entrevista pondé

Upload: ludwig

Post on 26-Feb-2018

237 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    1/20

    Entrevista com

    Luiz Felipe Pond

    A entrevista aqui apresentada foi realizada por ocasio do V Seminrio de

    Mstica Comparada, organizado pelo Ncleo de Estudos de Mstica Comparada do

    Programa de Ps-Graduao em Cincia da Religio da Universidade Federal de

    Juiz de Fora, sob a coordenao do Prof. Dr. Faustino Teixeira. O evento ocorreu

    no Seminrio da Floresta, em Juiz de Fora (MG), nos dias 13,14 e 15 de

    novembro de 2006. Aps dois dias de intenso debate acerca do tema da mstica o

    filsofo, Prof. Dr. Luiz Felipe Pond, do Programa de Ps-Graduao em Cincias

    da Religio da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, generosamente nos

    concedeu esta instigante entrevista. Nas pginas seguintes, as leitoras e os

    leitores da Sacrilegens podero deleitar-se com o modo profundo e ao mesmo

    tempo despojado com que o entrevistado aborda temas que vo desde a

    relevncia dos estudos da mstica at questes relacionadas afirmao da

    Cincia da Religio como rea acadmica no Brasil, sem esquecer da

    problemtica epistemolgica presente nesses estudos. Alm disso, o professor

    Pond nos revela passagens interessantes, e mesmo surpreendentes, da suatrajetria pessoal no terreno da mstica.1

    Ana Lcia Cordeiro

    Editora

    Paulo Roberto Cardinelli WeblerCo-editor

    1Esta entrevista foi transcrita, na ntegra, pela editora e pelo co-editor da revista.

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    2/20

    Ana Lcia Cordei ro Professor Pond...

    Luiz Felipe Pond Ol!

    Ana Lcia Cordei ro Ol! Em primeiro lugar eu e Paulo gostaramos de

    agradec-lo, em nosso nome e em nome da revista Sacrilegens, por aceitar nosso

    convite para esta entrevista.

    Luiz Felipe Pond Interessante, uma revista chamada Sacrilegens...

    Ana Lc ia Cordei ro Leitura do sagrado. Essa idia surgiu devido criatividade

    do nosso primeiro editor, nosso colega Arnaldo Huff Jr, que batizou a revista com

    esse nome.

    Paulo Roberto Webler Fizemos uma eleio e o nome escolhido foi esse.

    Luiz Felipe Pond Poderia quase virar sacrilgio. (risos)

    Ana Lc ia Cordei ro Bem, professor, ns gostaramos que o senhor falasse umpouco sobre sua trajetria acadmica. Em primeiro lugar, sobre sua passagem da

    medicina para a filosofia. Depois, quando j estava inserido nos estudos

    filosficos, sobre como surgiu seu interesse pela mstica.

    Luiz Felipe Pond Ento... A minha passagem da medicina para a filosofia foi

    at razoavelmente tranqila, levando-se em conta o que estava em jogo. Eu digo

    isso porque, eu j tinha tido um primeiro momento de dvida com relao

    medicina quando eu estava no segundo ano. Porque, assim... Eu fui parar na

    medicina sem pensar muito. Vinha de famlia de mdicos. A minha irm j era

    mdica, meu pai, meu av. Eu gostava muito de biologia e entrei na medicina,

    assim, sem pensar. Mas, logo no comeo eu comecei a perceber que eu tinha

    interesses que no batiam com os interesses dos colegas e com o que era

    discutido em sala de aula. Eu lembro sempre de uma experincia que para mim

    ficou muito simblica, ainda no primeiro ano, quando numa aula de imunologia, a

    gente estudava casos hipotticos de cncer, e eu perguntei para um professor

    como que os pacientes viam o fato de que eles estavam indo em direo ao

    nada. E o professor me respondeu: O senhor est na sala errada, o senhor

    deveria estar numa aula de filosofia. E eu escutei isso e achei esquisito, porque

    me parecia bvio que um mdico teria que levar em conta uma coisa como essa;

    como continuo achando at hoje. Apesar de que depois do curso mdico voc

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    3/20

    percebe que necessrio que o mdico tenha uma objetividade que s vezes

    desgua em reificao do humano. As condies de trabalho que voc passa, que

    voc vive, so to ruins, a presso to grande, que s vezes a objetificao do

    humano acontece, como o prprio mtodo cientfico. Mas, bom... A eu entrei

    numa crise e fui para Israel morar num kibutz e voltei de l praticamente casado.

    Voltei para a medicina. No tive coragem de abandonar o curso. Eu s tive

    coragem de abandonar o curso quando a expectativa de ter que fazer residncia e

    viver em hospitais me convenceu de que eu deveria parar. Eu j tinha percebido

    que eu no tinha vocao. Os plantes me davam sono, as discusses eram

    chatas, eu no gostava de hospital. Mas quando eu estava l por volta do terceiro

    ou quarto ano eu apostei na idia de que talvez eu pudesse ser psicanalista.

    Ento eu comecei a fazer formao em psicanlise, porque eu tinha gostado dasdisciplinas psicologia mdica, psiquiatria. Ento eu comecei a fazer formao em

    psicanlise freudiana e lacaniana, e isso, bom... Isso levou uns oito anos da minha

    vida. Mesmo depois de abandonar a carreira eu continuei estudando psicanlise,

    quando eu j sabia que a clnica no me interessava. Ento o que aconteceu foi

    que quando eu decidi estudar, a fazer a graduao em filosofia, a deciso para

    mim j era tranqila. No tive problemas, minha mulher concordou plenamente.

    Ela entendia o que estava acontecendo. No que eu dei muita sorte, porque eu no

    acho que evidente voc casar com um mdico e acordar com um filsofo, no

    ? No uma coisa evidente. Ainda mais quando a gente j tinha um filho. Mas foi

    tranqilo, sem traumas. A minha certeza quela altura era to grande que eu

    simplesmente fui feito um louco em direo formao em filosofia. E a fiz

    mestrado, doutorado, ps-doutorado....

    Paulo Roberto Webler Mas, de alguma forma, desse estudo da medicina ficou

    alguma coisa? Eu digo isso porque j li diversas abordagens suas sobre a questo

    da tica mdica.

    Luiz Felipe Pond Sem dvida alguma. Hoje eu j fiz as pazes com a medicina.

    Fiz as pazes com a medicina no sentido de que eu percebo claramente que a

    formao mdica d para voc uma viso de mundo que nenhum outro curso d.

    Hoje eu sou mais capaz de me sentir integrante da racionalidade mdica, do

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    4/20

    mundo mdico, muito mais do que quando eu estava na faculdade ou quando eu

    estava tentando acertar ser mdico. Hoje eu percebo que a formao mdica para

    mim j uma viso concreta da realidade muito maior do que os cursos de

    cincias humanas. Ento, eu tenho normalmente uma certa ojeriza metafsica, o

    que uma tendncia. Uma ojeriza abstrao muito, assim... muito galopante,

    que voc percebe nos mdicos, e que eu tenho. Hoje o meu filho est passando

    para o sexto ano de medicina. Quer dizer, a maldio da famlia continua. (risos)

    S que ele est fazendo oncologia, ele adora o curso.

    Paulo Roberto Webler No foi falta de avis-lo.

    Luiz Felipe Pond No foi falta. Ele adora! Mas ele adora a coisa! E, assim...

    Na medida em que ele foi avanando no curso eu fui percebendo que ele e os

    amigos dele... s vezes a gente assenta mesa, os amigos dele vo l em casa ea gente comea a falar de medicina, quer dizer... uma coisa que ficou, no ?

    Ento, eu retomo a conversa com ele e ele fala para mim dos remdios, de como

    que as coisas andam, de como que o planto. Inclusive a minha mulher, no

    comeo dizia: L vem de novo essa medicina! (risos) E a minha filha, que tem 14

    anos, reclama muito porque a gente comea a falar de medicina. Porque o mdico

    assim, no ? O mdico chega em casa e diz: Hoje tive um caso interessante

    no hospital. Quando ele fala isso, voc sabe que o cara est morrendo. (risos)

    um caso assim, um tumor super bonito! (risos) E o paciente est morto ou quase.

    Mas o tumor maravilhoso! (risos) Ento, isso ficou uma tendncia a uma viso

    muito concreta do ser humano. Antes de tudo o ser humano um ser frgil. No

    ? Obscenamente frgil e que parece que est querendo mentir sobre isso o

    tempo todo. Eu acho que essa percepo minha vem muito, seja da formao

    mdica, seja da formao psicanaltica freudiana, que tambm tem uma viso do

    ser humano como muito frgil. Ento ela est sempre presente. Inclusive o livro

    meu que est no prelo da EDUSP para sair em algum momento do ano que vem,

    que se chama Do Pensamento no Deserto, que so uma srie de nove ensaios,

    o primeiro ensaio exatamente sobre o meu percurso e como eu assimilo a

    medicina. Aonde foi parar a medicina? E ela est ai sempre.

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    5/20

    Ana Lc ia Cordei ro E com relao filosofia? Quais foram os autores que mais

    marcaram sua formao nesta rea?

    Luiz Felipe Pond Quando eu sa em direo filosofia e senti que eu no iria

    ser mdico, que eu no queria a carreira, no fiz residncia, no fiz

    especializao, quer dizer, acabei fazendo psicanlise e naquele momento eu

    achava que estava fazendo especializao. Mas s que a psicanlise acabou de

    me mandar para o banco de filosofia. Quando eu comecei a estudar Freud, as

    perguntas que eu fazia, o Lacan tambm, uma vocao filosfica muito grande

    tem o pensamento do Lacan... Eu fui estudar filosofia no comeo ainda pensando

    que eu iria continuar a ser analista, que eu iria ser analista, clinicamente falando.

    Mas na medida em que eu fui me aprofundando na filosofia eu conheci Nietzsche,

    eu comecei a estudar Nietzsche, a eu no voltei mais para a psicanlise. Querdizer, continuei estudando, mas no voltei mais para a idia de que iria clinicar.

    Ento, na minha entrada na filosofia, o primeiro autor que me marcou foi

    Nietzsche. E o Nietzsche est presente at hoje no meu pensamento, quer dizer, o

    que eu admiro no pensamento do Nietzsche a coragem de no produzir

    nenhuma teoria que alivia a condio humana. Eu identifico o Nietzsche como,

    uma das vrias virtudes que ele tem essa virtude. Quer dizer, a crtica dele

    religio como sentimento de certa forma me vacinou definitivamente com relao a

    qualquer idia do tipo: Deus tem que existir porque seno a vida no tem sentido.

    Parece-me que esse tipo de pressuposto um pressuposto absolutamente falso.

    Porque, se a existncia de Deus est submetida a que a vida do ser humano

    tenha sentido, esse Deus uma piada. Deus tem que existir independente de se

    tem sentido ou no. Eu acho que a pior entrada que pode haver numa reflexo

    sobre a religio a entrada que levada pela mo do Deus tem que existir para a

    vida ter sentido. claro que se Deus no existe, a vida no tem sentido, porque

    tambm eu no acredito nessas tentativas de produzir sentido para a vida a partir

    de publicidade da divindade humana. Eu falo muito isso no curso de biotica

    porque eu acho isso muito risvel. Eu acho isso muito risvel essa tentativa de

    transformar a divindade humana numa plataforma publicitria. Bom, ento eu fiz

    filosofia e a minha formao em filosofia foi marcada pelo Nietzsche e pelo

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    6/20

    ceticismo. Foram duas tendncias que percorreram toda a minha formao em

    filosofia. Eu fiz cursos optativos que falavam do Nietzsche e que falavam do

    ceticismo grego e do ceticismo moderno, seja do Montaigne, seja do Pascal, que

    no to ctico. Acabei fazendo doutorado sobre o Pascal. Eu vinha, ento, de

    uma percepo mdica da fragilidade do ser humano e de uma formao cientfica

    que permanecem at hoje. Da formao cientfica epistemologia foi um passo,

    uma caminhada tranqila. E na filosofia, depois da psicanlise com Freud e Lacan,

    dois autores que tm uma viso trgica do ser humano, veio o Nietzsche, que

    um outro autor que tem uma viso trgica do ser humano. E o ceticismo grego,

    que a ala mais radical da epistemologia, na qual voc aprende a duvidar de

    tudo. Ento, essa uma formao pela qual eu fui naturalmente desaguando

    numa formao em filosofia da cincia, em epistemologia. A, no mestrado, nofinal do curso, eu entrei em contato mais pontual com a Escola de Frankfurt. Ento

    eu comecei a estudar Adorno, Horkheimer, Benjamim. Nunca tive vocao para o

    marxismo. Eu achei o marxismo bonito na faculdade, mas sempre duvidei. Eu

    sempre vi o marxismo como metafsica. Como eu vejo at hoje. Essa idia de ter

    uma classe, de que existe uma relao entre a infraestrutura e a superestrutura

    que eu possa de fato provar. Talvez justamente por conta da formao em cincia

    dura, como a gente diz, eu nunca vi o marxismo como cientfico. Eu sempre achei

    que aquilo era uma especulao, wishful thinking, sabe? Cheia de desejo de que

    seja verdade. Bom, mas a Escola de Frankfurt me chamou ateno pela reflexo

    deles com relao modernidade. A idia de que o iluminismo tinha fracassado,

    de que o pensamento tinha morrido em Auschwitz, de que a cincia era um

    fracasso. Isso teve um impacto grande para mim, no sentido de que a cincia, a

    tecnologia e o projeto moderno... Eu vinha de uma crena no progresso, que

    uma coisa que um pouco difusa. Todo mundo acredita no progresso com se

    fosse algo evidente, quando ele na realidade s evidente na velocidade do avio

    e do computador. O resto... claro, tem encanamento, antibitico... Mas, assim...

    A idia de que o mundo hoje evidentemente melhor do que era h mil anos... Eu

    no acho nem que a gente possa dizer que antes era melhor. Eu acho que a idia

    da comparao j falsa.

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    7/20

    Paulo Roberto Webler Pelo fato de o senhor ser oriundo de uma cultura

    judaica, essa questo de Auschwitz tambm j devia estar, de alguma forma,

    presente.

    Luiz Felipe Pond Sim, claro. Existe um livro de um autor chamado Zygmunt

    Bauman, um socilogo judeu, que discute como uma certa classe de judeus no

    comeo do sculo XX... Ele est falando exatamente isso... Gente como Freud,

    gente como Marx, gente desde o sculo XIX, a Escola de Frankfurt, Kafka.

    Determinados judeus que comeam a dizer: Olha, o capitalismo, a modernidade,

    a sociedade administrvel, ela est dando errado, ela produz alienao, o

    progresso no vai a lugar nenhum. Ento, de fato, Auschwitz acaba se

    constituindo como a comprovao daquela dvida que vinha crescendo dentro

    cultura judaica, de uma certa cultura judaica. Aquela idia de que o judasmo ficoumarcado por uma desconfiana profunda com relao ao mundo. O que s vezes

    pssimo, porque parece simplesmente um discurso meio lamuriento, o tempo

    todo. A, bom... O que aconteceu que eu fui fazer mestrado e acabei no

    fazendo na Escola de Frankfurt, porque eu me interessei pela crtica do

    pensamento eficaz, especificamente, e acabei indo para o Bergson. E o Bergson

    um autor que fala na sua ltima obra do tema da mstica. Eu era absolutamente

    ateu, mas no aquele tipo de ateu que ateu porque o atesmo foi uma conquista

    da razo. Eu acho que o atesmo no uma conquista da razo. E a razo no

    consegue provar o atesmo, assim como no consegue provar Deus. Mas eu era

    um ateu, assim, num sentido de que eu era ateu assim como eu gostava de pizza.

    Para mim era uma coisa meio evidente. Eu era absolutamente indiferente na

    realidade. Meu pai tinha sido ateu durante muitos anos, e comunista, como quase

    toda a gerao dele. Ento para mim o judasmo era absolutamente distante, do

    lado da minha me, totalmente sem importncia no dia a dia, uma famlia

    assimilada. Eu tinha uma relao com Israel porque o meu av sempre falou muito

    de Israel, tanto que eu fui para Israel. Ento a minha relao era mais com Israel

    enquanto pas, conhecer o kibutz, como era a sociedade, essa coisa. A religio

    para mim no significava nada. A eu fiz o mestrado na crtica da eficcia, nessa

    idia muito ainda influenciada pela minha formao em psicanlise, a idia de

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    8/20

    como a demanda da eficcia adoece os seres humanos. Ento eu fiz um mestrado

    em epistemologia, mas criticando a fundamentao de uma sociedade baseada no

    sucesso. E tem a uma crtica ao utilitarismo, tica utilitarista. Isso hoje em dia

    me muito til nesse debate da biotica porque eu percebo que a nica tica que

    existe o utilitarismo, o resto, tudo mentira. A prtica utilitarista funciona.

    interessante, porque eu me lembro quando eu estudava o Bergson, a ltima obra

    dele era sobre mstica, eu dizia para o meu orientador, o Franklin: Esse negcio

    aqui no me interessa. Eu at entendo, eu tive que ler o livro dele, eu at entendo

    o argumento que ele diz, que no fundo a nica forma de atitude na vida que

    totalmente fora da demanda de eficcia a experincia mstica, mas para mim

    no significava nada. A eu acabei o mestrado e fui para o doutorado. A minha

    inteno no doutorado era estudar as condies trgicas do ser humano, opessimismo. Ento eu j tinha estudado muito o Freud, a eu consegui uma bolsa

    sanduche para a Frana. Eu fui para a Frana morar dois anos e na Frana

    acabei me aprofundando no Pascal. E a o que aconteceu? O que aconteceu

    comigo e o que me levou a estudar mstica foi porque eu comecei a ter aquilo que

    a tradio chama de visitas de Deus. Eu comecei a ter experincias msticas. De

    uma hora para a outra eu comecei a perceber determinadas coisas, ou tomar

    conscincia, desde o comeo de uma forma muito clara. E para mim isso era uma

    coisa muito tranqila porque eu no tinha nenhum preconceito, eu no tinha nada

    na minha histria pessoal que dissesse no, isso algum querendo fazer isso

    com voc, ou aquilo querendo fazer isso com voc. Eu comecei a ter umas

    experincias religiosas, principalmente na Frana, enquanto eu estava l. claro

    que a leitura do Pascal deve ter sido muito importante. Tanto que eu abandonei

    todo o projeto e fiquei s em cima do Pascal, acabei escrevendo sobre o Pascal.

    Mas no espao de dois anos eu comecei, cada vez mais, meio que escorregar

    para esse assunto. O que aconteceu foi o seguinte: essas experincias religiosas,

    essa sensao, s depois eu comecei a descrever isso como visitas de Deus, na

    medida em que eu fui estudando. Ento eu fui estudar mstica para saber o que

    estava acontecendo comigo.

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    9/20

    Paulo Roberto Webler Ento quer dizer que o senhor teve uma vivncia

    mstica.

    Ana Lcia Cordei ro Interessante! Isso eu no sabia.

    Luiz Felipe Pond Quase ningum sabe.

    Ana Lcia Cordei ro Professor, como o senhor avalia esses seminrios de

    mstica promovidos pelo PPCIR, sob a coordenao do professor Faustino, aqui

    em Juiz de Fora?

    Luiz Felipe Pond Esse seminrio comeou em 2000. Eu conheci o Faustino

    numa reunio, eu acho que da AMPTER, na PUC do Rio Grande do Sul. Eu

    conhecia o Faustino de nome, mas nunca tinha visto ele. E o Faustino vinha do

    mundo da Teologia, o que para mim no significava absolutamente nada. No

    significava nada no no sentido de que no era importante, mas no significavanada no sentido de que eu no tinha referncia. Ele um telogo herdeiro do

    Libnio. Isso no significava nada para mim na poca. Hoje significa porque eu

    acabei aprendendo esse repertrio. Mas na poca, eu sabia que o Faustino era

    um cara importante na rea de Teologia e Cincia da Religio. Eu o conheci,

    ento, nessa reunio na AMPTER e a gente discutiu nessa reunio a rea e a

    epistemologia. E ai, eu me lembro bem, eu estava em Tel Aviv fazendo o ps-

    doutorado, a minha mulher me ligou. Eu ia e voltava, durante um ano eu fiquei

    indo e voltando. Ficava um ms l, voltava, ficava uma semana. Um inferno! Eu

    me lembro. E uma vez ela me ligou, eu lembro claramente, eu estava assentado

    na cozinha e ela disse: Olha, um tal de Faustino ligou querendo que voc escreva

    um texto e v participar de um evento. A eu comecei a escrever l, o texto que

    saiu nesse livro vermelhinho, que um texto sobre a epistemologia, o qual

    Faustino citava ontem na nossa conversa noite. E a ele resolveu fazer uma

    reunio aqui sobre Cincia da Religio e epistemologia. Eu acho que na realidade

    o Faustino foi muito intuitivo, muito certeiro. Eu estive aqui, eu discutia

    epistemologia, o livro discute a epistemologia das controvrsias, que foi o tema

    que eu fiz no ps-doutorado, o tema das controvrsias. Por isso eu estava em Tel

    Aviv, porque o criador desse tipo de epistemologia professor na Universidade de

    Tel Aviv. Ento eu vim aqui e fiz uma discusso sobre epistemologia, sobre

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    10/20

    controvrsia, e eu lembro que, ao contrrio do texto, eu fiz uma discusso

    extremamente dura, do ponto de vista da controvrsia e da epistemologia. Eu

    lembro que o Dreher estava assentado na minha frente e eu lembro que o meu

    discurso foi absolutamente contrrio fenomenologia. Propositadamente, eu fiz

    uma fala que era diferente do texto que eu tinha entregado para ele. S que esse

    texto eu entreguei algum tempo depois. Ele no estava absolutamente pronto. E a

    minha inteno porque eu sempre achei que importante que a gente conhea

    aquilo que contrrio ao que a gente pensa. Porque voc no pode simplesmente

    pensar algo s porque agradvel. E a, foi assim que comeou. Eu achei o

    ambiente muito bom, a qualidade dos alunos, os professores. Naquela poca os

    professores de filosofia estavam aqui: o Dreher, o Paulo... No, eu acho que o

    Paulo Afonso ainda no tinha chegado. Estava o Gross, estava o Zwinglio...Ana Lcia Cordei ro O Marcelo Camura estava.

    Luiz Felipe Pond O Marcelo estava. Eu lembro que quando eu entrei, quando

    a gente chegou aqui, ele estava falando. O Faustino estava, claro. Tinha muitos

    alunos. Estava a Ftima tambm. E eu achei o ambiente muito bom.

    Ana Lcia Cordei ro Estava o professor Mendona.

    Luiz Felipe Pond , o Mendona estava tambm. Ento, assim... Eu tinha

    ficado na universidade como aluno durante muitos anos, em dois cursos

    diferentes. Mas a experincia como professor na universidade, na ps-graduao,

    era uma experincia recente. Eu comecei na PUC pela ps. At hoje eu s tenho

    uma turma na graduao, aquela coisa de trinta horas na ps e dez na graduao.

    Desse modo, eu no tinha ainda muita experincia em 2000. Eu tinha comeado

    em 97, com trs anos eu era absolutamente um nefito. Mas eu j tinha comeado

    a perceber que o ambiente da academia nem sempre to dcil, no ? Que

    muito agressivo. Na poca eu j comeava a suspeitar disso. E eu achei o

    ambiente aqui muito bom. Eu achei que o Faustino tocava a coisa de um jeito

    muito intenso, mas ao mesmo tempo muito agradvel. A ele me chamou para

    fazer em 2001, quando terminou o seminrio de 2000, ele falou: Vamos fazer um

    seminrio de mstica mal-comportado? Eu tinha usado esta expresso na minha

    sala: bem-comportado, mal-comportado. E eu pensei: esse cara est pensando

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    11/20

    que eu vou fazer um seminrio mal-comportado? Porque ele deve ter percebido

    de alguma forma, porque eu falava de mstica em alguns momentos, falava do

    mestre Eckart, ele deve ter percebido de alguma forma que o que me interessava

    era a relao entre formao filosfica intelectual e a absoluta certeza da

    existncia de Deus. Ele deve ter percebido de alguma forma, sei l, intuitivamente.

    Porque ele no poderia ter lido, eu no tinha escrito quase nada na poca. Ento

    eu acho esse seminrio, e eu tenho trazido meus alunos para c, um verdadeiro

    osis na vida acadmica, para estudar esse tipo de assunto.

    Ana Lcia Cordei ro Certo. Ento, voltando a esse encontro de 2000, nesse

    encontro foram discutidas questes relativas tambm a afirmao da Cincia da

    Religio, ou Cincias da Religio, como um campo de estudos e pesquisa no

    Brasil. Qual a sua avaliao a respeito dessa rea acadmica no Brasil hoje?Luiz Felipe Pond Eu acho que uma rea em expanso. Eu acho que ela tem

    tudo para ter sucesso. Eu acho que ela tem duas dificuldades pontuais. Uma a

    que a gente falava ontem noite: eu acho que ela pode ser destruda por

    determinadas correntes que so absolutamente intolerantes do ponto de vista

    epistemolgico e, eu penso, absolutamente enganadas. Porque a tentativa de

    dizer que a Cincia da Religio s filosfica, axiolgica, ou que a Cincia da

    Religio s emprica, sociolgica, eu acho que isso a no s falso

    epistemologicamente como mentira emprica, falso. Voc pode ter pessoas

    que atuam de forma mais voltada para a filosofia, mais em dilogo direto com a

    teologia, ou numa pesquisa mais absolutamente emprica, estatstica. Voc vai

    encontrar isso em vrios lugares, no ? Eu acho que isso muito casustico, no

    sentido de que depende muito da histria do departamento aonde ela nasceu.

    uma cincia razoavelmente nova e... A relao com a religio, como eu dizia

    ontem, complicada. O mundo moderno, o mundo cientfico, ele foi construdo em

    grande parte em oposio religio, pelo menos ao cristianismo. E ao judasmo

    em alguma medida, que tambm faz parte do Ocidente. Ento, uma iluso achar

    que o mtodo cientfico moderno, emprico, indutivo, dedutivo, pode conviver bem

    com a religio, que fala de certezas no empiricamente verificveis, variveis, sem

    controle epistemolgico. Ento, eu acho que um problema que pode vir a criar

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    12/20

    muitos problemas para a rea esse conflito interno entre pessoas que

    claramente aceitam a multiplicidade metodolgica e pessoas que radicalmente

    no aceitam por interesses absolutamente polticos. Eu acho que tem um discurso

    que : Temos que fazer uma definio do perfil para garantir o mercado

    profissional no futuro. Esse discurso est ligado a um outro problema, que eu

    acho que o segundo que a rea tem que enfrentar, que a falta de graduao

    em Cincia de Religio. A falta de graduao em Cincia da Religio um

    problema para a rea porque, de alguma forma, ela fica sempre parecendo que

    faltam as pernas e ela se alimenta de vrias reas. Eu acho que o grande embate

    poltico pseudo-epistemolgico porque eu chamo isso de pseudo-epistemolgico

    vai se dar na realidade na hora em que a gente conseguir se organizar para

    montar graduaes. A vai se dar o grande embate pseudo-epistemolgico. Euacho que importante ter graduaes. Eu acho que voc pode muito bem ter o

    perfil de um profissional que contempla desde a discusso confessional-teolgica

    at a discusso da relao entre religio e cincias duras. Voc pega, por

    exemplo, dois profissionais: pega o Marcelo Camura e pega... O que esteve no

    seminrio no ano passado, amigo do Faustino, do Museu Nacional?

    Ana Lcia Cordei ro Otvio Velho.

    Luiz Felipe Pond Otvio Velho. Voc pega dois antroplogos, quer dizer, dois

    profissionais de cincias sociais que so absolutamente conscientes do dilogo

    que existe entre as vrias reas da Cincia da Religio. Voc pega Mendona,

    que um socilogo tambm, ainda que tenha feito graduao em filosofia, mas

    toda a formao dele foi na sociologia, ele trabalha com sociologia, que tambm

    consciente. Eu estive recentemente numa conferncia de teologia e filosofia da

    religio em Granada da Universidade de Cambridge, mas foi em Granada , e o

    telogo John Milbank virou para mim e disse: Olha, essa discusso da excluso

    da filosofia e da teologia pelas cincias sociais e religio, isso uma coisa velha.

    Ele dizia para mim agora em setembro: Isso claramente um problema poltico,

    briga interna. Porque qualquer pessoa sabe que voc tem tantos objetos, a

    religio um objeto to complexo, que a idia de que s pode ter uma rea

    evidentemente poltica. A tentativa, por exemplo, de definir a religio como objeto

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    13/20

    social algo claramente metafsico. Porque a religio social, assim como ela

    literria, assim como ela teolgica, assim como ela filosfica. No s social.

    Paulo Roberto Webler uma reduo muito grande.

    Luiz Felipe Pond uma reduo muito grande, mas com interesse poltico.

    Ento, apesar disso tudo, eu acho que a tendncia da rea crescer. Porque a

    religio cresce como problema, como realidade, como experincia. Agora, uma

    coisa que a mim interessa especificamente exatamente o dilogo entre a

    religio, que na realidade mediado pela mstica, e a filosofia, no intuito de

    recuperar uma coisa que deixou de existir, que a religio inteligente.

    Paulo Roberto Webler O que seria essa religio inteligente?

    Luiz Felipe Pond o dilogo entre a filosofia e a teologia racionalmente

    articuladas e a conscincia da existncia da presena de Deus. Esse dilogo queexistiu muito na Idade Mdia e que simplesmente desapareceu, o que fez com que

    a religio acabasse s tendo uma dimenso menos racionalmente elaborada.

    Paulo Roberto Webler Agora uma outra pergunta, que uma certa continuao

    da pergunta anterior; uma questo que tambm est prxima da reflexo que foi

    feita pelo senhor naquele seminrio: a comunidade de pesquisadores na rea da

    religio, no Brasil e no exterior, tem prestado mais ateno questo

    epistemolgica nos seus estudos?

    Luiz Felipe Pond Bem... Essa questo epistemolgica surgiu para mim como

    fruto da minha trajetria pessoal: formao em epistemologia, formao em

    medicina, formao em psicanlise, que tambm produz ceticismo com relao

    religio, e experincia religiosa radical. Para mim isso se transformou num

    problema. No um problema no sentido de que eu dizia: Ser que Deus ou eu

    estou tendo uma iluso? Para mim nunca surgiu essa dvida. A minha questo

    era: como que eu coloco lado a lado essas duas coisas? Ento, o meu interesse

    pela epistemologia da Cincia da Religio surgiu de uma histria pessoal. Agora,

    do ponto de vista da histria da Cincia da Religio, essa crise epistemolgica

    contnua surgiu da prpria discusso interna s chamadas Geisteswissenschaften,

    as cincias do esprito, e, a introduo do positivismo no meio, a crtica da

    superstio religiosa, ou seja, o prprio seio das cincias humanas, e a religio

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    14/20

    como um problema mais essencial da crtica. Depois, ela acaba se constituindo na

    medida em que a profisso do cientista em cincias humanas vai se configurando

    institucionalmente.Vo aparecendo os interesses de poder, econmico, de verbas,

    no ? Outra coisa a briga interna com a teologia, que, de fato, sempre

    aconteceu. A teologia hoje pode ser simptica, mas a cento e cinqenta anos

    atrs era extremamente violenta. No era bvio voc encontrar um telogo com a

    cara do Faustino. Ms passado eu estava dando uma aula dentro da comunidade

    judaica para umas senhoras e para alguns moos, senhoras jovens, de trinta ou

    quarenta anos, e eu estava discutindo isso que o Alexandre Leone estava falando,

    da dialtica dentro do Talmude, e algumas delas ficaram revoltadas comigo

    porque disseram que eu estava pondo em dvida o carter sagrado da Tor.

    Ento, evidente que a separao da confessionalidade fundamental para voctrabalhar com religio, do ponto de vista cientfico. Eu acho que a crise da

    epistemologia natural dentro da Cincia da Religio. O que eu tendo a concordar

    com Milbank que achar que essa crise significa a excluso institucional de

    determinadas reas, essa excluso me parece cultura poltica. Ento no me

    parece real.

    Paulo Roberto Webler Professor, vamos ento passar para uma outra

    pergunta. Ela seria relativa ao ltimo artigo que o senhor publicou na Folha de So

    Paulo, em 29 de outubro, que foi Criacionismo x Darwinismo. Ns achamos

    muito interessante a reflexo que foi feita sobre as limitaes do conhecimento

    cientfico e, assim, perguntaramos: como podemos imaginar a presena da

    religio, e mesmo a questo tica, nesse mundo onde os avanos da cincia so

    cada vez mais impressionantes, como, por exemplo, no caso da engenharia

    gentica, que vem prometendo uma vida cada vez mais longa e um domnio

    sempre maior da natureza?

    Luiz Felipe Pond interessante que depois desse artigo eu recebi alguns e-

    mails, e inclusive textos na prpria Folha de So Paulo, de pessoas iradas comigo,

    muito revoltadas. A algumas delas eu respondi por e-mail e estabeleci um certo

    debate. interessante porque quando voc atua na mdia voc constri uma

    imagem de pessoa que tem a ver com o que as pessoas entendem dos artigos ou

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    15/20

    com uma certa linearidade que as pessoas parecem construir sobre voc. Ento,

    assim, esse artigo do criacionismo e do darwinismo foi um artigo de pauta, como a

    gente diz, quer dizer, no fui eu que escolhi o artigo, foi um artigo do jornal. Num

    artigo de pauta claro que voc vai dar sua opinio, mas no voc quem

    escolhe o tema. Ento a pauta era: Olha Pond, voc tem que pr os dois lado a

    lado como se fossem dois cachorros mostrando os dentes, um na frente do outro.

    E voc tem 3.400 toques totais para fazer isso, o que uma realidade do jornal.

    Quando o cara te d 5.000 toques totais ou 10.000, no sei... 10.000 toques totais

    nem se voc estivesse grvida no teria. (risos) Ento, tem essa coisa. O tema

    um tema urgente, quer dizer, a pauta era consistente porque um tema

    importante, no ? Mas o que acontece que s vezes as pessoas acabam

    construindo uma imagem sua. Eu estive recentemente num debate sobreJerusalm e Atenas, as suas razes na tradio ocidental, e um dos mais

    importantes editores da Folha, portanto de dentro do jornal, no final do debate ele

    veio conversar comigo e ele disse: Olha, voc um cara muito legal, muito

    simptico, eu nunca poderia imaginar, eu achava que eu iria encontrar um super

    inquisidor. (risos) Muitas pessoas que leram esse meu artigo tm uma idia

    assim. Um deles, com quem eu estabeleci um debate por e-mail, acabou tomando

    um susto quando eu falei para ele que normalmente as pessoas se identificam

    como darwinistas. Eu conheo os darwinistas muito. Eu j dei curso de

    darwinismo, eu acho o darwinismo uma teoria extremamente elegante. Eu no

    tenho nenhum preconceito contra o darwinismo. A que est. Existe um

    preconceito quando vo imaginando que voc de alguma forma religioso, no

    sentido de que voc tem absoluta certeza da existncia de Deus, ou que a nica

    certeza que voc tem de que Deus existe e que o resto todo passvel de

    dvida ctica. Ento, quando voc vai falando normal as pessoas terem uma

    caixa onde elas colocam assim: Fulano religioso, ento ele deve ter problemas

    para aceitar isso, aceitar isso, aceitar isso, ele deve achar que isso um horror.

    muito engraado porque, como eu dizia, por exemplo, atesmo, a discusso sobre

    atesmo, a idia de que o atesmo causa medo religioso para mim uma conversa

    de fada: No, se Deus no existir os religiosos vo entrar em pnico. Ou o

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    16/20

    darwinismo, por exemplo, que eu acho, e que eu digo no texto inclusive, que a

    nica forma de atesmo srio, no sentido de que ele quer atacar o prprio princpio

    da idia de designer inteligente do universo. S que naquele artigo, aparece

    tambm o criacionismo, o que me pareceu importante porque as pessoas tm a

    idia de que criacionista crente, sabe? Mulher de saia comprida e homem com a

    Bblia na mo. E que uma idia absolutamente idiota. Mas isso tem a ver muito

    com o preconceito acadmico. A idia que a gente tem de que as pessoas que

    questionam o darwinismo so todos uns idiotas. Isso idiota. Eu acabava de vir

    dessa conferncia em Granada, onde eu tinha assistido a uma conferncia de um

    bilogo de Cambridge, na qual ele discutia a falta de evidncias que o darwinismo

    tem. Ento, assim, o darwinismo uma teoria de razovel razoabilidade

    especulativa, extremamente elegante no sentido que ele muito curto comoenunciado. Ele tem aquela frmula bsica do Occam, quer dizer, quanto mais

    curto um enunciado e quo mais capaz ele de cobrir as experincias que

    existem, mais elegante ele . E uma das coisas que me atrai no darwinismo a

    elegncia do enunciado epistemolgico. Mas eu queria mostrar no artigo que o

    darwinismo, contrariamente ao que o senso comum cientfico pensa... E o senso

    comum cientfico aparece com a cara de uma pessoa com uma formao erudita

    mdia, que entende razoavelmente cincia, que tem algum trauma com a Igreja

    Catlica na infncia, como quase todos os catlicos tm. E a ele atende ao fetiche

    da burguesia. um fetiche do homem moderno. Como se tudo que a cincia fala

    verdade ou que a cincia tem absoluta certeza do que ela conhece. Agora, eu quis

    atacar o senso comum cientfico. Isso eu de fato quis. Eu no precisava fazer, mas

    eu quis atacar. Porque eu quis atacar essa idia de que a gente de fato saiba mais

    do universo do que o Aristteles. claro que a gente sabe um monte de

    conhecimentos sobre o universo. Mas que a gente saiba da onde vem o universo?

    A gente no sabe. Ento, s acredita na cincia de uma forma assim quem no

    conhece cincia.

    Paulo Roberto Webler Eu fiquei pensando at no Richard Dawkins...

    Luiz Felipe Pond , o Richard Dawkins aquele tipo de pessoa que... Eu

    acabei de dar um curso de darwinismo na Casa do Saber, e vou dar outro na

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    17/20

    semana que vem, em So Paulo, e o Dawkins era uma das minhas bibliografias

    bsicas. Porque o meu curso de darwinismo ortodoxo. Ento quem v esse

    curso sai com a impresso: Puta, o Pond um puta dum darwinista! (risos)

    Porque o Dawkins aquele tipo de pessoa que gosta de sentar ao lado de

    senhoras crists no jantar e ficar infernizando elas. Botando em dvida as

    certezas que elas tm sobre religio. (risos) Agora, ele um cara que explica

    darwinismo de uma forma extremamente didtica. Se bem que acho o Dennett

    melhor que ele. Muito mais filosfico, no ? Mas, assim, ele no filsofo.

    Paulo Roberto Webler O Daniel Dennett?

    Luiz Felipe Pond , o Daniel Dennett. Ento, o foco daquele artigo, que eu

    quis adicionar alm das outras discusses, era criticar essa coisa que eu acho,

    assim, muito boba, que a idia de que: Eu me curei da crena em Deus, e euacredito na cincia. Eu s vejo dois tipos de pessoas que acreditam plenamente

    na cincia. Ou aquelas que no conhecem a cincia, no sabem como a cincia

    confusa. Porque na realidade o grande sucesso da cincia a tecnologia. Por isso

    que a medicina a ponta da cincia. E, claro, avio, computador, essa parte

    tecnolgica. A medicina o grande sucesso da cincia. Sem entrar no debate, por

    exemplo: em que medida a psiquiatria cresce porque est dando remdios para as

    pessoas serem mais eficazes, quando a vida deixa todo mundo doente; porque

    voc tem que ser to eficaz que todo mundo adoece; mas porque a psiquiatria

    ganha dinheiro com a indstria psico-frmaco, e o psiquiatra no est nem a para

    isso... Sem entrar nesse problema, no h dvida de que a medicina parece ser

    um sucesso. E outro tipo de pessoa que me parece que acredita na cincia

    aquele tipo de soldado raso da cincia, que trabalha no laboratrio mexendo em

    tubo de ensaio. Ou mexendo com um vrus, um nico vrus. E ele sabe

    plenamente que hoje ele sabe um milmetro e meio a mais sobre aquele vrus do

    que ele sabia h dois anos atrs. E ele sabe mesmo. No ? Ento eu acho que

    esse o outro tipo de pessoa que acredita plenamente na cincia. Ou algum

    que no conhece a cincia, do ponto de vista da estrutura epistemolgica, da

    histria dela, de como ela funciona no plano real, de como ela rasgada por

    interesses que desviam a pesquisa, de como tm objetos que no cabem dentro

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    18/20

    dela, o que qualquer pessoa, qualquer cientista grandioso sabe. Ou o cientista

    soldado raso, aquele que obedece a ordens dentro do laboratrio.

    Paulo Roberto Webler Uma ltima pergunta professor Pond. Alm dessa

    questo importantssima, que a questo epistemolgica, quais so as principais

    dificuldades nos estudos da Filosofia da Religio?

    Luiz Felipe Pond Fora questo epistemolgica? Eu acho que a Filosofia da

    Religio, a filosofia contempornea, assim como toda a era moderna

    contempornea, ela se constituiu como uma suposta crise sistemtica religio.

    Ento, a Filosofia da Religio de certa forma foi considerada como morta. Morta

    porque a filosofia se constituiu ela mesma paulatinamente, grosso modo, a partir

    do sculo XIII, na Paris, da Sorbonne do sculo XIII, a partir da reflexo do

    Aristteles, a separao entre filosofia e teologia e a autonomia da filosofia comrelao teologia. Quer dizer, um longo processo que acabou, no s separando

    a filosofia da teologia como colocando a teologia em dvida. Ento, eu acho que

    uma das dificuldades esse preconceito, o que aparece claramente. Aqui no

    Brasil, por exemplo, que tem uma formao francesa, voc no tem Filosofia da

    Religio na USP, no tem Filosofia da Religio no Departamento de Filosofia da

    PUC, no tem Filosofia da Religio na UNICAMP. Onde que tem Filosofia da

    Religio? Na Cincia da Religio da PUC, que sou eu, na Filosofia da UNB,

    porque tem um professor que fez doutorado em Oxford em Filosofia da Religio, e

    aqui em Juiz de Fora, na Cincia da Religio. A gente fez o primeiro congresso na

    UNB ano passado e veio muita gente interessada. E vamos fazer o segundo na

    PUC Minas, agora em 2007. Ento, a primeira dificuldade essa, que a realidade

    institucional apresenta claramente: no tem departamento com estudo em

    Filosofia da Religio. E isso da por conta de que a Filosofia da Religio parecia

    morta. Depois, uma outra dificuldade que eu acho que a Filosofia da Religio pode

    enfrentar so as polticas internas a ela, como sempre: S a minha Filosofia da

    Religio importante, a sua no . Eu acho que isso uma das coisas que mais

    me aproxima do Faustino. Apesar de que ele tem uma formao teolgica e eu

    tenho uma formao filosfica epistemolgica, ele tem uma formao teolgica e

    tem simpatia por uma srie de autores e eu tenho simpatia por uma outra srie de

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    19/20

    autores, mas, eu vejo que para mim e para ele muito clara a idia de que o

    fundamental voc deixar que o outro pense o que ele pensa. Entendeu? E no

    importa o que o outro pensa, voc debate, voc discute, mas, metaforicamente,

    voc tem que deixar o outro pensar o que ele pensa. E se Deus lhe ajudar

    bastante voc consegue at tomar cerveja com ele depois da discusso. (risos)

    Ento, eu acho que esse um problema: A minha Filosofia da Religio

    verdadeira, a sua no , a dela tambm no , ou o contrrio. A isso acaba

    complicando o perfil. Eu tenho uma tendncia a pensar que talvez isso no

    acontea pelo fato de que as pessoas que esto levantando isso, que o Agnaldo

    da UNB, o Dreher, o Paulo Afonso, o Gross e eu, so pessoas que se conhecem.

    O Agnaldo no conhecia o pessoal daqui. Eu apresentei o Agnaldo para eles.

    Porque eu conheci o Agnaldo separado, num evento que eu fui na UNB h doisanos atrs. Ento, como a gente j tem um convvio, um conhece o outro

    razoavelmente bem, e a gente tem envolvimento com a Cincia da Religio, eu

    tenho a idia de que isso no vai acontecer com a gente. Porque cada um tem um

    trabalho especfico, mais para c e mais para l. Voc tem a filosofia alem, eu

    tenho uma filosofia muito mais claramente mstica, herdeira seja do judasmo

    mstico seja do cristianismo ortodoxo e do agostinismo. O Agnaldo tem uma

    filosofia marcada pela matemtica, pela probabilidade, pela formao de Oxford

    que ele teve: matemtica e religio. E assim, do lado de fora do Brasil, a Filosofia

    da Religio, ela vai bem obrigado. No mundo anglo-saxo ela nunca desapareceu.

    No mundo alemo ela nunca desapareceu. Ela desapareceu no mundo francs. E

    como a gente filho do mundo francs, aqui no Brasil, aqui na universidade, ento

    aqui ela desapareceu. Por exemplo, agora eu estava numa conferncia em

    Cambridge, o debate l super rico. Ento quando voc pergunta a dificuldade

    que a Filosofia da Religio pode enfrentar, eu acho que a dificuldade que ela pode

    enfrentar o preconceito da rea de filosofia. Mas, por exemplo, a gente fez um

    GT e ns fomos bem recebidos na ANPOF, como eu dizia, a capela estava cheia,

    tinha um monte de gente na sala para ouvir a respeito de filosofia da religio, que

    pode sofrer tambm pelos problemas da rea de Cincia da Religio. Agora, eu

    acho que o universo em termos de campo est aberto. Muitos alunos interessados

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br

  • 7/25/2019 Entrevista Pond

    20/20

    no assunto. gente de nvel de graduao, muita gente interessada. isso, eu

    acho que a vocao da Filosofia da Religio ser desafiada pela experincia

    religiosa que pessoas com formao filosfica tem, como Herschel fala, o

    Herschel fala isso. O Alexandre e a Glria no tocaram nesse assunto

    especificamente, mas o Herschel fala isso muito claramente, quer dizer, a vocao

    da Filosofia da Religio ser desafiada por pessoas que tm formao filosfica e

    tm experincias religiosas muito contundentes. Ento a filosofia desafiada por

    isso. E ao mesmo tempo, a vocao dela tornar a religio mais conceitualmente

    articulada. Para mim no h dvida de que existem formas distintas de vida

    religiosa. Existe uma forma especfica de vida religiosa, que uma vida mais

    simblica, e eu estou pensando em Pseudo Dionsio, o Aeropagita. Existe uma

    vida religiosa que mais especulativa. Existe vida religiosa que negativa emstica, que mais alta. E na realidade o que une todas trs a atividade

    intelectual do ser humano. A capacidade que o ser humano tem de pensar. Sendo

    que a mstica a mais alta, por causa da dificuldade da linguagem. Ento, eu vejo

    tambm que h uma vocao da Filosofia da Religio que dar conceito para a

    religio.

    Ana Lcia Cordei ro Bem, professor, muitssimo obrigada.

    Luiz Felipe Pond Foi um prazer.

    Revista Sacrilegens, v. 3, n.1, 2006, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Religio/UFJF - www.sacrilegens.ufjf.br