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ENSINO RELIGIOSO NA ESCOLA BRASILEIRA Prof. Elcio Cecchetti (SED/SC) [email protected] 1 Florianópolis, 16 de junho de 2016 – Projeto Racismo: Combata, Defenda-se

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ENSINO RELIGIOSO NA

ESCOLA BRASILEIRA

Prof. Elcio Cecchetti (SED/SC)

[email protected]

1

Florianópolis, 16 de junho de 2016 – Projeto Racismo: Combata, Defenda-se

Distinção conceitual

Ensino da Religião: prática específica de evangelização, catequização ou doutrinação em espaços formais ou informais.

Ensino Religioso: prática sistemática de instrução religiosa nos estabelecimentos de ensino, com o caráter de ‘disciplina escolar’.

Ensino leigo: práticas educativas pautadas na liberdade de consciência e no caráter “público” da escola.

Ensino Religioso: componente curricular responsável por assegurar o respeito à diversidade religiosa, sem proselitismo.

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O Ensino da Religião

Os reis de Portugal buscaram estabelecer na colônia

brasileira um Estado Católico;

O ‘Estado’ assumiu um caráter eminentemente

confessional;

No contexto do século XVI, ao rei cabia zelar pela

vivência e execução dos valores religiosos; administrar

os dízimos; sustentar os clérigos; garantir os estatutos

jurídicos das ordens religiosas, etc. (Paiva, 2004).

Regime do padroado.

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O Ensino da Religião

A Religião (Igreja Católica) não estava à parte, mas

amalgamada à tessitura do todo social;

O religioso estava profundamente incorporado ao

poder político, cabendo àquele evangelizar e

doutrinar, especialmente aos (ainda) não cristãos;

Tanto o rei como o clero eram responsáveis pela

instrução popular: colégios foram instalados para

conjugar o indissociável ensino da fé e das letras.

Era impensável a educação não ser religiosa!

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O Ensino da Religião

Coube às ordens religiosas, como a jesuíta e a

franciscana, a tarefa da catequese e instrução;

O ensino da religião se fundiu a um processo de

subjugação dos povos indígenas, produzindo a

subalternização cultural de fundo religioso;

Mais tarde, a mesma estratégia foi utilizada para com

os povos africanos trazidos ao Brasil;

Processo de conversão do outro e negação da

diversidade religiosa.

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O Ensino Religioso

A instalação da Monarquia não produziu ruptura da

lógica colonial-confessional;

A Igreja continuou respaldada pelo poder estatal no

regime do regalismo, que fazia do Imperador a

autoridade maior da Igreja Católica;

A primeira Constituição do país, de 1824, previa, em

seu artigo 5º, que a “religião católica apostólica

romana continuará a ser a religião do Império” (Brazil,

1924).

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O Ensino Religioso

A Igreja mantinha uma relação privilegiada com o

Estado, cabendo-lhe a responsabilidade direta pela

instrução, conforme previsto no Artigo 6º do Decreto

Imperial de 15 de outubro de 1827:

“[...] os professores ensinarão a ler, escrever as quatro operações

de arithmética, prática de quebrados, decimaes, proporções, as

noções, mais geraes de geometria prática, a gramática da língua

nacional, e os princípios de moral christã e da doutrina da religião

cathólica apostólica romana, proporcionados à compreensão dos

meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a

história do Brasil”.

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O Ensino Religioso

Decreto nº 630/1851, que reformou o ensino primário e secundário do Município da Corte, ao estabelecer uma divisão nas escolas públicas, definiu os conteúdos específicos para cada uma:

Nas [escolas] de segunda classe o ensino deve limitar-se á leitura, calligraphia, doutrina christã, principios elementares do calculo e systemas mais usuaes de pesos e medidas.

Nas [escolas] de primeira classe o ensino deve, alêm disto, abranger a grammatica da lingua nacional, e arithmetica, noções de algebra e de geometria elementar, leitura explicada dos evangelhos, e noticia da historia sagrada, elementos de geographia, e resumo da historia nacional, desenho linear, musica e exercicios de canto (BRASIL, 1851).

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O Ensino Religioso

O Decreto nº 7.427/1879, que reformou o ensino primário

e secundário no município da Corte e em todo o

Império, estabeleceu que a “Instrução moral” e a

“Instrução religiosa” constituía “disciplina” do ensino

primário:

“Os alumnos acatholicos não são obrigados a frequentar a aula de

instrucção religiosa que por isso deverá effectuar-se em dias

determinados da semana e sempre antes ou depois das horas

destinadas ao ensino das outras disciplinas” (BRASIL, 1879).

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O Ensino Religioso

Fatos novos:

- O Ensino da Religião, que até então estava integrado

ao das demais matérias, passou a ser disciplina, ‘distinto’

das ciências escolares;

- Pela primeira vez a legislação reconhece a existência

de estudantes ‘não católicos’, abrindo a possibilidade

da ‘facultatividade’ do Ensino Religioso, oferecido agora

‘fora’ dos horários normais do ensino das demais

Ciências.

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O Ensino Leigo

Com a República, o Decreto nº 119-A de 1890:

extinguiu o regime do padroado;

proibiu o Estado de eleger ou vetar alguma religião ou

de criar diferenças de tratamento entre cidadãos por

motivos de crenças, adesão filosófica ou religiosa;

Assegurou a liberdade religiosa, para que todas as

confissões pudessem praticar seus cultos;

A Constituição de 1891, estabeleceu que fosse “leigo o

ensino ministrado nos estabelecimentos públicos” (§6º,

Art. 72, Brasil, 1891).

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O Ensino Leigo

A partir de então, o Ensino Religioso deveria ser

excluído, já que representava a permanência do

elemento eclesial na escola.

Mas a questão da sua exclusão ou permanência se

tornou um dos temas mais polêmicos da história da

educação brasileira.

As disputas em torno da questão marcaram as

constituintes estaduais realizadas no final do século XIX;

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O Ensino Leigo

Surgiram movimentos pós e contra, os quais deram

origem a distintos encaminhamentos em âmbito

regional, estadual e nacional;

Vários Estados (CE, MG, RS, SE, PE e SC) ‘flexibilizaram o

ensino leigo’, mantendo ou reintroduzindo o ER;

Esta flexibilização ocorreu por conta da mobilização

regional da Igreja, que militou não somente com as

congregações religiosas, mas também disputando a

opinião pública através da imprensa.

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Ensino Leigo x Ensino Religioso

Tão logo Vargas iniciou o Governo Provisório, criou o

Ministério da Educação e da Saúde Pública, nomeando

Campos como ministro;

Em troca de apoio político, Vargas estreitou as relações

com a Igreja, concedendo à ela alguns dos seus

pedidos;

Inspirado na ‘solução mineira’, Campos atendeu o

desejo dos católicos e acabou regulamentando o ER

nos cursos primário, secundário e normal, através do

Decreto n° 19.941, de 30 de abril de 1931:

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Ensino Religioso

Art. 1º Fica facultado, nos estabelecimentos de instrução primária,

secundária e normal, o ensino da religião.

Art. 4º A organização dos programas do ensino religioso e a

escolha dos livros de texto ficam a cargo dos ministros do

respectivo culto [...]

Art. 5º A inspeção e vigilância do ensino religioso pertencem ao

Estado, no que respeita a disciplina escolar, e às autoridades

religiosas, no que se refere à doutrina e à moral dos professores.

Art. 6º Os professores de instrução religiosa serão designados pelas

autoridades do culto a que se referir o ensino ministrado (Brasil,

1931).

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Ensino Religioso

Em meio a fortes embates, a Constituição de 1934 definiu que o

ER de,

“freqüência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da

confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis”

e que “constituiria matéria dos horários nas escolas públicas

primárias, secundárias, profissionais e normais” (Brasil, 1934).

Nota-se:

Manutenção da fórmula da facultatividade.

Inclusão definitiva da disciplina no horário escolar.

Persistência do caráter confessional garantindo a

continuidade do controle das autoridades religiosas sobre a

“escola laica”.

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Ensino Religioso

Em detrimento da laicidade do Estado, a oferta

facultativa foi a ‘solução’ encontrada pelos legisladores

para garantir o direito à liberdade de consciência dos

não católicos.

Tal formulação, ambígua e contraditória, foi adotada

por todas as demais Cartas Magnas do século XX;

Até meados da década de 1990, o ER continuou

diretamente vinculado às instituições religiosas,

enquanto disciplina confessional nas escolas;

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Constituição Federal 1988

Art. 210:

§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá

disciplina dos horários normais das escolas públicas de

ensino fundamental.

1995: Fundação FONAPER 19

www.fonaper.com.br

LDB 9.394/96

O Ensino Religioso na Escola de hoje

Art. 33 em sua redação alterada pela Lei nº 9.475/97:

“O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo”.

Currículo do Ensino Religioso

Primeiras Orientações Nacionais (Pós 1997)

- Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Religioso

(FONAPER, 1997)

Ensino Religioso

ESTUDO DOS

FENÔMENOS RELIGIOSOS

Patrimônios da humanidade

• Proporcionar o conhecimento dos

elementos básicos que compõem o

fenômeno religioso, a partir das experiências

religiosas vivenciadas no contexto dos

educandos;

Objetivos do Ensino Religioso

Objetivos do Ensino Religioso

Analisar o papel das tradições religiosas na estruturação e

manutenção das diferentes culturas e manifestações

socioculturais;

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Objetivos do Ensino Religioso

Valorizar a diversidade cultural presente na sociedade, a

fim de auxiliar na convivência entre identidades e

diferenças, no constante propósito da promoção dos

direitos humanos.

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Eixos Organizadores do Conteúdo

Culturas e Tradições Religiosas;

Textos Sagrados;

Teologias;

Ritos;

Ethos.

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Tratamento Didático

Ensino-Aprendizagem:

- Problematização;

- Contextualização;

- Debates;

- Leituras;

- Análises;

- Pesquisas;

- Produções;

- Reflexões;

Dar significado aos fatos,

superar barreiras, vencer

preconceitos.

Metodologias

Conteúdos

e

Atividades

Contextualizar

Problematizar

Conhecer

Refletir

Respeitar

Dialogar

Novos Conhecimentos

Sínteses Pessoais

Sínteses Coletivas

Função Social

- (Re)conhecimento da diversidade religiosa;

- Valorização das identidades pessoais e sociais;

- Ruptura com as formas excludentes de compreender a

diversidade (processos de exclusão e desigualdade);

- Salvaguarda da liberdade religiosa;

- Defesa da laicidade escolar.

Formação Continuada de Docentes Caderno 01: ER: disciplina integrante da formação básica do cidadão

Caderno 02: ER na diversidade cultural-religiosa do Brasil

Caderno 03: ER e o conhecimento religioso

Caderno 04: O Fenômeno Religioso (FR) no Ensino Religioso

Caderno 05: ER e o FR nas Tradições Religiosas de Matriz Indígena

Caderno 06: ER e o FR nas Tradições Religiosas de Matriz Ocidental

Caderno 07: ER e o FR nas Tradições Religiosas de Matriz Africana

Caderno 08: ER e o FR nas Tradições Religiosas de Matriz Oriental

Caderno 09: Ensino Religioso e o Ethos na vida cidadã

Caderno 10: ER e os seus Parâmetros

Caderno 11: ER na Proposta Pedagógica da Escola.

Caderno 12: ER no Cotidiano da Sala da Aula.

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Base Comum Nacional

Integram a base nacional comum nacional:

a) Língua Portuguesa;

b) Matemática;

c) Conhecimento do mundo físico, natural, da realidade social

e política, especialmente do Brasil, incluindo-se o estudo da

História e das Culturas Afro-Brasileira e Indígena,

d) a Arte, em suas diferentes formas de expressão, incluindo-se

a música;

e) a Educação Física;

f) o Ensino Religioso.

(Resolução CNE/CEB nº 4/2010, Art. 14)

Currículo EF9 anos Os componentes curriculares obrigatórios do Ensino Fundamental

serão assim organizados em relação às áreas de

conhecimento:

I – Linguagens:

II – Matemática;

III – Ciências da Natureza;

IV – Ciências Humanas:

V – Ensino Religioso.

(Res. CNE/CEB 7/2010, Art. 15)

Ações Concretas

Projeto Cultura Negra na Escola - Diversidade Religiosa Brasileira: A

Força Negra

Autoras: Adriana Candido Delphino e Cleusa Schmidt Krüger

(Jaraguá do Sul)

Prêmio Elpídio Barbosa – CEE/SC 2010

http://www.fonaper.com.br/noticia.php?id=1011

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Ações Concretas

Projeto Cultura e religiosidade africanas nas aulas de ensino religioso

Autor: Morche Ricardo Almeida

Escola Básica Municipal Machado de Assis

(Blumenau/SC)

http://www.fonaper.com.br/noticia.php?id=967

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Referências BRAZIL. Constituição política do Imperio do Brazil, outorgada em 25 de março

de 1824. Rio de Janeiro: Secretaria de Estado dos Negocios do Imperio do Brazil,

Liv. 4º de Leis, Alvarás e Cartas Imperiaes, 1824, p. 17.

BRASIL. Decreto nº 630, de 17 de setembro de 1851. Autorisa o Governo para reformar o ensino primario e secundario do Municipio da Côrte. In: Coleção de

Leis do Império do Brasil - 1851, Vol. 1, pt I, p. 56.

BRASIL. Decreto nº 2.006, de 24 de Outubro de 1857. Approva o Regulamento

para os collegios publicos de instrucção secundaria do Municipio da Côrte. In:

Coleção de Leis do Império do Brasil - 1857, Vol. 1, pt II, p. 384.

BRASIL. Decreto nº 7.247, de 19 de abril de 1879. Reforma o ensino primario e

secundario no municipio da Côrte e o superior em todo o Imperio. In: Coleção

de Leis do Império do Brasil – 1879, Vol. 1, pt. II, p. 196.

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BRASIL. Decreto nº 119-A, de 7 de janeiro de 1890. Prohibe a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em materia religiosa, consagra a plena liberdade de cultos, extingue o padroado e estabelece outras providências. In: Coleção de Leis do Brasil - 1890, Vol. 1, p. 10.

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891. Diário Oficial da União: Rio de Janeiro, 24 fev. 1891.

BRASIL. Decreto nº 19.941, de 30 de Abril de 1931. Dispõe sobre a instrução religiosa nos cursos primário, secundário e normal. Diário Oficial da União. Rio de Janeiro, Seção 1, 6 mai. 1931, p. 7191.

BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934. Diário Oficial da União: Rio de Janeiro, 17 jul. 1934.

CUNHA, Luiz Antônio. Confessionalismo versus laicidade no ensino público. In: SAVIANI, Demerval. Estado e políticas educacionais na história da educação brasileira. Vitória: EDUFES, 2010, p. 187-215.

CURY, Carlos Roberto Jamil. Ensino religioso e escola pública: o curso histórico de uma polêmica entre Igreja e Estado no Brasil. Educação em Revista, nº 17, p. 20-37, jun. 1993.

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FIGUEIREDO, Anísia de Paulo. Fuentes antropológicas y sociológicas de la

educación religiosa en el sistema escolar brasileño, en la perspectiva foucaultiana: la evolución de una disciplina entre religión y área de

conocimiento. Madrid: Universidad Complutense de Madrid. Facultad de

Filosofía. Departamento de Filosofía I (Metafísica y Teoría del Conocimiento),

2006, 995p.

MINAS GERAIS. Constituição Política da Província de Minas Geraes, de 15 de

junho 1891.

MINAS GERAIS. Decreto nº. 1.947, de 30 de setembro de 1906. Approva o

programma do ensino primario. In: Collecção de leis e decretos do estado de Minas Geraes (1906). Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado, 1906.

MINAS GERAIS. Decreto nº 800, de 27 de setembro de 1920. Reorganiza o

ensino primario do Estado e contém outras disposições. In: Collecção de leis

e decretos do estado de Minas Geraes (1920). Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado, 1920.

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MINAS GERAIS. Decreto nº 7.970-A, de 15 de outubro de 1927. Approva o regulamento do Ensino Primário. In: Collecção das leis e decretos do estado

de Minas Geraes (1927). Vol. II. Bello Horizonte: Imprensa Official do Estado,

1928.

PAIVA, José Maria de. Igreja e educação no Brasil Colônia. In: STEPHANOU,

Maria; BASTOS, Maria Helena Câmara (Orgs.). Histórias e memórias da

educação no Brasil. Petrópolis, Vozes, 2004 (vol.1).

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