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ENSINO RELIGIOSO NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC): POSSIBILIDADES DE DESAFIOS Wellington Junior Jorge - UEM Teresa Kazuko Teruya - UEM Izaque Pereira de Souza UEM INTRODUÇÃO A disciplina de Ensino Religioso nos ambientes escolares se fez em uma construção gradativa. Antes da Proclamação da República, em 1889, o Estado brasileiro em sua relação com a educação ainda se encontrava em uma relação direta com os interesses da Igreja Católica Apostólica Romana, o que fez com que o fim do século XIX e o início do século XX se constituíssem em um marco não apenas nos campos político, social, econômico e educacional mas também na seara religiosa. Isso porque, no que tange ao religioso, com o estabelecimento do Decreto n. 119-A de 7 de janeiro de 1890 o rompimento oficial entre Estado e Igreja. Com o Decreto de 119ª, de 7 de janeiro de 1890, dispositivos do Governo Provisório da República, ficou decidida a separação entre Igreja e Estado. Logo a seguir, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, declarava o Estado laico, sem conotação e posicionamento de índole religiosa, e promulgava também a liberdade religiosa extensiva a todos os indivíduos e grupos, respeitados os princípios constitucionais de convivência social. Ao mesmo tempo, deixava claro que a laicidade devia perpassar a educação, conforme o enunciado do art. 72, § 6: “será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos” (RUEDEL, 2007, p. 20, grifos do autor). Desta forma, após a Proclamação da República (1889) e com a promulgação da Constituição Federal a disciplina de Ensino Religioso passa por algumas mudanças, o que fez com que fosse estabelecido o caráter facultativo desta disciplina (para o/a aluno/a), sendo porém obrigatório para a escola disponibilizar, caso os/as pais/mães ou responsáveis assim achassem necessário. No entanto, logo após a Constituição de 1891 a disciplina volta a encontrar dificuldade para encontrar espaço e legitimidade (JUNQUEIRA, 2011). Isso porque, para

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ENSINO RELIGIOSO NA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR (BNCC):

POSSIBILIDADES DE DESAFIOS

Wellington Junior Jorge - UEM

Teresa Kazuko Teruya - UEM

Izaque Pereira de Souza – UEM

INTRODUÇÃO

A disciplina de Ensino Religioso nos ambientes escolares se fez em uma construção

gradativa. Antes da Proclamação da República, em 1889, o Estado brasileiro em sua relação

com a educação ainda se encontrava em uma relação direta com os interesses da Igreja Católica

Apostólica Romana, o que fez com que o fim do século XIX e o início do século XX se

constituíssem em um marco não apenas nos campos político, social, econômico e educacional

mas também na seara religiosa.

Isso porque, no que tange ao religioso, com o estabelecimento do Decreto n. 119-A de

7 de janeiro de 1890 o rompimento oficial entre Estado e Igreja.

Com o Decreto de 119ª, de 7 de janeiro de 1890, dispositivos do

Governo Provisório da República, ficou decidida a separação entre

Igreja e Estado. Logo a seguir, a Constituição da República dos Estados

Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, declarava o Estado laico,

sem conotação e posicionamento de índole religiosa, e promulgava

também a liberdade religiosa extensiva a todos os indivíduos e grupos,

respeitados os princípios constitucionais de convivência social. Ao

mesmo tempo, deixava claro que a laicidade devia perpassar a

educação, conforme o enunciado do art. 72, § 6: “será leigo o ensino

ministrado nos estabelecimentos públicos” (RUEDEL, 2007, p. 20,

grifos do autor).

Desta forma, após a Proclamação da República (1889) e com a promulgação da

Constituição Federal a disciplina de Ensino Religioso passa por algumas mudanças, o que fez

com que fosse estabelecido o caráter facultativo desta disciplina (para o/a aluno/a), sendo porém

obrigatório para a escola disponibilizar, caso os/as pais/mães ou responsáveis assim achassem

necessário. No entanto, logo após a Constituição de 1891 a disciplina volta a encontrar

dificuldade para encontrar espaço e legitimidade (JUNQUEIRA, 2011). Isso porque, para

Bortolo e Meneguetti (2010), as mudanças ocorridas nesse período geraram acontecimentos em

todos os aspectos - e isso foi a causa de afirmações políticas em vários grupos sociais. Por mais

que a Igreja Católica ainda tivesse uma participação nos bastidores - pelo fato de se manter por

mais de 400 anos junto ao Estado - a mudança na passagem do século XIX para o XX

possibilitou que outros grupos também tivessem representatividade mesmo que de forma tímida

mas mesmo assim pontuais. Cabe ressaltar que após a Constituição Federal de 1891, esse

rompimento pareceu ser uma separação radical e definitiva, uma vez que a Constituição de

1981, traz que

Art. 11 - É vedado aos Estados, como à União:

§ 2º estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos

religiosos;

§ 6º - Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.

§ 7º - Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá

relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos

Estados (BRASIL, 1891).

Após vários anos e indecisões sobre os rumos do Ensino Religioso a Constituição de

1934, em seu artigo 153, trouxe a disciplina em caráter facultativo, sendo esta ministrada caso

o/a aluno/as estivesse matriculado de acordo com sua confissão religiosa. Consequentemente a

Constituição de 1937 refere que a disciplina de Ensino Religioso estaria disponível em todos

os níveis da educação básica, permanecendo a matrícula facultativa, por parte dos/as alunos/as.

A Carta Magna de 1946 trata que a disciplina deveria estar no mesmo horário de outras

disciplinas, matrícula facultativa e ministrada conforme a confissão religiosa, podendo ser por

professores/as, representante legal ou responsável – o que foi mantido em essência pela

CF/1967. Por fim, a Constituição de 1988, no parágrafo 1º do art. 210 traz que, “[...] manteve-

se a matrícula facultativa, constituindo disciplina dos horários normais das escolas públicas de

ensino fundamental”.

Depois de muito trabalho e diálogos frente a vários órgãos, no dia 20 de dezembro de

1996 passa a vigorar a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB, que diz:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina

dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo

oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as

preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em

caráter:

I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu

responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos

preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades

religiosas; ou

II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades

religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo

programa. (BRASIL, 1996, grifo nosso).

Assim, depois de vários embates sobre a exclusão do termo “sem ônus para os cofres

públicos” no dia 22 de julho de 1997, com várias críticas ligadas aos mais diversos órgãos o

Congresso Nacional aprova a Lei nº 9475/97, alterando assim o artigo 33 da LDB, o qual passou

a vigorar o seguinte texto:

Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante

da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários

normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o

respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer

formas de proselitismo.

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a

definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas

para a habilitação e admissão dos professores.

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas

diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do

ensino religioso.

Em 1997, o Ensino Religioso faz parte integrante da formação básica do cidadão, o

Estado assume na íntegra a responsabilidade de manter a disciplina, vetando assim qualquer

forma de proselitismo e apoiando integralmente o respeito à diversidade religiosa. Como toda

e qualquer lei, Junqueira (2003) ressalta que novos paradigmas deverão ser traçados e o ER não

será diferente.

Depois de vários embates, discussões, reuniões, fóruns, com diversos setores da

sociedade, chega-se a um acordo comum, ou seja, o Ensino Religioso tornou-se parte integrante

da formação humana do sujeito, assegurando de forma plena diversas formas de religiosidade,

não podendo assim qualquer forma de proselitismo, sendo ministrada no ensino fundamental e

podendo ser regulamentada e definida pelas mais diversas denominações religiosas, dando ao/à

aluno/a o suporte necessário à sua formação, cabendo ao Estado assumir a responsabilidade da

formação dos professores/as para uma educação que envolva a diversidade e a pluralidade

religiosa nos ambientes escolares.

O presente trabalho busca compreender o movimento que a disciplina de Ensino

Religioso percorreu e percorre com vistas a analisar como este vem sendo trabalhado nos

processos formativos e integradores na construção do conhecimento. Principalmente porque, se

integrar uma formação por completo é uma das missões da instituição escolar, buscar-se-á

entender como o Estado vem possibilitando essa formação.

Na busca de atingirmos este objetivo, dividimos o presente trabalho em dois títulos. No

primeiro deles, faremos uma avaliação de como se deu o movimento do Estado e da própria

sociedade para que fosse possibilitada uma base comum que contemplasse a disciplina.

Tentaremos perceber se, dentro de um Estado que se propõe ser laico, as especificidades dos

movimentos e diversos espectros religiosos passaram a ter espaço para discussão no contexto

educacional. No segundo titulo trataremos sobre como a BNCC – que inicialmente tem o ER

incluso em sua pauta – desconsidera sua necessidade, buscando trazer uma breve análise sobre

esta mudança de percepção por seus elaboradores e avaliadores.

Incluir a disciplina de ER no currículo não possibilita a efetivação da aprendizagem e

o entendimento da cultura do “outro” uma vez que se faz necessário um trabalho conjunto tanto

do Estado, escola, professores e alunos. Contudo entendemos necessário pensar também sob

esta perspectiva se quisermos considerar um espaço plural e inclusivo.

1. OS CAMINHOS PARA A CONSTRUÇÃO DA BASE NACIONAL COMUM

CURRICULAR

No dia 30 de julho de 2015 foi lançado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC)

um portal1 aberto ao público para a elaboração da Base Nacional Comum Curricular - BNCC.

O portal teve como prerrogativa abrir para a sociedade brasileira possíveis contribuições para a

construção de um documento oficial referente ao currículo escolar. O processo de seleção para

elaboração do currículo nacional, além de abordar todas as etapas da educação básica, ainda

contaria com os mais diversos agentes e suas sugestões, sendo civis do campo educacional ou

qualquer brasileiro proposto a contribuir para a construção do documento.

A elaboração de uma base comum para os currículos nacionais, na

perspectiva de um pacto interfederativo, teve início com a constituição

1 Disponível em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/.

de um Comitê de Assessores e Especialistas2, com ampla

representatividade, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

Compuseram esse Comitê professores universitários, atuantes na

pesquisa e no ensino das diferentes áreas de conhecimento da Educação

Básica, docentes da Educação Básica e técnicos das secretarias de

educação, esses dois últimos indicados pelo Conselho Nacional de

Secretários de Educação (CONSED) e pela União Nacional de

Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME). Coube ao Comitê a

redação dos documentos preliminares da BNCC, disponibilizados à

consulta pública pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da

Educação (SEB/MEC) entre setembro de 2015 e março de 2016. Esses

documentos estiveram disponíveis no Portal da Base, espaço criado na

web para tornar pública a proposta da BNCC e, ao mesmo tempo,

acolher contribuições para sua crítica e reformulação pela sociedade.

Essas contribuições foram recebidas, mediante cadastramento dos

participantes da consulta, a partir de três categorias: indivíduos

(estudante da Educação Básica ou Ensino Superior; professor da

Educação Básica ou Ensino Superior; pai ou responsável por estudante

da Educação Básica; “outro”), organizações (sociedades científicas,

associações e demais organizações interessadas) e redes (escolas, redes

de ensino). Cadastraram-se, no Portal, 305.569 indivíduos, 4.298

organizações e 45.049 escolas em todo o território nacional (BRASIL,

2016, p.28-29).

Com a finalidade de orientar os sistemas na elaboração de suas propostas curriculares e

com o fundamento no direito à aprendizagem e ao desenvolvimento, a BNCC vem com a meta

de formar um currículo ao qual todos tenham acesso ao mesmo conteúdo em diferentes partes

do país. Dessa forma, “[...] recomenda-se estimular a reflexão crítica e propositiva, que deve

subsidiar a formulação, execução e avaliação do projeto político-pedagógico da escola de

educação básica face a esta norma” (BRASIL, 2016, p.30). Ao analisar a BNCC, analisamos

uma forma de colocar a educação de forma acessível a todos os indivíduos, proporcionando

assim o direito a aprendizagem sem nenhuma distinção, seja ela social, cultural, econômica e

política etc. Partindo dessa prerrogativa o discurso de um currículo nacional dá a oportunidade

de um processo de ensino aprendizagem de forma igualitária, potencializando o processo de

ensino do aluno.

A BNCC tem como proposta dar ao indivíduo uma formação mais completa possível,

formação essa que vai dos princípios básicos – como os conteúdos das áreas exatas, biológicas

2 Os integrantes deste Comitê que participaram da elaboração do presente documento estão citados em anexo.

Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/bncc-2versao.revista.pdf>.

e humanas - até as questões mais complexas, tratadas quando o aluno chega ao ensino médio.

Dentre as várias disciplinas contidas na BNCC nossa investigação se dará em relação às

propostas do Ensino Religioso e as sugestões que o documento propõe para trabalhar com a

diversidade, em especial a religiosa. Isso porque, ao levarmos em consideração essa

perspectiva, entendemos necessário compreender as discussões que foram propostas na BNCC

com vistas avaliar as possibilidades de trabalho e diálogo em sala de aula – principalmente para

entendermos como, a partir dessa nova perspectiva, serão feitas as análises sobre a pluralidade

religiosa.

Com a finalidade de buscar o conhecimento em relação ao pluralismo religioso

entendemos ser de extrema relevância trazer a sociedade para problematizar outras

manifestações religiosas. Principalmente porque a diversidade religiosa faz parte do Brasil,

desde a chegada dos portugueses, negros e imigrantes, que foram estabelecendo várias formas

de manifestações e cultos religiosos. Se levarmos em consideração toda essa pluralidade

religiosa que ocorre no contexto social, a instituição escolar – que não está descolada da

sociedade - não pode deixar de trazer essas problematizações afinal, as lutas de poder também

são encontradas na escola.

Com a oferta obrigatória do Ensino Religioso de matrícula facultativa e a construção do

currículo, os assuntos abordados devem estar relacionadas às práticas pedagógicas, voltando-

se assim para uma educação não-confessional e que trabalhe a religião em um contexto

ampliado e diverso. Desta forma, o que se espera é que o professor tenha um compromisso com

a busca por esse conhecimento, acrescentando à sua prática de ensino a diversidade cultural

religiosa existente em nosso país.

Diante desses fatos e levando em consideração as propostas da BNCC na sua 2ª edição

revisada e publicada em 2016, devemos levantar alguns pontos: Quais as propostas do Ensino

Religioso? O que a disciplina propõe? Ao considerarmos a pluralidade religiosa, é possível um

currículo voltado para a diversidade e no combate a intolerância religiosa?

A educação referente ao Ensino Religioso é algo vem sendo discutido e tem gerado

várias controvérsias e debates por todo o Brasil. Dessa forma, o que se problematiza neste

trabalho não é a legitimação (ou não) da disciplina afinal, como já tratado, a disciplina já é

regulamentada por lei (LDB 9394/96 e 9475/97). Contudo, cabe salientar que o Ensino

Religioso, de acordo com suas diretrizes, tem como proposta uma formação focada no indivíduo

e no desenvolvimento humano, elementos que a educação escolar também deve trazer como

proposta.

O Ensino Religioso, para a sua construção estrutural e explicitação,

necessitou vincular-se a uma ciência de referência. No campo do

ensino, dialogou com os elementos pedagógicos permitindo uma

estrutura em que a linguagem e o fenômeno estejam explícitos e, desta

forma, o componente permita enfrentar situações, construir

argumentações e elaborar propostas (Documentos do MEC/ ENEM/

PAS). De tal forma que contribua para a leitura e interpretação da

realidade, estabelecendo a possibilidade de participação do cidadão na

sociedade de forma autônoma (JUNQUEIRA, 2015, p.18).

Nesse sentido, a BNCC no que se refere ao Ensino Religioso traz como proposta fazer

a reflexão ao pluralismo religioso e como ela está sendo proposta nos currículos. Com a

crescente globalização o contato com outras culturas tornou-se de mais fácil acesso. Diante de

espaços institucionalizados como a escola, refletir e problematizar outras formas de

manifestação cultural tornou-se prioridade, o que faz com que a BNCC venha a ser uma grande

iniciativa para dar voz a sociedade e suas necessidades, oportunizando a contribuição e o direito

ao ensino-aprendizagem proporcionado a todos os envolvidos na relação educacional.

A disciplina de Ensino Religioso, durante anos vem sendo alvo de controvérsias por

vários órgãos institucionalizados principalmente por conta de seu forte viés conservador.

Porém, ao analisar a BNCC em sua 2ª edição revisada do ano de 2016, foram constatadas várias

passagens sobre a real proposta da disciplina. Ao considerarmos que a formação cultural do

Brasil teve várias passagens e influências de outras culturas compreendeu-se a necessidade de

demandar “[...] práticas escolares diferenciadas, capazes de contemplar suas necessidades e

diferentes modos de inserção social” (BRASIL, 2016, p. 322). Dessa forma, a escola como

espaço de formação do sujeito, como propõe a BNCC, deve contribuir de todas as formas com

a integração e formação plena e crítica do sujeito, proporcionando ao aluno condições para

refletir e analisar as temáticas propostas pelos currículos. Dessa forma a pluralidade religiosa

que o Brasil compõe, possibilita à disciplina de Ensino Religioso a lidar com essa diversidade

e a todo momento desafiando o aluno a compreender outras culturas.

Dessa maneira, a cultura religiosa ao ser problematizada com outros conteúdos e com

as diversas áreas de ensino, vem a contribuir para a formação e desenvolvimento integral do

aluno, desde sua humanização até a preservação do direito social do “outro”. A BCNN de 2016

propõe que,

Na fase dos Anos Finais do Ensino Fundamental, o Ensino Religioso,

articulado às demais áreas de conhecimento e componentes

curriculares, assume o compromisso de contribuir com o fortalecimento

da autonomia e responsabilidade dos estudantes, com o

desenvolvimento da capacidade de diálogo com o diferente em suas

diferenças, reconhecendo-se co-partícipe nos processos de

humanização, de promoção de direitos humanos e da vida na sua

integralidade (BRASIL, 2016, p. 478).

Ao relacionarmos as possibilidades de reflexões dos alunos frente as diversidades

culturais e religiosas, estamos possibilitando que o aluno se posicione frente a sua crença e

compreendendo a manifestação religiosa do “outro”. Ainda, ao analisarmos as propostas da

BNCC relacionando alguns objetivos gerais para a formação da área do Ensino Religioso,

perceberemos que dentre vários objetivos foram destacados os que estão de acordo com a

cultura africana e a diversidade religiosa. Dentre os objetivos gerais da BCNN,

Reconhecer valores e fundamentos éticos que contribuem para a

erradicação de discursos e práticas de violência por motivações

religiosas. [DHC3] (BRASIL, 2016, 480);

Problematizar processos de exclusão, xenofobias e desigualdades,

estimulados por crenças, ideologias religiosas ou filosofas de vida.

[CIA] [CD] [DHC] (BRASIL, 2016, 480);

Compreender as diferentes formas de ser, pensar, agir e viver,

relacionadas ao religioso e ao não religioso, com respeito às

diversidades. [ES] [CIA] [CD] [DHC] [EA] (BRASIL, 2016, 482);

Identificar práticas que reconheçam a diversidade cultural religiosa na

perspectiva dos direitos humanos. [CIA] [CD] [DHC] (BRASIL, 2016,

483);

Conhecer aspectos históricos relacionados à origem e à formação de

textos sagrados orais e escritos, nas perspectivas Indígenas, Africanas,

Orientais, Semitas e das novas Religiões. [CIA] [CD] [DHC] (BRASIL,

2016, 484).

3 Significados das siglas: [ES] Economia, educação financeira e sustentabilidade; [CIA] Culturas indígenas e africanas; [CD] Culturas digitais; [DHC] Direitos humanos e cidadania; [EA] Educação Ambiental.

Desta forma, a disciplina apresenta como princípio o fortalecimento do entendimento

da cultura do “outro”, possibilitando que os discursos voltados para religião ou qualquer

manifestação cultural seja compreendida e respeitada. Parte portanto do entendimento das

diferenças e pluralidades, tendo em vista que o direito à liberdade e manifestação religiosa é

constitucional e considera que, para que esse entendimento se efetive como ela propõe, se faz

necessário pensar e repensar a forma que a disciplina possa ser distribuída no currículo.

2. AUSÊNCIA DO ENSINO RELIGIOSO NA NOVA BNCC

No mês de abril de 2017, o Ministério da Educação apresenta a versão final da BNCC

para o Conselho Nacional de Educação – CNE – para que este promova a análise do texto

completo da nova versão dando o parecer e consequentemente encaminhamento ao MEC.

Neste momento, o que se verifica – e que acaba sendo uma surpresa para muitos - foi a

retirada da disciplina de Ensino Religioso o currículo. Segundo a Base Nacional Comum

Curricular de 2017,

A área de Ensino Religioso, que compôs a versão anterior da BNCC,

foi excluída da presente versão, em atenção ao disposto na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A Lei determina,

claramente, que o Ensino Religioso seja oferecido aos alunos do Ensino

Fundamental nas escolas públicas em caráter optativo, cabendo aos

sistemas de ensino a sua regulamentação e definição de conteúdos (Art.

33, § 1º). Portanto, sendo esse tratamento de competência dos Estados

e Municípios, aos quais estão ligadas as escolas públicas de Ensino

Fundamental, não cabe à União estabelecer base comum para a área,

sob pena de interferir indevidamente em assuntos da alçada de outras

esferas de governo da Federação (BRASIL, 2017, p.25) grifo nosso.

Como o próprio texto diz, a retirada do Ensino Religioso do currículo está em

conformidade com o artigo citado, porém o que o presente texto da Lei 9.394/96, artigo 33, §

1º “Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do

ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores”

(BRASIL, 1996, s/p).

Levando em consideração o que a BNCC de 2017 diz, surgem algumas indagações

referente as definições de conteúdo: O professor/a estará disposto/a a problematizar outras

culturas e manifestações religiosas, ou apenas o que ele/a considera verdadeira? Quem de fato

definirá as diretrizes? O Estado? A Escola? Será realizada alguma seleção com relação aos

assuntos abordados? Levantando essas questões, ficam as dúvidas sobre a cultura do “outro”,

já que “[...] O currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais de

conhecimento e saberes seleciona-se aquela parte que vai constituir, precisamente o currículo”

(SILVA, 2015, p.15).

Um dos grandes questionamentos a serem levantados e problematizados são as

motivações que poderão levar à cultura do “outro” – ou à sua invisibilidade - e a forma como

estas serão inseridas no currículo, de acordo com a nova BNCC. Principalmente porque, se

considerarmos que não há uma cultura mais importante e/ou válido que outra para assim ser

considerado essencial, há alguma certeza de que a pluralidade religiosa estará presente na sala

de aula mesmo sem a presença do Ensino Religioso precisando então ser dialogada com vistas

a sua compreensão. Podemos considerar que estas são algumas das possibilidades a serem

discutidas no que tange o Ensino Religioso – desde que trabalhado em um viés inclusivo -

motivo pelo qual a sua ausência no novo texto possa gerar incerteza quando nos remetemos às

diversas culturas religiosas presentes no Brasil. Principalmente porque não se pode enaltecer

uma cultura e invisibilizar outra por ser a escola é um dos lugares que contribuem para a

formação do sujeito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando fazemos menção a uma disciplina abrem-se os leques de questionamentos que

podem ser levantados. Devemos considerar que a escola tem uma função importantíssima para

a formação do indivíduo pois nela se faz possível descobrir um universo de possibilidades

motivo pelo qual não podemos descartar a importância da instituição escolar na formação do

sujeito. No que tange ao processo histórico da disciplina de Ensino Religioso observamos que

pode séculos ela esteve à mercê da Igreja Católica e que o rompimento no final do século XIX

junto ao Estado possibilitaria uma nova forma de ensinar, trazendo até o aluno/a outras culturas

religiosas, o que se perdurou por todo o século XX.

As Constituições brasileiras do século XX deram abertura para a inclusão do Ensino

Religioso nas escolas públicas da educação básica uma vez que a própria LDB de 1996

possibilitou que a disciplina se mantivesse de oferta obrigatória e matrícula facultativa e assim

se perdurou até 2017.

Porém neste intervalo de tempo, no ano de 2015, inicia-se o processo de repensar um

novo currículo, voltado para uma padronização em todo o Brasil. A ideia seria construir uma

base que possibilitaria que em todos os estados houvesse um mesmo conteúdo básico para se

trabalhar em sala de aula. O resultado desta discussão sai, na forma de documento, em 2016,

depois de milhares de contribuições por todo o Brasil e em agosto do mesmo ano lançava-se a

segunda versão da BNCC.

Como discutido no presente texto, a disciplina de Ensino Religioso se considerada e

discutida com seriedade e em uma perspectiva inclusiva, vai ao encontro daquilo que o ensino

propõe. Principalmente porque a escola é um espaço de socialização ao qual o grupo que ali

pertence se depara com vários tipos de culturas e conhecimentos, motivo pelo qual a promoção

do respeito ao pensamento do “outro” é fundamental – e isso inclui a liberdade de manifestação

religiosa. E se entendermos que a religião, assim como a escola, também é um espaço de saber

que promove relações que fazem parte da socialização do indivíduo e do desenvolvimento

cultura poderemos enxerga-la como algo que merece atenção e tratamento também pelo Estado

– claro que sob uma perspectiva inclusiva e pluralista.

Com a retirada da disciplina de ER da nova versão da BNCC – o que ocorreu no final

do no mês de abril de 2017 – surge um novo desafio no trabalho desta disciplina. Principalmente

porque gera-se uma preocupação no sentido de como as relações se estruturarão e se a

visibilidade para todas as formas de manifestação religiosa se verificarão. Principalmente pelo

fato de que também nesta seara é importante lembrar que a realidade dominante nem sempre se

ocupa em lidar com a realidade “do outro”, e por conta disso passa a trata-lo como abjeto.

Desta forma a proposta deste trabalho, muito mais que buscar estruturar respostas foi

apresentar os questionamentos no que tange a diversidade religiosa. Principalmente porque, a

partir do momento que caberá a escola optar ou não pela disciplina, precisamos nos ocupar em

saber como as lacunas dessa diversidade serão tratadas.

REFERÊNCIA

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