conseqüente aceleração do ritmo da produção. Paul
Singer ao se referir aos três maiores países da América Latina (Argentina,
Brasil e México) demonstrou que foi colocado em prática um plano de
desenvolvimento que acabou custando caro a esses países:
De 1955 em diante, iniciou-se um processo de
integração de importantes setores da indústria destes
países no circuito internacional do capital.
Conseqüentemente, a industrialização do Brasil, da
Argentina e do México (e de outros países em condições
análogas) tornou-se cada vez mais solidária com o
movimento do capital internacional, passando a
participar de sua expansão e sofrendo as conseqüências
de suas contrações em medida cada vez maior. Isso terá
conseqüências cada vez mais importantes para o
andamento da economia brasileira... (Singer,1976:48).
Ainda seguindo a referida obra, pôde-se constatar que o
investimento feito no Brasil entre 1955 e 1961 se concentrou na forma de
financiamento (mais de 80%) e não de investimento direto. Estes dados
levaram a perceber a importância dos rumos tomados, no final da década de
50, para o desenvolvimento econômico brasileiro futuro. A política
populista/desenvolvimentista do período elevou a inflação e o achatamento
salarial, provocando o aguçamento da relação dialética entre Estado e forças
populares. Nos primeiros anos da década de 60 a situação do governo se
agravava:
Desta maneira, a participação popular no processo
político, nos quadros da Constituição de 1946, era
reforçada e aprofundada pelo ciclo de lutas econômicas
desencadeadas pela inflação e democracia: quanto mais
se acelerava a subida dos preços, tanto mais ampla e
efetiva ia se tornando a participação popular no
processo político, e quanto mais se intensificava a
mobilização popular tanto mais rapidamente
aumentavam os preços (Singer,op.cit:53).
O empresariado nacional, até então sem se reconhecer como força
hegemônica, encontrou no Estado um grande aliado, capaz de adotar, por
um lado, políticas paternalistas e, por outro, abrir as portas para o capital
60
estrangeiro, oferecendo-lhe vantagens irrecusáveis. No campo social, as
políticas públicas sofreram cortes no orçamento.
Em 1960 depois de muitos impasses e dificuldades dentro e fora do
Congresso, finalmente a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) foi
aprovada. No contexto político e social a década de 60 apresentou mudanças
significativas. A previdência social acompanhou estas mudanças.
2.2. A Publicação da LOPS e o Modelo Previdenciário no
Governo Militar (1960 -1980)
Após a promulgação da Lei no 3.807/60 (LOPS), os técnicos do IAPI,
defensores da racionalização e modernização do sistema, assumiram altos
cargos na previdência social e continuaram buscando o alinhamento do
sistema previdenciário brasileiro com outros, europeus e americanos.
A referida Lei constituiu-se em um importante prenúncio do
processo de universalização que iria sofrer a previdência social na década de
70. Ao contrário do que se pretendia, a LOPS não trouxe a unificação dos
Institutos e Caixas, e muito menos um consenso nos cenários político e
sindical. Conforme Malloy (op.cit.) o período entre 1960 e 1964 foi de intensa
luta entre facções, aquelas favoráveis à unificação e à aplicação de reformas
mais profundas e, aquelas partidárias de mudanças superficiais.
Paralelamente à polêmica em torno da nova Lei, havia o
agravamento da dívida do governo com a previdência reflexo já mencionado,
da má gestão e do desvio dos recursos para outros setores.
A emenda de número 31, que aumenta o montante de
recursos destinado à previdência social, acaba sendo
rejeitada. Em conseqüência, para o ano de 1960 a
União consigna somente 800 milhões de cruzeiros,
quando sua dívida para com a previdência alcança a
cifra de 60 bilhões de cruzeiros (Cohn, op.cit:223).
61
A crise econômica em que o Brasil mergulhou nos primeiros anos da
década revelaram a ineficiência do programa econômico do governo
Goulart.48 A fragilidade financeira foi acompanhada do desgaste do
trabalhismo populista diante da elite governamental. O equilíbrio da
previdência como instrumento de mobilização e controle dos trabalhadores,
mantido pelo Estado Novo, progressivamente foi quebrado. O apelo às
camadas urbanas e rurais e à setores da burguesia nacional descontentes
com a penetração do capital internacional, não foi suficiente para impedir a
crise econômica (que se manifestou principalmente pelo processo
inflacionário) e política que assolaram o país.
Solitário, sem o apoio da elite empresarial e dos partidos ligados a
ela, Goulart não teve seus esforços para redução do déficit da balança
comercial reconhecidos. Por outro lado, sua relação amistosa com os
comunistas e seu declarado apoio à reforma agrária provocou o repúdio dos
credores americanos, do empresariado nacional e de facções do próprio
partido do qual fazia parte - o PTB.
Malloy (op.cit.) afirmou que com o objetivo de manter suas bases no
sindicalismo organizado, Goulart promoveu medidas bastante populares
mas que oneravam ainda mais os cofres da previdência. Em 1962 a primeira
delas foi publicada e eliminou a exigência dos 55 anos de idade para a
aposentadoria. Na referida lei, o tempo de trabalho (35 anos) também
passou a contar como requisito. Com esta medida, surgiram críticas dos
técnicos, que alegavam a falta de recursos para atendimento do grande
número de segurados mais jovens. Outros decretos e Leis continuaram a ser
publicados com o mesmo objetivo...
Finalmente, numerosos especialistas em previdência
social argumentaram que o Governo Goulart esvaziava
o sistema ainda mais através de empréstimos
48 A respeito do Plano de Metas que entrou em seu último triênio em 1960 consultar Lessa, C. O
Último Triênio - A Política Econômica à Retaguarda dos Acontecimentos. In:15 Anos de Política Econômica. São Paulo, Brasiliense, 1983. Interessante estudo sobre a crise do governo Goulart
pode ser encontrado em Bandeira, M. O Governo João Goulart: As Lutas Sociais no Brasil (1961-1964). São Paulo, Civilização Brasileira.
62
politicamente motivados e de medidas demagógicas
como, por exemplo, o subsídio à moradia dado aos
trabalhadores. Aqui não se trata de julgar esses atos
isoladamente, mas de observar que os especialistas os
viam como irracionais, politicamente motivados,
considerando que ajudavam o sistema a mergulhar na
bancarrota (Malloy, 1986:126).
As dívidas do governo com a previdência aumentava a cada dia e em
02 de março de 1963 foi publicada a Lei 4.214 criando o FUNRURAL (Fundo
de Assistência ao Trabalhador Rural). A referida Lei ampliou a assistência
social e ao mesmo tempo demonstrou a aliança de Goulart com lideranças
dos trabalhadores agrários.49 Ligações deste tipo incomodavam a elite
burocrática presente nos IAPs, principalmente no mais forte dentre eles, o
dos industriários (IAPI). No mesmo ano, em 27 de dezembro, a Resolução no
1.500 regulamentou o Regimento único dos Institutos de Aposentadorias e
Pensões.
As divergências internas à previdência refletiam a luta ideológica
que permeava todos os setores da sociedade. De um lado, as medidas
populistas e de aproximação de Goulart com a esquerda e, de outro a crise
econômica que provocava manifestações de descontentamento das massas
por meio de greves e passeatas. As pressões da elite política/econômica e os
altos níveis inflacionários formaram barreiras intransponíveis no governo
Goulart. Em 1964 foi decretado o golpe militar.
O golpe de 64 foi fruto de longa e cuidadosa preparação de setores
militares e econômicos. De acordo com a abordagem de Armand Dreifuss
(1981), o complexo IPES (Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais)/ IBAD
(Instituto Brasileiro de Ação Democrática) teve peso fundamental para a
divulgação dos ideais destes setores. Sua função era a preparação ideológica
das camadas médias da população, tornando inviáveis as reformas propostas
pelo governo de Goulart. As contradições e pressões aumentaram até o
estrangulamento em 1964, quando o governo militar assumiu o poder
auxiliado pela ala conservadora do empresariado e por setores da burocracia
civil.
49 Esta Lei só foi colocada em prática em 1971. A alegação: falta de recursos.
63
As reformas ocorridas na previdência social pós 64 foram reflexo do
fim do período democrático e o início da ditadura. A unificação do sistema
previdenciário seguiu-se à proposta centralizadora do governo militar
definindo a estrutura da seguridade social nos anos subseqüentes. Segundo
Cohn (op.cit) a previdência deixou então, de ser instrumento de barganha
entre partidos e lideranças sindicais. Esta modificação só se tornou possível
com a eliminação das oposições trabalhistas e das influências da classe
trabalhadora, enquanto instrumentos de pressão e membros ativos da
gerência das instituições previdenciárias. Malloy compactuou com a visão de
Cohn, e com muita propriedade, diferenciou o que representaram a ditadura
de Vargas e a ditadura militar para a participação dos trabalhadores na
previdência social.
...após um período de intensa mobilização, o novo
regime tentou, indiscutivelmente, despolitizar as
questões de política social, desmobilizar o operariado e,
assim, eliminar os trabalhadores organizados como
força política relevante na formulação da política
pública. Se Vargas no período inicial seguiu uma
política de "inclusão controlada” dos trabalhadores na
coalizão que dominava o Estado, o novo regime seguiu
uma política de “exclusão controlada” dos
trabalhadores da nova coalizão dominante do âmbito do
Estado” (Malloy, 1976: 128).
Em uma ótica mais global, o Estado brasileiro, comandado pela
ditadura militar, sofreu modificações de fundamental importância para a
história do país. O sonho de tornar o Brasil uma potência mundial justificou,
para os militares, os meios adotados para atingir o fim. Com uma política de
endividamento externo (e conseqüente dependência dos países credores), o
governo militar liderou a industrialização e chamou a si a responsabilidade
da modernização do país. No processo de produção das mercadorias, as
novas tecnologias trazidas pelas multinacionais mostravam uma nova
organização produtiva e gerencial para o trabalhador.
O Estado, transformando-se em uma imensa máquina burocrática,
tornou-se incapaz de racionalizar seus próprios gastos. Enquanto as
camadas populares sentiam o achatamento salarial, programas como
Mobral, na década de 70, tiveram como objetivo dar ao trabalhador o
64
mínimo de escolaridade para participar do mercado de trabalho e,
conseqüentemente, conseguir acompanhar o desenvolvimento tecnológico
trazido pelo capital estrangeiro. Maria Helena Moreira Alves corrobora a
visão do governo militar exposta até aqui. Segundo a autora ...
Instaurada a crise da democracia formal em 1964, as
classes clientilísticas brasileiras, associadas ao capital
internacional, agiram decisivamente no sentido de
transformar as estruturas do Estado, para dar
continuidade a um modelo de desenvolvimento
capitalista dependente e explorador (1987:315).
Em 1966 foi instituído o FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço). Uma forma de poupança do trabalhador, que veio substituir a
estabilidade deste na CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). O FGTS
era formado pela contribuição do trabalhador para um fundo, cujo objetivo
era de dotar este mesmo trabalhador de uma reserva por ocasião da
demissão. O FGTS conferiu ao mercado de trabalho maior liberdade para a
rotatividade de mão de obra.
No mesmo ano, a previdência social realizou a meta da
centralização, preconizada pela LOPS. O decreto-lei no 72, de 21 de
novembro de 1966, criou o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social).
Com essa medida, todos os IAPs e CAPs se fundiram e, foi instituído um
sistema único de contribuição e distribuição dos benefícios. Além da meta da
unificação, a previdência também caminhou para a universalização,
incluindo benefícios a empregados domésticos.
Os anos de 1964 e 1967 foram marcados por recessões de curta
duração e que afetaram diretamente as camadas mais populares da
sociedade. Nos anos de 1965 e 1966 a queda da inflação promovida pelo
governo de Castelo Branco, que assumiu a presidência em 1964, propiciou
um clima de otimismo entre as elites política e econômica. Entre outras
medidas, os cortes nos gastos do governo - inclusive a taxa do salário mínimo
- eram tidos como fundamentais para a diminuição da inflação no período.
Novos empréstimos internacionais foram conseguidos graças à queda da
65
inflação. No entanto, a taxa de 41% não pode ser mais rebaixada e em 1967
nova crise política e econômica se iniciou.
Com uma política contencionista e com a sua dívida para com a
previdência aumentando, o governo militar se viu em posição delicada,
mesmo dirigindo suas forças para a “despolitização” da previdência em prol
da organização tecnicista desta. A ampliação dos direitos previdenciários foi
inevitável.
Em resumo, podemos afirmar que as conquistas dos
trabalhadores em outros momentos políticos já haviam
sido incorporadas de tal forma à sua condição de
cidadania que era impossível voltar atrás neste
assunto. Pelo contrário a estratégia estatal, apoiada
pelas classes empresariais, vê na manutenção e
ampliação destes direitos a possibilidade de obtenção
da harmonia social em um contexto altamente
desfavorável para os trabalhadores, impossibilitados de
organização e participação política e sobretudo os
principais prejudicados pelo selvagem processo de
acumulação em curso (Oliveira e Teixeira,1989:204).
A partir da citação acima, pôde-se perceber a dificuldade do governo
militar da época, em gerenciar a previdência social dentro dos moldes da
LOPS e do populismo. O sistema de arrecadação e capitalização
previdenciário já demonstrava sinais de falência nesta época. Seguindo o
raciocínio de Salm (op.cit), as décadas de 30 e 40 propiciaram uma grande
arrecadação para os cofres da previdência, porém as altas taxas de inflação e
a má capitalização dos recursos nas décadas seguintes, levaram ao
esvaziamento destes.
Seguindo o pressuposto de Oliveira e Teixeira (op.cit.) a partir de
1966 a previdência social brasileira assumiu as diretrizes de:
ampliação da cobertura previdenciária - extensão dos serviços
prestados à população urbana e parte da população rural;
ênfase na medicina individual e curativa em detrimento dos
programas de saúde coletiva e preventiva;
criação de um complexo-médico-industrial privado, oriundo da
produção de equipamentos médicos e medicamentos e, possível
66
graças à articulação do Estado com o capital internacional,
representado pela indústria farmacêutica;
desenvolvimento de um padrão de prática médica baseado na
lucratividade, o que tornou possível o crescimento de grupos
privados.
Notou-se, a partir desta esquematização das metas do governo
militar, um forte estímulo à previdência privada em detrimento de políticas
públicas, principalmente no que se referiu ao aspecto da saúde. A
assistência médica, desde 1967 sob responsabilidade do Ministério da
Saúde, na prática ficou relegada às esferas do INPS.
Como já foi dito, os rumos da previdência pública refletiram o clima
autoritário dos últimos anos da década de 60 e a primeira metade dos anos
70. Estes foram marcantes para a organização de movimentos sociais, que
demonstravam a insatisfação da população. O governo militar teve no
sistema de segurança um de seus principais aliados contra a “subversão”.
Seus inimigos imediatos eram os que possuíam ideologia diferente do poder
e os adeptos da luta armada, o que o forçava a manter uma rede de
vigilância entranhada não apenas na sociedade civil, mas também em toda
estrutura militar.
Sindicatos, organizações estudantis e associações de categoria,
uniram-se em torno da reivindicação dos direitos à liberdade e cidadania.
Contudo, eram impedidos de se manifestar devido ao Estado instituído e
fortalecido pelo aparato repressivo/militar. Movimentos sociais eclodiram em
todas as partes do país, porém a forte repressão política impediu uma
formação sindical e associativa fora da clandestinidade. Os primeiros anos
da década trouxeram consigo o amadurecimento da organização da
resistência ao poder normativo da época.
O trabalhador oprimido pelo poder político da era dos militares e
pela nova organização do trabalho, precisou encontrar novas formas de
resistência e auto-preservação. De acordo com Alves (op.cit.), a busca de
estabilidade institucional por parte do Estado de Segurança, estabeleceu
67
entre este e a oposição, uma relação dialética onde a ação de um provocava
reação de outro, estabelecendo-se assim ciclos alternados de repressão e
liberalização. A partir do final de 1974, o governo Médici (1969-1974),
apontado por Skidmore (1991) como mais autoritário e repressivo de todos
os presidentes do golpe, iniciou o processo de retorno à democracia,
conseqüência da ausência de sustentação do Estado repressivo/Militar.
Conforme Góes e Camargo:
A gênese da abertura não é entendida aqui como ponto
de partida da ação que se desencadeou para reformar o
sistema político. Essa ação se inicia em 1974, com a
eliminação da censura à imprensa e a contenção dos
aparelhos repressivos. A gênese refere-se à percepção
inicial da conveniência de superar ou atenuar o
autoritarismo. Não me refiro à percepção havida por
parte da sociedade ou de seus setores mais organizados
e ativos, mas por parte dos detentores do poder. Eles se
anteciparam às demandas da sociedade por mudanças
e iniciaram a ação que, inicialmente denominada
‘descompressão’, passou a ser chamada de ‘abertura
política’ (1984:126).50
Thomas Skidmore (op.cit.) defende que o governo Médici foi
marcantemente diferente de seus antecessores. Constituído mais por
administradores do que por políticos (tendo a frente destes o Ministro
Delfim Neto), colocava-se acima da sociedade e não teve maior expressão no
processo de descompressão do sistema. Por outro lado, seu sucessor, Ernesto
Geisel (1974-1978) tinha não apenas uma imagem mais fechada e austera do
que Médici, como também era um autêntico tecnocrata, apresentando
grande interesse pelos detalhes da administração. No Ministério da
Fazenda, Delfim Neto foi substituído por Mário Henrique Simonsen, porém
o General Golbery do Couto e Silva continuou a ser o “homem forte” do
governo. Neste momento, o processo de redemocratização do país
apresentava-se como questão delicada para o governo, que precisava ao
50 Para maiores esclarecimentos a respeito da censura na imprensa escrita e as formas criativas de
resistência por parte de jornais na época consultar Aquino, Maria A. de. Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968-78): O exercício cotidiano da dominação e resistência - o Estado de São Paulo e Movimento. São Paulo, USP, 1990. Dissertação de mestrado.
68
mesmo tempo, tranqüilizar os militares da chamada linha dura51 e evitar a
organização da esquerda. Como bom Castelista, Geisel tinha como meta
manter o crescimento econômico e acreditava que a ditadura precisava
continuar durante um período definido. Este equilíbrio entre os linha dura e
os moderados foi mantido por ele com muitos esforços.
Na esfera econômica, o governo Geisel começou a se debater com a
crise mundial e seus reflexos na economia nacional.
Essas ameaças à estratégia econômica baseada na
dívida se materializaram em vários graus durante o
governo Geisel. Os ingressos de capital, pelo menos,
continuaram em volume suficiente para financiar o
crescimento, intensivo de importações (Skidmore,
op.cit: 404-5).
A previdência, inserida neste contexto, sofreu modificações
substanciais. A Lei 6.036, de 1o de maio de 1974, desmembrou o Ministério
do Trabalho e Assistência Social, criando o Ministério da Previdência Social.
Neste momento a previdência passou a contar com força de Ministério. No
mesmo ano, o governo militar iniciou efetivamente a assistência aos idosos.
Com a assinatura da Portaria 82, de 4 de Julho de 1974, garantiu aos idosos
uma renda mensal vitalícia.
Os idosos cobertos pela previdência social, atingidos
pela política da acumulação da miséria, contaram, pela
primeira vez, com um dispositivo legal que os assistisse
sem que, no entanto, a realidade vivida por esse
segmento da população fosse mencionada, mesmo
porque pobreza e previdência não poderiam aparecer
associadas num momento em que o governo tentava
velar os infortúnios ocasionados pelo “milagre
econômico”, impedindo o desmascaramento dos
curandeiros sofisticados a serviço da simbiose Estado -
burguesia internacional - associada
(Haddad:op.cit:240).
De acordo com Oliveira e Teixeira (op.cit), o II PND (Plano Nacional
de Desenvolvimento) em 1974 deixava claro um interesse maior sobre o
aspecto social do que o PND anterior.52 Estes dados levaram à reflexões a
51 O termo linha dura é utilizado por Skidmore (op.cit. p. 385) e Alves (op. cit. p. 325) para designar
os setores do governo militar mais conservadores e adeptos à repressão. 52 Sônia Draibe defende a idéia da existência do do Welfare State no Brasil nesta época, com a
ampliação e centralização dos serviços sociais promovidos pelo Estado. Para a autora, Welfare
69
respeito do papel central que a previdência social ocupou nesta política
assistencialista, fruto das desigualdades sociais provocadas pelo “milagre”.53
...as alterações na conjuntura política criam uma
situação tal que passa a demandar o fortalecimento da
opção pela seguridade social. E, mais do que isso, exige
uma intensificação deste modelo através do aumento
crescente da cobertura e ampliação dos benefícios
(op.cit:239).
A questão principal estava, portanto, na grande desigualdade de
renda - e de cidadania - que prevaleceu no período da ditadura militar.
Mesmo um sistema previdenciário modernizado e alinhado aos de países de
primeiro mundo, estava sujeito a sucumbir à má gestão de recursos e à
desigualdades sociais tão profundas.54
O problema da proteção social no Brasil não está na
concepção equivocada do sistema, nem na sua natureza
ambígua, nem no seu movimento pendular entre o
contribuinte e o cidadão. No Brasil, os contribuintes são
os cidadãos de fato, ficando os demais na dependência
da incorporação à cidadania por extensão da política
social, naturalmente limitada pelos recursos
(Daim,1992:83).
A ampliação das políticas públicas ocorreu sob forte influência
clientelista, atingindo as fileiras da seguridade social, da educação, da
habitação, etc. A respeito da modernização do sistema, Cláudio Salm
declarou:
State ou Estado de Bem Estar Social significa “... no âmbito do Estado Capitalista...processos que,
uma vez transformada a própria estrutura do Estado, expressam-se na organização e produção de
bens e serviços coletivos, na montagem de esquemas e transferências sociais, na interferência
pública sobre a estrutura de oportunidades de acesso a bens e serviços públicos e privados e,
finalmente, na regulação da produção e de bens e serviços sociais privados.” (1988: 27). Já para
Malloy, o que ocorreu com a previdência no período militar foi uma ampliação da política
paternalista já expressa na Lei Eloy Chaves... “A opinião paternalista expressa por Eloy Chaves
nos anos 20 até hoje ecoa em muitas partes. Um dos proponentes do conceito de salário social, por
exemplo, ligou o desenvolvimento destes programas a uma necessidade nacional objetiva que
precisa ser preenchida pelo Estado, porque a massa da população, por força das circunstâncias, é
incapaz de (ou não quer) planejar e salvar o seu próprio futuro. Ante esta falha social coletiva de
uma população que só pensa a curto prazo, o Estado precisa entrar em cena e assegurar o seu
bem-estar” (Malloy, 1986:148). 53 O período do milagre econômico no Brasil, ocorrido entre fins da década de 60 até meados da
década de 70, é apontado por economistas e historiadores como ímpar na história nacional.
Implicou num grande crescimento econômico calcado no endividamento externo, sem que fosse
diminuído o grande desnível social existente na época. 54 Para uma análise comparativa da previdência brasileira com a de outros países, consultar Malloy,
1986 p.151-66.
70
Trata-se, sem dúvida, de uma ampla escala de serviços
e benefícios sociais, conformando com um sistema de
seguridade social quase que completo se tomarmos
como padrão de referência países de seguridade social
amadurecida (op.cit:115).
Ainda de acordo com o autor, no período de 1971 a 1981, a relação
entre contribuinte e população urbana passou de 17,8% para 30,1%.
Aumento bastante expressivo, ainda mais considerada a década anterior que
foi de 12,6% (op.cit: 131). No entanto, embora com caráter universalista, a
qualidade do serviço oferecido decaiu. A centralização excessiva das decisões
e dos recursos financeiros durante o governo militar debilitou a ação dos
governos municipais. Além disso, o sistema de arrecadação manteve-se o
mesmo desde a década de 60 (ampliando-se apenas as alíquotas de cada
contribuinte), sendo que os recursos da previdência continuaram a ser
utilizados para o financiamento de obras completamente diferentes dos
propósitos para os quais esta foi criada.55
Seguindo o raciocínio dos autores citados (Oliveira e Teixeira, 1989;
Daim, 1992; Salm, 1984) pôde-se perceber o impasse para o qual a
previdência social brasileira caminhou nos anos 70. Por trás da ampliação e
da diversificação dos serviços oferecidos, um grande abismo financeiro foi
gerado. A crise mundial, deflagrada nos primeiros anos da década de 70,
levou vários países da Europa e Estados Unidos a desenvolver uma política
pública contencionista.
No Brasil, por conta do milagre econômico, os gastos com a
previdência social se ampliaram, ao mesmo tempo em que se abriu as portas
para a entrada de capital privado em setores como saúde, por exemplo. Nos
fins da década de 70 não apenas a dívida externa mantinha seu crescimento,
como também a dívida interna assumia grandes proporções. O colapso era
inevitável.
55 A respeito do desvio de verbas da previdência para aplicações com rentabilidade de risco e para
setores determinados pela conjuntura política ver Salm, op. cit., p. 132 em diante.
71
2.3. O Neoliberalismo e Sua Difusão na Previdência Social
(1980-1990)
Para facilitar a compreensão dos rumos da economia interna, e
conseqüentemente da previdência social, nos primeiros anos da década de
80, julgou-se importante levantar algumas questões referentes às
transformações mundiais ocorridas nos meados da década de 70.
A crise em que o modelo fordista de acumulação56 mergulhou a
partir de 1973, teve sérias repercussões na economia e na organização
política das nações. Segundo David Harvey (1993), foi mais profunda do que
as crises cíclicas inerentes ao sistema capitalista e, trouxe grandes
transformações na área econômica, política e social.57
O setor de serviços, desde então, vem assumindo proporções nunca
previstas numa organização econômica onde está ocorrendo um processo de
desindustrialização. Iniciado no pós guerra, quando o Estado interferiu
claramente na produção e na geração de riquezas, o Estado do Bem Estar
Social inaugurou novos conceitos de cidadania e consumo. Com a
flexibilização do Capital ocorrida nos anos 70, tem havido uma adaptação
muito maior da indústria e das novas tecnologias produtivas e gerenciais, ao
mercado consumidor que também se modifica. Além disso, a ampliação do
mercado financeiro internacional passou a movimentar um montante de
riquezas muito maior do que em décadas anteriores. Com as mudanças na
geração e gerência da riqueza, o Estado tem dividido com o mercado, o papel
de eixo norteador e controlador das relações sociais e produtivas.
56 Henry Ford, pode ser simbolicamente denominado pai do fordismo, originado no início do século
XX. As inovações tecnológicas e organizacionais do fordismo implicavam basicamente em atrelar a
produção em massa ao consumo em massa, o que exigia uma nova organização social que aliava a
racionalização à democracia. O modelo fordista baseado na otimização da produção e na linha de
montagem encontrou seu aperfeiçoamento na organização científica do trabalho criada pelo
taylorismo, precursor da divisão do trabalho manual e intelectual na fábrica. 57 Vários estudos se referem à ruptura do modelo fordista de acumulação. Vale mencionar, de forma
resumida que a mencionada crise mundial de produtividade e ajuste de mercado teve seu primeiro
choque em 1973/4 com o choque do petróleo. Esta dificuldade conjuntural só veio a revelar a
inadequação da rigidez do modelo fordista às novas necessidades econômicas e políticas mundiais.
Para melhores esclarecimentos consultar Harvey, op. cit.
72
Jacob Gorender (1997) apresenta algumas divergências de outros
estudiosos58 do processo de flexibilização e globalização59 da economia,
porém demonstra uma definição clara e objetiva deste processo, que pôde ser
melhor identificado já no começo dos anos 80.
O fordismo originou plantas de dimensões enormes,
uma vez que deu prioridade absoluta à economia de
escala e estimulou a verticalização. Já os recursos
técnicos mais modernos favorecem a produção enxuta,
a economia de escopo, a produção diversificada em
pequenos lotes, a terceirização ou subcontratação.
Dessa maneira, formaram-se empresas-rede, com
conformação variada e flexível, que vincula a empresa
dona do design e da griffe a inúmeras outras,
executantes das mais diversas operações fabris. A
vinculação se faz e desfaz de acordo com a conveniência
da empresa detentora da griffe ... (Gorender, op.cit.:
326).
Com a organização sócio-econômica inaugurada na década de 70, a
classe trabalhadora também precisou se reorganizar. Ricardo Antunes
(1995), enfoca as dificuldades enfrentadas pelo movimento sindical na
sociedade contemporânea. Segundo ele, a raiz do modelo sindical,
fundamentada no período fordista, tinha como fator crucial a estabilidade do
trabalhador. Com a diversificação da ocupação deste no capitalismo flexível,
trabalhadores temporários, com horários menos rígidos ou com atividade
informal, ficaram de fora deste modelo sindical. Para a solução da crise por
que tem passado a organização trabalhadora, os sindicatos mais organizados
têm recorrido à fusões ou mesmo à formação do corporativismo, nem sempre
positivos.
A reestruturação social provocada pela globalização do mercado não
se limita à organização de classe, vai muito além, diz respeito à cidadania. O
não ajustamento à nova ordem econômica e de mercado, implica em
exclusão. Esta tem atingido não apenas jovens e velhos, mas também a
população considerada economicamente ativa. O desemprego vem
ultrapassando os índices do chamado exército industrial de reserva e, tem
58 Para maiores esclarecimentos a respeito dos pontos de divergência, contrastar o referido texto de
Gorender (op. cit.) com Sader e Gentili (1996). 59 Jacob Gorender (op.cit.) em sua explanação sobre a globalização faz um apanhado histórico a
respeito do processo no mundo e as conseqüências para o Brasil.
73
assumido caráter estrutural, isto é, torna-se crônico. As novas técnicas de
gerenciamento enxuto, aliadas ao avanço da tecnologia, extinguem cargos
considerados ainda na década de 70, essenciais.
Interessante notar que a forte ideologia que acompanha a
globalização, cria a certeza de ser este o rumo natural da história e não há
outras alternativas. É o que nos aponta Viviane Forrester (1997).60
Nossa indiferença, nossa passividade em face desse
horror distante, mas também em face do outro (menos
freqüente, mas não menos doloroso) que nos é contíguo,
pressagiam o pior perigo. Porque estamos em perigo, no
próprio centro do perigo. O desastre está preparado,
totalmente específico. Sua arma principal: a rapidez de
sua inserção, sua habilidade de não causar inquietação,
em parecer natural e como se estivesse implícito. Em
persuadir que não há alternativa para a sua
implantação. Em só deixar-se perceber depois que se
tornaram inativas e suspensas as lógicas que podiam
ainda opor-se ao seu domínio e até mesmo denunciar
suas próprias lógicas. (op.cit:39).
A flexibilização do capital respalda-se na organização política
neoliberal. O Estado neoliberal, tem estimulado a subjetividade coletiva do
Estado centralizado em detrimento da subjetividade individual. Por trás de
uma aparente incompatibilização, constata-se a separação entre este e a
sociedade civil. Enquanto Marx, com o surgimento do capitalismo, via no
conceito de classe a única alternativa para a homogeneização da consciência
do trabalhador, hoje a globalização do mercado e o american way of life
generalizam-se, transformando as estratégias de resistência dos oprimidos.
As classes sociais diferenciam-se internamente e a cada dia vêm surgindo
novos estratos e categorias. Neste processo, as organizações classistas
perdem força e conseqüentemente, as suas políticas específicas se
enfraquecem (Sousa Santos,1993).
Enquanto os países de primeiro mundo se adaptavam às novas
regras de mercado, no Brasil, a década de 80 foi palco de crise aguda no
60 A autora, em sua obra, enfoca não apenas as mudanças mundiais em seu lado mais injusto e cruel,
mas também o aspecto individual, chamando a atenção do leitor para as pressões que os
indivíduos (principalmente os excluídos, como desempregados, dependentes da previdência, etc.)
sofrem sobre sua identidade e sua auto estima na sociedade globalizada.
74
setor produtivo61 e de ebulição dos movimentos sociais. A abertura política
tornou possível a manifestação popular pelas eleições diretas no país. A
organização sindical se fortaleceu e novos espaços para a formação de grupos
identitários foram abertos. Entretanto, para Moreira Alves (op.cit.) a relação
dialética entre governo militar e setores organizados da sociedade civil foi
tão intensa, que ambos iniciaram o processo de abertura política debilitados
e, a oposição não conseguiu desenvolver mecanismos de ruptura real com o
poder militar:
Do ponto de vista da oposição, esta realidade de
preservação do poder de Estado assinala os limites das
possíveis negociações para a modificação do modelo
político, social e econômico. Apesar de sua intrínseca
instabilidade institucional, o Estado ainda detém
influência suficiente para fazer adotar medidas que
garantam sua continuidade. A oposição, embora
dispondo de maior legitimidade e apoio popular, ainda
está dividida, carecendo de formas adequadas de
mediação (Alves, op.cit: 327).62
No âmbito econômico, a crise dos anos 80 é apontada como a mais
aguda que o Brasil viveu. A grande dependência do mercado externo e de
credores internacionais comprometeu o equilíbrio interno. O FMI (Fundo
Monetário Internacional) passou a ser o gerenciador da economia brasileira:
Os credores externos eram o público-alvo e os juizes. Os
ministros do Planejamento e da Fazenda
empreenderam expedições bem orquestradas ao
exterior para assegurar e reassegurar que as metas
exageradamente otimistas estavam seguramente, ao
alcance. Enquanto isso, a credibilidade interna
dissipava-se. Delfim permanecia no cargo porque o
governo não era capaz sequer de definir uma estratégia
alternativa (Fishlow, 1988:180).
61 “O colapso total da estratégia de crescimento esboçada no III Plano de Delfim foi confirmado em
1982. Não cabia mais ao Brasil ‘escolher’ ou ‘recusar’ uma recessão. Em fins de 1982 a necessidade
de evitar a inadimplência externa suplantou todas as demais metas econômicas. PIB, produção
industrial, emprego, bem-estar social, tudo ficou subordinado à descoberta de dólares para pagar
os juros da dívida” (Skidmore, op.cit: 458). 62 É interessante notar a observação de Souza a respeito da organização político-partidária no Brasil
em meados dos anos 80. “O atual processo partidário-parlamentar, caracterizado pela existência
de um vasto centro - um espaço onde todos estão com todos e de que não conhecem nem os limites
nem a espinha dorsal - que eu chamaria de ‘centrismo invertebrado’, teve aí seu ponto de partida.
Não é de admirar que o governo enfrente imensas dificuldades na construção de uma base
parlamentar que o apoie, ou que a sociedade pareça incapaz de encontrar referências para
compreender o processo político” (op.cit: 569).
75
Seguindo o raciocínio dos autores em questão (Alves, 1987 e Fishlow,
1988), é possível notar que a Nova República surgiu como fruto de uma
conjuntura econômica e social de extrema fragilidade. No momento em que a
política econômica se voltava para a inserção do Brasil no mundo em
processo de globalização, as responsabilidades pela desigualdade social não
eram imputadas a ninguém, visto que a distinção entre governo e sistema
político tornou difícil a identificação da esquerda e da direita
(Souza,1988:577). No campo social as desigualdades se ampliaram e, o
achatamento dos salários exigia medidas amenizadoras urgentes do
governo. Neste período, as políticas sociais funcionaram como tentativa de
regulação nas contradições inerentes à economia capitalista.
Em meio à crise inflacionária brasileira, os ventos do neoliberalismo
sopraram mais fortes, vindos principalmente da Inglaterra, sob o governo
Thatcher, (1979) e dos Estados Unidos, sob o governo Reagan (1980).63 A
previdência social foi um de seus principais alvos no Brasil, reflexo de
outros países.64
Esta afirmação tornou-se evidente, quando foi constatado que o
Estado neoliberal tem como meta o descompromisso com os programas
sociais. Este direcionamento das políticas públicas revelam a grande
restrição da intervenção do Estado nas práticas econômicas e sociais. Sua
premissa básica tem sido a diminuição da ação do Estado como poder
regulamentador. Sônia Draibe define claramente a intenção do governo
neoliberal:
...a proposta liberal significa o corte no gasto social e a
desativação dos programas sociais públicos. A ação do
Estado no campo social deve ater-se a programas
assistenciais - auxílio à pobreza - quando necessários,
de modo complementar à filantropia privada e das
comunidades. Mesmo assim, os programas de auxílio à
pobreza não devem ser dirigidos a grupos específicos,
para não provocar distorções no mercado (1993:90).
63 Sobre as origens do neoliberalismo consultar Anderson, P. Balanço do Neoliberalismo. In: Sader e
Gentili (op. cit.) 64 Dados estatísticos a respeito dos gastos com aposentadorias em diversos países no mundo nas
décadas de 70 e 80 e informações sobre os vários tipos de aposentadoria, podem ser encontrados
em Draibe (1986).
76
A mesma autora entende a política neoliberal na América Latina
como fundamentada num tripé: descentralização, privatização e
concentração dos programas sociais. Tendo a privatização como objetivo,
estes países iniciam programas de desestatização dos serviços públicos que,
segundo a autora, impressionam a população desavisada, mas não resolvem,
nem sequer minimizam, a situação de pauperização desta população.
Não foi possível afirmar neste estudo, em que medida as diretrizes
neoliberais foram adotadas nos primeiros 5 anos da década, contudo,
considerou-se relevante refletir a respeito do colapso do sistema
previdenciário brasileiro que os anos 80 trouxeram à tona. À crise, o governo
da Nova República respondeu (assim como os governos anteriores) com o
aumento das alíquotas. Os critérios de financiamento e de aplicação dos
recursos não foram questionados.
A postura da medicina previdenciária de permanecer curativa ao
invés de preventiva, individualizada no lugar de coletiva e beneficiária dos
grandes trustes, permaneceu a mesma. Além disso, a linha divisória entre
previdência e assistência social continuou duvidosa (Salm, op.cit.).
Conforme o autor, o centro nevrálgico da crise residiu não no
aumento do contingente de inativos, dependentes da previdência, mas sim
na ausência de capitalização dos recursos arrecadados. Isto significa que a
ampliação do número de beneficiários, que deu seqüência à meta de
universalização da previdência, não encontrou sua contrapartida na
captação de recursos que atendesse à demanda. A defasagem gerada foi o
principal motivo para a falência do sistema, antes mesmo de propiciar uma
condição de vida digna à quase totalidade dos inativos dependentes deste.65
Os aposentados sofreram nos anos 80 verdadeiros golpes em seus
cálculos de aposentadoria e reajustes. Por se constituir na categoria mais
65 Compartilhando da análise de Salm (op. cit.) Oliveira e Teixeira colocam ... ” Como vimos
afirmando diversas vezes, a crise previdenciária origina-se na contradição estrutural de um
sistema em crescente expansão, em decorrência de determinações políticas, sem que este processo
tenha sido acompanhado de qualquer alteração no mesmo sentido, na restrita base financeira
deste sistema” (op. cit:278).
77
desorganizada e com baixo poder de reivindicação, o governo lançou mão dos
recursos da previdência para cobrir outros setores mais defasados.
Em uma análise mais ampla, notou-se que quando os modelos de
políticas públicas de países desenvolvidos são adotados nos de economia
subdesenvolvida, sem critérios de avaliação ponderados, a crise torna-se
ainda mais aguda. No Brasil o sistema previdenciário público, corroído pela
má administração, pela burocratização e pela corrupção, está falido. Esta
situação tem sido vivida por outros países, principalmente pelos mais
pobres.
Na Argentina, Uruguai, Equador, Chile, Peru, Bolívia,
Filipinas, Turquia, o Banco Mundial exerce fortes
pressões para impor projetos modernizantes e já está
enfrentando crescentes resistências. O modelo imposto
pelo BIRD ao Chile, durante a ditadura Pinochet, levou
os trabalhadores a receber aposentadorias que os
colocam abaixo da linha da pobreza, conforme estudo
da Organização Internacional do Trabalho (OIT)”
(Cadernos do Terceiro Mundo, 1996: 6).66
O mesmo artigo apontou para a amplitude do projeto...
As pressões do Banco Mundial e do Fundo Monetário
Internacional não se limitam às aposentadorias e
pensões. São, de fato, aspectos de um projeto global
muito mais profundo e exigente. As reformas dos
sistemas de previdência estão intimamente ligadas à
abertura dos mercados e às privatizações (op.cit: 7).67
A partir desta explanação, acredita-se que os cuidados foram
tomados para não se cair no economicismo, que atribui como causa da crise
na previdência, apenas seu colapso econômico e a depressão financeira
conjuntural brasileira. Defende-se, neste trabalho, a idéia de que questões
mais profundas também influíram na crise previdenciária em que o Brasil
mergulhou, como a adoção de medidas contencionistas nas políticas
públicas, importadas de países do primeiro mundo, tornando clara sua
66 Augusto Pinochet no Chile e o deputado Roberto Campos (com o projeto 1136/83) no Brasil, foram
apontados no mesmo artigo da revista, como responsáveis pelo fortalecimento da política de
privatização da previdência pública em 1983. 67 Este artigo se baseia no documento “Assalto às Aposentadorias - Política de Seguridade Social do
Banco Mundial para os países do Sul”, de Susanne S. Paul, presidente do Comitê de Organizações
Não Governamentais Sobre a Terceira Idade, das Nacões Unidas, e James A Paul, diretor-
executivo da ONG Fórum de Políticas Mundiais; edição em espanhol do Instituto do Terceiro
Mundo, Montevidéu, Uruguai.
78
intenção de inserção nos programas neoliberais, preconizados por países
como Inglaterra e Estados Unidos.68
No início dos anos 90 o estímulo ao sistema de previdência privada
tornou-se evidente, demonstrando uma política de aguçamento das
desigualdades no final da vida do trabalhador. O Estado, por sua vez,
progressivamente tem imputado aos gastos do setor público a
responsabilidade pela crise estrutural do sistema.
2.4. A Associação de Aposentados e Pensionistas de São José
dos Campos: A Resistência na Relação com Seu Outro
Conforme mencionado anteriormente, a situação dos aposentados e
pensionistas piorou a partir dos meados da década de 70. A qualquer sinal
de dificuldades financeiras de outros setores da economia, o governo lançava
mão dos recursos provenientes da previdência social.
Além da previdência se constituir como “caixa” de reserva, outros
fatores como a inflação e o achatamento salarial refletiam nos proventos dos
aposentados. Segundo Haddad (1993:35), a Lei 6.205, de 29 de abril de 1975,
piorou a situação da categoria. A referida Lei foi responsável pelo fim do
salário mínimo como “fator de correção” dos benefícios, passando este a ser o
sistema especial de atualização monetária.
Esta medida refletiu no poder de barganha dos aposentados.
Enquanto os reajustes dos benefícios permaneciam atrelados aos do salário
mínimo, as pressões sindicais e populares (mesmo sob um regime de
ditadura) funcionavam como forças reivindicadoras. No momento em que
houve a desvinculação dos benefícios do salário mínimo, desatou-se o elo
entre as exigências dos aposentados e as lutas sindicais. A categoria perdeu
uma grande força.
68 Esta mesma linha de raciocínio pode ser encontrada em Mota (1995:117-58).
79
Ainda segundo a autora, a situação se agravou e a abertura para a
defasagem com relação ao salário mínimo foi dada pelo Decreto 77.077, de
24 de janeiro de 1976, que estabeleceu a vinculação do citado sistema
especial de atualização monetária a um valor de referência diferente para
cada região do país. Ora, com esta medida, o governo se desobrigou de
reajustar os proventos dos aposentados de acordo com qualquer medida
oficial de inflação. Estes passaram a ganhar menos que o salário mínimo
(Haddad,1993:35-6).
Em 1979, enquanto o Brasil vivia uma situação de crise econômica e
os efeitos do “milagre” não podiam mais ser sentidos, a situação dos
aposentados e pensionistas se agravou de tal forma, que levou a categoria a
se organizar. Seguindo a seqüência de medidas de achatamento, a Lei 6.708,
de 30 de outubro de 1979, foi responsável por grande defasagem da
categoria.69
De acordo com a referida Lei, o salário mínimo deveria ser corrigido
pelo INPC semestralmente e seguiria diferentes valores para os diversos
patamares salariais acumulativamente. Isso significa que os níveis salariais
mais baixos deveriam ter reajustes menores (o que prejudicou diretamente a
categoria). Além disso, os reajustes passaram a ser pagos de acordo com o
índice do salário mínimo anterior. Em outras palavras, não só os
aposentados e pensionistas que ganhavam o mínimo passaram a ter
reajustes menores, como também tiveram seus proventos corrigidos sobre
os 6 meses anteriores. Este processo trazia em si o que foi chamado de
“efeito cascata”, isto é, a defasagem crescia a cada reajuste.
A organização do Movimento dos Aposentados e Pensionistas não se
configurou como tal, antes de 1979. Embora algumas Associações tenham se
fundido, não conseguiram representatividade suficiente em outras
categorias para se tornarem Centrais.70 Foi nos anos 80 que as Associações,
69 A respeito das demais Leis e decretos que acabaram por levar os aposentados e pensionistas a uma
terrível defasagem na época, consultar Haddad, 1993 e Simões, 1998. 70 A União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil foi fundada em 1966, fruto da junção da
Associação dos Trabalhadores Gráficos Aposentados de São Paulo e da Legião dos Inativos de São
Paulo (Haddad,1993:40).
80
até então isoladas, criaram suas Centrais - Federação (no âmbito do estado
de São Paulo) em 1983 e COBAP (no âmbito nacional) em 1985.
A organização e o amadurecimento do Movimento ocorreu, conforme
já demonstrado, concomitantemente à divulgação pela mídia, da propalada
crise da previdência. Longe de se propor que os meios de comunicação de
massa tenham desencadeado o Movimento, acredita-se que há a
possibilidade desta ter influenciado na opinião pública e, como conseqüência,
na iniciativa dos aposentados de procurar seus direitos.71
As colocações anteriores levam a concluir que o Movimento dos
Aposentados e Pensionistas foi fruto do colapso em que o sistema
previdenciário se encontrava e, mais precisamente, da situação de
pauperização em que mergulhou a categoria nos fins da década de 70 e início
dos anos 80. Conforme Haddad:
O projeto de uma ação reivindicatória conjunta não se
fez de imediato à uniformização dos benefícios dos
IAPs. Foram constituídas, em primeiro lugar,
associações para informar e orientar os dependentes da
previdência social. A partir delas, e com as profundas
defasagens dos proventos dos aposentados e
pensionistas, decretadas pelos dispositivos
institucionais concretizadores da política de ‘confisco
salarial’ ao longo do pós-64, e agravadas ao final da
década de 70, é que apareceram as federações e - com a
união das mesmas - a COBAP. Em 1985, os ecos do
Movimento poderiam ser ouvidos em todo o território
nacional, não fossem as barreiras levantadas para
evitar sua ressonância maior (1993:38).
A afirmação feita acima foi ratificada por depoimentos que
revelaram o trabalho inicial de conscientização das Associações.
O que a gente pretendia era mesmo isso, era esclarecer
o associado, porque de um modo geral, o aposentado, já
desde aquela época ele não sabia os direitos dele...como
é que ele poderia...às vezes ele tinha o benefício dele
errado, calculado errado, como é a coisa mais comum,
benefício calculado errado. Então a Associação
esclarecia...um grupo de aposentados que estavam
naquela mesma situação acabava colocando um
71 Vale ressaltar que as reflexões a respeito da influência da mídia como um fator contribuinte para a
organização dos aposentados não possuem qualquer comprovação documental e serve apenas como
hipótese para estudos futuros. Sobre a divulgação do Movimento na mídia consultar Simões, 1998.
81
advogado para resolver o problema, como aconteceu
(Florivaldo Camocardi).
Nós só não tínhamos condições de fazer nada porquanto
nosso conceito a nível de entidade...não tinha
divulgação. Então nós nos louvávamos das pessoas que
nos procuravam e a gente passava aquela proposta pra
poder conseguir alguma coisa. Então, veja bem, os
encaminhamentos que nos preocupou sobremaneira foi
exatamente as defasagens que ocorreram na questão
dos proventos de aposentadoria. Porque nós partimos
do princípio de que, em primeiro plano o aposentado
tinha que ter consciência de que o que ele estava
ganhando, se não era o justo, era o que estava correto.
Então isso nós tínhamos que eliminar da cabeça
daqueles que naturalmente imaginavam: bom, hoje, eu
contribuí durante tantos anos, e contribuí sobre 20
salários, porque que eu ganho um salário mínimo? ...
Então esse conceito todo, essa mecânica toda que nós
tínhamos que conhecer e conhecer também a legislação
no seu conteúdo para poder explicar, nos deu conta que
os projetos mais prementes foram esses (Benedito
Domingos).
A partir do que foi colocado, tornou-se possível antever que a questão
da conscientização dos aposentados foi fundamental para o fortalecimento
do Movimento. Em um espaço menor, o da Associação, o trabalho de
conscientização foi gradual (e porque não, permanente) e fundamental para
a atração de novos associados, responsáveis pela manutenção da entidade.
Os aposentados precisavam antes saber no que implicava o Movimento e o
que era a Associação. Quais os benefícios que poderia trazer para eles.
Abrindo aqui um parêntese para uma análise mais global da
situação, podemos perceber que o Movimento refletia algo além da crise da
previdência social brasileira, ou mesmo das dificuldades econômicas pela
qual o Brasil vinha passando. O Movimento amadureceu em uma década em
que novos agentes surgiram em todo o mundo.
Com a diminuição da intervenção do Estado no âmbito social e
produtivo em favor do mercado, provocada pelas políticas neoliberais, a
capacidade reguladora deste diminuiu. Foram abertas para novas
alternativas de organização dos grupos de pressão. Houve mudanças na
relação indivíduo/Estado e a luta pela cidadania precisou assumir outros
82
contornos. Boaventura de Sousa Santos esclareceu as mudanças nos
movimentos emancipatórios:
do ponto de vista da emancipação, é possível pensar em
novas formas de cidadania (coletivas e não individuais;
menos assentes em direitos e deveres do que em formas
e critérios de participação), não-liberais e não
estatizantes, em que seja possível uma relação mais
equilibrada com a subjetividade (op.cit.:213).
De acordo com esta ótica de análise das classes sociais na sociedade
capitalista contemporânea, os movimentos sociais também podem ser
estudados como organizações com caráter muito mais abrangente e
propósitos universais. As orientações pós-materialistas são características
destes novos movimentos sociais, que canalizam suas reivindicações para
problemas mundiais como a ecologia, o desarmamento nuclear e o pacifismo.
O reconhecimento das diferenças também é uma característica destes
agentes emergentes. Este traço revela um esforço contemporâneo para o
resgate da subjetividade individual e da identidade de grupos.
Conforme o autor, ao mesmo tempo que as possibilidades de
negociação e transformação surgem nos partidos, sindicatos, empresas e
famílias, no nível social qualquer mudança parece inviável e, uma
organização social diferente da existente se mostra impossível. As mudanças
giram em torno de um horizonte mais limitado do que a esfera sócio-
econômica, tonando assim remota a perspectiva de mudança estrutural.
Segundo Sousa Santos, as lutas em que os novos movimentos sociais se
traduzem...
pautam-se por formas organizativas (democracia
representativa). Os protagonistas destas lutas não são
as classes sociais, ao contrário do que se deu com o duo
marshalliano cidadania-classe social no período do
capitalismo organizado; são grupos sociais, ora maiores,
ora menores que classes, com contornos mais ou menos
definidos em vista de interesses colectivos por vezes
muito localizados mas potencialmente universalizáveis
(Sousa Santos,op.cit: 225).72
72 O autor utiliza o termo capitalismo organizado para identificar o mesmo período que Harvey
(op.cit.) identificou como Fordismo iniciado nas primeiras décadas do século XX e finalizado na
década de 70.
83
A partir das colocações do autor, ousou-se compreender o Movimento
de Aposentados e Pensionistas como fruto (além da política econômica e
previdenciária brasileira) também das novas formas de organização e
reivindicação que estavam se delineando nos países de primeiro mundo.
Enquanto parte de uma organização maior, o MOP, a Associação de
Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos constituiu-se, na época,
em uma voz que gritava contra a defasagem dos proventos da categoria.
Para conhecer melhor esta voz que resistia e não aceitava leis e cálculos
impostos pelo poder, incorporado no governo federal, julgou-se necessário
fazer alguns esclarecimentos a respeito do conceito de resistência adotado
aqui. Partiu-se, então, de alguns parâmetros para que o termo resistência
não se reduza a um conceito tão abstrato, que não possa ser percebido na
realidade empírica da pesquisa.73
Flávia Schilling (1991) coloca que resistência não é revolução.
Implica em um movimento cotidiano para a manutenção da vida, da
subjetividade.
Resistência não é revolução, não se pretende tal,
mesmo que pareça indicá-la e mesmo que possa até,
sustentá-la. Portadora de ambigüidades, por
momentos parecendo uma ilusão pois reprodutora da
ordem fundamental e de sua lógica, por momentos
portadora de recusas que questionam profundamente
essa mesma ordem e a lógica que a sustenta (1991:5).
Interessante notar no texto da autora a noção de ambigüidade,74
onde nem o poder em forma de dominação e reprodução e, nem a força de
oposição a este poder são totais, hegemônicos. A brilhante fala de Marilena
73 Conforme mencionado na introdução, a definição trazida pelo Dicionário Aurélio Básico do termo
resistência aponta: - “Ato ou efeito de resistir. Força que se opõe a outra, que não cede a outra.
Luta em defesa. Defesa. Fig. Oposição ou reação a uma força opressora. Embaraço, obstáculo,
empecilho. Fig. Vigor moral; ânimo.” p. 566. 74 A noção de ambigüidade trabalhada no texto seguiu a idéia colocada por Marilena Chauí, onde o
termo não significa deficiência, mas sim as várias dimensões do objeto a ser analisado e também
pelas diversas dimensões intrínsecas ao sujeito que as analisa. “ Ambigüidade é a forma de
existência dos objetos da percepção e da cultura, percepção e cultura sendo, elas também,
ambíguas, constituídas não de elementos ou de partes separáveis, mas de dimensões simultâneas
que, como dizia ainda Merleau Ponty, somente serão alcançadas por uma racionalidade alargada,
para além do intelectualismo e do empirismo.” (Chauí 1986:123). Outro texto da autora deve ser
mencionado aqui, para aqueles que se interessam pelo estudo da resistência. Neste, é trabalhada a
resistência de mulheres contra sua opressão. Chauí, M. Participando do Debate Sobre Mulher e
Violência. In: Perspectivas Antropológicas da Mulher. Rio de Janeiro, Zahar, vol. 4. 1985.
84
Chauí aponta a consciência do que é e do que poderia ser, como motor da
resistência.
Consciência que opera com paradoxos, porque o real é
tecido de paradoxos, e que opera paradoxalmente,
porque tecida de saber e não-saber simultâneos, marca
profunda da dominação. A consciência trágica, em seu
sentido originário, tal como revelada pela tragédia
grega, não é aquela que se debate com um destino
inelutável, mas, ao contrário, aquela que descobre a
diferença entre o que é e o que poderia ser e que por
isso mesmo transgride a ordem estabelecida, mas não
chega a constituir uma outra existência social,
aprisionada nas malhas do instituído. Diz sim e diz não
ao mesmo tempo, adere e resiste ao que pesa com força
da lei, do uso e do costume e que parece, por seu peso,
ter a força de um destino (1986:177-8).
Esta relação de parcialidade, determina as regras do que a autora e
Certeau (1994) chamaram de “jogo”.
Michel de Certeau (1994) trabalhou formas de resistência nas
relações de poder que permeiam a vida cotidiana. Nota-se que o autor, ao
definir a noção de jogo de dominação e resistência no espaço das práticas
cotidianas, também rompe com a idéia de bloco hegemônico da ideologia
dominante. Baseou-se em Foucault (1995), 75 apontando a trama do social
como espaço de ação de focos de resistência dispersos, mas atuantes:
Se é verdade que por toda parte se estende e se precisa
a rede de vigilância, mais urgente ainda é descobrir
como é que uma sociedade inteira não se reduz a ela:
que procedimentos populares (também ‘minúsculos’ e
cotidianos) jogam com os mecanismos da indisciplina e
não se conformam com ela a não ser para alterá-los;
enfim, que ‘maneiras de fazer’ formam a contrapartida,
do lado dos consumidores (ou dominados), dos processos
mudos que organizam a ordenação sócio-política
(Certeau,op.cit:41).
75 Não se pode trabalhar nesta ótica de análise da resistência sem, no mínimo mencionar o trabalho
de Michel Foucault. No que refere ao poder da disciplina no âmbito das estruturas jurídico-política
o autor revela... “Por regular e institucional que seja, a disciplina, em seu mecanismo, é um
‘contra-direito’. E se o juridismo universal da sociedade moderna parece fixar limites ao exercício
dos poderes, seu panoptismo difundido em toda parte faz funcionar, ao arrepio do direito, uma
maquinaria ao mesmo tempo imensa e minúscula que sustenta, reforça, multiplica a assimetria
dos poderes e torna vãos os limites que foram traçados. As disciplinas ínfimas, os panoptismos de
todos os dias podem muito bem estar abaixo do nível de emergência dos grandes aparelhos e das
grandes lutas políticas.” (Foucault, 1995: 195-6). Grifos meus.
85
Michel Mafesolli (1993) trabalhou sob a ótica de Certeau,
comparando o jogo duplo exercido pelos políticos com o procedimento do
cidadão comum. Afirmou que na política, este jogo duplo é praticado num
espaço comum, como uma permanente negociação a fim de manter o poder.
De acordo com o autor, as estratégias desta coletividade têm o mesmo fim,
pois trazendo a contradição em si, este jogo garante a subjetividade e
consequentemente a preservação do grupo. Atitudes cotidianas e, às vezes
despercebidas pelos próprios protagonistas, constróem o real. Códigos de
sobrevivência são desenvolvidos no cotidiano, revelando assim uma lógica
própria da vida.
Muito interessante notar que os caminhos apontados pelos autores
acima propõem alguns parâmetros de análises próximos. Embora muitos
deles possuam paradigmas teóricos diferentes (como é o caso de Boaventura
de Sousa Santos e Michel Foucault ou, Marilena Chauí e Michel de
Certeau), direcionam suas análises de resistência ao poder, na sociedade
contemporânea, para a questão da subjetividade e do contra-poder, para a
luta cotidiana construída por ações, muitas vezes, não elaboradas ou mesmo
inconscientes.
Um trabalho de Paulo de Salles Oliveira (1993) sobre o universo da
convivência entre avós e netos, na periferia de uma cidade paulista,
demonstrou como os dois extremos das idades do homem sofrem a dupla
opressão, enquanto classe social e grupo etário. De acordo com o autor, a
resistência destes grupos é tecida no cotidiano marcado pela convivência.
Mas, a despeito de inferiorizados socialmente são
capazes de criar práticas originais, de reinterpretar
idéias e sugestões, de reinventar o que já vem pronto e
de fazer de suas vidas uma travessia de partilhas e
mudanças. Contentar-se com pouco e, deste, ainda
extrair força criadora para resistir, recriando a vida em
conjunto, é algo que comporta uma simbologia
expressiva, capaz de muito ensinar. Não pretendo com
isso dizer que se deva considerar as relações entre avós
e netos como modelos, capazes de criar amanhã um
novo ser (op.cit:3).
86
Instigante (e árduo) foi pensar um grupo de idosos, envolvidos em
um movimento político maior, sob a ótica da resistência apresentada pelos
autores acima. Em uma análise mais cuidadosa, pôde-se perceber que o
grupo em sua luta cotidiana para firmar-se como parte de um Movimento,
ou melhor, como grupo de pressão,76 exerceu formas diversas de resistência.
As formas de luta foram conscientemente escolhidas, embora a ambigüidade
resistência/adesão estivesse sempre presente.
Para eles, a resistência estava no dia a dia, não revolucionária e
feita de pequenos atos de recusa ao poder. Não era hegemônica, mas
demonstrou inteligência dos atores envolvidos. Por isso mesmo, a relação
entre os sujeitos e a estrutura de poder se configurou como um
desenvolvimento constante de estratégias e de invenções cotidianas. Possuía
uma ambigüidade inerente e permanente, revelando momentos de aceitação
passiva alternados com recusa e consciência
As reflexões em torno da Associação facilitaram a compreensão de
como se deu o duplo movimento de reprodução e negação da dominação, sem
que nenhum dos extremos tenham sido completados. Isto é, sem que o
governo, personificado na previdência, tivesse acabado com qualquer tipo de
resistência e, sem que os aposentados tivessem eliminado a previdência
social. Dependentes mutuamente, aposentados e previdência não podem se
destruir um ao outro porque seria seu próprio fim. Aí a característica de
“jogo” na relação.
As estratégias nestes primeiros 8 anos de funcionamento da
entidade foram se alterando à medida em que o governo da Nova República
assumia outros contornos. A defasagem dos benefícios nos primeiros anos da
década de 80 provocou reações na Associação que não foram as mesmas do
final da década. As armas variaram. Na relação direta com o governo, cartas
76 Recorreu-se a uma definição de Jean Meynaud a respeito dos grupos de pressão. De acordo com a
tipologia do autor estas associações podem ser caracterizadas enquanto grupos de pressão. Ele os
definiu como forças que orientam e direcionam o mecanismo governamental. O debate nos meios
acadêmicos a respeito do papel destes grupos na sociedade industrial ainda está em aberto. Para o
autor...“O único critério que preserva de interpretações subjetivas é comprovar nos interessados
uma vontade de influir nas decisões dos poderes públicos. Desde que esta vontade se manifeste, o
organismo considerado entra na classe dos grupos de pressão” (1962:7). Isso ocorre
independentemente do juízo moral ou da desaprovação da opinião pública.
87
reivindicatórias, processos encaminhados e manifestações programadas pela
própria Associação, foram importantes instrumentos de reivindicação.
Durante o período investigado (1983 a 1990), 21 correspondências
foram enviadas para o governo federal. Em 1985 foram emitidos ofícios
idênticos em nome das Associações do Vale do Paraíba ao presidente José
Sarney e ao ministro da previdência social Waldir Pires. Nos documentos,
escritos em papel timbrado da Associação dos Trabalhadores Metalúrgicos
Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos, Jacareí, Caçapava e
Santa Branca, continham nove reivindicações feitas pela COBAP. De forma
polida, porém em tom de cobrança, os documentos se encerraram...
Indubitavelmente, as reivindicações solicitadas,
atendidas, vem de encontro aos desejos dos
aposentados e pensionistas, que lutam para um dia
melhor, dentro do Governo da Nova República,
objetivando os reajustes de seus benefícios tão
defasados e, um tratamento tão desigual ao que é dado
aos empregados da ativa....Aceite os cumprimentos de
todos os aposentados e pensionistas, admiradores e
incentivadores do notável trabalho que Vossa
Excelência vem realizando no atual Governo (ofício s/n:
18/11/85).77
Pôde-se perceber que no texto, o primeiro ofício enviado ao governo
federal pela Associação, coexistiram reivindicação e elogio ao governo
Sarney. Sem realizar uma profunda análise lingüistica, é possível notar a
contradição, ou melhor, a ambigüidade implícita nos dois parágrafos. Os
elogios tecidos no final não anularam a cobrança e a reclamação diante da
defasagem e da desigualdade com que os aposentados são tratados.
A ambigüidade esteve presente nas correspondências enviadas no
período, embora, com o passar dos anos, o discurso tenha se tornado mais
claro e seguro. Cobranças, denúncias e insatisfação foram registradas,
chegando a ser usados termos mais “ofensivos” como na carta de
reivindicações enviada ao Ministro da Previdência Social Jader Barbalho,
em 89, demonstrando extrema insatisfação com sua gestão. Termos como
“...atitude indecente...”, “...propaganda mentirosa, injuriosa e falsa...”,
77 Grifos meus.
88
“...ineficiência...” foram utilizados. No parágrafo a seguir pode-se notar o
tom no qual o documento foi encerrado.
Por todos os desmandos, fraudes e mentiras ocorridos
no decurso dos anos sem que, uma palha sequer fosse
movida para que esse estado de coisas tenham fim é
que dizemos: a nossa paciência, Sr. Ministro, está se
esgotando, mas, como somos homens e mulheres de um
povo sofrido e maltratado pelos Poderes Públicos e por
não aceitar mais que mentiras, fraudes, empreguismo e
outras mazelas continuem a imperar em “nosso”
Ministério é que declaramos à V. Excia., em alto e bom
tom, que jamais abdicaremos de nossa luta visto
considerá-la justa e honesta...(ofício 053/89: 5/6/1989).78
A análise de documentos como este levou a reflexão em torno do que
é chamado aqui de “termos ofensivos”, como fruto do fortalecimento da
entidade e da organização do Movimento de Aposentados e Pensionistas
ocorrido nos fins dos anos 80.
Esta profunda insatisfação, demonstrada nas correspondências do
período, foi substituída pelo otimismo com a posse de Fernando Collor de
Melo na Presidência e Antônio Rogério Magri no Ministério do Trabalho e
Previdência Social. 79 Em carta enviada a Collor em 27 de abril de 90, em
nome de todas Associações do Vale do Paraíba, a AAPSJC apresentou 11
tópicos argumentando (por meio de leis e estatísticas) contrariamente à
notícia - e não ao governo - divulgada no jornal “Folha de São Paulo” do dia
26 de abril daquele ano, de que o aumento do salário mínimo inviabilizaria a
previdência social. Em síntese o documento questionou sobre:
Quais as políticas definidas pelo governo para garantir o pleno
emprego e o crescimento econômico. - Se há o conhecimento de
que os aposentados foram a “classe que mais sofreu os arrochos
salariais...” Que 82% dos aposentados e pensionistas ganham
de um a três salários mínimos. - Pergunta qual a porcentagem
do PIB gasta com os aposentados. - Denuncia que a União não
arca com a folha de pagamento dos funcionários da Previdência
78 Grifo do documento. 79 A respeito da recepção do governo de Fernando Collor de Melo pelas centrais do Movimento
consultar Haddad, 1991:193-97.
89
Social e sim, os contribuintes. - Coloca que a previdência arca
com as despesas com a saúde pública e pedem a participação de
empregados, aposentados e pensionistas e empresários na
gestão dos recursos da previdência (cf. ofício 180/90: 27/4/90)
É interessante ressaltar também que, a partir de 88, a
correspondência com alguns deputados federais se intensificou (Arnaldo
Faria de Sá - PRN, Farabulini Jr., Geraldo Akimin - PSDB), transparecendo
um relacionamento bastante cordial. Os deputados, muitas vezes, eram
tidos como porta-vozes e mensageiros diretos de cartas elaboradas para o
executivo pela Associação e pela central do Movimento.80
Este dado demonstrou a arregimentação e articulação progressiva de
forças no âmbito político federal, revelando estratégias de luta. Por meio de
alianças com partidos, nem sempre considerados de oposição, como é o caso
do deputado Arnaldo Faria de Sá, líder do PRN no governo Collor e tido
como aliado dos aposentados.
No que se refere aos estatutos da Associação, percebeu-se que ao
definir os propósitos da entidade, a resistência não se apresentou de forma
unidimensional. Houve diferenças do primeiro, registrado em 30 de março
de 1984, para o segundo, publicado em 9 de fevereiro de 1987.
A Associação de Aposentados e Pensionistas de São
José dos Campos...é constituída...para defender e
representar seus filiados perante os governos Federal,
Estadual e Municipal, Previdência Social, órgãos
públicos, sindicatos, associações e a sociedade81 (Artigo
1o dos estatutos de 30/03/90).
No segundo estatuto mudanças substanciais ocorreram, tornando a
Associação eclética. Contudo, o que interessou no momento foram as
alterações nos objetivos da Associação.
A Associação de Aposentados e Pensionistas de São
José dos Campos...é constituída para fins precípuos de
80 Como exemplo pode ser citado o ofício 043/89 de 9 de maio de 1989 ao Deputado Arnaldo Faria de
Sá sugerindo as alterações para a elaboração do anteprojeto da previdência. O documento inicia-se
com “ Prezado Deputado e Amigo” e tem expressões como “ ...fornecer , ao Companheiro, a
relação...” 81 Grifos meus.
90
estudos82, coordenação, proteção e representação legal
de todas as classes de aposentados e pensionistas,
perante o Instituto Nacional de Previdência Social -
INPS e demais órgãos públicos, e associações, no
sentido de solidariedade e promoção social dos seus
representados83 (capítulo 1 dos estatutos de 09/02/87)
Verificou-se, ao comparar os dois documentos, que houve uma
elaboração maior do 2o texto, tornando mais abrangente o papel da entidade.
Enfatizou a idéia de proteção e defesa dos aposentados contra o poder, que
na época recrudescia seus ataques aos aposentados. Esta é mais uma
demonstração de organização, ou melhor, reorganização frente às novas
investidas do poder personificado no INPS, órgãos públicos e associações.
No âmbito do MOP, outras alternativas eram usadas para mostrar
que havia uma resistência. Para a participação em encontros e congressos
da categoria por exemplo, os diretores da Associação lançavam mão de suas
relações com o poder local para conseguir ônibus e auxílio de viagem. A
questão da relação da Associação com o governo municipal será abordada
num próximo momento (capítulo 3). No entanto, vale ressaltar que também
esta alternativa da qual a entidade lançou mão para “driblar” as
dificuldades financeiras, pode ser encarada como uma forma de resistência
encontrada por ela para continuar atuante no Movimento.
Importante chamar a atenção para o fato de que a meta de
crescimento e fortalecimento da entidade estiveram presentes nestes
primeiros anos da Associação. A idéia de que a boa administração é aquela
que consegue angariar mais adeptos esteve presente em todo o trajeto da
entidade no período estudado. Por trás deste objetivo estava a conquista do
reconhecimento perante a opinião pública, e mais, perante as forças políticas
e econômicas locais.
Dos anos de 1983 a 1991, 60 matérias relativas à Associação de
Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos foram publicadas no
jornal Valeparaibano. Na época, não o maior, mas um dos maiores periódicos
82 No capítulo 3 será abordado o termo estudos inserido neste estatuto enquanto necessidade para a
obtenção de verbas públicas. 83 Grifos meus.
91
do Vale do Paraíba. Não foram encontradas matérias pagas pela Associação.
Dos artigos pesquisados, nenhum foi referente ao envolvimento em
escândalos, ou divergências internas, ou mesmo fracasso de alguma
atividade promovida pela entidade. Presidentes e diretores, por vezes deram
depoimentos técnicos ou emitiram opinião relativos à medidas adotadas pelo
governo. A respeito do dia do aposentado, 24 de janeiro ...
Hoje é o dia nacional dos aposentados e pensionistas,
que só na cidade somam mais de 40 mil. A data
entretanto, não contará com nenhum tipo de
comemoração. ‘O pacote econômico do Governo arrasou
com a categoria que não terá mais aumento de salário
na sua data-base em março’, declarou o presidente da
Associação dos Aposentados e Pensionistas de São José
dos Campos, Onofre Silva. Com isso, o aposentado terá
mais de 80% de perda sobre o seu salário que, ao invés
de aumentar ‘mingua cada vez mais’ (“O
Valeparaibano”, 24/01/89: 3).
À medida em que se buscava a identificação como entidade
representativa da categoria no município, a imagem divulgada na imprensa
ressaltava não apenas o êxito de associados que tiveram seus processos
ganhos na justiça, mas também as manifestações públicas lideradas pela
Associação ou que contaram com sua participação. Com uma imagem de
austeridade e ao mesmo tempo, fragilidade (porque a identidade de
aposentado está ligada à idéia de pobreza) e perseverança na condução dos
processos, a Associação buscou construir um conceito de entidade digna da
confiança da elite local e dos aposentados joseenses.
Um artigo chamou a atenção ao exaltar a energia dos membros da
Associação. Com chamada na 1a página, referente às preparações para o dia
do aposentado, a matéria que trouxe a foto do então presidente da entidade.
Entitulou-se “Aposentado prova que é bom de briga e luta por aumento”.
Para qualquer pessoa menos avisada eles não passam
de um ‘grupo de velhinhos’. Mas eles são diferentes.
Todos aposentados com uma média de idade de 50 anos
e um ‘pique’ de 20...estão lutando como qualquer uma
da muitas categorias de trabalhadores lesados...(O
Valeparaibano, 21/01/88:5)
92
Por meio deste pequeno trecho tornou-se possível a percepção da
entidade colocando seus membros como “diferentes” da maioria dos idosos
(que com uma média de idade em torno dos 50 anos são chamados de
“velhinhos”). A idéia transmitida foi de energia, força e indignação diante
das medidas governamentais que “lesam” a categoria.
Pela notícia entitulada “Aposentados recebem seus cheques, dois
anos depois”, foi possível compreender como o pagamento dos processos
contribuiu para a construção da imagem de eficiência da Associação.
A Associação dos aposentados e Pensionistas entregou,
ontem, nove cheques para beneficiados que, através da
justiça, reclamaram seus direitos. Para a maioria a
espera de um até dois anos valeu a pena, não pelo valor
em si, mas pela obtenção de um bom resultado...O
diretor Giuseppe Costantino - que entregou os cheques
- se sentia satisfeito porque a ocasião era um
coroamento de uma luta que não tem fim. ‘Através da
justiça, os aposentados estão sabendo que existe uma
entidade que se preocupa com os seus direitos e que
não devemos deixar nosso dinheiro nas mãos do
governo’...(“O Valeparaibano”, 07/07/89:5).
Ao refletir a respeito deste cuidado por parte da Associação em
elaborar o que foi chamado de imagem e conceito, pode-se perceber que o
objetivo das diretorias que passaram por lá durante os anos em questão,
esteve voltado não apenas para o crescimento da entidade, mas também
para o seu reconhecimento público enquanto digna de confiança dos
aposentados e da elite local.
A partir desta constatação tornou-se possível a interpretação do
reconhecimento público da entidade, como mais uma forma de resistência
desta contra as medidas de achatamento promovidas pelo poder. E mais, as
investidas do governo contra a categoria acabaram por se reverter em
benefício da entidade. Na medida em que os processos ganhos e as vozes dos
diretores da entidade foram divulgados, tornaram-se representativos dos
aposentados no âmbito local.
É possível permanecer escrevendo a respeito deste jogo entre
governo e Associação por longas páginas. As estratégias não foram
93
esgotadas e em todas as fontes puderam ser encontrados traços da
ambigüidade. A preocupação acompanhou todo o trajeto da entidade até
1990, quando foi feito o corte temporal da pesquisa. Para concluir, resta
dizer que pela análise documental, foi possível perceber a relação dialética
expressa no binômio aceitação/recusa apontado pelos autores estudados.
Esta relação embora conflitante, esteve intrínseca ao funcionamento da
Associação, dando a ela uma personalidade, uma identidade.
94
Capítulo III
A (RE) ORGANIZAÇÃO DA IDENTIDADE DA ASSOCIAÇÃO
DE APOSENTADOS E PENSIONISTAS DE SÃO JOSÉ DOS
CAMPOS
Sobre poder...
O exercício do poder é um jogo de forças
antagônicas em que há a dominação
eventual, mas que supõe uma margem
de liberdade e de possibilidades de
ação. Há “zonas de incerteza” na
relação de poder que possibilitam
movimentos de aproximação e recuos,
confrontos e aproximações.
Fischer e Carvalho
95
Ao chegar no 3o capítulo uma certa retrospectiva vem à mente da
investigadora. Acredita-se que este movimento constante de idas e vindas
seja importante para uma boa articulação da parte a ser trabalhada com as
anteriores, a fim de tornar clara a idéia que se está tentando transmitir.
No 1o capítulo a meta principal foi apresentar a Associação ao leitor.
Seu trajeto nos primeiros anos, as dificuldades e as influências sofridas pelo
grupo, que tentava se organizar e dar o primeiro impulso para a entidade.
Caminhando um pouco mais, o 2o capítulo abriu algumas
possibilidades para a reflexão em torno do “outro” do MOP e,
conseqüentemente, da Associação: a previdência social e, em última
instância, o governo federal. Daí a necessidade de apresentação de alguns
dados históricos da previdência. Encerrando o capítulo julgou-se importante
levantar algumas questões referentes ao jogo de resistência exercido pela
Associação para evitar sua falência diante do poder.
Como complementação ao 2o, e ao mesmo tempo, como parte central
da pesquisa, segue a construção do terceiro capítulo. Esta tem como objetivo
definir o conceito de identidade adotado, utilizando-se a memória enquanto
ponto importante para a coesão do grupo, bem como os projetos para o
planejamento de ações futuras. Algumas colocações relativas à crise de
identidade pela qual passa o aposentado também são abordadas, e, já na
ótica grupal, reflete-se a respeito do papel da coesão do grupo bem como dos
projetos para a organização de sua identidade. Finalizando, são colocadas as
questões referentes à relação travada com o poder local, como forma
estratégica para a manutenção da resistência.
96
3.1. Adotando um Conceito de Identidade
Iniciando a discussão em torno da identidade de um grupo de
aposentados, acredita-se ser fundamental discorrer sobre o conceito aqui
adotado. Na tentativa de aplicar esta concepção à análise do objeto, serão
tratados, a seguir, alguns aspectos da crise de identidade por que passa o
aposentado.
Para trabalhar a questão, referenciou-se basicamente em Carlos
Rodrigues Brandão (1986), Roberto Cardoso de Oliveira (1976) e,
principalmente, em Gilberto Velho (1994)84 que, fundamentando-se em
Alfred Schutz (1979), traz uma abordagem diferenciada das demais.
Brandão (op.cit.) expõe uma definição de identidade que passa da
ótica individualista para a ótica do grupo. É neste sentido que se desenvolve
o presente estudo. Segundo Brandão:
Entre psicólogos sociais e antropólogos, na questão da
identidade o que interessa mais é a tessitura das
inúmeras formas de relações entre pessoas - tipos
sociais de pessoas; entre grupos dentro de uma
sociedade (operários e patrões, protestantes e católicos,
negros e brancos) entre sujeito e grupos de duas
sociedades, por exemplo, como as tribos e as franjas
pioneiras das frentes pastoris da sociedade regional
brasileira ... Se a alguns importa explicar como
individualmente as pessoas passam pela trajetória
84 Leví-Strauss (1952), preocupou-se com a questão da alteridade. Defendeu a idéia de que esta
implica na imagem do outro. É criada a partir da percepção de que o indivíduo (o grupo, no caso)
não está sozinho, que além dele existem outros, indivíduos ou grupos, diferentes. Segundo o autor,
é o reconhecimento da diferença que provoca a alteridade, e sem este reconhecimento, o grupo se
referencia apenas em si mesmo.
97
biopsicológica de sua identificação, a outros interessa
compreender os mapas sócio-culturais que traçam para
os indivíduos os caminhos de sua trajetória (1986:38).
Julga-se importante deixar claro, portanto, que a pesquisa
desenvolvida adota esta postura diante do objeto, reservando para áreas
como a psicologia e a psicanálise as questões relativas às identidades
individuais. Não se pretende, entretanto, separar a esfera individual e
grupal como se fossem campos isolados e estanques. Ainda seguindo
Brandão (op.cit.), percebe-se a dimensão individual da construção da
identidade intrínseca à sua dimensão social, já que o ser é constituído de
ambas dimensões (do ser e da consciência do ser).
Trazendo esta ótica de análise para o objeto de estudo, pode-se
afirmar que a identidade do membro de uma Associação de Aposentados só
surge a partir de sua situação concreta e individual de aposentado. Embora
seja possível ser simpatizante da causa dos dependentes da previdência
social, a identidade do grupo só se torna possível a partir da consciência
individual da situação de aposentado.
Debert e Simões apontam um caminho para a compreensão da
identidade de aposentado. Segundo os autores a idéia de pobreza e
fragilidade acompanha a imagem deste, desde o século XIX, quando na
França foi imputado ao Estado, e não mais à família e à filantropia, o dever
de prover o futuro do velho trabalhador.
...pensar na aposentadoria era, sobretudo, identificá-la
com a pobreza. As aposentadorias, no contexto europeu
e norte-americano, surgiram como meios de substituir
as intervenções pontuais de cunho filantrópico dirigidas
às populações carentes. Configurando-se como um
sistema de proteção aos trabalhadores idosos, a
aposentadoria deu uma identidade específica aos velhos
pobres, distinguindo-os de outros setores alvos da
assistência social (1994:33).
De acordo com o referencial teórico colocado, nota-se que o
aposentado se percebe, ou melhor, identifica-se enquanto tal, a partir do
momento em que se defronta com sua própria vida concreta que tornou-se
passado - a vida de trabalhador. Em oposição ao seu futuro - a vida de
98
aposentado. Esta percepção da nova realidade resulta, em muitos casos, em
crise identitária, assunto que será abordado mais adiante. A comparação
passado/presente pode também ser encarada como diferença.
Identidades são, ... , não apenas o produto inevitável da
oposição por contraste, mas o próprio reconhecimento
social da diferença. A construção das imagens com que
sujeitos e povos se percebem passa pelo emaranhado de
suas culturas, nos pontos de intersecção com suas vidas
individuais (Brandão, op.cit:42).
Roberto Cardoso de Oliveira (op. cit.) desenvolve a idéia de
identidade enquanto conjunto de ideologias, ou melhor, de uma ideologia,
entendendo o termo como um feixe de representações.85 A partir desta
concepção o autor compreende a identidade como determinada pelas
relações sociais. Este enfoque permite o desenvolvimento dos conceitos de
“relações de identidade” e de “contraste de identidades”, o que pressupõe a
convivência entre várias delas:
Queremos nos referir especificamente à noção de
“relações de identidade”. Tal noção, supõe a existência
não de uma, mas de pelo menos duas identidades,
denominadas “identidades complementares” ou
“combinadas” (“matching identities”) (op. cit:44).
Utilizando-se do parâmetro de análise do autor, pode-se afirmar que
o discurso da identidade é substituído pelo das identidades. Nas últimas
décadas, com a grande velocidade das transformações, este conceito se
ajusta, visto que estas se substituem e coexistem cada vez mais
rapidamente.
Ao estudar a vida das famílias de perseguidos políticos no Brasil
durante o regime militar, Pietrocolla (1995) compreendeu a transformação
da identidade enquanto processo permanente de adaptação ao meio. De
acordo com o conceito utilizado pela autora, a “construção” e “reconstrução”
85 O autor utiliza-se do conceito de ideologia de Poulantzas (1969), segundo o qual esta seria uma
forma em que se assumem representações. Estas representações, segundo o autor, não têm como
“função” propiciar um vislumbramento da verdade na estrutura social. Por isso ela confere aos
indivíduos e grupos uma representação do real que possibilita a estes desempenhar seus papéis
nesta mesma estrutura. Por isso “Se ideologia é um discurso coerente, construído para eliminar
contradições encontradiças no sistema social, ela possui uma natureza sistêmica, integrada, capaz
de conter um ‘saber’ organizado (se bem que não científico) para certos fins, sejam eles econômicos,
políticos, estéticos, etc.” (Oliveira, op.cit: 40).
99
da identidade ocorre devido a necessidade individual de desenvolver
estratégias que assegurem a sobrevivência. Interessante pensar a
identidade daqueles que viveram entre parênteses (para usar a
denominação da autora), sob a ótica das adaptações que a vida de fugas,
exílio e clandestinidade exigiam.
O compromisso com a vida, assumido por intermédio
das mudanças impostas pelo destino, bem como o
compromisso político indicaram que as identidades
construídas no viver entre parênteses passavam por
alterações, incluindo-se o desenvolvimento de algumas
táticas para o enfrentamento de novas situações. Houve
também movimentos no sentido da reconstrução das
identidades. Elementos do passado e do futuro foram
interferindo e construindo o presente. Heróica ou não, a
identidade passava por alterações. Mudanças bruscas,
lentas, identidades se construindo, se desconstruindo
ou se reconstruindo desenhavam um quadro marcado
por fraquezas, reação, tentativas de vencer ... de
sobreviver! (op.cit: 79)
A noção de identidade construída (ou seria melhor dizer
‘emprestada’?) a partir dos autores acima, compreende não apenas a idéia
que o grupo faz de si mesmo. Tendo como contraposição de sua própria
imagem o seu outro - a previdência social - o grupo inserido no MOP
percebe-se como diferente, e mais, como opositor. Esta certeza do que é, leva
o grupo a definir o que quer e como agir para atingir suas metas.
Os grupos se apresentam como lugar onde as individualidades e as
subjetividades se articulam e, porque não, se complementam. Por isso,
abrem espaço para a convivência das várias identidades, já que cada
membro possui uma experiência de vida única e tem a oportunidade de
pertencer a outros grupos (familiares, partidários, religiosos, etc.). Estes
representam uma referência à qual indivíduos com interesses comuns
podem sentir-se pertencentes. Assim, despertam a sensação de
pertencimento, tão importante para a formação identitária.
Neste locus comum do grupo, as diferenças se organizam em torno
de um objetivo (ou objetivos) único(s). Por isso, a identidade grupal não
rouba a individualidade de seus membros, mas representa interesses
gerais. Seu fortalecimento significa energia, poder no confronto com seu
100
outro. Resta dizer ainda que a idéia de identidade (ou identidades)
apreendida relaciona-se com o movimento. Por não ser estanque, esta traz
em seu seio o relacionamento entre várias identidades, e por isso, modifica-
se pela ação do tempo e do espaço.
Não se buscou, portanto, uma identidade única e estática da
Associação no correr dos anos estudados. Procurou-se seu movimento, sua
formação e, porque não, sua construção e re-construção permanentes.
O movimento de reconstrução da identidade torna-se claro quando se
recorre a dois autores basicamente: Velho (op.cit) e Halbwachs (1990) que
interpreta a memória como imbuída de movimento.
Gilberto Velho (op.cit.) desenvolve um enfoque peculiar da
identidade, que interpreta-se aqui, como complementação do elo
identidade/memória. O autor baseia-se em Schutz (1979) para criar uma
outra ligação, a de identidade/projeto.86
Segundo Velho (op. cit.), a identidade é constituída por uma esfera
socialmente pré - existente (como é o caso da etnia, da família, etc.) e por
uma universo que pertence ao terreno das escolhas. Nas sociedades
denominadas pelo autor de complexas, existe uma multiplicidade de
referências, que traz à tona a problemática da fragmentação, característica
da modernidade. Convivem nesta sociedade fenômenos aparentemente
opostos como individuação/integração e tradição/modernidade. Estas
aparentes ambigüidades constituem-se num alargamento das possibilidades
em relação às sociedades pré-industriais.
Neste contexto, a individuação assume um caráter muito mais
marcante do que nas sociedades tradicionais. A idéia de projeto (enquanto
planejamento para o futuro) aliado à memória constitui-se então, um campo
para se pensar a reconstrução permanente de indivíduos e de grupos, numa
sociedade que tem como característica a destruição e a reconstrução:
86 De acordo com Schutz “Todo projetar consiste numa antecipação da conduta futura por meio da
fantasia. Porém, projetar é mais do que apenas fantasiar. O projeto é a fantasia motivada pela
intenção posterior, antecipada, de desenvolver o projeto. A possibilidade prática de desenvolver a
ação projetada, dentro do quadro imposto da realidade do Lebenswelt, é uma característica
essencial do projeto” (1979: 138).
101
As circunstâncias de um presente do indivíduo
envolvem, necessariamente, valores, preconceitos,
emoções. O projeto e a memória associam-se e
articulam-se ao dar significado à vida e às ações dos
indivíduos, ou em outros termos, à própria identidade.
Ou seja, na constituição da identidade social dos
indivíduos, com particular ênfase nas sociedades e
segmentos individualistas, a memória e o projeto
individuais são amarras fundamentais. São visões
retrospectivas e prospectivas que situam o indivíduo,
suas motivações e o significado de suas ações, dentro de
uma conjuntura de vida, na sucessão das etapas de sua
trajetória (Velho, op.cit:101).
Ao trazer a análise individual para o grupo, percebe-se uma outra
dimensão do tempo. Um presente constituído não apenas por aquilo que foi
vivido pelo grupo, mas também por aquilo que se pretende experienciar no
futuro. A identidade deixa de ser analisada sob a ótica de dois tempos
(passado e presente) e passa a contar com um terceiro, o futuro. É
interessante notar como esta abordagem acerca da constituição da
identidade, numa concepção subjetiva (assim como a memória), pode
possibilitar a percepção por parte do pesquisador do relacionamento do
grupo com o meio e com o espaço onde se articula:
... o projeto existe no mundo da intersubjetividade. Por
mais velado ou secreto que possa ser, ele é expresso em
conceitos, palavras, categorias que pressupõem a
existência do Outro. Mas, sobretudo, o projeto é o
instrumento básico de negociação da realidade com
outros atores, indivíduos ou coletivos. Assim ele existe,
fundamentalmente, como meio de comunicação, como
maneira de expressar, articular interesses, objetivos,
sentimentos, aspirações para o mundo (Velho,
op.cit:103).
A citação acima auxilia na percepção do objeto de estudo enquanto
grupo constituído por metas específicas, que crê possíveis de serem
idealizadas. Ao criar e executar projetos, este se percebe enquanto capaz de
ter “aspirações para o mundo”. Sua memória e suas relações no presente
lhes fornecem o instrumental para pensar um futuro. Contudo, por estarem
em constante mudança, oferecem o caráter de mutabilidade aos projetos, o
que se refletirá na identidade.
102
Para se obter uma visão mais clara da noção de “projeto” enquanto
fruto dos dois tempos, passado e futuro, crê-se importante fazer uma rápida
explanação sobre a memória. A respeito da diferença entre esta e história;
Nora (op.cit.) expõe sua análise:
Memória e história: longe de serem sinônimos,
tomamos consciência que tudo opõe uma à outra. A
memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e,
nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta
à dialética da lembrança e dos usos e manipulações,
susceptível de longas latências e de repentinas
revitalizações. A história é a reconstrução sempre
problemática e incompleta do que não existe mais. A
memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido
no eterno presente; a história, uma representação do
passado. Porque é afetiva e mágica, a memória não se
acomoda a detalhes que a confortam; ela se alimenta de
lembranças vagas, telescópicas, globais ou flutuantes,
particulares ou simbólicas, sensível a todas as
transferências, cenas, censura ou projeções. A história,
porque operação intelectual e laicizante, demanda
análise e discurso crítico (1993:9).
O historiador pode tornar possível a percepção e, conseqüentemente,
a interpretação das mudanças da identidade ocorridas com o passar do
tempo, processo que o próprio grupo, inserido na sua cotidianedade e no seu
tempo, não pode perceber. Halbwachs alerta para a visão unilateral que o
grupo pode ter de si mesmo, conferindo a este um caráter de imutabilidade:
A memória coletiva é um quadro de analogias, e é
natural que ela se convença que o grupo permanece, e
permaneceu o mesmo, porque ela fixa sua atenção
sobre o grupo, e o que mudou, foram as relações ou
contatos do grupo com os outros (op.cit:88).
Neste caso, é importante chamar a atenção para o tempo de criação
de uma identidade de grupo, que não é pontual, mas alargado. Ao se pensá-
la como constituída pelo tempo, não é possível fazer a junção de momentos -
uma cronologia - pois esta está aquém do tempo da memória.
Vale ressaltar que a relação de poder entre os grupos está intrínseca
ao da convivência destes, proporcionando um jogo de forças interno e externo
a eles. Este embate se reflete na manutenção da memória, e ao se procurar a
unilateralidade desta, há a negligência das outras. Pollak contribui para a
103
discussão em torno da relação entre memória e poder, alertando para o
perigo das generalizações e, conseqüentemente, para a perpetuação da
memória dominante.
Distinguir entre conjunturas favoráveis ou
desfavoráveis às memórias marginalizadas é de saída
reconhecer a que ponto o presente colore o passado.
Conforme as circunstâncias, ocorre a emergência de
certas lembranças, a ênfase é dada a um ou a outro
aspecto (1983:8).
Embora esta não seja sua meta principal, o estudo em questão abre
caminhos para a reflexão em torno da relação de poder entre os grupos e as
memórias. Ao enfocar um pequeno grupo de uma cidade do interior, filiada a
uma organização de nível nacional, deixa-se de centrar a observação nas
lideranças do Movimento e na previdência social. Trabalha-se, portanto,
com a “periferia” (sem querer desmerecer a importância das Associações)
das Centrais, analisando-se, desta feita, o que se pode chamar de uma
“memória marginal”.87
A Crise de Identidade do Aposentado - Algumas Considerações
As várias abordagens sobre identidade apresentadas acima
subsidiam o estudo sobre a crise enfrentada pelo indivíduo ao chegar à
aposentadoria. Em conformidade com o que já foi exposto anteriormente, o
não aprofundamento nas calorosas discussões entre psicanalistas, psicólogos
e terapeutas a respeito da identidade é proposital, pois acredita-se que não
estão no centro desta investigação. Contudo, julga-se que algumas
colocações relativas ao abalo da identidade do aposentado precisam ser
feitas. Para tanto recorreu-se a Santos (1990), que em seu mestrado na área
da psicologia desenvolveu um interessante estudo sobre o tema.
87 O conceito de “memória marginal” foi extraído do texto de Michel Polack que trata a disputa entre
memórias, em oposição à ótica durkheimiana de Maurice Halbwachs. Segundo Pollak “Ao
privilegiar a análise dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, a história oral ressaltou a
importância de memórias subterrâneas que, como parte integrante das culturas minoritárias e
dominadas, se opõem à ‘memória oficial’, no caso a memória nacional.” (op. cit:4)
104
De acordo com a autora, na construção da identidade individual é
necessário que haja uma dose de poder88 e de auto-afirmação, a fim de que
se construa a auto-estima. Na sociedade capitalista, a atividade do trabalho
é um grande fator identitário e assume este significado de potência, tão
importante para o fortalecimento da auto-estima. Quando o indivíduo se
separa da vida produtiva pela aposentadoria (ou mesmo pelo desemprego)
há a dissociação desta forte referência e, conseqüentemente, uma
desorganização de seu poder pessoal.
Nas últimas décadas tem se fortalecido a visão da aposentadoria
enquanto sinônimo de velhice. Esta associação entre os dois termos tem sido
ponto de discussão entre pesquisadores de varias áreas.89 Neste estudo, não
se pretende aprofundar nesta questão. Por isso, parte-se do princípio de que
a aposentadoria não se constitui em um marco para se adentrar na fase da
velhice, mas sim em um ponto fundamental para a vida do trabalhador,
pois, a partir dela, o destino da grande maioria deles será traçado.
A velhice é mais uma fase da vida do indivíduo, assim como a
infância e a adolescência. Contudo, este período da vida é marcado por
perdas (do trabalho, do status, do poder aquisitivo, dos companheiros etc.),
provocando um vazio identitário.90 Na adolescência a crise de identidade
também ocorre, porém, a aceitação por parte da sociedade capitalista é
muito maior. O adolescente é considerado um indivíduo em formação, um
consumidor em potencial, um jovem produtor e reprodutor, imagem inversa
da que se faz do idoso. Edith Motta ressalta a oposição de perspectivas
econômicas entre jovens ingressantes no mercado de trabalho e aposentados.
No começo de carreira, o jovem acalenta a esperança de
prosperidade. Sonha progredir no emprego, merecer
promoções ou encontrar colocação melhor, vir um dia a
perceber salário compensador, fazer bons negócios,
tornar-se financeiramente independente, etc. O
88 O termo poder é utilizado nesta frase como sinônimo de força, autoridade e capacidade no âmbito profissional e familiar.
89 A respeito da ideologia por trás desta associação ver Haddad, Eneida G. de M. A Ideologia da Velhice. São Paulo, Cortez, 1986. Debert, G.G.
Pressupostos da Reflexão Antropológica Sobre a Velhice. In: Textos Didáticos. IFCH/UNICAMP, 1 (13):7-30, março, 1994.
90 Ao analisar diversos discursos a respeito do envelhecimento, Debert discorre a respeito da visão pessimista da realidade do idoso, ligada à solidão e
ao vazio identitário; em oposição à visão otimista, apregoada pelos programas para 3a idade. Debert, G. G. A Invenção da Terceira Idade e a
Rearticulação de Formas de Consumo e Demandas Políticas. In: Revista Brasileira de Ciências
Sociais. 12(34), junho/97.
105
aposentado sabe, porque todos sabem, que o montante
de sua aposentadoria será fatalmente inferior aos
salários percebidos nos anos de atividade; sabe, ainda,
que os reajustamentos feitos em decorrência da espiral
inflacionária serão insuficientes para compensar a
desvalorização do dinheiro; sabe que não terá novas
promoções e, sobretudo, sabe que não mais lhe resta
tempo para fazer um pecúlio....Finalmente, ele não
ignora que as despesas com a própria saúde tenderão a
crescer, embora a receita tenda a diminuir (1981:8-9).
As perspectivas econômicas negativas abatem a identidade
individual do ex trabalhador. Santos (op.cit) aponta a alteração do status na
família como outro fator de abalo nesta identidade. Esta é a fase em que os
filhos se casam ou em que já estão trabalhando, ganhando, em muitos casos,
mais do que os proventos da previdência oferecem. Perdendo a auto-estima,
o aposentado freqüentemente se afasta do grupo e é rejeitado por ele.
Forma-se então um círculo vicioso, onde o isolamento aparece como única
alternativa e, conseqüentemente, o reconhecimento e a valorização de si
deixam de ser buscados.
Sabe-se que na sociedade capitalista, o velho tem sido considerado
uma máquina improdutiva, ao contrário de outras sociedades, que têm na
pessoa idosa a personificação de seu passado, a identidade de seu povo. A
sociedade industrial, ao marginalizar aquele que se encontra nesta fase da
vida, separa os tempos da existência e relega a ele apenas o passado, sem
contudo torná-lo guardião da memória. Massacrados pela mídia, pelo ritmo
acelerado das transformações sociais e por uma situação econômica que, em
muitos casos, margeia a da pobreza absoluta, o idoso perde seu lugar. Vê-se
privado do sentido de pertencimento.
Ainda conforme Santos (op.cit), a intensidade da crise de identidade
por que passa o aposentado varia de acordo com o grau de importância que
era dado ao trabalho. As mulheres, neste caso, sofrem menos, porque
freqüentemente têm nos afazeres da casa um ponto de referência. Porém,
para o homem, o rompimento com o mundo profissional exige a criação de
outros grupos de inserção e um grande esforço a fim de buscar a identidade
longe de seu antigo trabalho.
106
Ao se aposentar, o indivíduo, na maioria dos casos, se vê frente a
frente com o tempo livre, sem que tenha sido preparado para aproveita-lo de
maneira prazeirosa. Depara-se com a matéria prima para um trabalho
específico: a memória. Durante a vida “produtiva” ele se esforça por
desenvolver sua memória objetiva, imediata, que vai lhe servir para a
reprodução da vida cotidiana. Qualidades valorizadas durante a vida
profissional, como responsabilidade, pontualidade, dinamismo e eficiência,
na velhice são substituídas por outros valores como conformismo, adaptação
e aprendizagem de novos papéis sociais. Mesmo porque, estas primeiras
habilidades já não lhe servem mais.
Dumazedier (1976) trabalha com a questão dos usos do tempo livre.
Segundo ele, a fragmentação e conseqüente despersonalização do trabalho
são os maiores causadores do empobrecimento cultural do trabalhador. O
tempo livre, por sua vez, ocupa um papel fundamental na manutenção da
integridade física e psicológica do indivíduo. Quando este deixa de
aproveitar os momentos de lazer para o aprendizado e para atividades que
propiciem a integração do físico com a mente (o que se ousaria chamar de
desalienantes), não há um contraponto à rotina empobrecedora. A questão
principal é que o tempo valorizado na sociedade de consumo é o tempo de
produção e aquisição de bens, não o tempo pessoal, o tempo para
convivência grupal que seria o responsável, a grosso modo, pelo
“recarregamento psíquico” e identitário do trabalhador.
Trazendo a ótica de análise do autor para a questão das
transformações da vida cotidiana nas últimas décadas, é possível perceber
que o exercício da reflexão e a lembrança deixam de ser atividades
reconhecidas como tal, sendo confundidas com o ócio (que adquire nesta
sociedade um sentido pejorativo). Da mesma forma, as longas conversas no
portão são substituídas pelo divã do analista (quando o poder aquisitivo
torna possível) e a convivência grupal se torna esporádica, pois os grupos são
formados por curto período de tempo. Com isso, o espaço para a lembrança e
para a troca de experiências torna-se cada vez mais curto.
107
Recorrendo ao brilhante texto de Walter Benjamin (1994), toma-se
novos subsídios para a reflexão em torno das transformações
contemporâneas do lembrar e do narrar. Pode-se perceber por meio do
referido texto, que a figura do narrador está cada vez mais distante de nossa
sociedade porque a memória não se direciona para o passado, mas para o
tempo curto, imediato. Não se cultiva mais o hábito de lembrar, apenas de
memorizar. O processo que se está observando na sociedade contemporânea
é o que Benjamin chamaria de esvaziamento da experiência.
Para o autor, a narrativa está relacionada com a transmissão de
lições de vida e de conselhos, que são possíveis à medida em que há um
afastamento temporal ou espacial do narrador. Os conselhos são passados de
geração em geração por pessoas que tenham experienciado o suficiente para
dividir sua sabedoria com aqueles que estão prontos para ouvi-la.
A narração não busca os recônditos da psicologia, é simples e direta,
exigindo assim um estado de distensão do ouvinte, o que é raro na sociedade
industrial contemporânea. O dom de ouvir desaparece progressivamente,
juntamente com o dom de narrar. De acordo com o autor...
Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo
e ela se perde quando as histórias não são mais
conservadas. Ela se perde porque ninguém mais fia ou
tece quando ouve histórias (op.cit:205).
Devido a esses e outros fatores, a aposentadoria, isto é, o tempo livre
do qual o trabalhador tem direito após longos anos de trabalho, apresenta-se
como um período de questionamentos e incertezas, pois não há mais espaço
para o exercício da memória e da narrativa.91 O aposentado não se prepara
para tal atividade e, por isso, como diria Benjamin, não aprendeu a ouvir e a
narrar. Mesmo porque não lhe foi permitido o estado de distensão. Devido a
esses e outros fatores a crise de identidade do aposentado implica em revisão
de vida. Como revelou Santos...
91 A questão do encontro do idoso com a memória é bastante polêmica devido às perspectivas
pregadas pelos programas desenvolvidos para a 3a idade. A discussão está em aberto: “A
construção de uma imagem positiva do envelhecimento entre os alunos não tem como referência a
idéia dos velhos como detentores da sabedoria e da experiência. É antes a disponibilidade para o
aprendizado e para novas experiências que dá uma identidade ao grupo e uma particularidade ao
envelhecimento de cada um” (Debert,1997: 48) .
108
No momento da aposentadoria, o sujeito interroga-se
sobre sua velhice e sua morte. Tais interrogações
traduzir-se-ão por mudanças em sua identidade,
mudanças estas susceptíveis de influenciar os projetos
de vida (op.cit:30).
Em uma análise mais profunda percebe-se que a velhice reflete o
modo como o trabalhador é visto na sociedade de consumo. Por isso, o
preparo para a aposentadoria ultrapassa aos novos cursos preparatórios
disponíveis nas grandes indústrias destinados ao trabalhador com mais de
30 ou 40 anos de idade. Vai além dos debates veiculados pela mídia. Implica,
antes de tudo, na valorização do ser humano, seja ele criança, jovem ou
velho, conforme defende Ecléa Bosi:
A degradação senil começa prematuramente com a
degradação da pessoa que trabalha. Esta sociedade
pragmática não desvaloriza somente o operário, mas
todo trabalhador: o médico, o professor, o esportista, o
ator, o jornalista (1979:38).
3.2. Coesão do Grupo: Experiências Compartilhadas
Ao trazer a perspectiva de análise traçada no item anterior para o
objeto em questão, torna-se possível a compreensão da coesão do grupo como
fator constituinte da identidade. Conforme mencionado anteriormente,
vários associados e membros da diretoria atual ingressaram na Associação
desde seus primeiros anos de funcionamento.
Quando inquiridos sobre os fatores que contribuíam para a união e
permanência do grupo, os colaboradores dirigiram seus depoimentos para
questões como experiência de luta, confiança mútua, afinidade e união,
idealismo, perseverança e trabalho, e interesses financeiros. Antes de
adentrar na análise dos depoimentos, julga-se importante colocar que,
109
conforme já foi mencionado anteriormente, esta análise referencia-se em
Halbwachs (op.cit). 92
Segundo o autor, a memória do grupo não se sobrepõem à
individual. Elas se interpenetram na medida em que a lembrança coletiva
serve como suporte para cobrir alguma falha da memória pessoal e esta, por
sua vez, é evocada para trabalhar pontos obscuros na memória coletiva. Isto
ocorre porque seus limites de espaço e tempo são diferentes, sendo a
memória coletiva muito mais ampla e generalizada do que a individual
(op.cit.53-4).
O que se tentou perceber nesta pesquisa não foi a memória de cada
um dos seus membros, com suas particularidades e seus detalhes próprios,
mas sim a memória do grupo que cada um deles traz em si. Pode-se dizer
que se procurou seguir o esquema traçado por Halbwachs quando este trata
da memória individual e a da memória nacional.
Para que, atrás da imagem, ele atinja a realidade
histórica, será preciso que saia de si mesmo, que se
coloque do ponto de vista do grupo, que possa ver como
tal fato marca uma data, porque penetrou num círculo
das preocupações, dos interesses e das paixões
nacionais. Mas nesse momento o fato cessa de se
confundir com uma impressão pessoal. Retomamos
contato com o esquema da história. É então, diremos,
sobre a memória histórica que é preciso se apoiar. É
através dela que esse fato exterior a minha vida de
criança vem assim mesmo assinalar com sua impressão
tal dia, tal hora, e que, a vista dessa impressão me
lembrará a hora ou o dia; mas a impressão por si
mesma é uma impressão superficial, feita de fora, sem
relação com minha memória pessoal e minhas
impressões de criança (op.cit:61).
Pode-se compreender pela citação acima, que a memória possui a
propriedade da interpenetração entre lembranças individuais e história.
Ambas se apoiam e complementam na construção mental do fato. Por meio
da pesquisa, foi possível observar que, em muitos casos, a memória
92 O autor, cuja obra original em francês foi publicada em 1968, foi escolhido como referência teórica
devido seu trabalho publicado sobre a memória de grupo. No entanto, atualmente o tema
“memória” tem sido alvo de muitos estudos. Àqueles que tiverem interesse, pode ser aqui citado
Goff, J. Le. Memória. In: História e Memória. Campinas, ed. UNICAMP, 1990.
110
individual recorreu à memória histórica. Um exemplo disso está no
depoimento a seguir, quando o colaborador se recordou de quando se
aposentou.
Portanto no meu caso específico e no caso em geral de
muita gente que estava nesta faixa salarial como eu,
fomos obrigados por mês a contribuir sobre 20 salários
mínimos. Eu contribui durante 9 anos, paguei até 73 e
me aposentei em 82. Só que eu fui obrigado a me
aposentar com 30 anos de serviço porque em 1982,
mesmo o governo militar estando já... caindo o
autoritarismo na época do João Batista Figueiredo, o
general, o coronel Jarbas Passarinho era ministro da
Previdência e já naquela altura ele queria modificar o
sistema de aposentadoria da previdência retirando o
tempo de serviço. Portanto esta reforma que hoje está
ocorrendo, data já daquela época. Cumpridos os 30
anos, que eu ganharia proporcionalmente, não
integralmente, eu me vi forçado a solicitar esta
aposentadoria porque eu não sabia o dia de amanhã (G.
Costantino).
Outro exemplo também pode ser mencionado com o mesmo
propósito.
Eu me aposentei em abril de 78. Não foi logo depois que
fundamos a Associação porque eu continuei
trabalhando ainda, e quando a pessoa se aposenta e
continua a trabalhar, ela não se dá conta de que
começou a perder o poder aquisitivo. Então eu, na
época foi assim, me aposentei em abril, continuei a
trabalhar. Dado o histórico de como a Previdência fazia,
então praticamente se eu me aposentei em abril, o
aumento do s.m. vinha em maio. Quer dizer que eles
dividiam para você que daria o que? 1/12 . Em 1 mês eu
já tive queda na minha aposentadoria. Então seria,
como se faz até hoje , como se fosse um empregado novo
da empresa. Não iam me dar o aumento todo, mas na
indústria eu receberia. Na previdência procuram o
índice menor, o IGPM ...é quando você acaba tendo
defasagem, que é o que nós estamos tendo hoje de novo.
Entre78 e 88, quando eu pagava entre 14 e 17 salários,
como a previdência remunerava a pessoa de acordo com
a contribuição, como ela faz até hoje, aí nós começamos
a contribuir até 20 s.m. O meu salário dava entre 14 e
17,5. Eu me aposentei com 8 salários e meio. Aí já
tinha baixado. Nesse tempo já tinham me levado 5
salários (José Ferian).
111
A memória não é estanque, mesmo porque, é uma criação sujeita às
interferências do tempo presente, cheio de estímulos e por si mesmo
mutável. Como afirma Halbwachs...
A imagem que fiz de meu pai, desde que o conheci, não
parou de evoluir, não somente porque, durante sua
vida, as lembranças se juntaram às lembranças: mas
eu mesmo mudei, isto é, meu ponto de vista se
deslocou, porque eu ocupava dentro de minha família
um lugar diferente e sobretudo porque fazia parte de
outros meios (op.cit:74).
Ao levar a colocação para o campo dos grupos, pode-se concluir que
estes mudam constantemente pela ação do presente. A saída de antigos
membros e a inserção de novos confere a estes rotatividade de memórias e
experiências individuais. Essas modificações ocorridas durante longos
períodos de tempo, por vezes sutis, tornam-se imperceptíveis ao historiador.
Este, por seu turno, é capaz de captar mudanças substanciais nos grupos
ocorridas em um tempo longo, pois a história as condensa.
Esta característica da memória foi claramente perceptível ao nível
das entrevistas. Os depoentes, talvez por fazerem parte de uma entidade
que ainda está em plena atividade, mesclaram constantemente traços do
passado com o presente. Como a proposta da pesquisa não era fazer uma
delimitação rígida do que foi, do que é e do que será a Associação, não foi
feita a interrupção dos depoimentos. Contudo, reconhece-se a dificuldade
principalmente no que diz respeito aos objetivos e às frustrações do grupo,
de se distinguir, nos depoimentos, aqueles que faziam parte do passado
daqueles estabelecidos para o futuro.
A característica da mudança constante esteve presente na
Associação desde sua fundação. Mesmo porque, aquele à que se opõe - a
previdência social - não permite a estagnação. A propriedade de movimento
inerente ao grupo já foi, de certa forma, discutido no capítulo anterior
quando se tratou da resistência, esclarecendo que as estratégias de luta
exigem, por si mesmas, a constante mutação e a inventividade do grupo. No
entanto, vale chamar a atenção para as várias fases por que passou, sempre
tendo em mente que estava ligado ás diretrizes das Centrais do Movimento.
112
Recorrendo ao primeiro capítulo relativo à trajetória da entidade,
nota-se que, a grosso modo, algumas etapas podem ser delimitadas na
organização da entidade. As primeiras diretorias tinham como objetivo
conscientizar o aposentado que procurava esclarecimentos a respeito dos
seus cálculos de aposentadoria, do que era uma Associação de aposentados e
o que ela pretendia. Em uma fase seguinte, já sob a direção de João Batista
Cândido, em torno de 1985, uma preocupação relevante era a formação da
liderança do Movimento em São José dos Campos. Quando Onofre Silva
assumiu a presidência por volta de 1986, os esforços se dirigiram para a
organização legal, a conquista de verbas para a manutenção da entidade e a
aproximação com o poder local. O mesmo presidente continua na diretoria
da entidade até os dias atuais, contudo antigos companheiros saíram e
outros membros entraram, levando para a Associação novas sugestões e
alternativas.
Com esta colocação pretende-se mostrar, em uma análise mais
generalizada, como as perspectivas individuais interferiram na direção e
organização do grupo, embora esteja claro que este sempre esteve ligado a
um outro muito maior que é o Movimento dos Aposentados.
Outro fator interessante apontado pelo autor no campo da memória,
diz respeito à seletividade exercida por ela daquilo que será retido. Esta
seletividade está diretamente relacionada com a experiência dos membros
do grupo. De acordo com a maior ou menor vivência de fatos diretamente
relacionados com o indivíduo ou com o grupo.
Certamente, os limites até os quais recuamos no
passado são variáveis conforme os grupos, e isto é o que
explica que os pensamentos individuais de acordo com
os momentos, isto é, segundo o grau de sua participação neste ou aquele pensamento coletivo, atingem lembranças mais ou menos distantes 93 (Halbwachs,
op.cit.130).
Esta característica do “esquecimento” de conquistas importantes
para a Associação pode ser encontrada em vários depoimentos (pois o
esquecimento é intrínseco à memória). Contudo, é interessante observar o
93 Grifos meus.
113
depoimento de uma associada que demonstrou um total desligamento das
atividades da Associação. Não cabe aqui discutir os motivos de seu
afastamento físico da entidade (embora todos os meses comparecesse à sede
para efetuar o pagamento da mensalidade), mas chamar a atenção para o
seu não compartilhamento da memória do grupo. Ao esquecer de tudo, ou
quase tudo, que se referia à entidade, a associada negou-se (não
deliberadamente) a compartilhar da identidade do grupo.
Quando questionada a respeito do que era a Associação e quais os
seus objetivos, a resposta foi clara...
Engraçado, até hoje eu ainda não sei direito. Tem
convênio, tem tudo lá agora, né? Mas na época não
tinha. Convênio com médico, tudo. Eu nunca usei, mas
disse que tem...Eu só uso o INPS, quando precisa eu
vou aqui correndo nos postinhos mesmo. É mais fácil
porque até ir lá...Não tenho idéia porque ela foi
formada. É incrível, mas até hoje eu não sei isso (risos).
Lá no sindicato eles pediam os documentos, a gente
levava, arrumava direitinho e eles falavam, agora a sra.
guarda. Então a gente ficava sempre naquela
expectativa (Verônica Gonçalves da Silva).
Outra passagem interessante refere-se à construção da sede própria
(com o apoio da prefeitura), apontada pela grande maioria dos depoentes,
como a maior conquista da Associação.
Sempre eles comentam dos médicos. Tem um médico
bom agora, temos isso, temos aquilo. Não me lembro da
ajuda da prefeitura. Quando eu fiquei sócia lá eu fiquei
um tempão sem pagar. Aí depois eu voltei e paguei os
atrasados e continuei. Porque aí eles falaram, a
senhora entra com o processo, vê se consegue os
atrasados. Aí paguei os atrasados e até hoje eu estou
em dia. Não lembro de nada. Inclusive quando eu fiquei
sabendo (da mudança da sede)94 eles já tinham mudado
ali (risos). Nesse ponto eu sou meio desligada viu
(Verônica Gonçalves da Silva).
É possível permanecer por longo tempo levantando questionamentos
sobre este depoimento e o trajeto da memória da depoente, entretanto o
objetivo neste momento é compreender os “esquecimentos” à luz de
Halbwachs (op.cit.). Pela ótica do autor, a expressão nesse ponto eu sou meio
94 Parênteses meus.
114
desligada, significaria a não participação de um pensamento individual em
um pensamento coletivo. Este exemplo revela que o grupo não reduz a
memória individual à uma memória coletiva. Ambas se entrelaçam e se
complementam...ou não, como é o caso de dona Verônica.
Com exceção desta depoente, os outros apresentaram uma conduta
próxima nas respostas, revelando que o grupo se vê como resultado de um
esforço conjunto na defesa de uma causa: a melhoria da qualidade de vida do
aposentado joseense. Conforme mencionado, a união e perpetuação do grupo
foram apontados pelos depoentes como conseqüência não apenas da
experiência de luta,95 das vitórias e derrotas do Movimento, mas também da
confiança mútua entre seus membros, da afinidade pelo ideal comum, pela
perseverança e trabalho de seus dirigentes e também por estabilidade
econômica da entidade.
O sentimento de perda predominou em algumas lembranças, como
se o vivido na década de 80, não pudesse mais se repetir no próprio
Movimento.
As viagens...um tempo muito bom. Eu tenho
lembranças. Isso fortaleceu o grupo, eu acredito que
sim. As derrotas ... Os 147% ... as vitórias. Até hoje se
toca processo dos 147 (José Ferian).
Outros indicaram as derrotas como situação de união.
Os fatores que auxiliaram foram exatamente essas
derrotas. A direção prega, nós precisamos nos unir
porque não tem outro jeito...porque se a gente não lutar
a gente não ganha este processo...mas a maioria desses
processos são abertos pela Associação de aposentados e
exatamente isso leva eles a ficar um pouco coesos lá
porque eles têm essa carência, essa necessidade de usar
aquilo lá prá abrir os processos e as
consultas...(Raimundo Dias da Silva)
É interessante notar no depoimento acima como o associado se
refere a “eles” e “a gente”, dando a entender que embora exista uma
diretoria que permanece “lá” na sede, ele enquanto associado compartilha
dos ideais. Há neste caso, a nítida distinção entre os dirigentes e os
associados, mas os ideais são os mesmos. Já no depoimento seguinte, do
95 O termo experiência de luta foi retirado dos próprios depoimentos.
115
diretor de patrimônio na época e que permanece até os dias atuais no
mesmo cargo, aponta a dificuldade da diretoria para formar novos líderes.
Segundo ele, a “experiência de batalha” os torna unidos e conhecedores dos
caminhos difíceis da “política”. A fase de incertezas característica dos grupos
“inexperientes” já não é obstáculo para este, pois conseguiu formar uma
liderança com “disposição para o trabalho e conhecimento”.
É porque é um grupo que há tempos vem militando, a
gente sabe as dificuldades, se conhece bem... a política.
A importância do grupo é essa, que já tem bastante
experiência. Se você pega um grupo novo vai começar
tudo outra vez porque as pessoas não têm a experiência
que já adquirimos em 10 anos de batalha...Ajudou
muito, pelo menos as alegrias que nós tivemos, porque
quando você começa alguma coisa você não sabe se vai
dar certo. Em 87, 88 e 89 já estava projetando a nossa
sede, já sabia que tínhamos vários processos ganhos na
justiça, então a gente já sabia que ia dar certo. Era
difícil mas a gente já sabia que ia dar certo. A coesão do
grupo foi importante porque a gente reuniu uma
diretoria com experiência. É difícil você arrumar uma
diretoria disposta a trabalhar e que tenha
conhecimento... e nós conseguimos fazer isso (Milton
Francisco de Oliveira).
Geralmente quando a gente tem um tropeço, a gente
parece que sai daquilo mais fortalecido...pra lutar por
aquele ideal que a gente tem. Acho que isso que deu
mais força para o grupo (Horácio Lemes Simões).
Mais uma vez, as dificuldades aparecem como motivo de união do
grupo. É interessante notar como a idéia de luta, embate e força estão
presentes nestes depoimentos. Termos como estes remetem as reflexões para
a questão do outro. A imagem relacionada a um confronto difícil, permite a
percepção da união e da experiência como um requisito importante para a
“vitória”- para utilizar os termos dos depoimentos acima. O outro não é
percebido então como apenas o diferente, mas como aquele que oprime, que
subjuga e que contra ele, é preciso obter a “vitória”.
As categorias como afinidade e união, ideal e perseverança surgiram
como desdobramentos da questão central: experiência. Por meio dos
depoimentos foi possível perceber as diversidades no interior do grupo.
Assim como o passado vivenciado pelos membros da diretoria confere a eles
116
maior experiência diante das novas questões colocadas pela previdência e
pelos problemas específicos da Associação, também é apontado como fator de
estagnação da direção. Isto significa que pensamentos divergentes no
interior do próprio grupo, assinalam a permanência da diretoria por tantos
anos como um ponto contra a renovação das idéias.
...falando especificamente de S. José, nós tivemos uma
homogeneidade durante esses anos dos personagens
que compõem a direção da entidade e que na sua
essência e que devia a cada 2 mandatos mudar um
pouco, para se dar uma nova injeção de ânimo e dar
continuidade aos projetos antigos porque na medida
em que...veja bem, nós fundamos a entidade em 83.
Pelo que você pode observar, de 83 pra cá nós
convivemos praticamente 12 anos juntos, o mesmo
grupo de pessoas, mudando só o cargo, mas para você
avaliar isso com muita precisão, você tem que avaliar
desse grupo membro por membro, as idéias deles
(Benedito Domingos).
O depoimento a seguir chamou a atenção. Isto porque foi o único a
fazer referência ao pró-labore (concessão dos meados dos anos 90) dos
diretores como ameaça à desvirtuação dos objetivos iniciais da associação.
Foi o único também a apontar a utilização de cargos de direção com fins
político-partidários. Estas questões não foram aprofundadas por exigirem
uma modificação na periodização e, conseqüentemente, uma ampliação da
pesquisa. O registro de sua fala poderá enriquecer futuros estudos.96
Os que estão ali com idéia de trabalhar em prol dessa
categoria de aposentados dessa população e aqueles
que entram ali, tem um cargo , esse cargo ou eu vou
usar politicamente, ou vou fazer isso ou aquilo, para ter
status. Porque a Associação de Aposentados de São
José dos Campos é uma entidade que tem um
referencial de serviços prestados. Então o que acontece?
Durante esses anos todos, esses personagens, embora
homogenicamente continuaram juntos, continuou às
vezes, por conveniência. Como disse, a entidade surgiu
com muita dificuldade, mas quando ela atingiu um
estágio não só a nível de uma sede própria que foi
conquista nossa, politicamente ou não, a nível de um
convênio médico que hoje tem um resultado mais ou
menos e faz com que mantenham os associados, a nível
de uma receita que hoje possibilita quem está lá hoje
96 A entrevista com Benedito Domingos consta como Anexo I do presente trabalho porque considerou-
se que esta apresenta elementos para a reflexão em torno do futuro do Movimento.
117
receber alguma coisa em função do trabalho que presta,
então é preciso que se analise esse aspecto. Bom eu
estou aqui porque hoje eu ganho uma ajuda de custo,
digamos de R$500,00 ou R$ 600,00. Isso já está bom
para mim. Agora, os direitos dos outros que vá às favas.
(Benedito Domingos ).97
Outros não foram tão específicos, mas acenaram para o risco da
perda de criatividade caso a direção se mantenha sem renovações. Por outro
lado, a falta de chapas concorrentes revela que existia e ainda existe uma
certa inércia e falta de participação. Foi esta mesma indiferença que fez com
que os membros das primeiras diretorias se alternassem nos cargos sem
enfrentar quaisquer restrições dos associados. Menções contrárias ou de
desacordo com as eleições não foram encontradas em qualquer documento
produzido pela entidade.
Não vejo ninguém estranho lá. Eu acho que se mudasse
o grupo, eu não sei não, francamente eu não sei
não...acho que se mudasse um pouco aquela turma que
está lá, acho que melhorava mais, sei lá. Sangue novo,
apesar de que muda, muda, muda em todo lugar e não
resolve nada. Cada dia tem mais aposentado lá, eu
tentei levar uma porção, mas ninguém ficou não, quem
mais ficou fui eu (Verônica Gonçalves da Silva).
Eu acredito que...e é essa diretoria que vem vindo, só
que já...voltando atras ... perguntou por que dessa
diretoria, desse tempo todo...vai cair no mesmo vazio.
Se você não formar novas cabeças, coisa e tal, você
nunca vai ter chapa concorrente. É sempre a mesma
diretoria que fica empossada. Tem eleição e tal, mas
fica a mesma porque não tem concorrente. A diretoria
que está nunca foi de posição de que se fizesse outra
chapa, mas por força das circunstancias permanece a
mesma (José Ferian).
É possível notar uma certa ambigüidade na questão da união do
grupo. Ao mesmo tempo que depoimentos apontam a unidade enquanto
fruto das experiências vividas, outros acenam com a possibilidade desta
união ter sido causada por “conveniência” ou apatia de associados e
diretores. Esta ambigüidade é interpretada aqui, não como um limite à
continuidade do grupo, mas como as duas faces de uma mesma moeda, visto
97 Não foram encontradas provas relativas ao pró labore recebido pelos diretores da entidade que
garantam a veracidade do depoimento, principalmente no que diz respeito ao montante
mencionado pelo entrevistado, considerado bastante elevado para uma Associação de aposentados.
118
que uma alternativa não anula a outra. Isto significa, que o fato de alguns
depoentes enxergarem o aspecto da manutenção do grupo por falta de
alternativas, não quer dizer que não haja a união do grupo por questões
ligadas à experiência de luta, confiança mútua, ideal e perseverança.
Ambas visões do grupo se complementam mutuamente, revelando a
diversidade no todo. Corroborando a idéia colocada acima, o grupo aparece,
então não como um redutor da subjetividade, mas como um espaço para a
articulação de diversidades, de interesses que se abrigam sob um ideal
comum. No caso, a luta contra a previdência. A memória do grupo age como
força de coesão. Fortalecendo as afinidades, oferece auto confiança não
apenas à direção, mas também aos associados, sendo um estímulo para a
continuidade do grupo.
3.3. A Influência dos Projetos na Organização Identitária
Conforme mencionado no item 3.1, o presente trabalho referencia-se
nos projetos como um dos elementos formadores da identidade de grupo.
Estes oferecem a dimensão do futuro para a organização grupal, na medida
em que as metas de ação conjunta são traçadas. Como diria Certeau, quando
as estratégias são definidas.
O compartilhamento dos membros do grupo nestes planos
estratégicos não é total. Deve-se considerar as divergências internas e a não
participação de parte dos associados nas escolhas feitas pela diretoria, pois,
como já foi mencionado, o grupo não é hegemônico dado seu caráter de
aglutinador de identidades.
Nas três fontes pesquisadas foram encontrados registros dos projetos
elaborados pelos diretores e sugestões dos associados para o
aperfeiçoamento destes. Em parte, estes planos foram orientações advindas
119
das Centrais, como estratégias globais do Movimento montadas com fins de
reivindicação e denúncia da situação econômica do aposentado.98 Estes
projetos também serão mencionados aqui, no entanto, o objetivo principal do
trabalho é demonstrar como a Associação definiu as suas próprias metas que
giraram em torno do que se arriscou denominar de “eixo identitário”. Este
eixo foi conferido pelo Movimento, porém cada associação criou um espaço
para imprimir suas próprias características na sua administração.
O gerenciamento independente das Centrais exercido pela entidade,
será trabalhado nesta parte do capítulo porque é ele quem lhe confere as
particularidades, os traços singulares que também auxiliam na formação
identitária. Julga-se, entretanto, que é interessante demonstrar como os
depoentes perceberam a relação entre as Centrais do Movimento e a
Associação, a fim de compreender o que foi esta relativa autonomia, para
posteriormente saber como foi aproveitada.
Para demonstrar qual foi a influência das Centrais nos primeiros
anos de atividade da Associação, julga-se interessante mencionar os
propósitos da Federação no que diz respeito às associações filiadas.99
No capítulo 1 dos Estatutos da Federação publicados em fevereiro de
1983 pode-se encontrar:
A Federação, na realização dos seus objetivos,
assegurará colaboração às demais associações no
sentido de solidariedade, da luta pela integração e
contra as discriminações econômicas, sociais e políticas
do Aposentado e à pensionista (parágrafo único).
São Prerrogativas da Federação ...
c) - Convocar e realizar assembléias de aposentados e
pensionistas nos municípios e nas categorias onde não
houver associações organizadas e colaborar com as
entidades representativas dos trabalhadores;
98 Como exemplos destas orientações das Centrais podem ser citados os Congressos e Encontros da
categoria, cartas enviadas à imprensa, telegramas e ofícios destinados ao governo federal,
manifestações públicas em datas e ocasiões importantes como o dia do aposentado, etc. 99 O estatuto da COBAP não foi inserido no presente trabalho devido seu relacionamento direto com
as Federações, e não Associações. Trechos analisados dos Estatuto da COBAP de 1985 podem ser
encontrados em Haddad (1991:140-41).
120
d) - promover a solidariedade e união entre seus
representados e coordenar suas atividades, visando
suprir as deficiências técnicas e administrativas ...
(Estatutos da Federação dos Aposentados e
Pensionistas do estado de São Paulo - capítulo 1 - da
Federação e Seus Fins).
É possível perceber pelos trechos acima, que a Federação, desde sua
criação, contou com o propósito de representar, orientar e coordenar as
atividades das Associações membros. Não transparece nestes estatutos, o
ideal de imposição ou mesmo de vigilância sobre as filiadas. Contudo, o
julgamento dos depoentes que acompanharam a criação da Associação de
São José dos Campos indicam que esta teve uma autonomia maior do que a
referida nos estatutos da Federação.
A COBAP e a Federação, eles não ajudaram, mas
também não prejudicaram. Nós agimos independente,
mesmo desde 83. No começo a gente seguia um pouco o
que eles falavam porque a gente não tinha experiência,
mas depois a gente foi vendo que tem que andar pelas
próprias pernas. Não adianta você esperar de outro,
você tem que fazer. Mesmo porque eu não sei se eles
podem ajudar também, porque eles dependem das
associações para sobreviver. A gente depende dos
sócios, eles dependem da gente para sobreviver. Então
eles não têm muita condição de ... às vezes a gente é
que dá sugestões para eles. Sempre o pessoal da
COBAP e da Federação é um pessoal da CUT, da CGT,
política... então nós aqui não temos este problema.
Político querendo tirar vantagem. E lá sempre teve
esse problema (Milton Francisco de Oliveira)
Olha, até hoje não ajudaram em nada. A COBAP nunca
auxiliou com nada. Nem nas viagens que nós fizemos à
Brasília pra reivindicar nossos direitos. Então nunca
tivemos o apoio da Federação e da Confederação. Eles
não atrapalharam, mas em compensação nunca
tivemos o apoio ... quase nenhum. Muito relativo o
apoio delas (Horácio Lemes Simões).
Um terceiro depoimento aponta a Federação como parte de um todo.
Sem estrutura suficiente para prestar auxílio às Associações que se
formavam, porém com características político-partidárias, o que a
Associação não aprova.
As Centrais do Movimento não estiveram presentes no
crescimento da entidade. Nem a Federação e nem a
121
COBAP. Ao contrário disso, a Federação nossa até hoje
ela precisa de acessoria de várias outras entidades
porque nunca teve. Foi uma entidade que existiu no
conceito do estado de S.P. como uma entidade política,
porque a parte da Federação é uma parte mais política
mas depende de quem está lá. Ela foi administrada por
um que foi até vereador, que é o Henos Amorina, depois
foi presidida pelo Galdino, que hoje é vereador...elas
não deram subsídio até porque elas não têm como dar.
As entidades que vivem hoje, elas sobrevivem por si só.
A Federação nunca teve, digamos, um departamento
jurídico, um depto. político, nunca teve. Quem ocupava
cargo por lá era para ter no seu currículo: Sou
presidente da Federação dos Aposentados (Benedito
Domingos).
A idéia que transparece destes depoimentos é de que a Federação
não estava tão próxima das Associações, na época, quanto pregam seus
estatutos de 1983. A frase “eles não atrapalharam mas nunca tivemos
apoio” demonstra que as Centrais se mantiveram em uma posição de
distanciamento, ou próxima disto, pois não estiveram nem de acordo e nem
em desacordo com os rumos tomados pela Associação.
É importante ressaltar também o movimento separatista liderado
pela Associação de São José dos Campos que abrangeu todas as Associações
do Vale do Paraíba e litoral norte. Este foi registrado em Ata de julho de
1990. Tal movimento propôs um bloco independente das Centrais do
Movimento. A alegação era de que as Associações não dependiam mais da
Federação e esta, por sua vez, as usava com propósitos de política
partidária. A iniciativa não teve êxito, porém foi uma demonstração de
insatisfação coletiva diante dos rumos tomados pelas lideranças do
Movimento de Aposentados e Pensionistas.
Esta interpretação da interferência das Centrais nos primeiros anos
de funcionamento da entidade não foi compartilhada por todos os depoentes.
Alguns - como os que estão refenciados abaixo - perceberam uma presença
maior das Centrais na organização do Movimento em São José dos Campos.
Por outro lado, entre os associados, pouquíssimos ouviram falar da COBAP
122
e da Federação, demonstrando que sua atuação na Associação não foi tão
marcante a ponto de transparecer ao quadro de Associados.
Elas sempre ajudaram. A COBAP veio depois, mas em
várias atividades nossas vinham os diretores da
Federação responsáveis pelo Vale do Paraíba. Muitos
companheiros de outras Associações, o Vicentinho, de
Diadema parece, nos apoiou bastante. As Centrais
nunca atrapalharam nosso trabalho (João Batista
Cândido).
Foi ótima. Contribuíram muito pra isso. Ajudavam,
davam uma assistência extraordinária. Até hoje dão
uma assistência à nós, vamos à São Paulo...uma beleza.
Se convidarem eles, eles estão prontos à atender. É
uma união extraordinária. Um trabalho ótimo. Não
teve obstáculo pela Federação porque quando nós
vamos criar um projeto, nós apresentamos nos
congresso e é aprovado. Se não for aprovado, é porque a
outra (proposta) era melhor e nós concordamos. Nós
não somos individualistas. O interesse nosso é a
comunidade como um todo. A Federação nunca
contestou idéia nossa, eles até pedem que a gente crie
sugestões, que a gente apresente soluções de como
chegar lá, e quando fazemos congresso defendemos a
tese apresentamos, e ali é escolhida a tese melhor, que
tem a possibilidade de ser bem aproveitada porque se
fosse depender do que nós aprovamos, se o governo
quisesse, o nosso país seria outro (Antemil Correa da
Silva).
Interessante notar que os elogios à atuação da Federação, embora se
refiram a uma presença maior desta nos momentos de dificuldade, também
se direcionam para a questão da autonomia das Associações em relação às
Centrais. A própria Federação reconhece que freqüentemente, quem lhes dá
acessoria são as Associações.
Muitas vezes a gente pede para ele coisas que nós não
sabemos aqui ou que sabemos e não temos certeza,
então nós falamos...Costantino,100 estamos meio
enroscados com a coisa. Então ele vem e nos coloca
aquilo que ele sabe (Nelson Marchesini - ex e atual
secretário da Federação dos Aposentados e
Pensionistas de São Paulo).
As matérias jornalísticas examinadas referem-se às manifestações
promovidas no Vale do Paraíba com a presença de membros da Federação e
até mesmo da COBAP. 100 G. Costantino é ex-secretário e atual diretor técnico da AAPSJC.
123
Por meio dos documentos escritos e orais analisados, pôde-se
concluir que o papel das Centrais na gerência dos primeiros anos de
existência da Associação não foi determinante.101 Não cabe aqui fazer uma
análise mais detalhada sobre as coerências ou incoerências das Centrais ao
adotar uma conduta de distanciamento do cotidiano de suas associadas. O
importante é constatar esta relativa autonomia das Associações. A partir
daí, torna-se possível a reflexão em torno das formas como ela foi
trabalhada pela AAPSJC na construção de seu espaço de organização, e
mais, de sua identidade. Como diria Velho (op.cit.), como ela se constituiu
em indivíduo-sujeito dentro de seu espaço de ação.
Para atingir este fim, é importante conhecer os projetos da
Associação. Como eles se realizaram (ou não) neste espaço tecido pela
entidade, e qual a sua influência na formação identitária da mesma.
Os Projetos - Delimitações para o Futuro
No dicionário encontrou-se a seguinte definição de projeto:
Idéia que se forma de executar ou realizar algo, no
futuro; plano, intento, desígnio. Empreendimento a ser
realizado dentro de determinado esquema (Dicionário
Básico Aurélio da Língua Portuguesa: 532).
Pode-se perceber pelas palavras do dicionário que a noção de projeto
remete à idéia de plano para o futuro. Por ser um intento, ainda não é
concreto, porém é consciente, mesmo porque faz parte do desejo daquele que
planeja. Acredita-se que o termo projeto pode ser alvo de uma análise mais
aprofundada à luz da colocação de Schutz.
Nossa tese é a seguinte: Uma ação é consciente no
sentido em que, antes de realizarmos, temos em nossa
mente uma figura do que vamos fazer. Esse é o “ato
101 É importante deixar claro que embora tendo pouca influência no cotidiano da Associação, as
Centrais exerceram papel fundamental na existência da mesma, pois, conforme mencionado
anteriormente, a entidade foi criada no âmbito do Movimento dos Aposentados e Pensionistas.
Trabalhando esta questão sob a ótica de Gilberto Velho, o MOP confere à Associação a identidade
“dada” e o trabalho cotidiano da entidade, que implica na sua sobrevivência, confere a ela a
identidade “adquirida”. “É evidente que existe uma básica diferença entre uma identidade,
socialmente já dada, seja étnica, familiar etc. e uma adquirida em função de uma trajetória com
opções e escolhas mais ou menos dramáticas.”. (op.cit:97).
124
projetado”. Então, conforme prosseguimos para a ação,
continuamente retemos a figura diante de nosso olho
interior (retenção), ou de vez em quando a relembramos
(reprodução) ... É a essa “consulta ao mapa” que nos
referimos quando chamamos uma ação de consciente ...
Nossas ações são conscientes se anteriormente as
mapeamos no “tempo futuro perfeito” (op.cit:126-7).
Por meio da idéia de mapa colocada pelo autor, é possível
compreender como a memória recorre àquilo que foi retido como referência
para o que se deseja vivenciar, ou melhor, que se planeja experienciar. O
movimento de idas e vindas entre o que se idealiza e o que se realiza,
executado pela consciência, confere ao projeto o caráter de mutabilidade.
Principalmente se for considerado que o tempo presente, o cotidiano,
interfere neste deslocamento. Schutz define que, à medida em que a ação
pretendida é colocada em prática, algumas projeções feitas anteriormente
são substituídas por outras.
Assim, conforme a ação tem lugar e caminha para o seu
fim, a experiência do ator se alarga - ele “envelhece”. O
que estava dentro do círculo iluminado da consciência,
durante o momento da projeção, retorna agora à
escuridão, e é substituído mais tarde por experiências
vividas, que foram meramente esperadas ou
“protendidas”... Isso será verdade mesmo se a ação
marchou de acordo com o plano. “As coisas parecem
diferentes na manhã seguinte” (Schutz,
op.cit:128-9).
A análise dos documentos levou à percepção dos projetos como
motivadores das ações da Associação. Conforme o amadurecimento da
entidade, estes foram sendo colocados em prática concomitantemente às
diretrizes traçadas pelas Centrais.
Vários planos da entidade surgiram com o correr dos anos, como
colônia de férias, farmácia, “Casa do Aposentado”, processos contra o
governo federal para o recebimento das defasagens, sede própria, convênio
médico, etc. Dentre eles, os três últimos apresentaram maior freqüência em
todos os documentos (orais e escritos) analisados:
Os processos contra o INPS, foram a própria razão de ser da
entidade. Permearam seu trajeto por todo período estudado.
125
Embora nem sempre estivessem explícitos nos documentos,
puderam ser percebidos por outras menções, como por exemplo,
as alusões à troca de advogados (que foram muitas).
O projeto da sede própria tornou-se mais concreto por volta de
1987/88, porém o desejo de construção de um espaço próprio
para a entidade se fez presente desde os primeiros anos de
funcionamento da entidade. Um exemplo disto foi o projeto da
“Casa do Aposentado” (mencionado no capítulo 1), muito mais
amplo que o da sede, mas que já demonstrava a busca da
independência física do Sindicato dos Metalúrgicos.
O convênio médico, colocado em prática no fim da década de 80,
acompanhou várias diretorias da entidade. O projeto, nem
sempre teve a forma definitiva de convênio particular da
Associação. Nos primeiros anos de funcionamento da entidade,
a criação de uma forma alternativa de atendimento médico
para o associado, era buscada sob a forma de inserção deste no
convênio do Sindicato.102
No início, a entidade esteve voltada para a sua divulgação e
organização. Prova disto está nas atas de 19 de dezembro de 1983 a junho
de 1985 quando pela primeira vez, se fez menção à relação com o governo
estadual103 e à escolha de membro representante junto ao INPS. Até então,
os registros em Ata giraram em torno de questões relativas a eleições e
organização administrativa. Um depoente colocou os objetivos da
Associação.
A meta da Assoc. quando entrei era buscar todos os
direitos que os aposentados têm, que eles perderam. De
lá para cá (86 em diante) todos os governos, todos os
governos que entraram, no tempo dos aumentos
salariais todos, sempre teve defasagem ... nunca deram
certo o que a gente tem direito. Então, nossa finalidade
102 A primeira menção ao convênio médico foi registrada no Livro de Atas no 1 - Ata de 3/9/85, quando
foi feita a leitura do pedido de extensão de serviços como convênio médico, colônia de férias,
farmácia e dentista do Sindicato para aposentados não sindicalizados. 103 Na Ata de 12 de junho de 1985 foi registrado o envio de correspondência ao governador de São
Paulo Franco Montoro, em apoio à greve dos funcionários da secretaria da Saúde.
126
está aí, foi buscar aquilo que nos deviam. No início era
o convênio médico, construção da farmácia, construção
da sede própria que não existia na época. Então, tudo
isso era meta. E todas estas metas nós já cumprimos ...
construímos a sede própria, fizemos o convênio médico.
A única coisa que nós não fizemos até agora foi a
farmácia, que é um projeto nosso antigo, mas nós
esperamos que, até o fim do ano, a gente consiga
alguma coisa (Dilzo Ferreira).
Os processos - No mesmo período (1983-85) foram encontradas 3
matérias no jornal “O Valeparaibano” relativas à Associação, todas se
referindo à sua organização e convidando para as eleições de diretoria.104
Em 16 de agosto de 1985, ocupando espaço na primeira e na quarta página,
foi publicada a primeira matéria alusiva aos processos abertos pela entidade
contra a defasagem dos benefícios. Sob o título “Aposentados querem
reposição salarial”(“O Valeparaibano”, 16/8/85: 4) , o artigo revelou que esta
possuía em mãos, 30 ações (e a associação dos aposentados da categoria dos
têxteis, 40) prestes a serem entregues à justiça.105 Em edição de 23 de
janeiro de 1987 este número já havia subido para 400 (cf. “O Valeparaibano,
23/1/87: 4).
A abertura de processos contra o INPS ocupou espaço no referido
periódico por seis vezes durante o período estudado, sem contar as matérias
relativas à Associação que tiveram outros títulos e que fizeram menção a
eles.
É fundamental deixar claro que os processos não possuíam um fim
em si. Eram parte de uma situação de enfrentamento muito maior, que
tinha no espaço jurídico, um dos campos de luta, conforme coloca Haddad...
104 As publicações do período além da mencionada no texto foram: 1- “Edital” - para a convocação de
“Assembléia da Associação de Trabalhadores Metalúrgicos Aposentados e Pensionistas de S.J.C.,
Caçapava, Jacareí e Santa Branca. Para fins de eleição de diretoria provisória e aprovação de
Estatuto.” Jornal (“O Valeparaibano”, 20/12/83: 4). 2- “Aposentados e pensionistas metalúrgicos
promovem reuniões classistas”. Convocação de assembléia porque se “passou um ano sem
conseguir o dinamismo que se pretendia”. (“O Valeparaibano” , 28/12/83: 4). 105 Conforme mencionado no capítulo 2, a Lei 6.708/79 provocou uma grande defasagem nos proventos
dos dependentes da previdência, ao aplicar o reajuste semestral baseado no salário mínimo
anterior. Esta situação se alterou com o Decreto-Lei 2.171 de novembro de 1984. “Esse Decreto-
Lei, em seus artigos 1o e 2o dispôs que os reajustes dos benefícios a cargo da Previdência Social far-
se-iam sempre que alterado o salário-mínimo, a contar da data em que este entrasse em vigor,
sendo os índices de reajustamento os mesmos da política salarial. Foi a primeira vitória do
Movimento, segundo os entrevistados” Haddad (1991:110).
127
O Movimento de Aposentados e Pensionistas abriu um
espaço político extremamente rico que, ao questionar os
limites impostos pela Previdência social, ao reconhecer
a necessidade do envolvimento sindical, coloca a
questão dos direitos dos inativos como uma extensão do
direito do trabalho (1991: 145).
Uma associada colocou sua interpretação sobre os objetivos mais
amplos da Associação.
O objetivo maior que eu sempre senti foi esse, de
fortalecimento da categoria para a obtenção dos
direitos desta mesma categoria (Anselma Aparecida
Gaspareto).
Entre os depoimentos, não foram encontradas respostas categóricas
relativas aos processos, porém, eles são mencionados como integrantes de
uma luta que também se utiliza de outras armas fora do âmbito jurídico.
O problema mais sério que apareceu e a gente estava
encarando, foi os processos daquela defasagem de 83,
que houve uma defasagem muito grande da ...
principalmente na forma dos cálculos dos proventos de
quem é aposentado. Então isso dava margem pra ...
cabia processo pra receber essa diferença, inclusive os
atrasados, né? Aí a gente foi divulgando isso,
mostrando isso, cada vez que ... começou a aparecer o
pessoal pedir pra abrir processo. Então o nosso maior
problema foi ir atras de advogados que trabalhassem
isso com ... fosse um expert no assunto, especialista na
área, né ... Mas num primeiro momento o corte do
trabalho foi esse. E participar de manifestações de
Associações em defesa dos direitos dos aposentados.
Então era esse nosso objetivo (João Batista Cândido).
O projeto principal da Associação é junto ao INSS.
Procurar o direito que o aposentado tem. Fazer ela
cumprir as obrigações, o INSS, que naquela época era
INPS. Então nós levantamos uma bandeira de luta pra
que nós não fossemos prejudicados futuramente nas
contas. Com toda luta que nós tivemos, com todo
trabalho, cada dia que passa fica mais difícil para o
aposentado. A história cada hora piora. A previdência
só não foi à falência porque nós criamos a Federação e a
Confederação e nós fiscalizamos, com pouca coisa que
temos, fiscalizamos e denunciamos toda corrupção, nós
vamos, fazemos congresso e denunciamos (Antemil
Correa da Silva).
Um terceiro depoimento pode ser citado para melhor demonstrar a
importância dada a este projeto da Associação.
128
Qual a essência da Associação? Primeiramente foi fazer
processos. Uma das principais causas foram as
defasagens, cálculos errados. Então não é fácil. A
Assoc. mantém dois ou três advogados para tocar esses
processos. Eu mesmo tenho quatro ou cinco (processos).
O objetivo é justamente correr atrás das perdas (José
Ferian).
A luta contra o governo federal encontrou nas ações contra o INSS
um espaço jurídico para o exercício da resistência. Os resultados dos
processos, embora lentos, serviram como atrativo para a conquista de novos
sócios para a entidade e, mais, para marcar presença constante da categoria
no âmbito legal.
Sede própria - Este projeto também acompanhou a entidade desde os
primeiros anos de funcionamento. Conforme mencionado no 1o capítulo, a
proposta inicial das diretorias era a construção da “casa do aposentado”,
local que, além de manter o caráter político da entidade, também seria um
espaço lazer e assistência médica para o associado. Porém, conforme
Gilberto Velho coloca, o projeto não é imutável, está sujeito a influências do
meio.
O projeto não é abstratamente racional, como já
mencionei, mas é resultado de uma deliberação
consciente a partir das circunstâncias, do campo de possibilidades em que está inserido o sujeito (Velho,
op.cit:103).
A sua inserção no campo de possibilidades oferecido pelo tempo
presente, pelo contexto em que se configurou a Associação nos anos
delimitados, tornou possível a alteração do projeto da “casa do aposentado”
para o da sede própria. Mais modesto, mas que também demandou grande
esforço das diretorias que se empenharam em sua construção.
Sem abandonar a proposta inicial de separação física do sindicato, a
Associação articulou forças junto ao poder local, a partir da divulgação de
uma imagem de fragilidade e ao mesmo tempo de organização (conforme
mencionado no capítulo 2).
A primeira menção à construção da sede própria foi feita na 3a
reunião da diretoria.
129
Presença do diretor tesoureiro do Sindicato - João
Miranda que sentou-se à mesa e reiterou sua
colaboração à Associação para que ela possa ter sua
sede própria e manutenção de sua existência. Frisou
também seu desejo de que haja a “identidade como
entidade de classe” (Livro de Atas no 1- Ata de 6/2/84).
Por esta referência torna-se possível perceber que o Sindicato
almejava não apenas a autonomia da Associação, mas também a construção
de uma identidade própria de aposentado, independente da categoria dos
metalúrgicos. O registro seguinte em Ata dos planos de construção da “casa
do aposentado”, encontra-se em Ata de 1988,106 quando esta foi confirmada
como uma das metas da entidade. Não foi possível compreender quando
houve a substituição do projeto inicial para o da sede, pois a menção
seguinte ao tema só foi registrada mais de um ano depois,107 quando se
realizou uma reunião extraordinária de diretoria para traçar os planos para
construção desta.108
Em nenhuma das fontes foram encontrados sinais de frustração pela
substituição de um projeto mais ambicioso por um mais modesto. Nos
depoimentos, a “casa do aposentado” nem chegou a ser mencionada, e
quando aqueles que se lembravam deste projeto inicial foram questionados,
referiram-se à ele como algo secundário, fruto daquele momento. Inúmeros
são os depoimentos que colocam a sede própria como o principal, ou um dos
principais projetos da entidade.
A mais importante foi a construção da nossa sede,
porque ficamos independentes. A gente dependia dos
outros para ter local de trabalho. A partir da
construção da nossa sede nós ficamos independentes,
esse foi nosso principal projeto. A partir desse veio
outros projetos, que se realizaram porque a gente está
em nossa sede (Milton Francisco de Oliveira).
Eu acho que...ela ficou praticamente com...como você
quando tem uma casa, você está em uma casa que não
é sua. Mesmo que não pague aluguel, a casa não é sua.
Então eu acho que a sede própria representou a
liberdade. Você sabe que você tem aquele prédio. É a
106 Livro de Atas no 1 - Ata de 26/2/88. 107 Livro de Atas no 1 - Ata de 8/8/89. 108 O decreto municipal no 6756 de 21/7/89 de doação (permissão de uso) de terreno público para a
Associação foi o motivo da reunião. A partir desta data várias outras reuniões extraordinárias
foram convocadas para dar andamento à construção da sede.
130
mesma coisa que a gente ter casa própria... Não teve
briga com o sindicato, não teve, não teve. No
comecinho, começou o pessoal da CUT, o Ary Russo, o
Miranda, a gente até apoiou ele. Se alguém te falou
alguma coisa eu não estou sabendo (José Ferian).
Os dois depoimentos acima revelam que a sede própria representou
liberdade, autonomia, embora não tenha sido encontrado nenhum dado que
indicasse conflito entre a Associação e o Sindicato. Este espaço significou
também um local propício à organização social e administrativa, como
demonstra o depoimento abaixo.
Eu acho que foi bom. Foi bom. A sede... ela teve
possibilidade de se organizar melhor. Teve
possibilidade de se organizar em tudo. Não só
socialmente como administrativamente. De maneira
que eu acho que foi uma coisa muito boa. Na minha
opinião eu acho que foi esse... A maior conquista deles
foi isso aí, porque é uma coisa que bem poucas
“Sociedades” conseguiram (Florivaldo Camocardi).
Além de significar liberdade e organização, percebeu-se que a
construção de um espaço próprio esteve carregada do sentido de poder. Com
a sede, o grupo se viu mais fortalecido para exercer suas atividades e para
crescer. Halbwachs oferece ainda uma outra visão do espaço.
A sociedade não estabelece somente uma relação entre
a imagem de um lugar e um escrito. Ela considera o
local enquanto se relaciona então a uma pessoa, seja
porque esta o tenha demarcado com balizas e cercas,
seja porque ali reside habitualmente, porque o explora
ou mande explorar. Tudo isto é o que podemos chamar
de espaço jurídico, espaço permanente, pelo menos
dentro de certos limites de tempo, que permite a cada
instante à memória coletiva, desde que perceba o
espaço, de nele localizar a lembrança dos direitos
(op.cit:145-6).
A interessante colocação do autor provoca um outro olhar sobre a
questão. Percebe-se que o projeto da construção da sede própria expressou o
objetivo de impressão do grupo em seu próprio espaço. Havia a necessidade
de conferir ao lugar a identidade de uma Associação que defende os
interesses dos aposentados. Mesmo ocupando uma pequena casa de
propriedade do Sindicato dos Metalúrgicos, o grupo ensejou a “liberdade”
131
porque o espaço ocupado não possuía a memória dos aposentados, mas
estava impregnado da memória dos metalúrgicos da ativa.
Para compreender melhor a questão, é interessante fazer o raciocínio
inverso ao de Halbwachs, citado abaixo, quando este trata da resistência dos
grupos ao terem que abandonar seus antigos espaços.
Se esses grupos não se adaptam mais depressa, se em
muitas circunstâncias, dão prova de extraordinária
faculdade de inadaptação, é porque outrora traçaram e
determinaram seus limites e suas reações em relação a
uma certa configuração do meio exterior, até se tornar
parte integrante das muralhas às quais se encostavam
suas casas, as colunas que as sustentavam, as
abóbadas que os abrigavam. Para eles, perder seu lugar
no recanto de tal rua, à sombra daquele muro, ou
daquela igreja, seria perder o apoio de uma tradição
que os ampara, isto é, sua única razão de ser
(op.cit:138).
A citação acima permite a compreensão do desejo do grupo de
construir seu espaço próprio como o inverso da resistência ao abandoná-lo. A
saída do sindicato e a construção da sede passa a ser vista como um novo
espaço a ser formado para a impressão das memórias da Associação. O
Sindicato não permitia, para usar os termos do autor, que fossem traçados e
determinados seus limites e reações, e por isso, não era identificado com as
lutas dos aposentados. Era preciso mais do que um lugar para funcionar, era
necessário que este lugar estivesse impregnado da luta dos aposentados, e
não dos metalúrgicos.
Convênio médico - O projeto da implantação do convênio médico não
foi o principal da entidade, porém é apontado como uma conquista do grupo.
Conforme mencionado, esta reivindicação de inserção do aposentados no
convênio do Sindicato foi registrada em ata em 1985. Daí em diante pode-se
perceber um empenho do grupo em criar seu próprio convênio,109
pressionado pelas reclamações dos associados que se viam impossibilitados
de freqüentar a colônia de férias (por falta de vagas), bem como utilizar-se
109 Mostra desta iniciativa foi mencionada em Ata. “Antemil Correa falou sobre criação de convênios
semelhantes aos de Jacareí. Separado do Sindicato.” (Livro de Atas no 1 - 24/10/86).
132
da farmácia e dos serviços médico - dentários oferecidos pelo Sindicato
(Livro de Atas no 1 - 21/1/87).
Em dezembro de 1988, diversos médicos já haviam sido consultados
e os exames laboratoriais passaram a ser encaminhados para o SUS (Serviço
Único de Saúde). Em meados de 1990, o convênio já possuía 12 médicos e 2
laboratórios e estava concluído em sua primeira fase. A meta seguinte:
Convênio odontológico.
Nas áreas sociais uma das preocupações das
Associações foi com o problema da saúde. A saúde do
idoso hoje é uma das coisas que preocupa qualquer
entidade, principalmente quando se trata da saúde do
idoso. A prova disso em São José dos Campos é o nosso
convênio médico. Naquela época já havia uma
preocupação com isso. Nós só não tínhamos condições
de fazer nada porquanto nosso conceito a nível de
entidade...não tinha divulgação. Então nós nos
louvávamos das pessoas que nos procuravam e a gente
passava aquela proposta pra poder conseguir alguma
coisa (Benedito Domingos).
...a maioria desses processos são abertos pela
Associação de aposentados e exatamente isso leva eles
a ficar um pouco coesos lá porque eles têm essa
carência, essa necessidade de usar aquilo lá prá abrir
os processos e as consultas fazem a gente ficar sócio.
Quando a gente fica sócio tem direito à consulta, mas a
consciência não existe (Raimundo Dias da Silva).
Em uma primeira análise, o convênio médico foi compreendido
enquanto medida assistencialista adotada pela diretoria para angariar
maior número de associados. Por este raciocínio, este representaria então
um fator de perda de identidade política da entidade. Após uma análise
mais detalhada dos depoimentos percebeu-se que a fala de um membro da
Associação propiciou a análise da questão por um outro ângulo. Segundo o
depoente...
Este projeto é sempre uma luta direta contra o governo.
O governo tem que dar saúde, não dá. Então a gente
tem que se virar. Uma série de coisas que o governo
tem que dar para a gente e não dá. Então a mesma
coisa da luta da aposentadoria é a luta da saúde. A
gente tem idéia de construir um mini hospital porque o
aposentado não pode pagar um convênio médico. Não
tem assistência médica. Então os projetos são iguais,
133
um força o outro. Isso não tira a identidade, de jeito
nenhum. Um (projeto) complementa o outro110 (Milton
Francisco de Oliveira).
A colocação acima possibilitou a percepção do projeto do convênio
médico, não simplesmente como medida assistencialista, com o objetivo de
atrair maior número de associados para a entidade. Embora esta análise
não esteja descartada, ele pode ser encarado como uma forma de resistência
dos aposentados com baixo poder aquisitivo, que ao recusarem as filas e o
mal atendimento oferecido pelo serviço público de saúde, optam por um
atendimento mais digno.
O convênio médico, sob esta ótica, pode ser examinado não como
perda de identidade do grupo, mas uma recusa de seus membros em
permanecer nas filas do INPS (atual INSS), e dos postos de saúde. Afinal,
quem pode tirar do indivíduo sua vontade de ser melhor atendido? Optando
pelo convênio o aposentado diz “não” para o sistema público de saúde. Busca
bom atendimento, médicos geriatras, conforto com salas de espera, dentistas
e, tudo mais que devolve a ele o sentimento de pertencimento à sociedade.
As frustrações pela não realização dos projetos foram muitas. Os
depoimentos assinalaram a falta de verbas, a desunião dos aposentados, a
falta de conscientização destes, a ausência de vontade política dos
governantes, etc. como pontos de entrave. Porém, os impasses da justiça foi
o principal deles, embora estivesse relacionado com os demais. Os processos
movidos contra a previdência social permaneciam (e ainda permanecem)
durante anos na esfera jurídica e vários associados morreram na espera de
recebê-los.
Assim, os projetos da Associação se complementaram e fizeram parte
de um todo: a luta contra o descaso com que a categoria é tratada pelo
governo. Processos, construção da sede própria e convênio médico não foram
projetos isolados. Estiveram integrados na questão maior do Movimento,
embora fossem formas próprias, encontradas a partir de suas necessidades
cotidianas e das articulações de forças locais.
110 Parênteses meus.
134
3.4. Poder Local: Alianças e Estratégias para a Sobrevivência
do Grupo
O município de São José dos Campos foi o espaço no qual a
Associação se situou e articulou. A análise do mesmo como locus
diferenciado do nacional e do internacional, implica na interpretação do
grupo da AAPSJC enquanto parte do Movimento de Aposentados e
Pensionistas, porém com influência da dinâmica deste espaço em sua
identidade.
Para trabalhar esta questão julga-se importante dar uma definição
do que foi chamado aqui de poder local. Pinho (1993) (apud Daniel, 1988),
coloca que o poder político local é constituído pela elite política do governo
municipal, formado pelos seus órgãos administrativos e pela câmara dos
vereadores. O poder econômico local é composto pelas empresas que visam
lucratividade e que dependem, para seu funcionamento, do poder político. Já
o poder social local é formado por múltiplas forças, como as elites locais
oriundas das camadas médias, dos representantes empresariais e
profissionais liberais.
A expressão poder local utilizada no presente trabalho, tem então
como objetivo, expressar a influência das três formas de poder colocadas pelo
autor, embora tenha sido possível perceber por meio da análise das fontes,
que a articulação do grupo se deu muito mais no âmbito do poder político
local do que econômico e social.
Compreendendo o local não apenas como espaço geográfico e
territorial, mas também como rede de relações, tornou-se possível perceber o
movimento dado pelo jogo de interesses que gera oposições e alianças.
Segundo esta ótica de análise, a interferência na identidade dos grupos
ocorre sob a forma de conflitos ou de alianças com o poder local,
especialmente quando se trata de um grupo de pressão.
Na esfera dos municípios, novas conformações foram surgindo na
década de 80 como reflexo das mudanças mundiais. O local, enquanto lugar
135
onde o jogo de poder se faz mais evidente, assumiu contornos diferentes da
década anterior. Tânia Fischer comenta a importância deste para se
conhecer o jogo das resistências e a sua organização.
Aos estudos relacionais que situam o local como um dos
níveis de poder, agregam-se aqueles onde o local se
afirma como um objeto de estudo pela sua
especificidade; uma história própria, um conjunto de
relações sociais delimitados, um espaço de memória, de
formação de identidades e de práticas políticas
específicas. Como lembra Rivellois (1990)... ‘as
instituições locais não são apenas um reflexo de lógicas
dominantes, porque o nível local está ligado à história,
às representações coletivas específicas, às formas
culturais ... No entanto, o nível local é também o lugar
das tensões, das lutas, portanto, um nível de contra-
poder’ (Fischer,1993:13).
Uma das propostas deste trabalho ao questionar a relação do grupo
com as forças locais, é justamente conhecer em que medida estas
interferiram nos objetivos traçados por ele, conseqüentemente, qual a
interferência na sua formação identitária.
Pôde-se notar que o número de ofícios emitidos pela Associação para
o governo municipal (Legislativo e Executivo) foi superior a qualquer outro
destino. Entre janeiro de 1984 (1983 não houve correspondência nenhuma )
e julho de 1990, foram enviados 54 ofícios a prefeitos, vereadores e
secretários de São José dos Campos (sendo que um número inexpressivo foi
destinado à políticos de Jacareí). Este montante corresponde a 56,8% do
total de correspondências enviadas no período.
Foi possível notar que a relação da entidade com o governo
municipal se deu em um clima de amabilidade e de dependência financeira
por parte da Associação. Os temas das correspondências variaram e por isso
foram categorizados em:
Tornar-se “entidade social”- o que implica em recebimento de verba
anual.
Reivindicações - criação de legislação que proporcione passes
gratuitos e isenção do IPTU para aposentados.
136
Empréstimo de espaços e bens públicos - como teatro municipal,
parque, plenário da Câmara; bem como cessão de ônibus e aparelhagem de
som.
Construção da Sede Própria - terreno e construção.
Divulgação - de eleições, assembléias com presença de
personalidades políticas e novo estatuto.
Congratulações - com nova mesa da Câmara e prefeitos.
Intercessão junto ao governo federal - pedido de envio de telegramas
e cartas para que matérias relativas aos aposentados fossem aprovadas ou
repudiadas.
O ano de 1989 foi o que mais apresentou correspondências com o
poder local (19). Predominaram pedidos de cessão de ônibus, para que
diretores e associados da entidade pudessem participar de Atos Públicos
promovidos pelas Centrais em Brasília e São Paulo, e terreno para a
construção da sede própria.
É interessante notar que nos anos de 1988, 1989 e 1990 as
correspondências tenderam a se concentrar em dois pólos:
O acirramento das relações com o poder federal
A construção da sede própria
Estes dois pontos podem ser interpretados como importantíssimos
para a identidade da Associação. A relação com o governo federal como
resposta e estratégia de resistência do Movimento às políticas neoliberais
em formação; a construção da sede enquanto espaço próprio conquistado.
Não foi objetivo desta pesquisa, fazer uma análise aprofundada do
discurso das correspondências, porém não se pode deixar de mencionar, o
que foi classificado como “tom de vítima” de determinadas correspondências,
bem como o “tom ofensivo de outras”. Principalmente quando os ofícios se
destinam a pedir doações (poder político local, iniciativa privada, igreja,
137
imprensa), os termos utilizados intentavam apelar para a sensibilidade do
interlocutor. A título de exemplo, algumas expressões foram selecionadas:
“...esquecidos nos meios políticos...”
“...Nossos velhinhos...defesa da população carente da
qual fazemos parte...”
“...amenizar o sofrimento do aposentado...”
“...classe tão sofredora...”
“...Sem condições...”
Foi possível notar que, com o passar dos anos, o “tom de vítima” foi
substituído nas correspondências, conforme aumentaram aquelas
destinadas ao governo federal e ocorreu o fortalecimento do Movimento de
Aposentados.
No que diz respeito à legalização da entidade, desde os primeiros
meses de funcionamento houve a preocupação da diretoria em organizar a
documentação da Associação. Em março de 1989, a partir de projeto
elaborado pelo vereador Jairo Pintos, a Lei Municipal no 3448/89 foi
assinada pelo prefeito Joaquim Bevilácqua. A referida Lei tornava a
Associação de Aposentados e Pensionistas de São José dos Campos, de
Utilidade Pública, sendo considerada “entidade civil de fins
representativos e de estudos.” 111
Tornando-se legalmente de Utilidade Pública, a Associação passou a
ter direito de requerer verba não só a nível municipal, mas também estadual
(desde que se tornasse Utilidade Pública do Estado). Além destas
facilidades, a entidade também passou a receber auxílio financeiro periódico
para seu funcionamento e isenção de impostos.
A partir destes dados, é possível perceber que a preocupação da
AAPSJC em manter-se organizada legalmente extrapola as necessidades do
Movimento enquanto ação conjunta. A legalização foi utilizada também
111 Chamou a atenção o ofício s/n assinado por Heleno R. da Silva (secretário) enviado à bancada do
PMDB na Câmara de Vereadores de São José dos Campos em 11 de setembro de 1984. O
documento solicitava, já naquela época, a elaboração de Projeto de Lei que tornasse a entidade de
utilidade pública. Por este ofício, em papel ainda sem timbre ou número de identificação e com
erros de português, foi possível perceber a intenção clara da diretoria em captar recursos do
governo municipal já nos primeiros meses de funcionamento.
138
como medida de consolidação desta diante do poder local e uma estratégia de
captação de verbas do poder público.
A participação da prefeitura na construção da sede própria foi
decisiva. Conforme mencionado, o então prefeito Joaquim Bevilácqua e seu
sucessor Pedro Yves Simão providenciaram o terreno, o projeto e a verba
para a construção.
O governo municipal, na pessoa do Joaquim Bevilácqua
e do Pedro Yves ajudaram bastante. Nós construímos
aqui com a ajuda deles. Ninguém atrapalhou, os
vereadores, geralmente apresentam monções de
confraternização com a gente. Quando há qualquer
problema quanto à Associação, eles levam a
conhecimento do plenário na câmara, mas projeto para
nos ajudar mesmo, infelizmente eles não têm não. Mas
também nunca foram contra. Nunca tivemos problemas
com vereadores (Horácio Lemes Simões).
Prefeitos e vereadores também estiveram presentes em
manifestações e atos públicos promovidos pela Associação. Para a realização
do 3o Encontro Estadual dos Aposentados e Pensionistas em julho de 1988,
no município de São José dos Campos 112 a prefeitura não só colocou à
disposição da comissão organizadora o secretário municipal de comunicação
social113, como também forneceu alojamento, alimentação e transporte para
os congressistas. Em troca, o Encontro entraria no programa de festividades
em comemoração ao aniversário da cidade.
Nota-se aí a aliança da entidade com o poder político local para
organização do Movimento. O prefeito Antônio José Mendes Faria esteve
presente na abertura solene do encontro:
Disse da satisfação e do empenho que o Poder Público
do município teve, em dar total apoio ao 3o Encontro
Estadual dos Aposentados e Pensionistas, mencionou
também, que havia incluído o evento nos Festejos
Oficiais do Aniversário da Cidade (Anais do 3o Encontro
Estadual dos Aposentados e Pensionistas - julho/1988).
112 O 3o Encontro contou com a participação da liderança do Movimento como Oswaldo Lourenço,
presidente da COBAP e Henos Amorina, presidente da Federação além do Deputado Federal
Arnaldo Faria de Sá. Teve como temário: - balanço e discussão das atividades das Associações e
Confederações. - Encaminhamento de resoluções para o 10o Congresso Nacional. - Traçar plano de
ação da categoria e a discussão de problemas nacionais. 113 Conforme registrado no Livro de Atas no 1 - ata de 29/4/1988.
139
Assim como o atual prefeito na época, o ex prefeito da cidade (que
futuramente voltaria a ocupar o cargo) também fez sua menção.
Dr. Joaquim Bevilácqua, Deputado Federal, disse que
votou nas emendas apresentadas, na Constituinte, a
favor da nossa categoria e que, no segundo turno de
votação da Constituinte, ficará vigilante para
consolidar tais conquistas. Lembrou ainda aos
presentes que, São José dos Campos, foi o primeiro
município do Brasil, na gestão dele como prefeito, a
conceder o passe livre aos idosos, nos transportes
coletivos urbanos (Anais do 3o Encontro Estadual dos
Aposentados e Pensionistas - julho/1988).
Em 25 de fevereiro de 1990, a imprensa noticiou a Assembléia Anual
de Avaliação da categoria realizado na câmara dos vereadores de São José
dos Campos. A primeira dama da cidade, Isa Bevilácqua, representou o
prefeito na reunião que contou com a presença de: Deputado Federal
Antonio Carlos Mendes Thame (PMDB), Geraldo Alckimin (PSDB) e
Farabulini Júnior.114
Os depoimentos complementam as outras fontes, revelando que o
poder político local pode ser um aliado importante para os grupos, desde que
se “procure as pessoas certas na hora certa”.
Olha, as dificuldades sempre foi falta de dinheiro
(risos) . Porque a gente sempre depende de um,
depende de outro. Depende de favores, então sempre
foi a falta de dinheiro... O que ajudou foi a política. Não
atrapalhou, ajudou. A política sempre ajuda desde que
a gente procure as pessoas certas, na hora certa .
Mais à frente, no mesmo depoimento...
A gente tem o projeto da farmácia, um grande projeto,
mas por enquanto está no papel. O hospital, a gente
deu um pouco de azar na política porque se tivesse
ganho o outro prefeito a gente tinha meio caminho
andado... Demos azar porque a gente tem que escolher.
114 A Assembléia que contou com a presença de cerca de 250 pessoas teve também a participação do
presidente da COBAP, Oswaldo Lourenço. Na pauta estava a exposição das atividades da
Associação em 1989, esclarecimentos sobre os processos em andamento, leitura de ofício enviado
ao futuro ministro da previdência social, Antônio Rogério Magri (Livro de Atas no 1 - ata de
24/2/1990). Embora sem pertinência direta com o tema tratado no momento, vale a pena registrar
o clima de otimismo da categoria com a posse de Magri no Ministério da Previdência. “Esperamos
que o futuro ministro Rogério Magri consiga transformar a Previdência em uma casa de respeito.”
(Oswaldo Lourenço - presidente da COBAP em entrevista para “O Valeparaibano” de 25/2/1990, p.
4).
140
Ás vezes escolhe certo, às vezes escolhe errado (Milton
Francisco de Oliveira).
Por trás da “neutralidade partidária” da Associação e do Movimento
como um todo, existe um jogo de interesses que tece cotidianamente suas
formas de existência. Não se crê que este jogo modifique o eixo identitário do
grupo, que se relaciona diretamente com as políticas públicas federais, mas
que dê configurações próprias a este.
A análise desta documentação oferece indicações de que a Associação
de Aposentados e Pensionistas desde sua fundação até 1990 utilizou-se do
poder local enquanto campo de alianças para atingir seus objetivos. Para a
elite política municipal, por seu turno, a entidade representou um reduto de
votos. Em troca, ofereceu condições para manutenção e fortalecimento do
grupo.
141
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda na década de 70, o mundo conheceu uma das maiores crises já
vividas, quando o modelo fordista de acumulação entrou em colapso nos
países industrializados. A crise teve sérias repercussões na economia e na
organização política de todo planeta.
A nova ordem mundial iniciada na referida década, tem criado
mecanismos de adaptação do setor industrial às novas tecnologias. O
mercado financeiro também tem se ajustado ao dinamismo característico da
flexibilização do capital. O sindicalismo e as organizações de classe têm se
reavaliado porque, com o aumento do número de trabalhadores
desempregados, em empregos temporários e em atividades informais, o
modelo sindical montado no período fordista de acumulação tornou-se
obsoleto.
A nova forma de geração da riqueza, da organização do mercado e
da regulamentação social trouxe consigo a globalização da economia. O não
ajustamento à nova ordem econômica e de mercado, implica em exclusão de
jovens e idosos. E mais, de trabalhadores na faixa da população considerada
“economicamente ativa”, que vêem seus cargos extintos da noite para o dia.
O desemprego aumenta, e o que é mais lamentável, se torna irreversível. Na
medida em que o mercado fica mais competitivo, o perfil do profissional
procurado implica em educação especializada.
A flexibilização do capital encontrou no Estado neoliberal a
contrapartida política para seu desenvolvimento. Com a nova política, o
Estado mínimo se desobriga da interferência e da regulamentação das forças
econômicas, deixando ao mercado sua auto-regulação.
No Brasil, a década de 80 foi aberta com crise econômica e política. A
previdência social encontrava-se em plena crise, fruto de mecanismos de
capitalização inadequados e desvio dos recursos previdenciários para outros
142
setores da economia. Estes fatores, aliados à sua utilização político-
partidária, ocasionaram um sistema previdenciário ineficiente e falido
desde seus primeiros anos de funcionamento.
Por trás da polêmica da ampliação dos serviços previdenciários,
havia uma questão muito maior: a desigualdade social gerada pelo modelo
desenvolvimentista brasileiro.
Durante os anos 80, a organização sindical se fortaleceu e foram
abertos novos espaços para a formação de grupos identitários
reivindicatórios. A luta pela democracia tomou as ruas. Neste contexto
surgiu o Movimento dos Aposentados e Pensionistas, revelando novos
agentes no cenário social: os aposentados.
Estes negaram-se a calar diante das políticas públicas de
enxugamento na previdência características dos tempos de crise (agravadas
pelo prenúncio dos paradigmas neoliberais). À crise da previdência, o
governo da nova república - assim como os anteriores - reagiu aumentando
as alíquotas dos trabalhadores e das empresas, sem que fosse questionada a
estrutura de arrecadação e capitalização destes para o atendimento do
aumento da demanda.
A organização do Movimento dos Aposentados e Pensionistas não
assumiu proporções nacionais antes de 1979. Em uma esfera menor, a do
município de São José dos Campos, interior de São Paulo, o trabalho de
conscientização política dos aposentados foi gradual (e porque não,
permanente) e fundamental para a atração de novos associados,
responsáveis pela manutenção da entidade.
O MOP e, conseqüentemente, a Associação foram considerados neste
trabalho como algo mais do que um grupo de pressão, como diria Meynaud
(op.cit.). A segunda, alvo da análise, foi interpretada como um ponto de
resistência cotidiana. Parte de uma organização maior, não pretendeu fazer
uma revolução, nem destruir o seu outro. Seu objetivo foi, desde os seus
primeiros anos, constituir-se enquanto órgão de oposição às políticas sociais
voltadas para as pensões e aposentadorias.
143
Portadora de ambigüidades próprias daquele que se opõe e resiste,
fez frente ao poder que assumiu a forma de dominação e reprodução. A
Associação, desde o começo, teve consciência do que era e o que poderia ser,
para usar as palavras de Chauí (op.cit.), e por isso traçou suas estratégias e
projetos para manter-se viva. Construiu sua identidade na convivência das
várias identidades que a formaram e de um projeto comum.
O cotidiano da entidade (e do Movimento, é claro) organizou-se num
duplo movimento de aceitação e negação da dominação, sem que nenhum
dos extremos tivesse sido completado, isto é, sem que governo personificado
na previdência tivesse conseguido exterminar qualquer tipo de resistência e
sem que os aposentados tivessem almejado o desaparecimento da
previdência social Por se constituírem parte de um mesmo todo, aposentados
e previdência são interdependentes. Assim sendo, no jogo de resistência, os
aposentados não podem objetivar a eliminação da previdência, sob pena de
estar decretando seu próprio fim. A relação entre ambos é marcada por
conflitos, estratégias de luta e embates. Qual o vencedor? Tem sido o
Estado, porém a cada momento surgem novos contra-ataques.
Cada estrategista lançou mão de seus argumentos. A meta de
crescimento e, conseqüentemente, sobrevivência da entidade esteve presente
em todas as diretorias estudadas. Para atingir tal objetivo, a Associação
utilizou-se a estratégia da conquista do reconhecimento perante a opinião
pública, e mais, perante as forças políticas e econômicas locais. Com a
construção de uma imagem de austeridade e, ao mesmo tempo, fragilidade e
perseverança na condução dos processos, a Associação buscou construir um
conceito de entidade digna da confiança da elite local e dos aposentados
joseenses.
Os processos ganhos na justiça tornaram-se bandeiras de luta e a
divulgação das vozes dos diretores da entidade, por meio da imprensa,
tornaram-se representativas dos aposentados no âmbito local. Atraindo e re-
arranjando as forças locais para sua causa, as investidas do governo contra
144
a categoria acabaram por se reverter em benefício da agremiação, pois
tornaram-se propaganda negativa da política social dos anos 80.
Seus projetos não foram imutáveis porque sempre estiveram em
contato com novas iniciativas do governo, com a mudança de membros do
grupo conferindo-lhe outras memórias, com a reorganização do poder local e
com o cotidiano. Daí seu movimento e a construção e reconstrução
identitária permanentes.
Ao longo de sua existência, o Movimento dos Aposentados e
Pensionistas vem sofrendo modificações. Hoje, o alto escalão do governo
não recebe mais seus representantes em Brasília e as reformas da
previdência social trazem medidas de enfraquecimento da categoria. A
privatização do sistema caminha a passos largos. Pode-se questionar: é este
o fim do Movimento? Sua identidade desviou-se do eixo original? Estas
indagações são deixadas para novos estudos .
A reforma da previdência social em trâmite no Congresso gera
polêmica. O Movimento dos Aposentados e Pensionistas tem posição
contrária a diversos pontos, contudo, seus direitos já estão assegurados.
Talvez agora os sindicatos assumam uma postura mais próxima do MOP,
até então desejada, mas nunca conseguida. A esquerda vem tentando se
mobilizar contra vários pontos da reforma julgados prejudiciais aos
trabalhadores, como a questão da idade mínima para a aposentadoria. No
último dia 10 de maio, o jornal Folha de São Paulo publicou matéria relativa
à polêmica da votação da reforma da previdência. O inciso 1o do artigo 201 -
relativo a idade mínima para a aposentadoria - foi suprimido. Os
governistas interpretaram a lei de forma diferente da oposição, isto é,
consideraram mantido o aumento da idade mínima para 60 anos de idade e
35 anos de contribuição para homens, e 55 anos de idade e 30 anos de
contribuição para mulheres. Enquanto permanece o debate no Congresso
Nacional, 167 milhões de Reais têm sido gastos, com parlamentares, como
forma de “barganha” para a aprovação de emendas. 115
115 Conforme “Folha de São Paulo” 10/5/98. Caderno 1, p. 5.
145
É necessário um olhar mais alargado da realidade da Associação
para perceber suas táticas de sobrevivência dentro de um contexto adverso e
um futuro incerto. Isto significa que a resistência deste grupo de
aposentados está em manterem-se vivos, unidos e fortes. A vida é sua maior
resistência.
Hoje, outras formas de resistência estão sendo planejadas pois o
outro está em mutação. Um exemplo disso é o projeto de criação do PAN
(Partido dos Aposentados Nacional) que já tem um nome em estudo para
representante de São José dos Campos à candidato a Deputado Federal.
Segundo seus próprios idealizadores, passeatas e viagens ao Distrito Federal
para convencer os Deputados a lutar pelos aposentados não têm dado mais
resultados.
Hoje a Associação conta com 10.019 associados e 3 advogados lhe
prestando serviços. O convênio médico possui 22 dentistas e cerca de 70
médicos conveniados, além de farmácias e laboratórios.116 O trabalho de
controle de processos, planilhas e demais atividades é feito por
computadores instalados na própria sede. Não há dúvidas de que a
Associação cresceu e aumentou seu campo de ação.
Questões, no entanto são inevitáveis: serão estas novas estratégias
tão eficientes quanto aquelas que provocaram as mudanças na Constituição
de 1988, ou que venceram a batalha pelos 147%? Não sabemos. Contudo, o
número de processos enviados à justiça aumenta a cada dia, insistindo em
mostrar que os aposentados estão vivos e cuidam do que é deles. Haverá um
retrocesso? Sabe-se somente que os aposentados não mais se calarão.
Descobriram que possuem voz.
116 Os advogados não são exclusivos da Associação. Dados fornecidos pelo diretor Horácio Lemes
Simões em 12/5/98.
146
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1987
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