ensino de história da educação

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HORIZONTES DA PESQUISA EM HISTóRIA DA EDUCAçãO NO BRASIL COLEÇÃO SOCIEDADE BRASILEIRA DE HISTóRIA DA EDUCAçãO UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPíRITO SANTO O ENSINO DE HISTóRIA DA EDUCAçãO

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Texto completo do livro "O ensino de história da educação", publicado pela SBHE e pela UFES.

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Page 1: Ensino de história da educação

Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil

coleção

sociedade Brasileira de História da educação universidade federal do espírito santo

o ensino de História da educação

Page 2: Ensino de história da educação

Editora da UnivErsidadE FEdEral do Espírito santo

Av.Fernando Ferrari, 514 - CEP 29075-910 - Goiabeiras - Vitória - ES Tel: (27) 3335 7852 [email protected] - [email protected]

ReitoR | Rubens Sérgio Rasseli

Vice-ReitoR | Reinaldo Centoducate

SecRetáRia de PRodução e difuSão cultuRal | Rosana Lúcia Paste

cooRdenadoRa da edufeS | Elia Marli Lucas

ConsElho Editorial

Cleonara M. Schwartz - Fausto Edmundo Lima Pereira

João Luiz Calmon Nogueira - José Armínio Ferreira

Gilvan Ventura da Silva - Marcio Paulo Czepak

Sandra Soares Della Fonte - Waldir Cintra de Jesus Junior

Wilberth Clayton Ferreira Salgueiro - José Francisco Bernardino

Freitas e Rosana Lucia Paste

PRojeto GRáfico - caPa e Miolo | Denise R PimentaReViSão | Alina Bonella

dados internacionais de catalogação-na-publicação (cip)(Biblioteca central da universidade federal do espírito santo, es, Brasil)

e59 o ensino de história da educação / marta maria chagas de carvalho, décio Gatti Júnior (organização). - vitória : edufes, 2011.405 p. : il. – (coleção Horizontes da pesquisa em história da

educação no Brasil ; v. 6)

inclui bibliografia.

isBn: 978-85-7772-078-1

1. educação - História. 2. ensino. i. carvalho, marta maria chagas de. ii. Gatti Júnior, décio. iii. série.

cdu: 37(091)

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marta maria chagas de carvalho décio Gatti Júnior

(organização)

o ensino de História da educação

Volume 6

VitóRia 2011

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Autores dos textos

claudemir de quadros

décio Gatti Júnior

José carlos souza araújo

Betânia de oliveira laterza ribeiro

sauloéber társio de souza

José roberto Gomes rodrigues

Justino magalhães

luiz carlos Barreira

maria rita de almeida toledo

marta maria chagas de carvalho

mirian Jorge Warde

norberto dallabrida

thais nivia de lima e fonseca

zuleide fernandes de queiroz

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aprEsEntaÇÃo

desde 1999, a sociedade Brasileira de História da educação (sBHe) cumpre o importante papel de congregar estudantes, professores/as e pesquisadores/as que desenvolvem atividades de ensino e pesquisa na área, com a finalidade de estimular a realização de estudos pautados pela crítica e pela pluralidade teórico-metodológicas, bem como de promover o intercâmbio com outras entidades de representação nacional e internacional no campo da história da educação e áreas afins. celebrando o décimo aniversário da sBHe, a coleção Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil, fruto de uma parceria realizada entre a universidade federal do espírito santo e a sBHe, reúne resultados de estudos e reflexões produzidos por um grupo representativo de pesquisadores/as cujos trabalhos, realizados em diferentes instituições de ensino e pesquisa brasileiras, têm contribuído para a consolidação e para a ampliação de conhecimentos na/da área. expressando a pluralidade das questões pesquisadas, os dez volumes da coleção abordam os seguintes temas na história da educação brasileira: gênero, etnia e movimentos sociais; práticas escolares e processos educativos; currículo, disciplinas e instituições escolares; história da profissão docente; história das culturas escolares; intelectuais e história da educação no Brasil; estado e políticas educacionais; educação e instrução na corte e nas províncias; ensino de história da educação; fontes e métodos; história da infância.

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em linhas gerais, a iniciativa objetiva realizar uma espécie de mapeamento do que vem sendo produzido pela área na última década e, por meio desse mapeamento, criar condições para pensarmos as direções assumidas pela pesquisa histórica em educação no Brasil do ponto de vista dos desafios enfrentados e perspectivas adotadas pela comunidade de pesquisadores/as. dessa forma, trata-se de uma coleção de referência da produção da historiografia da educação brasileira, compondo um mosaico expressivo de opções de temáticas, de tendências teóricas, de grupos de pesquisa, de regiões, etc. que vêm se consolidando nas últimas décadas. enfim, atendendo aos fins da sBHe, a sua publicação visa a suscitar novos debates e intercâmbios acadêmicos, fundamentais para o aprimoramento da ciência e para a sua difusão na sociedade como um todo.acreditamos que o resultado final desta coleção fala de três coisas das quais a comunidade de pesquisadores/as reunida em torno da sBHe pode se orgulhar: a consistência das produções teóricas apresentadas, a pluralidade teórica, temática e metodológica expressa no conjunto dos trabalhos produzidos e, por último, as trocas interinstitucionais e interpares que tornaram possível a sua realização.

Wenceslau Gonçalves netoregina Helena silva simões

oRGanizadoReS da coleção

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PREFÁCIO

sob o título de O ensino de História da Educação, o pre-sente volume faz parte da coleção comemorativa dos dez anos da sociedade Brasileira de História da educação, com o tema geral Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil. este volume insere-se no âmbito tanto de uma história disciplinar da História da educação quanto das reflexões em torno de seu ensino nos cursos de graduação vinculados à for-mação de professores e nos programas de pós-graduação stric-to sensu destinados à formação de pesquisadores. em ambos os casos, alinha-se aos esforços investigativos relativamente recentes levados a cabo por pesquisadores brasileiros e estran-geiros afetos a essa temática.

assim, sob a coordenação de marta maria chagas de car-valho e de décio Gatti Júnior, organizou-se o presente volume que reúne doze trabalhos, redigidos por quatorze autores, tre-ze deles com vínculo a dez diferentes instituições de educa-ção superior estabelecidas em diversas regiões do Brasil e um autor de portugal, vinculado a universidade de lisboa.

sob o título Ensino com pesquisa, educação digital e for-mação de professores: possibilidades de ensinar e aprender acerca da História da Educação, claudemir de quadros, da universidade federal de santa maria, apresenta um relato de experiências de ensino e aprendizagem relacionadas com a história da educação, desenvolvidas no curso de pedagogia do centro universitário franciscano (unifra), em santa maria/rs, entre os anos de 2007 e 2009, com destaque para preocu-pações com processos de ensino e aprendizagem, promoção

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da curiosidade, estímulo à capacidade criadora, educação di-gital e profissão docente.

décio Gatti Júnior, da universidade federal de uber-lândia, redigiu o trabalho intitulado Intelectuais e circulação internacional de idéias na construção da disciplina História da Educação no Brasil (1955-2008), no qual analisou a obra de quatro autores estrangeiros com livros traduzidos para o português e publicados no Brasil, entre 1955 e 1999, e que continuavam a constar dos programas de ensino em vigor em diversos cursos de licenciatura em pedagogia brasileiros na década de 2000, a saber: lorenzo luzuriaga, História da educação e da pedagogia, com primeira edição em português datada de 1955; francisco larroyo, História geral da pedago-gia, com primeira edição em português datada de 1970; mario alighiero manacorda, História da educação: da antiguidade aos nossos dias, com primeira edição em português datada de 1989; franco cambi, História da Pedagogia, com primeira edição em português datada de 1999.

no texto intitulado Haveria uma historiografia educacio-nal brasileira expressa pelos manuais didáticos publicados entre 1914 e 1972?, os autores José carlos souza araújo, Betânia de oliveira laterza ribeiro e sauloéber társio de souza, da uni-versidade federal de uberlândia, explicitam uma análise, ainda que introdutória e parcial, de caráter historiográfico-educacio-nal, a respeito dos manuais de História da educação – publica-dos, em primeira edição, entre 1914 e 1972 -, que trazem em seu bojo conteúdos e orientações pedagogizados e didatizados em torno da explicação e da interpretação da realidade históri-co-educacional brasileira, discutindo, pela ordem: aspectos re-lativos à historiografia; problematizações em torno dos manuais de História da educação em apreço e pelo seu objeto; caracte-rizações em torno de uma investigação comparativa entre eles; uma análise historiográfica dos conteúdos histórico-educacio-nais dos referidos manuais expressos pela periodização triparti-te em colonial, imperial e republicana.

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em seguida, José roberto Gomes rodrigues, da univer-sidade do estado da Bahia (campus de Juazeiro), no trabalho intitulado O ensino de História da Educação: um olhar reflexi-vo a partir da análise de planos e programas curriculares, ana-lisa diversos planos e programas de ensino e de depoimentos gravados a partir de roteiros semiestruturados com professores de História da educação em universidades de Belo Horizonte/mG e da Bahia. nessa análise, são abordadas questões refe-rentes ao ensino da disciplina, situando a emergência do tema ensino de História da Educação no campo da pesquisa e a sua freqüência, como eixo temático, em congressos, encontros etc. na última década.

em O ensino da História da Educação, Justino magalhães, da universidade de lisboa, analisa o ensino de História da educação, partindo das necessidades e possibilidades de co-nhecimento exigido ao técnico de educação: pedagogo, pro-fessor, formador, investigador, tendo atenção à multiplicidade das abordagens que podem ser adotadas no ensino de Histó-ria. em alguns passos, a reflexão torna-se extensiva à formação e ao trabalho do profissional de História na educação básica (ensino fundamental e médio), relacionando-a com as ativida-des de ensino e de investigação. para ele, o ensino da História debate-se com questões comuns à História da educação, e a universidade é o locus principal onde o professor de História se forma. apresenta também argumentos para demonstrar e ilustrar a relevância e a atualidade da História da educação, transcrevendo e fundamentando diferentes programas de en-sino, procurando, enfim, dar um testemunho sobre os atuais desafios do ensino da História da educação no ensino uni-versitário, decorrentes da implementação da convenção de Bolonha; da heterogeneidade dos públicos; da pluralidade de interlocutores; da crescente produção científica e do alarga-mento do campo historiográfico.

luiz carlos Barreira, da universidade católica de santos, no trabalho intitulado Ensino de História da Educação na Pós-

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Graduação em Educação, no Brasil, na década de 1980: uma experiência revisitada, traz uma leitura crítica e contextuali-zada de quatro programas da disciplina História da educação Brasileira, elaborados no âmbito do programa de estudos pós-Graduados em educação da pontifícia universidade católi-ca de são paulo, na década de 1980. para a realização dessa leitura, o autor ateve-se não apenas aos objetivos e conteúdos desses programas, mas também aos textos e autores neles pro-postos como bibliografia básica, ou de apoio às discussões em sala de aula. como se verá, entendia-se que o percurso forma-tivo dos alunos não poderia prescindir de leituras formadoras, de leituras que possibilitassem a compreensão de como a edu-cação fora pensada e praticada na sociedade brasileira, desde a época do assim denominado “descobrimento” do país, até aqueles malfadados anos da ditadura militar (1964-1985).

em Internacionalização de cânones de leitura: as Atua-lidades Pedagógicas na Biblioteca Museu do Ensino Primário e o ensino de História da Educação, maria rita de almeida toledo, da universidade federal de são paulo (campus Gua-rulhos), apresenta texto que resulta de investigação sobre a circulação dos livros editados na coleção Atualidades peda-gógicas, entre 1931 e 1950, na Biblioteca museu do ensino primário de lisboa. essa biblioteca foi dirigida por adolfo lima, um dos expoentes do escolanovismo português, e ma-terializou suas concepções e representações para a formação docente. por sua vez, a coleção foi dirigida por fernando de azevedo, também expoente do escolanovismo brasileiro, na companhia editora nacional, empresa de renome internacio-nal na indústria de livros. constatou-se que, nessa biblioteca, há forte presença de títulos de autores brasileiros e traduções brasileiras para o português, mais especificamente, dos livros editados na coleção em questão.

marta maria chagas de carvalho, da universidade de são paulo, redigiu o texto intitulado Por entre restos de memória: um relato sobre o ensino de História da Educação no Curso de

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Pedagogia da Faculdade de Educação da USP (1971-1997), no qual registra algumas iniciativas no campo do ensino da História da educação, no curso de pedagogia da faculdade de educação, da universidade de são paulo, entre 1971, ano em que iniciou sua vida profissional naquela instituição, e 1997, ano em que se aposentou. segundo a autora, o texto apresenta um depoimento, construído fragmentariamente com resíduos de memória ativados a partir da reunião de alguns papéis ve-lhos, fragmentos de uma já empalidecida militância institu-cional em favor de uma redefinição do perfil e do estatuto da disciplina no curso.

no trabalho intitulado “Brincando nos campos do se-nhor: anotações para uma história da formação dos profes-sores e do ensino da História da Educação no Brasil, mirian Jorge Warde, da universidade estadual paulista Júlio de mes-quita filho (campus araraquara), intenciona contribuir para a história da formação dos professores e do ensino da História da educação no Brasil. seu texto examina 140 currículos de professores doutores brasileiros que mantêm trajetórias aca-dêmicas regulares, exclusiva ou dominantemente dedicadas à História da educação, quer em seus aspectos mais gerais quer em seus temas mais específicos, como infância, alfabetização, intelectuais, dentre outros. para a seleção desses currículos, foram adotados critérios, como: vínculos profissionais está-veis, acrescidos de relações consolidadas e privilegiadas com a disciplina, expressas no ensino e na publicação de resulta-dos de pesquisa.

norberto dallabrida, da universidade do estado de san-ta catarina, contribui com o trabalho intitulado Qual História da Educação ensinar?, no qual tece considerações acerca da disciplina História da educação nos cursos de pedagogia bra-sileiros, procurando refletir sobre três aspectos considerados centrais dessa disciplina: a perspectiva genealógica, o foco na escolarização da infância e a questão das apropriações de culturas escolares. dessa forma, o texto procura repensar a

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disciplina História da educação para os cursos de licenciatura em pedagogia, de modo que ela contribua, de forma criativa e efetiva, com a inovação pedagógica.

em O período colonial nos manuais de História da Edu-cação brasileira, thais nivia de lima e fonseca, da universi-dade federal de minas Gerais, apresenta uma análise de um conjunto de livros usados tanto nos cursos de formação de professores quanto nas referências de base para a História da educação no Brasil nas últimas décadas. suas características e os usos que deles podem ser feitos permitem a autora tratá-los como “manuais” no sentido de serem obras sobre uma Histó-ria Geral da educação no Brasil. no recorte aqui definido, a ênfase recai sobre as temáticas relacionadas com o período colonial, visivelmente o menos estudado pela historiografia da educação brasileira, em comparação com os períodos impe-rial e republicano.

por fim, no texto Ensinando História da Educação, for-mando professores-pesquisadores: o ensino da História da Educação no Curso de Pedagogia da Universidade Regional do Cariri, zuleide fernandes de queiroz, da universidade re-gional do cariri, analisa a caminhada da disciplina História da educação no ceará e no cariri, com oferta obrigatória no currículo do curso de licenciatura em pedagogia da universi-dade regional do cariri (urca), no período de 1998 a 2008, considerando que, a partir de 2009, seu conteúdo passou a integrar a disciplina História da educação Brasileira.

com este volume, espera-se demonstrar a vitalidade da pesquisa em História da educação no Brasil e, particularmen-te, assinalar a emergência de estudos e pesquisas acerca da história disciplinar da História da educação e de reflexões so-bre os objetivos e as metodologias de ensino mais comumente empregadas.

marta maria chagas de carvalhodécio Gatti Júnior

Organizadores

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SUMÁRIO

ensino com pesquisa, educação digital e formaçãode professores: possibilidades de ensinar e aprender acerca da História da educação .......................................17Claudemir de Quadros

intelectuais e circulação internacional de ideias na construção da disciplina História da educação no Brasil (1955-2008) ...........................................................47Décio Gatti Júnior

Haveria uma historiografia educacional brasileira expressa pelos manuais didáticos publicados entre 1914 e 1972? ..................................................................95José Carlos Souza Araújo, Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro e Sauloéber Társio de Souza

o ensino de História da educação: um olhar reflexivo a partir da análise de planos e programas curriculares ......145José Roberto Gomes Rodrigues

o ensino da História da educação .................................175Justino Magalhães

ensino de História da educação na pós-Graduação em educação, no Brasil, na década de 1980: uma experiência revisitada ....................................................211Luiz Carlos Barreira

internacionalização de cânones de leitura:as atualidades pedagógicas na Biblioteca museu do ensino primário e o ensino de História da educação .....243Maria Rita de Almeida Toledo

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por entre restos de memória: um relato sobre o ensino de História da educação no curso de pedagogia da faculdade de educação da usp (1971-1997) ................277Marta Maria Chagas de Carvalho

Brincando nos campos do senhor: anotações para uma história da formação dos professores e do ensino da História da educação no Brasil ......................................305Mirian Jorge Warde

qual História da educação ensinar? ..............................337Norberto Dallabrida

o período colonial nos manuais de História da educação brasileira .......................................................363Thais Nivia de Lima e Fonseca

ensinando História da educação, formandoprofessores-pesquisadores: o ensino da História da educação no curso de pedagogia da universidade regional do cariri .........................................................389Zuleide Fernandes de Queiroz

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o ensino de História da educação

Ensino Com pEsqUisa, EdUCaÇÃo digital E FormaÇÃo dE proFEssorEs: possibilidadEs

dE Ensinar E aprEndEr aCErCa da história da EdUCaÇÃo

claudemir de quadros

Introdução

neste texto, apresenta-se o relato de experiências de ensino e aprendizagem em História da educação e a sistematização de algumas preocupações que não são recentes no itinerário desta pesquisa vinculado à docência na educação superior.

essas preocupações se desenvolveram a partir de vivências em relação ao ensinar e ao aprender em cursos de formação de professores. inicialmente, tomaram forma de perguntas simples: como posso melhorar ou tornar as aulas mais interessantes, mais vivas, mais dinâmicas? como usar textos de modo mais produtivo? como mobilizar intelectualmente estudantes para o aprendizado relacionado com a História da educação? de que modo a educação digital ou o uso de tecnologias da informação e da comunicação podem contribuir nesse processo? como produzir possibilidades de ensinar e aprender acerca da História da educação em cursos de formação de professores? como integrar pesquisa com ensino e aprendizagem e fazer disso uma dimensão importante da formação de professores?

ao longo do tempo, essas questões, de uma forma ou de outra, pautaram o planejamento de ensino, bem como suscitaram outras perguntas, outras dúvidas, outras reflexões. neste texto, apresentam-se, enfim, experiências de ensino

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e aprendizagem relacionadas com a História da educação, desenvolvidas no curso de pedagogia do centro universitário franciscano (unifra), em santa maria/rs, entre os anos de 2007 e 2009. no âmbito dessas experiências, destacaram-se preocupações com processos de ensino e aprendizagem, promoção da curiosidade e estímulo à capacidade criadora, educação digital e profissão docente.

Diagnósticos, recomendações e prescrições acerca do ensino de História

são antigos e também recentes, inúmeros e fartos os diagnósticos que apontam para a aprendizagem em relação à História como algo relacionado com a memorização e a repetição de datas e fatos. maria stephanou (1998, p. 16) faz uma afirmação pela qual se pode indiciar que essas práticas se sucedem geração após geração:

evocar metáforas para expressar lembranças ou marcas conservadas na memória acerca de nossas experiências em aulas de História, como alunos de 1º ou 2º graus, frequentemente tem nos remetido a uma espécie de comunidade de sentido: decoreba, questionário, datas e fatos, repetição. por vezes, distamos mais de uma geração uns dos outros, contudo, partilhamos sentidos muito próximos: aprender a preencher questionários, memorizar e esquecer, invariavelmente caracterizam as evocações acerca do ensino da História.

em termos gerais, a mesma autora entende que o conhecimento contemplado para o ensino e aprendizagem de História se caracteriza por se deter sobre fatos passados e acentuar personagens especiais, destacar acontecimentos oficiais, apresentar fatos em sucessão cronológica, periodizar segundo modelo europeu e privilegiar o mundo ocidental, tender para uma história assexuada e apresentar uma perspectiva evolucionista e linear. em síntese, “[...] o conhecimento obtido

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do passado é concebido como conteúdo isento, pronto, acabado [...]. os discursos históricos assumem o estatuto de verdade, traduzindo-se em informações acumuladas, cabendo à escola transmiti-las” (stepHanou, 1998, p. 20).

parece não ser por falta de recomendações e prescrições em sentido contrário que esse tipo de ensino e de aprendizagem permanece reforçado. no âmbito dos parâmetros curriculares nacionais, por exemplo, aponta-se para a necessidade de se repensar os sentidos dos aprendizados, das formas e dos modos de se promover o ensino da História. mais do que transmitir informações acumuladas, ensinar e aprender História podem se relacionar com estudos “[...] sobre problemáticas contemporâneas, situando-se nas diversas temporalidades, servindo como arcabouço para a reflexão sobre possibilidades e/ou necessidades de mudanças e/ou continuidades” (Brasil, 1999, p. 41). nesse sentido, recomenda-se que se preste atenção a temas pouco abordados; considere a pluralidade de sujeitos, de temporalidades e de espaços; utilize resultados de investigações realizadas; promova pesquisas orientadas da sala de aula; trate de memórias sociais sem exclusões; aborde temas variados, de épocas diversas, de forma comparada a partir de diferentes documentos e linguagens; preste atenção às problemáticas de classes, gêneros, grupos sociais, locais, regionais, nacionais; promova diferentes formas de compreensão e desenvolvam-se competências de representação e comunicação, investigação, compreensão e contextualização sociocultural.

as diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação (Brasil, 2004) seguem em direção similar. apontam, como objetivos ou metas dos cursos, que os estudantes precisam desenvolver, ao longo da formação, certas competências e habilidades, como: conhecer diferentes concepções metodológicas que referenciam a construção de categorias para a investigação e a análise das relações sócio-históricas; problematizar, nas múltiplas dimensões das experiências dos sujeitos históricos, a constituição de diferentes

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relações de tempo e espaço; conhecer as informações básicas referentes às diferentes épocas históricas nas várias tradições civilizatórias assim como sua inter-relação; transitar pelas fronteiras entre a História e outras áreas do conhecimento; desenvolver a pesquisa, a produção do conhecimento e sua difusão não só no âmbito acadêmico, mas também em instituições de ensino, museus, em órgãos de preservação de documentos e no desenvolvimento de políticas e projetos de gestão do patrimônio cultural; desenvolver competências para a utilização da informática; ter domínio dos conteúdos básicos que são objeto de ensino-aprendizagem no ensino fundamental e médio.

concomitante a esse contexto de reformulação curricular, também se pode destacar que a investigação histórico-educacional tem experimentado, nas últimas décadas, um importante processo de desenvolvimento, no âmbito do qual se destacou a inclusão de outras problematizações, terminologias e métodos. procurou-se caminhar na direção de abandonar modelos rígidos ou princípios de racionalidade única e estabelecer uma relação mais próxima com a sociedade e com os processos históricos que se pretendiam estudar.

esse processo de desenvolvimento foi marcado, por um lado, pela perda da validade das metanarrativas como forma única de explicação histórica e, por outro, pela conquista de espaço do argumento segundo o qual a História, mais do que descobrir ou encontrar, produz e propõe uma inteligibilidade para os fatos. em síntese, o historiador reconstrói o passado na forma de uma narrativa problematizada.

paul veyne (1998, p. 18) aborda a relação entre o fazer História e a narrativa no clássico Como se escreve a história:

a história é uma narrativa de eventos: todo o resto resulta disso. Já que é, de fato, uma narrativa, ela não faz reviver esses eventos, assim como tampouco o faz o romance; o vivido, tal com ressai das mãos do historiador, não é o dos atores; é

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uma narração, o que permite evitar alguns falsos problemas. como o romance, a História seleciona, simplifica, organiza, faz com que um século caiba numa página [...]. a História é, em essência, conhecimento por meio de documentos. desse modo, a narração histórica situa-se para além de todos os documentos, já que nenhum deles pode ser o próprio evento; ela não é um documentário em fotomontagem e não mostra o passado ao vivo como se você estivesse lá.1

a produção de uma inteligibilidade para o passado remete a uma operação historiográfica que, para michel de certeau, articula-se em torno de três dimensões inseparáveis: ela é produto de um lugar social e institucional; é uma prática, na medida em que é mediatizada pela relação entre o documento e a sua construção; e, finalmente, é uma escrita; uma escrita que abre “[...] para o presente um espaço próprio: marcar um passado é abrir um lugar para o morto, mas também redistribuir o espaço dos possíveis” (2002b, p. 118).

embora não se constitua em novidade o fato de os historiadores se interrogarem sobre o estatuto de sua disciplina, em seu tempo, leopold von ranke, e, de outra parte, marc Bloch, dentre outros, já o fizeram a seu modo e, de acordo com o conhecimento disponível e as verdades de suas épocas, esse processo de desenvolvimento da investigação histórica provocou mal-estares e inquietudes. formularam-se proposições que, de certo modo, estremeceram os referenciais até então aceitos e que, de uma forma ou de outra, definiam não somente os modos de fazer ou narrar a História, mas a própria epistemologia da disciplina. roger chartier (1994, p.100) se refere a esse desconforto nos seguintes termos:

1 roger chartier (2009, p. 9) compartilha dessa posição ao anunciar que “[...] dar a ler textos antigos não é, de acordo com as palavras de arlette farge, recopiar o real. pelas escolhas que faz e pelas relações que estabelece, o historiador atribui um sentido inédito às palavras que arranca do silêncio dos arquivos: a apreensão da palavra responde à preocupação de reintroduzir existências e singularidades no discurso histórico, de desenhar a golpes de palavras cenas que são igualmente acontecimentos”.

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[...] tempo de incerteza, crise epistemológica: estes são os diagnósticos, geralmente inquietos, feitos sobre a História nos últimos anos [...]. eles denotam, creio, essa grande mutação que representa para a História o desaparecimento dos modelos de compreensão, dos princípios de inteligibilidade que foram de modo geral aceitos pelos historiadores (ou ao menos pela maior parte deles) a partir dos anos 1960.

ainda segundo chartier, essa inquietude com o regime de verdade até então preponderante ou, em outros termos, a crise de inteligibilidade histórica amplamente manifesta, referida a uma fragmentação e a uma dispersão das referências teóricas, foi motivada por várias razões, dentre as quais a perda de confiança nas certezas da quantificação, a renúncia às definições clássicas dos objetos históricos e a crítica de noções (mentalidade, cultura popular), de categorias analíticas (classes, classificação socioprofissional) ou de modelos de compreensão (marxista, estruturalista, neomaltusiano, etc.). estabeleceu-se, então, a fragmentação das tradições historiográficas, no âmbito do que se “multiplicaram os objetos de investigação, os métodos, as histórias” (cHartier, 2001, p. 116).

para thomas s. popkewitz (1994), não se trata apenas de um mal-estar. operou-se, efetivamente, uma “virada linguística” que projetou a superação do historicismo e da filosofia da consciência. esse autor desenvolve o argumento de que a virada linguística provocou um desconcerto ou mesmo uma ruptura no âmbito das tradições históricas que haviam dominado a produção da História no último século.

tanto o historicismo que, por meio da ordenação cronológica e progressiva de eventos ou dos pensamentos singulares dos indivíduos, pretendia objetivar toda a vida social e explicar a realidade a partir do que efetiva e verdadeiramente teria acontecido, quanto a filosofia da consciência, que analisava o mundo com base em estruturas vinculadas que funcionam em relação umas às outras numa sucessão e que toma o progresso como o “[...] resultado racional da razão e do pensamento humanos, aplicados a condições sociais ou como

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o ensino de História da educação

a identificação de contradições das quais uma nova síntese pode ser organizada” (popKeWitz, 1994, p. 181), viram-se confrontadas com uma proposta epistemológica que advogava o fim das metanarrativas educacionais. a virada linguística representou uma redefinição do olhar do historiador, que implicou o descentramento do sujeito e a historicização daquilo que até então era visto como não problemático.

a investigação histórico-educacional apresenta-se, então, como uma produção constante de significados. de significados de e para uma História que não é a representação exata do que existiu2 e que só pode ser descrito parcialmente, mas que se esforça em propor uma inteligibilidade, em compreender a forma como o passado chega até o presente e informa sobre a nossa maneira de pensar e de falar. aquilo que o historiador escreve não é aquilo mesmo que se passou e sim uma produção discursiva. a atenção se desloca para a construção de significados que consagram certas formas de atuar, sentir, falar e ver o mundo, em vez de outras.

deste ponto de vista, é possível dizer que o signo da História é de agora em diante menos o real do que o inteligível. mas não qualquer inteligível. a supressão da narrativa na ciência histórica atual atesta a prioridade concedida, por esta ciência, às condições nas quais elabora o pensável. e esta análise, que versa sobre os métodos, quer dizer, sobre a produção do senti-do, é indissociável, em História, do seu lugar e de um objeto: o lugar é, através dos procedimentos, o ato presente desta pro-dução e a situação que hoje o torna possível, determinando-o; o objeto, são as condições nas quais tal ou qual sociedade deu a si mesma um sentido através de um trabalho que é também ele, determinado (certeau, 2002a, p. 53).

nesse contexto, passou-se a vincular a produção da História com o conceito de discurso. o foco de interesse é

2 Walter Benjamin (1987, p. 224) foi brilhante ao afirmar que “[...] articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo”.

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a produção, difusão e recepção dos discursos educativos no tempo e no espaço ou, mais especificamente, a problematização de como os objetos do mundo são construídos historicamente e como mudam no decorrer do tempo – como são produzidos e circulam, como são usados e se transformam.

esses posicionamentos têm decorrências concretas para possíveis formas de sistematização de ensino e da aprendizagem. nesse sentido, é preciso destacar, mais uma vez, um enunciado de paulo freire (2001, p. 25) que, embora antigo e importante, permanece pouco concretizado: “[...] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”.

assim, se o foco de interesse, tal como indicado há pouco, é com a problematização (essa é uma palavra importante) de como os objetos do mundo são construídos historicamente, como mudam no decorrer do tempo e com o esforço em propor uma inteligibilidade, em compreender a forma como o passado chega até o presente, o ensino e a aprendizagem precisam se dirigir no sentido de promover a curiosidade e estimular a capacidade criadora, ao invés da repetição. certamente isso constitui um desafio, uma vez que depende de inúmeros elementos, dentre os quais as formas de organização dos espaços e dos tempos escolares, dos itinerários formativos dos professores, de suas crenças, preferências, intencionalidades, bem como dos desejos, interesses e motivações dos estudantes:

É o jovem que se educa, que aprende. vamos considerar a vertente da aprendizagem, mas seria a mesma coisa com a vertente da educação. se o jovem não se mobiliza intelectualmente, ele não aprende. o que quer que o professor faça, ele não pode aprender no lugar do aluno. ou, se preferirmos: só o aluno pode fazer aquilo que produz conhecimento, e o professor só pode fazer alguma coisa para que o aluno o faça. evidentemente, sempre com um coeficiente de incerteza. nesse sentido, o trabalho do professor não é ensinar, é fazer algo para que o aluno aprenda. com frequência, esse ‘algo’ consistirá em ensinar; outras vezes, pode tomar uma outra forma (cHarlot, 2006, p. 9).

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mas o desenvolvimento dessa capacidade criadora, que pode ser potencializada pelo recurso à pesquisa, necessita, também, de conhecimentos. antónio nóvoa (2007, p. 6), por exemplo, insiste na ideia de que o trabalho docente deve centrar-se na aprendizagem e que esta implica professores, estudantes e conhecimentos, ou seja,

[...] ela não se faz sem pessoas e uma referência às suas subjetividades, sem referências aos seus contextos sociais, suas sociabilidades. mas ela também não se faz sem conhecimentos e sem a aprendizagem desses conhecimentos, sem o domínio das ferramentas do saber que são essenciais para as sociedades do século 21, que todos querem ver definidas como sociedades do conhecimento.

de certo modo, essa perspectiva nos remete a uma abordagem sociointeracionista, a qual sugere que o estudante integra um grupo social e deve ter iniciativa para questionar, descobrir e compreender o mundo a partir de interações com os demais elementos do contexto no qual está inserido. cabe ao professor favorecer a convivência social e estimular a elaboração de um conhecimento colaborativo e compartilhado.

É nesse âmbito que a educação digital pode comparecer de modo importante, na medida em que uma pluralidade de novos espaços de produção de conhecimentos emergiu com as tecnologias da informação e da comunicação, notadamente com o aparecimento das funcionalidades da WeB 2.0, que permitem ampla facilidade de publicação on-line e acesso à informação. com isso, a WeB transformou-se numa plataforma, na qual tudo está acessível e publicar on-line deixou de exigir a criação de páginas e de saber alojá-las num servidor. permitiu-se, ainda, o desenvolvimento de redes de sociabilidades ou de interações.

neste momento, os agentes educativos podem, com toda facilidade, escrever on-line no blogue, gravar um assunto no podcast ou disponibilizar um filme no Youtube. o ambiente de trabalho deixa de estar no computador pessoal do

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professor e passa a estar on-line, sempre acessível, a partir de qualquer lugar do planeta com acesso à internet. nunca mais o professor corre o risco de esquecer de trazer alguma coisa para a aula, porque a um clique pode aceder aos seus favoritos no delicious, aos seus textos, gráficos ou apresentações no Google docs, às suas imagens no flickr ou no picasa, aos seus vídeos no Youtube (carvalHo, 2008, p. 17).

pode-se afirmar, sem risco de exagero, que cada vez mais alguns estudantes se motivam para os usos das tecnologias e se desmotivam para os métodos corriqueiros de ensino. nesse sentido, podem ser referidas algumas funcionalidades da WeB 2.0 que, de diferentes modos, podem concorrer para o desenvolvimento de competências tecnológicas, educativas e como meio para aprender, individual e colaborativamente: blog, Youtube, flickr, delicious, tikatok, Bubll.us, toondoo, dandelife, Wiki, Goowy, pagecreator, Googledocs, calendar, movie maker, objetos virtuais de aprendizagem (vejam-se os objetos produzidos no âmbito do projeto rived/mec-seed), ambientes virtuais de aprendizagem (um dos mais conhecidos é o moodle) e cmaptools (mapas conceituais).

a partir dessas ponderações, cabem alguns destaques. primeiro, a ideia de ensinar como algo que promova, que incite para a aprendizagem e para o desenvolvimento cognitivo. isso implica confrontar a descontextualização de saberes e de práticas. nesse sentido, a função de ensinar deve ser caracterizada como lugar de mediação: como o ser humano aprende ou desenvolve estratégias cognitivas e procedimentos para acessar, recusar e usar informação. no âmbito do ensino da História da educação, isso parece ser fundamental.

em segundo lugar, convém entender a formação de professores como um trabalho que concorra, desde a formação inicial, para o desenvolvimento de uma profissionalidade docente que envolve, dentre outros, um conjunto de

[...] informações, aptidões e valores que os professores possuem, em consequência da sua participação em processos de formação (inicial e em exercício) e da análise

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da sua experiência prática, uma e outras manifestadas no seu confronto com as exigências da complexidade, incerteza, singularidade e conflito de valores próprios da sua actividade profissional; situações que representam, por sua vez, oportunidades de novos conhecimentos e de crescimento profissional (roldão, 2007, p. 99).

por último, pautar a educação digital como possibilidade de promoção de experiências formativas. nesse sentido, convém perceber o trabalho do professor como importante não só para a promoção da aprendizagem, mas também para o desenvolvimento de processos de integração que repercutam no âmbito da diversidade dos métodos de utilização de tecnologias digitais.

Disciplina História da Educação: programa, bibliografia e modos de fazer

no Brasil, a introdução da disciplina História da educação deu-se, inicialmente, no currículo da escola normal do rio de Janeiro em 1928, no âmbito da reorganização do curso de formação para o magistério proposta por fernando de azevedo, a partir de 1927. para diana Gonçalves vidal e luciano mendes faria filho (2003, p. 46), “[...] a disciplina surgia no contexto das reformas que, nos anos 1920, pretendiam modificar a educação nacional, introduzindo princípios da escola ativa, posteriormente aglutinados em torno do ideal da escola nova no ensino primário”.3

3 ver, dentre outros: a) Gatti JÚnior, décio; inÁcio filHo, Geraldo (org.). História da educação em perspectiva: ensino, pesquisa, produção e novas investigações. campinas: autores associados, 2005; b) nunes, clarice. o ensino da história da educação e a produção de sentidos na sala de aula. Revista Brasileira de História da Educação. são paulo: sBHe, n. 6, p. 115-158, 2003. c) faria filHo, luciano mendes; rodriGues, José roberto Gomes. a história da educação programada. Revista Brasileira de História da Educação. são paulo: sBHe, n. 6, p. 159-175, 2003; d) nunes, clarice. ensino e historiografia da educação: problematização de uma hipótese. Revista Brasileira de Educação, são paulo: anped, n. 1, p.67-79 jan./abr. 1996.

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no centro universitário franciscano, a disciplina de História da educação, desde a implantação dos cursos de formação de professores, em 1955, esteve vinculada apenas ao curso de pedagogia, e a sua organização e carga horária variaram em decorrência das mudanças que ocorreram nos currículos, no geral, motivadas pela legislação oriunda do Governo federal.

nas décadas de 1950-60, o currículo do curso correspondia ao “esquema 3+1”, que se constituía como padrão dos cursos de formação de professores, em que o estudante, em três anos, obtinha o título de bacharel e, após mais um ano do curso de didática, era habilitado a lecionar.

no currículo do curso, havia a previsão de 150 horas dedicadas à História da educação, distribuídas na segunda e na terceira séries (quadro 1):

1a série complementos de matemáticaHistória da filosofiasociologiafundamentos Biológicos da educaçãopsicologia educacionalintrodução à teologia

2a série História da educação estatística educacionalfundamentos sociológicos da educaçãopsicologia escolarteologia dogmática

3ª série História da educaçãopsicologia educacionaladministração escolareducação comparadateologia moralfilosofia da educação

4ª série didática Geralcurso de didática didática especial da pedagogia

doutrina social da igrejaQuadro 1 - currículo do curso de pedagogia – 1955fonte: delazzana et al., 2005.

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o ensino de História da educação

entre 1955 e 1974, o programa da disciplina praticamente não sofreu alterações. Já entre 1975 e 1994, há um programa para cada ano. em termos gerais, em que pese a algumas diferenças (discriminação mais ou menos detalhada), os programas que vigoraram entre 1955 e 1994 foram marcados por três dimensões principais: a) amplitude e generalidade: abrangiam, numa visão geral, o estudo da História da educação desde os povos primitivos até a contemporaneidade; b) fundamento religioso; c) a História da educação brasileira ficava restrita a uma síntese nas penúltimas unidades do programa (quadro 2):

Curso: Pedagogiadisciplina: História da educação icarga horária semestral: 75h

i - conceito de educaçãoii - educação, pedagogia, filosofiaiii - educação nas sociedades primitivasiv - a educação do tipo oriental: valor do livro sagradov - o tipo helênico de civilização: a educação helênica nas suas

fases fundamentaisvi - a educação romana durante a realeza, república e impériovii - a educação nos primeiros tempos do cristianismo

viii - a educação da idade médiaiX - a educação no humanismo e no renascimentoX - reforma protestante. contra-reforma. educação moderna:

racionalismo e o empirismoXi - a educação católica do séc. Xvii: são J. B. de la salle

curso: pedagogiadisciplina: História da educação iicarga horária semestral: 75h

i - o iluminismo na inglaterra e na françaii - J. J. rousseauiii - a enciclopédia e a revolução francesaiv - as idéias pedagógicas de e. Kantv - as idéias educacionais de renascimento. pestalozzi, padre

Girard, froebelvi - a pedagogia psicológica: Herbartvii - a educação nos estados unidos: de Horace mann a William

Jamesviii - educadores católicos contemporâneos: são João Bosco

iX - exame das últimas idéias e práticas educativas: a. manjon, m. montessori. s. Hensen f. G. foster

X - a educação no Brasil: de anchieta à repúblicaXi - leis, educadores, escolas do período republicanoXii - rumos atuais da educação no Brasil

Quadro 2 - programa da disciplina História da educação – 1955-1974fonte: unifra/derca.

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alguns relatos dão conta que as aulas “eram expositivas” e que era difícil “[...] conseguir material para pesquisa, pois havia poucos livros e material didático na biblioteca que funcionava, nessa época, no colégio franciscano sant’anna e que permanecia chaveada; o acesso só era permitido com autorização” (delazzana et al., 2005, p. 33). as provas parciais – sabatinas – constavam de uma dissertação sobre um ponto sorteado no momento e, ainda, do desenvolvimento de testes e questões relativas ao ponto. as provas finais eram orais ou práticas e o estudante devia se inscrever e pagar uma taxa de exame.

são poucos e esparsos os registros sobre o desenvolvimento da disciplina. as anotações encontradas foram aquelas feitas, de uma maneira muito genérica, pelos professores responsáveis num livro de registro. essas anotações se referem ao conteúdo programático da disciplina, que confirma os itens relacionados no quadro 2. poucas também são as anotações sobre a bibliografia usada como referência. indícios sugerem, apenas sugerem, que os professores circulavam por uma bibliografia que envolvia, talvez dentre outros, os seguintes manuais:

a) Pequena história da educação, das madres francisca peeters e maria augusta de cooman: a primeira edição é de 1936, tinha 151 páginas, das quais nove eram dedicadas à História da educação brasileira. a edição registrada no acervo da biblioteca é de 1965;

b) Esboço da história da educação, de ruy ayres Bello: a primeira edição é de 1945 e dedica 25 das 250 páginas à História da educação brasileira. a edição registrada no acervo da biblioteca é de 1957;

c) Noções de história da educação, de theobaldo miranda santos: a primeira edição é de 1945 e, das 512 páginas, 37 são dedicadas à História da educação brasileira. a edição registrada no acervo da biblioteca é de 1970.

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esses manuais de História da educação, de uso generalizado no Brasil, foram produzidos por pessoas que se vinculavam ao pensamento católico e se constituíam, portanto, nas leituras autorizadas da disciplina numa instituição em que a formação religiosa era referência importante no currículo.4

4 em 1955, José otão, reitor da pontifícia universidade católica do rio Grande do sul, ressaltou a importância da formação religiosa de estudantes e professores na conferência inaugural da faculdade de filosofia, ciências e letras imaculada conceição (fic), instituição que precedeu o centro universitário franciscano. a transcrição é longa, mas esclarecedora: “apesar das mazelas assinaladas não padece dúvida que cabe às faculdades de filosofia o preponderante papel de incrementar e difundir a cultura no sentido autêntico da palavra. se às demais escolas superiores está reservada, entre nós, a tarefa de preparar profissionais para as chamadas profissões liberais, à faculdade de filosofia, que invade os amplos setores da filosofia, da pedagogia, das ciências e das letras, cabe a formação cultural das elites. podíamos, talvez, afirmar que as escolas superiores em geral e as técnico-profissionais são propulsoras da civilização, pois dão ao homem os instrumentos de subjugação e domínio do mundo material, dos seres corpóreos, do nosso exterior; ao passo que as faculdades de filosofia promovem a cultura, pois se ocupam principalmente do homem, do espírito e do mundo interior. para estar a verdadeira cultura alicerçada em bases sólidas, é imprescindível, pois, que contenha noções exatas sobre o que seja perfeição do homem, quer na alma quer no corpo, os meios a empregar para obtê-la e os obstáculos a evitar. ora, é a religião que nos fornece conceitos positivos sobre o que seja a perfeição no homem e os meios de obtê-la. a verdadeira cultura, a cultura integral, não pode, pois prescindir da verdadeira religião. e é por este motivo que as faculdades católicas de filosofia incluíram, em seu currículo, largo programa de formação religiosa. sim, contemplação operante, pois, da visão de deus, da compreensão da sua lei de bondade e de amor, nasce a regulação da vontade e a ordenação dos atos humanos, nasce a verdadeira orientação na vida, a verdadeira cultura que então chamaremos sabedoria, que a escola superior católica deve fornecer a quantos a procuram. nas escolas superiores leigas, porém, onde em virtude da liberdade religiosa é silenciado o nome de deus, onde em nome da liberdade de pensamento são esposadas todas as idéias, onde, por vezes, divergem os docentes doutrinariamente, religiosa ou filosoficamente, desconcertando os discentes, não há, não pode haver unidade de formação, não há uma visão totalizada do universo, uma weltanschaung verdadeiramente orientadora dos atos da vida. a faculdade de filosofia é por si só uma verdadeira universidade cultural” (silva, 1997, p. 43).

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É a partir de 1981 que a bibliografia usada como referência acompanha o programa da disciplina.5 até 1989, os manuais de ruy ayres Bello, theolbaldo miranda santos e das madres peeters e cooman continuam citados.6 depois, a partir de 1990, esses manuais tendem a ser substituídos e o número de referências cresce. aparecem as publicações de maria lúcia de arruda aranha, otaíza de oliveira romanelli e paulo Guiraldelli Júnior.7

5 Bibliografia citada nos programas de 1981 a 1983: amado, padre ramón ruiz. História de la educacion y la pedagogia. Barcelona – espanha: ed. librería religiosa; andrade filHo, Bento de. História da educação. são paulo: saraiva; azevedo, fernando. A transmissão da cultura. são paulo: melhoramentos, 1976; BecH, robert Holmes. História social de la educacion. méxico: editorial Hispano americano; Bello, ruy de ayres. Pequena história da educação. são paulo: Brasil.6 Bibliografia citada nos programas de 1984 a 1989: Bello, ruy de ayres. Pequena história da educação. 2. ed. são paulo: saraiva; eBY, frederick. História da educação moderna. 2. ed. porto alegre: Globo, 1976; filHo, Bento de andrade. História da educação. 2. ed. são paulo: saraiva; larroYo, francisco. História geral da pedagogia. 4. ed. são paulo: mestre Jou, 1982; luzuriaGa, lorenzo. História da educação e da pedagogia. são paulo: nacional, 1955; marrou, Henri irinés. História da educação na antiguidade. são paulo: epu, 1975; monroe, paul. História da educação. são paulo: nacional, 1969; peeters e cooman. Pequena história da educação. são paulo: melhoramentos, 1957; santos, theobaldo m. Noções de história da educação. 13. ed. são paulo: nacional.7 Bibliografia citada nos programas de 1990 a 1999: aquino, Jesus oscar. História das sociedades americanas. livraria eu e você; aranHa, maria lúcia de arruda. História da educação. são paulo: moderna, 1989; BarBeiro, Heródoto. Curso de história da América. são paulo: Harper & row do Brasil, 1984; cotrim, Gilberto; parisi, mário. Fundamentos da educação: história e filosofia. 11. ed. são paulo: saraiva, 1986; cunHa, luiz antonio. A universidade temporã. rio de Janeiro: civilização Brasileira, 1980; filHo, a. Bento. História da educação. 2. ed. são paulo: saraiva; lourenço filHo, m. B. Educação comparada. 2. ed. são paulo: melhoramentos, 1961; Giles, r. thomas. História da educação. são paulo: epu, 1987; Guiraldelli, paulo. História da educação. são paulo: cortez, 1990; larroYo, francisco. História geral da pedagogia. são paulo: mestre Jou, 1982; maia, pedro. Ratio studiorum: método pedagógico dos jesuítas. são paulo: loyola, 1987; marz, fritz. Grandes educadores. são paulo: epu, 1987; monroe, paul. História da educação. 16. ed. são paulo: nacional, 1984; nisKier, arnaldo. carvalHo, marlene. Educação comparada moderna. porto alegre: tabajara, 1973; piletti, nelson; piletti, claudino. História da educação. são paulo: Ática, 1990; romanelli, otaíza de oliveira. História da educação no Brasil. rio de Janeiro: vozes, 1988; santos, theobaldo miranda. Noções de história da educação. 12. ed. são paulo: companhia editora nacional, 1967.

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o ensino de História da educação

o curso teve várias estruturas curriculares que afetaram a carga horária da disciplina, que variou entre um máximo de 240 e um mínimo de 60 horas (quadro 3):

ano de currículo carga horária da disciplina1955 a 1968 150h1969-1972 120h1973-1984 150h1985-1995 240h1996-1999 120h2000-2006 60h

2007-... 68hQuadro 3 - carga horária da disciplina História da educação no curso de pedagogia da unifra - 1955-2007fonte: delazzana et al. (2005).

foi a partir de 1998 que a organização curricular do curso de pedagogia mudou substancialmente em função das discussões e posterior aprovação, pelo conselho nacional de educação, das diretrizes curriculares nacionais para os cursos de formação de professores para a educação básica, que acarretaram a extinção da habilitação magistério das disciplinas pedagógicas do ensino médio e a implantação de novas habilitações: educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental. estas também foram extintas em 2006.

desde 2007, a disciplina História da educação é ofertada no primeiro semestre do curso e tem uma carga horária de 68 horas. o conteúdo programático envolve os temas e períodos clássicos da historiografia educacional brasileira, tomados a partir de uma temporalidade da História política (Brasil colônia, império, república, era vargas, governos militares). da mesma forma, na bibliografia citada, constam autores e manuais largamente conhecidos, dentre os quais paulo Ghirardelli Júnior, otaíza romanelli e maria luiza santos ribeiro (quadro 4):

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curso: pedagogiadisciplina: História da educaçãocarga horária semestral: 68h

Ementaa educação no Brasil colônia. a educação no império. a educação na primeira república. a educação entre 1945-1964. a educação brasileira após 1964.

Objetivoanalisar as formas de organização escolar, as visões pedagógicas e as práticas educativas na sociedade brasileira da colonização até a atualidade; analisar as relações entre poder político e educação, em sua articulação com os processos históricos brasileiros; compreender aspectos da realidade educacional brasileira em sua dinâmica histórica.

CONtEúDO PROGRAMÁtICO1) História e historiadores- História e memória- História e documentos- História e formação de professores- desenvolvimento da História da educação no Brasil

2) Educação no Brasil colonial- expansão europeia no século 15 e a incorporação do Brasil- pedagogia jesuítica e reformas pombalinas- vinda da família real portuguesa

3) Educação no Brasil imperial

4) Educação no Brasil republicano- educação na primeira república e emergência da sociedade urbano-industrial- políticos, intelectuais e reformas educacionais- escola nova- educação após 1930: formação e consolidação do sistema estatal de ensino

Bibliografia básicaGHiraldelli Junior, paulo. História da educação. são paulo: cortez, 1990.riBeiro, maria luiza. História da educação brasileira: a organização da escola. são paulo: cortez e moraes, 1979.romanelli, otaiza. História da educação no Brasil. petrópolis: vozes, 1998.stepHanou, maria; Bastos, maria Helena câmara (org.). Histórias e memórias da educação no Brasil. petrópolis: vozes, 2005. v. 3.

Bibliografia complementarBeisieGel, celso rui. educação e sociedade no Brasil após 1930. in: fausto, Boris (org.). História geral da civilização brasileira: o Brasil republicano. são paulo: difel, 1983.faria filHo, luciano mendes. A infância e sua educação: materiais, práticas e representações. Belo Horizonte: autêntica, 2004.freitas, marcos cezar de; KuHlmann Junior, moysés (org.). Os intelectuais na história da infância. são paulo: cortez, 2002, p. 345-372.____. História social da infância no Brasil. são paulo: cortez, 2003.

naGle, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. são paulo: epu, 1974.Xavier, maria do carmo (org.). Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacional em debate. rio de Janeiro: fGv/fumec, 2004.Xavier, maria elizabete, et al. História da educação: a escola no Brasil. são paulo: ftd, 1994.Buffa, ester. Ideologias em conflito: escola pública x escola privada. são paulo: cortez e moraes, 1979.cunHa, luiz antonio. Educação e desenvolvimento social no Brasil. rio de Janeiro: francisco alves, 1980.fazenda, ivani catarina. Educação no Brasil nos anos 60: o pacto do silêncio. são paulo: loyola, 1985.freitaG, Bárbara. Escola, estado e sociedade. são paulo: moraes, 1980.naGle, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. são paulo: edu, 1974.Xavier, maria elisabete. Capitalismo e escola no Brasil. campinas: papirus, 1980.

Quadro 4 - programa de História da educação vigente a partir do ano de 2007 no curso de pedagogiafonte: unifra/derca.

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o ensino de História da educação

Outro formato para a disciplina: narrativas de memórias, exposição de memórias da educação, cinema e educação digital

a partir de 2007, decidiu-se transformar esse modo de fazer o ensino e aprendizagem em História da educação que havia se naturalizado. nesse sentido, pensou-se em outra possibilidade.8

primeiramente, partiu-se do pressuposto de que os estudantes ingressantes no primeiro semestre de um curso de graduação mantêm, ainda, vínculos com a cultura escolar do ensino médio, bem como estão envolvidos num período de transição e adaptação a uma série de elementos comuns à educação superior: vocabulário, temáticas, prescrições, formas de fazer, possibilidades conceituais. entendeu-se, enfim, que era apropriado conferir ao trabalho o caráter de iniciação à história da educação. em outras palavras, optou-se por uma abordagem de síntese. essa iniciação privilegiaria certas temáticas que, ao longo do curso, poderiam, ou não, serem retomadas e tratadas com algum aprofundamento, conforme os interesses e possibilidades de estudantes e professores. além disso, entendeu-se como pertinente a ideia de que “[...] el programa oficial no me oprime ni me encorseta. no es una propuesta inmóvel, sino que lo considero como una guía, una orientación susceptible de mejora y cambio, más que una obligación a cumplir” (miranda, 2002, p. 11). por isso,

8 Há várias possibilidades para se promover o ensino e a aprendizagem em história da educação. viñao frago (2003, p. 10), por exemplo, sugere a substituição do cânone cronológico tradicional “[...] por la exposición de procesos histórico-educativos prolongados en el tiempo (alfabetización, escolarización, profesionalización docente, formación de los sistemas educativos) o el análisis histórico-genealógico de una serie de temas o cuestiones relevantes para la formación de los psicopedagogos, pedagogos, profesores o maestros que desvele lo que en ellas hay de construcción socio-histórica. un análisis en el que, si fuera necesario, el orden cronológico sea roto en el tiempo y asociaciones o relaciones entre fenómenos, hechos e procesos de diferentes épocas”. outras propostas podem ser vistas em miguel Beas miranda (2002) e clarice nunes (2003).

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embora fosse possível reformular totalmente, manteve-se o programa da disciplina, que se estrutura, conforme mostrado no quadro, a partir de marcos políticos e econômicos gerais da História no Brasil.

paulatinamente, porém, o programa da disciplina foi operacionalizado a partir de um projeto denominado memórias da educação. esse projeto se desenvolvia ao longo do semestre e comportava as seguintes dimensões:

1ª) no primeiro encontro da disciplina, cada estudante devia escrever uma memória da sua escolarização. um pequeno texto no âmbito do qual relatasse um ou mais aspectos do tempo de estudante. a descrição era livre e não se prescrevia um roteiro ou questões norteadoras. na sequência, as narrativas das memórias eram lidas, organizadas e publicadas na forma de uma brochura. depois, eram disponibilizadas em meio digital. a escrita dessas memórias tinha por finalidade servir como elemento evocador de temáticas que pudessem ser relacionadas com a profissão docente, objeto de atenção privilegiado do curso. especialmente, esperava-se incitar reflexões acerca de diferentes significados de ser estudante e de ser professor ao longo do tempo. o fato de as turmas serem constituídas por estudantes com idade entre 18 e 40 anos contribuía para a manifestação de perspectivas diversas acerca desses significados.

nas narrativas produzidas pelos estudantes, ganham visibilidade alguns elementos:

a) como toda a narrativa de memória, são seletivas. alguns textos são curtos, às vezes bem genéricos; outros, mais detalhados e se concentram sobre um tema, sobre um período ou sobre um acontecimento;

b) delas, emergem lembranças dos professores. pelo menos três categorias aparecem: aqueles que se destacam pela competência: conheciam o conteúdo e conseguiam promover a aprendizagem dos estudantes (“era uma excelente professora. lembro que muitos pais disputavam vagas para a

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o ensino de História da educação

turma dela”); aqueles que castigavam (“sempre me colocava de castigo, no canto da sala virada para a parede”); e os que logravam estabelecer vínculos afetivos (“as professoras eram maravilhosas, sempre davam apoio e ajudavam no que fosse preciso”). em síntese, as lembranças distribuem os professores em três categorias: competentes, malvados ou afetuosos;

c) no geral, remetem-se para um tempo considerado bom, feliz e objeto de boas recordações: “era muito bom”; “era muito bom ir para a aula – eu adorava”; “um tempo muito bom vivido nas carteiras dos colégios em que estudei”. os principais motivos da saudade da escola ou do tempo de estudante na educação básica são as amizades, as possibilidades de socialização e o afeto recebido dos professores: “fiz muitas amizades que deixaram saudade”; “fiz muitas amizades e também adorava a professora”; “os professores eram, acima de tudo, amigos dos seus alunos, alguns deles são amizades guardadas até hoje”. enfim, o espaço escolar destaca-se como lugar de produção de modos de ser, sentir e agir, para o que concorrem o castigo, o disciplinamento e o afeto.

são inúmeras as possibilidades de estudo suscitadas pelas pequenas narrativas produzidas. destacam-se duas que interessaram mais: a primeira se relaciona com a profissão docente e preocupa-se com a seguinte questão: como os professores chegam a ser o que são e como são? a segunda diz respeito à escola como lugar de produção de subjetividades, lugar de produção de modos de ser. são questões que merecem ser historicizadas, principalmente no âmbito de um curso de formação de professores.

2ª) o segundo momento era voltado a assistir a filmes e vídeos. dentre uma variedade expressiva, e a partir de sugestões de estudantes, selecionaram-se três: A missão; Carlota Joaquina: a princesa do Brasil; e A glória de meu pai. esses filmes suscitam poucas relações diretas com História da educação, mas a sua finalidade principal era proporcionar uma ideia mínima de contextualização espaço-temporal.

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A missão aborda relações dos jesuítas com indígenas na região sul do Brasil.9 esperava-se contextualizar aspectos da colonização portuguesa e espanhola e da catequização, experiência educacional importante no período do Brasil colônia. para isso, também se utilizavam textos de lendas ou do folclore regional.

o segundo filme, Carlota Joaquina: a princesa do Brasil, tem como objeto de atenção a vinda da família real portuguesa para o Brasil, em 1808. com ele, buscava-se contextualizar relações sociais e comportamentos na transição entre os períodos colonial e imperial.

A glória de meu pai trata da família de um professor na frança no início do século 20. com ele, buscava-se perceber e, se possível, problematizar diferentes significados de ser professor ao longo do tempo.

após a projeção de cada filme, que era realizada em espaço diferente do da sala de aula, um grupo de estudantes da turma ingressante no semestre anterior e que já haviam assistido encarregava-se de organizar e coordenar uma atividade de discussão acerca do filme e contextualização com as temáticas da disciplina. objetivava-se, com isso, a integração dos estudantes de turmas diferentes, o desenvolvimento de habilidades de expressão oral, bem como de planejamento de atividade de ensino e aprendizagem.

além desses filmes, foram disponibilizados, no blog da disciplina, pequenos vídeos da série História do Brasil, produzidos pela tv escola, sob a coordenação de Boris fausto. são vídeos de curta duração que tratam dos temas Brasil colônia, império e república velha. esses vídeos podiam, ou não, serem assistidos pelos estudantes interessados. esperava-se que aqueles que assistissem desenvolvessem um maior grau de contextualização acerca da História do Brasil.

9 acerca da educação jesuítica no mundo colonial ibérico, consulte, por exemplo, Em Aberto, Brasília: inep, v. 21, n. 78, dez. 2007.

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o ensino de História da educação

3ª) se, ao longo do semestre, a opção era pela iniciação, contextualização e conhecimento de aspectos gerais acerca da História da educação no Brasil, ao final havia um momento de maior especificidade. cada grupo de estudantes precisava escolher e fazer algum tipo de apresentação sobre um detalhe ou uma temática mais específica relacionada com a História da educação brasileira. para isso, dentre uma grande variedade de possibilidades, escolheram-se dois livros que eram objeto de atenção alternadamente: cada grupo de estudantes da turma ingressante em março devia selecionar, para apresentação, um capítulo do livro 500 anos de educação no Brasil,10 assim como cada grupo de estudantes ingressantes em agosto devia selecionar um capítulo do livro Histórias e memórias da educação no Brasil.11 os estudantes podiam pautar as apresentações conforme suas preferências e possibilidades. normalmente, usavam apresentações preparadas em power-point, que eram lidas.

4ª) o último momento da programação semestral era a Exposição memórias da educação. para a realização dessa atividade, os estudantes deveriam se organizar em duplas ou individualmente. cabia-lhes buscar, com familiares ou vizinhos; documentos escritos (livros, cadernos); documentos iconográficos (fotografias, imagens, postais); objetos (móveis, utensílios, peças); relatos orais (entrevistas) acerca da educação do passado. outra opção podia ser a escolha de uma instituição escolar e a apresentação de aspectos da trajetória institucional. uma vez encontrado e reunido o material, cada grupo ou estudante recebia orientação, selecionava e organizava o que seria apresentado, na forma de pôster, na exposição. no geral, a exposição acontecia no último dia do semestre letivo. nessas ocasiões, eram mostradas fotografias,

10 lopes, eliane marta teixeira; faria filHo, luciano mendes; veiGa, cynthia Greive. 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: autêntica, 2003.11 stepHanou, maria; Bastos, maria Helena câmara (org.). Histórias e memórias da educação no Brasil. petrópolis: vozes, 2005. v. 3.

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boletins, livros, cadernos, peças de uniformes, depoimentos e objetos (classes escolares, palmatórias). os objetivos da atividade eram promover iniciação à pesquisa, criar um espaço de conhecimento acerca da educação regional e desenvolver habilidades de expressão oral e escrita. além disso, e principalmente, esperava-se o desenvolvimento da percepção de que todos e cada um podemos produzir relações com a História da educação. isso se tornou possível pela oportunidade de visibilidade de experiência dos estudantes e de seus familiares, pela contextualização das temáticas e por um processo de avaliação intenso e diligente.

essas atividades eram apoiadas por suporte digital, em especial pela criação e manutenção de um blog (que pode ser visualizado em <http://hecq.blogspot.com>). a finalidade desse espaço era, sobretudo, informar os estudantes acerca de atividades da disciplina; disponibilizar, de forma prática e acessível, materiais para estudo; e incitar experiências relacionadas com a educação digital.12

assim, na organização do trabalho, procurou-se privilegiar duas dimensões concomitantes: por um lado, a preocupação com a apresentação, exposição e estudo de temáticas gerais acerca da História da educação no Brasil, o que era feito com o objetivo de iniciação e contextualização; por outro, a preocupação com o desenvolvimento de atitudes de reflexão e de busca de informações acerca do passado educativo, para o que concorriam a produção de narrativas

12 admite-se que o alvo dessas ações é incitar comportamentos, modos de ser em relação à educação digital. assim, entende-se que a educação é parte do processo por meio do qual se busca produzir subjetividades. trata-se, portanto, não somente de adquirir certas aptidões, mas de adquirir certas atitudes e incorporar valores e disposições historicamente construídos a respeito de como se deve ver e atuar sobre o mundo. ensinar sob essas condições é, necessariamente, efetivar um tipo de educação que busca produzir os indivíduos. nesse sentido, popkewitz (2003) aponta que os discursos construídos acerca da educação não são, simplesmente, linguagens sobre a educação, mas processos produtivos da sociedade mediante os quais se classificam problemas e se mobilizam práticas.

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o ensino de História da educação

de memórias, a iniciação à pesquisa, o desenvolvimento de habilidades de acesso a meios digitais, algum conhecimento de temáticas específicas e o desenvolvimento da criatividade, da motivação e de habilidades de expressão oral e escrita.

a avaliação das atividades desenvolvidas era rigorosa e semanal. a cada encontro, os estudantes precisavam produzir um pequeno texto no âmbito do qual deviam demonstrar o entendimento alcançado acerca do tema abordado. esse texto era lido, recebia apontamentos em relação à redação e formulação textual para, posteriormente, ser devolvido. em alguns casos, devia ser refeito e entregue para reavaliação. essa produção devia ser realizada individualmente e servia como exercício de aprendizagem acerca do conteúdo e, também, como exercício de redação.

a partir do segundo mês do período letivo, todas as avaliações passavam a receber conceitos, que podiam variar de zero a dez. assim, a avaliação era permanente: acontecia em todos os encontros e a atribuição de conceitos observava dois critérios básicos: exposição adequada do tema e correção da linguagem.

além da produção textual, havia uma prova semestral, individual e sem consulta, no âmbito da qual se pautavam as temáticas abordadas até o terceiro mês do período letivo. esperava-se que essa avaliação se constituísse num momento de sistematização das temáticas focalizadas até então. por fim, compunha a sistemática de avaliação da aprendizagem a elaboração e apresentação do pôster na Exposição memórias da educação. com esse processo de avaliação, que demandava trabalho e planejamento, pretendia-se perceber, em alguma medida, os níveis de aprendizagem de três dimensões selecionadas como fundamentais: aprendizagem de temáticas gerais e mínimas, aprimoramento da produção textual e desenvolvimento da criatividade.

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Considerações finais

como dito no início, partiu-se de preocupações simples em relação ao ensino e à aprendizagem em História da educação. preocupações de como torná-los mais instigantes ou significativos para os estudantes e para o professor, de como é possível estabelecer relações entre passados e presentes, de como é possível mobilizar intelectualmente estudantes para o aprendizado relacionado com a História da educação, de como integrar pesquisa com ensino e aprendizagem e fazer disso uma dimensão importante da formação de professores.

embora óbvio, cabe reiterar que há várias possibilidades de organizar, planejar e operacionalizar o ensino e a aprendizagem em História da educação. todas as atividades desenvolvidas nessa experiência representam apenas uma opção e são circunscritas por condições locais e institucionais e pelos conhecimentos, iniciativas, limitações, disposições, vontades e interesses do professor e dos estudantes.

os resultados foram animadores: embora em graus variados,13 os estudantes demonstraram mais motivação, revelaram-se curiosos e capazes de criar, incitou-se à pesquisa, produziram-se experiências relacionadas com a educação digital e promoveram-se reflexões acerca da profissão docente. em síntese, foi uma experiência formativa importante e marcante no âmbito do curso de pedagogia do centro universitário franciscano.

13 lembre-se de que não há resultados garantidos no âmbito do ensino e da aprendizagem: “a todo el mundo no le gusta café, así que no debe haber café para todos. no conozco una metodología útil para todos ni lo suficiente versátil de manera que se adapte a todo el alumnado y a cualquier tipo de clase de historia de la educación. existen alumnos y alumnas que intentan, consciente o inconscientemente, boicotear y entorpecer, más que colaborar de forma constructiva en el aula. por otro lado, es imposible que el profesor e le caiga bien a cien alumnos. la identificación de la asignatura con el profesor y sus limitaciones es una cuestión a tener en cuenta. el hecho de una mayor esfuerzo por nuestra parte el la preparación de la clase, necesariamente no implica un incremento en la participación y en el estímulo del alumnado, como el mayor o menor esfuerzo de éste, necesariamente no implica un incremento en su nota final” (miranda, 2002, p. 12).

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o ensino de História da educação

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o ensino de História da educação

intElECtUais E CirCUlaÇÃo intErnaCional dE idEias na ConstrUÇÃo da disCiplina

história da EdUCaÇÃo no brasil

(1955-2008)1

décio Gatti Júnior

Introdução

este trabalho insere-se no âmbito da história disciplinar da História da educação, estando alinhado aos esforços investigativos relativamente recentes levados a cabo por historiadores da educação no exterior e no Brasil.2 neste caso, partimos da constatação dos autores estrangeiros de manuais afetos à disciplina que foram traduzidos para o português e que alcançaram o maior número de indicações para leitura no exame dos programas de ensino da disciplina História da

1 este estudo está vinculado ao desenvolvimento do projeto de pesquisa intitulado “intelectuais, instituições e circulação internacional de idéias no processo de constituição da disciplina História da educação no Brasil (1840-2000)”, sob coordenação do prof. dr. décio Gatti Júnior. o projeto é desenvolvido mediante apoio do conselho nacional de desenvolvimento científico e tecnológico (cnpq) e da fundação de amparo à pesquisa do estado de minas Gerais (fapemiG). o projeto está inserido nas atividades do Grupo de estudos e pesquisas sobre a disciplina História da educação (GepedHe), liderado por décio Gatti Júnior, da universidade federal de uberlândia (ufu) e por carlos roberto da silva monarcha, da universidade estadual paulista “Júlio de mesquita filho” (unesp).

2 a título de exemplo, podemos elencar alguns autores e obras que de maneiras diferenciadas se referem à investigação no recorte temático da história diciplinar da História da educação, a saber: lopes, 1986; Warde, 1990, 1998a, 1998b; nunes, 1992, 1996; nóvoa, 1994; depaepe, 1994; GHiraldelli Jr., 1994; carvalHo, 1998; ascolani, 2000, 2009a, 2009b; Gondra, 2001; veiGa e faria filHo, 2001; vidal e faria filHo, 2003; Bontempi, 2003; Bastos, 2006, 2009; saviani, 2005; Gatti Jr., 2007, 2008, 2009; toledo, 2007; monarcHa, 2007, 2009; costa rico, 2009; lorenz, 2009; fernandes, 2009; escalante fernÁndez, 2009 etc.

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educação em vigor no Brasil, a partir de levantamento realizado em 55 cursos de graduação em pedagogia, compreendendo o período de 2000 a 2008, em instituições de educação superior do país, conforme resultado de pesquisa apresentado em Gatti Jr. (2009, p. 119-26).

são eles, pela ordem de frequência: franco camBi, História da pedagogia, com 25 indicações e primeira edição em português datada de 1999; mario alighiero manacorda, História da educação: da antiguidade aos nossos dias, com 20 indicações e primeira edição em português datada de 1989; lorenzo luzuriaGa, História da educação e da pedagogia, com dez indicações e primeira edição em português datada de 1955; francisco larroYo, História geral da pedagogia, dois tomos, com dez indicações e primeira edição em português datada de 1970.3 com finalidade didática, no quadro a seguir, apresentamos informações básicas acerca dessas obras.

3 a próposito dos autores e obras mencionados nos referidos programas de ensino, é importante indicar ainda que o autor Henri-irénée marrou alcançou 19 indicações de sua obra História da educação na antiguidade, que teve sua primeira edição em português datada de 1966. porém, para os fins deste trabalho, a referida obra não foi examinada. É importante destacar a qualidade do trabalho recentemente publicado sobre a historiografia desse autor por lopes (2005). por outro lado, é importante mencionar também que obras traduzidas para o português que marcaram época no ensino de História da educação brasileiro da segunda metade do século XX não encontraram menção significativa nos programas examinados na década de 2000, por exemplo: monroe (1946), eby (1962) e ponce (1963).

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o ensino de História da educação

Ano da 1ª. edição brasileira

Ano/Número

da edição analisada

Autor/Nacionalidade

títuloCidade/Editora/

Número de páginas

Ano da 1ª. edição original/ Cidade/ Editora

19551963, 2ª. ed (inteiramente

revista)

narciso eladio lorenzo

luzuriaga y medina

(1889-1959)/espanhol

História da educação

e da pedagogia

são paulo: editora nacional

(atualidades pedagógicas, v.

59), 292 p.

1951, Buenos aires: editorial

losada

1970

tomo i: 1979, 3ª.

ed.; tomo ii: 1974, 2ª. ed.

francisco larroyo

(1908-1981)/mexicano

História Geral da

pedagogia (tomos i e ii)

são paulo: mestre Jou,

947 p.

1944, cidade do méxico:

editorial porrúa

19892006, 12ª.

ed.

mario aliguiero

manacorda (1914- )/

italiano

História da educação:

da antiguidade aos nossos

dias

são paulo: cortez editora,

382 p.

1983, torino: nuova eri edizione

1999 1999, 1ª. ed.franco cambi* (s/i) / italiano

História da pedagogia

são paulo: editora unesp

(encyclopaidéia), 701 p.

1995, Bari: casa editrice

Giuseppe laterza & figli

Quadro 1 - informações básicas das obras de História da educação/pedagogia analisadas* na edição brasileira de 1999, consta a informação de que os capítulos 2 e 3 e os § 2º, 3º e 4º do capítulo 4 da terceira parte (a época moderna) da História da Pedagogia de franco cambi foram escritos por Giuseppe trebisacce.

assim, a partir da constatação da prevalência desses autores e respectivas obras nos programas de ensino de História da educação, bem como da percepção do caráter marcadamente didático que elas assumiram nos processos de formação de professores ao longo do tempo, procuramos verificar a forma como esses autores tomam a História da educação e da pedagogia, partindo da hipótese geral de que

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essas obras são portadoras de posicionamentos historiográficos diferenciados, com recurso a diferentes matrizes de ordem ontológica, epistêmica e política.

Luzuriaga: história da educação e da Pedagogia como história da cultura

narciso eladio lorenzo luzuriaga y medina, conhecido como lorenzo luzuriaga, nasceu em 1889, no município de valdepeñas, província de ciudad real, comunidade autônoma de castilla-la mancha, na espanha. em 1936, emigrou como exilado para Buenos aires, na argentina, situação que perdurou por 23 anos, até seu falecimento, em 1959. segundo Warde (1998a, p. 77-78), no processo de formação do autor, destacam-se três pontos. o primeiro refere-se a seu envolvimento com a Institución Libre de Enseñanza (ile), bem como a seu trabalho no museu pedagógico. a ile aglutinava

[...] o que havia de renovador na intelectualidade espanhola de fins do século XiX e início deste. era uma instituição a serviço da reforma pedagógica; mais do que um estabelecimento de ensino, representava para os seus membros uma ‘continuidade espiritual’, consagrada ao cultivo e à propagação da ciência em suas diversas formas. os seus estatutos estabeleciam que a ile era completamente alheia a todo espírito e interesse de comunhão religiosa, escola filosófica ou partido político, proclamando somente o princípio da liberdade e inviolabilidade da ciência e, em decorrência, da independência de consciência do professor, único responsável por suas doutrinas.

um segundo aspecto formativo diz respeito à aproximação de luzuriaga a ortega y Gasset,4 outro exilado espanhol

4 José ortega y Gasset (1883-1955) foi um importante filósofo espanhol, com atuação política ativa e que exerceu também o jornalismo. a semelhança de luzuriaga, também esteve exilado na argentina. navarro cordon e calvo martinez (1990, p. 75) o tomam como membro da corrente filosófica designada como vitalista, cuja reflexão gira em torno do tema da

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o ensino de História da educação

radicado na argentina (entre 1936 e 1945), em especial pela experiência alemã de ambos, o que significaria o incentivo à circulação de obras de Herbart e pestalozzi, por exemplo. mas essa vinculação a ortega y Gasset não se resumiria a esse fato, dado que luzuriaga foi também seu aluno; inscreveu-se na liga de educação política; colaborou em jornais criados por ortega y Gasset; compôs o pequeno grupo de jovens que orbitava em torno do conhecido pensador. segundo Warde (1998a, p. 79),

de ortega, luzuriaga absorveu o alerta ‘sobre o anacronismo em que incorre toda pedagogia que se centre no cidadão e se esquece de tudo o mais que é o indivíduo’. o equilíbrio entre socialização e individualismo pode-se observar na concepção filosófica da razão vital de ortega y Gasset. o humanismo, que une na educação o vitalismo e o culturalismo, passou a ser para luzuriaga a síntese do social, do vital e do cultural, e o seu modo de explicar as relações entre educação e sociedade.

por fim, Warde (1998a, p. 78-79) salienta, como terceiro fator formativo, a inserção de luzuriaga na escola nova, vista como instituição e movimento, criada em 1911, por meio da oferta de “[...] cursos elementares para trabalhadores sobre desempenho de ofício, sobre questões jurídicas e políticas, direitos trabalhistas etc.”. a escola tornar-se-ia, simultaneamente, uma lugar de formação técnica e um locus

vida, do qual fazem parte, não sem ambigüidades, nietzsche, dilthey e Bergson. para os autores, o “termo vitalismo pode referir-se a dois conceitos distintos de vida: a vida em sentido biológico e a vida em sentido biográfico, isto é, como existência humana vivida. este último conceito de vida está em relação essencial com o conceito de vivência. dos quatro filósofos vitalistas acima citados, W. dilthey centrou a sua reflexão na vida entendida do segundo modo. ortega y Gasset ocupou-se da vida em ambos os sentidos, embora se possa afirmar que nas primeiras obras [...] se ocupou mais da vida biologicamente entendida, enquanto na sua produção posterior prestou preferencialmente atenção à vida humana, num sentido muito próximo do de dilthey. [...] daí que a Historicidade seja traço essencial das realizações culturais, e estas, portanto, não possam ser compreendidas nem interpretadas adequadamente a não ser sob a perspectiva história. dilthey e ortega, por consequência, podem ser considerados, em certo sentido, como historicistas”

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de formulação de teoria socialista, tendo luzuriaga um papel de destaque nesse processo.

a extensa obra de luzuriaga emergiu a partir desse processo de formação, mas também da realidade vivenciada no exílio na argentina. segundo Warde (1998a, p. 73-74), na década de 1950, textos do autor tomariam lugar central nas traduções promovidas para o português no Brasil, o que ocorreu no âmbito da importante série Atualidades pedagógicas, da companhia editora nacional,5

por meio da publicação de cinco de suas obras, incluindo, em 1955, a História da educação e da pedagogia.

luzuriaga introduz sua obra ressaltando seu caráter didático e assinalando a diferenciação entre história da educação e história da pedagogia. salienta também seu caráter pragmático, de estudos de ideias que sobreviveram ao tempo e que “[...] podem contribuir para resolver os problemas de nosso tempo” (luzuriaGa, 1963, p. Xv). para ele,

na exposição intentamos também estabelecer a mais íntima conexão entre realidade educacional e idéias pedagógicas, pois ambas mais não são que partes de um todo indivisível: a

5 para compreender a importância da série atualidades pedagógicos no contexto luso-brasileiro, consultar, por exemplo, toledo (2007).

Figura 1 - capa da 2ª. edição em português da obra de lorenzo luzuriaga, História da Educação e da Pedagogia tradução de luiz damasco penna e J. B. damasco penna. esta 2ª. edição (inteiramente revista) data de 1963, tendo sido realizada em são paulo, pela companhia editora nacional (atualidades pedagógicas, v. 59.). a 1ª. edição da obra em português data de 1955. o formato é o tradicional 14 x 2 cm. a edição examinada contém 292 páginas. a primeira edição em espanhol da obra data de 1951, com publicação pela editora losada, de Buenos aires, argentina.

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o ensino de História da educação

própria educação. antepusemos educação a pedagogia, não por crer aquela mais valiosa, mais porque assim se tornava mais claro o estudo de ambas. por ora, sem resolver se o ideal da educação surge da realidade educacional o se, antes, esta procede daquele. por ora, devemos apenas advertir que, para nós, os ideais não são algo de vago e flutuante, distanciado da realidade, mas precisos e concretos como a própria realidade. constituem, com efeito, parte tão intrínseca de nossa vida e da sociedade humana, quanto nossas ações e as instituições sociais, geralmente mais caducas e circunstanciais que os ideais humanos históricos (luzuriaGa, 1963, p. Xv-Xvi).

ao discorrer sobre a compreensão do aspecto ideal e real da educação, diferenciando-os, luzuriaga assinala a importância do conhecimento da histórica geral e, particularmente, da história da cultura, que permite a compreensão do sentido da história. nessa direção, luzuriaga busca suporte teórico em dilthey ao afirmar:

ao falar do valor humano da história, dilthey, seu grande mestre, adverte: ‘só a história nos diz o que o homem é. É inútil, como fazem alguns, desprender-se de todo o passado para recomeçar a vida sem qualquer preconceito. não é possível desprender-se do que foi; os deuses do passado se convertem em fantasmas. a melodia de nossa vida traz o acompanhamento do passado. o homem se livra do tormento e da fugacidade de tôda alegria, mediante dedicação aos grandes pôderes objetivos criados pela história’ (luzuriaGa, 1963, p. Xvi).

a aproximação com a leitura conferida à história da cultura em dilthey6 é evidenciada em luzuriaga quanto

6 Wilhelm dilthey (1833-1911) , importante filósofo alemão, com estudos de filosofia e de teologia, tendo ensinado nas universidades da Basiléia, Kiel, Breslau e Berlim, entre 1866 e 1882. BurGuiÈre (1993, p. 228-9), informa que “[...] o essencial de sua reflexão foi consagrado à elaboração de uma teoria do conhecimento das ‘ciências do espírito’ [...], nesse esforço, a reflexão sobre a história ocupa lugar central, consciente das fraquezas teoricas e metodologicas do empirismo positivista praticado pela maioria dos historiadores de sua época, dilthey procurou alcançar dois objetivos: dar novamente à pesquisa histórica bases filosóficas e científicas seguras [...]; ajudar em seguida a compreender as origens e a estrutura (zuzammenhang) do espírito europeu. para dilthey, a originalidade da ‘compreensão’ (verstehen)

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afirma que “[...] a história da cultura se refere antes aos produtos da mente do homem, tais como se manifestam na arte, na técnica, na ciência, na moral ou na religião e em suas instituições correspondentes” (luzuriaGa, 1963, p. 1), considerando que a educação se enquadra nesse campo de manifestações culturais, tendo, por decorrência, uma história. essa influência é evidenciada ainda quando luzuriaga discorre sobre o conceito de educação como,

[...] a influência intencional e sistemática sôbre o ser juvenil, com o propósito de formá-lo e desenvolvê-lo. mas significa também a ação genérica, ampla, de uma sociedade sôbre as gerações jovens, com o fim de conservar e transmitir a existência coletiva. a educação é, assim parte integrante, essencial, da vida do homem e da sociedade, e existe desde quando há sêres humanos sôbre a terra. por outro lado, a educação é componente tão fundamental da cultura quanto a ciência, arte ou a literatura. sem a educação não seria possível aquisição e transmissão da cultura, pois pela educação é que a cultura sobrevive no espírito humano. cultura sem educação seria cultura morta. e esta é também uma das funções essenciais da educação: fazer sobreviver a cultura através dos séculos (luzuriaGa, 1963, p. 1-2).

diferencia, no entanto, educação de pedagogia, qualificando a segunda, a partir de dilthey, como ciência do espírito (relacionada com a filosofia, psicologia, sociologia etc.). para ele, a pedagogia é “[...] reflexão sistemática sôbre educação. pedagogia é a ciência da educação: por ela é que a ação educativa adquire unidade e elevação. educação sem pedagogia, sem reflexão metódica, seria pura atividade mecânica, mera rotina” (luzuriaGa, 1963, p. 2).

na história (como nas outras ‘ciências do espírito’, por contraposição às ciências da natureza) decorre do fato de que o objeto do saber é ao mesmo tempo seu sujeito – e de que, em tais condições, as categorias da compreensão histórica são quase as mesmas da experiência vital (erleben). mas, diferentemente, dos historiadores de seu tempo, dilthey acentua os componentes irracionais da natureza humana. para ele, o pensamento é tanto uma expressão de funções vitais quanto um processo racional. em última instância, o pensamento é subjetivo e pessoalmente determinado (cf. a noção por ele criada de (Weltanschauung)”.

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o ensino de História da educação

assim, a obra dividiu-se didaticamente em exposição sobre, de um lado, a história da educação e, de outro, a história da pedagogia, como verso e anverso da realidade cultural. a educação tem uma história de mudança e desenvolvimento, mas, simultaneamente, é parte da história da cultura, em uma relação de mão dupla. a pedagogia, por seu turno, que trata da face teórica e científica da educação, também tem uma história. nesse caso, porém, “[...] estuda o desenvolvimento das idéias e ideais educacionais, a evolução das teorias pedagógicas e as personalidades mais influentes na educação. a história da pedagogia está ìntimamente relacionada com as ciências do espírito e, tal como a história delas, é relativamente recente” (luzuriaGa, 1963, p. 2-3, grifo do autor). com essas diferenças estabelecidas, o autor passou à demonstração dos marcos temporais da gênese de uma e da outra, pois, para ele, a educação remonta ao início da vida humana, mas a pedagogia tem início com a reflexão filosófica de uma personagem da envergadura de sócrates.

luzuriaga estabelece os fatores históricos, culturais e sociais com os quais a educação e a pedagogia estão relacionados, incluindo: a situação histórica geral de cada povo e de cada época, o caráter da cultura, a estrutura social e a vida econômica. em seguida, expõe os fatores propriamente educacionais e pedagógicos, a saber: os ideais de educação, a concepção estritamente pedagógica, a personalidade e a atuação dos grandes educadores, as reformas das autoridades oficiais e as modificações das instituições e métodos da educação (luzuriaGa, 1963, p. 3-4).

após esses apontamentos, luzuriaga, apesar de salientar as dificuldades, apresenta uma proposta que se refere às fases principais do desenvolvimento histórico da educação e da pedagogia que estará presente na obra: a educação primitiva, a educação oriental, a educação clássica, a educação medieval, a educação humanista, a educação cristã reformada, a educação realista, a educação racionalista e naturalista, a

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educação nacional. por fim, apresenta a educação democrática, caracterizando-a como a “[...] que faz da livre personalidade humana o eixo das atividades, independentemente de posição econômica e social, e proporciona a maior educação possível ao maio número possível de indivíduos” (luzuriaGa, 1963, p. 7). a seguir, no exame dos títulos mais gerais da obra, podemos perceber sua estrutura geral, bem como a separação existente entre história da educação e da pedagogia.

títulos principais do sumário da obra de Lorenzo LUZURIAGA,História da Educação e da Pedagogia7

introduçãocapítulo i - História da educação e da pedagogia

capítulo ii - a educação primitivacapítulo iii - a educação orientalcapítulo iv - a educação Gregacapítulo v - a pedagogia Grega

capítulo vi - a educação romanacapítulo vii - a educação cristã primitiva

capítulo viii - a educação medievalcapítulo iX - a educação Humanista

capítulo X - a educação religiosa reformada (protestante)capítulo Xi - a educação religiosa reformada (católica)

capítulo Xii - a educação no século Xviicapítulo Xiii - a pedagogia no século Xviicapítulo Xiv - a educação no século Xviiicapítulo Xv - a pedagogia no século Xviiicapítulo Xvi - a educação no século XiXcapítulo Xvii - a pedagogia no século XiXcapítulo Xviii - a educação no século XX

capítulo XiX - a educação novacapítulo XX - a pedagogia contemporânea

BibliografiaÍndice Onomástico

sobre as variadas fontes consultadas para a produção do manual, luzuriaga informa que se serviu de obras religiosas fundamentais, de obras literárias clássicas, das obras mestras do pensamento universal, das obras fundamentais da pedagogia, das biografias e autobiografias, das leis e disposições legais. para ele,

7 conforme apresentado em luzuriaGa (1963).

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tôdas essas fontes e muitas que poderíamos citar, constituem os meios ou instrumentos necessários ao estudo da história da educação, a qual não é algo de vago, abstrato, extraído da ca-beça dos educadores e pedagogistas, e sim parte viva da rea-lidade humana presente e passada (luzuriaGa, 1963, p. 8).

ao comentar sobre a finalidade do estudo de história da educação e da pedagogia, luzuriaga busca referência em autores de tendências analíticas diferenciadas, apresentando intelectuais vinculados ao pragmatismo, ao positivismo e ao historicismo. por mais ambíguo que possa parecer esse arranjo, ele faz sentido para os propósitos do autor. assim, pela ordem, aparecem referências a dewey, Jaspers, dilthey, ziegler, durkheim e spranger, a saber:

[...] ‘o passado como passado – diz dewey – não é nosso objetivo. se fôsse completamente passado, não haveria mais que uma atitude razoável: deixar que os mortos enterrassem os mortos. mas o conhecimento do passado é a chave para entender o presente’.

[...] diz o filósofo Karl Jaspers: ‘É a história que nos abre mais vasto horizonte, que nos transmite os valôres tradicionais capazes de nos fundamentar a vida. liberta-nos do estado de dependência em que nos achamos, inscientes disso em relação a nossa época e nos ensina a ver as possibilidades mais elevadas e as criações inesquecíveis do homem... nossa experiência atual, melhor a compreendemos no espelho da história, e o que ela nos transmite adquire vida à luz de nosso tempo. nossa vida prossegue, enquanto o passado e o presente não deixam de iluminar-se recìprocamente’.

[...] ‘o passado com seus intentos felizes e seus malogros – diz dilthey – ensina tanto a pedagogista como a políticos’.[...] ‘a história nos ensina ainda mais, diz ziegler: a modéstia com todo o seu saber e poder, com tôdas as suas idéias novas; o indivíduo mais não é que pequena mola na grande obra do desenvolvimento histórico’.

[...] ‘em lugar de não considerar mais que o homem de um instante – diz durkheim – o que cumpre é considerá-lo em função do futuro. em vez de encerrarmo-nos em nossa época,

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cumpre, ao contrário, sair dela, para que nos subtraiamos de nós mesmos, de nossas opiniões estreitas, parciais e partidárias. e é precisamente para isso que deve servir o estudo histórico do ensino’.

[...] a respeito do valor da história da educação diz spranger: ‘não é apenas, em absoluto, trabalho estéril, de antiquário. a história da educação é antes, quando devidamente cultivada, quem dá aquela amplitude, aquela clareza e aquela elevação da consciência cultural sem as quais a educação não passaria de ofício muito estreito. não pode reunir ùnicamente opiniões estranhas e organizações escolares de épocas extintas, senão que lhe cumpre ser autênticamente história da cultura’ (luzuriaGa, 1963, p. 9-10).

a propósito desse universo de intelectuais citados por luzuriaga, destacam-se, como referência mais marcante em sua obra, dilthey e durkheim, não por coincidência também dois autores de obras dedicadas à história da educação e da pedagogia que tiveram grande repercussão internacional.8

nesse sentido, Ghiraldelli Jr. (1994) vincula a ação de dilthey (alemanha) e de durkheim (frança) ao movimento de criação e de institucionalização de novos cursos e de novas disciplinas na europa. para ele, dilthey buscou fundamentos epistemológicos para as ciências do espírito (por meio do desenvolvimento de uma psico-história), e durkheim deu continuidade à construção da moderna sociologia. porém, o que contribui mais diretamente para compreender os autores referenciados por luzuriaga é o fato de que

dilthey e durkheim vão além de um trabalho geral de de-limitação e fundamentação das ciências da sociedade e da cultura. convencidos da importância da razão histórica, par-tilham da idéia de que a formação pedagógica correta do pro-fessor primário e/ou secundário deve se pautar por um sólido

8 a título de exemplo, é possível encontrar em bibliotecas brasileiras mais tradicionais a tradução para o espanhol intitulada História de la pedagogia, de dilthey (1965) e a versão original em francês da evolución pedagogique en france (1969), de durkheim, bem como sua tradução para o português, sob o título a evolução pedagógica (1995).

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conhecimento das formas educacionais e pedagógicas do passado. trabalhando com essa idéia eles se tornam, durante algum tempo, historiadores da educação. rediscutindo esse assunto, colaboram para a fixação de disciplinas com o nome de ‘história da educação’ e similares, e praticamente deixam uma marca que se transfere decisivamente à historiografia da educação produzida posteriormente, principalmente aquela historiografia típica dos manuais, ligados à formação dos pro-fessores e educadores. mais conhecidos como ‘teórico das ciências do espírito’ e ‘pai da sociologia moderna’, dilthey e durkheim são, também, historiadores da educação, responsá-veis por determinados tipos de pensamento de gerações sub-seqüentes de professores e pesquisadores desta área do saber. e talvez seja possível dizer que eles, enquanto historiadores da educação, se vincularam ao historicismo e ao positivismo de maneira bastante peculiares, distintas daquelas descritas pela maioria dos comentadores e historiadores da filosofia e das ciências sociais; isto é, talvez o historicismo e o positivis-mo tenham encontrado suas formas mais típicas em dilthey e em durkheim justamente enquanto historiadores da educa-ção (GHiraldelli Junior, 1994, p. 69-70, grifo do autor).

Larroyo: fatos pedagógicos, política e teorias educacionais na história da pedagogia

segundo consta do texto de escalante fernández (2009, p. 2), francisco larroyo nasceu na cidade do méxico, em 1912, tendo falecido na mesma cidade, em 1981. em 1930, obteve titulação como professor normalista. em 1934, foi licenciado em filosofia e, no ano seguinte, em 1935, em pedagogia. ambos os cursos na Universidad Nacional Autónoma de México (unam). no início da década de 1930, estudou na universidade de côlonia, na alemanha, mas não existem informações sobre a obtenção de algum título em função desses estudos. em 1938, obteve seu doutorado com tese sobre ética social. com extensa obra filosófica e pedagógica, larroyo também traduziu diversas obras de filósofos europeus, tendo sido, inclusive, presidente da Federación Internacional de Sociedades de Filosofia.

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sua atividade docente na unam, segundo informa escalante fernández (2009, p. 3), marcou-o como um dos incentivadores da leitura dos textos clássicos, mas também da pedagogia como uma carreira universitária, tendo sido fundador do colégio de pedagogia em 1955 e diretor da faculdade, entre 1958 e 1966. lecionou História da pedagogia, teoria pedagógica como ciência da educação, filosofia da educação, didática do ensino superior e História da educação no méxico. exerceu a direção do instituto nacional de pedagogia (1943), a presidência da comissão nacional do livro didático (1948) etc. participou de comissões nacionais ligadas à questão educacional e, em 1947, criou a Escuela Nacional de Educadoras. Boa parte da obra de francisco larroyo esteve a cargo da editorial porrúa, importante editora e livraria mexicana, fundada em 1900, com destacada atuação na publicação e vendagem de livros vinculados à filosofia, à educação, à História e à literatura.

em História Geral da Pedagogia, à semelhança de luzuriaga, larroyo promove uma leitura da história da pedagogia a partir de pressupostos do vitalismo, em especial de dilthey. Houve, porém, a menção ao filósofo neokantiano

Figura 2 - capa da 3ª. edição em português do primeiro tomo da obra de francisco larroyo, História Geral da Pedagogia. tradução de luiz aparecido caruso. esta 3ª. edição do primeiro tomo data de 1979, tendo sido realizada em são paulo, pela editora mestre Jou. o formato é um pouco maior que o usual, com 16 x 23cm. os dois tomos somam 947 páginas. a primeira edição em português data de 1970. a primeira edição em espanhol data de 1944, com publicação pela editorial porrúa, da cidade do méxico, méxico.

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alemão Wilhelm Windelband, fundador da axiologia, que ocupa o frontispício do conjunto de nove prólogos que larroyo redigiu para as diferentes versões da obra, pelo menos, conforme pode ser visto na 3ª edição em português publicada no Brasil, em 1979, , o que denota algum distanciamento da epistemologia presente no dilthey das ciências do espírito.9 porém, não o distancia do historicismo que marca a obra do mesmo. nesse sentido, no prólogo da sexta edição, escrito entre 1958-1959, larroyo demonstra sua vinculação a dilthey e a Windelband simultaneamente, a saber:

uma vez mais se edita esta História Geral da pedaGoGia, e mais uma vez a obra tem como patrono Wilhelm Windelband. explica-se e justifica-se esse patrocínio. W. Windelband e W. dilthey foram, no decurso do século atual, isto é, século XX, os melhores historiadores de idéias. do primeiro, o autor recebeu perceptíveis influências quanto ao método ideográfico das concepções do mundo e da vida; do segundo, aquilo que se relacionou com o conceito de tipo histórico. sem dúvida, o enfoque da pedagogia universal, em sua história à luz de tais idéias, deu ao livro um caráter distinto (larroYo, 1979, p. 7-8, grifo do autor).

larroyo toma o objeto da história da pedagogia como referido, de um lado, ao que de mais profundo e significativo ocorreu desde o passado mais remoto (profundidade). por outro lado, refere-se ao fato pedagógico, à teoria educativa e à política educacional (extensão), tomando o fato pedagógico como o modo de realização, no espaço e no tempo, do acontecimento de assimilação da cultura e dos fatores que o determinam, sendo um fato que, primeiramente, cabe à história da pedagogia compreender e narrar; a teoria da educação, como sendo aquela que descreve o fato educativo, buscando suas relações com outros fenômenos; ordena-o e o classifica; procura os fatores que o determinam, as leis em que se acha submetido e os fins que persegue; a política educativa que é

9 no que se refere à questão da filosofia dos valores, consultar mees (2008).

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[...] o conjunto de preceitos obrigatórios por força dos quais se estabelece uma base jurídica, de direito, para levar a cabo as tarefas da educação. na vida contemporânea não se limita, de forma alguma, a regulamentar a vida escolar (política escolar); inclui todos os domínios da cultura nos quais se propaga a educação: na imprensa e no rádio, no teatro e no cinema etc. [...] (larroYo, 1979, p. 15-7).

o próprio autor resume suas ideias do seguinte modo:

[...] a História da pedagogia descreve e explica, em sucessão cronológica, a vida real da educação (fato pedagógico) assinalando cuidadosamente, os preceitos jurídicos (política educativa) que trataram de regulamentá-la, assim, como as doutrinas e técnicas educativas que buscaram interpretá-la e realizá-la do melhor modo (teoria e técnica da educação) (larroYo, 1979, p. 18).

em termos metodológicos, larroyo, novamente inspirado em dilthey e no vitalismo do qual é portador, informa que a história da pedagogia possui um método para reconstruir a vida educativa das sociedades passadas, baseado na ideia de unidades culturais ou históricas:

a unidade histórica é um conjunto de ocorrências organicamente entrelaçadas, um grupo de acontecimentos unidos de tal forma que dão a impressão de um tecido compacto de tarefas sociais. os filósofos da História servem-se de variados nomes para designar esses fenômenos, mais ou menos complexos; falam do ‘ambiente’ da época (Jaspers), das ‘características’ do tempo (fichte), do ‘estilo’ de cultura (spengler). as unidades históricas são complexões de fatos singulares que, à primeira vista exibem uma íntima travação genética, silhuetas de acontecimentos no universo do devir humano. nelas se fundamenta a divisão orgânica da História (larroYo, 1979, p. 20).

para o autor, três são os fatores que delimitam as unidades históricas na vida da educação, a saber: o fator pragmático, entendido como a eficácia e influência do fato pedagógico na sociedade; o fator histórico-cultural, consubstanciando

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o ensino de História da educação

o contexto e o ambiente ao qual se vincula o processo educativo no tempo e no espaço; o fator progressivo, referido ao avanço didático, ao acerto pedagógico que supera ideias ou instituições precedentes.

no que diz respeito às fontes acionadas na História geral da pedagogia, larroyo ressalta sua variedade, incluindo: os restos (utensílios de toda classe, edifícios, moedas, costumes, jogos, línguas, documentos oficiais e privados, códigos etc.), as memórias, os anais, as crônicas (assim como as obras-primas do pensamento universal); as obras clássicas da pedagogia (as mais importantes para o autor); a legislação e política educativas. assim, o processo de pesquisa é apresentado por larroyo como sendo portador de quatro fases, a saber: 1ª. fase - Heurística (busca das fontes); 2ª. fase - crítica das fontes (verificação da autenticidade); 3ª. fase - Hermenêutica (interpretação das fontes); 4ª. fase - exposição histórica (o quadro histórico, vivo, articulado, selecionando e tipificando os fatos passados).

no intento de superar as divisões tradicionais da história e da história da educação, larroyo propõe uma segmentação em História geral da pedagogia que tome o passado pedagógico nos marcos das unidades e tipos históricos da educação, conforme se pode observar na estrutura geral do texto apresentada a seguir.

títulos principais do sumário da obra de Francisco LARROYO,História Geral da Pedagogia10

tomo i

Introduçãoobjeto, método, divisão e importância da História da pedagogia

i. objeto de estudo da História da pedagogiaii. o método da História da pedagogiaiii. divisão da História da pedagogia

iv. importância da História da pedagogia

10 conforme apresentado em larroYo (tomo i: 1979 e tomo ii: 1974).

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Primeira Partea Época do tradicionalismo

i. a educação dos povos primitivosii. a china e o tradicionalismo Burocráticoiii. a índia e o tradicionalismo filológico

iv. Babilônia, assur e o tradicionalismo mágicov. egito e o tradicionalismo realista

vi. o povo Hebreu e o tradicionalismo teocráticovii. fenícia e o tradicionalismo utilitário

viii. os persas e o tradicionalismo nacionalistaiX. américa pré-colombiana e o tradicionalismo Bélico-religioso

Segunda Partea pedagogia dos povos clássicos

Primeira Seçãoa Grécia e a pedagogia da personalidade

i. cronologia e instituiçõesii. educação Grega mais antiga

iii. esparta e o estatismo pedagógico-militariv. pitágoras e a educação Harmônica

v. atenas e o estado de culturavi. o iluminismo Grego como fato pedagógico (450-400). os sofistas e

sócratesvii. platão (429-347) e a pedagogia política

viii. luta das tendências pedagógicas no século iviX. aristóteles (384-322) e o perfeccionismo pedagógico

X. a Época a enkyclios paidéia: a pedagogia do Helenismo

Segunda Seçãoroma e a pedagogia da “Humanitas”

i. cronologia e instituiçõesii. a educação nos tempos primitivos

iii. educação encíclica em roma (desde meados do século ii a.c.)iv. os teóricos da educação na Época republicana e a pedagogia das

‘Humanistas’ v. a educação terciária e a Época imperial

vi. quintiliano (40-118) e o ideal do oradorvii. outros pedagogos da Época imperial

Terceira Partea idade média e a educação cristocêntrica

i. fatos políticos e culturais mais importantes da idade médiaii. importância do cristianismo na História da educação

iii. início da educação cristãiv. a patrística em suas relações com a educação

v. educação para a virtudevi. origem do ensino centralizado pelo estado (carlos magno, alfredo, o

Grande, a dinastia dos otãos)vii. o ensino no império do oriente e no dos Árabes

viii. educação para o Êxtase

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o ensino de História da educação

iX. a escolástica como tipo de formação intelectualX. a educação secular na idade média

Xi. a educação da mulher na idade média Xii. Jogos e desportes na idade média

Xiii. as universidade medievais

Quarta Partea renovação da Humanitas e a pedagogia da reforma e da contra-reforma

i. os fatos sobressalentes dos séculos Xiv, Xv e Xvi em relação com a vida educativa

ii. o Humanismo pedagógico na itáliaiii. o Humanismo pedagógico na alemanha

iv. o Humanismo pedagógica na inglaterra e na espanhav. o Humanismo pedagógico na frança

vi. a pedagogia da reformavii. a pedagogia da contra-reforma

viii. a educação na américa

Quinta ParteÉpoca do realismo

i. a filosofia moderna em suas relações com a educaçãoii. Wolfgang ratke e o início do realismo

iii. João amós comênio e a fundamentação da didática realistaiv. educação de classe e profissão

v. os oratorianosvi. os irmãos das escolas cristãs

vii. a obra pedagógica de port-royalviii. a pedagogia do pietismo

iX. a educação na nova inglaterra e demais colônias. o canadá

tomo ii

Sexta Partea Época do naturalismo

i. do tratado de utrecht à revolução francesa (1789)ii. o movimento do iluminismo em suas relações com a educação

iii. rousseau e o naturalismo acentuadoiv. Basedow e a pedagogia filantrópica

v. a escola popular européia no século Xviiivi. a modernização dos estudos na américa latinavii. transformação educacional nos estados unidos

Sétima Partea educação Geral Humana na pedagogia da revolução e do neo-

humanismo

i. a revolução, o império e os movimentos liberais até 1848ii. a pedagogia da revolução e o conceito da educação política

iii. o processo do neo-humanismoiv. pestalozzi e o neo-humanismo social

v. educação e ensino desde os fins do século Xviii até meados do século XiX

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vi. a pedagogia do tradicionalismo e a ideologiavii. ordens e congregações docentes nesta Épocaviii. reconstrução pedagógica nos estados unidos

Oitava Partea pedagogia no século XiX

i. a Época da máquina, das Guerras nacionais e da vida internacional (1848-1914)

ii. Herbart e o sistema da teoria educativaiii. os pós-pestalozzianos: o padre Girard, froebel, diesterweg, rosmini

iv. a escola de Herbartv. a pedagogia católica desde a segunda metade do século XiX

vi. a pedagogia do positivismo e do evolucionismovii. educação feminina no século XiX e as origens do feminismo

viii. a pedagogia experimental até meumanniX. educação pública nos finais do século XiX

Nona Partea pedagogia contemporânea

i. da primeira Guerra mundial até o presenteii. renovação do naturalismo

iii. pedagogia da açãoiv. os métodos da educação física e Higiênica

v. psicologia pedagógica. a pedagogia experimental de tipos psicológicos e de anormais

vi. pedagogia socialvii. pedagogia socialista

viii. a pedagogia da vida e do tradicionalismo transcendentaliX. pedagogia existencial

X. pedagogia cultural dos valores, pedagogia da personalidadeXi. a pedagogia analítica e o reconstrucionismo

Xii. cibernética e máquinas de ensinoXiii. sistemas de educação pública no século XX

Xiv. cooperação internacional Xv. pedagogia do futuro

por fim, larroyo, destaca os fatores que conferem utilidade ao estudo da história da pedagogia, assinalando, primeiramente, sua utilidade geral, relacionada com o fato de que “[...] a educação mostra como cada um destes produtos do espírito humano se transmite de geração em geração” (larroYo, 1979, p. 33). para ele:

até mesmo os manuais escolares aproveitam estas vantagens para finalidades pedagógicas. os criadores da ciência histórica moderna, com Wilhelm dilthey na vanguarda, sublinham, com toda razão, tão grande importância.

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o ensino de História da educação

‘empreguei estes três meses do curso – comunica dilthey a seu amigo conde de iorque – de preferência, na história da educação, na europa. raramente, um estudo histórico me excitou tanto, intimamente, e me abriu perspectivas sobre a História universal, em geral, isto é, sobre as condições causais (psicológicas) do ideal de vida, ideal de educação, poesia, formação cultural, ciência’ (larroYo, 1979, p. 34).

larroyo apresenta ainda uma segunda utilidade para a história da educação que se refere aos profissionais da educação, dadas as relações entre história e teorias pedagógicas, pois, mais do que em outras ciências, a teoria pedagógica está vinculada à história da educação, complementando-se. compreendem-se, de melhor maneira, os princípios pedagógicos, quando se mostra como se deu sua gestação na história. por fim, larroyo assinala uma característica evolutiva de suas concepções, a saber:

por sua vez, a história da pedagogia toma a teoria sistemática da educação certas valorizações, certas idéias de progresso, que oferecem critérios para apreciar o que, na História, tem importância pedagógica. a mera descrição dos fatos não pode decidir se há avanço ou retrocesso, decadência ou auge numa época. para isso, é preciso elevar-se acima dos acontecimentos e julgá-los em sua justa significação, mediante juízos de valor (fator progressivo).

novamente, com dilthey, larroyo expressa que o conhe-

cimento dos erros pedagógicos é proveitoso, pois se percebe a

distância que separa o possível do imaginário: “[...] a história

da educação ensina-nos a ponderar o conflito entre o otimis-

mo pedagógico (tudo pode a educação) e o pessimismo peda-

gógico (a educação nada pode)” (larroYo, 1979, p. 34-5).

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Manacorda: contradições do passado educativo e possibilidades para o futuro

nascido em roma, em 1914, mario alighiero manacorda lecionou pedagogia e História da pedagogia nas universidades de cagliari, viterbo, florença e roma. foi dirigente de sindicatos e de associações docentes, membro do comitê administrativo da federação internacional sindical dos docentes e da comissão nacional italiana da unesco. dirigiu publicações didático-pedagógicas, entre as quais Scuola e costituzione, Voce della scuola, Scuola democratica e Reforma della scuola. no Brasil, podem-se destacar as obras publicadas a partir do original italiano, pela ordem: História da educação: da antiguidade aos nossos dias, de 1989; O princípio educativo em Gramsci, de 1991; Marx e a pedagogia moderna, de 1991. a propósito da obra de manacorda publicada em 1989, é interessante conhecer o diálogo que paolo nosella estabeleceu com o autor recentemente, a saber:

[paolo] professor manacorda, o seu livro ‘História da educação, da antiguidade aos nossos dias’ já está na 12ª ou 13ª edição. eu penso que sua difusão seja devida também à síntese de cultura geral que o livro contém; mas, sobretudo, ao fato dele falar da pedagogia não apenas com os discursos dos pedagogos, mas também com outros documentos e outros tipos de literatura [...]. o senhor teria um comentário a fazer sobre isso? [manacorda] sim, creio que você tenha indicado justamente aquilo que é, se não o meu resultado, a minha intenção. isto é, não fazer um texto corporativo, que fale do interior da escola. mas, que se relacione com o crescimento geral da sociedade, nos aspectos culturais, e também nos aspectos da vida cotidiana e do trabalho. sobretudo, porém, eu estou interessado a encontrar na escola, isto é, na relação educativa geral, a relação pela qual o homem educa o próprio filhote para ser (um cidadão) histórico, contemporâneo de sua época. e, sobre esse problema, que é geral e não somente escolar, encontrei que freqüentemente os textos literários nos dão palavras que somente a poesia sabe dizer, porque interpretam o modo de sentir e a profundidade dos fatos, mais do que

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o ensino de História da educação

qualquer outra expressão, digamos, cotidiana ou normal. portanto, a literatura é a fonte que eu sugeriria, se não para encontrar documentações (e dessas encontram-se muitas), pelo menos para interpretar o que era a relação educativa na escola, no aprendizado para o trabalho e em todos os lugares onde se educa (manacorda, 2007, p. 15-16).

de fato, a obra de manacorda é rica na utilização de fontes que demonstram as vivências cotidianas da população em torno das questões de ordem formativa, educacionais, mas não exclusivamente escolares. essa riqueza no trato das fontes alinha-se a uma construção discursiva imersa no marxismo, sendo possível encontrar na obra de manacorda tanto a presença, a partir de marx e engels, de uma oposição à escola histórica e ao idealismo hegeliano, quanto à existência dos vetores básicos da concepção marxista de história, a saber:

para o marxismo, a história não é, nem uma ‘colecção de factos mortos’ como é para os empiristas, nem [...] ‘uma acção imaginária de sujeitos imaginários’, conforme a interpretou o idealismo. [...], [sendo indicadas] três teses acerca da concepção materialista de história: 1º. o fator ou a estrutura determinante da história é constituída pela relação entre as forças produtivas e as relações de produção. a história consiste, em última análise, no processo real da produção material da

Figura 3 - capa da 12ª. edição em português da obra de mario alighiero manacorda, História da educação: da antiguidade aos nossos dias. tradução de Gaetano lo monaco, com revisão de rosa dos anjos oliveira e paolo nosella. esta 12ª. edição data de 2006, tendo sido realizada em são paulo, pela editora cortez, o que ocorre desde a 1ª. edição em português, datada de 1989. o formato é o tradicional 14 x 21cm. a edição examinada contém 382 páginas. a edição e a arte da capa estiveram a cargo de roberto Yukio matuo, mediante projeto e ilustração de milton José de almeida. a primeira edição em italiano da obra data de 1983, com publicação pela nuova eri edizione, de turim, itália.

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vida. O motor da história é, pois, a contradição entre as forças produtivas e as relações de produção, ou, o que vem a dar o mesmo, a luta de classes. ‘a história de toda a sociedade até hoje existente’, escreve marx, no Manifesto Comunista, ‘é a história da luta de classes’. 2º. na história, e na determinação e configuração do, seu desenvolvimento e processo, dá-se uma particular relação entre a ‘infra-estrutura’ (o fundamento econômico) e a ‘superestrutura’. contra a tese que viria a defender de que o fundamento econômico determina sem mais o processo histórico, bem como a superestrutura (tese que poderia denominar-se de economicista), na verdade, para o marxismo dá-se uma relação dialética entre a infra e a superestrutura, embora o fundamento económico constitua, em última instância, o princípio de explicação. portanto, dizer sem mais que ‘o factor económico é o único factor determinante’ é ‘uma frase oca, abstracta e vaga’ (Engels, carta a Bloch, 21-iX-1890). 3º. o vector ou fim a que se dirige a história é o desaparecimento das classes e a instauração do comunismo. a sociedade sem classes e comunista, ‘eschaton’ para a qual, ao que parece, tende e marcha a História (marcha que será acelerada mediante a acção do proletariado), virá acabar com as alienações e possibilitará a realização total do homem. com base nesta tese (e aceite nesta formulação) não sem fundamento viram alguns autores no marxismo uma “metafísica da história”, e, em todo caso, uma instância utópica (navarro cordon; calvo martinez, 1990, p. 67-68, grifo dos autores).

no marxismo, o pensamento humano é um produto social, consubstanciando uma linguagem da vida real. na obra de manacorda, é perceptível a busca da linguagem da vida real, com recurso a fontes históricas pouco presentes nas interpretações marxistas tradicionais, mas que podem ser vislumbradas especialmente no campo do marxismo cultural.11 a propósito desse tema, parece interessante destacar a opinião manifestada pelo autor sobre os Annales em entrevista recentemente concedida para paolo nosella:

11 nessa direção, exemplos importantes dessa historiografia nomeada como afeta ao marxismo cultural podem ser encontrados nas obras, por exemplo, de tHompson (1987), Hill (1987) e Williams (1989).

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[paolo] no Brasil, o senhor é conhecido, sobretudo, como especialista em História da educação. na História, há uma corrente teórica chamada de nova História, iniciada com Jacques le Goff, philippe ariès e outros. a respeito disso o senhor teria uma opinião a nos dar?[manacorda] foi uma nova historiografia, aquela dos annales franceses, que nos anos 1970 impôs uma virada na investigação, passando da macro-história política, econômica, diplomática, militar etc, aos interesses pela micro-história, isto é, de pequenos núcleos familiares ou sociais das culturas minoritárias e submersas, isto é, um interesse pelos costumes da vida privada das pessoas. parece-me ser esta uma conquista que já entrou plenamente na prática de investigação historiográfica. porém, hoje, sem renunciar a esta base, se avança porque se tende a ampliar a micro-história para identidades maiores, como por exemplo, a identidade européia, a identidade comunitária, ou seja, a identidade mundial, os grandes encontros de civilização. parece-me que hoje existe esse interesse, que já fez grandes progressos na pesquisa, onde nos acostumamos a um reexame crítico das fontes, evidenciando sempre, todavia, sua natureza ideológica. então, hoje, parece-me que caminhamos nessa direção, sem renegar a grande descoberta feita pela escola dos annales (manacorda, 2007, p. 11-12).

segundo manacorda (1989, p. 5-6), a obra História da educação: da Antiguidade aos nossos dias foi pensada inicialmente para tomar corpo em um programa da televisão italiana, em uma proposta de um rápido passeio histórico pela educação “através de imagens”. no entanto, o projeto revelou-se inviável e acabou por ser realizado para transmissão via rádio, consubstanciando-se em um passeio histórico da educação “através de textos”, com o título de “a escola nos séculos”, o que ocorreu em 12 transmissões radiofônicas no final de 1980. porém, manacorda pretendeu evitar produzir um novo texto baseado em uma estratégia discursiva predominantemente indireta, bem como lidar com os textos de modo fragmentado, sem um fio condutor analítico. tematicamente, manacorda (1989, p. 6) expressou que

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[...] a hipótese foi perseguir o processo educativo pelo qual a humanidade elabora a si mesma, em todos os seus vários aspectos. pareceu-me poder sintetizá-los na ‘inculturação’ nas tradições e nos costumes (ou aculturação, no caso de procederem não do dinamismo interno, mas do externo), na instrução intelectual em seus dois aspectos, o formal-instrumental (ler, escrever, contar) e o concreto (conteúdo do conhecimento), e, finalmente, na aprendizagem do ofício (compreendida aqui aquela forma específica que é o treinamento para a guerra). destas três, neste livro, os riscos de prevalecer a instrução e, depois, quando esta se institucionaliza, a escola, dependem quer da objetiva predominância dos documentos a respeito, quer, talvez, da inclinação subjetiva minha que os explorava e os utilizava. estes vários aspectos da educação comportam um relacionamento permanente com os temas mais gerais da história da humanidade. aculturação quer dizer socialização, inserção de cada adolescente no conjunto vivo da sociedade adulta; aprendizado que dizer relação com o trabalho e com todo o desenvolvimento, não somente das forças produtivas mas também das relações sociais nas quais elas se organizam. portanto, o discurso pedagógico é sempre social, no sentido de que tende, de um lado, a considerar como sujeitos da educação as várias figuras dos educandos, pelo menos nas dias determinações opostas de usuários e produtores, e, de outro lado, a investigar a posição dos agentes da educação nas várias sociedades da história. além disso, é também um discurso político, que reflete as resistências conservadoras e as pressões inovadoras presentes no fato educativo e, afinal, a relação dominantes-dominado. por isso mesmo, também os aspectos cotidianos, técnicos e materiais dos processos de instrução (o lugar, os instrumentos, a organização e a própria relação pedagógica), pelo fato de estarem ligados ao desenvolvimento produtivo, social e político, assumem maior relevância.

ao afastar-se das temáticas mais comuns da história da pedagogia, leia-se, o pensamento pedagógico, manacorda (1989, p. 7) afirma que se distancia de indagações sobre os “sistemas” de idéias em si, buscando ‘[...] nelas o reflexo e o estímulo do real’, com a finalidade de

[...] compreender como de época em época o objetivo da educação e a relação educativa foram concebidos em função do real existente e de suas contradições, indagar a opinião

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geral sobre o fenômeno escola, verificar o prestígio concebido ou negado à figura do profissional da educação e assim por diante. neste sentido, a literatura (a saber, a literatura dos literatos), mais do que a literatura dos pedagogos, pode fazer reviver as relações reais e as opiniões generalizadas (manacorda, 1989, p. 7).

os títulos do sumário da obra de manacorda, História da educação: da Antiguidade a nossos dias, expressam um opção por tomar o período compreendido entre o antigo egito e a idade média tematicamente, com privilegiamento de egito, Grécia, roma, alta e Baixa idade média. os dois capítulos seguintes abordaram, cada qual, duzentos anos e, por fim, passou-se a abranger, em cada capítulo, um século. ao final, de um lado, um capítulo que apontava tendências futuras de desenvolvimento educativo e, de outro, uma conclusão que sintetizava as ideias gerais de cada um dos capítulos, conforme se pode observar a seguir.

títulos principais do sumário da obra de Mario Alighiero MANACORDA, História da Educação: da

antiguidade aos nossos dias12

ao leitor brasileiro [paolo nosella]ao leitor [mario alighiero manacorda]

1. sociedade e educação no antigo egito2. a educação na Grécia3. a educação em roma

4. a educação na alta idade média5. a educação na Baixa idade média

6. a educação no trezentos e no quatrocentos7. a educação nos quinhentos e nos seiscentos

8. a educação nos setecentos9. a educação nos oitocentos

10. o nosso século em direção ao ano 2000mais que uma conclusão, uma despedida

a propósito de BibliografiaÍndice dos nomes de autores e personagens

12 conforme apresentado em manacorda (2006).

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manacorda, já no prefácio da obra em análise, lamentava-se pelas omissões que teve que fazer, seja aquelas de ordem geográfica e temática (blocos históricos), seja, também, aquelas afetas aos próprios conteúdos expostos, dada a limitação editorial a produção de um texto que girasse em torno de 400 páginas (1989, p. 7-8). na conclusão, o autor aponta suas ambições utópicas quanto ao desenvolvimento educativo futuro, a saber:

parece-me, contudo, que o caminho do futuro seja aquele que o passado nunca soube percorrer, mas que nos mostra em negativo, descortinando suas contradições. e estas foram e são (é preciso repeti-lo?) entre a essencial importância humana da formação do homem e o seu acantonamento de fato como coisa de criança; entre a instrução dos dominantes para o ‘dizer. intelectual e dos dominados para o ‘fazer’ produtivo; entre a exigência de uma formação geral humana e a preparação de cada um para competências distintas (como as do dizer e as do fazer); entre a maxima reverentia que se deve à criança e o perpétuo recurso ao sadismo pedagógico, como as inevitáveis conseqüências contestadoras; entre a hodierna assunção tendencial de todos numa instituição privilegiada, intelectual, e a sua real exclusão de uma vida plena e sua separação dos adultos; entre a persistente predominância de um ensino lógico-verbal e a necessidade humana, especialmente dos adolescentes, de uma plenitude de vida instintiva, emotiva e afetiva, através de uma vida escolar que não exclua, mas corresponda à sua vida real, quer do corpo quer da mente, com suas atividades artísticas, produtivas e físicas colocadas no mesmo nível das atividades (pseudo)intelectuais. em suma, a exigência de uma escola que, de lugar de separação e de privações, se transforme num lugar e numa época de plenitude de vida (manacorda, 1989, p. 360).

Franco Cambi: tentativa de novos entendimentos da educação na sociedade

conforme consta da página institucional da universidade de florença (Università degli Studi di Firenze), franco cambi

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é professor regular de pedagogia Geral naquela universidade, na qual foi diretor do departamento de ciências da educação (depois também dos processos culturais e formativos) de 1994 a 2000 e de 2003 a 2006. foi presidente do instituto regional de investigação em educação (irre) na seção da toscana, de 2002 a 2005, depois, comissário extraordinário, sendo reeleito presidente em 2006. dirige a revista Studi sulla Formazione e coletâneas de estudos pedagógicos nas editoras armando, carocci, cleub, unicopli. suas áreas de investigação se articulam em muitas linhas. ele possui publicações de quase sessenta volumes, além de numerosos artigos.

em relação à temática da pedagogia Geral, empenhou-se na defesa e promoção da filosofia da educação, como disciplina “fundante” do estudo pedagógico (Manuale di filosofia dell’educazione – laterza); como também cultivou a análise da estrutura do discurso pedagógico (Il congegno del discorso pedagógico – cleub, 1986 e Metateoria pedagógica – cleub, 2006), ressaltando sua complexidade, categoria sobre a qual dedicou diversas intervenções. além disso, manteve um estudo constante dos clássicos contemporâneos (Gentile e dewey, o “marxismo pedagógico”, o neopragmatismo) e uma análise de algumas categorias do estudo pedagógico (a formação, a diferença, a intencionalidade), e ainda uma constante e cada vez maior atenção aos problemas do sujeito e de sua formação pessoal (L’autobriografia come metodo formativo – laterza, 2002 e Abitare Il disincanto – utet, 2006).

sobre o tema histórico-pedagógico e, mais tarde, sobre os estudos acerca de La pedagogia borghese nell’Italia moderna 1915-1970 (la nuova italia, 1974), do antifascismo e pedagogia (vallechi, 1980), e La ‘scuola di Firenze’ da Codignola a Laporta (liguori, 1982), empenhou-se na reconstrução da historiografia pedagógica na itália, depois de 1945, e na tessitura de uma Storia della pedagogia (laterza, 1995) e ainda de muitos escritos sobre vários autores e assuntos. cultivou,

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também, a literatura infantil e os estudos filosóficos. os estudos sobre a primeira estão voltados aos clássicos (começando por collodi), aos clássicos contemporâneos (ridari) e às narrativas populares e fábulas, analisadas sob vários aspectos. os estudos filosóficos dizem respeito ao racionalismo crítico de Banfi e à sua escola, ao empirismo crítico de preti e às figuras e modelos do neo-historicismo.

conforme mencionado no início deste texto, é interessante observar que a obra História da pedagogia, de franco cambi, alcançou o mais elevado número de indicações no exame de programas de ensino da disciplina História da educação na década de 2000, com 25 menções. o segundo manual mais indicado, de autoria de manacorda, alcançou 20 menções (Gatti Junior., 2009, p. 119-26). assim, no que se refere às obras com autores estrangeiros que foram as mais indicadas nos programas de ensino da disciplina no período mencionado, cambi e manacorda totalizaram 45 menções. porém, o texto de cambi, a semelhança de manacorda, mas por caminho relativamente diverso, pretende diferenciar-se dos manuais de história da pedagogia existentes, a saber:

Figura 4 - capa da 1ª. edição em português da obra de franco cambi, História da Pedagogia. tradução de alvaro lorencini. esta 1ª. edição data de 1999, tendo sido realizada em são paulo, pela editora unesp. o formato é um pouco maior que o usual, com 16 x 23cm, contendo a edição examinada 701 páginas. a produção gráfica esteve a cargo de edson francisco dos santos (assistente). a primeira edição em italiano da obra data de 1995, com publicação pela casa editrice Giuseppe laterza & figli, de Bari, itália.

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o presente volume propõe-se como uma reconstrução/interpretação da história da pedagogia ocidental (da antiguidade pré-grega aos nossos dias), segundo – pelo menos – três perspectivas que vêm delinear a (relativa) novidade do empreendimento e o desejo de diferenciação em relação aos outros manuais dessa disciplina. em primeiro lugar – e esse talvez seja o aspecto mais previsível, ou pelo menos não prioritariamente demarcativo em relação às outras reconstruções -, trata-se de ultrapassar o primado das idéias e das doutrinas filosóficas, em particular, para conceder amplo espaço, ao lado das idéias ou teorias e, às vezes (ou melhor, freqüentemente), antes delas, às instituições, aos processos, aos costumes educativos, sublinhando o aspecto social da educação e a centralidade que essa nova abordagem deve assumir em toda a história da pedagogia [...]. em segundo lugar, procurou-se em todo o trabalho focalizar os problemas metodológicos da história da educação/pedagogia, relacionando-a como os métodos da história total e como um ‘fazer história’ que se realiza em muitos planos (história da pedagogia, história da educação, história da infância, história das mulheres, história da escola etc.) e segue processos diferenciados, incluindo também – e prioritariamente – os problemas das fontes, dos arquivos, etc., assim como os da interpretação de documentos submetidos a uma leitura ora serial e quantitativa, ora qualitativa, ora evocativo-narrativa – embora esses problemas sejam tocados aqui apenas de passagem -, dando vida a uma polifonia metodológica, pela qual é possível aceder à reconstrução de uma efetiva história total (ou que tende para tal). por fim, procurou-se reconstruir o tempo histórico da educação/pedagogia, sublinhando a descontinuidade e as rupturas, pondo a nu as escansões e as estruturas, as autonomias das várias épocas, as quais, embora se relacionem e se influenciem, acabam por constituir blocos unitários, dotados de sentido interno e que devem ser reconstruídos na sua diversidade/autonomia, sem forçá-los em direção de continuidades metatemporais (que existem, mas que não marcam realmente o processo histórico, o qual procede por blocos, por fraturas, por agregações epocais sistêmicas, por assim dizer), de atualizações ou precedências etc. o volume se organiza segundo uma ótica, neste nível, sobretudo foucaultiana: ligada à arqueologia, às estruturas e às rupturas, como também à genealogia, à pesquisa das raízes dessas rupturas e a uma visão pluralista da história (camBi, 1999, p. 17-18).

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o projeto é ambicioso e de difícil efetivação, sobretudo, dado o caráter didático da obra, o que significa abordar não um momento específico ou, como descreve cambi, um bloco unitário, mas, em verdade, um largo tempo histórico. por outro lado, a referência à construção de uma abordagem próxima da ótica foucaltiana inaugura, de fato, um caminho diferenciado em relação aos manuais de história da pedagogia dados a ler nos cursos de pedagogia brasileiros. porém, a respeito das ambições do projeto, antónio nóvoa, ao ressaltar a importância da obra no campo da história da educação, asseverou criticamente:

Há assim alguma ‘dissonância’ entre o ‘prefácio’ e a ‘introdução’, textos muito interessantes que explicam a ‘profunda transformação metodológica operada na pesquisa histórico-educativa nos últimos 25 anos’, e o corpo do livro, propriamente dito, que acaba por reproduzir muitos dos cânones historiográficos tradicionais (nóvoa, 1999, p. 14).

franco cambi constata que houve mudanças historiográficas significativas a partir de da década de 1950, em desacordo com os modelos narrativos ora teoricistas e unitaristas, ora vinculados a uma visão demasiadamente linear do passado, ambas as abordagens marcadamente ideologizadas. em lugar disso, assinala a emergência, em especial nas décadas de 1960 e 1970, de uma investigação que se abre à maior problematização e amplo pluralismo teórico e metodológico, bem como considera a educação como conjunto de práticas sociais ou de saberes. para ele,

desde a metade dos anos 70, a passagem da história da pedagogia para uma mais rica e orgânica história da educação, tornou-se explícita, insistente e consciente, afirmando-se como uma virada decidida e decisiva. e não se tratou de uma simples mudança de rótulo; pelo contrário: tratou-se de uma verdadeira e legítima revolução historiográfica que redesenhou todo o domínio histórico da educação e todo o arsenal de sua pesquisa. esquematizando, podemos dizer: passou-se de um modo fechado de fazer história em

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educação e pedagogia para um modo aberto, consciente da riqueza/ complexidade do seu campo de pesquisa e da variedade/articulação de métodos e instrumentos que devem ser usados para desenvolver de modo adequado o próprio trabalho (camBi, 1999, p. 24).

as bases dessa virada, segundo cambi, podem ser encontradas em diversas frentes. uma delas é o próprio marxismo que levou a investigação histórica a considerar o contexto sócio-histórico em que são plasmadas as relações sociais e vinculam economia e política de um modo que não se havia incorporado com a mesma ênfase em outras teorias sociais e na teoria da história. conceitos importantes são gerados nesse campo e garantem uma nova abordagem para a pesquisa histórica, tais como: contradição, hegemonia e oposição. noutra frente, não menos importante para o autor, está a contribuição dos Annales que enriqueceu e matizou as lições do marxismo, introduzindo o estudo das estruturas não apenas econômicas, como a mentalidade, com o propósito da construção de uma história total. para cambi (1999, p. 25) os “Annales sublinharam [...] o pluralismo da pesquisa histórica e o jogo complexo das muitas perspectivas que acabam por constituí-la, relacionando-a com as diversas ciências sociais”.

além do marxismo e dos Annales, cambi enfatiza os ganhos para a pesquisa histórico-educacional oriundos do que chamou de psico-história. ainda que não tenha qualificado de modo mais direto os integrantes dessa corrente, informou que nela habitam os estudos sobre “[...] mentalidades coletivas e individuais, legíveis, porém, de modo crítico, inspirando-se apenas nos mecanismos que identifiquem o pensamento freudiano (inconsciente, repressão, conflito do eu etc.)” (camBi, 1999, p. 25). uma quarta base da virada apontada pelo o autor é legatária das contribuições advindas do estruturalismo, em especial de foucault e da história quantitativa, presente, por exemplo, em le roy ladurie. tradição que demonstrou a porção do que é

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impessoal na história, descortinando estruturas que regulam os comportamentos individuais em profundidade, tomando-as como variáveis quantitativas, sujeitas a análises sociais e a reconstruções estatísticas. para ele,

a história da sexualidade de foucault ou a história de tempo de ladurie, apesar das profundíssimas diferenças, têm alguns pontos em comum, como o recurso às permanências e à sua função genética no âmbito da produção dos fenômenos históricos. e são permanências objetivas, quer pertençam à história da cultura ou à história social, profundamente ligadas à natureza ou àquilo que aparece como tal aos olhos dos homens (camBi, 1999, p. 26).

aos olhos de cambi, foi a partir dessas bases que ocorreram as grandes mudanças na investigação histórica desde a década de 1950. a primeira alteração refere-se à constatação da incerteza quanto à existência de um método definitivo para a pesquisa em história, o que gerou uma “intensa dialética metodológica” (camBi, 1999, p. 27). a segunda mudança refere-se à noção de tempo histórico, tomada pelo autor como a de maior impacto para a historiografia. para ele,

três, diz Braudel, são os tempos da história (e do histórico): o dos acontecimentos (ou eventos), próximo do vivido e do cronológico; um tempo fracionado e ligado ao caleidoscópio daquilo que acontece, variegado e – meio no limite – medido pelo instante, que é o tempo da história-narração; depois o da curta duração (ou conjunturas, instituições etc.) ou das permanências relativas, ligado a estruturas políticas, sociais ou culturais, que está por debaixo dos acontecimentos e os coordena e sustenta; nesse tempo, agem os estados, as culturas, as sociedades e ele próprio pertence à história-explicação, à história-ciência; por fim, o da longa (ou longuíssima) duração, geográfico, econômico e antropológico, que colhe as permanências profundas, as estruturas quase invariantes e se ativa na história-interpretação ou história-genealogia/hermenêutica. são três temporalidades necessárias para compreender a história, mas que não se confundem, alternando-se e encaixando-se uma na outra,

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com suas diferenças e suas intersecções (camBi, 1999, p. 27-28, grifo do autor).

É evidente que essa noção de tempo longuíssimo é a que mais se aproxima do empreendimento levado a cabo por cambi em sua História da pedagogia, sobretudo, quando remete à tradição foucaultiana no desenvolvimento de seu esforço interpretativo. Há, no entanto, um último aspecto no qual, segundo o autor, está ancorada a virada da historiografia, que diz respeito às fontes de pesquisa, ou seja, à documentação, dado que ela passa a ser tomada, com os Annales sobretudo, não como monumento, mas, sim, como efeito da interpretação, ao que se soma, a ampliação das fontes passíveis de integrar o processo investigativo em história, com abertura para documentos anteriormente ignorados, bem como para a prática da interpretação como produtora de documentos novos, tal como acontece na história oral. assim, para o autor,

pluralismo e conflitualidade, indecisão e incerteza são certamente características fundamentais do fazer história hoje, inclusive em educação; entretanto, não estamos diante de um resultado anárquico, mas radical e dialeticamente crítico. É justamente da integração dinâmica e atenta (= crítica) das diversas perspectivas de leitura que emerge a possibilidade de ler a história segundo a verdade, deixando sempre espaço para aprofundamentos ulteriores, para aproximações, para um objeto complexo e fugidio, como é o histórico, e em particular o histórico-educativo (camBi, 1999, p. 34).

outro pressuposto sobre o qual cambi afirma estar assentada a nova forma da pesquisa histórica e, por consequência, as finalidades mesmas desses empreendimentos historiográficos, como sua História da pedagogia, é uma visão de que a história consiste em um exercício da memória na direção de compreender o presente, lendo nele as possibilidades de construção do futuro.

para ele, a aplicação da memória ao passado histórico leva a reconhecer a problemática e a pluralidade de formas como os

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sujeitos humanos presentes naquele passado se identificavam, conduziam suas vidas, expressavam suas contradições etc., o que permite, simultaneamente, conceitualizar o passado em sua originalidade e compreender o quanto dele emerge no presente, retirando, no entanto, o caráter de inexorável do presente, apontando suas possibilidades e alternativas. para cambi (1999, p. 36):

através do passado criticamente revisado, o presente (também criticamente) se abre para o futuro, que se vê carregado dos impulsos não realizados do passado, mesmo o mais distante ou o mais marginalizado e sufocado. em suma, além de paixão pelas diversas formas de vida (pelo pluralismo do humano, podemos dizer), a memória está sempre carregada de escatologia; carga que torna o presente projetado para o possível, para o enriquecimento do sentido e para a finalização (mesmo que seja constantemente atualizada), isto é, aberto sobre si mesmo, problemático e envolvido na sua transformação, na sua – sempre radical – construção/reconstrução.

do exame do conteúdo da História da pedagogia, de cambi, depreende-se a tentativa de conferir essa tônica crítica que se estende dialeticamente do presente ao exame do passado e, deste, um retorno ao presente que se abre ao futuro, ainda que se tenha mantido uma divisão aparentemente tradicional da História, em antiguidade, idade média, idade moderna e idade contemporânea.

sem dúvida, a temática da modernidade ocupa centralidade na obra, suas formas, suas práticas e a forma como a escola assumiu seus fundamentos e limitações. porém, temáticas novas aparecerem, contidas, sobretudo, no capítulo que se refere à segunda metade do século XX, quando questões ligadas ao multiculturalismo, ao feminismo e ao meio ambiente são abordadas com espaço relevante. a seguir, está apresentado o sumário resumido da obra.

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o ensino de História da educação

títulos principais do sumário da obra de Franco CAMBI, História da Pedagogia13

apresentação [antónio novoa]prefácio [franco cambi]

introdução1. da história da pedagogia à história da educação

2. três revoluções em historiografia3. as muitas histórias educativas

4. descontinuidade na pesquisa e conflito de programas5. ativar a memória para compreender o presente

6. a história que está por trás: a antigüidade e a idade média, a modernidade e a contemporaneidade

primeira parte - o mundo antiGoi. características da educação antiga

ii. o oriente e o mediterrâneo: modelos educativosiii. a educação na Gréciaiv. roma e a educação

v. o cristianismo como revolução educativa

seGunda parte - a Época medievali. características da educação medieval

ii. a alta idade média e a educação feudaliii. a Baixa idade média e a educação urbana

terceira parte - a Época modernai. características da educação modernaii. o século Xv e a renovação educativa

iii. o século Xvi: o início da pedagogia modernaiv. o século Xvii e a revolução pedagógica burguesa

v. o século Xviii: laicização educativa e racionalismo pedagógico

quarta parte - a Época contemporÂneai. características da educação contemporânea

ii. o século XiX: o século da pedagogia. conflitos ideológicos, modelos formativos, saberes da educação

iii. o século XX até os anos 50. “escolas novas” e ideologias da educaçãoiv. a segunda metade do século XX: ciências da educação e empenho

mundial da pedagogia

BiBlioGrafia

ÍNDICE ONOMÁSTICO

13 conforme apresentado em camBi (1999).

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por fim, é importante mencionar que franco cambi, à semelhança dos outros autores analisados, tem clareza da finalidade didática da obra que redigiu, bem como da sua vinculação aos processos de formação de professores. para ele, no entanto, a obra possui a finalidade de contribuir para um processo de autorreflexão dos pedagogos em formação e não de fornecer uma interpretação fechada e definitiva dos fatos educacionais, a saber:

[...] o texto pretende ser não só a síntese da história de uma disciplina cientificamente repensada – a pedagogia, a educação -, mas sobretudo, um instrumento de formação do intelectual-pedagogo, ao qual oferece uma série de quadros, problemas, práxis, temas etc. que fazem parte de sua bagagem técnica, mas que emergem através de um longo processo histórico, sob o qual devem ser retomados e focalizados, subtraídos de qualquer uso empírico-dogmático e desenvolvidos ao uso (auto-reflexivo), para o qual a história traz uma contribuição das mais significativas. dessa maneira, o pedagogo (ou o operador educativo mais pedagogo: tal deveria ser o especialista em ciências da educação) pode melhor colher e julgar o background de teorias, práxis, posições da educação, sua espessura temporal (social, teórica, científica, prática) e operar assim um controle mais autêntico e mais capilar do próprio saber e agir. com essas finalidades e essas estruturas o volume se qualifica como um instrumento destinado a produzir, ao mesmo tempo, competência disciplinar formativa, voltado também a delinear uma figura de pedagogo e/ou educador que no âmbito da própria profissionalização não abafe a consciência histórica, empobrecendo assim os instrumentos que usa e os contextos em que os usa.

Considerações finais

os manuais de história da educação e/ou da pedagogia analisados evidenciaram que são suportes materiais de concepções de história e de mundo diferenciadas. provavelmente, o fato de serem obras utilizadas atualmente

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no ensino da disciplina História da educação no Brasil possa estar vinculado a uma forma de leitura e de trabalho em sala de aula com esses manuais que, salvo algumas exceções, priorizam a apresentação dos fatos educacionais, sem maiores reflexões sobre as concepções de mundo e de história contidas nas obras, o que, sem dúvida, poder-se-ia verificar em investigações futuras.

no entanto, os manuais analisados, escritos por autores estrangeiros, traduzidos e publicados no Brasil na segunda metade do século XX, evidenciam diferenças significativas, por meio de abordagens ricas e vinculadas a matrizes interpretativas que se fizeram importantes na historiografia do século XX. assim, luzuriaga e larroyo, ainda que mediante ambiguidades, procedem a uma interpretação do passado educacional, por meio do recurso a ideia de unidades culturais ou de tipos históricos, inspiradas em dilthey, que expressava uma reação à redução das ciências humanas à epistemologia e aos métodos consagrados no âmbito das nomeadas ciências da natureza.14

manacorda, por seu turno, constrói sua interpretação a partir da tradição marxista, em especial daquela que se estende de marx a Gramsci, evitando o economicismo que caracterizou o marxismo vulgar, utilizando-se da noção gramsciana de bloco histórico. por fim, cambi valoriza o que considera contribuições de diferentes concepções epistemológicas e metodológicas no âmbito da historiografia, dentre as quais destacou o marxismo, a historiografia francesa dos Annales, a psico-história e o estruturalismo (de foucault e de ladurie). para ele, diferentemente dos demais, existe dificuldade em trabalhar com um único método, o que se resolve por meio de uma “[...] intensa dialética metodológica” (camBi, 1999, p. 27).

14 sobre dilthey, além daquilo que já foi mencionado anteriormente neste trabalho, é importante observar sua presença em textos atuais no âmbito da historiografia da educação afeta aos estudos biográficos, tal como aparece, por exemplo, em carino (2000).

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Há, no entanto, uma coincidência bastante importante nas metodologias investigativas apresentadas pelos autores, o que aparece nos textos introdutórios, mas, também, na exposição dos conteúdos ao longo das obras analisadas. trata-se de uma visão bastante alargada de fonte histórica, seja pela característi-ca de apreender a vida e o cotidiano presente na tradição aberta pela historiografia da educação de dilthey, presente nas obras de luzuriaga e larroyo; seja pelo corte marxista humanista pre-sente em manacorda; seja, ainda, pela influência dos Annales sobre a pesquisa empreendida por cambi.

nenhum dos autores, porém, deixa de assinalar finalidades para o ensino e a aprendizagem da história da educação e/ou da pedagogia. se luzuriaga destaca, com dilthey, que as lições do passado, com seus resultados positivos e negativos, ensinam tanto aos pedagogos quanto aos políticos, larroyo, confirma essa assertiva, mas acrescenta a possibilidade de, a partir do julgamento daquilo que se vivenciou no passado, progredir. manacorda, por seu turno, rebela-se com a possibilidade de enxergar a realidade pelo exame das ideias e concepções culturais do passado. para ele, o que interessa é a construção de um futuro que rompa com um passado repleto de contradições e de cerceamento da vida humana. cambi, enfim, atribui à sua obra a finalidade de formação do intelectual-pedagogo, na qual os conteúdos trabalhados não devem ser analisados de modo empírico-dogmático, no intuito de o pedagogo poder fazer suas escolhas teórico-metodológicas com maior controle e conhecimento.

ao concluir este trabalho, é importante salientar as possibilidades de pesquisa que permanecem em aberto: seja na direção de conhecer a forma de utilização desses manuais de história da educação e/ou da pedagogia, por meio do exame das práticas docentes e discentes dos cursos de formação de professores (ao menos naqueles que serviram de amostra para este trabalho); seja na efetivação de uma análise mais aprofundada sobre os conteúdos apresentados

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nas inúmeras páginas das obras examinadas; seja, ainda, em outras possibilidades que possam encontrar os leitores do presente texto.

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havEria Uma historiograFia EdUCaCional brasilEira ExprEssa pElos manUais didátiCos pUbliCados EntrE

1914 E 1972?

José carlos souza araújoBetânia de oliveira laterza ribeiro

sauloéber társio de souza

toda pesquisa empírica se rege sob coordenadas por nós orientadas. ela não pode se orientar além destas coordenadas [...]. os dados da pesquisa histórica não são as coisas passadas (porque essas coisas são do passado), mas o que está ainda preservado no aqui-e-agora, sejam lembranças do que era e aconteceu, sejam os vestígios do que foi e chegou de outrora (p. 37). e no momento em que ela [a ciência da história] tem consciência de não poder mais responder, ou não oferecer respostas de forma satisfatória às muitas perguntas de seu campo, então ela redobrará seus cuidados, a fim de que o que ela forneça não pareça ter mais valor do que realmente tem ou pode ter, a saber: uma representação mais próxima o possível de coisas distantes ou muito remotas que foram um presente, que agora são parte integrante de nossa realidade e ainda vivem e convivem no conhecimento dos homens (droYsen [1808-1884], 2009, p. 37 e 85).

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Conceituações e explicitação do objeto

muitas são as possibilidades de acesso ao manual didático: concretamente, constitui-se ele como tecnologia educativa, mediadora da relação entre o professor e o aluno, associada à pedagogia da escrita/leitura,1 esta emergente desde o aparecimento da imprensa nos meados do século Xv. porém, o manual didático também é uma expressão do currículo e de sua história. está associado à construção da escolarização desde o nível superior, de origem medieval, à educação secundária desde o século Xv, e à primária e à infantil desde o século XiX. por outro lado, o manual didático constitui-se como uma espécie de gramática do professor (silva, 2007), uma vez que é portador de métodos e de técnicas de ensino, além de propor e orientar processos de avaliação. via de regra, ele apresenta uma seleção sistemática de conteúdos, os quais não podem ser concebidos como isentos dos objetivos de ensino, bem como de suas finalidades sociais nesse sentido, o manual didático é um dos mediadores dos processos de ensino e aprendizagem, além de demarcá-los pedagógica e didaticamente, processos estes constituintes intrínsecos da cultura. por outro lado, ainda, é um produto do paulatino processo de industrialização capitalista, destinado ao consumo, comercializado, objeto de propaganda, produto da indústria cultural, componente do mercado editorial etc.

se muitas são as possibilidades de acesso ao manual didático, poder-se-ia afirmar, sem dúvida, que os objetos são muitos. fenomenicamente, o manual didático não se deixa

1 a pedagogia da escrita/leitura seria distinta da pedagogia da oralidade, anteriormente à emergência da imprensa, bem como da pedagogia da imagem, emergente desde os finais do século XiX. seus projetos referentes ao ensino, à aprendizagem, ao professor, ao aluno etc. seriam diferenciados, porém não necessariamente excludentes. tal perspectiva é comumente representada pelo campo educacional quando se defende uma educação moderna: a oralidade teria sido superada pela escrita/leitura, as quais teriam, por sua vez, sido superadas pela orientação imagética. na verdade, tais pedagogias convivem entre si, além de estruturar a escola contemporânea.

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revelar facilmente, e sua inteligibilidade não se resolve nele mesmo, pois, por meio dele e de suas expressões, revelam-se muitas dimensões, como se ressaltou em parágrafo anterior. e tais dimensões não são facilmente compartimentáveis, ainda que se encontrem especialistas mais ou menos associados aos campos mencionados, bem como abordagens peculiares a respeito desses campos.

o objeto específico deste texto é explicitar uma análise, ainda que introdutória e parcial, de caráter historiográfico-educacional, a respeito dos manuais de história da educação – publicados, em primeira edição, entre 1914 e 1972 –, que trazem em seu bojo conteúdos e orientações pedagogizados e didatizados em torno da explicação e da interpretação da realidade histórico-educacional brasileira.

Historiografia tem sua etimologia explicada pela junção de dois termos: história e escrita, ou seja, trata-se da “escrita da história”. porém, podem ser distintos dois sentidos básicos:

a) os processos de busca de evidências empíricas, de sua análise e de sua interpretação são compreendidos como historiografia, uma vez que envolvem uma teoria e uma metodologia em vista da própria escrita da história; nesse sentido, escrever ou reescrever a história implica fazer historiografia.

b) entretanto, entregar-se à constituição dos estudos históricos como escrita, cuja construção do passado se renova sem cessar, conduz a outro sentido de historiografia: trata-se, nesse aspecto, de uma investigação sobre a história da escrita da história. uma vez que ela é sempre reescrita, é possível localizar seus diversos contornos interpretativos, suas inspirações, suas temáticas eleitas, suas ideologias etc. nesse sentido, seria uma forma de construir uma história das ideias.

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É o que confirma Julio aróstegui (2006), para quem o conceito de historiografia designa duas significações: a) “[...] a tarefa de investigação e escrita da História, frente ao termo História, que denominaria a realidade histórica. Historiografia é, na sua acepção mais simples, ‘escrita da História’” (p. 36); b) “e historicamente pode aludir às diversas formas de escrita da História que se sucederam desde a antiguidade clássica” (p. 36). sob tal perspectiva, pode-se falar em historiografia grega, ou chinesa, ou positivista, ou romântica etc.

ainda segundo aróstegui (2006), essa é a tradição compreensiva que se estruturou na itália com Benedetto croce, em sua obra, Teoria e história da historiografia; na frança, com pierre vilar e Georges lefebvre; na espanha, com J. fontana; no mundo anglo-saxão, com W. H. Walsh. ainda em busca das fontes: a historiografia seria uma disciplina que teria existido somente a partir do século XX. o pioneiro nesses estudos teria sido o historiador suíço eduard fueter (silva; silva, 2008, p. 190), com sua obra Geschichte der neuren historiographie, publicada em 1911 (croce, 1953, p. 137). entretanto, o termo foi cunhado pelo monge tomaso campanella em 1638 (lomBardi, 2004, p. 152).

entrevê-se, então, que a constituição da historiografia se dá pelo “[...] exame dos discursos de diferentes historiadores, também de como estes pensam o método histórico” (silva; silva, 2008, p. 189). ela, por conseguinte, permite “[...] compreender os elementos comuns aos intelectuais de um mesmo período. [...] a maior utilidade dessa disciplina é demonstrar, pela observação dos historiadores passados, que todo historiador sofre pressões ideológicas, políticas, institucionais, comete erros e tem preconceitos” (silva; silva, 2008, p. 189). ainda segundo esses pesquisadores, a historiografia seria “[...] uma forma de analisar os mecanismos que envolvem a produção do discurso dos historiadores, percebendo esses discursos em relação ao tempo e à sociedade em que cada historiador está inserido” (p. 190).

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de acordo com um dos pioneiros da discussão sobre o tema, o italiano Benedetto croce, em Teoria e história da historiografia, uma obra vinda a público na alemanha em 1915 – com o titulo Zur theorie und geschichte der istoriographie –, mas que reunia textos publicados, em sua maior parte, entre 1912 e 1913, a função própria da história da historiografia é o desenvolvimento do pensamento historiográfico (croce, 1953, p. 137). propriamente, ela designa a “[...] história da historiografia e a história do pensamento histórico; e torna-se impossível distinguir neste a teoria da história e a história” (p. 141). argumenta ainda que as filosofias da história fundam estreitas relações com a história da historiografia, bem como sustenta que as teorias historiográficas são a consciência que a história adquire de si mesma (p. 142).

Georges lefebvre, em O nascimento da historiografia moderna, cuja data de publicação na frança é de 1971, apresenta uma reflexão esclarecedora nessa direção: depois de considerar que a história não se escreve de uma vez para sempre, e que, inclusive, será sempre reescrita, sustenta: a história faz “[...] sentir que a concepção da história, os meios de que dispõe e o método que consigna estão em relação directa com a vida que ela reflecte: ela própria é um ser vivo sob o signo da transformação” (1981, p. 11). ressalte-se que se encontra aqui o nicho da historiografia conforme considerações anteriores: as explicações e interpretações estão a se refazer continuamente. aí habita a historiografia como busca da consciência que a história adquire de si mesma, conforme afirmava B. croce.

a buscar apoio na reflexão de brasileiros, cabe mencionar dois. o primeiro é carlos Guilherme mota (1977), em Ideologia da cultura brasileira (1933-1974), cuja primeira edição é de 1974:

na comunidade dos historiadores de ofício, a história da Historiografia geralmente é considerada o mais difícil dos gêneros. dadas suas características e implicações, pressupõe que o analista reúna conhecimentos de metodologia, teoria

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da História e teoria das ideologias. e de História, naturalmente (mota, 1977, p. 26).

sob tal orientação, enveredar pela historiografia educa-cional dos manuais didáticos é mergulhar pelas várias dimen-sões que ela implica, como acaba de sustentar carlos Guilher-me mota. a investigação historiográfica, por conseguinte, tem raízes histórico-sociais, implica análise da importação cultural de métodos e de modelos, definição de temas predominantes, traços teórico-metodológicos, demarcações didático-pedagó-gicas, conteúdos ideológicos. além disso, trata-se de dialetizar tais aspectos, entre outros, com a própria empiria, no caso, revelada pelos livros didáticos, uma peça de uma maquinaria sócio-histórica. tal perspectiva é complexa e implica conhe-cimentos variados.

o segundo brasileiro é José roberto do amaral lapa (1976), para quem a historiografia de um país espelharia o amadurecimento da ciência histórica. para ele, no Brasil, o termo historiografia é consagrado em relação à sua significação como história da história: “as demais ciências humanas não chegaram a tanto, sendo mesmo obrigadas, por exemplo, a recorrer à palavra História para a mesma finalidade” (p. 14). afirmava, ainda, nos meados dos anos de 1970, que o desenvolvimento da ciência histórica de então propiciava a maturação no pensamento histórico: “[...] não é possível enriquecer uma Historiografia assentada numa história pobre” (p. 14). essa observação certamente é cabível ao desenvolvimento da pesquisa histórico-educacional de então, época em que os estudos dessa natureza ainda se institucionalizavam na da pós-graduação.

os manuais didáticos em pauta ainda expressavam, naquela conjuntura, uma história pobre, o que não permitiria, no dizer de amaral lapa, o enriquecimento da historiografia, em particular, da histórico-educacional. suas reflexões podem ser encaminhadas ao campo histórico-educacional a partir da afirmação:

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[...] o conhecimento histórico é o registro inteligente que o historiador procura fazer para compreender aquela realidade. a Historiografia, ainda nesse passo, seria justamente a história crítica dessa memorização e do processo que a determinou. o processo através do qual se dá o registro da realidade histórica e ele próprio registro é que são o objeto da Historiografia (lapa, 1976, p. 14).

nesse sentido, esta não pode acontecer sem o conhecimento histórico-educacional, sem o seu registro primordial. o processo de criação do conhecimento histórico-educacional passa necessária e primordialmente pela descrição, pela análise, pela reconstituição e pela interpretação. em diferente ordem, a historiografia implica a análise crítica desse processo de produção do conhecimento histórico-educacional, bem como do próprio conhecimento histórico.

se a pesquisa histórico-educacional é rarefeita em relação à periodização-objeto deste capítulo – de 1914 a 1972 –, pode-se afirmar que “[...] uma obra de Historia em si não se configura como Historiografia, mas sim como objeto da Historiografia, enquanto que o estudo dessa obra já se insere como historiográfico” (lapa, 1976, p. 16). as obras – manuais didáticos de historia da educação –, por conseguinte, não se constituem como historiografia, mas podem ser consideradas como seu objeto.

o esforço deste capítulo não visa apenas a enumerar autores e obras de manuais didáticos de história da educação e descrevê-los, mas disso necessita. trata-se, como possibilidade, de apontar para a necessidade de aprofundar, com base neles, através deles, as orientações historiográficas de concepção medievalista – influenciada pela perspectiva eclesiológica fundada na concepção de cristandade, ou assentada na orientação tridentina (arauJo, 1986) – hegemônica na orientação eclesiástica católica até os anos de 1960. envolve, ainda, em termos historiográficos, as orientações inspiradas no iluminismo e em sua ideia de progresso que perpassa

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pela educação, a ser distinta das concepções de progresso e educação sob a inspiração romântica e positivista-evolucionista.

trata-se, também como possibilidade, de apontar para a análise dos conteúdos, da ação dos historiadores da educação, ao longo de sua vida, que produziram tais manuais; trata-se, em suma, de buscar o sentido de tais manuais de história da educação para a formação do professor, da significação da história da educação em vista do conhecimento da área da educação, da escola em seus diversos níveis, enfim da própria cultura que reproduziu e se produziu em solo brasileiro. cabe ressaltar que há vários estudos a respeito de tais manuais de história da educação. pela ordem cronológica: Ghiraldelli (1993), nunes (1996), Warde (1998), faria filho e vidal (2003), Bastos (2006) e Gatti (2009), dos quais este capítulo é devedor quanto ao objeto, à problematização e à empiria.

Problematizações

a esta altura, já se delineia que a perspectiva historiográfica, focalizada na atividade e no produto da atividade dos historiadores, constrói-se em torno de um foco: a educação brasileira historicamente considerada em dez manuais didáticos publicados entre 1914 e 1972. e o problema a ser respondido se expressa pela seguinte indagação: como a história da educação brasileira foi estabelecida em diferentes manuais de história da educação entre 1914 e 1972, considerados a partir de suas primeiras edições?

tematicamente, trata-se de assumir uma dezena de obras didáticas, que também tiveram como objeto a história da educação brasileira. em certo sentido, busca-se averiguar como a referida temática foi posta em circulação por quase seis décadas, cuja característica comum exercitada foi compreender a formação brasileira desde o campo educacional

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o ensino de História da educação

– a partir de uma orientação política que definia o critério de periodização – no decorrer dos períodos colonial, imperial e republicano.2 eis, ilustrativamente, as capas ou contracapas dos manuais didáticos em história da educação (figuras de 1 a 10) em ordem cronológica de publicação e em primeira edição, que são objeto desta pesquisa, excetuando a de raul alves. (esboço histórico e crítico geral da educação. rio de Janeiro: pongetti, 1929).3

Figura 1 - [rené Barreto]. História da pedagogia compilada por um professor. rio de Janeiro: livraria francisco alves, 1914.

Figura 2 - afrânio peixoto. noções de história da educação. são paulo: companhia editora nacional, 1933.

2 em relação ao conteúdo dos manuais didáticos referidos, o capítulo em apreço estará restrito ao período conhecido como primeira república, comumente demarcado entre 1889 e 1930.

3 também no atual estágio da pesquisa, a obra de raul alves de souza (1929) não foi localizada, com a qual somariam 11 os referidos manuais.

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Figura 3 - madres francisca peeters & maria augusta de cooman. educação: História da pedagogia. são paulo: comp. melhoramentos de são paulo, 1936.

Figura 4 - Bento de andrade filho. História da educação. são paulo: livraria saraiva, 1941.

Figura 5 - theobaldo miranda santos. noções de história da educação. são paulo: companhia editora nacional, 1945 (edição ilustrada).

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o ensino de História da educação

Figura 6 - raul Briquet. História da educação. evolução do pensamento educacional. são paulo: editora renascença, 1946.

Figura 7 - aquiles archêro Júnior. lições de história da educação rigorosamente de acordo com programa oficial das escolas normais. são paulo: edições e publicações Brasil, 1948.

Figura 8 - abrão Benjamim. molduras da filosofia e história da educação. são paulo: livraria martins editora, 1954.

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Figura 9 - ruy de ayres Bello. pequena história da educação. são paulo: editora do Brasil, 1957.

Figura 10 - zaíra de moura campos. História da educação. ribeirão preto, sp, s/editora, [1972].

as indagações que permitem constituir a problematicidade em torno dos manuais didáticos em apreço são inúmeras. são elas, dentre outras: como explicar as emergências de tais manuais no decorrer do período de 1914 a 1972? Haveria antecedentes que contextualizassem ampla e especificamente suas emergências? quem são os seus destinatários ou quais são os seus públicos-alvo? quais foram os objetivos e as finalidades de tais manuais? quais foram as motivações conjunturais que levaram seus autores a escrever essas obras? É possível encontrar uma referência modelar, de caráter historiográfico, em quase seis décadas, por dez manuais? se existe tal modelo, expresso pelos próprios manuais, pode ser concebido como hegemônico quanto à orientação em vista da

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o ensino de História da educação

formação propiciada pelos conteúdos histórico-educacionais? como explicar sua permanência do ponto de vista editorial, num dado período histórico, por meio de suas reedições? quais são os enquadramentos didático-pedagógicos que orientaram suas diversas elaborações? qual é a concepção de docência implícita em tais enquadramentos? quais são os direcionamentos para a organização do trabalho didático do professor? quais são as concepções de história da educação reveladas pelos prefácios, pelas apresentações, pelas introduções, pelas orelhas das obras? qual é a concepção de educação? como realizam tais manuais a periodização da historia educacional brasileira? quais fontes primárias e secundárias são utilizadas em tais manuais? quais referências bibliográficas são comuns a eles, e quais são as específicas? Haveria fontes comuns, primárias ou secundárias, entre os diferentes manuais publicados, em primeira edição, entre 1914 e 1972?

tais indagações lançam a possibilidade de afirmação de homogeneidades e simetrias, mas também de heterogeneidades, disparidades, diferenças, diversidades, divergências, enfim, assimetrias entre os próprios manuais em apreço. ressalte-se: as fontes primárias deste capítulo fundem-se ao próprio objeto.

o que é marcante, numa visão de conjunto, é a perspectiva subalterna que ocupa a história da educação brasileira em referência à história geral da educação ou à história da educação ocidental. tal subalternidade verifica-se em posições que chegam a identificar que “[...] educacionalmente, o Brasil não tem, de fato, história” (andrade filHo, 1941, p. 269). em nota de rodapé, esclarece: “É evidente que, com esta expressão, queremos significar: fatos peculiares a uma história particular. [...] os brasileiros encontram seu passado remoto em todos os capítulos da História da educação [...]” (p. 269) – o que, no interior da obra, se refere a sua generalidade. entretanto, o conteúdo de tais manuais constitui-se em

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uma espécie de acessório à história geral da educação, em particular da história da educação ocidental. como acessório ou apêndice, constitui-se como um capítulo suplementar ou mesmo um anexo, como parte pertencente a uma outra, maior, como se verificará no decorrer deste trabalho.

em vista de tal objeto, estruturalmente este capítulo focalizará dois aspectos: a) a descrição, a análise e a sistematização a respeito dos referidos manuais e, em particular, em vista dos conteúdos histórico-educacionais referentes ao Brasil; b) nesse sentido, visará a explicitar preliminarmente um exercício de caráter historiográfico, levando em conta as orientações assumidas pelos referidos manuais didáticos, com conteúdos organizados em torno da hegemônica periodização de caráter político, tripartida em colônia, império e república.

Educação comparada por meio dos manuais didáticos

descritivamente, trata-se de investigar e constituir algumas homogeneidades que estruturam tais histórias da educação brasileira. a identificação de homogeneidades entre os diversos manuais da história da educação em apreço acarreta, implicitamente, também assumir que há uma heterogeneidade entre eles. em suma, seria possível compor uma identidade entre os diversos manuais, ou cada um deles se constitui singular e autonomamente? essa questão pode ser elucidada pela abordagem comparativa.

a expressar-se de outra forma: trata-se de um exercício de comparação, ou mesmo de educação comparada, uma vez que ela pode ser feita com base em ideias ou teorias pedagógicas, em métodos de ensino, em modalidades de ensino (individual, mútuo ou simultâneo), em legislação educacional federal, estadual e municipal, entre instituições escolares ou educativas etc.

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o ensino de História da educação

no caso do objeto deste, trata-se de uma educação comparada a partir dos manuais didáticos de história da educação, em particular da história da educação brasileira inserida em livros didáticos de história da educação em geral. o argumento de ordem conceitual de José querino ribeiro (1958, p. 7) sustenta esse direcionamento:

[...] a educação comparada abrange um campo tão vasto, é óbvio, como o da própria educação; [...] podemos incluir como objeto da educação comparada tanto uma comparação das técnicas de ensino de taboada, como uma comparação de ideais supremos de educação; tanto uma comparação de sistemas escolares locais, nacionais ou internacionais, como de práticas de ensino da língua materna [...]. em suma, tudo o que puder caber dentro da quase infinita compreensão do termo educação, pode constituir objeto da educação comparada e não só de um ponto de vista limitadamente contemporâneo, [...] como de um ponto de vista ilimitadamente histórico (por exemplo, a evolução do ensino popular na china e no Brasil).

na verdade, a proposta de educação comparada por meio dos manuais didáticos em apreço “[...] pode ser definida, simples e totalmente, como um método de abordagem dos fatos educacionais” (riBeiro, 1958, p. 7). esse mesmo autor, em artigo publicado na Revista de História, observa:

a educação comparada é, de fato, especialmente um método de apresentação ou de abordagem dos problemas educacionais em geral e dos escolares em particular, em função dos dados históricos, sociais ou estatísticos, bem como dos demais dados que podem, de algum modo, contribuir para esclarecer as questões tomadas (riBeiro, 1952, p. 463).

nesse nível de argumentação, o autor de Pequena introdução ao estudo da educação comparada ressalta que a locução educação comparada é tão somente um método de abordagem em vista da necessária comparação. esse seria um elemento fundamental do método científico –, um componente de aspecto metodológico –, seja ele vinculado ao ensino ou

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à pesquisa, seja, conforme o enfoque contemporâneo, ao ensino e à pesquisa.

esta, como componente de tal direcionamento metodológico, sobrevém após tais encaminhamentos anteriores. certamente, esses aspectos metodológicos não podem se desenvolver sem levar em conta uma necessária contextualização histórico-social, uma vez que a produção desses manuais está vinculada à emergência da disciplina história da educação e, posteriormente, do campo histórico-educacional (saviani, 1998; tanuri, 1999; lomBardi, 2004; vidal; faria filHo, 2005; lomBardi, 2006; monarcHa, 2007).

esse aspecto, associado à necessária contextualização histórica, pode parecer secundário, todavia encaminha a compreensão do livro didático como uma peça de uma maquinaria escolar (varela; alvarez-uria, 1992; vincent; laHire; tHin, 2001), institucionalizada e denominada por escola, hoje uma forma hegemônica de educação. o livro didático constitui, pelo menos parcialmente, a empiria que cimenta a natureza de uma escola desde o seu interior. porém, a escola não se resolve em si mesma ou apenas por suas práticas didático-pedagógicas e por seus conteúdos, ou mesmo por seus manuais. a análise da empiria intraescolar – e o livro didático dela é um componente, porém sem ser exclusivo – conduz à explicação e à compreensão de que ela se baliza por sua exteriorização, exercida pela escola em relação à própria sociedade.

esse aspecto é crucial à escola, pois ela se torna escola por meio de tais mediações, por exemplo, pelos manuais didáticos, mas ela não existe para isso. a escola, sem a compreensão de suas finalidades sociais, deixa de ser escola para se tornar uma ilha. a propósito, a cultura escolar, uma categoria de acesso à forma escolar, e que permite orientar a análise evidenciada e destacável contemporaneamente, abrange, no dizer de dominique Julia (2001, p. 10-11), “[...] finalidades (religiosas,

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o ensino de História da educação

sociopolíticas ou simplesmente socialização), modos de pensar e de agir largamente difundidos no interior de nossas sociedades, as culturas infantis (no sentido antropológico), corpo profissional, normas, dispositivos pedagógicos e práticas”.

em acordo com o próprio dominique Julia (2001) e a ampliar a sua orientação, pode-se deslindar que a cultura da escola é um fenômeno complexo no âmbito da diversidade dos níveis de escolaridade (infantil, fundamental, média e superior), bem como de sua disseminação – no caso brasileiro, trata-se de compreender isso concretamente e de um ponto de vista histórico-educacional. mas, de qualquer forma, ressaltem-se em dominique Julia as dimensões, pela mesma ordem: teleológica (pelas finalidades religiosas/sociopolíticas ou simplesmente de socialização), concepcional (modos de pensar, os quais envolvem aspectos epistemológicos, lógicos, ontológicos, éticos, antropológicos), moral (modos de agir), o ser profissional docente (que envolve necessariamente dimensões vinculadas à profissão, à profissionalização e ao profissionalismo), regulamentos e prescrições (normas), dispositivos pedagógicos a concorrerem para o funcionamento e a atividade da estrutura escolar, além das práticas, que implicam execução do que se planejou, ou simplesmente efetivação, mesmo não conforme o planejamento, em vista dos aspectos apontados, neste mesmo parágrafo, além de envolver experiências, hábitos, costumes e saberes que envolvem a escola como instituição.

empiricamente, os manuais didáticos em apreço podem ser submetidos a vários ângulos de análise: autores, títulos, subtítulos, capas, contracapas, destinatários, prefácios, apresentação dos próprios autores, sumários, orelhas, cronologias componentes dos conteúdos, periodização, pertença dos manuais a coleções ou séries, estruturas didáticas das obras, bibliografia utilizada, locais de publicação, editoras; mas sem secundarizar a necessária contextualização em torno

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de outros aspectos, como os afetos ao período: expansão e interiorização das escolas normais no decorrer da primeira república, emergência das universidades desde os anos de 1920 – a universidade do rio de Janeiro, criada em 1920, e a universidade de minas Gerais, criada em 1927 –, estatuto da universidade brasileira de 1931, emergência das faculdades de filosofia, ciências e letras nos anos de 1930, e dos cursos de pedagogia ao final dos anos de 1930, reforma do ensino normal em 1946, projeto da primeira ldB enviado ao congresso nacional em 1948, expansão da educação superior desde os meados dos anos de 1940, conflitos ideológicos entre a escola pública e a particular nos anos de 1950 etc.

nesse patamar, cabe dar sustentação analítica aos manuais em pauta – constituintes primordiais dessa empiria –, o que permite dialetizar ambos: explicitamente, a empiria e a análise devem se submeter a uma dialetização de ambas. diante da fragilidade da segunda, deve-se indagar a respeito da empiria, uma vez que esta permite fortalecer a segunda. e é por meio de sua dialetização que se ganha em densidade (rusen, 2007).

focalizar o conjunto dos escritos sobre história da educação brasileira de dez obras – o que será apresentado em quadro sinótico a seguir – implica um conjunto de indagações que constituem o campo de problematização construído.

em termos de datação, o ano de 1972 poderia ser assumido como a data de ruptura com a orientação de que a história da educação brasileira deveria se constituir em seus manuais como apêndice ou como complemento de um manual de história da educação em geral. desde então, publicam-se manuais dedicados integralmente à história da educação brasileira (toBias, 1972; tafÚri, 1973; fonzar, 1989; GHiraldelli, 1990; piletti, 1996) ou constituídos de vários capítulos no interior de uma obra de história da educação: a) seja pela intercalação de capítulos conjugados à história da educação em geral (aranHa, 1989); b) seja

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o ensino de História da educação

pela inserção de vários capítulos ao final (piletti; piletti 1985; cotrim, 1987; piletti; piletti, 1990). entretanto, encontram-se, posteriormente a 1972, manuais que mantêm semelhanças muito próximas com os manuais anteriores, publicados entre 1914 e 1972 (é o caso de cotrim; parisi, 1979 e Giles, 1987).4 até então, os manuais didáticos de história da educação, publicados por brasileiros, assumem-na em suas obras como capítulo último – é o caso das obras de Barreto (1914), peixoto (1933), peeters e cooman (1936), Briquet (1946), Benjamim (1954), Bello (1957) e campos (1972) –, como apêndice: andrade filho (1941) e santos, (1945) ou como lição: archêro Júnior, (1948) (quadro 2, terceira coluna).

4 na obra de cotrim e parisi (1979), a história da educação brasileira é desenvolvida em 19 páginas, em periodização tripartite (colonial, imperial e republicana), em penúltimo capítulo, e é intitulada A educação no Brasil (p. 260-279); a obra de Giles (1987) desenvolve o conteúdo histórico-educacional sobre o Brasil, também conforme a periodização tripartite em colonial, imperial e republicana, com 18 páginas, e se localiza como último capítulo, intitulado Quadros da história do processo educativo no Brasil (p. 283-300).

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Autor título da obra Edição Cidade Editora Ano de publicação

Número de páginas da

obra

[Barretto, rené]

História da pedagogia compilada por um professor

1ª. rio de Janeiro

editora francisco alves 1914 277 p.

alves, raulesboço histórico e crítico geral da educação

1ª. rio de Janeiro pongetti 1929 sem

informação

peiXoto, afrânio

noções de história da educação

1ª. são paulo

cia. editora nacional 1933 282 p.

peeters, francisca; cooman, maria augusta de

educação: história da pedagogia

1ª. são paulo

cia. melhoramentos de são paulo

1936 193 p.

andrade filHo, Bento de

História da educação 1ª. são

paulo edição saraiva 1941 272 p.

santos, theobaldo miranda

noções de história da educação

1ª. são paulo

cia. editora nacional 1945 586 p.

Briquet, raul

História da educação. evolução do pensamento educacional

1ª.são paulo

editora renascença 1946 206 p.

arcHÊro JÚnior, aquiles

lições de história da educação

1ª. são paulo

edições e publicações Brasil editora

1948 154 p.

BenJamim, abrahao

molduras da filosofia e história da educação

1ª. são paulo

livraria martins editora 1954 241 p.

Bello, ruy de ayres

pequena história da educação 1ª. são

pauloeditora do Brasil 1957 222 p.

campos, zaira de moura

História da educação 1ª.

ribeirão preto, sp

sem editora 1972 197 p.

quadro 1 – referências sinótico-bibliográficas dos manuais de história da educação em apreçofonte: elaboração dos autores.

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o ensino de História da educação

uma observação descritiva quanto às datas de publicação, referida à heterogeneidade entre os manuais em apreço: uma nos anos de 1910; uma ao final dos anos de 1920; três nos anos de 1930; mais três nos anos de 1940; duas nos anos de 1950; uma nos anos de 1970. os anos de 1960 não contam com nenhuma publicação de manual didático de história da educação. o quadro 2, a seguir, informa também sinoticamente os aspectos relativos aos capítulos sobre a história da educação brasileira:

Autor título da obra e ano de publicação

Lugar da história da educação no Brasil nos

manuais em apreço e seus respectivos subtítulos

total de páginas da obra

Paginação referente à história da

educação no Brasil e total de páginas

[Barretto, rené]

História da pedagogia compilada por um professor (1914)

capítulo XiX2 (último) 277 p. 249-262,14 p.

alves, raul1esboço histórico e crítico geral da educação (1929)

sem informação sem inf. sem informação

peiXoto, afrânio noções de história da educação (1933)

capítulos Xvii-Xviii-XiX – Brasil (penúltimo)3 282 p. 211-249,

39 p.

peeters, madre francisca e cooman, madre maria augusta de

educação: história da pedagogia: problemas actuaes (1936)4

capítulo décimo nono – a educação no Brasil (último) 193 p. 150-157,

8 p.

andrade filHo, Bento de

História da educação (1941)

apêndice – a educação na américa e no Brasil 272 p. 269-272,

4 p.santos, theobaldo miranda

noções de história da educação (1945)

apêndice – a educação brasileira 586 p. 549-586,

38 p.

Briquet, raul

História da educação. evolução do pensamento educacional (1946)

capítulo Xv – a educação no Brasil (ultimo) 206 p. 162-183,

23 p.

arcHÊro JÚnior, aquiles

lições de história da educação (1948)

lição viii – a educação no Brasil (último) 5.. 154 p. 93-136,

44 p.

BenJamim, abrahão

molduras da filosofia e história da educação (1954)

a história da educação no Brasil e o manifesto dos educadores (último)

241 p. 231-235,5 p.

Bello, ruy de ayres

pequena história da educação (1957)

capítulo Xviii – a educação no Brasil (último) 222 p. 207-216,

10 p.campos, zaíra de moura

História da educação [1972] educação no Brasil (ultimo) 197 p. 180-191,

12 pquadro 2 – lugar da história da educação no Brasil nos manuais didáticos.fonte: elaboração dos autores.

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coleção Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil - volume 6

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as evidências empíricas permitem assumir os seguintes contornos, aqui fundados na comparação, seja em vista da homogeneidade, seja da heterogeneidade – duas delas já apontadas. inicialmente, as homogeneidades, baseadas nos quadros 1 e 2:

a) a primeira delas, sobre os títulos das obras (cf. a segunda coluna do quadro 2), são alguns termos a expressar conteúdos didáticos: noções (por duas vezes), lições, molduras, compilação, esboço, pequena história da educação. por outro lado, quanto aos conteúdos, os títulos referem-se à história da educação (por seis vezes), à historia da pedagogia (por duas vezes), à filosofia e à história da educação (uma vez); a obra de raul alves deixa implícito o objeto no título esboço histórico.b) a segunda delas revela que os manuais escolares de história da educação, em geral, tornados públicos no Brasil, apresentam a história da educação brasileira como complemento, acréscimo, adendo ou apêndice, ou como se queira (cf. quadro 2, terceira coluna). complementarmente, uma observação quantitativa também de caráter homogêneo: além de serem denominados por apêndice, apresentam-se, comumente, como último ou penúltimo capítulo (cf. quadro 2, coluna terceira);c) oito, dentre as onze editoras dos manuais didáticos em apreço, situam-se em são paulo, além de uma publicação em ribeirão preto, sp (a editora não é referida); e apenas duas editoras representam o rio de Janeiro (cf. quadro 1, quarta coluna);d) dentre as dez obras aqui em apreço, os conteúdos histórico-educacionais sobre o Brasil somam, em média, apenas 7,3% quanto à extensão de páginas de todas elas reunidas (cf. quadro 2, quinta coluna). e) com relação à periodização: o texto de [rené Barreto] (1914) apresenta referências aos períodos colonial e imperial; em seguida, trata de são paulo desde 1835 aos meados dos anos de 1890; ao final, traz duas leis paulistas de 1890. os manuais subsequentes – de peixoto (1933), peeters e cooman (1936), santos (1945), Briquet (1946), archêro Júnior (1948), Benjamim (1954), Bello (1957) e campos (1972) – abordam explicitamente os períodos colonial, imperial e republicano. por sua vez, o manual de autoria de andrade filho (1941) não denomina os períodos, mas, em quatro páginas, apresenta um panorama interpretativo a respeito da educação brasileira numa perspectiva histórica.

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o ensino de História da educação

entretanto, verificam-se também heterogeneidades:a) levando-se em conta a extensão em páginas dedicadas à história educacional brasileira, os manuais didáticos mais representativos são, pela ordem, o de 1948, o de 1933 e o de 1945, respectivamente, com 42, 39, 38 páginas; os manuais de 1914 e de 1972 destinam, respectivamente, 14 e 12 páginas; os outros quatro manuais – de 1936, 1941, 1954, 1957 – vão se ocupar da história da educação brasileira oscilantemente entre cinco e dez páginas. b) cabe também destacar a questão: quem são os autores? vários deles são professores associados ora ao magistério superior, ora às escolas normais, além de um que também é médico.

enveredar pelas indagações que buscam identificar o que constitui o homogêneo e o heterogêneo em tais manuais conduz à educação comparada em perspectiva histórica, inclusive para além do próprio manual de história da educação, uma vez que ele é expressão, a um tempo, teleológica, social, cultural, tecnológico-educativa, pedagógica e didática entre outros aspectos, como já se discutiu inicialmente.

Análise historiográfica dos conteúdos histórico-educacionais dos manuais

como já se referiu, a periodização dos manuais didáticos em pauta realiza-se por meio de critérios políticos. em vista disso, adotar-se-á a mesma orientação em vista de uma análise comparativa quanto a tais conteúdos básicos, além dos aspectos já desenvolvidos na seção anterior.

a) Período colonialas investigações em torno das questões histórico-

educativas referentes ao período colonial no Brasil assumiram um caráter, desde longa data, de sinônimo de história da educação jesuítica. a ação pedagógica hegemônica exercida pela companhia de Jesus no Brasil, por mais de dois séculos,

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constituiu a ideia de que nada que não estivesse ligado à ação dos jesuítas no país merece ser compreendido como relevante para a história da educação brasileira colonial. É importante reconhecer que, até 1549, apenas os inacianos foram autorizados pela coroa portuguesa a estabelecerem colégios ou casas de bê-á-bá; a partir de então, mesmo sendo minoritários, assumiriam a instrução dos diferentes grupos sociais da colônia:

obviamente, trata-se de um processo eminentemente cultural, mas com claras vinculações políticas, pois, no caso dos jesuítas, eles forneceram as bases ideológicas necessárias para a dominação política dos colonizadores em decorrência do padroado, isto é, não havia separação entre o estado e a igreja católica em portugal (Bittar; ferreira JÚnior, 2006, p. 2).

a constatação de tamanha hegemonia sobre a educação colonial parece ter gerado a percepção de que a história da educação no Brasil seria um fato dado como acabado, o que contribuiu para desmobilizar os esforços de pesquisadores da área em torno de uma investigação histórica, fenômeno este constatado por Bittar e ferreira Júnior (2006), em análise sobre as pesquisas apresentadas em eventos da área, no período de 2000 a 2004.5

como eles apontaram, é evidente que outras questões são importantes em relação ao interesse pela educação colonial, especialmente por se tratar de temática bastante longeva no tempo, pois envolve distanciamento e obstáculos ao acesso às fontes do período, além do difícil manuseio de documentos antigos, entre outros aspectos.

5 “em 2000, no i congresso da sociedade Brasileira de História da educação – sBHe (rio de Janeiro) foram apresentados 215 trabalhos, sendo que destes, 7 sobre a colônia, 35 sobre o império e 149 sobre o período republicano. Já no ii congresso (natal), em 2002, os anais registram 359 trabalhos, assim distribuídos: colônia (11); império (21), república (161). o iii congresso (curitiba), em 2004, contabilizou 394 trabalhos, sendo: colônia (3); império (68); república (226)” (Bittar ; ferreira, 2006, p. 3).

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o ensino de História da educação

a esses fatores pode-se somar a constituição de uma matriz analítica muito adensada em relação à ação dos jesuítas no Brasil, e que pode ser identificada nos manuais de História da educação aqui analisados já na década de 1910, estendendo-se por um período de cerca de 60 anos, matriz esta que apontava a presença dos jesuítas como empreendedores de grande obra para os interesses do país em oposição à presença predadora dos portugueses. o manual de [rené Barreto], publicado em 1914, já classificava a “expulsão dos padres jesuítas, em 1759,” como um ato que diminuíra “os meios de instrucção”.

embora Bittar e ferreira (2006) indiquem azevedo como o difusor desse ideário, talvez pela sua projeção e inserção nos órgãos oficiais, é preciso reconhecer que os manuais anteriores a essa obra já faziam referências apologéticas à ação dos jesuítas no período colonial. em um deles, peixoto (1933, p. 214) adotou um discurso apologético, descrevendo os religiosos como grandes benfeitores:

com os Jesuítas veiu [sic] a virtude, também a justiça ou a equidade, entre as duas raças, Brancos e negros (como eram chamados os índios, por oposição), que uma escravizava a outra, ‘ferrando’ as ‘peças’ como se foram animais, deles usando e abusando. e ambas as raças, dominadores e dominados, dominou por fim a moral privada e pública dos Jesuítas.

esse discurso foi reproduzido também em outros manuais, como o das madres peeters e cooman (1936, p. 150): “os vícios dos colonos sobrepujavam talvez os dos selvícolas. tudo estava por fazer. o padre manoel da nóbrega, alma de extraordinária tempera e de zelo ardente pôs sem demora mãos à obra, e iniciou o gigantesco trabalho que iam operar no Brasil”.

nesse mesmo manual, mas em perspectiva oposta, os portugueses são afirmados como algozes, reforçando-se a dicotomia entre o bem e o mal que também estaria presente na obra de azevedo: “o ódio de pombal conseguiu destruir tudo.

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em 1759, os jesuítas foram expulsos e brutalmente conduzidos a portugal onde pagaram com a prisão os benefícios derramados sobre a colônia” (peeters; cooman, 1936, p. 152).

tal dicotomia – jesuítas versus portugueses – vai sendo reproduzida em todos os outros manuais aqui relacionados. t. m. santos (1945, p. 549-550) colocaria os jesuítas como os primeiros educadores do Brasil:

pioneiros da contra-reforma na sua reação vigorosa contra a revolução protestante, [...] portugal só se importava em explorar, avidamente, as riquezas naturais do Brasil, sem se interessar pelo desenvolvimento da sua civilização e pela expansão da sua cultura.

archêro Júnior (1948, p. 94) assim se referiu a anchieta em seu lições de história da educação: “a anchieta devemos a primeira gramática da língua tupi [...]”. o tom áspero em relação aos portugueses persistia nos anos de 1940, porém as críticas começavam a ganhar um caráter mais técnico: “em 1759, com a expulsão dos jesuítas pelo marquez de pombal, sofreu o Brasil a primeira e desastrosa, como tantas aliás, de suas reformas de ensino” (1948, p. 94).

em pequena história da educação, r. de a. Bello (1957, p. 208) seguiu a mesma fórmula: “apesar das dificuldades encontradas, o trabalho educativo dos jesuítas produziu os melhores resultados”. porém, foi em História da educação (1972), de zaíra de moura campos, após quase 60 anos dos escritos de Barreto (1914), que a representação dos jesuítas surgiria de uma forma doutrinária sem precedentes:

tal era a vocação para ensinar e tão grande era o amor a deus, que, mesmo sob condições tão desfavoráveis, conseguiram os jesuítas, verdadeiros milagres do ponto de vista educacional. os jesuítas foram perfeitos pedagogos: usavam a música e o teatro na educação [...]. a infiltração de uma moral saída ia se fazendo sentir [...] (campos, 1972, p. 180-181).

observa-se que essa posição interpretativa está orientada por valores da tradição católica que sempre alimentaram a

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nação brasileira. mas, também, pode ser explicada pelo amadorismo da produção do conhecimento de então, o qual reproduzia as matrizes discursivas cristalizadas, especialmente no que se referia ao período colonial: “isto porque, até os anos 1970 aproximadamente predominava a interpretação apologética, em grande parte não acadêmica” (Bittar; ferreira JÚnior, 2006, p.10).

as pesquisas acadêmicas realizadas a partir da segunda metade dos anos de 1970 e nos anos de 1980 tenderiam, com base em uma matriz marxista, a apresentar uma posição antijesuítica nas análises sobre a educação no Brasil colônia, como otaíza romanelli (1976), que considera a presença desses religiosos como elitista, humanista e desvinculada da realidade colonial. posição que não seria compartilhada por José maria de paiva, militante da teologia da libertação, considerando anacrônicas as análises marxistas no que se referia à presença dos jesuítas no país.6

retornando aos nossos manuais, ou a essas gramáticas do magistério, é preciso fazer algumas outras observações sobre o formato da narrativa que se refere à educação colonial. em quase todos os manuais, é a chegada dos jesuítas que inauguraria a história da educação no Brasil, o que expressa uma concepção etnocêntrica, ou seja, o ponto de vista do colonizador se estabelecera desde o princípio, negando-se as formas educacionais dos povos indígenas. “a história da educação no Brasil começa com o ato de d. João iii determinando a vinda dos padres jesuítas para a catequese dos primitivos habitantes do país” (Bello, 1957,

6 como apontou castanho (2006, p.01): “e, se José maria de paiva não está, como de fato declara e demonstra não estar, no campo teórico-metodológico do marxismo, por outro lado não está numa situação de visceral oposição a seu posicionamento transformador da sociedade nem mesmo a seu enfoque – digamos o mínimo – que parte da realidade concreta dos homens vivendo e produzindo a sua existência. quando paiva se refere nos seus textos à cultura, não se trata de uma esfera ideal e desencarnada do homem”. segundo castanho, ainda, sua obra Colonização e catequese (1982) demonstra vitalidade por entender a cultura como algo em construção ou em permanente reorganização, observando as formas de viver da sociedade.

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p. 207). também em Barreto (1914, p. 249): “a mais remota informação que encontramos sobre instrucção pública nos tempos coloniaes [...]” está referida a 1739, quando d. frei antonio de Guadalupe fundou o seminário de s. pedro e o de s. Jose, ambos destinados a órfãos. e em relação à “obra de civilização” dos índios, escreveu peixoto (1933, p. 216):

em menos de vinte anos, os índios já não se comem, já têm sua família, uma mulher, uma casa, uma roça; os filhos aprendem e por êles já querem escrever à rainha por mulheres piedosas que lhes façam, pelas filhas, o que pelos filhos fazem os padres, que ensinam com proveito português, solfa, canto, ofícios, nos colégios de são paulo, rio, Baía, pernambuco há lentes que leem gramática, lógica, latim e até uma hora de poesia, do 2o livro da eneida.

a maior parte desses textos dedicou cerca de quatro páginas ao período colonial, o que continua persistindo mesmo nas obras mais recentes, como revelam Bittar e ferreira Júnior (2006, p. 8): “ao arrolarmos a produção sobre a educação dos jesuítas, verificamos que os livros de História da educação Brasileira dispensam pouco espaço para o tratamento deste tema, geralmente privilegiando a república”. a escrita laudatória, enumerando cronologicamente a fundação dos colégios jesuítas, as biografias das figuras de maior expressão, como nóbrega, navarro, anchieta, Blasquez, leonardo nunes, antonio pires etc., os pioneiros da catequese brasileira, revelam o caráter factual que fundaria a historiografia em torno dos manuais de história da educação.7

a expulsão dos jesuítas, por exemplo, foi narrada sem nenhuma problematização por todos esses autores. mesmo aqueles que buscavam apontar as consequências “nefastas”

7 alguns exemplos desse discurso laudatório nos manuais: leonardo nunes é apontado por santos (1945, p. 551) como o primeiro professor do Brasil em são vicente. da mesma forma afirmaria que as primeiras escolas teriam sido fundadas em são salvador, espírito santo e são vicente. também trazem alguns dados, como o número de 20 núcleos de população, com cerca de 100 mil mestiços e índios catequizados e 30 mil europeus, já no final do século Xvi.

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desse ato não discutiram argumentos e contextos para a decisão de pombal, nem sequer citam os conflitos de interesses econômicos e políticos que culminaram no ano de 1759, com a extinção da ação jesuítica nas colônias portuguesas. apenas peixoto (1933) apontaria como motivos a inveja e a cobiça de outras ordens religiosas ou de leigos, o que parece ter sido implicitamente apresentado em outros autores: “com a decisão do marquês de pombal que expulsou os jesuítas de nossa pátria, outras escolas foram fundadas por diversas ordens religiosas” (BenJamim, 1954, p. 232).

talvez a divergência mais expressiva nesses manuais tenha sido quanto à presença jesuíta na condução da educação brasileira: teria atuado no ensino de primeiras letras, no secundário ou na educação superior? para Benjamim (1954), os jesuítas teriam atuado somente no ensino secundário, não entendendo o ensino catequético como educação elementar. no mesmo sentido, Bello (1957, p. 207) comentaria: “a finalidade da companhia de Jesus não era, porém, o ensino primário, sim o secundário”. santos (1945, p. 553-554) classificava a pedagogia jesuíta como completa: “os jesuítas foram obrigados a ampliar o raio de ação de suas escolas, em cujos cursos vamos encontrar, nessa ocasião, matérias não só do ensino primário, como do ensino secundário e superior”. essa afirmação estaria baseada na análise curricular das classes de seus colégios que compreendiam primeiras letras, humanidades, filosofia, teologia moral, gramática portuguesa, latim, retórica e matemática.

a despeito da atuação dos jesuítas, é preciso retomar a questão inicial de que a história da educação no Brasil colonial se restringe à presença dessa ordem religiosa no país. em nenhum manual é comentada, por exemplo, a ação das corporações de ofício como parte integrante do sistema de ensino brasileiro, as quais tinham configurações importantes, de acordo com a localidade, controlando o mercado de trabalho, mediante certificação daqueles que estariam aptos

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a exercer algum ofício da época, como pedreiro, carpinteiro, ladrilheiro, azulejeiro, carpinteiro de móveis, marceneiro, entalhador, torneiro e violeiro:

as corporações tinham uma hierarquia, que funcionava também como uma espécie de ‘currículo’ da verdadeira ‘escola de artífices’ em que se constituía: na base dessa hierarquia estavam os aprendizes; no topo, os mestres; entre os primeiros, que se formavam sob a orientação dos últimos, e estes, que detinham os direitos corporativos plenos, estavam os oficiais, que executavam a maior parte dos serviços (castanHo, 2006, p. 6).

ressalte-se que o contexto de produção desses manuais foi marcado pelo esforço de intelectuais e do estado, no sentido de se criar e consolidar uma identidade nacional capaz de integrar a nação. assim, os “ventos patrióticos” também estariam refletidos na escrita desses textos, e os portugueses aparecem como elemento estrangeiro depreciado – saqueadores e exploradores ávidos por ouro e riquezas naturais – o que deveria ser repudiado. tal perspectiva, no entanto, já está presente na obra de José veríssimo, a educação nacional, publicada em 1890. por outro lado, a ação dos jesuítas seria enaltecida, reforçando-se a tradição cristã do povo brasileiro, de maneira que sua obra seria um exemplo de sacrifício pela nação, já que enfrentaram as condições precárias e paupérrimas do início da colonização, vivendo na miséria em “prol da educação brasileira”.

b) Período imperialno que tange ao período imperial, o que abordavam

os manuais de história da educação nesse período de quase seis décadas, entre 1914 e 1972? os dados levantados por schelbauer (2005) podem subsidiar a análise historiográfica que aqui se propõe.

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todas as obras destacaram a gratuidade da educação no império, assegurada pela constituição de 1823, outorgada por dom pedro i. as madres peeters e cooman (1936) fazem uma crítica a essa gratuidade, afirmando que, apesar de o país ser o primeiro a proclamar tal medida, ela não foi eficaz.

[rené Barreto] (1914), ao mencionar a história da educação no Brasil, criticava as ações oficiais da colônia à república, advertindo sobre o descompromisso dos políticos com relação à educação brasileira no império, demonstrando o desprezo da elite dirigente com o progresso:

infelizmente, e máo-grado a dôr que isto causa a nossos sentimentos patrióticos, não podemos deixar de confessar que o nosso paìz se acha em um plano muito inferior, em questões de instrucção e de educação, aos em que se encontram as nações americanas aqui atraz nos referimos. raros homens de estado têm ligado importância a esse problema a que se prendem tão intimamente o progresso e a civilisação das nacionalidades. desde os tempos coloniaes, desde a monarchia, e mesmo na república, na grande maioria dos estados, a causa da instrução pública é talvez a menor das preoccupações das classes dirigentes e dos políticos ([Barreto], 1914, p. 249).

dos manuais analisados, esse apresenta um contraponto, na medida em que faz advertência sobre a necessidade de se organizar a instrução pública. outra questão a destacar é a crítica à falta de continuidade de ações no sistema governativo, ausência de um “conselho superior de instrucção”, o que revelaria o ínfimo interesse dos políticos e legisladores brasileiros pela pedagogia. destaca-se, ainda, em sua obra, algo que difere das outras, por fazer uma análise não apenas a respeito dos atos administrativos e legislativos, mas, também, da visão política dos administradores na monarquia.

em relação à precariedade da educação, ao iniciar o texto, o autor expõe sua percepção realista com relação à instrução no Brasil, o que também o faz em relação aos períodos colonial, imperial e republicano, argumentando na direção

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dos esforços fragmentados de ordem político-educacional.com relação ao império, o autor destaca que o ato

de maior importância foi a fundação de ciências sociais e jurídicas em são paulo e em pernambuco pela lei de 11 de agosto de 1827. menciona, também, que os níveis secundário e superior receberam cuidados por parte da política imperial, porém insuficientes. adverte, no entanto, que o ensino primário “[...] não valia coisa alguma” (1914, p. 251). analisa que, em toda parte, os mestres eram ignorantes, e a escola preliminar um suplício para as crianças, pois a forma como a escola primária fora implantada causava nas crianças horror à escola; consequentemente, as faltas eram frequentes, e os castigos corporais dos pais, bem como os péssimos métodos de ensino advindos da orientação jesuítica traziam sentimento de repúdio. nessa direção, as aulas régias eram vistas com certa descrença e temor.

alguns temas perpassaram boa parte do conjunto dos manuais aqui estudados. o denominado método mútuo de lancaster – fundado na oralidade e no uso refinado e constante da repetição – era creditado como a memorização, e esta era considerada como inibidora da preguiça e da ociosidade. em relação a esse método, há referência nas obras de santos (1945), peeters e cooman (1936), Bello (1957) e campos (1972). a obra das madres peeters e cooman destaca que a instância responsável pela educação não estava mais disposta a construir escolas fundadas nesse método, o que revela o descontentamento da população com a educação no período histórico assinalado.

os autores t. m. santos (1945), r. de a. Bello (1957) e z. de m. campos (1972) dividiram a educação no império em dois reinados. essa característica revela uma análise fragmentada e descontínua do período imperial, o que colocou em segundo plano os processos, a dinâmica e o movimento da história. isso não significa dizer que os demais autores descreveram processualmente a história da educação.

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outra questão presente em boa parte dos manuais é a legislação imperial de 15 de outubro de 1827: peixoto (1933, p. 293) esclarece:

foi a única que, em um século, fez, sobre o assunto, o parlamento Brasileiro: ato singular em bem do ensino do povo, e no qual se encontraram acordes esses dois órgãos nacionais de governo, sempre depois desencontrados, o legislativo e o executivo.

o mesmo autor faria apologia desse decreto por acreditar que ele constituiria uma ação que beneficiaria o povo. o mesmo tema surgiria nos manuais das madres peeters e cooman (1936), de t. m. santos (1945) e de archêro Júnior (1948).

outra temática referida nos manuais foi a reforma couto ferraz ou regimento de 1854, segundo peixoto (1933, p. 295):

reformou a instrução primaria e secundaria do municipio: exigiam-se melhores provas de idoneidade aos professores e voltava-se à fiscalização oficial; aos professores eram dados adjuntos (leigos como os outros em materia pedagógica), o material escolar seria fornecido pelo estado, como o expediente e até vestuarios às crianças pobres: uma escola pelo menos em cada paroquia e asilos-escolas para os menores abandonados; escolas de 1º e 2º grau, o primeiro obrigatorio, multados os pais e tutores que não levassem os filhos e pupilos à escola; boas intenções, que pouco passaram alem disso.

como se observa, a precarização da educação pública era denunciada pelos autores aqui apresentados. segundo peixoto (1933), couto ferraz, monarquista e conservador, propusera, em sua vida pública, uma reforma relevante; no entanto não passou de letra morta, além de estabelecer a obrigatoriedade do ensino elementar e a responsabilidade dos pais com a permanência das crianças na escola. essa reforma, pelo preceito legal, embora procurasse avanços para a educação, não teve uma ação governamental como deveria, ficando apenas na intenção.

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uma das mais importantes reformas educacionais do período imperial foi a de leôncio de carvalho, de 1879, que tinha como pressuposto planejar normas para o ensino primário e secundário do município da corte, e também do ensino superior em todo o país. porém, ela foi citada somente por peixoto (1933) e santos (1945). a ausência de referência às reformas imperiais, pela maioria dos autores, sinaliza que eles, ao contextualizar a educação no império, preocuparam-se em apresentar fatos sem o procedimento de uma análise crítica a respeito da execução desses dispositivos legais. por conseguinte, como as obras eram dedicadas à formação de normalistas, não houve preocupação em apresentar o diagnóstico educacional do período imperial tão pertinente à formação de normalistas, construindo um tipo de história factual, descritivo e acrítico.

isso pode ser constatado pela citação, em todos os manuais, da ênfase ao notável trabalho de rui Barbosa e de seus célebres pareces de 1882 e 1883. no entanto, não fizeram referência quanto ao sentido educativo que esses pareceres propagaram em vista dos novos princípios da pedagogia moderna, baseados na experiência e na ação, como seria sustentado pelo movimento escolanovista.

c) Período da Primeira RepúblicaHipotetiza-se aqui que os conteúdos histórico-

educacionais dos manuais em apreço sobre a primeira república no Brasil podem ser compreendidos como reflexo das matrizes geradas pelas elites ilustradas, formadas ainda na tradição iluminista, especialmente por influência da doutrina positivista, cujo representante maior fora Benjamim constant, arquiteto da primeira grande reforma republicana, quando foi ministro de estado.

também não se pode esquecer que os representantes do ideário liberal, defensores do novo regime político, fizeram-se

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presentes no processo de organização das leis educacionais nos estados, uma forma de conciliação política e econômica em função da realidade heterogênea das várias regiões da então recém-criada república federativa dos estados unidos do Brasil.

nesse contexto, porém, a pujança econômica e a influência política do estado de são paulo fariam com que [Barreto] (1914), em seu manual, apresentasse a história da educação brasileira, como sendo a história da educação desse estado. entendia caetano de campos como grande educador, exemplo para todos os demais estados da federação. o mesmo autor dedicou boa parte de seu texto à educação republicana, narrando a morte do venerável mestre: “não era temido, era respeitado. não era adulado, era amado” (p. 256). caetano de campos teria sido o responsável por desencadear grandes reformas em são paulo, as quais serviram de modelo para outros estados. ao lado de rangel pestana e prudente de moraes, campos foi responsável pelo chamado “período áureo na história da instrucção pública paulista”.

avançando cronologicamente na reflexão sobre a primeira fase da educação republicana presente nos manuais, encontra-se afrânio peixoto (1933), já nos anos de 1930, que, distanciando-se da proclamação da república e, no contexto do primeiro governo de vargas, estaria preso aos ideais dos reformadores, especialmente, no que se referia à crença de que o fim do analfabetismo representaria o avanço do país a um patamar próximo ao dos países desenvolvidos, revelando o que nagle (1974) classificou na primeira república como “entusiasmo pela educação”, um forte movimento de retomada dos princípios liberais – “força desenclausuradora” – manifestando-se no contexto da passagem do modelo econômico agrocomercial para o modelo urbano-industrial, alterando-se, por conseguinte, a ordem estamental. nesse momento, a escolarização teria papel insubstituível, essência do processo de aceleração histórica.

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isso explica por que peixoto (1933, p. 238) dedicar-se-ia a criticar, em seu manual, as estatísticas sobre o analfabetismo no Brasil: “[...] os números que representam a ignorância nacional são impressionantes: 66,4% em 1872; 67,2% em 1890, 58,8% em 1900 e 60,1% em 1920”. sua conclusão não poderia ser outra: o Brasil republicano não avançara em termos de “instrucção” e, implicitamente, faria alusão às benesses do extinto sistema monárquico: “a república manteve a atribuição da instrução primária aos estados. o retrocesso ainda foi maior do que no tempo das províncias [...]” (p. 239).

a crítica à “ignorância nacional”, expressa pelos altos índices de analfabetismo, bem como a ineficiência das políticas republicanas para a educação, surgiam em outros manuais também: “em 1930 o censo da republica accusava ainda 70% de analphabetos” (peeters e cooman, 1936, p. 155). no texto de t. m. santos (1945), o problema do analfabetismo aparece como resultado do ensino livresco e acadêmico, sem objetividade e distanciado da realidade do país, não obedecendo “[...] aos preceitos da pedagogia moderna”, resultando em ensino inferior em qualidade e

[...] quantitativamente incapaz de atender às necessidades educacionais das novas gerações brasileiras. e as estatísticas mostravam naquela época, - como ainda hoje -, em seu realismo frio e implacável, mas eloqüente e significativo, a massa enorme de analfabetos existentes no território nacional (p. 571).

diante desse flagelo, surgiriam, na década de 1920, segundo t. m. santos (1945), as primeiras obras de autores brasileiros inspirados em movimentos de renovação pedagógica pelo mundo, como carneiro leão, medeiros de albuquerque e José augusto. além desses, faz também referências aos reformadores, como fernando de azevedo, no distrito federal, e francisco campos em minas Gerais.

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também se reporta à fundação da associação Brasileira de educação em 1924.

toda essa movimentação tinha um objetivo: que tipo de educação seria eficiente para atender aos anseios de construção de um país civilizado e de criação de uma identidade nacional? em vários momentos de leitura e análise dos manuais aqui estudados, os autores revelavam seu ideário de educação. peixoto (1933, p. 238) defendia explicitamente uma padronização nacional do sistema educacional: “[...] temos melindres de intervir nos estados, mas deixamos a alemanha e a itália intervirem em nossa nacionalidade, subvencionando escolas, e fazendo alemães e italianos, dos naturais do Brasil”.

acreditava que somente uma profunda mudança na organização das escolas é que poderia consolidar os ideais republicanos: “[...] à necessidade da escola democrática, escola ‘única’, que reúne todas as classes da sociedade, fundindo-as, fazendo, á-parte dos regionalistas bairristas, a alma do brasileiro, capaz da amar e servir a grande causa da pátria comum [...]” (p. 239). creditava o fracasso no campo da educação à falta de continuidade das políticas públicas, marca da primeira república, com seu excesso de reformas do ensino, concluindo que, em termos de educação: “nada, nada se fez, efectivamente” (p. 242).

outra questão a ser ressaltada no discurso de peixoto (1933, p. 239) é a ênfase à dicotomia entre instrução e educação: “esquecemo-nos, com esses números, que o principal não é instruir, mas educar”. tal dicotomia também estava presente em peeters e cooman (1936, p. 155): “se ao menos, ao lado de ligeira bagagem de conhecimentos se dessem ao povo ensinamentos religiosos e moraes, elle seria talvez um pouco mais ignorante, mas seria educado, o que é o principal”. por essas citações, a falsa oposição entre instrução e educação trazia, nas entrelinhas, a influência da tradição cristã sobre parte dos autores desses manuais. um dos

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argumentos dos colégios confessionais era que sua pedagogia não apenas instruía, mas educava.

também r. de a. Bello (1957, p. 214), implicitamente, em seu manual, traria a ideia de oposição entre instrução e educação, quando se posicionou contrário aos rumos do ensino oficial após a república que, em sua constituição, estabeleceu

[...] a laicidade do ensino oficial, dispositivo que, indevidamente interpretado, baniu da escola brasileira qualquer influência religiosa, tornando-a assim incapaz de atingir sua finalidade, principalmente em relação à formação das consciências e dos caracteres.

acredita-se que, a partir desta leitura, cabe destaque entre os manuais ao de t. m. santos (1945), pelo menos no que tange ao período da primeira república. em todo o seu texto, apresenta as modificações educacionais a partir de mudanças estruturais da sociedade brasileira, contextualizando-as de forma mais articulada. É somente nele que a educação republicana surge como elemento fundamental para construção da nacionalidade do país:

ao iniciar-se o período republicano, o Brasil atravessa uma fase de profundas transformações sociais, econômicas e políticas que já se vinham, aliás, processando desde o fim do período imperial. a abolição da escravatura, a organização do trabalho livre, o afluxo das correntes imigratórias, o surto crescente da indústria, a queda do império e a conseqüente instauração do regime republicano criam uma atmosfera propícia aos grandes movimentos de renovação pedagógica e cultural (santos, 1945, p. 567).

também apontou a influência da teoria positivista de augusto comte, a qual teria inspirado as primeiras reformas da república, conduzida por Benjamim constant, o ministro da instrução. criticou, porém, os parcos avanços do primeiro período republicano, que não estabeleceu um

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plano nacional orgânico que fosse flexível para atender às especificidades das diferentes regiões do país, de modo que as reformas empreendidas não foram capazes de: “[...] dar unidade espiritual ao ensino em todo o país. durante o período republicano, sobretudo em sua etapa inicial, o desenvolvimento da educação popular foi lento e assinalado apenas por algumas reformas do ensino secundário e superior” (santos, 1945, p. 568).

quando santos (1945) redigira seu manual, já existia um debate acalorado entre os sistemas privado e público de ensino, de forma que o autor identificou tal rivalidade referida ao início do século com as reformas rivadávia correa baseadas “nos ideais do ensino livre”, liberando os estabelecimentos particulares de ensino a realizarem seus próprios exames, que seriam reconhecidos oficialmente. quatro anos mais tarde, a reforma carlos maximiliano extinguira essa autonomia dos colégios particulares sob o argumento de que a experiência teria sido desastrosa para a educação.

o manual de archêro Júnior (1948) apresenta-se quase como compilação de outros manuais, adotando uma linguagem laudatória e ocupando-se, sobretudo, em arrolar as várias reformas do período republicano. um dos aspectos que se pode ressaltar é a oposição que também faz entre as reformas de rivadávia correa (1911) e de carlos maximiliano (1915), quando a primeira teria concedido regalias às instituições particulares de ensino secundário; e, quatro anos mais tarde, a segunda poria “[...] cobro aos abusos da lei anterior” (arcHÊro JÚnior, 1950, p. 100). por outro lado, Benjamim (1953) parece ter ressaltado a importância das reformas na primeira república, especialmente, a de rivadávia correa, cuja ação teria dado “[...] caráter oficial à formação secundária”, permitindo que, em todo o território, o ensino se preconizasse. defendia, portanto, a liberdade de ensino tão propalada pelos representantes do sistema privado de educação, de forma que sequer citou as demais reformas ocorridas nos momentos

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iniciais da república. o conflito entre interesses públicos e privados é antigo, desde 1901, com a institucionalização da igualdade dos diplomas e certificados das escolas públicas e privadas. depois a pressão dos privatistas passou a ser pela implantação do ensino religioso na rede pública. no contexto de produção desse manual (década de 1950), as discussões em torno da ldB já haviam colocado em lados opostos os defensores da educação pública e os privatistas.

para concluir, z. de m. campos (1972), em seu pequeno manual de história da educação, parece ter feito uma compilação das ideias de alguns autores aqui trabalhados, de forma que seu texto se constitui em um conjunto descritivo de datas, nomes e fatos, sobre a educação na primeira república, exatamente como o que a ditadura militar propunha para o ensino de História e Geografia (fundidos na disciplina de estudos sociais). os valores espirituais e éticos da nacionalidade deveriam ser preservados e fortalecidos, assim como a unidade nacional. a área de ciências humanas, nesse contexto foi a mais desestruturada: à história só se admitia “[...] a do culto à pátria, aos seus símbolos, tradições, instituições e os seus grandes vultos” (silva, 1985, p. 73). nesse contexto, zaíra campos construíra uma história da educação sem vida e sem movimento, bastante descontextualizada e acrítica.

Conclusivamente, mas com questões em aberto

É preciso compreender que os manuais se constituem em expressão dos valores de sua época e estão aqui inseridos na afirmação do republicanismo às voltas com a questão educa-cional desde a primeira república – o primeiro é de 1914 – ao período ditatorial-militar (o último aqui analisado é de 1972): as interpretações sobre o Brasil que vigoraram no período foram: a que o afirmava com uma vocação agrária, depois nacional-de-senvolvimentista e, posteriormente, autoritário-modernizante.

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os manuais revelam um ideal pedagógico que contribuiu para o reforço ao seu público (normalistas em formação, alunos de licenciaturas, além dos professores), no qual a docência é concebida como sacerdócio, mas especialmente com uma concepção de educação de forte conteúdo doutrinário, seja do ponto de vista do humanismo tradicional católico, seja do humanismo moderno disseminado pelo escolanovismo – herdeiro do hegelianismo, do evolucionismo, do positivismo e do cientificismo.

verifica-se, no que toca ao comum, que poucas páginas foram destinadas ao estudo da história da educação brasileira. esse fato pode ser atribuído à compreensão dos autores de que a história da educação brasileira seria um reflexo da história da educação europeia. nesse âmbito, insere-se a posição de Benjamim (1954), conforme se comentou, de que não há uma história da educação brasileira.

em relação à concepção de história da educação, é fundamental destacar a prevalência de uma visão linear, cronográfica e, via de regra, factual em todas as obras, as quais privilegiam uma visão universal da educação, porém de caráter eurocêntrico.

embora a inteligibilidade desenvolvida em tornos dos manuais em apreço tenha insistido na ideia de que o amadorismo e a falta de cientificidade tenham marcado a produção desses textos – caracterizados pelo estilo laudatório, descritivo e acrítico e, por vezes, apologético –, o texto de santos (1945), ao menos no que se refere ao período da primeira república, já apontava para uma mudança na forma da escrita da história da educação brasileira nos manuais, pois se caracterizava por analisar o fenômeno educacional a partir da dinâmica social em que se inseria, de forma que a educação surgia como produto de mudanças estruturais maiores, dando-lhe um caráter de cientificidade mais expressivo.

pode-se afirmar que os manuais didáticos aqui analisados compartilham da construção da educação nacional

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que o período republicano empreendeu: manifestações nacionalistas e patrióticas expressaram-se por eles, bem como as disseminaram. manifestaram-se também por eles, e com evidência, doutrinas e apologias fundadas na tradição ocidental cristã: moralizar e civilizar um público bastante específico e estratégico – os futuros educadores – estava entre os seus objetivos.

as problematizações apresentadas deixam, ao final, muitas indagações sem resposta, pois, sobre a pesquisa, pode-se afirmar que é infindável. não foi o propósito deste capítulo trazer respostas a todas as problematizações, mas sim constituir a condição do que é possível por meio da pesquisa sobre os manuais de história da educação.

com relação à indagação posta pelo título: não há uma historiografia educacional brasileira expressa pelos referidos manuais. estes representam uma reprodução cronográfica, linear e factual. a pesquisa histórico-educacional sobre o Brasil é posterior, para não dizer recente, em vista do projeto de pós-graduação firmado há quatro décadas. e uma escrita histórico-educacional depauperada não poderia promover uma interlocução de caráter historiográfico.

entretanto, foi possível uma análise comparativa das direções, das temáticas e das especificidades expressas pelos manuais didáticos em apreço. a pesquisa em história da educação brasileira hoje se diferencia largamente em relação aos conteúdos estabelecidos nos referidos manuais. qualitativa e quantitativamente, desde os anos de 1990, o conhecimento histórico-educacional vem gestando, fundado em fontes primárias, análises, explicações e interpretações que sustentam outra identidade do passado educacional em relação ao presente que o promove pela pesquisa. está em construção a possibilidade de uma historiografia educacional brasileira, certamente também contribuinte à elaboração de manuais didáticos de outra ordem em vista do ensino de história da educação, o que já vem ocorrendo.

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seja esta uma ciência da educação, uma subárea da história ou uma subárea da educação, os manuais em apreço representam uma expressão nacional do processo de autoafirmação, particularmente pela proximidade de sua emergência como parte do cenário da partilha científica (divisão social do saber) engendrada desde a segunda metade do século XiX, no campo das ciências Humanas. além disso, no Brasil, primeiramente pela expansão e interiorização das escolas normais no decorrer da primeira repúplica e, depois, nos anos de 1930, pela emergência dos cursos de licenciatura e do curso de pedagogia, os conteúdos de história da educação se fizeram necessários à constituição da formação do professor. tais manuais são disso uma expressão.

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Notas dos quadros

1 não foi localizada tal obra, levando-se em conta o atual estágio da pesquisa.

2 o capítulo XiX é intitulado Pedagogia americana (p. 231-262) e envolve referências aos estados unidos (p. 231-236), ao uruguai (p. 236-240), à república argentina (p. 240-244), ao chile (p. 244-249), ao Brasil (p. 249-251) e, por último, a são paulo (p. 251-262), além de conter, sob o título de Appêndice, duas leis paulistas: o decreto de 12 de março de 1890 (p. 263-273) e o decreto de 13 de outubro de 1890 (p. 275-277).

3 propriamente, apenas o conjunto denominado por XVII-XVIII-XIX – Brasil refere-se à educação brasileira. o XX – Escola Nova traz referências pontuais a anísio teixeira, fernando de azevedo e lourenço filho.

4 cabe observar que a apresentação das autoras intitulada, Duas palavras, está datada como Jaboticabal, 8 de dezembro de 1936, o IMPRIMATUR † Dom Antonio, Arcebispo-Bispo diocesano Jaboticabal, 14 de dezembro de 1936, e o prefácio de lúcio José dos santos, Bello Horizonte 17 de março de 1937.

5 após a Lição VIII, há um adendo intitulado “Que modificações são necessárias em relação aos objetivos, ao conteúdo do ensino, às normas gerais de didática, à duração e às instalações da escola primária paulista, a fim de que a instituição se torne mais vantajosa à criança?”, conforme observação do autor, uma “Tese aprovada por unanimidade pelo Congresso Estadual de Educação de Ribeirão Preto, p. 136-152” (sem datação).

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o Ensino dE história da EdUCaÇÃo: Um olhar rEFlExivo a partir da análisE dE

planos E programas CUrriCUlarEs

José Roberto Gomes Rodrigues

las disciplinas académicas no son entidades abstractas. tampoco poseem una esencia universal o estática. nacen y evolucionan, surgen y desaparecen; se desgajan y se unen, se rechazan y se absorben. cambian sus contenidos; también sus denominaciones. son espacios de poder, de un poder a disputar; espacios que agrupan intereses y agentes, acciones y estrategias. espacios sociales que se configuran en el seno de los sistemas educativos y de las instituciones académicas com un carácter más o menos excluyente, cerrado, respecto de los aficionados y profesionales de otras materias, y, a la vez, más o menos hegemónico en relación con otras disciplinas y campos (fraGo, 1995. p. 66).

Introdução: uma abordagem da História da Educação a partir do ensino

Este trabalho foi escrito com base em uma análise de diversos planos e programas de ensino e de conversas gravadas a partir de roteiros semiestruturados com professores da disciplina História da Educação, em universidades de Belo Horizonte/MG e da Bahia.1 Aborda questões referentes ao ensino, bem como questões de ordem acadêmica e da pesquisa em História da Educação. Assim, a disciplina se constitui como uma matéria do campo acadêmico, curricular

1 foi desenvolvido um trabalho inicial de análise dos planos e programas de ensino em História da educação, resultando na dissertação cujo título foi O ensino de história da educação brasileira nos cursos de pedagogia de Belo Horizonte: tendências e perspectivas (rodriGues, 2002a).

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e da pesquisa. Como disciplina curricular e universitária, que, como qualquer outra desse tipo, integra o currículo dos cursos de graduação, pode ser considerada como uma entidade concreta, que produz cultura e institui regras e normas. Faz parte de um ordenamento acadêmico e é instituída por meio do desenvolvimento histórico do campo acadêmico-universitário e escolar e pelas ações dos seus agentes em sua própria existência e constituição.

Em artigo publicado na Revista Brasileira de Educação, Frago (1995, p. 66) afirma que as “[...]disciplinas son, pues, fuente de poder y exclusión no sólo profesional sino también social. Su inclusión o non en los planes de estudio de unas u otras profesiones constituye el arma a utilizar com vistas a la adscripción o no de determinadas tareas a uno u outro grupo profesional”. No tratamento dado neste ensaio, essa disciplina se caracteriza a partir de uma origem e de um desenvolvimento no interior dos cursos de formação de educadores e professores com essa configuração, de entidade que não é abstrata. Por outro lado, segundo as perspectivas apontadas por Frago (1995), os planos de ensino, a criação, a modificação ou a supressão de disciplinas, bem como os manuais e livros constituem-se como elementos importantes para se compreender a formação de determinados profissionais e para o campo de atuação deles. Seria esse o caso da História da Educação, cuja identidade está diretamente articulada com a formação dos pedagogos e educadores de maneira geral.

Uma perspectiva de apreensão e compreensão das disciplinas acadêmicas e curriculares, que parece ser reveladora da sua configuração nos referidos cursos, pode ser operada não só por meio da análise do modo como a História da Educação está instituída nos currículos, mas também pelos programas de ensino e dos testemunhos dos respectivos professores. Nessa mesma perspectiva, de cunho reflexivo, podem ser abordados os aspectos curriculares, as características institucionais e acadêmicas e as referências

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bibliográficas. Também é possível desenvolver estudos acerca das referências adotadas nesses programas, de modo a identificar o significado que ela esboça no quadro curricular. Mais do que tratar dos conteúdos veiculados nos programas, que têm como objetivo atender aos requisitos do ensino e da formação de profissionais, inclusive a forma como esses conteúdos podem ser operacionalizados e desenvolvidos, é possível identificar, também, as marcas conceptuais, teóricas e históricas que deles fazem parte.

O presente ensaio foi escrito com essa perspectiva, em atenção ao interior do campo acadêmico universitário, compreendendo os termos campo e reflexividade segundo as noções desenvolvidas por Bourdieu (2005), voltando-se o olhar, a partir da disciplina, para a compreensão da própria disciplina. Com essa compreensão, convém mencionar, recorrendo também a Lepenies (1994), que as mudanças de orientação de uma disciplina estão relacionadas não apenas com as questões postas pela sociedade, mas também, na mesma medida, com as questões demandadas pelas instituições de ensino, as quais constroem sua própria dinâmica, no campo ao qual se refere. O objetivo é contribuir para o debate acerca do processo instrucional da História da Educação e suscitar questões dessa ordem na pauta de discussões nesse campo investigativo. É provável que um raciocínio desenvolvido dessa forma possa contribuir, ainda que modestamente, para uma abordagem da História da Educação, partindo do ensino.

A emergência e a frequência do tema no campo da pesquisa e nos eventos da área

Há, aproximadamente, dez anos, não seria fácil, para quem desejasse investigar questões acerca do ensino de História da Educação, encontrar publicações sobre o tema. Apenas alguns trabalhos ocasionais ou menções esparsas

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eram divulgados em artigos de autores como Saviani (1986), Nunes (1996) e Barros (1998), os quais, nos próprios títulos, mencionam tratar-se de ensino ou remetem para o tema. Autoras como Warde (1998), Carvalho (1998) e Warde e Carvalho (2000), também tratam de questões da historiografia educacional com pequenos excertos sobre o ensino.

Até a realização do I Congresso de Ensino e Pesquisa em História da Educação de Minas Gerais, em 2001, não havia referências nas quais o ensino figurasse como tema importante nos eventos do campo da pesquisa em História da Educação. Com efeito, apenas um trabalho foi inscrito e apresentado na forma de comunicação nesse Congresso (RODRIGUES, 2002b). Além dessa comunicação, trataram especificamente do tema, em Mesa de Conferência, as pesquisadoras Clarice Nunes (Universidade Estácio de Sá e UFF), com o trabalho História da educação: interrogando a prática do ensino e da pesquisa, e Eliane Marta Teixeira Lopes (UFMG), cujo trabalho teve como título Ensinar história da educação (LOPES et al., 2002).

Convém citar os organizadores dos anais desse Congresso, os quais, no Prefácio, afirmam que,

[...] de forma muito consciente, a comissão organizadora quis trazer a questão do ensino de história da educação para o centro de nossa discussão, inclusive como forma de incentivar trabalhos sobre o tema. parece que a decisão foi acertada, já que apenas um (01) dentre todos os trabalhos aprovados refere-se a este tema, o que demonstra o quanto temos ainda que avançar nas reflexões sobre uma das importantes facetas de nossa prática acadêmica (lopes et al., 2002, p. 9).

Atualmente, quase dez anos após a realização desse evento, se não se pode dizer que existem fartos trabalhos sobre o tema, também já não se pode afirmar que ele continua ausente. É importante citar outros exemplos de esforços, como os de Carvalho (2005), Gatti Jr. (2005, 2006), Morais, Portes e Arruda (2006), entre outros, a constituírem-se como reflexão

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científica, abrindo espaço para a sua promoção e consolidação. Somente após a realização do referido congresso, alguns anos depois, é que há reincidência do tema num evento da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE), no III Congresso Brasileiro de História da Educação (CBHE), realizado no Paraná, em 2004. Daí em diante, percebe-se a sua inclusão como eixo temático em muitos eventos nacionais, como os seguidos CBHEs, em eventos regionais, como as reedições dos congressos mineiros, bem como em muitos encontros das Regiões Norte e Nordeste de História da Educação e até em eventos internacionais, a exemplo do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação ocorrido em Uberlândia, em 2006. Grande parte de tudo que se escreveu sobre o tema encontra-se nas publicações do periódico nacional do campo, a Revista Brasileira de História da Educação (RBHE), e nos anais dos referidos congressos e demais eventos. Não causa surpresa, porém, o fato de que, nem sempre, há a inclusão desse eixo temático, pois a frequência ainda é alternada, tendo havido eventos nos quais o respectivo eixo se manteve ausente.

Sobre a configuração socioinstitucional e curricular da disciplina

O entendimento de que as disciplinas acadêmicas correspondem à mesma disciplina curricular não é pacífico de assimilação ou questão que seja aceita tranquilamente e sem problemas (CHERVEL, 1990; GOODSON, 1990, 1995; VIÑAO, 2006). Entretanto, o movimento atual do campo da pesquisa em História da Educação, consolidado a partir do final da década de 90 do século passado, como pode ser constatado pelas análises desenvolvidas sobre a produção científica (CARVALHO, 1998; WARDE; CARVALHO, 2000; CATANI; FARIA FILHO, 2002 e outros), e o movimento do

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campo do ensino relativo a essa área de estudo parecem ter passado por inflexões e mudanças substanciais (RODRIGUES, 2002a; FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003). A relação entre o processo pedagógico e seus agentes, os alunos e os professores, apesar de parecer óbvia, requer que seja examinada, principalmente, aquela estabelecida entre o conhecimento que integra a dinâmica escolar e universitária, os agentes e as instituições.

Nossa tradição educacional sempre teve a tendência de compreender o conhecimento escolar como sendo o mesmo conhecimento científico. Somente após a publicação de vários textos sobre questões dessa natureza, nas áreas da pesquisa educacional, bem como da Sociologia da Educação e da própria História da Educação, é que se desnaturaliza a escolarização dos conhecimentos escolares, a partir dos quais se observam com mais clareza as diferenciações entre saberes e conhecimentos escolares e universitários e as referências da pesquisa, como também o modo de tratá-los (CHERVEL, 1990; SANTOS, 1990; GOODSON, 1990, 1995; VIÑAO, 2006, entre outros). São estudos que insinuam clivagens ou coesões na relação entre a produção científica e os saberes escolarizados.

A análise, aqui esboçada, diz respeito à Historiografia da Educação, à distribuição e à socialização desse conhecimento científico e histórico, produzido e sistematizado dentro da universidade por meio dos programas de pesquisa e pós-graduação. No espaço específico da realização das atividades de ensino, há um conjunto de aspectos que determinam a institucionalização de uma disciplina em um curso numa universidade. São itens de operacionalização que podem ser mesmo considerados como sua base organizacional: ementa, objetivos, denominação, carga horária e número de semestres letivos. Referem-se às características institucionais e acadêmicas correspondentes aos aspectos convencionais e inerentes à existência de uma disciplina na instituição universitária/

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escolar que, juntamente com os critérios e as concepções que a definem, formam o seu arcabouço institucional, a partir do qual se podem identificar as finalidades e as dimensões de caráter existencial. Como o conjunto dos aspectos é determinante da configuração institucional da disciplina, ele forma um agregado de elementos que se inter-relacionam, tornando-se necessário tratá-lo numa perspectiva reflexiva. São aspectos que, para o seu entendimento, precisam ser considerados conjuntamente de modo a evitar uma excessiva fragmentação.

Por outro lado, a pesquisa educacional (VEIGA et al., 1997; LEITE, 1999; entre outros) tem apontado uma série de problemas na organização do conhecimento nos cursos de graduação, tais como: visão positivista, compartimentada e fragmentada do conhecimento, feição enciclopedista, conflito causado pela dicotomia entre os conhecimentos para uma formação especializada versus formação generalista, entre outros. Além de apontar para uma desintegração e desarticulação entre as disciplinas básicas e as disciplinas profissionalizantes, indica também a necessidade de maior integração entre os conhecimentos básicos e os conteúdos profissionalizantes (VEIGA et al., 1997; LEITE, 1999), o que, de fato, tem sido, nos últimos anos, objeto de reformas curriculares, inclusive nos cursos de formação de educadores e de Pedagogia. Ultimamente, os Cursos de Pedagogia têm passado por reformas e mudanças curriculares, que se desejam significativas e profundas (Conselho Nacional de Educação, 2006). Nesse sentido, o que se tenta colocar em discussão são questões acerca da produção e distribuição desse conhecimento no campo educacional. Assim, poderiam ser consideradas três dimensões no âmbito da constituição específica das disciplinas curriculares e, consequentemente, no da História da Educação. São as dimensões relativas à ciência, à escola/universidade e à sociedade (RODRIGUES, 2002a).

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Os próprios cursos universitários de graduação não podem ser compreendidos a partir de uma mesma lógica; ao contrário, eles se diferenciam e se distinguem conforme a área acadêmica dentro da estrutura universitária. Essas diferenças se definem por fatores peculiares ao conhecimento acadêmico, pedagógico e epistemológico e têm relações com questões externas ao campo acadêmico, como as questões sociais, políticas e econômicas da sociedade, no espaço social mais amplo (RODRIGUES, 2002a). Nesses termos, a estrutura econômica da sociedade e a divisão social do trabalho são fatores que implicam essa relação. A forma de conceber, produzir e distribuir o conhecimento por meio do ensino na universidade, nos cursos de graduação, não corresponde a uma epistemologia indiferenciada, e o ensinar e o aprender nessa instituição não atendem ao arbitrário pedagógico, mas estão ligados à estrutura mais ampla da sociedade, à organização social das profissões e ao capital cultural e social pertinentes a elas (BERNSTEIN, 1986). Atendem à lógica de distinção entre as profissões, à divisão do trabalho social, ao status econômico e social imposto pelas relações de poder na sociedade, que incidem sobre o campo pedagógico do ensino no interior da universidade e do curso. Os problemas referentes à prática pedagógica, nesse sentido, estão vinculados ao campo epistemológico no qual se insere a profissão e a fatores externos macroestruturais, tal como a divisão social do trabalho (BERNSTEIN, 1986).

Como o campo da pesquisa histórica em educação avançou, e tem sido crescente a inserção de estudiosos na área, muitos desses pesquisadores são absorvidos para o ensino da disciplina no interior dos cursos de formação de educadores, sobretudo os de Pedagogia, interferindo diretamente na sistemática de transmissão dos conhecimentos a partir dos currículos e dos planos e programas. Tem-se processado uma dinâmica ao longo dos últimos anos, peculiar ao campo da investigação em História da Educação, que, em

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outros momentos, restringia-se ao ensino, seja na pesquisa com uma comunidade científica, seja em relação ao ensino e à comunidade científica juntamente com os professores e, até mais amplamente, ao campo da instituição como contexto onde ela está inserida (RODRIGUES, 2002a). O deslocamento no sentido da consolidação e sedimentação do campo da produção historiográfica educacional, independente do ensino, é fator fundamental de deslocamento relativo, sobre o qual se dá a passagem do estado anterior da disciplina, nas fases iniciais da sua trajetória de constituição como disciplina do currículo, para uma situação na qual se encontra hoje, no espaço do campo do conhecimento científico e da pesquisa, configurando a fase atual (RODRIGUES, 2002a), o que, para muitos pesquisadores, parece ter-se constituído como um momento de crise (GATTI JR., 2007), gerado por esse processo de interlocução entre o ensino e a pesquisa.

Nos programas de ensino em História da Educação, podem ser identificadas as concepções e os métodos, que se expressam segundo suas diferenças relativas às características institucionais no interior do currículo acadêmico. Em relativos intervalos de tempo, têm havido mudanças na configuração da disciplina, de forma que tais transformações necessitariam que fossem identificadas por meio de um estudo pormenorizado sobre esses aspectos. Isso poderia abrir possibilidades de detecção dos caminhos pelos quais se poderia processar a inserção dos conhecimentos sobre História da Educação, presentes nas publicações de pesquisas divulgadas mais recentemente.

De qualquer maneira, é possível observar que muitos elementos de mudanças, em relação à ampliação dos tempos e espaços, bem como os relacionados com outros aspectos considerados importantes na disciplina, do ponto de vista institucional, poderiam ser incorporados nessa relação da pesquisa com os processos didático-pedagógicos. Embora tais elementos possam caracterizar a disciplina quanto aos

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aspectos institucionais e acadêmicos, como uma disciplina básica no quadro curricular, quase sempre deixada em segundo plano, onde se encontra institucionalmente situada em relação a outras disciplinas, talvez isso possa revelar alguma alteração que vem acontecendo. Efetivamente, o que se constata é que não há regularidades quanto à definição dos ementários, visto que muitas ementas se apresentam de modo bastante diversificado sobre os mais variados ângulos, os quais podem ser esboçados e observados.

No exame mais detido desses planos e programas, podem ser constatados que os conteúdos da História da Educação se diversificam nas formas de apresentação, na definição espaço-temporal, bem como nas possibilidades de abordagem dos temas, que lhes são correspondentes. Há uma relação inversamente proporcional entre a forma como as ementas apresentam o seu próprio conteúdo e a carga horária estabelecida para a disciplina. Quanto mais a carga horária se apresenta reduzida, mais o conteúdo estabelecido pelo ementário parece ampliar-se, alargando-se nos espaços e tempos abordados. Os exemplos podem ser ilustrados pelos programas que contemplam aspectos da História da Educação geral da sociedade ocidental e do Brasil.

Ao tratar da educação ocidental, muitas vezes, os conteúdos são especificados nas unidades de ensino, contemplando a história da civilização humana nos momentos históricos mais diferenciados, inclusive a própria história do homem desde os primórdios da civilização até a contemporaneidade. De forma incidental, a redução e a terminalidade do ensino dos conhecimentos sobre a História da Educação, institucionalmente definidas, são objetivamente registradas ainda no início dos cursos nos quais a disciplina está inserida, notadamente nos Cursos de Pedagogia. A amplitude e a abrangência desses ementários contêm muita diversificação de abordagens em relação ao tempo dedicado, criando certa complexidade entre relação conteúdo, forma e ensino.

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O enfrentamento desses problemas, relativos ao conhecimento a ser distribuído na universidade e por ela socializado, implica, necessariamente, questões relacionadas com a formação dos indivíduos. Se tomarmos como referência o aluno, sua formação se dirige para uma determinada área do conhecimento científico, na qual adquirirá uma especialização ou habilidades e competências a partir de determinadas práticas e conteúdos, que se processam no ensino. Mas devemos pensar que, por outro lado, esse aluno depende também de outras disciplinas, que fornecem subsídios de fundamentação teórica e humana. Seria o caso de questionar o peso pedagógico e epistemológico com os quais as disciplinas se configuram no curso, pois não parece que se dá de modo indiferenciado ou equivalente. No caso do Curso de Pedagogia, por exemplo, é notório que ele vive entremeado de contradições que remontam à sua tradição e história (SILVA, 1999), implicando a identidade social e profissional ou semiprofissional do pedagogo (ENGUITA, 1991).

Entretanto, esse curso de graduação sofre as implicações relacionadas com a organização do trabalho pedagógico, sendo, diretamente, influenciado também por questões externas, como a organização social mais ampla (ENGUITA, 1991). São fatores e contradições que ainda se constituem como dilemas para os Cursos de Pedagogia e a formação do pedagogo (SILVA, 1999). Contradições presentes nas dicotomias, formação geral/formação específica; formação técnica/formação política e social; formação teórica/formação instrumental, com o agravante de que a conjuntura social e econômica, hegemônica do capitalismo, também ancorada no processo de globalização, que apela para a produtividade, para o lucro máximo e relativo, para a competitividade, o individualismo e o imediatismo, desloca a atenção para o sujeito individualista e versátil, que deve adaptar-se rapidamente às mudanças, por meio de competências, habilidades e capacidades, cujas exigências estariam

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diretamente voltadas para a sua inserção profissional e social conforme as condições impostas pelo mercado de trabalho.

Se, segundo a lógica dessas referências externas ao campo da disciplina, se focaliza o debate educacional sobre a formação do educador e/ou do professor, registram-se, nessa perspectiva, habilidades, competências e conhecimentos voltados para o oferecimento de um preparo técnico cujo objetivo seria a “integração” e “adaptação” do “cidadão” a uma sociedade globalizada, competitiva e dominada pelos recursos tecnológicos, etc. O papel e as finalidades do ensino e da formação estariam vinculados a um modelo de desenvolvimento voltado para atender às demandas de uma sociedade onde os conhecimentos mais importantes seriam aqueles ligados à produtividade do trabalho técnico, contradizendo, em âmbito geral, a formação para o discernimento das condições existenciais e humanas mais fundamentais, demonstrando o desprestígio da formação teórica e dos fundamentos educacionais. Esse é o raciocínio assumido pelos setores competentes das políticas educacionais, como o tipo de conhecimento que estaria em segundo plano ou, até mesmo, no nível do esquecimento.

Encontram-se aí as questões relacionadas com as conhecidas disciplinas do núcleo de fundamentação na definição do chamado currículo pleno dos cursos de graduação e na relação com as disciplinas profissionalizantes2 (Conselho Nacional de Educação, 2006). Consequentemente, insere-se o problema da História da Educação como disciplina responsável pelos conhecimentos histórico-educacionais. Haveria uma tendência, que seria nociva à formação das novas gerações de educadores, qual seja, a de desaparecimento dessa disciplina do currículo. A política educacional tenderia a desvalorizar

2 as diretrizes curriculares nacionais (2006) do cne/mec que reestruturam o curso de pedagogia preveem três núcleos: “núcleo de estudos básicos”, “núcleo de aprofundamento e diversificação dos estudos” e “núcleo de estudos integrados”. a História da educação estaria prevista para compor as disciplinas do primeiro núcleo.

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os estudos de caráter histórico, porque destacaria os aspectos técnicos da formação. Nesse sentido, o cultivo dos estudos da História da Educação tenderia a se concentrar nos cursos de pós-graduação stricto sensu, mais voltados para o campo da pesquisa e da produção científica. Diante de tal situação, caberia levar em consideração a questão mais importante da formação dos educadores, os quais poderiam privar-se desses conhecimentos (SAVIANI, 2001).

Quanto ao espaço e à posição da disciplina no fluxograma dos cursos, bem como em relação ao tempo destinado à carga horária para o trabalho em sala de aula e ao número de semestres e, ainda, em relação à sua importância no curso, a variedade de possibilidades também se manifesta. Por outro lado, formulações referentes à denominação fazem sentido, na medida em que suscitam questionamentos acerca do ensino da disciplina a partir da sua própria designação. Permite a compreensão do significado e da sua identidade na interlocução com as demais disciplinas do curso (MOGARRO, 2007). Assim, a própria denominação é capaz de influir, segundo alguns professores, na maneira de conduzir as atividades da disciplina, na medida em que pode abrir ou fechar possibilidades quanto ao trato das questões histórico-educativas.

Evidentemente, a denominação de História da Educação poderia ser a nomenclatura já dada pela própria área acadêmica e de referência nas pesquisas, em sua origem e definição, visto que se trata da História da Educação. Quanto a esse aspecto, são identificadas nomenclaturas com diferentes denominações, que são utilizadas em grande parte dos cursos, sugerindo, porém, integração entre elas (FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003). São incidências que sugerem também relações de identidade no referido campo de produção acadêmica, podendo, ao mesmo tempo, ser percebida a fluidez nas respectivas designações (MOGARRO, 2007). Entretanto, há a opção de, já a partir da denominação, usar uma terminologia que direciona o curso e o ementário,

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por exemplo, quando, em alguns programas, ela é designada como estudos históricos, na modernidade e na sociedade brasileira.

Nas definições formuladas pelos professores, o que, de fato, acontece é que, dependendo das condições institucionais, pode-se optar pela adaptação dos seus trabalhos com os alunos por meio de estratégias que ajudam a compensar tais demandas, mediante procedimentos que se promovem em sala de aula. Em todos os sentidos, as mudanças continuam ocorrendo, mesmo quando se referem aos aspectos institucionais, nos quais as questões burocráticas são mais rígidas e de difícil transformação. Conforme expressam muitos professores, há amplas possibilidades de abertura para as inovações. Outra ocorrência importante se dá em torno da liberdade de discussão dessas questões em relação à prática e à definição e organização dos trabalhos pedagógicos por parte desses agentes com as atividades, expressando situações que emanam da própria lógica de ensino, percebidas e destacadas pelos professores.

É de suma importância registrar o fato de o ensino de História da Educação no Brasil, expresso nos programas por meio das características institucionais e acadêmicas, definidas a partir da ótica estritamente formal, encontrar-se, ainda, permeado de elementos referentes aos conhecimentos histórico-educativos, que atendem aos requisitos institucionais de manutenção e funcionalidade escolar/curricular da disciplina nos cursos de formação de professores e de Pedagogia. Tal situação, muitas vezes, vai de encontro à prática docente esboçada por muitos professores, em termos de liberdade da atuação para operar com os respectivos conteúdos. E, assim, o ensino de História da Educação, expresso por meio dessas características institucionais e acadêmicas, tem se mantido com um caráter que obedece aos requisitos institucionais de permanência e funcionalidade curricular da referida disciplina no curso de formação de educadores e professores, o que caracterizaria

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os conhecimentos histórico-educacionais em um plano de trabalho específico para o ensino. Estaria relativamente justificada a relação segundo a qual, dificilmente, o trabalho com uma disciplina curricular, portanto, no ensino, a partir dos planos e programas dos cursos, livrar-se-ia do destino da rotina e banalização, para usar os termos de Bourdieu (2004), bem como dos temas de estudos, que estão sendo requisitados, diferentemente da forma como é tratada no campo da pesquisa.

Se, do ponto de vista formal, essas questões do ensino de História da Educação estariam presas aos rígidos esquemas de configuração da disciplina nos programas, por outro lado, os professores demonstram flexibilidade e avanço na tentativa de mudança do referido ensino. Se, no entanto, não se processam, em relação a esses aspectos, maiores modificações, isso se deve, provavelmente, muito mais às questões propriamente institucionais e formais do que aos trabalhos desenvolvidos pelos professores. Diante de tudo o que está colocado, é possível afirmar que vem sendo esboçada, no ensino, a tendência de renovação, que se configura na prática docente em sala de aula. Essa pode ser a configuração que expressa uma realidade existencial da disciplina e do seu ensino nos cursos de formação de educadores, registrada nos programas e também expressa pelos professores. É aí que se revela o arcabouço formal e didático-institucional do ensino da História da Educação, uma disciplina em processo de mudança, em sua configuração socioinstitucional e curricular.

Sobre a historiografia e as referências presentes no ensino

Atualmente, o volume de obras existentes tem alimentado e ampliado as opções, com todo o material disponibilizado na rede mundial de informações, nos diversos sites de grupos de pesquisa e entidades científicas, bem como na distribuição

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da literatura específica, bibliotecas, livrarias, etc. Avanços têm acontecido no campo da produção científica em História da Educação, principalmente os relativos à incidência de novos temas, novas abordagens e objetos na pesquisa (CARVALHO, 1998; WARDE, 1998; WARDE; CARVALHO, 2000; CATANI; FARIA FILHO, 2002, entre outros), o que favorece a tendência de consolidação das novas perspectivas também no ensino, a despeito do que tem sido feito nas pesquisas, embora seja quase impossível o ensino absorver tudo o que se tem produzido. Considerando que os conteúdos escolares se constituem como os conhecimentos específicos correspondentes às disciplinas que integram o currículo escolar, esses podem ser considerados como os conhecimentos socialmente produzidos e representativos das ciências, ou seja, o conhecimento científico, especificado pelas áreas do conhecimento ou pelas denominadas disciplinas científicas, transformado em conhecimentos escolarizados. A dimensão da relação entre tais conteúdos, o seu volume, a forma como eles são interpretados, assim como as concepções e abordagens evocadas no ensino podem ser identificadas pela bibliografia indicada nos programas (FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003).

É a partir dos manuais, dos artigos e dos títulos de referência, que tratam especificamente da disciplina, na análise historiográfica da educação, seja ela brasileira seja geral, bem como dos que versam sobre educação, que se devem localizar os conteúdos. De igual modo, esses aspectos também podem ser observados em outras disciplinas correspondentes às demais áreas das ciências humanas e não específicas, porém fundamentais para o campo da educação, inclusive os que se referem às áreas da Filosofia da Educação, Sociologia da Educação e Política Educacional. Essas podem aparecer nas referências bibliográficas como obras do campo da Filosofia, Sociologia, Política, História, Antropologia, etc. Não é difícil encontrar certa recorrência às obras das áreas das ciências sociais e humanas para enriquecer justificativas de conteúdos

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operados no ensino da História da Educação. Isso acontece mesmo em pequena recorrência e dá-se, muitas vezes, com os trabalhos específicos sobre a Historiografia Educacional, sobre a Educação e sobre a História Geral da Educação. Corresponde à interlocução expressa pelas referências bibliográficas da História da Educação com outras áreas das ciências sociais e humanas, como a Filosofia e a Sociologia.

Percebe-se que se utilizam, ainda, em História da Educação, obras mais antigas de referência do ensino, com interpretações dos conhecimentos históricos da educação, voltadas especificamente para o ensino. Talvez seja uma característica das relações didáticas, peculiares ao ensino. Os títulos que se vinculam a esses casos variam bastante, considerando os manuais reconhecidos como obras e títulos de referência, na historiografia educacional brasileira, mas que, nem sempre, são obras escritas por historiadores da educação (FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003). Ao constatar-se que as obras e os títulos adotados correspondem às referências mais antigas, utilizadas no ensino em outros momentos da sua trajetória histórica, como disciplina curricular, é possível perceber que se trata de uma tendência a esmaecer num futuro em médio prazo. Porém, é um fato que ainda persiste apesar do volume imenso de produções que estão disponíveis. É notório que ainda existem muitos cursos nos quais a História da Educação é ministrada por professores que não possuem nenhum vínculo com grupos da comunidade científica.

Por outro lado, parece salutar o registro de que grande parcela de professores utiliza sua própria produção nas discussões com os alunos em sala de aula. São situações ressaltadas pela presente análise e que correspondem à utilização de referências de produções historiográficas desenvolvidas pelos próprios professores-autores. Esse é um dado importante, na medida em que faz emergir essa relação entre a produção dos conhecimentos histórico-educativos e o acesso, a transmissão e assimilação desses mesmos

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conhecimentos, em História da Educação como matéria universitária-escolar.

De qualquer forma, mesmo sendo esse professor um pesquisador, ele teria que optar pelos conhecimentos considerados mais significativos. Trata-se de uma condição acadêmica, pedagógica e epistemológica, que não evitaria o que Frago (1998) já alertara na “Introdução” de Currículo, espaço e subjetividade: a arquitetura como programa: o fato de os programas de ensino em História da Educação, em geral, estruturarem-se a partir de uma ordem cronológica dificulta uma integração maior, no que diz respeito a questões e temáticas mais atuais, favorecendo um círculo vicioso na disciplina referente ao ensino. Questão também apontada por Bourdieu (2004) quanto aos problemas relativos à rotinização e inércia do trabalho docente de modo geral, ou seja, quanto à relação entre o conhecimento ministrado e o campo da investigação.

A análise das referências bibliográficas é um aspecto merecedor de uma atenção cuidadosa, no sentido de relacionar os conteúdos abordados com as referências nelas citadas, tendo em vista a correlação e a correspondência entre estas e os paradigmas, os temas, as concepções, os objetos de ensino, etc. Seria o caso de se dispensarem maiores atenções às análises das bibliografias nos programas e planos de cursos, pois se trata de um aspecto que requer maior aprofundamento. Muitas são as questões sobre o ensino da História da Educação brasileira, que podem ser reveladas, não apenas pela constatação da adoção de certas referências, mas, principalmente, pela ênfase atribuída às novas bibliografias. Surgem alternativas, inclusive, para a solução de situações que muitos professores denominam de saturação da bibliografia, requerendo mudanças, a despeito das próprias alterações exigidas pelas ementas ou programas, em algumas universidades.

Há quem reconheça o valor das obras mais antigas, porém não sem reafirmar a necessidade de atualização das referências

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bibliográficas, inclusive pelos resultados de investigações cujos temas e objetos estão voltados para as questões locais, regionais e nacionais, caracterizando outro aspecto do ensino, que suscita novos estudos. É uma perspectiva que está presente na forma como se manifesta a tendência na qual os novos conhecimentos históricos da educação têm sido incorporados ao ensino, obviamente inseridos naqueles cursos em que essa perspectiva se configura com mais ênfase, por meio da adoção de novas bibliografias e temas de interesse mais recente (FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003) ou, por outro lado, de reconceptualizações do uso de obras e temas consagrados na historiografia mais antiga. Porém, é uma condição que se apresenta, apenas relativamente, difícil de ser executada porque, muitas vezes, “[...]servem para dar uma visão superficial [desses novos temas e questões], sem pôr em risco o esquema tradicional”, como afirma Frago (1998).

Com efeito, as referências do conteúdo e da natureza dos conhecimentos histórico-educativos abordados nos programas correspondem aos aspectos determinantes e definidores da dimensão dos conhecimentos nas atividades de ensino, que envolvem a disciplina em sala de aula. Dizem respeito ao conjunto dos aspectos que expressam a natureza dos conhecimentos abordados, o ordenamento e a organização dos temas, bem como a descrição interna do conteúdo do programa. São os aspectos que fornecem as condições de se proceder a uma leitura radiográfica das características internas e peculiares da disciplina, com o seu conjunto de conhecimentos (conteúdos programáticos) estabelecidos para o ensino: objetos de ensino, temas, número de unidades, critério de disposição das unidades de ensino, temporalidade, critério de periodização, espaço geográfico, critério de seleção de conteúdos, conceitos e concepções teóricas. A partir dessa compreensão da disciplina curricular, as categorias referidas podem fornecer informações bem peculiares sobre o modo como os métodos de apropriação e circulação

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dos conhecimentos histórico-educacionais disponíveis são delineados nos programas e, consequentemente, nos currículos das instituições de ensino e como eles estão dispostos nos programas.

Convém recorrer novamente a Frago (1998) para justificar uma análise desse tipo, pois “esse divórcio entre ensino e pesquisa”, causador da “inércia” e desatualização da disciplina, poderia até parecer irrelevante, porém é algo que pode se configurar apenas relativamente, pois se deve compreender também que o que está em consideração e em discussão são principalmente questões e

[...] processos de longa duração – escolarização, formação dos sistemas educacionais, alfabetização, configuração e ruptura de estruturas educacionais duais, profissionalização e feminização docente, etc. – que exigem análises histórico-comparativas, ou quando se trata daquelas questões – poucas, mas essenciais – que conformam o ser humano como pessoa-no-mundo (fraGo, 1998, p. 15-16).

Os objetos de estudo e temas de ensino que não se diversificam, considerando o conjunto dos programas, estariam vinculados aos conhecimentos histórico-educativos dos padrões de análises referentes a esquemas mais tradicionais, sobressaindo-se os estudos sobre a organização escolar, a legislação e o pensamento pedagógico, com viés político e econômico. São esses que, de alguma forma, ainda estão bem presentes nos planos e programas de ensino, como um conjunto de temas já constituído como fundamental, para o âmbito do ensino ou até mesmo da pesquisa (FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003). De qualquer forma, muitos programas têm diversificado, ainda que de modo incipiente, os seus objetos de ensino, por exemplo, o acréscimo da referência às questões de gênero, aos movimentos sociais e das minorias e à cultura escolar. São referências diferenciadoras em muitos programas, que não rompem definitivamente com a historiografia educacional das fases iniciais na trajetória

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histórica da disciplina no Brasil (RODRIGUES, 2002a; FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003).

Considerando os aspectos referentes aos novos objetos e temas, que estão sendo incorporados aos conteúdos e às novas abordagens da historiografia educacional atual e que também podem ser desenvolvidos nos processos de ensino da disciplina, é possível verificar essa tendência de alteração no ensino dos conhecimentos histórico-educativos. Com efeito, são questões que suscitam certa atenção sobre a História da Educação programada e/ou ensinada, sobretudo na relação entre os aspectos institucionais analisados. Daí poder vislumbrar-se a relação entre a configuração institucional da disciplina no currículo dos cursos de formação de educadores e os conhecimentos sistematizados e publicados, como área constituída e dotada de um volume crescente de conteúdos e saberes histórico-educacionais, prontos para serem utilizados como matéria de ensino e oferecer enormes contribuições para a formação dos educadores e pedagogos, assim como aos setores educacionais, para a compreensão dos processos educacionais do passado e do presente.

Seria difícil identificar regularidades tendentes a uma uniformidade ou homogeneidade na disposição e organização do conteúdo relativo aos programas de ensino e ao trabalho dos professores em História da Educação. As formas de organização dos conteúdos, ou seja, o número de unidades de ensino, o critério de disposição dessas unidades, a temporalidade adotada, o critério de periodização, o espaço geográfico e o critério de seleção dos conteúdos diluem-se significativamente. Cada programa tem a sua forma particular de explicitação, caracterizando a complexidade quanto à organização e disposição dos conteúdos de ensino, principalmente, quando, na análise, se referem à operacionalização, manipulação, apropriação e circulação dos conhecimentos.

Embora seja factível esboçar uma relação com as periodizações da historiografia brasileira, a geral e a

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educacional, seria difícil apontar incidências comuns de temporalidades e periodizações entre os diversos planos e programas. A forma como cada programa é constituído depende em grande parte das características ou do estilo do professor ou do autor desse programa, considerando que a História da Educação, como disciplina acadêmica e escolar, demonstra possuir certa maleabilidade, como característica internamente peculiar à sua constituição de disciplina curricular, partindo-se da sua própria história, na medida em que ela produz uma cultura e se desenvolve como entidade concreta. O poder criativo da dinâmica escolar e da disciplina como parte integrante dessa dinâmica, segundo afirma Chervel (1990), parece esboçar-se e explicitar-se. O papel da disciplina, como elemento do sistema de ensino, de formação dos indivíduos e de construção de cultura, parece que se expressa nessa relação pedagógica entre o professor, a disciplina e a transmissão dos conhecimentos.

Quanto ao elemento periodização, operacionalizado nos planos e programas, o que se pode observar é que está obviamente relacionado com a temporalidade, ainda que se possa ressalvar com a afirmação de que nem todas as formas de periodização correspondem a uma temporalidade específica. Há temporalidades de padrões estritamente convencionados pela historiografia oficial e há, por outro lado, temporalidades que, apesar de também utilizarem critérios da historiografia oficial, fogem dessa orientação, adotando novas formas de especificar os tempos históricos. A esse respeito, cabe uma observação de Nóvoa (2001), segundo a qual, apesar da complexidade do debate, é necessária uma reconceptualização do espaço e do tempo.

Essa é uma questão complexa, que assume um aspecto central na reflexão historiográfica da educação, pois há que se repensar uma definição desse “espaço”, bem como uma noção do “tempo”, no sentido de evitar considerá-los autonomamente, mas, ao contrário, considerá-los

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intercambiáveis “numa mesma realidade” (NÓVOA, 2001). Uma incidência, que cabe registro, é aquela segundo a qual os critérios de periodização atendem a duas orientações especificadas: uma política, em demarcações históricas dos regimes políticos e sociais (período colonial, Monarquia–Império, República–República Velha, Estado Novo…) e outra educacional, utilizando as reformas e as leis como demarcações significativas, definida por meio da implantação e consolidação da instituição escolar, e também vinculada à situação política do momento considerado (RODRIGUES, 2002a; FARIA FILHO; RODRIGUES, 2003).

Os aspectos da disciplina, expressos pela forma como os conteúdos se organizam no interior de cada programa e plano de ensino, fazem ver certa complexidade no que se refere à operacionalização, à apropriação, à distribuição e à transmissão dos conhecimentos neles inseridos, pois, nos programas, são apresentados critérios diferentes de organização, diluindo a configuração geral da disciplina. Por outro lado, a expressão da prática demonstrada pelos professores pode estar em conformidade ou em contrariedade com a forma como o conteúdo se organiza, expressando o sentido de abertura, de liberdade ou de maior formalidade na relação da disciplina com os aspectos do currículo. Sempre há os que não compreendem que os procedimentos didático-pedagógicos devem ser fixados conforme as questões formais do programa, demonstrando certa contrariedade entre o formal e a necessidade de flexibilidade posta pela prática docente na organização do trabalho em sala de aula.

O que define os planos e programas é a lógica do ensino e da transmissão dos conhecimentos histórico-educativos para a formação do graduando. A forma de organização do conteúdo colocada nos programas, em uma operação realizada pelo exercício do ensino e da prática pedagógica, parece que se constitui como a expressão de uma prática elaborada conforme as peculiaridades de modos de atuação dos agentes

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e a própria disciplina. Ainda que exista a formalidade na concepção dos planos e programas, é possível, em História da Educação, detectarem-se estilos, modos e a relação entre professores e ensino bastante peculiares.

Considerações finais

Esboça-se, dessa forma, a configuração do ensino da História da Educação a partir da compreensão da própria disciplina, considerando, de um lado, o campo da investigação, produção e sistematização dos conhecimentos históricos sobre educação, na relação com aspectos pedagógicos e da transmissão dos referidos conhecimentos, pelas instituições de ensino, por meio dos programas, além do discurso dos agentes executores desses programas.

Há programas de ensino cujos conceitos inseridos e desenvolvidos correspondem aos esquemas mais tradicionais, mesmo porque seria difícil desvencilhar-se deles, dadas as condições do fazer didático-pedagógico. Porém, ao lado disso, há os que expressam novas abordagens e os enfoques na historiografia educacional brasileira e que, mesmo sem descartar as possibilidades anteriores, com referências importantes da historiografia tradicional em História da Educação, predominam perspectivas pelas quais vicejam concepções e abordagens metodológicas da historiografia na atualidade. Seria esse o nexo da articulação e confluência entre a dimensão da produção do conhecimento e a dimensão da difusão, circulação e socialização desses mesmos conhecimentos, como ponto de aproximação da pesquisa com o ensino.

Seria necessário que a pesquisa histórica em educação voltasse o seu olhar para a própria História da Educação, como história da disciplina curricular dos cursos de formação de educadores, e pudesse processar uma inflexão

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no sentido de investigar como se desenvolveu e continua a desenvolver-se, pois se constituiu e continua a constituir-se, também em relação aos aspectos programáticos, de forma a estabelecer a correlação com a configuração do campo da produção científica na área. Um estudo desse tipo poderia ser desenvolvido nas instituições de referências educacionais mais importantes do ponto de vista da história e do surgimento da disciplina nos cursos do campo educacional, no Brasil, inclusive a partir dos planos e programas das mais antigas e já extintas Escolas Normais, nas quais a História da Educação sempre figurou como disciplina nos currículos, desde a sua origem. As condições para uma história do ensino da História da Educação parecem que já estão dadas. Será que uma história nesses termos não traria resultados importantes e satisfatórios para o avanço do campo da produção científica em História da Educação?

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o ensino de História da educação

o Ensino da história da EdUCaÇÃo

Justino Magalhães

Considerações em torno de uma disciplina

Desde a segunda metade do século XX que, por herança dos Annales e da Nova História, vinculados à historiografia francesa; por sequência da micro-história de inspiração italiana; por reacção ao modernismo; por abertura ao linguistic turn e ao criticismo ou por retorno da narrativa em face da transdisciplinaridade pós-estrutural, a História incorporou alternativas de investigação e ensino antes não consideradas. Emergiram novos objectos (instituições escolares, disciplinas, questões de género, cultura escolar, imprensa, legislação, etc.) e foram desenvolvidos métodos e abordagens dos quais resultou uma diversidade na informação e produção historiográficas. Não menos radicais, as alterações pedagógicas daí decorrentes tiveram repercussão nos resultados e nos perfis dos alunos e dos formandos. Como em as demais áreas científicas, na profissionalização do docente de História, foi continuamente relançado o diálogo entre historiar e ensinar. A essa problemática acresce-se, no entanto, uma interrogação: em um mundo multicultural e global, o que se deve ensinar em História da Educação?

No presente trabalho, analiso o ensino de História da Educação, partindo das necessidades e possibilidades de conhecimento exigidas ao técnico de educação: pedagogo, professor, formador, investigador. Tenho em atenção a multiplicidade das abordagens que podem ser adoptadas

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no ensino de História. Em alguns passos, a minha reflexão torna-se extensiva à formação e ao trabalho do profissional de História na educação básica (ensino fundamental e médio), relacionando-a com as actividades de ensino e de investigação. O ensino da História debate-se com questões comuns à História da Educação, e a universidade é o locus principal onde o professor de História se forma.

São hoje solicitadas novas exigências de conhecimento aos professores de História, designadamente a necessidade de transitar por temas e lugares com as mais variadas possibilidades culturais e profissionais, na sala de aula, nos arquivos e em museus, nas próprias escolas, explorando espólios, bibliotecas, sujeitos, culturas. Onde houver espaço para a produção da pesquisa histórica ou para o estudo e a preservação da memória, o professor de História deverá estar habilitado a trabalhar. Nesse quadro, o ensino de História da Educação forma investigadores e forma professores. Também se abre para uma consciência histórica, preparando tomadas de decisão que combinem a inovação com as linhas mais profundas de societude e humanitude.

Vasto e denso, o domínio científico da História da Educação tem sido objecto de soluções científicas e pedagógico-didácticas diversas. Tal pluralidade resulta de distintas soluções para o binómio ciência-pedagogia e de alguma indeterminação gerada pela alternativa de privilegiar a uniformidade científica, contrapondo-lhe uma diversidade curricular ou, ao contrário, forçando uma normalização pedagógica como condição para respeitar a diversidade paradigmática, temática e espácio-temporal.

Na impossibilidade de inventariar as situações críticas e as soluções que têm sido adoptadas, procuro sistematizar os motivos e as áreas em que o debate tem sido mais frequente, bem assim como as linhas de convergência científico-pedagógicas. Apresento também argumentos para demonstrar e ilustrar a relevância e a actualidade da História

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da Educação, transcrevendo e fundamentando diferentes programas de ensino. Procuro, entretanto, dar um testemunho sobre os actuais desafios do Ensino da História da Educação no ensino universitário, decorrentes da implementação da Convenção de Bolonha − que veio trazer uma gradação e uma progressão curriculares (primeiro, segundo e terceiro ciclos); da heterogeneidade dos públicos; da pluralidade de interlocutores; da crescente produção científica; e do alargamento do campo historiográfico.

Após sistematizar as questões e desafios que perpassam essa disciplina, apresento dois programas da formação inicial.

Desde as décadas de 60-70 do século XX, a História da Educação tem estado associada à (re)fundação das Ciências da Educação. Essa (re)fundação incluiu a extensão definitiva das Ciências da Educação às universidades, sob a modalidade de disciplinas ligadas à Formação de Professores e, em um plano mais alargado, disciplinas e módulos da formação inicial e da formação contínua de outros profissionais da educação. No que se refere à História da Educação em Portugal, esse desenvolvimento compreendeu novas matérias curriculares nos Cursos de História, particularmente nas temáticas da História da Cultura e da História da Sociedade, na História das Instituições, na História das Mentalidades e a criação de uma disciplina autónoma de História da Educação, ou de História do Ensino, noutras formações académicas. Nuns casos como noutros, a definição das matérias leccionadas e o grau de aprofundamento eram mais amplos que nos Cursos de Formação de Professores das, entretanto, extintas Escolas de Magistério Primário.

Assim, pois, desde a década de 70 do século XX, há ensino de História da Educação em cursos de nível médio e em cursos de nível superior. Essa realidade prolongou-se e ampliou-se na década de 80, na sequência da implementação da Lei de Bases do Sistema Educativo e, muito especificamente, pela aplicação do Estatuto da Carreira Docente, consagrando

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como norma o Modelo Integrado de Formação de Professores, constituído pela componente de Ciências da Educação, pela componente pedagógico-didáctica e pela componente da área científica de referência. Integrado nesse contexto, quando, em 1987, teve lugar o 1º Encontro de História da Educação, o programa apresentava, como a distância temporal permite ver com mais propriedade, uma tripla entrada: a) a História da Educação como memória e património simbólico, discurso e prática historiográfica; b) a História da Educação como disciplina de (in)formação, num quadro que, reconhecendo muito embora o estatuto e a função meta-estruturantes que o Ensino da Educação e da Pedagogia desempenhara na formação tradicional de professores e educadores, se voltava, ao tempo, para um novo rumo, tendo no horizonte próximo a homogeneização dos cursos ao nível de Licenciatura; c) a componente epistemológica – a História da Educação como domínio científico específico.

A partir da década de 80 do século XX, a dimensão investigativa veio sendo estruturada como reforço e ampliação das bases de leccionação e como dimensão autónoma, assumida por um conjunto de personalidades vindas de distintos campos científicos e técnico-profissionais. Na década de 90, teve lugar um assinalável investimento na investigação, tendo sido apresentadas as primeiras Teses de Doutoramento em História da Educação. O fomento da leccionação da disciplina de História da Educação e de disciplinas afins ficou também a dever-se à criação de Cursos de Mestrado e à proliferação de disciplinas e de módulos de História da Educação na Formação Inicial de Professores, Educadores e Licenciados em Educação e em Ciências da Educação, bem como na Formação Contínua de Professores.

Quando, em 1996, no âmbito do 2º Encontro de História da Educação, foi realizado novo balanço, a visão perspectivante era a principal tónica. A disciplina de História da Educação estava a funcionar na generalidade dos Cursos

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de Formação Inicial e da Formação Contínua de Professores, Educadores e de outros profissionais dentro e fora do sistema formal de ensino. Havia, de igual modo, disciplinas, módulos e seminários de História da Educação em Cursos de Mestrado, na área das Ciências Humanas e Sociais, e estavam já a funcionar Mestrados específicos de História da Educação, na Universidade de Lisboa e na Universidade do Minho.

A História da Educação abria-se a um vasto campo de investigação, constituído pelo inventário de novos temas, pela construção de novos objectos epistémicos e pela recuperação de uma vastidão de fontes. A abertura interdisciplinar correspondia, de forma oportuna e qualificada, aos principais desafios de internacionalização e de participação activa na preservação da memória, e do património cultural e educacional. Estava no horizonte o fim de um ciclo marcado pela tónica de profissionalização, resultante da formação de especialistas e da consolidação de uma produção historiográfica sobre os principais domínios da História da Educação em Portugal. Essa produção encontrou sedimento numa base discursiva e bibliográfica de referência obrigatória dentro e fora do núcleo básico da História da Educação, com extensão a comunidades científicas estrangeiras. O ciclo historiográfico que se aproximava do fim tinha correspondido também a um compromisso didáctico-pedagógico de inclusão da História da Educação na formação geral de professores e de educadores.

Oriunda de fóruns nacionais e internacionais ou gerada em dissertações de natureza académica, redigida sob a modalidade de ensaio ou de compilação, divulgada em revistas da especialidade ou sob formato de livro, a produção científica relativa à evolução historiográfica tem sido particularmente fértil, no passado recente. Igualmente notória tem sido a preocupação de demonstrar a relevância e a actualidade da História da Educação. Dando consequência a um título particularmente sugestivo (“Do we still need

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history of education: is it central or peripherical?”), Roy Lowe partiu da própria experiência como historiador da educação, para documentar as transformações operadas nos últimos 40 anos, particularmente na historiografia britânica, dentro e fora da universidade. Em seu depoimento, ressaltam as zonas comuns e a especificidade da História da Educação, mas fica também assinalada a centralidade do estudo da educação na investigação histórica. De idêntico modo, chamou a atenção para que, em termos de excelência e de especialidade, os historiadores da educação têm muito a dizer aos educadores, pois que podem influir na elaboração e nas práticas políticas.1

Investigação e leccionação correspondem a operações cognitivas específicas e a funções distintas, pois determinam duas tónicas profissionais não inteiramente sobrepostas, mas que se têm retroalimentado. Os programas gerais e estruturantes beneficiaram a incorporação de novas temáticas e a revisão conceptual e informativa, e, correlativamente, foram várias as circunstâncias em que a leccionação foi determinada pelo aprofundamento de uma temática ou de um objecto epistémico. No passado recente, as principais opções temáticas resultaram da confluência de três tendências distintas: oportunidade investigativa/pessoal, para obtenção de um grau académico de mestrado ou de doutoramento; inserção em grupos de investigação; participação e integração da agenda dos grandes eventos internacionais (com relevo para o ISCHE e para os sucessivos Congressos Luso-Brasileiros). A presença

1 este texto foi publicado em History of Education (2002, v. 31, n. 6, p. 491-504) e publicado em castelhano, em: ferraz lorenzo, manuel. (ed.). Repensar la historia de la educación: nuevos desafios, nuevas propuestas. madrid: Biblioteca nueva, 2005, p. 83-104. como o título indica, essa obra colectiva contém uma sistematização das mais recentes transformações da História da educação, particularmente em espanha. a produção meta-historiográfica, cuja vastidão desautoriza qualquer esforço de sistematização num artigo desta natureza, tem constituído uma referência constante nos fóruns de História da educação, organizados por diferentes países, e nos fóruns internacionais. para além de publicações em acta, as revistas da especialidade procedem, com frequência, a revisões e a sistemáticas.

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do factor externo, que vinha sendo notória na historiografia portuguesa, desde a década de 90, e que foi acentuada pela prática de uma produção científica em rede, favoreceu, pela própria dinâmica dos processos, o alargamento temático e menos o aprofundamento e a demarcação de territórios e paradigmas.

Na constituição dos programas escolares, formativos e investigativos, o estruturalismo correspondeu à última das grandes correntes científicas que atravessaram o século XX, com aplicação ao espectro das ciências sociais e humanas (entretanto elas próprias cada vez mais próximas da ciência histórica). A crise do estruturalismo deu origem a grupos, vias metodológicas e paradigmas que perpassaram diferentes centros de investigação, fazendo recair sobre a comunidade/rede de investigadores a principal via de superação da subjectivação. Ao permitir a reificação multifactorial e multidimensional do objecto científico, radicou no estruturalismo a oposição ao positivismo e ao desdobramento funcionalista. Mas a educação foi frequentemente olhada como segmento, meio ou processo (tanto ao agrado das correntes funcionalistas), e menos como objecto epistémico, particularmente como objecto historiográfico em si mesmo. A ligação da História à Sociologia, dando origem a uma história sociológica ou, por outro lado, a uma sócio-história (socio-historical paradigm), revelou-se fundamental para a inscrição dos fenómenos educativos e escolares em modelos e complexos sistémicos de aproximação à realidade, nos planos sincrónico e diacrónico. Em reacção às aporias estruturalistas e aproximando da Nova História resultante da evolução dos Annales, a orientação dos estudos historiográficos, no sentido da explicação e da causalidade, nem sempre tem facilitado a tarefa dos historiadores na superação das dimensões de contextualização e de descrição, pelo ensaio de perspectivas gerais.

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Também nesse aspecto, a aproximação ao linguistic turn, favorecendo o regresso da narratividade com base privilegiada em fontes discursivas, não foi suficiente para repor a complexidade na epistemologia dos fenómenos educativos, nem mesmo nos fenómenos escolares – em que a experiência (in)formativa dos aprendizes e as práticas dos diversos actores ficaram profundamente impregnadas na disposição dos materiais e dos espaços, na organização grupal, na valorização de certo tipo de profissionais, nos silêncios e decisões de pedagogos e de administradores. Na inserção da escola na História da Educação, não está ainda suficientemente equacionada a repercussão que os domínios da etnografia educativa, da arquitectura escolar, do artefacto educativo, da produção discursiva por parte dos alunos tinha nos comportamentos e nos modos de pensar. Também o regresso ao arquivo, a multiplicação de fontes e a multiplicação de abordagens parcelares não se têm revelado suficientes para construir o objecto educacional como um todo.

Para repor a vida na historiografia dos fenómenos escolares e educativos, não basta insistir na recomendação (de John Toews) da inevitabilidade da experiência; assim como para avançar teoricamente na História da Educação já não é suficiente retomar a estratégia de pós (seja uma pós-modernidade, seja um pos-fact, na acepção de Clifford Geertz) ou da definição desconstrucionista e pela negativa, na acepção de LaCapra. Hoje, que os grandes padrões teóricos e metodológicos caíram, é necessário retomar a via da construção historiográfica. A nova História Cultural, como alternativa epistemológica, definida sob o pressuposto e o desafio teórico e metodológico de que é possível (re)constituir uma produção discursiva que contenha a experiência e uma reconstrução ética, social, antropológica, tem procurado resolver essa complexidade, inclusive com recurso à via da comparação e da experiência simbólica.

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A História da Educação é uma educacionalização ou, noutro sentido, uma pedagogização, para retomarmos os conceitos utilizados por Marc Depaepe, em 1998 (na Histoire de l’Education) e em 2003 (na Paedagogica Historica). Cabe à produção historiográfica construir o educacional como objecto epistémico: discernindo-lhe o(s) sentido(s), tempos, quadros, contextos, processos; conhecendo e dando a conhecer os seus conteúdos, permanências, transformações, suas implicações e formas de legitimação material, simbólica, organizacional, institucional (nomeadamente a relação entre educação e sociedade, e sua incidência nos sujeitos). Afirmar e demonstrar historicamente que a escola é factor de modernidade significa tomar como objecto epistémico a escolarização como construto que traduz a interacção entre escola e modernização em suas diversas substâncias, mutações, cadências, apropriações, repercussões.

Como alertava Roy Lowe, os historiadores da educação podem bem ser considerados gente do passado, memorialistas ou saudosistas; todavia, em cada momento histórico, houve uma educação em projecto, uma conflitualidade e uma dialéctica convergente ou divergente, uma ponderação do presente como factor de futuro e como transformação-(re)memoriação do passado. Tomando em referência os contextos, testemunhos, expectativas e realizações, é tarefa do historiador reconstituir o permanente e complexo jogo de relações e tensões do presente/passado, multifactorial e probabilístico quanto ao futuro, e compreendido e explicado em sua própria evolução. A História não é comemoração nem mestra da vida; o passado não se repete nem se julga, mas houve erros, injustiças, projectos e sacrifícios vãos. Pensar a educação com história oferece ao historiador e à (in)formação historiográfica um lugar e um contributo insubstituíveis na equação do presente educativo. Em educação o futuro é.

Na História da Educação, as questões de natureza epistémica assumem particular relevo. O que é um objecto

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histórico-educacional? Como teorizar, documentar, modelar, explicar e narrar a educação, a educacionalização? Historicizando a realidade educativa, o historiador reinventa a identidade e o lugar no quadro interdisciplinar das Ciências da Educação. Inquérito, crónica, anais, relato temático, genealógico, investigativo, a narrativa historiográfica, tudo isso é necessariamente uma composição maior, cujo texto tem de ser visto na totalidade da sua organização de sentido.

Na operação historiográfica, o particular (o local) estabelece o limite do pensar e liga-se ao geral e ao global através de uma racionalidade e de um processo escalar, definidos no quadro de um mesmo modelo, de uma mesma regularidade. Da narrativa relato para a narrativa histórica opera-se uma transformação qualitativa. E se, na base da História da Educação, está a construção de objectos e fenómenos educacionais, tal desafio epistémico começa na equação do problema ou da cadeia de problemas e na definição de uma matriz teórico-prática, mas tanto a operação heurística e hermenêutica como a construção da narrativa final se iluminam por esse desafio maior que é o da educacionalização como construto. Aqueles são os desígnios e os principais desafios da historiografia educacional e, por força de razão, do ensino da História da Educação. Este ensino tem estado sujeito a duas influências: o nível de formação dos públicos e a evolução da historiografia. Distintamente das teorias, ou das introduções (sempre ajustáveis e dependentes da integração no plano curricular), a História da Educação, mesmo cumprindo funções de mestra, tem persistido numa relativa autonomia curricular, não sendo menos relevante aquilo que dela procuram retirar os aprendizes e os formandos em face ao que é ministrado.

Em Portugal, por meados do século XX, na formação de educadores e de professores para o ensino primário, foi frequente a utilização de compêndios e de súmulas. Difundido a partir do Brasil, um dos compêndios mais utilizados era a História

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da Educação de Paul Monroe.2 Estabelecendo uma diacronia de longuíssima duração e referenciando as distintas zonas do globo, essa história continha uma cronologia que cruzava os aspectos pedagógicos com os aspectos culturais e os aspectos políticos: acontecimentos políticos; poetas, dramaturgos, oradores, etc.; filósofos, sofistas; obras de directa significação educacional; acontecimentos de carácter educacional. Tratava-se de uma obra que continha diferentes cadências de texto, com capítulos assumidamente normativos e diacrónicos e capítulos assentes em conceitos autorais. Cartografava o educacional, alocando-o a um tempo, a um espaço, a um ideário. Era uma obra de tese focalizada no progresso e cuja organização dava curso a uma evolução pedagógica. Portadores desta história − de que, em regra, havia mais que um exemplar nas bibliotecas das instituições de formação, professor e alunos refugiavam-se numa integridade e numa atmosfera de informação que só indirectamente transversalizava com outras disciplinas. Sintetizada em obras como essa, a História da Educação era em si um Curso de Pedagogia. Na formação de professores para o ensino secundário, a História da Educação tendia a aproximar-se da História Cultural.

2 uma das versões mais difundidas em portugal e que, em regra, fazia parte de todas as bibliotecas das escolas de magistério primário era editada pela companhia editora nacional, com sede em são paulo. fiz uso da 6ª edição, publicada em 1958. a obra estava organizada de forma diacrónica, havendo menção do educacional em todos os itens do índice. até à reforma e à contra-reforma, o elemento educacional era apresentado como consequência; a partir de então, até ao século XX, o elemento educacional continha primazia: cap. i – povos primitivos: a educação e sua expressão mais simples; cap. ii – educação oriental: a educação como recapitulação: a china como padrão; cap. iii – os gregos: a educação liberal; cap. iv – os romanos. a educação como treino para a vida prática; cap. v – a idade média: a educação como disciplina; cap. vi – a renascença e a educação humanista; cap. vii – a reforma, a contra-reforma e o conceito religioso de educação; cap. viii – educação realista [realismo humanista; realismo social; realismo sensorial]; cap. iX – o conceito disciplinar de educação: John locke; cap. X – a tendência naturalista da educação: rousseau; cap. Xi – a tendência psicológica na educação: pestalozzi, Herbart, fröebel; cap. Xii – a tendência científica moderna. spencer; cap. Xiii – a tendência sociológica na educação; cap. Xiv – conclusões: a tendência eclética actual.

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Entre as sistemáticas sobre o ensino da História (como obras de autor ou como organização colectiva), deve referir-se, pela síntese curricular e pela abrangência geográfica, Why should we teach History of Education?, editada por Kadriva Salimova e Erwin V. Johanningmeier. Dividida em duas partes, a primeira incide sobre o estatuto epistemológico da História da Educação na actualidade; a segunda sobre o ensino da História na formação de professores. O apêndice é constituído por programas de História da Educação.3

Observando as principais questões didácticas, a partir da bibliografia da especialidade e com base em minha experiência de mais de vinte anos de docência de História da Educação, é forçoso admitir uma selecção, pois que é inviável, em qualquer circunstância didáctico-pedagógica, a leccionação de uma História da Educação “total”. A definição curricular não se circunscreve, porém, a opções nos sentidos diacrónico e sincrónico, ou à centração geográfica no Mundo Ocidental ou tão só em Portugal. O programa de ensino não pode deixar de atender aos parâmetros didácticos, aos critérios de natureza temática, aos requisitos cognoscentes. A História da Educação cumpre funções de informação, formação, investigação, e os temas seleccionados deverão constituir uma totalidade representativa, significativa, evolutiva e inteligível. Correlativamente à reificação e à inscrição no local e na realidade educativos, as rubricas abordadas devem proporcionar uma representação e uma projecção a outros espaços, outros tempos e outros referentes culturais, simbólicos e humanos. É esperado que o desenvolvimento curricular

3 Kadriva salimova e erwin v. Johanningmeier (ed.). Why should we teach History of education? moscow: the library if international academy of self-improvement, 1993. [part i. History of education today: its subject and content; part ii. objectives of the History of education in teacher training]. o apêndice é constituído pelos seguintes programas: Hitotsubashi university Kunitachi - tokyo/Japan; Warsaw university - poland; Barcelona university - catalonia/spain; damascus university - syria; Kirovograd pedagogical institute – ukraine; university of akron – ohio/usa; teachers college of columbia university – usa.

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seja um percurso epistémico, cognoscente e antropológico, que proporcione ao estudante uma multidimensionalidade congregada e coerente, num crescendo de abrangência: teorização, abstracção, simbolização.

A leccionação da História da Educação envolve uma reflexão teórica aberta à interdisciplinaridade e uma reconceptualização que emana das circunstâncias e dos objectos históricos. Há assim um exercício semiótico e um tirocínio semântico que, a par da contextualização e da descrição, constituem o principal sentido da operação didáctico-pedagógica em História da Educação. Na base desses exercícios estão uma actualização cronológica, uma inscrição histórico-geográfica, uma informação colhidas na historiografia de referência e em fontes primárias. O fortalecimento da vertente formativa sugere que a leccionação se revista frequentemente de uma orientação regressiva e apele às componentes etnográfica, cívica e experiencial dos alunos, reificando de forma coerente e significativa a combinação entre memória, história vivida, historicidade, história.

Como a educação é uma via de humanitude, essa complexa meta que as sociedades e os sujeitos vão construindo, num jogo de probabilidades futuras do seu próprio presente e num diálogo crítico e esclarecido com o passado, a História e, particularmente, a História da Educação têm um papel determinante. Sendo a reflexão historiográfica uma construção multimodal entre passado/presente/futuro, um marco, uma via de subjectivação, cidadania, humanização e, por consequência, uma racionalidade que permite uma visão equilibrada e equilibradora do quotidiano, a (in)formação historiográfica deve integrar a tomada de decisões, partindo de situações-problema actuais. A sensibilidade às práticas (praxeologias e etnografias) e a abertura interdisciplinar permitem evitar e superar as abordagens, tendencialmente ideológicas, justificativas e convergentes que marcaram a historiografia tradicional, designadamente no domínio da

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Pedagogia, cujo desenvolvimento assentava na leitura selectiva e criterial/valorativa de certos autores ou modelos, bem assim como a redução a taxonomias ou a conceitos-chave. A equação da complexidade e a admissão de raciocínios alternativos e probabilísticos, tomando a educação como constituinte de cada conjuntura histórica, permite superar uma historiografia educacional unilinear e subproduto civilizacional ou sociocultural. A aplicação de um método historiográfico, problematizador e conceptualizante ao educacional escolar e não-escolar assegura um sentido evolutivo, uma abertura interdisciplinar e a reconstituição das distintas conjunturas históricas.

A implementação da Convenção de Bolonha veio consagrar o Ensino Superior como Educação Terciária, justificando e esclarecendo a conveniência de graduar a formação, ordenando-a ao longo dos três ciclos universitários: o primeiro ciclo, correspondente ao grau de licenciado, culmina uma (in)formação metodológica e substantiva que assegura uma racionalidade consciente e esclarecida, tendente à compreensão interdisciplinar de um domínio científico e ao exercício científico-profissional, num quadro de autonomização e responsabilidade; o segundo ciclo (mestrado), de especialização científica ou profissional, consagra a capacidade para produzir e comunicar de forma correcta e argumentada um determinado conhecimento; o terceiro ciclo (doutoramento), consignando uma especialidade, reabre para a transdisciplinaridade e consagra a capacidade de criar e orientar a produção do conhecimento científico.

Programas de História da Educação

A vocação do 1º ciclo universitário é de abertura e aprofundamento do conhecimento e das capacidades de aprender e comunicar com rigor, no âmbito de um domínio

Page 189: Ensino de história da educação

189

o ensino de História da educação

científico, bem assim como de complemento e revisão crítica da educação secundária.

Apresento aqui dois programas de ensino da História da Educação, em cursos de licenciatura: o primeiro é de História da Educação e da Pedagogia (A), que era uma disciplina anual do primeiro ano da Licenciatura em Educação do Instituto de Educação da Universidade do Minho; o segundo é de História da Educação (B). Este último programa é semestral e integra o 1º ano da Licenciatura em Educação do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, cujo Plano de Curso está organizado segundo a Convenção de Bolonha (com as consequentes repercussões na estrutura curricular adoptada e na arrumação temática). Uma alteração didáctica de particular relevo é a organização curricular com base numa estrutura de competências.

A) História da Educação e da Pedagogia(Justino Magalhães)

Enquadramento e fundamentação

A disciplina de História da Educação e da Pedagogia integra o tronco comum da Licenciatura em Educação e procura satisfazer os seguintes objectivos gerais:

a) alargar o campo de conhecimento e de reflexão dos alunos, futuros educadores, professores e técnicos superiores de educação, a partir da problematização e da integração de quadros conceptuais educacionais e historiográficos, e pela construção de eixos estruturantes;

b) proporcionar uma visão historiográfica, crítica, teórica e praxeológica da educação, através da interpretação, da síntese e da comunicação escrita e oral;

c) estimular a auto-formação, desenvolvendo valências

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coleção Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil - volume 6

190

pedagógicas e educacionais e apoiando a construção de visões estratégicas, pela comparação de diferentes pla-nos educacionais;d) desenvolver nos alunos um sentido investigativo, introduzindo-os às problemáticas da conservação e revalorização do património cultural e educacional, como factores de formação e de acção junto dos diversos públicos.

A História da Educação e da Pedagogia proporciona um

campo de diálogo e de relacionamento dos alunos com os

diversos públicos, posto que o domínio histórico é constituído

por uma diversidade de matérias e de argumentos para a

acção educacional e faculta valências metodológicas de

instrumentalização e estruturação dessa acção. Este princípio,

sendo válido para os alunos no decurso da sua formação, é

extensivo aos públicos junto de quem desenvolverão a acção

educacional. Privilegiar a natureza interactiva e construtiva da

História da Educação e da Pedagogia permite superar a tendência

residual e dedutiva a que frequentemente é remetida no seio

das diversas Ciências da Educação. Complementarmente,

assume-se uma valorização dos factores, estruturas e dimensões

educacionais no plano temporal. Cabe à História da Educação

e da Pedagogia reequacionar os planos históricos, de forma a

inquirir, (re)situar e integrar as dimensões educacionais tomadas

numa acepção ampla. A correspondência entre a reinvenção

(construção) historiográfica da educação e a reificação da

acção educativa determina o sentido e o campo da disciplina de

História da Educação e da Pedagogia, alargando-a aos planos

teleológico, axiológico, descritivo, praxeológico, sociológico,

psicológico. Teorias, formas de pensar e racionalizar a educação,

práticas, contextos, actores, públicos e representações são

matéria da História da Educação.

Page 191: Ensino de história da educação

191

o ensino de História da educação

Constituem duas linhas de renovação fundamentais: 1)

a operação historiográfica consignada pela Nova História

(interdisciplinaridade e abertura a novos campos de

investigação; contemplação de novos públicos; revalorização

do sujeito histórico, em face às estruturas e aos vectores

geográfico, económico e político; busca de novas fontes

de informação); 2) a (re)abertura à “história cultural” e a

revalorização do(s) discurso(s) histórico(s) e historiográficos,

interrogados quanto às condições de produção, ao impacto e

às formas de apropriação. O discurso historiográfico ressente-

se das condições de produção e de apropriação, sejam elas de

natureza axiológica, teleológica e de fundamentação, sejam

de natureza práxica e normativa, associadas à capacidade

inventiva do historiador para reconstruir o modelo (a totalidade

organizada) que o explica, contextualiza e lhe confere

sentido, por um lado, e à abertura ao social, ao psicológico,

ao antropológico, por outro.

Esse discurso substantiva-se no(s) sujeito(s) e na

acção educacionais, estruturados em conformidade com

os princípios metodológicos que (en)formam as diversas

Ciências da Educação. São, por consequência, a abertura

metodológica, a reconstituição dos sujeitos, das acções e dos

fenómenos educativos, à luz das problemáticas, métodos e

conceitos de outras Ciências da Educação, como domínios

científicos específicos na área das Ciências Humanas e

Sociais, focalizados a partir de um olhar historiográfico, que

sedimenta as bases para a renovação da História da Educação

– uma história problematizante e conceptualizante.

Em cada momento histórico há uma educação em

projecto, uma conflitualidade e uma dialéctica entre planos de

convergência e de divergência, marginalidade e segmentação

social, que o historiador reconstitui, tomando em referência

os contextos, testemunhos, expectativas e realizações, num

Page 192: Ensino de história da educação

coleção Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil - volume 6

192

permanente e complexo jogo de relações e tensões, e de

construção de um presente/passado, em sua complexidade e

na projecção probabilística de hipóteses quanto ao futuro.

A disciplina de História da Educação e da Pedagogia

contempla, de forma mais ou menos explícita, as noções,

conceitos e planos: história, educação, pedagogia. Um

dos primeiros desafios didácticos é a articulação entre

esses elementos, por construir um discurso epistemológico

integrado e coerente. Ensaiando a caracterização sumária dos

três elementos constituintes da disciplina, entende-se que:

a) a História (a abordagem historiográfica) define o

método, problemáticas, categoria de análise, fontes

e dados de informação – contextos, quadros espácio-

temporais e socioculturais;

b) a educação (o educacional) constitui o objecto, o

argumento, o (pre)texto;

c) a pedagogia (o pedagógico) marca a natureza

da abordagem − uma abordagem teórico-prática

e conceptualizante, uma abordagem crítica,

fundamentada, fundamentadora e avaliativa da

realidade.

As categorias de análise são aqui de natureza

historiográfica, mas carecem de uma cultura pedagógica, na

conceptualização (acepções do campo lexical, discursivo,

comunicacional e gramatológico − verbal e não verbal);

na definição das questões prementes e na diferenciação/

comparação de quadros analíticos no tempo e no espaço;

na noção de interdependência e de projecto educativo; na

compreensão da complexidade (totalidades organizadas e/ou

em organização). A representação e compreensão da acção,

Page 193: Ensino de história da educação

193

o ensino de História da educação

das práticas e das racionalidades educativas (actores, meios,

conteúdos, produtos, contextos), envolve, por seu turno, um

apelo à experiência aprendente e sociocultural dos estudantes,

e o reconhecimento da interdisciplinaridade subjacente

às Ciências da Educação. A educação é, nesse contexto, o

conceito mais amplo e abrangente, pois constitui a área do

conhecimento e da acção a construir.

A História da Educação, proporcionando um método para

a construção do saber educacional, constitui em si também

um conhecimento, pelo que as dimensões historiográficas

são uma base para as tomadas de decisão, fundamentação e

normatização da acção educativa. Desse modo, o educacional

e o pedagógico são factores cativos da sua própria história,

e a historiografia reveste-se de uma componente formativa.

A História da Educação é um meio para a acção educativa

das populações adultas e também das populações jovens. É

um meio curricular fundamental nos processos de societude

e humanitude. Como reflexão historiográfica concretizada

numa construção multimodal entre passado/presente/futuro,

a História, quando presente à tomada de decisões, constitui

um marco e uma racionalidade. A didáctica da História da

Educação não pode alhear-se da preservação e da integração

da memória e do património históricos em sua acção de

educadores.

Toma-se como princípio a abertura à complexidade e

ao praxeológico com vista à superação do discurso unilinear,

agregativo e justificativo, que marcou alguma historiografia

de que resultava uma menorização de raciocínios complexos

e alternativos, centrados em conceitos-chave, que permitem

equacionar as conjunturas em cada presente histórico e explicar

a evolução desse mesmo presente. Tais condicionalismos

ficavam a dever-se à ausência das contextualizações, ao

reconhecimento das análises práticas e praxeológicas

Page 194: Ensino de história da educação

coleção Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil - volume 6

194

como indicadores das apropriações pedagógicas e das

representações sociológicas. Desse modo, a historiografia

tradicional construiu um discurso pedagógico-educativo, ora

como subproduto da história civilizacional, ora como um

discurso marginal, meta-histórico.

A aplicação do método historiográfico, problematizador

e conceptualizante às questões da educação, assegura

simultaneamente um sentido evolutivo, uma abertura à

interdisciplinaridade e a reconstituição dos contextos históricos.

A educação, tomada em suas complexidade e polissemia

(instituição, acção, conteúdo, produto), é o referencial mais

amplo e é o campo de investigação e de acção: a educação

é o texto. A presença do elemento pedagógico faz-se sentir

pela análise contextualizada e pelo recurso a textos, ideários

e racionalidades coetâneos dos factos e dos fenómenos em

análise. Opera-se também pela aplicação da noção de projecto

às totalidades organizadas, que, em momentos pedagógicos

complementares, procuram relacionar uma concepção actual

de educação com as concepções teórico-práticas coetâneas.

Nesse sentido, embora o pedagógico não constitua a

centralidade deste programa, há noções de racionalidade

educacional que não poderão deixar de ser apresentadas,

como base discursiva e de conceptualização, apoiando a

formação dos alunos, assim: elaborações como a do triângulo

pedagógico da aprendizagem escolar − aluno, professor,

conteúdo (Houssaye); noções como a de modelo escolar e não

escolar da formação e da educação, etc.

Por outro lado, os alunos da Licenciatura em Educação

apresentam uma formação académica média em que a

componente História não é nem a mais forte, nem a mais

frequente. Portanto, é necessário desenvolver estratégias de

homogeneização, por meio, designadamente, da apresentação

de quadros sinópticos e cronológicos. Uma outra estratégia de

Page 195: Ensino de história da educação

195

o ensino de História da educação

remediação e homogeneização é a sugestão de leituras nos

domínios da Educação e da História Geral. O intento de uma

acção pedagógica e didáctica centradamente (in)formativa

desafia que os alunos sejam orientados para a concepção de

pequenas experiências investigativas e de acções educacionais,

a partir do quotidiano, tomando como elementos: o património

ambiental, as memórias e as narrativas locais, o tratamento de

materiais arquivísticos, museológicos, de artefactos e acervos

documentais de diversa natureza, etc.

Definição curricular e desenvolvimento programático

São estabelecidas quatro grandes linhas de acção. A

primeira contém uma conceptualização e uma problemática

como enquadramento geral:

a) quadro conceptual geral: História, Educação,

Pedagogia − educabilidade do ser humano, educação

e educações;

b) cultura escrita e História da Educação no Mundo

Ocidental;

c) educar, pensar educação e formular saberes

pedagógicos na ausência/presença dos sistemas

educativos e dos modelos científicos da pedagogia

– educação antiga, educação clássica educação e

formação do homem medieval, educação humanista,

educação e modernidade;

d) escolarização (formalização) da educação − as

Ciências da Educação. Educação e Contemporaneidade.

Estas linhas se complementam e se cruzam em seu

desenvolvimento. Corresponde-lhes uma sequência de

Page 196: Ensino de história da educação

coleção Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil - volume 6

196

períodos históricos, em que estão associadas de forma evolutiva

as dimensões históricas envolvidas em cada uma dessas

linhas, designadamente nas secções III, IV e V do programa.

As secções I e II são marcadas por uma maior transversalidade.

Aquelas linhas estruturam-se na longa duração e dão resposta

a problemáticas específicas, ou antes, elas próprias constituem

problemáticas que evoluem conforme as circunstâncias

históricas e o desenvolvimento de relações multivectoriais.

Intenta-se facultar aos alunos uma visão integrada, evolutiva,

não linear das principais questões da História da Educação

do mundo ocidental, com recurso pontual a uma estratégia

comparada. As problemáticas são construídas pelo historiador

e as relações entre os diversos vectores de desenvolvimento

histórico são representações da própria trama que a realidade

histórica entretece.

As relações tendem a prolongar-se no tempo, mas as

circunstâncias e os contextos em que tal sucede alteram-

se por uma orientação metodológica fundamental, seja

no domínio do conhecimento, seja no plano didáctico, é

a construção de eixos diacrónicos centrais, como: o lugar

da epistemologia e do conhecimento como estratégia e

substância educativa e formativa, quer para os sujeitos,

quer para os grupos; a cultura escrita como instrumento de

pensamento, comunicação e acção; a afirmação do público

sobre o privado; a instrucionalização dos principais factores e

bases de educação e formação; uma absorção (sobreposição)

do costume pela norma; do rural pelo urbano; da autarcia pela

ecumena.

O quadro conceptual geral e a problemática contidos na

primeira linha de acção visam, como se referiu, envolver os

alunos numa textura compreensiva e analítica que contemple

as dimensões historiográfica, educacional e pedagógica dos

fenómenos educativos. Tratando-se de uma disciplina do

Page 197: Ensino de história da educação

197

o ensino de História da educação

tronco comum, num Curso de Graduação, visa-se informar,

de modo crítico, interpretativo e problematizador, sobre o

lugar da educação no Homem e no Mundo ocidentais. Há

dialécticas e problemáticas que são recorrentes de período

para período: relação entre o público e o privado; relação

entre didáctica e finalização dos saberes e das práticas

educativas e formativas (o triângulo entre famílias, grupos e

comunidades de base; instâncias reguladoras, normatizadoras

das práticas e saberes educativos; a sociedade e os poderes

instituídos, sejam políticos, sejam confessionais); uma

dialéctica entre, de um lado, uma segmentação (verticalização,

diferenciação), quer ao nível de uma meta-educação, quer

no que se refere a meios e oportunidades, e, de outro lado,

uma igualitarização (horizontalização). Há questões e

relações cujo desenvolvimento reflecte as circunstâncias e

os contextos históricos, que evoluem de forma diferenciada,

com implicações, designadamente, ao nível da definição

dos sujeitos envolvidos e no grau de aprofundamento e de

abrangência dessas mesmas (co)relações.

A construção do tempo/espaço educacional é um desafio

permanente para a História da Educação e, se a relação

educativa é uma interacção designadamente entre o docente/

investigador e os alunos, fazer e ensinar História da Educação

são funções instituintes de um mesmo desafio.

Conteúdos programáticos

I. História, educação, pedagogia

1. Um conceito sumário e actual de educação

(polissemia do conceito educação).

História da Educação: 1) objecto(s), temas, problemas,

teorias, método, fontes; 2) estatuto epistemológico

Page 198: Ensino de história da educação

coleção Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil - volume 6

198

da História da Educação; 3) fazer e ensinar História

da Educação; 4) para uma meta-análise da produção

historiográfica em educação; 5) História da Educação

e inovação em educação; 6) contributos metodológicos

e substantivos da História da Educação para o

conhecimento e conhecimento e para a formação em

educação.

2. Um olhar historiográfico sobre a educabilidade

do ser humano – educação e educações (evolução,

universalização/totalização; segmentação/

especialização). A educação como condição de

humanitude – a incompletude biológica e cultural

do ser humano – educação, pensamento, acção.

Legitimidade, bases e dimensões da educabilidade

– valores, atitudes/comportamentos, saberes/

conhecimentos/ capacidades, práticas/técnicas/

competências. Formação, aprendizagem, ensino.

Humanitude e infinitude do humano.

3. Sobre a diversidade de contextos, públicos, agentes

e meios, modelos em educação. Natureza, sociedade,

religião, cultura; Estado, como contextos e factores de

educação. Emergência/construção do(s) sujeitos) em

educação – auto e hetero-educação. O privado e o

público em educação. Família, oficina, escola – agentes

fundamentais de educação; educador, pedagogo,

mestre, professor. Modelos e meta-educações –

crente, guerreiro, escriba, cidadão, artífice (civitas,

humanitas, nobilitas), autonomia, politecnia, societude,

humanitude. Humanitude, educação e história.

4. Pensar, fazer, escrever educação – Pedagogia e

racionalidade educativa/ciência, ciências da educação.

Utopia, teoria, praxis – discurso idealizante; discurso

doutrinário, nomotético e definidor de princípios;

Page 199: Ensino de história da educação

199

o ensino de História da educação

discurso teórico/prático (praxeológico); discurso

praxizante. A metáfora e a analogia em educação.

Cultura escrita e racionalidade educativa. Produção e

apropriação do conhecimento e do saber em educação.

O lugar da História da Educação.

II. Cultura escrita e História da Educação no Mundo

Ocidental

1. Dimensões histórico-antropológicas da cultura

escrita: linguística, antropológica, técnica/instrumental,

profissional, científica/cultural. Oralidade e escrita.

Linguagem e pensamento. Cultura escrita e comunicação.

Cultura escrita e sociedade – um meio de organização

social. Cultura escrita e poder – segmentação do

alfabeto. Usos, práticas, instrumentos e suportes

materiais da leitura e da escrita – sua evolução histórica.

Implicações histórico-culturais da universalização

do latim e do grego. A escrita e a gramaticalização

das línguas vernáculas. A mecanização da escrita na

transição para a Modernidade. Cultura escrita e novas

tecnologias da comunicação e instrumentalização da

palavra.

2. Origem e evolução da escrita e do alfabeto. Usos,

práticas, instrumentos e suportes materiais da leitura

e da escrita – sua evolução histórica. Implicações

histórico-culturais da universalização do latim e do

grego. A escrita e a gramaticalização das línguas

vernáculas. A mecanização da escrita na transição para

a Modernidade. Cultura escrita e novas tecnologias da

comunicação e instrumentalização da palavra.

3. Cultura escrita, religião, ciência, técnica, progresso/

desenvolvimento. Implicações históricas, educacionais

Page 200: Ensino de história da educação

coleção Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil - volume 6

200

e antropológicas da instrumentalização da palavra

– alfabetização e desenvolvimento. Cultura escrita e

racionalidade pedagógica – formar, ensinar, instruir.

4. Evolução histórica dos métodos, processos e

instituições de ensino e aprendizagem da leitura e da

escrita – alfabetização e “actualização” de uma leitura

do mundo e da realidade envolvente. Sobre o conceito

de alfabetizado. Alfabetização e alfabetizações.

III. Educar, pensar educação e formular saberes

pedagógicos nas civilizações Antiga, Clássica e

Medieval – ausência/presença dos sistemas educativos

e dos modelos científicos da Pedagogia.

1. Instâncias e modelos formativos da Educação Antiga

– o palácio, o templo, a cidade:

a) formação do sacerdote (sacralização das práticas

e das tradições e normas consuetudinárias – a

verbalização; o mito, o rito, as festividades e a

iniciação) – um intelectual responsável pela “ordem” e

pela sobrevivência da comunidade;

b) formação do guerreiro – importância dos exercícios

físicos e da caça – um suporte da justiça, da paz interna,

da guerra e do saque;

c) formação do escriba – da centração teocrática à

diversidade e complementaridade das formações e das

funções;

d) formações dependentes (menores) – o camponês, o

artesão. A cidade – a sedentarização, as cosmogonias,

a definição territorial e de propriedade, a organização

política e administrativa, a justiça, a lei.

2. O sincretismo (histórico) cultural do homem grego

e educação: para uma formação religiosa, física

Page 201: Ensino de história da educação

201

o ensino de História da educação

(bélica) e letrada (autográfica) do cidadão; o herói

e a perfectitude humana – sacerdote, guerreiro,

escriba; matemático (geómetra); filósofo (dialéctico)/

retórico (Platão vs Isócrates); a Educação Clássica e

o desenvolvimento de práticas escolares. Os sentidos

prospectivo e permanente da educação; formação

elementar, formação média, formação superior.

Helenismo e paideia conteúdos básicos centrados na

ciência e na retórica – educação e escolas públicas

– pedagogo; mestres: pedotriba, gramático, filósofo,

retórico – alfabeto e cálculo, gramática, dialéctica e

retórica.

3. A família, a escola e o Estado na formação do cidadão

(do homem) romano. Educação e humanitas. O pater

familias e a privatização da educação da infância

entre o público e o privado. As escolas públicas e a

municipalização da educação elementar; a criação

do colégio para os adolescentes e jovens – iuvenes.

Educação, religião, sociedade; educação/escolarização

e romanização.

4. Raízes judaico-cristãs na formação do Homem

Medieval. As pequenas escolas e a cristianização;

as pequenas escolas e a vulgarização da formação

elementar; as escolas de gramática A clericalização da

educação e a sociedade tripartida (patrística, monástica,

escolástica). Uma alfabetização laica e pragmática.

O quotidiano como educação – as formações e

aprendizagens básicas, religiosa e profissional, a

festa, as manifestações e as representações colectivas.

Formação e ciclos de vida – a convergência dos ciclos

etários da catequese, da milícia e da formação oficinal.

O fim do “mundo pleno” e a gramaticalização do

quotidiano, conversão, colonização e cultura escrita.

Page 202: Ensino de história da educação

coleção Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil - volume 6

202

IV. Educação e Escolarização no Antigo Regime −

consolidação do modelo escolar (até o século XVIII)

1. Fundação das universidades (sécs. XIII-XIV); as

escolas monacais, as pequenas escolas e os colégios

em finais da Idade Média. O “renascimento” de uma

educação pela escola – os Irmãos da Vida Comum; os

colégios humanistas, trilingues e as “artes liberais”; os

colégios Jesuítas, a Ratio Studiorum e a sociedade de

classes do Antigo Regime. A adaptação do trivium e do

quadrivium, a valorização das humanidades.

2. Escolarização da educação e da formação: a definição

de um currículo para a educação elementar; o modelo

colegial e os estudos menores (educação secundária)

e a formação técnica (artes liberais) – os colégios das

artes, as escolas de artes; a perda de influência das

universidades – a formação em cânones/direito, teologia

e medicina. O pansofismo e a formação das disciplinas

escolares. Sobre os processos de alfabetização e de

escolarização dos portugueses no Antigo Regime. As

Cartilhas e a gramaticalização da Língua Portuguesa.

3. Novos ideais do “homem civil”: cortesia (século XVI),

honestidade (século XVII), Iluminismo/Racionalismo

(século XVIII). Humanismo e educação; Racionalismo

e educação. Súbdito ou cidadão? As corporações e a

formação profissional. Universalização e segmentação

da formação e da instrução – sobre a constituição dos

sujeitos educacionais: a educação das mulheres; a

educação as crianças. Sobre o significado histórico-

pedagógico do Movimento das “Luzes” – para uma

“pragmática” educacional. “Produção” dos sistemas

estatais de ensino – o caso português – as reformas

pombalinas e a formação de um sistema estatal de

Page 203: Ensino de história da educação

203

o ensino de História da educação

ensino; o crescimento da rede escolar de mestres régios

no período mariano-joanino.

4. Pensamento pedagógico – pensadores e pedagogos

(séculos XVI-XVIII) produção (produtores), divulgação e

significado do conhecimento educacional. A produção

escrita de carácter pedagógico (literária, discursiva,

normativa, praxeológica) – constituição de um curso

teórico e prático sobre educação, escola, sociedade;

(Coménio, Montaigne, Locke, Rousseau, Verney,

Ribeiro Sanches); mestres, pediatras.

V. Séculos XIX e XX – escolarização (formalização) da

educação – criação e desenvolvimento do(s) sistema(s)

educativo(s) de Estado e das Ciências da Educação.

1. A educação e a revolução liberal. A função docente

– uma actividade a tempo inteiro. A didacticalização do

conhecimento e a construção das disciplinas escolares;

a organização curricular – a lição; da disciplina ao

curso. Produção dos sistemas estatais de ensino – a

instabilidade da política educacional do Estado liberal

no século XIX – crise e reformulação dos modelos e

das políticas escolares. A situação portuguesa numa

perspectiva comparada. As revoluções liberais e a

escolarização da sociedade. As políticas educativas dos

Estados liberais e a segmentação da sociedade.

2. Modelos, estruturas, currículos e práticas alternativos

de formação científica, técnica e profissional, por

meio da escola – educação intelectual, educação

moral, educação física: uma formação humanista, uma

formação científica, uma formação técnica e profissional,

uma formação politécnica. O liceu, o ginásio (alemão),

as escolas técnicas e comerciais, as escolas agrícolas.

Page 204: Ensino de história da educação

coleção Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil - volume 6

204

Laicização, obrigatoriedade e verticalização da formação

escolar. Públicos, agentes e representações escolares

– formação e profissionalização dos professores. Uma

política de construções escolares. “Gramaticalização”

da cultura escolar.

3. Universalização da educação escolar na transição

para o século XX. Para uma escola de massas – as

reformas compreensivas da instrução. Unificação da

educação secundária, ou alargamento da educação

básica? A escolarização dos adultos. A sociedade

portuguesa sob o estigma do analfabetismo; as

hesitações políticas relativamente à difusão da leitura e

da escrita. A acção dos republicanos e os novos desafios

da política escolar para os vários níveis de ensino e

sectores sociais. A abertura educacional da Primeira

República e o “reducionismo” da educação nacional

do Estado Novo. Uma escola portuguesa? As reformas

do ensino liceal e técnico. A Campanha Nacional de

Alfabetização.

A crise do modelo escolar em face às novas tecnologias

da comunicação e processamento da informação.

A educação permanente e o reequacionamento da

educação escolar. Novos espaços, novos públicos e

modos de educação – multiculturalismo e comunidades

educativas; desafios da autoformação.

B) História da Educação(Justino Magalhães)

1. Enquadramento e fundamentação

A disciplina de História da Educação que aqui apresento se beneficia da experiência de leccionação de História da

Page 205: Ensino de história da educação

205

o ensino de História da educação

Educação em cursos de formação inicial de professores e educadores, assim como de formação de técnicos superiores de educação, e integra o tronco comum da licenciatura em Ciências da Educação. Da depuração curricular e da sistematização de conceitos, temas e assuntos a que tenho vindo a proceder, ressalto um núcleo programático que constitui uma etno-história da educação. Apresento, na sequência, os conteúdos programáticos leccionados no ano de 2008-2009, no Curso de Ciências da Educação, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.

O item introdutório sobre o estatuto e a finalidade da História da Educação é de natureza informativa e epistémica e proporciona uma introdução cultural e discursiva dos estudantes. O segundo item é de carácter enciclopédico e visa homogeneizar e orientar os alunos na matriz conceptual básica, que, para além de denominativa e enciclopédica, é uma demarcação do campo educacional. Os itens 3, 4 e 5 são assumidamente historiográficos, permitindo, a partir de uma cronologia de base, estabelecer uma evolução multivectorial, referenciada aos sistemas educativos e à escolarização, no contexto da modernidade ocidental. Essa panorâmica histórica terá como referência central o caso português. O item 6 constitui uma análise informada e crítica sobre a cultura, a pedagogia e a modelação escolares, sua composição, materialidade, representação, significado, potencialidades e limitações. Finalmente, culminando uma integração e uma abstracção, o item 7 abre para a reconstituição e avaliação dos perfis histórico-educacionais actuais.

Há, no desenvolvimento curricular deste programa, uma coerência proporcionada pelo núcleo conceptual constituído por: sujeito individual/colectivo; cultura escrita; instituição educativa; escala dos espaços; modernização.

Page 206: Ensino de história da educação

coleção Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil - volume 6

206

2. Programa

FinalidadeA História da Educação, integrando o tronco comum da

Licenciatura em Ciências da Educação e proporcionando o conhecimento e a compreensão das questões do passado, com referência e interpretadas a partir de uma conceptualização e de problemáticas e desafios actuais, visa a sistematização de uma matriz teórico-prática e de uma informação histórica de base que constituam fundamento e referência na (in)formação dos licenciados em Ciências da Educação.

Competências a desenvolverCompetências instrumentais: Problematização, análise,

síntese, aquisição, aprofundamento, comunicação de conhecimentos gerais e de conhecimentos específicos. Selecção, conceptualização, interpretação, processamento da informação e do conhecimento a partir de diferentes fontes e de diferentes representações. Pensar a realidade educativa com História.

Competências interpessoais: Atitude crítica e auto-avaliação. Relacionamento interpessoal. Trabalho interpessoal.

Competências sistémicas: Investigação. Diagnóstico, concepção e projecção. Trabalho autónomo.

Conteúdos1. História da Educação: conhecimento especializado, discurso genealógico, paradigma educacional.2. História, teoria e prática de educação: a) fundamentos, matérias, situações e projectos educativos; b) práticas, discursos, agentes, sujeitos; c) educação, escolarização, educação/formação ao longo da vida; d) conhecimento, normalização/regulação, transformação, avaliação pedagógica; e) culturas, instituições, modelos.3. Cultura escrita; Modernidade; educação/escolarização.

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o ensino de História da educação

4. Institucionalização dos sistemas escolares (genealogia e materialidade dos sistemas educativos; educação, instrucionalização e escolarização; a escola e os sistemas educativos nacionais; mundialização da escola e da Pedagogia escolar).5. Escolarização da sociedade portuguesa (génese e institucionalização da escola elementar, educação/instrução secundária, ensino superior; reformas e políticas educativas; alfabetização e analfabetismo em Portugal).6. A cultura escolar: representação, visão de mundo, acção; matriz científica, cultural, civilizacional; currículo, pedagogia e políticas educativas.7. Perfis histórico-educacionais: religiosos, bélicos, técnico-profissionais, cívicos, informacionais.

Referências

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o ensino de História da educação

Ensino dE história da EdUCaÇÃo na pós-gradUaÇÃo Em EdUCaÇÃo,

no brasil, na déCada dE 1980: Uma ExpEriênCia rEvisitada

luiz carlos Barreira

Introdução

a disciplina História da educação já ocupou lugar privilegiado nas matrizes curriculares dos programas de pós-Graduação Stricto Sensu em educação de todo o país. nas três últimas décadas do século XX, ela compôs o assim chamado “núcleo duro” das disciplinas formadoras – por isso, concebidas como básicas e obrigatórias – do alunado desses programas. o entendimento que então se tinha desse caráter formativo da disciplina se ancorava na ideia de que a educação era um momento da totalidade social e, como tal, só poderia ser apreendida e compreendida no bojo das relações sociais que a produziam. apreender a educação como realidade histórica implicava, portanto, compreender os “[...] fenômenos educacionais no âmbito da realidade na qual eles se produziam e se justificavam” (pontifícia universidade católica de são paulo, 1991, p. 1). em se tratando de Brasil, implicava conhecer e compreender a realidade brasileira, pois esse conhecimento e compreensão seriam a base e o fundamento dos estudos e investigações sobre a “problemática educacional”, tendo em vista a transformação da sociedade.

a luta contra o regime militar pode não ser, para muitos, uma explicação plausível para as práticas político-pedagógicas daqueles que fizeram (ou tentaram fazer) das salas de aula uma trincheira na luta contra a ditadura, a opressão e a

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toda forma de exploração. na clandestinidade dos partidos que faziam oposição nada surda ao regime, “aparelhar” os aparelhos ideológicos de estado era palavra de ordem. era preciso conscientizar a população. era preciso denunciar os crimes e demais atrocidades cometidos pelo regime militar contra a população brasileira. era preciso politizar, formar os intelectuais orgânicos das classes trabalhadoras, que seriam – assim se entendia – os principais responsáveis pela construção da hegemonia do operariado no seio mesmo da sociedade burguesa. era preciso aprender a fazer minar a hegemonia da burguesia, em uma incansável “guerra de movimento e de posições”. era o que se lia e o que se aprendia nos textos de antonio Gramsci, então recém-descobertos por alguns acadêmicos brasileiros.

uma trincheira. era assim que representávamos e vivíamos a sala de aula. uma luta. incansável luta de professores contra a ditadura, em prol do restabelecimento da democracia no país. líamos muito, sobretudo textos proibidos pelo regime, ou que foram por ele rotulados como “literatura subversiva”. a palavra, o saber, a pena eram nossas armas. sonhávamos muito. Às vezes delirávamos. sonhávamos com a volta da liberdade plena de expressão. sonhávamos com o dia em que aquele nó, preso na garganta, se desfaria de uma vez por todas.1

1 fomos às ruas pelas “diretas Já!”. o tão sonhado dia chegou. pelo menos assim se pensou. um tanto quanto trôpego e tímido, mas chegou. filho tão desejado, quando nato, encanta, embriaga e cega. deixávamo-nos levar pelos novos ventos da nova república. sem rumo, nem prumo. a construção de um mundo melhor, de uma sociedade mais justa não era mais uma possibilidade remota. avizinhava-se. sonhávamos com a queda do império – sentimento antiamericanista muito cultivado pelos centros acadêmicos naquela época. um dia, o que parecia sólido se desmanchou no ar. Houve uma queda de império, sim, mas não o de tio sam. foi a união soviética que desmoronou. o muro de Berlim também ruiu, virou pó. como o muro, muitas de nossas certezas, como que em um passe de mágica, também em pó se transformaram. assim... da noite para o dia. somos filhos desse tempo. tempo de prazeres contidos, adiados, sublimados.

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o ensino de História da educação

sintonizado com esses sonhos, um dos principais objetivos da pós-Graduação em educação da puc de são paulo, em sua origem, não era apenas formar pesquisadores para atuar no campo da educação, mas formar sujeitos politicamente atuantes na sociedade. para explicitar esse entendimento, transcrevo a seguir alguns dos objetivos específicos da disciplina História da educação Brasileira, definidos na década de 1980:

[...] possibilitar, através da análise e discussão dos problemas educacionais brasileiros, que se tome consciência do papel / responsabilidade que temos no processo de produção / transformação da sociedade enquanto ser concreto e historicamente situado (pucsp, 1988, p. 1, grifo meu).

esta disciplina deverá [...] dar suporte e subsidiar a reflexão sobre a problemática educacional brasileira, desde o desvendamento da sua emersão no bojo do processo histórico, até a elaboração dos projetos possíveis de transformação da realidade nacional brasileira (pucsp, 1991, p. 1, grifo meu).

parte significativa do alunado da pós-Graduação em educação da puc de são paulo, nesse período, era oriunda de redes públicas de ensino. em geral, professores do então primeiro e segundo graus, diretores de escola e supervisores de ensino. fui um desses alunos. na época, eu era professor de História recém-formado, que acabara de conhecer um grupo de professores na primeira escola pública em que trabalhava. esse grupo chamou minha atenção, tanto por suas práticas pedagógicas, quanto, principalmente, por suas práticas políticas – sem querer, com essa diferenciação que aqui faço entre prática pedagógica e política, eliminar a natureza política da primeira e a natureza pedagógica da segunda; essa diferenciação objetiva apenas destacar o que é sobredeterminante em uma e em outra prática. dois dos integrantes desse grupo eram alunos da pós-Graduação em educação (filosofia da educação) na puc de são paulo. foi assim, por intermédio deles, que eu cheguei a esse

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programa, em 1983.2

nos anos de 1980, os programas de pós-graduação em educação no Brasil somavam pouco mais que duas dezenas e vinculavam-se, em sua esmagadora maioria, às universidades situadas na região sudeste do país, sobretudo nos estados de são paulo e do rio de Janeiro (Barreira, 1995, p. 22). um dos primeiros programas, na área da educação, criados no país foi o da puc de são paulo, cujas atividades tiveram início em 1971, conforme o mesmo autor. seja por ter sido um dos pioneiros na área, seja pela qualidade acadêmica conquistada ao longo dos seus 40 anos de existência, esse programa passou a ser uma das principais referências na área da educação.

foi principalmente pelas razões acima expostas que decidi estudar, analisar e apresentar, neste texto, os programas da disciplina História da educação Brasileira, elaborados por professores da puc de são paulo que atuavam na pós-Graduação em educação, na década de 1980.3 embora responsáveis pela disciplina, esses professores, a julgar pelas inúmeras evidências encontradas nos programas analisados, procuravam, tanto quanto possível, incorporar aspectos (abordagens, conteúdos e bibliografia) de programas anteriores em “suas” propostas de programa. Havia uma

2 em 1989, concluí o meu curso de mestrado (História e filosofia da educação) nesse programa. em 1995, após a conclusão do doutorado em educação (filosofia e História da educação) na faculdade de educação da universidade estadual de campinas, ingressei no programa da puc de são paulo como docente e fui um dos professores responsáveis pela disciplina História da educação Brasileira, ao lado de maria Helena Bittencourt Granjo, até o ano de 2000-2001. depois disso, continuei a ministrar essa mesma disciplina em outros programas de pós-graduação em educação, no estado de são paulo.

3 os programas da disciplina História da educação Brasileira, considerados neste estudo, foram: 1) programa da disciplina “História da educação Brasileira i”, ministrada pela professora mirian Jorge Warde, no segundo semestre letivo de 1984; 2) programa da disciplina “História da educação Brasileira i”, ministrada pela professora ediógenes aragão, no primeiro semestre letivo de 1985; 3) programa da disciplina “História da educação Brasileira”, ministrada pela professora ediógenes aragão santos, no primeiro semestre letivo de 1988; 4) programa da disciplina “História da educação Brasileira”, ministrada pela professora maria elisabete sampaio prado Xavier, no primeiro semestre letivo de 1991.

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o ensino de História da educação

prática, na pós-Graduação em educação da puc de são paulo, de discussão de todas as questões atinentes aos cursos de mestrado e de doutorado do programa, dentre as quais as concernentes à composição das matrizes curriculares desses cursos. discutiam-se, inclusive, as propostas de programa para as diferentes disciplinas e atividades programadas que comporiam tais matrizes. a última palavra sempre coube, entretanto, ao colegiado do programa, que era composto pela totalidade dos membros do seu corpo docente e por uma representação – em alguns momentos, paritária – do seu corpo discente. Há que se ter cuidado, portanto, quanto à autoria dessas propostas, pois, a nosso ver, elas resultam muito mais do esforço de construção de um consenso quanto ao lugar e ao papel que a disciplina deveria desempenhar no processo de formação dos alunos da pós-graduação em educação, do que obra exclusivamente individual.

a escolha da década de 1980 deveu-se, basicamente, a acontecimentos decisivos que marcaram a história da pós-Graduação em educação da puc de são paulo. a redefinição das suas áreas de concentração talvez tenha sido um dos acontecimentos mais importantes e significativos de todos. até o final da década aqui focalizada, essas áreas eram: filosofia da educação e educação escolar Brasileira. a partir de então, ambas deram lugar a uma terceira, qual seja, História e filosofia da educação. tal redefinição não deixa de ser uma evidência da importância e do espaço que a disciplina História da educação vinha adquirindo no âmbito da pós-graduação em educação.

nos estudos que fizemos dos programas da disciplina História da educação Brasileira selecionados, ativemo-nos não apenas aos objetivos e conteúdos neles privilegiados, mas também focalizamos textos e autores propostos como bibliografia básica, ou de apoio às discussões que seriam realizadas em sala de aula. como se verá, entendia-se que o percurso formativo dos alunos não poderia prescindir

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de leituras formadoras, de leituras que possibilitassem a compreensão de como a educação fora pensada e praticada na sociedade brasileira, desde a época do assim denominado “descobrimento” do país, até aqueles malfadados anos de regime militar (1964-1985). embora fosse muito semelhante o entendimento que os professores responsáveis por essa disciplina tinham do papel político-social a ser por ela desempenhado naquele momento, a escolha e o uso que fizeram da bibliografia, por meio da qual os objetivos traçados para a disciplina seriam alcançados, apresentam diferenças, algumas delas bastante significativas. destacar essas diferenças, compreender e apreender o significado histórico das práticas discursivas desses professores é um dos principais objetivos deste trabalho.

O trato concreto da educação brasileira

o programa da disciplina História da educação Brasileira – i, referente ao segundo semestre de 1984 (puc, 1984, p. 1), traz os seguintes objetivos:

1.1 possibilitar a compreensão da educação brasileira sob a perspectiva histórica;1.2 contribuir para a apreensão da educação como momento da totalidade social;1.3 oferecer subsídios para a investigação histórica da educação brasileira.

nesses objetivos, a proposição de que a educação deveria ser compreendida “sob a perspectiva histórica” pode ser tomada como sinônimo da proposição apresentada na sequência, segundo a qual a educação deveria ser apreendida como “momento da totalidade social”. a noção de “totalidade”, aqui, remete a uma concepção de história que, à luz da descrição dos conteúdos disciplinares propostos

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o ensino de História da educação

nesse programa, quer ser materialista. esses objetivos também evidenciam uma clara preocupação de natureza formativa. o primeiro e o segundo encontram-se especialmente voltados para a formação do ser social, pois visam a fazer com que o alunado aprenda a “tudo pensar historicamente” (vilar, 1976, p. 178). Já o terceiro objetivo contempla uma especial preocupação com a formação de pesquisadores no campo da educação, sobretudo daqueles interessados em realizar investigações nos domínios de clio.

uma análise atenta dos conteúdos disciplinares e da bibliografia (básica e de apoio) propostos nesse programa, com vistas à consecução dos objetivos nele apresentados, revela, entretanto, uma visão economicista e “etapista” da história. a educação, como “momento da totalidade social”, seria, de acordo com esse programa, determinada pelo desenvolvimento econômico da sociedade e analisada à luz de determinados marcos temporais, supostamente intrínsecos à educação. assim é que a educação (especialmente a organização escolar, as tendências do pensamento educacional e as políticas educacionais oficiais) deveria ser abordada (estudada, investigada, compreendida) à luz das conjunturas políticas, que refletiam o movimento estrutural da sociedade brasileira. ou seja, a partir de 1870, quando, em tese, ter-se-ia iniciado o processo de transição de um modo de produção – não identificado no programa da disciplina, mas supostamente pré-capitalista (feudal, ou escravagista) – para o modo de produção capitalista propriamente dito. essa transição estender-se-ia, também em tese, até 1920. a partir daí e até 1955, buscar-se-ia compreender a educação (identificar as suas principais características) à luz do “[...] processo de consolidação das relações capitalistas” (puc, 1984, p. 1) no Brasil. esse mesmo procedimento de compreensão da educação (de identificação das suas principais características) estaria presente nos estudos do último período da história do desenvolvimento econômico do país contemplado no

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programa da disciplina, qual seja o correspondente ao “[...] processo de transição para o capitalismo monopolista” (puc, 1984, p. 1), iniciado em 1955 e finalizado em 1968. embora não contemplado no referido programa, presume-se que, de acordo com a sequência lógico-histórica nele observada, a educação seria investigada com base no processo de consolidação do capitalismo, em sua etapa monopolista de desenvolvimento.

a bibliografia (básica e de apoio) desse programa corrobora a análise e avaliação aqui apresentada. História e verdade, de adam schaff, e Maquiavel, a política e o Estado Moderno (“análise das situações. relações de forças”), de antonio Gramsci, são os textos oferecidos aos alunos como bibliografia de apoio, nos quais poderiam ser encontradas “[...] algumas referências historiográficas para o trato concreto [histórico] da educação brasileira” (puc, 1984, p. 1).

Educação popular e educação de adultos, de vanilda paiva, História da educação brasileira, de maria luísa santos ribeiro, A Universidade temporã, de luiz antônio cunha, A educação na Primeira República, de Jorge nagle e Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil, de sérgio silva, constituem a espinha dorsal da bibliografia de apoio para se conhecer e compreender “[...] a educação brasileira no processo de transição para o modo de produção capitalista (1870-1920)” (puc, 1984, p. 1). nesse período, os temas recortados para estudo seriam: “[...] a organização escolar, as tendências do pensamento educacional, a política educacional oficial e o embate das tendências políticas na educação” (puc, 1984, p. 1).

dada a importância que o programa da disciplina História da educação Brasileira – i, referente ao segundo semestre de 1984, atribuía à etapa correspondente ao processo de consolidação das relações capitalistas no Brasil (1920-1955), esse período seria subdividido e abordado em duas partes. a primeira delas avançaria no tempo até o golpe de estado

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o ensino de História da educação

de 1937 e a segunda contemplaria os momentos históricos seguintes, até 1955. Educação e sociedade na Primeira República, de Jorge nagle, Educação popular e educação de adultos, de vanilda paiva, e ideologia e educação brasileira, de carlos roberto Jamil cury, constituem a bibliografia básica para a análise do período de 1920 a 1937. Educação popular e educação de adultos, de vanilda paiva, A Universidade temporã, de luiz antônio cunha e Historia da educação no Brasil, de otaíza romanelli constituem, por sua vez, a bibliografia básica para a análise do período seguinte: de 1937 a 1955. em ambas as partes, entretanto, as discussões deveriam incidir sobre as principais características da educação, especialmente no tocante à organização escolar.

por fim, para a compreensão desses mesmos aspectos da educação brasileira na etapa correspondente ao “[...] processo de transição para o capitalismo monopolista (1955-1968)” (puc, 1984, p. 1), a bibliografia básica foi assim composta: Educação popular e educação de adultos, de vanilda paiva, História da educação no Brasil, de otaíza romanelli e Educação e desenvolvimento social no Brasil, de luiz antônio cunha.

os procedimentos de periodização adotados nesse programa parecem sugerir uma preponderância da infraestrutura sobre a superestrutura, apesar da presença de um dos textos de antonio Gramsci na bibliografia de apoio para o “[...] trato concreto da educação brasileira” (puc, 1984, p. 1).

para que se tenha uma visão de conjunto do que foi até aqui exposto, apresento, no quadro a seguir, os autores e textos citados, os quais deveriam embasar as discussões feitas em sala de aula sobre a educação brasileira nas diferentes fases de desenvolvimento da sociedade brasileira.

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EStÁGIO DEDESENVOLVIMENtOECONÔMICO AUtORES tEXtOS

processo de transição para o modo de produção capitalista (1870-1920)

vanilda paiva

- Educação Popular e Educação de Adultos (2ª parte: (“a educação popular”): 1.1 – “a educação popular na colônia”; 1.2 – “a educação popular no século XiX”; 1.3 – “a educação popular na primeira metade da república velha”; 2.1 – “o nacionalismo e a educação popular: o ‘entusiasmo pela educação’”; 2.2 – “iniciativas da união no terreno do ensino elementar”)

maria luísa s. ribeiro

- História da Educação Brasileira (4º período: 1870 a 1894 – “crise do modelo agrário-comercial-exportador dependente e tentativa de incentivo à industrialização”; 5º período: 1894-1920 – “ainda o modelo agrário-comercial-exportador dependente”)

luiz antônio cunha

- A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era de Vargas (cap. ii – “o ensino superior no império”; cap. iii – “o ensino superior na primeira república”)

Jorge nagle “a educação na primeira república” (in: História Geral da Civilização Brasileira)

sérgio silva - Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil (na íntegra)

processo de consolidação das relações capitalistas – primeira etapa (1920-1937)

Jorge nagle - Educação e Sociedade na Primeira República (na íntegra)

vanilda paiva- Educação Popular e Educação de Adultos (2ª parte (“a educação popular”): 2.3 – “as reformas educativas dos anos 20”; 3.1 – “a segunda república e a educação popular”)

carlos roberto J. cury

- Ideologia e Educação Brasileira (na íntegra)

processo de consolidação das relações capitalistas – segunda etapa (1937-1955)

vanilda paiva

- Educação Popular e Educação de Adultos (2ª parte (“a educação popular”): 3.2 – “a educação popular no estado novo”; 4 – “o ensino elementar após a criação do fnep”; 3ª parte (“a educação dos adultos”): 1 – “primeiras iniciativas”; 2 – “o período 1946/1964: primeiras iniciativas oficiais de Âmbito nacional”; 3 – “o período 1958/1964: novas idéias em matéria de educação de adultos”; 3.1 – “o ii congresso nacional de educação de adultos”; 3.2 – “a campanha nacional de erradicação do analfabetismo”).

luiz antônio cunha

- A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era de Vargas (cap. iv - – “o ensino superior na era de vargas”)

otaíza romanelli

- História da Educação Brasileira (cap. 4 – “a organização do ensino e o contexto sócio-político após 1930”; itens: 4.4 – “as lutas ideológicas em torno da educação na primeira fase do novo regime”; 4.5 – “as leis orgânicas do ensino”; 4.6 – “a legislação complementar das reformas do ensino profissional”; 4.7 – “a constituição de 1946 e as novas lutas ideológicas em torno das diretrizes e Bases da educação nacional”)

processo de transição para o capitalismo monopolista (1955-1968)

vanilda paiva

- Educação Popular e Educação de Adultos (3ª parte (“a educação dos adultos”): 3 – “o período 1958/1964: novas idéias em matéria de educação de adultos”; 3.3 – “a mobilização Governamental no início dos anos 60”; 3.4 – “os movimentos ligados à promoção da cultura popular”; 3.5 – “o i encontro nacional de alfabetização e cultura popular”; 3.6 – “difusão e prática das novas idéias pedagógicas”; 4 – “o período pós-1964: uma nova fase na educação dos adultos”; 4.1 – “a retomada do problema pelo mec: o plano complementar”; 4.2 – “a cruzada aBc”; 4.3 – “a retração do meB”; 4.4 – “o seminário sobre educação e desenvolvimento”; 4.5 – “movimento Brasileiro de alfabetização (moBral)”)

otaíza romanelli

- História da Educação Brasileira (cap. 5 – “a política educacional dos Últimos anos” – pós-64)

luiz antônio cunha Educação e Desenvolvimento Social no Brasil (na íntegra)

Quadro 1. programa de 1984: bibliografia básica.

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o ensino de História da educação

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Conscientizar-se do processo de produção e transformação da sociedade (1ª parte)

o programa da disciplina História da educação Brasileira referente ao 1º semestre de 1985 (pucsp, 1985) apresenta mudanças significativas quando comparado com o programa do semestre anterior. as diferenças evidenciam-se desde os objetivos traçados em um e outro programa. no programa de 1985, os objetivos desdobram-se em “gerais” e “específicos”. com a denominação de “gerais”, foram mantidos os três objetivos da proposta anterior, com uma pequena, porém significativa, alteração na redação do terceiro: o qualificativo “teórico-metodológico” foi acrescentado ao termo “subsídios”. esses subsídios seriam oferecidos aos alunos, tendo em vista a investigação histórica da educação brasileira. um quarto objetivo foi acrescentado, com a seguinte redação: “[...] fornecer elementos para que se tome consciência do papel/responsabilidade que temos no processo de produção/transformação da sociedade enquanto ser concreto e historicamente situado” (pucsp, 1985, p. 1). com a denominação de “objetivos específicos”, foram definidos os seguintes:

1. análise e discussão dos problemas educacionais brasileiros a cada momento histórico. a escola como um dos indicadores da realidade social, que é constantemente produzida.2. análise das diferentes classes/camadas sociais usuárias ou demandatárias da escola. como e por que lutam ou fazem resistências às leis, reformas ou propostas educacionais do seu tempo.3. análise das idéias predominantes na educação a cada momento e quais os interesses que são favorecidos com a adoção das diferentes leis, reformas ou propostas educacionais (pucsp, 1985, p. 1).

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coleção Horizontes da pesquisa em História da educação no Brasil - volume 6

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o termo “historiografia” foi introduzido no programa de 1985. sua presença ocorre logo na primeira unidade desse programa, intitulada “leitura e análise de textos referentes à História e Historiografia”, cujo objetivo foi assim definido: “[...] oferecer subsídios teórico-metodológicos para a investigação histórica da educação brasileira” (pucsp, 1985, p. 2). nessa unidade, o aluno seria instado a refletir sobre alguns temas e questões historiográficos, tais como: “o que é a História”, “qual o objeto da História”, “os diversos conteúdos do termo História” e “as diversas concepções de História” (pucsp, 1985, p. 2). essa reflexão se faria ancorada na leitura dos mesmos textos e autores indicados na proposta anterior, quais sejam, “análise das situações: relações de força”, de antonio Gramsci (extraído do livro Maquiavel, a política e o Estado Moderno), e História e verdade, de adam schaff (na íntegra), mas com o acréscimo de um terceiro: A concepção materialista da história, de plekhanov (na íntegra).

a segunda unidade é inédita e recebeu o seguinte título: “o sistema mercantilista e sua relação com a educação. a predominância dos interesses mercantis sobre os interesses religiosos”. trata-se de um bloco de leituras que procura contemplar o período histórico anterior a 1870 (marco temporal inicial da proposta anterior), cujo início coincide com a chegada dos jesuítas ao Brasil, em 1549, avançando no tempo, até alcançar 1850. nenhuma explicação é dada para este último recorte temporal. nenhum comentário se faz, também, sobre os 20 anos seguintes, uma vez que o ano de 1870 é tomado como marco temporal inicial da etapa seguinte do processo de desenvolvimento econômico do país. os temas focalizados nessa unidade são: “[...] a educação jesuítica no Brasil, a fase pombalina e a fase joanina” (pucsp, 1985, p. 2). a bibliografia indicada para dar suporte às discussões privilegiadas nessa unidade é bastante vasta. com exceção dos textos de luiz antônio cunha, A Universidade temporã, e de maria luísa santos ribeiro, História da educação brasileira, presentes na

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o ensino de História da educação

proposta anterior, mas explorados em partes distintas, foram indicados os textos relacionados no quadro a seguir.

AUtORES tEXtOS

laerte r. de carvalho - As Reformas Pombalinas da Instrução Pública

emília viotti da costa- Da Monarquia à República – Momentos Decisivos.- “introdução à emancipação política do Brasil” (in: Brasil em Perspectiva1)

fernando novaes - “o Brasil nos quadros do antigo sistema colonial” (in: Brasil em Perspectiva)

nilo odália - “sentido da colonização, modo de produção e História colonial” (in: revista Debate e Crítica nº 4)

José maria de paiva - Colonização e Catequese

maria luísa s. ribeiro

- História da Educação Brasileira (1º período: “1549 a 1808 – consolidação do modelo agrário-exportador dependente”; 2º período: “1808 a 1850 – crise do modelo agrário-exportador dependente e início da estruturação do modelo agrário-comercial-exportador dependente”)

luiz antônio cunha - A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era de Vargas (cap. i – “o ensino superior na colônia”)

Quadro 2. programa de 1985: bibliografia da segunda unidade.Fonte: pontifícia universidade católica de são paulo. programa de estudos pós-Graduados em educação: filosofia da educação. disciplina História da educação Brasileira – i. professora ediógenes aragão. 1º semestre de 1985.

as três unidades que dão sequência à unidade acima apresentada são praticamente idênticas as três últimas unidades da proposta anterior, todavia apenas no que diz respeito aos conteúdos nelas abordados. pequenas, porém significativas mudanças foram introduzidas, tais como: a substituição da expressão “caracterização da educação no período”, presente na proposta anterior, pela expressão “contextualização” da educação; a inclusão, na bibliografia básica, de documentos históricos e textos de autoria de uma geração de intelectuais bastante atuantes no campo da educação, entre os anos 20 e 70 do século XX, além de outros textos de autores contemporâneos, como demonstrado no quadro a seguir.

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AUtOR tEXtO

reynaldo c. pessoa - O Manifesto Republicano de 1870 – A Idéia Republicana

- Constituição Republicana de 1891

Gabriel cohn - “problemas da industrialização no século XX” (in: Brasil em Perspectiva)

nelson Werneck sodré - Formação Histórica do Brasil (caps. “império” e “república”)

fernando de azevedo - A Reforma do Ensino no Distrito Federal (discursos e entrevistas)

manoel B. lourenço filho - Tendências da Educação Brasileira- Introdução ao Estudo da Escola Nova

anísio teixeira - Educação para a Democracia

fernando de azevedo e outros - O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova (de 1932)

dermeval saviani - Escola e Democracia

octávio ianni - Estado e Planejamento Econômico no Brasil

Getúlio vargas - discursos de 31/12/51, de 01/05/51 e de 01/05/52

quadro 3. programa de 1985: bibliografia da terceira, quarta e quinta unidades (inclusões)fonte: pontifícia universidade católica de são paulo. programa de estudos pós-Graduados em educação: filosofia da educação. disciplina História da educação Brasileira – i. professora ediógenes aragão. 1º semestre de 1985.

além dos textos e autores arrolados no quadro anterior, outros que foram contemplados na proposta anterior também foram nesta considerados. o quadro a seguir traz esses textos e autores, cuja presença, nesta e naquela proposta, parece querer indicar um percurso de leituras formadoras a orientar as práticas do ensino da disciplina História da educação Brasileira no programa de estudos pós-Graduados em educação da puc de são paulo, nos anos 80 do século XX.

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o ensino de História da educação

AUtORES tEXtOS

luiz antônio cunha

- A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era de Vargas (cap. ii – “o ensino superior no império”, cap. iii – “o ensino superior na primeira república” e cap. iv – “o ensino superior na era de vargas”)- Educação e Desenvolvimento Social no Brasil (na íntegra)

Jorge nagle- “a educação na primeira república” (in: História Geral da Civilização Brasileira).- Educação e Sociedade na Primeira República (na íntegra)

vanilda paiva

- Educação Popular e Educação de Adultos (2ª parte – “a educação popular”: 1. “a educação popular no Brasil até o início do século XX”; 2. “a luta pela difusão do ensino elementar no final da primeira república”; 3. “a revolução de 30 e a educação popular”; 4. “o ensino elementar após a criação do fnep”; 3ª parte – “a educação de adultos”: 1. “primeiras iniciativas”; 2. “o período 1946/1958: primeiras iniciativas oficiais no Âmbito nacional”; 3. “o período 1958/1964: novas idéias em matéria de educação de adultos”)

sérgio silva - Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasil

carlos roberto J. cury

- Ideologia e Educação Brasileira (na íntegra)

otaíza romanelli

- História da Educação no Brasil (cap. 4 – “a organização do ensino e o contexto sócio-político após 1930”; itens: 4.4 – “as lutas ideológicas em torno da educação na primeira fase do novo regime”; 4.5 – “as leis orgânicas do ensino”; 4.6 – “a legislação complementar das reformas do ensino profissional”; 4.7 – “a constituição de 1946 e as novas lutas ideológicas em torno das diretrizes e Bases da educação nacional”)

Quadro 4. programa de 1985: bibliografia da terceira, quarta e quinta unidades (permanências)fonte: pontifícia universidade católica de são paulo. programa de estudos pós-Graduados em educação: filosofia da educação. disciplina História da educação Brasileira – i. professora ediógenes aragão. 1º semestre de 1985.

uma última unidade fecha, por assim dizer, a análise da educação nas diferentes etapas do desenvolvimento econômico da sociedade brasileira. trata-se de uma unidade que não integrava a proposta anterior e que versa sobre “[...] a educação brasileira e a consolidação e integração do Brasil ao capitalismo monopolista” (pucsp, 1985, p. 3). os aportes necessários à análise dessa etapa seriam extraídos dos textos e autores apresentados no quadro a seguir.

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AUtORES tEXtOS

vanilda paiva

- Educação Popular e Educação de Adultos (3ª parte – “a educação de adultos”: 3. “o período 1958/1964: novas idéias em matéria de educação de adultos”; 4. “o período pós-1964: uma nova fase da educação dos adultos”).- “anotações para um estudo sobre populismo católico e educação no Brasil” (in: Perspectivas e Dilemas da Educação Popular2)

Hélio Jaguaribe - Problemas do Desenvolvimento Latino-Americano

otaíza romanelli - História da Educação no Brasil (cap. 5 – “a política educacional dos Últimos anos” – após 1964)

Juan carlos tedesco - “reproductivismo educativo y setores populares em america latina”Quadro 5 - programa de 1985: bibliografia da sexta unidadefonte: pontifícia universidade católica de são paulo. programa de estudos pós-Graduados em educação: filosofia da educação. disciplina História da educação Brasileira – i. professora ediógenes aragão. 1º semestre de 1985.

em síntese, esse programa amplia o recorte temporal que deveria ser abarcado pela disciplina, fazendo com que a análise da educação brasileira principiasse com o estudo do sistema colonial mercantilista e a chegada dos jesuítas ao Brasil, estendendo-se até meados da década de 1980, com o estudo do processo de consolidação e integração do Brasil ao capitalismo monopolista e das políticas educacionais relativas à educação popular e à educação de adultos.

Conscientizar-se do Processo de Produção e transformação da Sociedade (2ª parte)

três anos depois, outra versão (pucsp, 1988) desse se-gundo programa da disciplina História da educação Brasileira deixa de fazer menção aos ciclos, ou fases de desenvolvimen-to econômico do país. os conteúdos a serem trabalhados nas cinco unidades – que eram seis na versão anterior – não são oferecidos. para cada uma dessas cinco unidades, apenas um rol de textos é indicado. com exceção da primeira, intitulada “subsídios teórico-metodológicos para a compreensão históri-ca da realidade brasileira”, as demais unidades não são identi-ficadas. verifica-se, ainda, uma redução bastante significativa da carga de leitura. textos e autores são excluídos da progra-mação, mas alguns outros são incluídos. esse movimento de textos e autores evidencia mudanças bastante significativas, como se pode observar nos quadros a seguir.

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o ensino de História da educação

UN. AUtORES tEXtOS1 Gheorghi v. plekhanov - A Concepção Materialista da História

2

laerte r. de carvalho - As Reformas Pombalinas da Instrução Públicanilo odália - “sentido da colonização, modo de produção e História colonial” (in: revista

Debate & Crítica nº 4)José maria de paiva - Colonização e Catequese

maria luísa s. ribeiro

- História da Educação Brasileira (1º período: “1549 a 1808 – consolidação do modelo agrário-exportador dependente”; 2º período: “1808 1 1850 – crise do modelo agrário-exportador dependente e início da estruturação do modelo agrário-comercial-exportador dependente”)

3

- Constituição Republicana de 189

luiz antônio cunha- A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era de Vargas (cap. ii – “o ensino superior no império” e cap. iii – “o ensino superior na primeira república”)

vanilda paiva

- Educação Popular e Educação de Adultos (2ª parte: (“a educação popular”): 1.1 – “a educação popular na colônia”; 1.2 – “a educação popular no século XiX”; 1.3 – “a educação popular na primeira metade da república velha”; 2.1 – “o nacionalismo e a educação popular: o ‘entusiasmo pela educação’”; 2.2 – “iniciativas da união no terreno do ensino elementar”)

Gabriel cohn - “problemas da industrialização no século XX” (in: Brasil em Perspectiva)sérgio silva - Expansão Cafeeira e Origens da Indústria no Brasilnelson Werneck sodré - Formação Histórica do Brasil

4

fernando de azevedo - A Reforma do Ensino no Distrito Federal (discursos e entrevistas)lourenço filho - Tendências da Educação Brasileiraanísio teixeira - Educação para a Democraciafernando de azevedo e outros - O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932)

Jorge nagle - Educação e Sociedade na Primeira República

vanilda paiva

- Educação Popular e Educação de Adultos (2ª parte (“a educação popular”): 2.3 – “as reformas educativas dos anos 20”; 3.1 – “a segunda república e a educação popular”; 3.2 – “a educação popular no estado novo”; 4 – “o ensino elementar após a criação do fnep”; 3ª parte (“a educação dos adultos”): 1 – “primeiras iniciativas”; 2 – “o período 1946/1964: primeiras iniciativas oficiais de Âmbito nacional”; 3 – “o período 1958/1964: novas idéias em matéria de educação de adultos”; 3.1 – “o ii congresso nacional de educação de adultos”; 3.2 – “a campanha nacional de erradicação do analfabetismo”)

carlos roberto J. cury - Ideologia e Educação Brasileira.luiz antônio cunha - A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era de Vargas (cap.

iv – “o ensino superior na era de vargas”)Getúlio vargas - discursos de: 31/12/51, 01/05/51 e 01/05/52

5 luiz antônio cunha - Educação e Desenvolvimento Social no Brasil

6Hélio Jaguaribe - Problemas do Desenvolvimento Latino-Americanootaíza romanelli - História da Educação no Brasil (cap. 5 – “a política educacional dos Últimos

anos”)Juan carlos tedesco - “reproductivismo educativo y setores populares en america latina”

Quadro 6. programa de 1988: bibliografia excluída.Fonte: pontifícia universidade católica de são paulo. programa de estudos pós-Graduados em educação: filosofia da educação. disciplina História da educação Brasileira – i. professora ediógenes aragão. 1º semestre de 1985.legenda:unidade 1 – subsídios teórico-metodológicos para a compreensão histórica da educação brasileira.unidade 2 – o sistema colonial mercantilista e sua relação com a educação. a predominância dos interesses mercantis sobre os interesses religiosos (1550-1850).unidade 3 – a educação brasileira no processo de transição pra o modo de produção capitalista (1870-1920).unidade 4 – a educação brasileira no processo de consolidação das relações capitalistas (1920-1955).unidade 5 – a educação brasileira no processo de transição para o capitalismo monopolista (1955-1968).unidade 6 – a educação brasileira e a consolidação e integração do Brasil ao capitalismo monopolista (1970).

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esse quadro chama a atenção, sobretudo pelo número de textos e autores que foram excluídos da programação da disciplina, praticamente em todas as unidades, sendo uma delas, a quinta, totalmente eliminada. na versão anterior desse programa, a quinta unidade focalizava “[...] a educação brasileira no processo de transição para o capitalismo monopolista (1955-1968)”. não apenas os textos, ou partes de textos de autores que discutem questões e temas relativos ao desenvolvimento econômico do país foram eliminados dessa proposta, mas também textos e segmentos de textos de autores situados no campo da educação, como os de fernando de azevedo e anísio teixeira, por exemplo. alguns documentos históricos também foram eliminados. chama a atenção, ainda, o fato de terem sido excluídos textos como Educação e sociedade na Primeira República, de Jorge nagle, mas preservados outros, como Educação na Primeira República, desse mesmo autor, que é uma versão bastante resumida e simplificada do primeiro.

UN. AUtORES tEXtOS

1 Karl marx - Contribuição à Crítica da Economia Política

2 luis antonio verney - O Verdadeiro Método de Ensinar

3 Boris fausto - “a revolução de 1930” (in: Brasil em Perspectiva)

4 paschoal lemme- “o manifesto dos pioneiros da educação nova e suas repercussões na realidade educacional” (in: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos nº 150)

5 luiz antônio cunha - “o milagre Brasileiro e a política educacional” (in: revista Argumento nº 2)

Quadro 7 - programa de 1988: bibliografia incluída.fonte: pontifícia universidade católica de são paulo. programa de estudos pós-Graduados em educação: filosofia da educação. disciplina História da educação Brasileira. professora ediógenes aragão santos. 1º semestre de 1988.

em comparação com o número de textos e autores excluídos da programação da disciplina, o número de textos e autores que foram nela incluídos é significativamente menor. também aqui se faz presente uma preferência por textos que resumem outros, como o de Boris fausto, por exemplo.

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o ensino de História da educação

a leitura do Manifesto dos pioneiros da educação nova dá lugar à leitura de uma avaliação desse documento, feita anos depois por paschoal lemme, intelectual reconhecidamente “de esquerda”, seja por seus pares, seja pela historiografia da educação brasileira, e também um dos ilustres signatários do referido documento. parece haver, nesse programa, uma tentativa de atualização da bibliografia até então trabalhada na disciplina, pelo menos no que diz respeito a algumas unidades. parece haver, ainda, interesse em debater temas e questões propriamente pedagógicos, como os métodos de ensino, por exemplo.

os textos de antonio Gramsci, adam schaff, fernando novaes, luiz antônio cunha, emília viotti da costa, reynaldo pessoa, Jorge nagle, lourenço filho, otaíza romanelli, dermeval saviani e vanilda paiva, que já constavam do programa referente ao ano de 1985, foram mantidos nesta versão.

a julgar por essa intensa movimentação de textos e autores, pode-se afirmar que essa versão do programa da disciplina História da educação Brasileira contempla uma abordagem que parece não querer mais subsumir a educação a modos de produção, pelo menos não de forma mecânica. É o que a exclusão de certos textos e autores da programação, como os de Gheorghi valentinovitch plekhanov, de nelson Werneck sodré e de maria luísa santos ribeiro, por exemplo, parece sugerir. uma abordagem que enfatiza a importância de se conhecer “[...] as ideias predominantes na educação” em cada momento da história da sociedade brasileira (pucsp, 1985, p. 1; pucsp, 1988, p. 1). uma abordagem, em síntese, que abandona (sem, no entanto, criticar) as abordagens economicistas da educação e sinaliza querer caminhar na direção de uma história das ideias, de uma história do pensamento pedagógico.

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O conhecimento concreto da sociedade brasileira

a última das quatro propostas de programa para a disciplina História da educação Brasileira que estão sendo aqui analisadas foi ensaiada em fins da década de 1980 e início da década seguinte (pucsp, 1991). nessa proposta, teses apresentadas e defendidas nas propostas anteriores são confirmadas, e outras, que haviam desaparecido, reaparecem. pela primeira vez, entretanto, faz-se referência explícita, na redação dos objetivos específicos da disciplina, às “ideologias educacionais”.

dentre as teses contempladas nos programas anteriores e confirmadas por este último, está a necessidade de se entender (mais do que investigar) a educação como “[...] realidade histórica, [como] um momento da totalidade social, [ou seja,] entender o fenômeno educacional dentro da realidade na qual ele se produz e se justifica” (pucsp, 1991, p. 1).

uma das teses não contempladas no programa anterior (pucsp, 1988), mas de certa forma presente nos dois primeiros (pucsp, 1984; pucsp, 1985), aqui reaparece, mas de forma modificada. ela se refere, basicamente, à compreensão que se tinha da educação: se um reflexo (ou “desdobramento”) das transformações que ocorrem na infraestrutura, se um conjunto de práticas que independem dessas transformações, ou se com elas se relaciona dialeticamente. de acordo com esse quarto programa, desvendar “[...] as funções particulares da escola e das ideologias educacionais [no processo de] constituição e transformação da sociedade brasileira” (pucsp, 1991, p. 1) seria condição necessária, ainda que não suficiente, para se compreender a singularidade desse processo. a compreensão da singularidade desse processo é considerada fundamental, pois ela seria a base e o fundamento da reflexão que se poderia fazer sobre a problemática educacional particular da sociedade. essa compreensão da relação educação/sociedade é assim justificada:

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o ensino de História da educação

ao privilegiar o conhecimento histórico da ordem econômi-co-social nacional, assim como das ideologias que se pro-duziram e se produzem ao longo do tempo para cimentá-la, esta disciplina visa evitar as distorções apriorísticas e paradig-máticas na compreensão da escola e da sociedade brasileira, historicizando a reflexão em torno dos problemas e dos proje-tos educacionais. esse conhecimento concreto da sociedade brasileira e da realidade educacional que nela e com ela se produziu não apenas revelará ao aluno os seus traços carac-terísticos, como as suas tendências próprias de evolução e, conseqüentemente, as suas condições específicas de supera-ção. esta disciplina deverá, portanto, dar suporte e subsidiar a reflexão sobre a problemática educacional brasileira, desde o desvendamento da sua emersão no bojo do processo históri-co, até a elaboração dos projetos possíveis de transformação da realidade nacional brasileira (pucsp, 1991, p. 1).

tem-se aqui uma proposta que explicita uma compreensão que se quer e se apresenta como uma compreensão sintética das relações entre educação e sociedade – talvez não seja demasiado afirmar que circunscrevo minha análise ao plano das práticas estritamente discursivas.

a consecução desses objetivos far-se-ia por meio da discussão de “problemas educacionais” gerados:

2.1 no seio da sociedade de tipo colonial, gestada pelas formas primitivas da dominação capitalista;2.2 no seu processo peculiar de emancipação política, que reforçou a sua dependência em relação às novas formas de reprodução do capital em escala mundial;2.3 no amadurecimento das relações internas de dominação capitalista, da sociedade escravista à “civilização do café”;2.4 na consolidação e na definição dos traços característicos da ordem econômico-social capitalista do país, da arrancada “nacional desenvolvimentista” ao “modelo de desenvolvi-mento associado” (pucsp, 1991, p. 2).

dos quatro momentos históricos privilegiados neste programa da disciplina História da educação Brasileira, o quarto momento, correspondente ao período de consolidação da ordem econômico-social capitalista no país e é destacado

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como o mais decisivo. as justificativas apresentadas para a atribuição de tamanha importância a esse momento histórico são as seguintes:

esse é o momento em que não apenas se assentam as bases da ideologia nacional, como se define a própria estrutura do sistema nacional de ensino. esses fatos representaram, daí o significado particular que atribuímos a esse momento, o termo de determinadas tendências seculares de desenvolvimento e a emergência de traços que marcarão definitivamente a configu-ração da realidade educacional brasileira, condicionando os rumos da sua evolução (pucsp, 1991, p. 2, grifo meu).

por ser considerado o “pólo mais desenvolvido” – ou a “anatomia do homem”, conforme marx (1978, p. 120) – e, portanto, o único capaz de explicar os momentos históricos anteriores – ou a “anatomia do macaco”, também segundo marx (1978, p. 120) –, o período de consolidação da ordem econômico-social capitalista no país é tomado como ponto de partida dos estudos propostos. em torno dele, “[...] as leituras e as discussões previstas no desenvolvimento do curso [deveriam] reconstituir o processo através do qual, em função de condições econômico-sociais e político-ideológicas, determinadas pelas formas específicas de penetração e avanço das relações capitalistas no país” (pucsp, 1991, p. 2), a sociedade brasileira vinha produzindo as suas instituições educacionais.

para bem conhecer e compreender esse decisivo momento histórico de consolidação da ordem econômico-social capitalista no Brasil e, a partir daí, retroceder no tempo em busca das particularidades das formas “primitivas” da educação brasileira, um pré-requisito se impunha: o estudo de alguns pressupostos teórico-metodológicos para uma leitura “correta” (marxista) da história.

o quadro a seguir visa a demonstrar como os textos (de leitura obrigatória) foram distribuídos pelos cinco tópicos privilegiados neste novo programa da disciplina História da educação Brasileira.

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o ensino de História da educação

tÓPICO AUtORES tEXtOS

1

adolfo sánchez vazquez - Filosofia da Praxis (2ª parte, cap. v – “praxis, razão, História”)luiz pereira - Ensaios de Sociologia do Desenvolvimento

antonio Gramsci - Maquiavel, a Política e o Estado Moderno (parte i, item i – “análise das situações. relações de forças”)

2.4 maria elisabete s. p. Xavier- Capitalismo e Escola no Brasil: A Constituição do Liberalismo em Ideologia Educacional e as Reformas do Ensino (1931-1961) (na íntegra)

2.1

nilo odália - “sentido da colonização, modo de produção e História colonial” (in: revista Debate & Crítica, nº 4)

fernando novaes - “o Brasil nos quadros do antigo sistema colonial” (in: Brasil em Perspectiva)

luiz antônio cunha - A Universidade Temporã: O Ensino Superior da Colônia à Era de Vargas (cap. i – “o ensino superior na colônia”)

maria luísa s. ribeiro

- História da Educação Brasileira: A Organização Escolar (1º período: “1549 a 1808 – consolidação do modelo agrário-exportador dependente”; 2º período: “1808 1 1850 – crise do modelo agrário-exportador dependente e início da estruturação do modelo agrário-comercial-exportador dependente”)

2.2maria elisabete s. p. Xavier - Poder Político e Educação de Elite (na íntegra)

emília viotti da costa - “introdução ao estudo da emancipação política do Brasil” (in: Brasil em Perspectiva)

2.3Jorge nagle - Educação e Sociedade na Primeira República (na íntegra)luiz antônio cunha - A Universidade Crítica (na íntegra)

2.4

paul singer - A Crise do “Milagre”

luiz antônio cunha- Educação e Desenvolvimento Social no Brasil (cap. 3 – “a escolarização desigual”; cap. 4 – “o desempenho desigual”; cap. 5 – “política educacional: contenção e liberação”

otaíza romanelli - História da Educação no Brasil 1930-1973 (cap. 5 – “a política educacional dos Últimos anos” – pós 1964)

Quadro 8. programa de 1991: bibliografia básica.Fonte: pontifícia universidade católica de são paulo. programa de estudos pós-Graduados em educação: História e filosofia da educação (mestrado). disciplina História da educação Brasileira. professora maria elisabete sampaio prado Xavier. 1º semestre de 1991.legenda:tópico 1– o processo e a leitura da História.tópico 2.1 – formas primitivas da dominação capitalista e sociedade de tipo colonial.tópico 2.2 – novas formas de reprodução do capital em escala mundial e emancipação política.tópico 2.3 – amadurecimento das relações internas de dominação capitalista, sociedade escravista e “civilização do café”.tópico 2.4 – consolidação da ordem econômico-social capitalista, arrancada “nacional desenvolvimentista” e “modelo de desenvolvimento associado”.

a metodologia (de ensino) apresentada nesta proposta de certa forma corresponde à concepção que os seus autores têm da própria história, delineada anteriormente. a opção feita pelo método retrospectivo é uma evidência disso. não é o

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passado que explica o presente, mas o contrário. o recuo no tempo, entretanto, é necessário. o “conhecimento concreto da sociedade brasileira e da realidade educacional que nela e com ela se produziu não apenas revelará [...] os seus traços característicos como as suas tendências próprias de evolução e, conseqüentemente, as suas condições específicas de superação” (pucsp, 1991, p. 1). eis por que o retorno ao passado, segundo essa concepção, faz-se necessário. É preciso apreender as tendências da evolução do movimento concreto da história (da sociedade brasileira), para identificar, nesse movimento, as condições de superação das contradições que a definem, no presente, como tal.

para se poder apreender o movimento concreto (histórico) da sociedade brasileira e da realidade educacional “que nela e com ela se produziu”, tendo em vista a orientação política de nossas ações, a leitura, discussão e problematização dos textos arrolados na bibliografia básica e de apoio seriam fundamentais.

parece não haver mudanças significativas nesta quarta proposta, quanto à bibliografia adotada nas três propostas anteriores. com exceção, em parte, da terceira (a de 1988), parece haver correspondência entre elas, sobretudo no que diz respeito aos textos e autores que constituem, por assim dizer, a espinha dorsal de cada uma delas. se a terceira proposta (a de 1988) eliminou e incluiu textos e autores, esta quarta retomou o elenco de textos e autores contemplados na primeira (a de 1984).

dentre os textos e autores que constituem a espinha dorsal da disciplina, presentes em todas as propostas de programa elaboradas e ensaiadas na década de 1980, estão:

1. A Universidade temporã, de luiz antônio cunha, um dos integrantes da primeira turma de doutorado do programa de estudos pós-Graduados em educação da puc de são paulo. o texto em questão resultou, segundo o próprio autor, de um desafio lançado por seus colegas do curso de mestrado

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em educação, realizado na universidade federal de minas Gerais. convidado a ministrar um curso sobre o assunto e tendo se deparado com uma bibliografia “restrita, dispersa e insatisfatória”, decidiu elaborar um projeto de investigação, que contou com apoio financeiro do centro João XXiii, do rio de Janeiro (cunHa, 1980, p. 9). nesse texto, o autor defende a tese, segundo a qual as formações sociais produzem vários saberes: “[...] os saberes dominantes (das classes dominantes) e os saberes dominados (das classes dominadas)” (cunHa, 1980, p. 15). para ele, o ensino, “[...] operando necessariamente por meio de um aparelho escolar, propõe-se a ministrar um saber dominante, mas não todos os saberes dominantes” (p. 15, grifo do autor). por entender estarem esses saberes hierarquizados, distingue os “saberes dominantes inferiores” (domínio da leitura e da escrita, por exemplo) dos “saberes dominantes superiores” (domínio de práticas letradas complexas e da filosofia, por exemplo).

2. Sociedade e educação na Primeira República, de Jorge nagle. originalmente, tese de livre-docência defendida em 1966, no departamento de educação, da faculdade de filosofia, ciências e letras de araraquara. o intento do autor com esse trabalho foi, segundo ele próprio, relacionar e integrar dois universos não muito próximos um do outro, nos estudos então realizados sobre educação: o da educação e o da sociedade brasileira (naGle, 1974). segundo nagle, um estudo bem conduzido da educação escolar precisaria contemplar, simultaneamente, três dimensões: “[...] a da sociedade, a do sistema escolar e a da estrutura técnico-pedagógica” (naGle, 1974, p. Xi). para atender a essa orientação, apresentou os resultados dos estudos e investigações realizados em duas partes: na primeira, constrói “[...] um retrato da sociedade brasileira, analisando os setores político, econômico e social, bem como determinadas correntes de idéias e movimentos político-sociais, tais como socialismo, anarquismo”, dentre outros; na segunda parte, realiza “um estudo sobre a educação

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(escolar)”, ressaltando o “[...] fenômeno do entusiasmo pela educação”, as reformas do Governo federal, dos estaduais, e do distrito federal, “[...] a penetração do escolanovismo no Brasil e um panorama da literatura educacional da época”; encerra a exposição, com um capítulo sobre o tema estado e educação (naGle, 1974, p. Xi).

3. História da educação no Brasil (1930-1973), de otaíza de oliveira romanelli – originalmente, tese de doutorado apresentada à sorbonne –, para quem “[...] o êxito da inovação pedagógica está condicionado a variáveis que fogem ao controle da experiência em si” (romanelli, 1978, p. 13); e que “[...] a teoria da dependência, como atualmente [início dos anos 70] vem sendo formulada, esclarece pontos básicos para a evolução do sistema educacional brasileiro, sobretudo para a redefinição que ele sofreu no período posterior a 1964” (romanelli, 1978, p. 16).

4. Educação popular e educação de adultos, de vanilda paiva. originalmente, uma das primeiras, senão a primeira dissertação de mestrado defendida em um programa de pós-Graduação em educação no Brasil – o da puc, do rio de Janeiro –, estruturado de acordo com o novo sistema de pós-graduação implantado no país em fins da década de 1960 (Barreira, 1995, p. 31). ao discorrer sobre as hipóteses e categorias (ponto de partida e de chegada) dessa sua pesquisa, a autora, amparada nas reflexões de manheim e stewart (Introdução à sociologia da educação), afirma que “os sistemas educacionais e os movimentos educativos em geral, embora influam sobre a sociedade a que servem, refletem basicamente as condições sociais, econômicas e políticas dessa sociedade” (paiva, 1973, p. 19). por essas razões, segundo a autora, os diversos períodos da história da educação de um país tenderiam a acompanhar os movimentos da história desse país, ou seja, das suas transformações econômicas e sociais, das suas lutas pelo poder político (paiva, 1973, p. 19). apesar disso, alerta que “fatores de origem externa” à sociedade,

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assim como os “especificamente educativos” deveriam ser considerados na análise dos movimentos educativos de um país (paiva, 1973, p. 20).

5. História da educação brasileira: a organização escolar, de maria luísa santos ribeiro, integrante do corpo docente do programa de estudos pós-Graduados em educação da puc de são paulo, na década de 1980. o texto em questão sintetiza trabalhos preliminares de investigação histórica realizados pela autora sob a orientação de casemiro dos reis filho, bem como outros trabalhos que ela desenvolveu ao cursar o mestrado em filosofia da educação (riBeiro, 1982, p. 9). nesse texto, ribeiro “[...] tentou captar [...] os fundamentos da organização escolar brasileira” (riBeiro, 1982, p. 15), identificando, nessa organização, uma contradição que resultou, segundo a autora, do fato de ela “[...] ter que atender a uma determinada clientela (quantidade) e atendê-la bem (qualidade)” (riBeiro, 1982, p. 19; grifo da autora).

ainda que rápidas, nessas pinceladas sobre a discussão feita por esses autores nesses seus textos, pode-se perceber, claramente, que estamos aqui diante de uma produção bibliográfica e de uma prática discursiva (historicamente datadas, como toda e qualquer prática social), que visam, antes de tudo, ao convencimento e à conscientização do leitor sobre as determinações (históricas) que estariam, segundo eles, a conformar a realidade educacional brasileira, desde os primórdios da colonização da nação.

Considerações finais

É bem provável que a educação não seja mais abordada de uma perspectiva macro – atualmente considerada demasiadamente genérica e paradigmática por muitos estudiosos da área – nos programas de pós-graduação que continuam a incluir a disciplina História da educação

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Brasileira nas suas matrizes curriculares. É possível que, à luz das críticas feitas a essa abordagem, sobretudo a partir do início da década de 1990, a disciplina História da educação Brasileira esteja privilegiando perspectivas mais circunscritas. mesmo os adeptos da perspectiva macro parecem ter se sensibilizado por essas críticas, como se pode ler nos objetivos de outro programa da disciplina oferecido aos alunos do curso de mestrado do programa de estudos pós-Graduados em educação: História e filosofia da educação, da puc de são paulo, no segundo semestre de 1993:

[...] nosso desafio será o de transitar entre o singular e o universal, de modo que a visão do todo não nos impeça de ver suas particularidades [particularidades da educação] e que o fascínio do particular não nos desvie de uma compreensão mais abrangente da educação brasileira. afinal, o universal não existe a não ser potencialmente no particular e só é apreendido por um olhar que penetre a essência dos fatos singulares (pucsp, 1993, p. 1).

os programas da disciplina História da educação Brasileira, elaborados e postos em prática na pós-Graduação em educação da puc de são paulo, na década de 1990, encerram um ciclo da história dessa disciplina nessa instituição. embora ainda presos, de certa forma, à lógica histórica que perpassava os programas anteriores, por exemplo, a observação de uma cronologia política no trato da educação (escolar), os programas elaborados nessa década estabelecem um diálogo mais estreito com a disciplina História – com a História social, especialmente, mas também com a nova História cultural. nesse diálogo, procuram problematizar leituras consagradas e cristalizadas da História da educação no Brasil, evidenciando, assim, o interesse em oferecer aos alunos da pós-graduação em educação não um conhecimento pronto e acabado – supostamente necessário à intervenção na realidade social –, mas uma chave de leitura da historiografia que se produziu sobre a educação no Brasil, em diferentes momentos históricos,

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com base no pressuposto de que a historiografia é também um “lugar de memória” (nora, 1993).4

talvez menos “revolucionários” do que fomos naqueles primeiros tempos, mas sem perder a paixão por aquilo que fazemos, continuamos a lutar em outras trincheiras, movidos, quem sabe, pelas mesmas utopias.

Referências

Barreira, luiz carlos. História e historiografia: as escritas recentes da história da educação brasileira (1971-1988). 1995. tese (doutorado) − faculdade de educação da universidade estadual de campinas, campinas, 1995.

cunHa, luiz antônio. A universidade temporã: o ensino superior da colônia à era de vargas. rio de Janeiro: civilização Brasileira, 1980.

marX, Karl. para a crítica da economia política. in: Gianotti, José arthur. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos. traduções de José carlos Bruni (et al.). 2. ed. são paulo: abril cultural, 1978. p. 102-257.

naGle, Jorge. Educação e sociedade na Primeira República. são paulo: editora pedagógica e universitária; rio de Janeiro: fundação nacional de material escolar, 1974.

nora, pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, são paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.

paiva, vanilda pereira. Educação popular e educação de adultos: contribuição à história da educação brasileira. são paulo: edições loyola, 1973.

4 por fugir ao recorte temporal estabelecido neste texto e, principalmente, por ter sido um programa que orientou os cursos de História da educação Brasileira que ministrei, nesse e em outros programas de pós-graduação em educação, limitar-me-ei, aqui, a essas poucas palavras.

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pontifícia universidade católica de são paulo (pucsp). programa de estudos pós-Graduados em educação: filosofia da educação e educação escolar Brasileira. disciplina: História da educação Brasileira – i. professora: mirian Jorge Warde. 2º semestre de 1984.

pontifícia universidade católica de são paulo (pucsp). programa de estudos pós-Graduados em educação: filosofia da educação. disciplina: História da educação Brasileira – i. professora: ediógenes aragão. 1º semestre de 1985.

pontifícia universidade católica de são paulo (pucsp). programa de estudos pós-Graduados em educação: filosofia da educação. disciplina: História da educação Brasileira. professora: ediógenes aragão santos. 1º semestre de 1988.

pontifícia universidade católica de são paulo (pucsp). programa de estudos pós-Graduados em educação: História e filosofia da educação (mestrado). disciplina: História da educação Brasileira. professora: maria elisabete sampaio prado Xavier. 1º semestre de 1991.

pontifícia universidade católica de são paulo (pucsp). programa de estudos pós-Graduados em educação: História e filosofia da educação (mestrado). disciplina: História da educação Brasileira. professora: ester Buffa. 2º semestre de 1993.

riBeiro, maria luísa santos. História da educação brasileira: a organização escolar. 4. ed. são paulo: moraes, 1982.

romanelli, otaíza de oliveira. História da educação no Brasil (1930-1973). 5. ed. petrópolis, rJ: editora vozes, 1978.

vilar, pierre. História marxista, história em construção. in: le Goff, Jacques; nora, pierre (org.). História: novos problemas. rio de Janeiro: francisco alves, 1976. p. 146-178.

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Notas das tabelas

1 coletânea organizada por carlos Guilherme mota e publicada, nos anos 70, pela difusão européia do livro (difel).

2 coletânea organizada por vanilda paiva e publicada, em 1984, pela editora Graal.

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intErnaCionalizaÇÃo dE CânonEs dE lEitUra: as atUalidadEs pEdagógiCas na bibliotECa mUsEU do Ensino primário E

o Ensino dE história da EdUCaÇÃo

maria rita de almeida toledo

neste trabalho, apresento os resultados de pesquisa que venho desenvolvendo sobre a circulação dos livros da companhia editora nacional em bibliotecas destinadas à formação docente em portugal. para tanto, analiso especificamente os livros editados na coleção Atualidades pedagógicas, verificando a circulação de dois modelos de leitura e formação docente, no século XX: o escolanovista e o católico.1 para este artigo, selecionei o caso específico da circulação dos títulos de história da educação da referida coleção na Biblioteca museu do ensino primário (lisboa), nas décadas de 1930-1940. esta análise implica a articulação da história do livro, da formação docente e da configuração de bibliotecas como lugar de memória.

a articulação entre a expansão da escola e a constituição da indústria dos livros é inegável.2 a escola, cuja cultura

1 para carvalho (1996, p. 65), no catolicismo, predominou a tendência de incorporar princípios da nova pedagogia, depurando-a de tudo o que contrariasse os preceitos católicos, por meio de publicações doutrinárias, em revistas ou em manuais, de versões católicas da moderna Pedagogia, que firmavam princípios, constituíam uma ortodoxia pedagógica e um corpus bibliográfico de referência, formulando-os como crivos de leitura. para ampliar esta discussão, consultar toledo (2006).2 em 1986, chopin analisava a importância dessa articulação, propondo um programa de estudos dos manuais escolares (cHopin, 1986, p. 303-322). no Brasil, estudos sobre os aspectos materiais dos livros escolares e a importância dos editores vêm se alargando. ver, por exemplo, os trabalhos sob orientação de circe m. f. Bittencourt e Kazumi munakata.

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predominantemente é a escriturária, tomou os livros como dispositivo fundamental de transmissão de saberes, de organização de suas práticas e de suas dinâmicas temporais. muitos dos debates em torno da organização eficaz do ensino-aprendizagem pugnaram modelos diversos de livros, estabelecendo padrões específicos para usos determinados: os mesmos livros para todos os alunos, o livro único para todas as matérias, livros diferenciados para situações específicas de aprendizagem etc. estabeleceram a ordem dos livros no jogo das prescrições e usos desses objetos. por sua vez, a indústria dos livros encontrou na escola – professores, alunos, diretores, inspetores, entre outros – público garantido e bastante rendoso para o seu produto.

na visão de petrucci (2002, p. 206-207), as relações entre a escola e a indústria dos livros estão inscritas nas próprias formas como a cultura escrita se difundiu:

no último século, quase todas as campanhas de alfabetização de massa realizadas em níveis nacionais ou mundiais (por exemplo, pela unesco), em países adiantados ou em ex-colônias, apostaram preponderantemente no crescimento e na difusão da capacidade de ler, não na capacidade de escrever. tal escolha resultou, evidentemente, do enfoque pedagógico consciente adotado pelas instituições que elaboram, em toda a parte, as ideologias e as metodologias da aprendizagem: a escola dos estados burgueses e a igreja (em concorrência entre si, porém de acordo sobre esse ponto), os sistemas de bibliotecas (sobretudo dos países anglo-saxões) que elaboraram a ideologia democrática da leitura pública; a indústria editorial interessada na criação de um público cada vez mais amplo de leitores, não de ‘escreventes’. na realidade, na base dessa escolha universal, comum a todas as autoridades e a todos os poderes, havia também um outro fator, a saber, a consciência de que a leitura era, antes do advento da televisão, o meio mais adequado para determinar a difusão de valores e ideologias e, de qualquer modo, o mais fácil de controlar mediante regras, desde que se conseguisse dominar os processos de produção e sobretudo os de distribuição e conservação dos textos [...].

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o autor insiste em afirmar que dessa mesma atitude cultural e ideológica derivaram e derivam um conjunto de prescrições de práticas de leitura a serem adotadas pelos novos leitores (ou não) – a ordem da leitura – em forma de listas de obras aconselhadas:

[...] verdadeiros ‘cânones’ reafirmados em catálogos e revistas especializadas, todo o aparato normativo e pedagógico que agentes do livro (autores, editores e funcionários editoriais, ‘intelectocratas’, jornalistas, bibliotecários, etc.) derramam cotidianamente [...] sobre o leitor real ou potencial que precisa ser constantemente guiado e ‘in-formado’, ou melhor, formado no uso da cultura escrita que se quer, antes de mais nada, vendável e, além disso (ou melhor, por isso), substancialmente homogênea” (petrucci, 2002, p. 208).3

os cânones da leitura ocidental, das práticas de leitura aceitáveis − forjadas pelas prescrições escolares, pela indústria dos livros, pelas políticas culturais e outros lugares de poder afins – parecem, no sentido proposto pelo autor, menos questões do “nacional” e mais empreendimentos cujas representações dominantes (e comuns) se estabeleceram como crivos da difusão da cultura escrita. os “cânones”, como já indicado, podem variar ao longo do processo de configuração da forma escolar, mas sua composição e difusão são da ordem do mundo ocidental.

as possibilidades de variação dos padrões dos livros, prescritas nos discursos pedagógicos, dos críticos, das instituições científicas entre outros, inscrevem-se na organização técnica da indústria livreira e nas condições materiais de sua produção. mesmo sua admissão na escola como objeto central dependeu de seu barateamento.

a escola de massas só pode contar com o livro na medida em que esse passou a ser objeto financeiramente acessível.

3 para petrucci (2002, p. 213 passim), esses cânones têm sido questionados tanto pela própria indústria do livro, que derrama no mercado produtos de valor questionável; mas também pelo público, que não adere mais aos cânones tradicionais.

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a invenção do papel celulose (1848) e das máquinas de produção contínua de papel (no final do século XiX) permitiu a redução dos seus custos, o aumento de sua produção, assim como a variação de seu formato (BarBier, 2008, p. 385). a mecanização da impressão – com as rotativas, o linotipo, a zincografia, a cromolitografia, a fototipia, o paperback, entre outras técnicas −, desenvolvida ao longo do século XiX, também contribuiu sensivelmente para o barateamento da produção dos impressos, em grandes quantidades, e para a sua sofisticação, admitindo variações no formato, na organização das páginas, com fotografias, desenhos, tipos diferenciados, cores diversas, na encadernação etc. (BarBier, 2008, p. 394 passim). a inovação tecnológica na indústria do livro se acelerou no século XX: com as rotativas em offset, as possibilidades de composição barata de páginas coloridas, com fotos e outras imagens alcançaram grande desenvolvimento. foi substituída apenas no final do século pela tecnologia da informática. a articulação das prescrições escolares sobre a composição do livro acompanhou as prescrições de editores para a adequação do livro, da leitura e do leitor.

as dimensões dessas questões técnicas da edição e impressão aparecem, por exemplo, na análise que másculo (2008) faz dos livros didáticos da coleção sérgio Buarque de Hollanda, assinada pelo próprio historiador. o autor demonstra como a tecnologia do offset, no início da década de 1970, foi fundamental para materializar as ideias de ensino de História renovado que se produziu no âmbito do colégio de aplicação da universidade são paulo. para aquela proposta, desenvolvida por sílvia magaldi, tudo o que estivesse no livro didático deveria ser aproveitado pelo professor. o livro, de boa qualidade, seria, nesse sentido, instrumento mobilizador das experiências dos alunos na disciplina em questão, fornecendo vasto material para capturar o interesse dos alunos. segundo másculo (2008), as imagens tiveram centralidade na organização da proposta pedagógica do livro,

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deixando de ser meras ilustrações para se tornarem objetos da leitura crítica dos alunos. a qualidade, portanto, do material impresso deveria se assemelhar ao das revistas ilustradas da época – como as editadas pela editora abril – obrigando o editor a alterar o formato do livro, a qualidade do papel e da impressão. segundo másculo (2008. p.100),

o novo formato adotado pela coleção sérgio Buarque de Hollanda permitia aos diagramadores inovarem na disposição das imagens, que aparecem nas páginas de forma mais dinâ-mica, lembrando, em muitos casos, a diagramação das revis-tas da época [...]. essa diagramação semelhante às revistas da época conferia aos livros didáticos um aspecto moderno e familiar para seus leitores. além disso, algumas escolhas na nova diagramação dos livros didáticos provocam impressões que influenciam na forma de ler os textos e as imagens.

mas é preciso notar que a figura do editor – mestre no jogo da produção do livro – é fundamental na articulação entre os discursos sobre o livro e seus usos na escola e produção para a escola (BarBier, 2008, p. 385). o editor, na história da indústria livreira, é aquele que implementa a política editorial, encomendando ou selecionando o trabalho dos autores, determinando as características materiais do título ou da coleção, fazendo os cálculos orçamentários provisionais e organizando a difusão. de acordo com Barbier (2008, p. 397)

[...] ele impõe-se como a conexão central do campo literá-rio [científico, escolar etc.], entre o autor (que ele publica e paga), o impressor (ao qual ele passa as encomendas) e o di-fusor (ao qual ele assegura o aprovisionamento dos livros por meio de contratos ou de práticas profissionais precisamente estabelecidas). ele é a base de operações da editora, asse-gurando o crédito junto aos bancos, os quais logo intervirão diretamente no capital das principais casas de edição.

pode-se considerar que é o editor que materializa as prescrições dos discursos sobre o livro destinado à escola em suportes adequados, mobilizando autores e conteúdos,

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a tecnologia da impressão, do papel e da mis en page. essa figura central na indústria do livro também deve ser considerada como ator na constituição da cultura escolar: porque é agente que materializa o instrumento privilegiado de algumas de suas práticas. em entrevista concedida a másculo, laima mesgraves, uma das autoras da coleção sérgio Buarque de Hollanda, lembra:

eles convidaram o sérgio Buarque de Hollanda para fazer uma coleção que fosse de alta qualidade. ah, sim, porque as editoras sempre tinham, pelo menos, três coleções: uma de nível bem elevado, de alta qualidade e que custava caro; uma de nível médio e outra de nível mais baixo (mesGravis, 2008, apud mÁsculo, 2008, p. 99-100).

a entrevista indica claramente a política editorial que os editores especializados, como os da companhia editora nacional, adotavam em relação à escola para disputar o mercado de didáticos e interferir, por meio de suas edições, na cultura escolar.

o jogo da indústria do livro, protagonizado pelo editor, faz-se, no mais das vezes, no âmbito de uma geografia mais ampla do que a do território nacional. a incorporação da indústria gráfica na lógica capitalista exigiu o reconhecimento do mercado e a obrigatoriedade de uma economia em escala crescente e internacional. apesar de o editor trabalhar com as regras do comércio nacional e com as políticas culturais e educacionais do estado no qual está localizado, as interfaces dos negócios editoriais com o mercado internacional são largas, a começar pelo noção de “propriedade intelectual” 4 que rege e organiza o consumo e a difusão dos impressos, pelo menos desde o século Xviii (BriGGs; ButKe, 2004).

as casas editoras lidam com a negociação dos direitos autorais e o controle sobre a sua circulação. os direitos

4 O sistema dos direitos autorais é generalizado pela Convenção de Berne, em 1886. A partir daí, há uma série de revisões do texto produzido em Berne. A última foi realizada em 1971 (BARBIER, 2008. p. 427).

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autorias estão relacionados com os idiomas nos quais foram produzidos, desdobrando-se daí um vasto mercado de traduções para outras línguas e não apenas para os territórios nacionais. a língua, nesse sentido, unifica a circulação de livros de mesmo idioma e das traduções para a além das fronteiras nacionais. por exemplo, em 1976, a companhia editora nacional inicia negociações com a presses universitaires de france (puf), para a tradução do título de Jean chateau – Les grands pédagogues. em carta de 18 de fevereiro de 1976, a puf informa que a firma portuguesa livros do Brasil s a l r. já havia publicado o título e o contrato de tradução restringia totalmente a publicação da obra por outra editora, para o mercado brasileiro. aconselha, então, que a nacional negocie diretamente com a livros do Brasil uma possibilidade de publicação da tradução restrita ao território brasileiro (puf, 18-2-1976, dossiê 86/76, arquivo da cen).

pode-se admitir também que os impressos ganharam padrões internacionais, seja pela concorrência entre editoras, seja pela padronização da própria indústria impressora. os padrões dos livros estão inseridos nas formalidades práticas de sua produção, respeitando, apesar das inovações, os cânones classificatórios dos textos – de seus conteúdos, usos e públicos leitores específicos – ultrapassando sem grandes entraves as fronteiras e as culturas organizadas em torno de um cânone universal, como discutido por petrucci.

na citada correspondência entre a nacional e a livros do Brasil. s. a. r. l., encontram-se exemplos dos interesses internacionalizados pela edição de títulos para públicos análogos e usos prescritos, construindo cânones internacionais, no caso, para as ciências da educação. como contrapartida ao pedido de liberação dos direitos de tradução de Jean chateau para o território brasileiro, antónio de souza pinto propõe à nacional:5

5 só a título de informação, a permuta entre as editoras não ocorre, tendo a livros do Brasil desistido da publicação do título de debesse conforme dossiê 89/76, do arquivo da cen.

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cremos, efectivamente, na boa-fé de quem programou a obra de Jean chateau, de que temos os direitos para a língua portuguesa e não levantamos obstáculos à edição brasileira. recebemos, entretanto, algumas das vossas edições relacionadas com as ciências pedagógicas. muito gostaríamos de editar, em portugal, As fases da Educação, de maurice debesse, obra que por suas características se enquadra particularmente na nossa programação. solicitamos, assim, o obséquio da vossa opinião quanto à inserção do livro de debesse no nosso plano editorial (livros do Brasil s. a. r. l., 22/02/1976, dossiê 86/76, arquivo da companHia editora nacional).

para analisar a circulação de livros em espaços e tempos para os quais, a princípio, não foram produzidos, é necessário levar em conta as condições mais amplas do funcionamento da indústria do livro e seu caráter internacional, tal qual aparece nos exemplos citados.

O mercado de livros brasileiros em Portugal

para o caso da circulação, em portugal salazarista, dos livros da companhia editora nacional, é preciso se levar em conta que os mercados português e brasileiro sempre estiveram articulados. no inquérito que produz sobre o livro português, em 1944, irene lisboa conclui que os mercados brasileiros e africanos são de grande importância para a indústria livreira portuguesa6 (lisBoa, 1944, p. 237). para um de seus entrevistados, manuel rodrigues de oliveira, do editorial cosmos,

foi a fusão de capitais e a especialização técnica (industrial e comercial) que deram alento às grandes companhias editoras do Brasil. a produção brasileira está hoje subordinada a grandes empresas, como todos sabem. o Brasil cria e traduz em grande escala, por conta própria. e é ele que abastece as

6 irene lisboa (1944, p. 1) produz esse inquérito sob o patrocínio da revista Seara Nova.

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colônias portuguesas da américa do norte, não nós. os livros portugueses, de portugal, figuram lá como achados... até cá, era vulgar não há muito tempo perguntar-se se se conhecia tal ou tal autor brasileiro, e não tal e tal português... o nosso livro vive das pequenas iniciativas e não afinal da expansão que a própria língua lhe podia assegurar. não tem o escoamento devido! (lisBoa, 1944, p. 21).

para outro entrevistado de lisboa, armênio armado, da casa editora armênio armado editor, os mercados brasileiros eram de fundamental importância, apesar de as editoras portuguesas perderam cada vez mais espaço nele:

Já vai tempo em que as nossas livrarias expediam tudo quanto tinham em armazém para o Brasil! até os livros de versos sem possível consumo [...]. e por lá se gastavam! porém, hoje os processos de comerciar têm que ser outros. Há cinqüenta anos invadíamos nós o mercado brasileiro com nossos livros, hoje voltou-se o feitiço contra o feiticeiro [...] pagamos-lhe nós o tributo! por isso temos de selecionar nossa mercadoria, de cuidar [...]. Há trinta anos, o Brasil ainda não possuía tipografias à altura das suas necessidades, e mandava compor em portugal as suas edições. Hoje as oficinas tipográficas brasileiras são notáveis. e notáveis as suas casas editoras! este país está magnificamente apetrechado para nos bater e até nos esquecer: quanto à sua indústria, à expansão do livro, à seleção e tradução deste, etc. (lisBoa, 1944, p.102).

para Hallewell (1985, p. 278), foi a companhia editora nacional a pioneira na invasão do mercado português. o êxito do livro brasileiro naquele mercado, ainda segundo o autor, deveu-se à queda da taxa de câmbio que o colocou em condições de concorrência com o livro português. as edições brasileiras passariam a ser vendidas, depois de 1931, em livrarias, tabacarias, bancas de cafés, com suas capas berrantes e coloridas. a nacional abriu, em 1932, sua filial em lisboa, usando o nome de civilização Brasileira – editora carioca adquirida pela empresa no início dos anos 30. essa filial operou em portugal até 1944, quando foi vendida para antônio a de souza pinto, proprietário, no Brasil, da livraria

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portuguesa. a venda da filial, segundo Hallewell, ocorreu devido a abalos sofridos pelos negócios do livro durante a ii Guerra. em todo o caso, as editoras do Brasil e a própria companhia editora nacional continuaram exportando livros para aquele país, chegando a vender, na década de 1970, as mesmas quantidades (em peso) importadas de portugal, significando uma expansão da presença das editoras brasileiras naquele país, dada a diferença dos tamanhos de mercado7 (HalleWll, 1985).

a nacional não atuou no mercado português tal qual fazia no Brasil. em seu país de origem, a editora montou vasto leque editorial, editando desde livros didáticos aos de culinária; das obras de famosos intelectuais aos de autoajuda. em terras lusas, cujo regime político era o da ditadura, os livros escolares eram totalmente nacionalizados. essa situação fechou o acesso da editora a esse mercado, porém a nacional fez circular inúmeras traduções tanto de romances, como de livros de ciências ou divulgação científica, além de literatura brasileira e de outros gêneros correlatos.

em relação à educação e mais especificamente à história da educação, foi possível averiguar, com a análise do catálogo de uma biblioteca dirigida à formação de professores – a Biblioteca Museu do Ensino Primário (Bmep) − a presença dos livros da nacional.8 essa presença é predominantemente da coleção Atualidades pedagógica,9 dirigida por fernando de azevedo, entre 1931 e 1949, e por João Batista damasco penna, entre 1950 e 1980, na companhia editora nacional (cen).

7 como o próprio Hallewell nota, já na década de 1930, o mercado potencial de leitores (população escolarizada) no Brasil ultrapassava em números o mercado português (1985, p.286-287).

8 essa investigação também se debruça sobre a Biblioteca de educação da fundação calouste Gulbenkian, mas, neste artigo, não será possível apresentar os resultados. ver toledo (2009).9 também há, nesse catálogo, uma forte presença da Biblioteca de Educação, dirigida por lourenço. foi editada pela melhoramentos a.s., com 11 exemplares.

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essa coleção editorial para professores pode ser analisada como um tipo especial de impresso, cuja intervenção editorial se materializa por meio da reorganização dos textos, para a ampliação do mercado, fazendo circular a representação do professor-leitor, objetivada pelo editor, e das práticas de leituras específicas e adequadas a ele; cuja intervenção no campo da Pedagogia se materializa por meio da seleção e adaptação do conjunto de textos e autores que devem compor o programa específico para a formação do professor-leitor, indicando os usos específicos para o conjunto das leituras selecionadas na coleção. essa dupla intervenção constituiu uma cultura pedagógica que remete à representação dos campos da pedagogia e do leitor contida na mediação editorial que a propôs. também acaba por construir e veicular um modelo particular de leitura e formação e talvez constituir um cânone internacional, já que compreende autores brasileiros e traduções.

as bibliotecas também devem ser tomadas como lugar estratégico porque, segundo Jacob (2000, p.10-11),

[...] toda biblioteca expressa uma concepção implícita da cultura, do saber e da memória, bem como da função que lhes cabe na sociedade de seu tempo [...]. pois a história das bibliotecas no ocidente é indissociável da história da cultura e do pensamento, não só como lugar de memória no qual se depositam os estratos das inscrições deixadas pelas gerações passadas, mas também como espaço dialético no qual, a cada etapa dessa história, se negociam os limites e as configurações da tradição, as fronteiras do dizível, do legível e do pensável, a continuidade das genealogias e das escolas, a natureza cumulativa dos campos de saberes ou suas fraturas internas e suas reconstruções.

ao se pretender analisar a circulação dos livros da nacional, e mais especificamente de uma de suas coleções, em bibliotecas dirigidas à formação docente, objetiva-se capturar as intervenções editoriais, tal qual propõe petrucci, na constituição de padrões internacionais da cultura escrita

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e seus cânones de formação do leitor – no caso, do leitor-professor.

A obra Atualidades Pedagógicas nas prateleiras da Biblioteca Museu do Ensino Primário

em 1933, foi instalada, na escola do magistério primário de lisboa, a Biblioteca Museu do Ensino Primário (BMEP). essa instituição nasceu como decorrência da reorganização das antigas escolas normais da capital portuguesa, operada pelo estado novo. a biblioteca mantinha as funções técnico-didáticas propostas pelo escolanovismo, mas atribuía a esta novas funções e valores diversos, sobretudo o nacionalismo e o catolicismo conservador que deveriam enquadrar toda a atividade social e profissional portuguesa (moGarro; toledo, 2009).

a biblioteca integrava os serviços pedagógicos da direcção-Geral do ensino primário do ministério de instrução pública,10 atendia à formação de leitura dos professores primários, tanto no espaço do trabalho quanto da casa, assim como devia pugnar pelo aperfeiçoamento de sua cultura (moGarro; toledo, 2009). para tanto, mantinha um catálogo de “[...] livros e outras publicações, nacionais ou estrangeiras, que versavam sobre os problemas pedagógicos e didáticos do ensino primário”; e de “coleções de material didático destinadas a ser sucessivamente utilizadas em estabelecimentos do ensino primário oficial”. ainda deveria arquivar a documentação referente à história do ensino em portugal (moGarro; toledo, 2009).

10 em 1936, esse ministério passou a ser designado como ministério da educação nacional.

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adolfo lima11 foi nomeado diretor da Biblioteca, ainda em 1933. ele era professor da mesma escola de magistério e ocupou aquele cargo durante uma década. mogarro (2006a) informa que adolfo lima foi um dos principais intelectuais da geração de escolanovistas portugueses, formada por antónio sérgio, Álvaro viana de lemos e faria de vasconcelos, entre outros, cujo pensamento e a ação marcaram os anos 1920 daquele país.

mogarro (2006b) indica que, com a ditadura militar (1926) e depois com o estado novo, os pedagogos escolanovistas foram perseguidos e silenciados. mesmo o lugar de representantes do país na liga internacional da escola nova foi perdido para o pedagogo oficial do regime – cruz felipe. além disso, adolpho ferrière − um dos principais articuladores do grupo escolanovista português com o movimento internacional − acaba por apoiar os pedagogos do novo regime, afastando-se definitivamente daquele grupo.12

mogarro (2006a) considera ainda que a nomeação de lima, nessas circunstâncias, para a Bmep, foi uma estratégia do novo regime para colocá-lo em posição de pouco destaque e de fácil controle; teria sido uma tentativa de aposentá-lo antes do tempo (moGarro, 2006a). lima teria, assim, transformado essa condição em possibilidade de fazer funcionar o que havia projetado, anos antes, para esse tipo

11 Lima era formado em advocacia, mas, desde a implantação da República, em 1910, dedicou-se ao campo da cultura, destacadamente à educação. Aderiu também ao anarquismo e dele foi defensor até o final da vida. Foi escritor de peças infantis e crítico de teatro; também foi tradutor de literatura, psicologia, educação, entre outras áreas do conhecimento. Segundo Candeias (2005), Lima escreveu diversos livros e artigos, fundou revistas e exerceu funções como correspondente em Portugal de revistas pedagógicas estrangeiras, mantendo uma relação epistolar com alguns dos vultos principais da Educação Nova. No campo prático, a sua ação fez-se sentir na Escola Oficina n.º 1; na Escola Normal de Benfica, da qual foi o primeiro diretor (1918 a 1921); no Liceu Pedro Nunes; nos serviços educativos de A Voz do Operário; na Liga Nacional de Instrução; na Associação dos Professores de Portugal; na Sociedade de Estudos Pedagógicos; na Liga de Acção Educativa.12 para a descrição dessa situação, consultar mogarro (2006b, p. 234-235).

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de instituição.13 para a autora, lima organizou a Bmep para funcionar como verdadeiro centro de informações de toda a espécie de assuntos pedagógicos em todas as atividades docentes de todos os graus e especialidades acadêmicas e de educação social; e como centro propulsor do desenvolvimento e aperfeiçoamento das ciências e métodos da Educação (moGarro, 2006a). nesse sentido, colocava em prática o modelo de formação escolanovista que vinha defendendo desde os anos 1920: a Bmep funcionaria como instituição central de formação dos novos professores, orientados em seus estudos e pesquisas pelo diretor.

entre os livros do acervo adquirido pela Bmep, como já indicado, encontra-se o primeiro período da Atualidades pedagógicas14 (ap), representado por uma parte muito significativa das obras então publicadas.15

a maioria dos 25 títulos da ap, que constam na Bmep, foi editada entre 1931 e 1939.16 são os textos produzidos no calor das reformas anísio teixeira (1931-1935) e fernando de azeve-do (1933), às quais a coleção documentou ao editar seus autores e textos. são os textos que fizeram circular as bases científicas e arquitetônicas dessas reformas, por exemplo: novos caminhos e novos fins e educação e seus problemas – de azevedo; edu-cação progressiva – de teixeira; educação e psychanalyse – de arthur ramos; Educação social – de celso Kelly, entre outros.

13 ainda, para mogarro (2006a), lima, em seu livro Metodologia (1921), descreveu o que entendia ser as funções precípuas das bibliotecas-museu nos quadros da pedagogia escolanovista.14 em minha tese de doutorado, concluo que a coleção Atualidades pedagógicas compreendeu dois períodos bastante distintos: 1931 a 1949, período em que o programa de leituras para docentes foi dirigido predominantemente por azevedo; 1950 a 1981, em que a coleção foi dirigida por João Batista damasco penna. para a descrição minuciosa da coleção, consultar toledo (2001).15 dos 39 títulos publicados, entre 1931 e 1939 − auge da programação da AP, por fernando de azevedo − comparecem na Bmep 24 deles e sete reedições.16 apenas um título foi editado em 1947 (a tradução de Educação comparada de i.l. Kandel).

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predominam, na Bmep, os textos assinados por autores brasileiros, perfazendo 16 títulos, contra 6 traduções.17 as traduções que comparecem na Bmep são: Como pensamos (J. dewey); Educação funcional (e. claparède); Didática da Escola Nova e pedagogia científica (a. m. aguayo); Princípios de psicologia aplicada (H. Wallon); História da educação (p. monroe). esses títulos, do ponto de vista dos campos do conhecimento, referem-se, predominantemente, à pedagogia e suas articulações com a psicologia. são, também, autores diretamente ligados ao movimento da escola nova e participantes da liga internacional da escola nova. referências mobilizadas na própria obra de adolfo lima, indicam que esses textos poderiam fornecer aos leitores da Bmep as referências fundamentais do escolanovismo, assim como o faziam para o público brasileiro.

em relação ao conjunto de títulos de autores brasileiros,18 é importante notar duas características: de um lado, com exceção da história da educação, os campos do conhecimento frequentados pelas traduções também são frequentados pelos autores brasileiros. portanto, a apropriação dos brasileiros das referências internacionais do escolanovismo, propostas na ap, se mantém no acervo da Bmep − por exemplo, Como pensamos e educação progressiva - está nas prateleiras dessa biblioteca. por outro lado, os campos do conhecimento da política da educação, da sociologia da educação, da biologia educacional e da administração escolar estão representados apenas por autores brasileiros.

as apropriações da coleção pelos estudantes e docentes portugueses podem ter sido facilitadas em razão de sua fórmula editorial: ela apresentava um repertório de traduções dos

17 como já referido, a quinta tradução que comparece na Bmep é Educação comparada (1947), de i.l. Kandel.18 os autores brasileiros são: fernando de azevedo, anísio teixeira, delgado de carvalho, arthur ramos, almeida Júnior, celso Kelly,carneiro leão, aristides ricardo, euclides roxo, sylvio rabello, milton rodrigues e outros autores que compuseram a coletânea Aspectos fundamentais da educação.

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expoentes do escolanovismo internacional em português, ainda não impregnado pelo catolicismo; apresentava um repertório dos jargões escolanovistas, por exemplo, escola nova, escola como meio social, psicologia da criança, espírito de cooperação, escola única, escola do trabalho, entre outras; trazia relatos de experiências e práticas escolanovistas realizadas por um país considerado atrasado em educação, como portugal; e, por fim, apresentava um modelo de leitura que facilitava o acesso dos iniciantes às referências desse movimento educacional.

adolfo lima tinha uma percepção muito clara do papel-chave que ocupava a língua nas obras destinadas à formação de professores. as obras e as traduções publicadas pelas editoras brasileiras respondiam às necessidades de formação dos docentes portugueses, tanto no que se refere à língua em que eram publicadas, assim como pelas ideias que difundiam. a circulação da Atualidades Pedagógicas nas instituições portuguesas foi possível devido à ressonância que o modelo de leitura e formação por ela veiculado teve nesse campo pedagógico e pelas possibilidades de apropriação que os agentes de formação docente portugueses encontraram no modelo (moGarro; toledo, 2010).

Há que se considerar ainda a situação de repressão sob a qual viviam os pedagogos escolanovistas portugueses, como lima. a censura sobre os autores de livros “técnicos”, por vezes, recaía sobre eles em razão do que representavam no campo ou pela posição que nele ocupavam, muito mais do que sobre os textos “técnicos” que publicavam. a censura sobre os livros “técnicos” ou “especializados” advindos de outro país, nesses termos, é muito mais difícil em razão da falta de conhecimentos dos censores de quem são seus autores, de suas posições políticas ou de outras condições que o valham. a ap, no campo pedagógico português, não adquiriu a mesma condição política que teve no campo pedagógico brasileiro. longe da contenda específica do campo político-educacional brasileiro, poderia circular apenas como conjunto de referências da pedagogia

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escolanovista. a distância do lugar de produção dos livros permitiu a circulação mais ágil dessa literatura na época da censura e, ao mesmo tempo, ofereceu material apropriado para a divulgação de modelos pedagógicos específicos.

também é preciso notar que a política cultural portuguesa para a montagem de bibliotecas públicas pode ter propiciado a circulação da ap. melo (2004), ao analisar a gênese e consolidação das bibliotecas públicas em portugal, entre 1926 a 1981, verifica que as políticas estabelecidas pelo estado para a organização dos acervos pouco investiram na compra de volumes: privilegiavam as doações e depósitos obrigatórios efetuados pelas editoras. para as bibliotecas escolares, contou-se com as benevolentes doações de professores e alunos (melo, 2004). provavelmente, a composição do fundo da Bmep, além de ter herdado fundos preexistentes (moGarro, 2006a), contou com doações e depósitos legais das editoras.

a companhia editora nacional (cen) adotou, por 50 anos, a política publicitária de distribuição gratuita de seus lançamentos para divulgadores e bibliotecas públicas nacionais e internacionais. em 1932, a cen montou sua filial em lisboa, inundando o mercado português, diferenciando-se das editoras do país pelos preços e pelas capas chamativas (HalleWell, 1985). as bibliotecas escolares transformaram-se em pontos de divulgação para a editora, sobretudo aquelas com o perfil da Bmep, que atendiam a docentes de todo o país, na medida em que permitiam ao público leitor tomar contato com o livro e adquiri-lo posteriormente.

Biblioteca Museu do Ensino Primário e ensino de história da educação: vestígios de um cânone

a história da educação, contemplada no primeiro período da Atualidades pedagógicas, foi composta por pelo menos dois títulos escolhidos por fernando de azevedo: o de

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paul monroe, História da educação, e o de afrânio peixoto, Noções de história da educação. o terceiro título dessa disciplina, de theobaldo miranda santos, Noções de história da educação, não foi escolha de azevedo (toledo, 2001; almeida filHo, 2008).

porém, como já indicado, o único título que consta do catálogo da Bmep é o de paul monroe. a exclusão de afrânio peixoto salta aos olhos, porque esse autor mantinha estreita relação com o mundo acadêmico português.19 além disso, esses títulos foram intensamente utilizados nas escolas normais do Brasil (vidal, 2001). por que essas exclusões?20

se a ausência de peixoto não é fácil de explicar, a presença de paul monroe nas prateleiras da Bmep pode ser justificada. esse autor comparece na bibliografia de muitos dos primeiros historiadores da educação em portugal e no Brasil. mogarro e Bastos (2009), em artigo em que analisam os manuais de história da educação desses dois países, notam que monroe é referência em todos eles. segundo as autoras, ele também comparece nas listas bibliográficas da disciplina em diferentes instituições de formação docente, seja no nível médio, seja no nível superior. monroe foi referência, pelo que se afigura, das redes internacionais de circulação e apropriação de modelos culturais e pedagógicos (moGarro; Bastos, 2009). acrescente-se a isso a importância da casa editora da obra de monroe. a macmillam company, desde o final do século XiX, já era uma das maiores editoras da europa, com escritórios espalhados pelos eua, África e Ásia. essa editora

19 o título de afrânio peixoto que consta da Bmep é Educação da mulher, também da nacional. em relação a theobaldo miranda santos, pode-se levantar a hipótese de que sua exclusão, pelo menos naquele momento, deve-se à sua declarada posição de militante católico no campo da pedagogia. sobre miranda santos, consultar almeida filho (2008)20 essa investigação não pretende explicar a exclusão de peixoto. para isso, seria importante um estudo da trajetória do autor nas instituições universitárias portuguesas e suas relações com seus intelectuais. pretendo apenas levantar algumas hipóteses sobre a ausência do autor com os indícios encontrados no acervo analisado.

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inglesa rapidamente se associou à universidade de cambridge e a outras universidades inglesas, editando as “descobertas científicas”, tanto das ciências como das ciências sociais, além da nova literatura. nos eua21 o escritório, fundado em 1869, associou-se à universidade de columbia, seguindo os passos da matriz, no que diz respeito ao seu leque editorial. o negócio das traduções se ampliou com a expansão da produção científica e a necessidade de circulação dos resultados das investigações traduzidas nas diversas línguas.22 a editora, portanto, apoiava a circulação internacional das obras por ela editadas, tanto na língua inglesa, quanto em traduções.

na versão da obra de paul monroe, publicada pela Atualidades pedagógicas, há um texto explicativo sobre o autor e sua obra, escrito por Henry suzzallo.23 o autor, ao situar a obra de monroe, destaca que ela foi escrita em um momento histórico em que os eua perderam “[...] aquele ponto de vista provincial e tradicional que lhes caracterizava o pensamento pedagógico desde a Guerra civil” (suzallo,1939, p. XXiv). o debate sobre métodos, teorias e processos educativos se estendeu e “[...] tornou-se obrigatório o estudo comparado das instituições educativas, pois tornou-se evidente que as escolas serviam em diferentes épocas e lugares a propósitos nacionais e sociais diferentes” (suzallo,1939, p. XXiv). ainda, na descrição do autor:

o novo estudo dos sistemas escolares estrangeiros se resumia no estudo desses sistemas como eram na atualidade. não bastava. era indispensável um estudo mais amplo – a história da educação – que vem então ganhar uma importância inédita na preparação profissional do mestre (suzallo, p. XXiv).

21 em 1951, a macmillan de new York se separa da matriz, constituindo-se empresa independente (disponível em <http://international.macmillan.com/History.aspx>).22 essas informações constam do sítio da editora (disponível em: <http://us.macmillan.com/splash/about/history.html e http://international.macmillan.com/History.aspx>. acesso em 22 fev. 2010.

23 o autor foi aluno de monroe no techears college, da universidade de columbia.

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como se vê pela argumentação do autor, a história da educação, pelo menos na universidade de columbia, não nasce a serviço da filosofia e da moral – como sucessão de exemplos a serem seguidos, com função doutrinária e religiosa,24 – mas como disciplina que deve estruturar os estudos de educação comparada.

segundo suzzallo, depois de monroe se graduar nos métodos dos estudos sociológicos e históricos, do franklin college e da universidade de chicago, é nomeado docente de História no teachers college da universidade de columbia e, em pouco mais de dois anos, em 1902, ocupa o lugar de “máxima influência”: a cátedra de história da educação da mesma universidade. na avaliação do autor, essa rápida carreira ocorreu pelo novo interesse que a história da educação alcançou:

os métodos dessa época não eram os do pensamento exato que caracterizam hoje o campo da educação. os inquéritos comparativos e estatísticos não haviam ainda transformado a administração escolar. nem tinham ainda começado, os psicólogos, o trabalho científico dos testes e das medidas escolares. o único setor de estudo da educação, que possuía métodos inteiramente satisfatórios de pesquisa, era o da história da educação. foi aí que surgiram os padrões para o estudo superior da educação e o ideal de investigação exata para os estudiosos da matéria. todos os demais campos de pensamento educacional viram-se tomados pelo mesmo espírito de pesquisa e de escrúpulo científico. e, se isto se deu, foi mais devido ao professor de História da educação no teachers college do que à própria cadeira desse mestre (suzallo, 1939, p. XXv).

na versão de suzzallo, teria sido a história da educação a dar régua e compasso para as outras disciplinas interessadas na comparação do estado da educação entre os diferentes países, em diferentes momentos históricos. para ele, a importância da disciplina e do próprio monroe aparece no número de

24 cf. nunes (1996) e Warde (1998).

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educadores formados pela cátedra de história da educação – administradores escolares ou pensadores educacionais – que, apesar de não se interessarem por se transformarem em historiadores, fizeram suas monografias e pesquisas sob a égide da disciplina. ainda, segundo suzzallo, como diretor da seção de educação da new international encyclopedia, da nelson’s cyclopedia e do international Year-Book, foi monroe o organizador do conhecimento científico da educação para o público em geral. sua projeção internacional se deu definitivamente com a publicação da Cyclopedia of Education (5 volumes) – editora macmillan – usada intensamente pelos estudos de educação comparada25 (suzallo, 1939, p. XXvi).

o texto de suzzallo, no caso do título em questão, é um dispositivo de leitura fundamental porque localiza o lugar da obra de monroe no campo acadêmico, mas, também, localiza o título dentro da coleção Atualidades pedagógicas, remetendo-o não para o conjunto de títulos da disciplina filosofia da educação, mas para o conjunto da educação comparada. nesse sentido, ao examinar a história da educação, “dos povos primitivos aos dias de sua atualidade”, pretende indicar aos estudantes – mal preparados – a afinidade entre a história ou a vida social e a educação. monroe, no prefácio de seu compêndio, lista os objetivos principais. entre eles, destaca-se:

evidenciar a relação entre o desenvolvimento educacional e outros aspectos da História da educação;preocupar-se mais com tendências educacionais do que com homens;mostrar a conexão entre a teoria educacional e o trabalho escolar contemporâneo, em seu desenvolvimento;sugerir relações com o trabalho educacional de nossos dias (monroe, 1939, p. XXii).

25 para lourenço filho, a Ciclopedia of education, organizada por monroe, foi a primeira grande obra sistemática com largo espaço consagrado a elementos da educação comparada (lourenço filHo, s.d., p. 22).

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os títulos de educação comparada editados na Atualidades, no período de fernando de azevedo, são apenas dois. um deles é um clássico26 da educação comparada: Educação comparada, de isaac l. Kandel, publicado em português em 1947. Kandel, como monroe, foi professor do teachers college, da universidade de columbia, da cadeira de educação comparada. seu título é um compêndio para os alunos de seu curso no instituto internacional da escola de professores. na versão brasileira do compêndio de Kandel, há uma apresentação de carneiro leão que procura justificar a importância da disciplina nos currículos das instituições de formação docente e, ao mesmo tempo, tratar da importância do autor na nova disciplina. o autor entende que o compêndio de Kandel “[...] é uma obra de tamanha envergadura que a ‘companhia editora nacional’, por nossa indicação acaba de fazer traduzir e publicar em benefício da cultura de nossos futuros professores, técnicos de ensino e administradores escolares” (carneiro leão, 1947, p. 9). isso porque:

a educação comparada constitui hoje disciplina indispensável nas faculdades de filosofia, de educação e nos institutos e cursos de formar professores e administradores de escolas e sistemas escolares.matéria alguma poderá substituir aquela, cuja finalidade é o conhecimento exato da orientação do pensamento, da cultura e, em conseqüência, do comportamento de um povo na comunidade nacional e internacional levando-nos a apresentar as razões de seus regimes de vida, de suas aspirações e suas atitudes atuais e futuras. um elemento determinante da política educacional de um país reside em seus imperativos geográficos e históricos e outro na influência das ações e reações vindas do exterior. assim, o conhecimento das tradições, do influxo do meio natural e das áreas de cultura e suas reações com o mundo circundante são fatores primaciais na apreensão das diretrizes educacionais de um povo (carneiro leão, 1939, p. 3).

26 isaac Kandel é considerado, na História da educação comparada, como fundador de uma de suas escolas e referência obrigatória.

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nos enunciados de carneiro leão, percebe-se a importância atribuída à História e, especificamente, à história da educação, para o desenvolvimento da educação comparada. para o autor, sem conhecer o passado e a geografia das nações, é impossível se compreender as políticas educacionais do presente. ainda para carneiro leão (1939, p. 5).

a educação adotada por um povo denota de maneira flagrante sua maneira de ser, suas aspirações, seus objetivos. e como o mundo é dia a dia mais um verdadeiro sistema de vasos comunicantes, compreendemos o valor de uma disciplina que leva a juventude, os futuros educadores, os pensadores e os homens de governo ao conhecimento preciso da mentalidade em formação dos diferentes membros da comunidade internacional. esse conhecimento é chave de uma conduta, e a melhor para a perfeita compreensão e seguro entendimento entre todos. daí a urgência depois da catástrofe presente de um órgão internacional, uma espécie de ‘departamento internacional de educação’, apto a vigiar o envolver dos sistemas escolares no mundo.

carneiro leão entende que o desenvolvimento da educação comparada e as disciplinas que lhe dão sustentação analítica poderiam oferecer chaves para se compreender, por exemplo, o aparecimento da alemanha nazista. a compreensão da história de um determinado povo ou nação, na visão de carneiro leão, poderia enriquecer toda a humanidade a fim de evitar conflitos sociais internos e externos (carneiro leão,1939, p. 5).

como apontado, monroe e Kandel fizeram parte da mesma instituição – a universidade de columbia – e atuaram nas mesmas esferas de formação de professores, concebendo as teorias, os problemas de investigação e padrões de exposição da disciplina, cujo objetivo era analisar as políticas educacionais no presente e no passado dos diferentes países e povos.

de fato, a educação comparada parece se fortalecer como disciplina no campo pedagógico durante o entreguerras,

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seja pela instituição de observatórios internacionais, alguns sustentados pela liga das nações e depois pela onu, seja pela inclusão da disciplina nos currículos de formação dos docentes primários e secundários27 (riBeiro, 1958). com o fortalecimento da disciplina, parece se desenvolver outra vertente de história da educação geral e nacional para atender aos problemas de pesquisa dessa nova disciplina, constituindo um cânone diferente daquele da história da educação tributário da filosofia da educação.

É importante esse destaque porque, na análise dos autores brasileiros que se debruçaram sobre a história do ensino de história da educação no Brasil e seus manuais, como os de peixoto ou miranda santos, a história da educação nasceu prisioneira da filosofia da educação. para Warde e carvalho (2000, p. 20):

a História da educação era apêndice da filosofia da educação, colhendo desta os seus temas e suas abordagens; nessa relação, a História da educação foi inserida nos currículos como uma das especializações da filosofia da educação, tendo que exercer uma função pragmática, no sentido moral: da História e filosofia da educação deveriam partir os fins da educação, colhidos dos valores absolutos e transcendentais que as sociedades humanas teriam em épocas sucessivas, se esforçado a atingir.

ainda para nunes (1996, p. 70), a história da educação é

[...] expressão do registro da permanência dos valores de uma civilização cristã. apesar das concepções teóricas, da formação e dos pertencimentos institucionais de seus atores, a história da educação difundida entre professores primários e secundários tem uma função e um efeito doutrinário que se prolonga e se atualiza, revelando o peso da influência

27 essa disciplina, no Brasil, já fazia parte do currículo da faculdade nacional de filosofia desde 1939. como analisam Bastos e mogarro (2009), carneiro leão foi o catedrático de educação comparada, nessa faculdade; e na bibliografia do curso indica vários títulos de História da educação. entre eles, paul monroe. com as Leis orgânicas, de 1946, essa disciplina passou a fazer parte também do ensino normal (riBeiro, 1958, p.14).

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religiosa apesar de todo o movimento de secularização da sociedade e do estado a partir da implantação do regime republicano.

a história da educação vinculada à educação comparada, como discutido por suzzallo, monroe e leão, teria outra função e outros métodos contrastantes com aqueles encontrados nos manuais de história da educação brasileiros, distanciando-se também do modelo de leitura e formação proposto pelos católicos.

o outro título, Educação comparada, de milton rodrigues, é publicado em 1938. esse título é o primeiro compêndio de educação comparada escrito por autor brasileiro (riBeiro, 1958). na introdução do compêndio, rodrigues (1938, p. 1-2) define a educação comparada como sendo a “história contemporânea da educação”:

se bem que simples, esta definição possui o dom de levantar imediatamente uma quantidade de dúvidas. dúvidas sobre o método e dúvidas de objeto. todos nós sabemos que na própria história geral, dois métodos há muito se defrontam e se combatem. querem uns (que já vão tornando raros) que seja a história apenas um relato seco e fiel de fatos, enquanto que outros, procurando estender seu campo, procuram dar um feitio mais raciocinado, introduzindo nele o elemento reflexivo, procurando relacionar os fatos entre si, bem como com as condições geográficas.

os enunciados do autor instalam a educação comparada na História, mas, também indicam que o método histórico seria antídoto à crítica filosófica. nas palavras do autor:

a mesma duplicidade de métodos pode existir em educação comparada [...]. com efeito, é muito diferente a atitude daquele que, refletindo sobre os fatos, procura relacioná-los entre si, da atitude daquele que, de posse de um critério, submete os fatos à medida deste. a crítica é do domínio da filosofia; se, ao descrever os sistemas educacionais descemos à crítica dos conceitos filosóficos de que esses sistemas são em grande parte a realização, estaríamos invadindo o campo

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da filosofia da educação. parece-nos, portanto, bem claro, que devemos conservar uma atitude puramente objetiva no estudo da educação comparada, o que não nos impede de fazer ciência em vez de pura descrição (rodriGues, 1938, p. 1-2).

em 1935, o mesmo rodrigues apresentou, como tese para o concurso de cátedra do instituto de educação da universidade são paulo, o trabalho intitulado A educação na Itália de hoje (1935). na tese, rodrigues defende que o desenvolvimento da História foi o que possibilitou os avanços da educação comparada. essa disciplina teria saído, pelos métodos da História, do estágio da mera observação descritiva, deslocando-se para análises mais críticas e fundamentadas. segundo rodrigues (1935, p. 6):

ao aproximarmos educação comparada de história da educação introduzimos um pequeno problema que nos compete resolver. dentro da denominação um tanto genérica e vaga de História da educação têm-se freqüentemente confundido dois estudos nitidamente separados como alguém já demonstrou: a história das instituições educativas e a história das doutrinas educacionais. pensamos que a educação comparada refere-se ao estudo comparativo das instituições educativas contemporâneas. no entanto, pensamos também que é inconcebível um corpo contínuo de instituições que não obedeça a uma determinada orientação conjunta, animada por um mesmo corpo de doutrinas, ainda mesmo que implícitas. donde a necessidade de um estudo recorre freqüentemente ao outro. para que não escorreguemos, todavia, para o estudo da filosofia moderna, convém salientar que nos colocamos do ponto de vista das instituições.

na defesa da importância da disciplina educação compa-rada e de suas investigações, rodrigues pugna pelo afastamento da disciplina da filosofia, articulando-a à história das institui-ções. a história das instituições seria, na tese do autor, antídoto às generalizações pouco fundamentadas e anacrônicas.

como se pode notar, nem sempre o ensino de história da educação esteve atrelado ou a serviço da filosofia. pelo

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menos na versão norte-americana, do teachers college, essa disciplina estaria vinculada à educação comparada.

outro indício pouco explorado, mas significativo da relação entre essas duas disciplinas, é o produzido pelo sistema, norte-americano, melwil dewey − de classificação dos saberes e títulos nas bibliotecas, difundido em todo o mundo. esse sistema as coloca exatamente nas mesmas prateleiras, as de número de tombo 37 (09).

voltando à Bmp e ao campo da pedagogia portuguesa, os dois títulos de educação comparada da ap encontram-se em suas prateleiras, em primeiras edições, além, da História da Educação de monroe. esse indício pode indicar que a articulação educação comparada/história da educação também esteve presente no campo da educação portuguesa. o indício dessa relação encontrado na Bmep pode se juntar a um outro, apresentado a seguir numa investigação mais sistemática do que a feita para este artigo, pode indicar a importância do cânone de leitura que vincula a educação comparada à história da educação em portugal.

segundo os analistas da história do ensino de história da educação em portugal,28 em 1930, as escolas normais superiores foram extintas pelo estado novo e substituídas pelos cursos de ciências pedagógicas, que funcionavam nas faculdades de letras das universidades de lisboa, coimbra e porto. entre as cinco cadeiras desses cursos, constava a de História da Educação, Organização e Administração Escolares. essa designação, aparentemente distante da educação comparada, traz a descrição dos âmbitos que essa disciplina deveria investigar no trabalho de comparação entre diferentes sociedades, povos e culturas no tempo.

as análises que autores fizeram desse primeiro movimento da escrita da história da educação, no Brasil, têm enfatizado as relações orgânicas que a história da educação manteve com a filosofia, sobretudo o percurso da disciplina filosofia e

28 conferir Gatti e santos (2009) e Bastos e mogarro (2009).

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história da educação, tanto nas escolas de formação docente do ensino médio, como nas do nível superior. para muitos desses analistas, a história da educação foi, pelo menos até a década de 1960, apêndice da filosofia da educação.29 sem negar essas interpretações, é necessário problematizar a história do ensino de história da educação, indagar sobre sua trajetória no âmbito de outros cânones de leitura, que no processo de institucionalização da disciplina podem ter se perdido.

a análise arqueológica30 da Bmep − biblioteca de além-mar – empreendida nesta investigação permitiu vislumbrar o apagamento de outra trajetória do ensino da história da educação no Brasil. a análise da composição de títulos brasileiros presentes na biblioteca do escolanovista adolfo lima – como a exclusão dos títulos de história da educação de peixoto e de miranda santos, tão presentes nas instituições brasileiras – possibilitou se pensar na hipótese de uma outra história do itinerário do ensino da história da educação, talvez apagado pela força da tradição católica na formação docente, como concluem nunes (1996) e Warde (1998).

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29 essa análise foi realizada por nunes (1996), Warde (1998), carvalho (2003), carvalho e Warde (2000), Gatti (2007), Gatti e santos (2009), roballo (2007), Bastos e mogarro (2009).

30 sobre a análise arqueológica, consultar chartier (1990) e carvalho (2003).

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por EntrE rEstos dE mEmória: Um rElato sobrE o Ensino dE história da EdUCaÇÃo

no CUrso dE pEdagogia da FaCUldadE dE EdUCaÇÃo da Usp (1971-1997)

marta maria chagas de carvalho

proponho-me aqui a registrar algumas iniciativas no campo do ensino da História da educação no curso de pedagogia da faculdade de educação da universidade de são paulo, entre 1971, ano em que iniciei minha vida profissional nessa instituição, e 1997, quando me aposentei. o texto é um depoimento construído fragmentariamente com resíduos de memória ativados a partir da reunião de alguns papéis velhos, fragmentos de uma já empalidecida militância institucional em favor de uma redefinição do perfil e do estatuto da disciplina no curso.

o primeiro desses resíduos me leva aos últimos anos da década de 1970 e me traz à memória a iniciativa de incluir a disciplina História da educação Brasileira na grade curricular do curso de Graduação em pedagogia. trata-se de um caderno de anotações em que registrei o conteúdo das aulas ministradas, no segundo semestre de 1982, sobre História da educação Brasileira, no período colonial e no império. as anotações se rebatem em um conjunto de outros cadernos de curso e em um outro maço de papéis velhos batidos à maquina, em que estão registrados programas oficiais da disciplina, todos sem data; textos que redigi como roteiro de alguma palestra; uma proposta curricular de reorganização do perfil e da distribuição da disciplina de História da educação, datada de 1985; e justificativas e delineamento dos perfis de alguns outros poucos, mas significativos projetos ou propostas

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que coordenei, relativos à reordenação ou institucionalização do ensino e da pesquisa no campo da História da educação na feusp. alguns desses projetos não chegaram a se efetivar, como foi o caso de proposta de criação da Área de concentração cultura escolar Brasileira na pós-Graduação, em 1992. outros foram bem-sucedidos e lograram se institucionalizar e se consolidar na instituição, como foi o caso do centro de memória da educação e da Área temática de pós-Graduação em História de educação e Historiografia, ambos em 1992. ordenar e (re)significar esses papéis velhos, fazendo-os falar das marchas e contramarchas do empenho partilhado com colegas e alunos no intuito de conferir à pesquisa e ao ensino de História da educação um outro perfil, nos anos 1980, é trabalho de memória que ganha sentido e se esgarça nas lacunas produzidas já no ato de guardá-los.

a proposta de inclusão da disciplina História da educação Brasileira na grade curricular correspondia a uma demanda, represada até o final da década de 1970, de um grupo significativo de alunos e professores do curso de pedagogia então bastante mobilizados e interessados na promoção de uma reforma curricular. a proposta encontrava forte resistência no departamento de filosofia e ciências da educação, a que eu pertencia, onde prevalecia a concepção de que o ensino de História da educação no curso deveria permanecer vinculado ao ensino de filosofia, como história das ideias pedagógicas, devendo o estudo histórico da educação brasileira ficar reservado a pesquisadores pós-graduandos e pós-graduados.1

dizer que o estudo histórico sobre educação brasileira estava completamente ausente da formação dos alunos até a inclusão formal de disciplina explicitamente consagrada a esse estudo na grade curricular seria, no entanto, uma inverdade. em minha experiência docente, houve duas outras situações em que se abriu espaço para um estudo desse tipo: como professora de educação comparada, nos anos iniciais

1 cf. carvalho (2000, 2005) e Bontempi (2001).

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de minha carreira, a partir de programação do curso feita pelo então professor da disciplina, José querino ribeiro; e cerca de uma década mais tarde, como professora de História da educação contemporânea, quando encontrei espaço na programação oficial para incluí-lo. em anotações de caderno e em papéis soltos, encontro registros dessas práticas. É assim que me deparo com um deles, em impresso mimeografado, em que está inscrita a programação do curso de educação comparada para o segundo semestre de 1972. nele, o programa previa o tratamento de duas grandes unidades. a História da educação Brasileira, dos anos 1920 à lei diretrizes e Bases de 1961, culminando com a tópica “problemas educacionais brasileiros na atualidade”, era uma delas.

um segundo item do programa previa o exercício da comparação, trazendo à cena a educação latino-americana e as recomendações de organismos internacionais para a america latina.

cotejando essa programação com anotações de três velhos cadernos, vejo que ela era preparada para um primeiro semestre de curso. nela, a disciplina era conceituada e delimitada. nela também eram apresentados os principais “fatores” de que o curso deveria tratar para, com eles, explicar, comparativamente, as semelhanças e as diferenças entre os sistemas educacionais das nações comparadas.2 Já em cadernos posteriores, do início da década de 1980, constam anotações de pesquisa e planos de aula em que a história da escola brasileira aparece inscrita em um programa de História da educação contemporânea.

subrepticiamente,3 eu havia redirecionado o percurso pela história das ideias previsto no programa oficial da

2 em 1973, deixei o departamento de metodologia e educação comparada onde lecionava didática e educação comparada e me transferi para o departamento de filosofia e ciências da educação para trabalhar com filosofia da educação. essa situação perdurou até o fim da década.

3 o termo é adequado, pois cheguei a ser advertida, em data que me foge à memória, pelo então chefe do departamento, prof. dr rui afonso da costa nunes, por não estar seguindo o programa oficial.

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disciplina, fazendo-o convergir para a compreensão do processo oitocentista de institucionalização da escola moderna, com ênfase no processo de constituição dos sistemas públicos de educação no final desse século e nas primeiras décadas do século XX. com essa estratégia, eu desembocava em questões de História da educação Brasileira, pondo em foco a institucionalização da escola republicana no Brasil, nas quatro primeiras décadas republicanas. mas não sem antes abandonar o programa prescrito, mergulhando em movimentos políticos e sociais, como a comuna de paris e o anarquismo. também, já nesses mesmos anos, e por toda a década de 1980, foram registradas em cadernos similares anotações sobre questões de história educacional nos séculos Xvi, Xvii, Xviii e XiX, especialmente preparadas para os cursos de História da educação Brasileira que passei a ministrar.

a resistência à mudança curricular era especialmente forte no departamento de filosofia e ciências da educação, em seus órgãos diretores, mas também entre os próprios professores de História e filosofia, até, pelo menos, meados da década de 1980. a crescente mobilização discente e docente, iniciada na segunda metade da década de 1970, começou a quebrar essa resistência, tornando possível, já em 1982, a inclusão da disciplina História da educação Brasileira na grade curricular, na forma de um curso semestral, no 4º ano.

não me foi possível discriminar, a partir dos papéis datilografados que reuni, qual foi a programação oficializada para esse curso. no entanto, no que restou de minhas anotações, encontro, em um caderno velho, o registro fragmentário de alguma das aulas que nele ministrei. ao que parece, o curso realizado no segundo semestre de 1982 alcançava a república, mas os registros do caderno evidenciam um grande investimento de pesquisa na história colonial.

a iniciativa de inclusão da disciplina na grade curricular fazia parte de um cenário mais amplo em que estavam em discussão temas que remetiam ao inesgotável debate acerca

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das diretrizes norteadoras da formação do educador e seus infindáveis desdobramentos em questões de configuração curricular. tais questões, latentes no cotidiano de alunos e professores, tensionavam suas práticas na década de 1970. mas foi na década de 1980, cadenciados pelas marchas e contramarchas do processo de abertura política do país, que os debates em torno desses temas ganharam as salas de aula, conquistaram os corredores e se impuseram institucionalmente como exigência de redefinição global do currículo de formação do educador. foi nesse contexto que, em 1985, se realizou um amplo debate institucional sobre os cursos de pedagogia e de licenciatura, que teve numerosa participação de alunos e professores. para coordenar esses debates, o então diretor da faculdade, antonio carlos campino, nomeou uma comissão, composta por três docentes4 e por dois representantes discentes designados pelo centro acadêmico.

foi nesse mesmo ano que participei de uma iniciativa estudantil paralela, como convidada para uma mesa-redonda sobre o curso de pedagogia promovida pelo centro acadêmico paulo freire. o tema que me foi então sugerido pelos organizadores do evento propunha que eu refletisse sobre a função da História da educação na formação do educador. entre os papéis, encontro, datilografada, a minha fala, cujas ideias principais resumo aqui, no intuito de recuperar o sentido das proposições sobre o ensino da História da educação que eu defendia em meados da década de 1980.

eu iniciei a minha fala sustentando que o ensino da disciplina era sempre formativo, mesmo quando se pretendesse puramente informativo. argumentava dizendo que a constituição de uma memória, no relato histórico constitutivo da disciplina, possibilitava aos estudantes “[...] simbolizar o seu lugar na sociedade, situando-se a si próprios e ao mundo em

4 os docentes que integraram essa comissão foram as professoras Belmira Bueno, pelo departamento de metodologia e educação comparada; carmen silvia vidigal de moraes, pelo departamento de administração escolar; e eu, pelo departamento de filosofia e ciências da educação.

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que vivem em um feixe de relações com o passado que apontam perspectivas de futuro” (carvalHo, 1985). considerava, assim, que a História da educação era disciplina inescapavelmente formativa, já que tornava possível a construção de uma identidade imaginária do aluno. e acrescentava que tal papel formativo era especialmente reforçado pela articulação da disciplina “[...] com outras disciplinas nos cursos de formação do magistério, nos quais está em jogo a construção da identidade imaginária ‘o educador’”.

atribuir à História da educação o caráter de disciplina formativa não significava para mim valorar a formação ministrada quaisquer que fossem os valores em jogo. o ponto de vista que eu então sustentava era o de que era necessário distinguir entre duas modalidades de ensino da disciplina, pensando-as como práticas distintas e valorando-as diferencialmente, positiva ou negativamente.

na primeira delas – eu sustentava – tal prática podia ser pensada como dispositivo de unificação imaginária dos agentes envolvidos na relação ensino-aprendizagem. a função formativa da História, neste caso, produz a ficção de uma unidade – “nação”, “humanidade”, “espírito humano”, “escola”, “povo”, “educador” e, mesmo, “classe social”– cujas manifestações, no decorrer do tempo (nunca atravessadas pela contradição), seriam colecionadas, registradas e exibidas na narrativa histórica. na produção dessas unidades, dissimula-se a divisão social, a contradição, a heterogeneidade e, com isso, é a própria historicidade dos objetos narrados que se esvai, capturada a sua particularidade, a sua especificidade, nas malhas de unidades atemporais. a produção de tais unidades fictícias possibilitaria ao indivíduo reconhecer-se imaginariamente como participante de uma totalidade cujo sentido lhe era revelado pelo relato histórico. esse relato, elidindo sua particularidade de discurso produzido numa situação determinada, apresentava-se pretensamente como relato de verdade. a situação de produção do saber histórico

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veiculado na prática escolar era, neste caso, elidida. em outras palavras, a historicidade da História, seu caráter de produção cultural datada, era escamoteada. dessa perspectiva não interessa exibir, na relação ensino-aprendizagem, o processo de produção do conhecimento histórico naquela situação. não interessa evidenciar a relação existente entre a informação histórica e mesmo a explicação histórica transmitida e o processo de sua produção. essa modalidade podia ser criticada – propunha – pela crítica de michel de certeau ao manual:

[...] o conteúdo do manual pode mudar: uma história econômica ou cultural substitui uma história puramente política ou diplomática. mas a maneira como a historiografia se constrói, as razões de suas modificações, etc., permanecem escondidas. o manual continua a ser autoritário. camufla o modo de produção das representações que fornece, a sua relação com os arquivos, com um meio histórico, com as problemáticas contemporâneas que determinam a sua fabricação etc (de certeau, 1978, p. 17).

o segundo tipo de modalidade – eu prosseguia – seria definível pela oposição ao primeiro. nele, a História é dispositivo de pulverização de unidades fictícias como as aludidas, exibindo seus limites pela desmontagem dos mecanismos – “saberes” – que as produzem. no processo de formação que tal modalidade de prática põe a funcionar, a constituição de uma identidade – também imaginária – coincide com a possibilidade de aquisição de um instrumento crítico que permita ao indivíduo situar-se em seu mundo presente, nas contradições que o atravessam, percebendo a sua particularidade histórica, sua diferença. nessa modalidade, a prática do ensino escolar da História seria pautada pela tentativa contínua de exibir os limites de si própria como prática: como intervenção sobre saberes cuja determinação procura exibir, exibindo também a sua própria determinação, o que significava poder evidenciar o processo de produção

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da História – que se dá na situação de sala de aula e fora dela – como produção que se faz a partir de um lugar social determinado, como prática atravessada pela contradição.

um ano depois, em 1986, fui convidada para avaliar, para a secretaria da educação do estado, planejamentos de História e filosofia da educação de professores dos cursos de Habilitação específica ao magistério. tive, então, nova possibilidade de articular por escrito os pontos de vista que vinha sustentando. os planos examinados obedeciam a diretrizes de um Guia curricular que prescrevia o seguinte objetivo para o ensino da História da educação: “[...] adquirir visão histórica das principais idéias e fatos que marcaram a definição dos fins, valores e ideais do mundo ocidental e, especialmente, da escola brasileira” (carvalHo, 1986, p. 43). com essa finalidade, o ensino de História da educação era proposto como “[...] instrumento da filosofia para o esclarecimento de conceitos indispensáveis em pedagogia” (p. 43). a introdução do documento explicava que a programação havia sido elaborada “[...] visando a compreensão das raízes da cultura ocidental e da origem das idéias que servem de suporte à educação brasileira”. com isso, evidenciava tratar-se de instrumentalização da História como operação de legitimação de valores e de ideais do presente, tidos como transistóricos e universais. a História da educação era assim proposta como instrumento de uma espécie particular de filosofia da educação, cujo objetivo era reconstituir o que por ela mesma era constituído como legado da cultura ocidental ou tradição cultural a ser preservada.

o ponto de vista crítico que sustentei então era o de que uma tal concepção das finalidades do ensino da História da educação traía o que é essencial ao trabalho historiográfico, ao dissolver a particularidade irredutível de práticas datadas em generalizações homogeneizadoras. com isso, esvaía-se a possibilidade de compreensão da historicidade própria das práticas sociais. a narrativa histórica que se constrói sobre o passado produzia a ficção de uma unidade – humanismo,

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humanidade, cultura ocidental, ou mesmo educação etc. – que era só unidade de ficção, pois dissimulava e deslocava a divisão social, a contradição e, ainda, a situação de sua produção. o discurso sobre o passado (que é só discurso, ou seja, particular, datado) se dá, em seu efeito de sentido, como relato de verdade que constitui um passado para validar um presente.

os pontos de vista expressos na mesa-redonda de que participei em 1985 e no parecer acima referido explicitavam as principais questões que eu então me colocava sobre o estatuto da disciplina. ambos insistiam em um ponto que me parecia fundamental: a importância de defender o papel formativo do ensino de História da educação, insistindo na necessidade de que a prática desse ensino se objetivasse como intervenção crítica atenta à historicidade do conhecimento histórico transmitido, entendido como conhecimento produzido em um lugar social determinado, como produto de uma prática atravessada pela contradição.

desde meados dos anos 1970, eu vinha propondo uma redefinição do perfil do ensino da História da educação, dando vazão a certo desconforto pessoal com as tendências então dominantes nesse campo, desconforto experimentado na situação de professora dessa disciplina e de pesquisadora. incomodavam-me, particularmente, algumas das representações sobre os objetivos desse ensino que tinham larga circulação em vários meios universitários. essas representações não eram sempre coincidentes. para alguns, a disciplina deveria autonomizar-se completamente de qualquer vinculação com a filosofia e ser ministrada de modo a compendiar um conjunto das informações entendido como síntese do processo histórico-educacional brasileiro. para outros, a História da educação deveria estar necessariamente subordinada a uma filosofia da educação, o que podia explicar a frequente fusão dos programas de História da educação e filosofia da educação nos cursos de formação de professores. mas, para estes, também não havia coincidência

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de posições. para alguns, o programa da disciplina História da educação deveria promover o contato do aluno com ideais e valores da humanidade considerados universais, assegurando-lhe um percurso de formação no campo da história das ideias pedagógicas. para outros, a História da educação era entendida como um ramo da filosofia da educação que deveria auxiliar o trabalho dessa disciplina na formação de educadores “conscientes” dos problemas educacionais do país.

no âmbito da faculdade de educação da usp, e a partir de meados da década de 1980, eu avaliava que propostas relativas ao ensino de História da educação tinham que lidar com duas tendências que se contrapunham no debate curricular em curso na instituição. a primeira delas, até então dominante, era resquício das concepções que, hegemônicas, haviam reservado para o ensino de História da educação, salvo engano, nada menos do que seis semestres no curso de pedagogia, imprimindo-lhe o perfil de disciplina atrelada ao ensino da filosofia da educação, disciplina que, por sua vez, era ministrada em mais quatro semestres. a segunda tendência, já dominante nas conversas de corredor e nos debates de sala de aula da instituição, aglutinava propostas muito variadas de redefinição global do curso que partilhavam uma meta comum: lutar pela diminuição da carga horária das disciplinas História da educação e filosofia da educação no currículo. predominava, entre professores e alunos que partilhavam essa meta, uma concepção muito restrita do papel da História da educação na formação do educador. segundo essa concepção, a função do ensino de História da educação no curso era puramente informativa, devendo se ater à transmissão de informações acerca da história do sistema de ensino brasileiro na república, já no primeiro ano do curso, de modo a dar ao aluno uma visão histórica condensada capaz de lhe fornecer a referência e a matéria das análises e das teorizações a que ele teria acesso ao cursar outras disciplinas do currículo, de vocação mais analítica e interpretativa, segundo entendiam.

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no contexto assim configurado, pareceu-me fundamental intervir no debate então em curso na faculdade, em duas frentes. na primeira delas, interessava problematizar a relação entre História da educação e filosofia da educação. na segunda, importava conduzir a reflexão e o debate sobre o ensino da História da educação para o âmbito mais amplo das discussões que se processavam, então, na universidade, em torno das macro e micropolíticas que vinham progressivamente promovendo a dissociação entre ensino e pesquisa. nas duas frentes, pareceu-me fundamental dar corpo a uma proposta de ensino da disciplina que recusasse o reducionismo das concepções que a instrumentalizavam como matéria tutelada seja pela filosofia, seja pela sociologia, seja por qualquer outra forma de saber sobre a educação, suas práticas, seus processos.

a partir dessas convicções, parecia-me importante atuar na redefinição do currículo e dos programas de História da educação, de modo a concretizar três objetivos: o primeiro deles consistia em recusar a pertença da disciplina ao campo dos fundamentos da educação, autonomizando-a do campo da filosofia; o segundo pretendia redefinir o perfil e a inserção das disciplinas de História da educação no curso de pedagogia, abandonando a ênfase até então dada à história das ideias pedagógicas e conferindo ao ensino ministrado o caráter de uma história social e cultural que fizesse da escola, da infância e da família os eixos temáticos articuladores dos programas; o terceiro visava a ampliar substancialmente o programa de História da educação Brasileira no currículo. por um lado, tratava-se de reagir à expectativa dominante que, como afirmei acima, atribuía à disciplina uma função bastante restritiva, meramente subsidiária de outras disciplinas, na formação do educador. por outro, tratava-se de favorecer a pesquisa no ensino da disciplina, fazendo-o funcionar como prática de introdução do aluno nos procedimentos de investigação científica no campo da História da educação brasileira. tratava-se de esboçar o programa da disciplina de

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modo a favorecer práticas capazes de levar o aluno a perceber o caráter lacunar e aberto à crítica e a novas investigações do conhecimento transmitido, entendido este como produto histórico de práticas particulares, datadas, perspectivadas a partir de seu lugar de produção.

para que se possa situar a questão no contexto do ensino que era então ministrado, em meados da década de 1980, na faculdade de educação, é importante saber que a grade curricu-lar do curso de pedagogia previa, então, seis semestres de His-tória da educação, distribuídos pelo segundo, terceiro e quarto ano do curso, e quatro semestres de filosofia da educação, mi-nistrada no primeiro e no quarto ano. nessa grade curricular, um semestre era reservado para a História da educação antiga, outro para História da educação medieval, dois semestres para História da educação moderna, um semestre para História da educação contemporânea e um semestre para História da edu-cação Brasileira. esse quadro se alterou em 1987, no bojo de um processo de reformulação curricular, quando a disciplina História da educação Brasileira teve ampliada sua inserção na grade curricular, passando a ser ministrada em dois semestres, no 4º ano do curso de pedagogia. tal ampliação se deu por ocasião de uma reforma curricular que o departamento de fi-losofia e ciências da educação realizou, abrangendo as disci-plinas sob sua responsabilidade. a partir de 1988, no âmbito de uma reforma mais ampla, que envolveu os três departamentos, a História da educação Brasileira passa a ser ministrada em três disciplinas, uma delas obrigatória, no curso básico, e as outras duas como disciplinas eletivas de uma Área de concentração que, no caso desse departamento, estavam direcionadas para a formação do pesquisador nas disciplinas a seu encargo – filo-sofia, sociologia, História e psicologia.

É assinado por mim e pelas professoras cynthia pereira de sousa vilhena e maria lucia pallares schaeffer5 o documento datado de 4 de dezembro de 1985, que encontro nos meus

5 Hoje cynthia pereira de sousa e maria lucia pallares- Burke.

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papéis, com proposta de reorganização curricular da Área de História da educação no curso de pedagogia, encaminhado ao então chefe do departamento de filosofia e ciências da educação, prof. dr. celso de rui Beisiegel. desde meados da década de 1970, eu e maria lúcia vínhamos frequentemente conversando e discutindo propostas de reorganização da grade curricular e da programação das disciplinas de História da educação moderna e contemporânea. nessas conversas, começamos a formular a ideia de sugerir ao departamento um modelo de grade curricular que reorganizasse essa programação. foi o que fizemos em 1985, quando encaminhamos ao chefe do departamento uma proposta de reorganização programática dessas disciplinas. a proposta contou com a adesão da professora cynthia de souza vilhena, como disse, e foi apresentada à área de História e filosofia da educação para ser discutida.

nesse documento, propúnhamos que a área de História da educação existente no departamento se subdividisse em duas subáreas e que, respeitada a carga horária total então vigente, o currículo condensasse os cursos de antiga, medieval e moderna em dois semestres e reservasse um semestre para História contemporânea e três para História da educação Brasileira. propúnhamos ainda que o programa de contemporânea fosse reformulado, tomando como eixo a história das instituições escolares nos séculos XiX e XX. Justificávamos essa mudança de eixo argumentando que ela não inviabilizaria o trabalho de história das ideias que vinha sendo feito na disciplina; apenas o redefiniria pela “[...] ênfase no papel dessas ideias no processo histórico de constituição dos sistemas públicos de educação e na transformação das práticas escolares” (vilHena; scHaeffer; carvalHo, 1985, p. 1, 2) além disso, mantínhamos os cursos de História antiga, medieval e moderna no campo dos estudos de história das idéias pedagógicas, respeitando a tradição neles vigente.

no ofício de encaminhamento da proposta, salvo a suges-tão de algumas diretrizes gerais como as acima mencionadas,

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não era apresentada proposta de programação para os cursos de História da educação Geral, já que essa programação havia sido elaborada e encaminhada para discussão pela prof. dra Gilda naécia maciel de Barros. diferentemente, para História da educação Brasileira eram reservados três cursos semestrais. para eles, o documento prescrevia manter “[...] a orientação de garantir espaço para o estudo de fontes primárias” (vilHena, scHaeffer e carvalHo, 1985, p. 3). além disso, como se pode ler a seguir, é possível depreender da temática aborda-da que os cursos conferiam às disciplinas uma acepção muito ampla, concebendo-as “[...] num sentido não restrito à história das instituições escolares” (p. 2) e conferindo-lhes um caráter abrangentemente cultural e social. assim, por exemplo, como também se pode ler a seguir, o curso sobre educação no perío-do colonial retomava temas de história moderna, analisando o expansionismo português nos quadros do capitalismo mercan-til, da expansão da cristandade, da contrarreforma, do renasci-mento; examinava a ação jesuítica nos séculos Xvi, Xvii e Xviii à luz da análise desses temas e da discussão de outros, como a política indigenista da coroa, a organização social das tribos tupis do litoral, a introdução da agricultura de exportação e a política colonizadora de ocupação e povoamento do território. em um outro tópico, a programação desse curso previa a explo-ração do tema escola, igreja e cultura em uma sociedade escra-vocrata, nos séculos Xvii e Xviii. nesse tópico, a programação previa o tratamento de temas como: festa e erudição barrocas: a teatralização do poder; o sermão como prática pedagógica; o padrão oral de circulação da cultura e a sátira baiana de Gregó-rio de matos e Guerra; a cultura letrada: coimbra, as academias da Bahia e do rio de Janeiro; os colégios jesuíticos. os cursos sobre educação nos séculos XiX e XX, mais centrados em temas de política escolar, não dispensavam articulá-los a questões de História política, social e cultural do pais, incluindo estudos sobre movimentos políticos, filosóficos, literários e religiosos (vilHena; scHaeffer; carvalHo, 1985).

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para dar conta de tal abrangência do programa, o documento previa a realização de uma programação de seminários. assim, estava previsto que os programas apresentados funcionassem como “espécie de roteiro de estudos” para professores da área que manifestassem interesse e se comprometessem a trabalhar na subárea de História da educação Brasileira. para tanto, o documento propunha a “[...] organização, já para 1986, antes portanto da provável implantação dos novos cursos em 1987, de um programa de seminários para o qual seriam convidados especialistas em temas de importância nuclear para o desenvolvimento dos programas” (vilHena; scHaeffer; carvalHo, 1985, p. 3). o documento recomendava ainda que, dada a envergadura do projeto que pressupunha um compromisso de longo prazo dos professores que nele se integrassem, as propostas que encaminhava fossem consideradas nas projeções de distribuição das atividades docentes nos anos seguintes.

levada à discussão na área, a proposta encontrou muita resistência e não foi aprovada. mas, alguns anos depois, em 1988, como fruto do lento e árduo processo de negociação que então se estabeleceu no interior da área e no bojo da reforma curricular então em curso na faculdade, ela foi de certo modo contemplada na grade curricular, que passou a prever disciplinas comuns e disciplinas eletivas, tornando possível ao aluno compor o seu currículo de modo a obter, se o desejasse, uma relativa especialização e iniciar-se na pesquisa em um campo escolhido entre as disciplinas ministradas por um dos departamentos. os debates que foram realizados acabaram por produzir uma proposta que buscou conciliar as posições então antagônicas na área de História e filosofia da educação. a grade curricular das disciplinas obrigatórias dessa área sofreu algumas modificações e o ensino de História da educação passou a ser nela organizado em dois grandes blocos: um, que abrangia o ensino da História da educação antiga, medieval e moderna e mantinha as relações até então vigentes entre

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História e filosofia da educação, era contemplado com três semestres e se estruturava no campo da História das ideias pedagógicas. o outro, que rompia com essa tradição e se estruturava como História social e cultural da educação, era contemplado com outros três semestres que abrangiam as épocas moderna e contemporânea, tendo três disciplinas: História da educação Brasileira, História da escolarização e História da infância e da família. essas disciplinas obrigatórias poderiam ser complementadas por disciplinas eletivas. no caso das disciplinas de História da educação Brasileira, foram propostas e aprovadas duas eletivas: História da educação na colônia e império e História da educação na república. assim, a partir de 1989, no bojo de ampla reforma curricular que abrangeu os cursos ministrados pelos três departamentos, a História da educação Brasileira passa a ser ministrada em três disciplinas, uma delas obrigatória, no curso básico, e as outras duas como disciplinas eletivas de uma das áreas de concentração que estruturavam o curso de pedagogia.

assim é que se institucionaliza, em 1988, já no âmbito geral da faculdade, um modelo de grade curricular no qual a programação de História moderna e contemporânea se distribuía em torno de dois grandes eixos, contemplados, cada um deles, por disciplinas distintas. como disse, um primeiro conjunto de disciplinas permanecia filiado à tradição de privilegiar a história das ideias pedagógicas. um segundo conjunto se organizava como história social da escola e do processo de escolarização na sociedade moderna e contemporânea e seria desenvolvido de modo articulado a estudos de História brasileira.

essa mudança curricular teve desdobramentos importantes no cotidiano institucional. até então, esperava-se que os docentes da área de História e filosofia da educação pudessem ministrar, em sistema de revezamento, tanto os cursos de História como os de filosofia. a partir de então, informalmente, passaram a existir dois núcleos relativamente

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distintos, com alguma autonomia para decidir sobre questões relativas à docência e à pesquisa. um deles ficou responsável pelas disciplinas História da educação Brasileira e História da educação Geral iii (moderna e contemporânea), v (História da escolarização) e vi (História da infância e da família), e o outro, responsável pelas disciplinas História da educação Geral i e ii e filosofia da educação i e ii. essa repartição tornou possível a contratação de novos docentes com perfil adequado à sua incorporação nesses núcleos informais.6

a existência de um núcleo informal de História da educação moderna e contemporânea7 no âmbito do departamento abriu um espaço de atuação importante: no lugar institucional nele produzido, tornou-se possível e pertinente discutir novas modalidades de articulação entre ensino e pesquisa e de sua institucionalização, articulando pesquisadores de História da educação Brasileira que vinham trabalhando na instituição, dentro e fora do departamento. a primeira delas foi a composição de um grupo interdepartamental, em 1989, articulado em torno de um programa de estudos cujo perfil foi delineado no texto Saber teórico e saber escolar. esse texto deveria dar suporte a um programa de intercâmbio internacional a ser realizado no âmbito do Programa de Pesquisas sobre Cultura Escolar Brasileira,8 elaborado com base em texto especialmente redigido pelo prof. dr. José mario pires azanha. ele estabelecia

6 nesses termos, é que foram contratados mediante concursos, um para as disciplinas de filosofia da educação, outro para as disciplinas de História da educação Geral iii, v e vi, respectivamente, os professores antonio Joaquim severino e marcos Barbosa de oliveira, pelo primeiro deles, e maria lucia Hilsdorf e Waldir cauvila, pelo segundo.7 esse núcleo estava originalmente composto pelas professoras cynthia vilhena, maria lucia pallares e marta carvalho, e foi ampliado, em 1989, com a contratação dos professores maria lucia Hilsdorf e Waldir cauvila.

8 participaram do projeto de intercâmbio institucional sustentado pelo subprojeto Saber teórico, saber escolar as professoras: cynthia pereira de souza, denice catani, maria cecília christiano de souza e marta maria chagas de carvalho. o texto que formula esse subprojeto nunca foi publicado. o texto que serviu de base à articulação da feusp ao referido convênio foi elaborado pelo prof. dr. José mario pires azanha e foi publicado na forma de artigo na Revista USP. azanha (2001).

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um recorte temático e conceitual desse programa, a partir do texto-base de autoria do professor José mario, procurando ser fiel aos interesses de pesquisa e aos referenciais teóricos que já vinham balizando o trabalho dos pesquisadores participantes. encontro-o entre os meus papéis.

o Programa de Pesquisas sobre Cultura Escolar Brasileira inscrevia-se em iniciativa da reitoria que objetivava impulsionar a pesquisa na universidade favorecendo a constituição de grupos institucionalmente articulados e internacionalizar a investigação financiando amplo intercâmbio internacional.9 o programa objetivava integrar “[...] um amplo conjunto de investigações (multi e interdisciplinares) capazes de cobrir o amplo espectro de manifestações culturais que ocorrem no ambiente escolar e que se objetivam em determinadas práticas” (faculdade de educação da universidade de são paulo, [198-], p. 8). tais investigações, propunha o programa, destinavam-se não somente a “[...] descrever estas práticas [...] como também identificar e deslindar os processos de sua formação, transformação e permanência” (p. 1). o recorte “saber teórico, saber escolar” previa o desenvolvimento de pesquisas sobre a inter-relação entre esses saberes, entre o chamado ‘saber pedagógico’ e aquele ’saber’ difuso, historicamente sedimentado no ambiente escolar”(p. 1).

a essa altura, no final da década de 1980, as professoras do pequeno núcleo informal de História da educação moderna e contemporânea já haviam defendido o doutorado e iniciavam seu processo de credenciamento na pós-Graduação. como elas, nos outros departamentos, uma nova geração de doutoras recém-tituladas passava a compor o corpo docente da instituição e trazia a pesquisa em História da educação Brasileira para o núcleo de sua atividade profissional. desde meados da década, eu já vinha mantendo intensa interlocução

9 o programa de intercâmbio internacional foi financiado por um convênio estabelecido entre a usp e o Bid – Convênio USP-BID Pesquisa Institucional – e vigorou entre 1990 e 1992. eu coordenei o projeto na feusp, juntamente com a profa. dra. Belmira Bueno.

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com algumas dessas professoras que, embora vinculadas a outras áreas ou departamentos, vinham desenvolvendo suas pesquisas no campo da História da educação Brasileira.10 tendo realizado suas teses de doutoramento no campo da pesquisa historiográfica sobre educação no Brasil, essas doutoras partilhavam comigo avaliações sobre a importância do trabalho em equipe com vistas à efetiva institucionalização da pesquisa na feusp.

rompendo as barreiras departamentais impostas por seus vínculos funcionais como docentes da instituição, essa nova geração de doutoras estava, assim, interessada em institucionalizar instâncias interdepartamentais que favorecessem o ensino na pós-graduação e a produção em equipe da pesquisa histórica sobre educação. na avaliação feita, a estrutura departamental existente não era de molde a facilitar o trabalho em equipe, trabalho esse que demandava um espaço institucional interdepartamental adequado ao seu desenvolvimento. foi assim que começaram a ser gestadas duas iniciativas, entendidas por nós, professoras, como complementares: a de criação de um centro de apoio à pesquisa e a de um espaço de articulação institucional na pós-Graduação.

o projeto de criação de um centro capaz de amparar e subsidiar a pesquisa no campo da História da educação é bem-sucedido. É assim que, em meados de 1993, o centro de memória da educação é criado por deliberação da congregação da faculdade de educação, que aprova proposta encaminhada por um grupo coordenado por mim e integrado pelas professoras carmen silvia vidigal de moraes, circe Bittencourt, cynthia pereira de sousa, denice catani, maria cecília cortez christiano de souza, maria lucia Hilsdorf.

10 destaco, especialmente, os contatos que vinha mantendo com a professora maria cecília christiano de souza, da área de psicologia do departamento de filosofia e ciências da educação, e com as professoras carmen silvia vidigal de moraes, do departamento de administração escolar, e denice Bárbara catani, do departamento de metodologia do ensino e educação comparada.

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contemporânea dessa iniciativa foi a criação, no interior da Área de concentração então existente no curso de pós-Graduação, de uma Área temática especificamente voltada para o ensino e para a pesquisa no campo da História da educação.

um perfil dessas iniciativas pode ser extraído de documento que elaborei, em meados da década de 1990, a pedido da chefia do departamento. o documento traçava um perfil da área de História da educação e apresentava um projeto para sua consolidação, com vistas à obtenção de claros para contratação de novos docentes. encontro, em meio aos meus papéis velhos, o que deve corresponder à versão original datilografada desse documento, que seria assinado por mim, na qualidade de coordenadora da Área temática de pós-Graduação História da educação e Historiografia, e por Waldir cauvilla, então coordenador da área na Graduação. nele, consta a informação de que a área de História da educação, composta por nove docentes, havia sido instituída a partir de um desdobramento da antiga área de História e filosofia da educação, de modo a atender “[...] a um redelineamento do perfil da pesquisa e da docência no campo da História da educação” (carvalHo; cauvilla, [199-], p. 1). tal desdobramento era justificado:

o antigo acoplamento – história e filosofia – traduzia orientação que privilegiava, desde a origem da constituição do departamento, a fusão entre estudos históricos e filosóficos, o que direcionava os primeiros para o campo da história das idéias pedagógicas. com o passar do tempo, a área foi redefinindo, gradativamente, o perfil do seu campo de trabalho. inicialmente, como conseqüência de novas demandas dos alunos da Graduação que reivindicavam maior ênfase no estudo da educação no Brasil e de história das instituições escolares. em seguida, sob o impacto das pesquisas realizadas pelos docentes que a integravam, destacando-se aí a importância do intercâmbio internacional iniciado pelo programa Bid i –pesquisa institucional. além dos já tradicionais estudos no campo da história das idéias pedagógicas, novas perspectivas e novas temáticas foram sendo nela incorporadas. neste movimento, a Área se abriu para iniciativas de pesquisa e docência interdepartamentais e

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ampliou o leque temático das disciplinas ministradas na pós-Graduação (carvalHo; cauvilla, s. d, p. 2).

a seguir, o documento apresentava as evidências da referida ampliação do campo da pesquisa e da docência. referia-se, inicialmente, à reforma curricular dos cursos de pedagogia e licenciatura realizada em 1988, que colocara sob responsabilidade da Área 8 cursos de Graduação em pedagogia, além de parcela dos novos cursos de introdução à educação, na licenciatura. chamava a atenção sobre a reconfiguração temática de significativa parcela dos cursos sob responsabilidade da Área, decorrente da incorporação de disciplinas que, abandonando o campo da história das ideias, “[...] passaram a enfatizar uma perspectiva sócio-cultural nos estudos históricos sobre educação”. É o que poderia ser constatado nos programas dos novos cursos de História da escolarização, história da infância e da família e na ampliação da carga horária reservada para cursos de História da educação Brasileira. em seguida, referia-se à instalação, em 1992, da Área temática de História da educação e Historiografia no programa de pós-Graduação, nos seguintes termos:

a decisão tomada pela Área de institucionalizar um campo in-terdepartamental de estudos em História da educação no pro-grama de pós-Graduação em educação da feusp originou-se de um conjunto de avaliações. em primeiro lugar, a de que era necessário desenvolver, com alunos de pós-Graduação, novas linhas de pesquisa que contemplassem os novos cam-pos temáticos que vinham redefinindo, internacionalmente, os estudos históricos sobre educação. em segundo lugar, o interesse em constituir uma instância interdepartamental de pesquisa que possibilitasse, aos docentes da Área, trabalhar coletivamente com os docentes de outros departamentos que, de fato, já vinham realizando suas pesquisas no campo da História da educação. finalmente, a necessidade de sedimen-tar, na pesquisa sobre História da educação, um conjunto de critérios e de parâmetros que a constituíssem como campo disciplinar dotado de regras e de procedimentos acadêmica-mente definidos (carvalHo; cauvilla, s. d., p. 3).

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dadas essas informações, o documento prossegue descrevendo o campo de docência e de pesquisa que a Área recobria na pós-Graduação:

a Área temática de história da educação e historiografia abrange, hoje, investigações historiográficas sobre educação em duas perspectivas: a de uma história sócio-cultural e a de uma história das idéias. a perspectiva sócio-cultural articula-se enfatizando o estudo dos processos de produção e divulgação dos saberes pedagógicos e o de suas apropriações nas práticas escolares. abrange também investigações sobre história das instituições escolares, sobre história da profissão docente, sobre história do livro e da leitura enquanto dispositivos de conformação de mentalidades e sobre história da educação no âmbito da instituição familiar. no campo da história das idéias, a Área concentra suas investigações no estudo das obras representativas das grandes tendências do pensamento pedagógico. assim, a Área [...] incentiva o desenvolvimento de nove linhas de pesquisa, a saber: a) História das instituições escolares; b) História das disciplinas escolares; c)História da profissão docente; d) saberes pedagógicos: produção, circulação e apropriação; e) educação e usos do impresso; f) História das práticas de leitura; g) História das idéias pedagógicas; h)História da infância e da família; i) História da educação feminina (carvalHo; cauvilla, s. d., p. 5).

a seguir, o documento passa a fazer uma espécie de ava-liação do desempenho da Área de História da educação, enu-merando as principais iniciativas tomadas na primeira metade da década de 1990, no intuito de “[...] aperfeiçoar a docência e desenvolver a pesquisa [...], suprindo suas principais lacunas” (carvalHo; cauvilla, s. d., p. 6). entre elas, destaco a or-ganização de “seminários ministrados por professores estran-geiros sobre temas de interesse central para o desenvolvimento das linhas de pesquisa instituídas na pós –Graduação”11 (p. 6-7).

11 entre 1992 e 1994, período em que coordenei a Área na pós-Graduação, diversos pesquisadores estrangeiros ministraram conferências e seminários contribuindo para o apuramento das linhas de pesquisa e para a elaboração de projetos de investigação. alguns desses seminários merecem destaque especial: os Seminários de História das Disciplinas Escolares, ministrados por andré chervel, em dezembro de 1992; o seminário Leitura: prescrições e representações, ministrado por anne-marie chartier, de 18 a 23 de outubro de

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ao lado dessas iniciativas, o documento dá destaque à institucionalização, em 1993, do centro de memória da educação da faculdade de educação da usp. iniciativa de um grupo de professoras, “[...] interessadas na institucionalização de mecanismos de suporte e integração interdepartamental da pesquisa no campo da História da educação”, o centro havia sido fruto da avaliação de que a pesquisa, nesse campo, vinha sendo “[...] especialmente afetada pela ausência de políticas institucionais de apoio ao levantamento, à preservação e à organização de fontes documentais primárias” (carvalHo; cauvilla, s. d., p. 8). para suprir essa lacuna, o centro propunha-se a um trabalho de “[...] constituição e organização de acervos documentais”. propunha-se, também, segundo o documento, a funcionar como instância institucional interdepartamental de articulação dos projetos de pesquisa histórica então em desenvolvimento na faculdade e a desenvolver projetos que aglutinassem

[...] pesquisa e ensino sobre os seguintes eixos temáticos do campo da História da educação escolar brasileira: a) História da instituição escolar; b) História das práticas escolares; c) História do livro e da imprensa pedagógica; d) História da leitura; e) História das relações escola e trabalho; f) História dos saberes pedagógicos; g) História dos agentes educacionais (carvalHo; cauvilla, s. d., p. 9).

ainda segundo o documento, o centro era organizado como espaço de trabalho interdepartamental de professores e alunos de graduação e pós-graduação, em interação com funcionários da biblioteca e da seção de apoio à pesquisa então existente na faculdade que tivessem em comum a preocupação “[...] com a

1992; os Seminários de História e Sociologia do Conhecimento, ministrados por peter Burke, em novembro de 1994; os Seminários de História e Sociologia das Práticas do Escrito, ministrados por anne- marie chartier, de 16 a 29 de agosto de 1994; e os Seminários Temáticos da Área de História da Educação e Historiografia realizados entre 1992 e 1994, ministrados por professores da Área e por pesquisadores estrangeiros convidados, destacando-se os ministrados por pierre caspard, antonio nóvoa e rogério fernandes.

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questão da produção historiográfica no campo da educação e com a salvaguarda da documentação bibliográfica e de fontes históricas” (carvalHo; cauvilla, s. d., p. 9). o documento registra ainda que os regimentos do centro estabeleciam que o grupo que havia tomado a iniciativa de sua organização se responsabilizaria por sua implementação, “[...] encarregando-se de sua gestão e da obtenção de recursos junto a agencias de financiamento por um período inicial de dois anos” (p. 9). após esse período, prosseguia, “[...] o centro seria gradativamente ampliado, por meio da participação, prevista nos regimentos, de docentes e alunos que desenvolvessem pesquisas no campo da História da educação” (p. 9).

nos anos iniciais de funcionamento do centro, o grupo responsável por sua institucionalização elaborou, com apoio de alunos de pós-Graduação, projeto institucional de pesquisa que obteve apoio da finep.12 sobre esse projeto, o documento acima referido registra:

o projeto desenvolve trabalhos historiográficos sobre educação no Brasil que sejam capazes de redirecionar os estudos nesta área para investigações centradas no estudo da escola, nas práticas e processos que a constituem e nos saberes que nela e sobre ela se articulam. para tanto, estrutura-se em torno do eixo temático – impressos, leituras e instituições

12 coordenado por mim e pela professora carmen sylvia vidigal moraes, o projeto foi integrado por sete subprojetos, a saber: Escolas de “Instrução Popular”: Materiais Escolares e Documentos Institucionais, coordenado pelas profas. dras. carmen sylvia vidigal moraes e circe maria fernandes Bittencourt; Imprensa Periódica Educacional Paulista (1890-1990), coordenado pelas profas dras. denice Barbara catani e cynthia pereira de sousa; Práticas e Representações de Leitura na Formação de Professores Paulistanos na Primeira República - Estudo do Caso da Escola Normal da Praça entre 1890 e 1930, coordenado pela profa. dra. maria cecília cortez christiano de souza; Tempos de Escola: Inventário das Instituições Escolares Femininas na Província de São Paulo, coordenado pela profa. dra. maria lúcia. spedo Hilsdorf; Práticas de Leitura e Reforma Escolar no Brasil (1920-1945), coordenado por mim, que incluiu as pesquisas Repertório de fontes sobre a reforma de Instrução Pública no Distrito Federal (1927-1935), desenvolvidas sob a responsabilidade da então doutoranda diana Gonçalves vidal; As práticas escolares: da escrita e da leitura nas escolas de Rio Claro (1940 a 1960), desenvolvido sob a responsabilidade da então doutoranda marilena Jorge Guedes de camargo

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escolares – de modo a contribuir para que os estudos sobre a escola a enraízem nas práticas materiais que a constituem como instituição determinada (carvalHo; cauvilla, s. d., p. 10).

e complementa, justificando:

quem se dedica à pesquisa sobre história da educação no Brasil encontra inúmeras dificuldade de acesso à documentação. esta situação é especialmente sensível hoje, na medida em que as novas tendências de pesquisa neste campo vêm cada vez mais exigindo o recurso a uma pluralidade de fontes documentais sobre a instituição escolar – sobre as práticas de seus agentes principais, professores e alunos; assim como sobre os saberes que nela e sobre ela se produzem – fontes,estas, que não são, em geral, adequadamente preservadas e organizadas com vistas à sua utilização por pesquisadores. o projeto vem responder a essa dificuldade, propondo-se a construir instrumentos de pesquisa a partir do levantamento, seleção e organização de fontes que facilitem o acesso do pesquisador à documentação. para tanto, prioriza a construção dos seguintes instrumentos de pesquisa;13 inventários, catálogos, coletâneas, levantamentos e guias de fontes [...] (carvalHo; cauvilla, s. d., p 11).

Já desde meados dos anos 1980, a pesquisa em História da educação começava a ganhar maior reconhecimento e prestígio no campo educacional, atraindo um número crescente de novos pesquisadores. nesse processo, teve importante papel o Grupo História da Educação da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (ANPED), que, criado em 1986, vinha se projetando nacionalmente

13 os instrumentos produzidos e publicados com recursos finep foram: Hilsdorf (1999); catani e sousa (org.). (1999). outros dois instrumentos de pesquisa, frutos de trabalho inicialmente apoiado pela finep e, alguns anos mais tarde, desenvolvido e concluído com recursos fapesp, são as publicações: moraes e alves (org.) ( 2002); moraes e alves, 2002. com recursos finep foi ainda publicado livro organizado por mim e por diana vidal (carvalHo; vidal, 2000). também uma versão brasileira do Banco de dados sobre manuais escolares emanuelle, sediada no inrp, em paris, foi inicialmente desenvolvida sob a responsabilidade da profa. dra circe Bittencourt, no âmbito do mesmo projeto, dando origem ao livres.

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como grupo de referência para os pesquisadores da área. aglutinando pesquisadores de todo o país, o Gt História da educação vinha encarecendo a importância do trabalho com fontes primárias e incentivando iniciativas de localização e referenciamento dessas fontes. minha participação nesse Gt, desde 1987, tornou-me especialmente sensível para questões relativas à preservação e organização de fontes documentais e interessada em encontrar mecanismos institucionais que assegurassem tratamento adequado a tais questões. como eu, minhas colegas também estavam bastante sensibilizadas para a questão, de modo que a criação do centro de memória da educação foi favorecida por essa ambiência. essa mesma ambiência proporcionou iniciativas de renovação do ensino da História da educação na pós-Graduação, como foi o caso de cursos que ministrei sobre a História da educação como História cultural. mas esse é um assunto para outro texto e para outras incursões da memória.

Referencias

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carvalHo, m. m. c. l’histoire de l’éducation au Brésil: traditions historiographiques et processus de rénovation de la discipline. Paedagogica Historica, v. 36, 2000.

carvalHo, m. m.c; vidal, d. G. (org.). Biblioteca e formação docente: percursos de leituras (1902-1935). Belo Horizonte/são paulo: autêntica editora/centro de memória da educação -feusp/ finep, 2000. 96 p.

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o ensino de História da educação

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carvalHo, m.m.c. considerações sobre o ensino da história da educação no Brasil. in: Gatti Junior, d; inÁcio filHo, G. História da educação em perspectiva: ensino, pesquisa, produção e novas investigações. campinas: autores associados. 2005.

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Hilsdorf, m.l. s. tempos de escola: fontes para a presença feminina na educação: são paulo, século XiX. são paulo: plêiade, 1999. 189 p.

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moraes, c. s. v.; alves. J. f. (org.). Inventário de fontes documentais: contribuição à pesquisa do ensino técnico no estado de são paulo. são paulo: imprensa oficial do estado - fapesp, 2002. 197 p.

moraes, c. s. v.; alves, J. f. (org.). escolas profissionais públicas do estado de são paulo: uma história em imagens. Álbum Fotográfico, são paulo: imprensa oficial do estado - fapesp, 2002. 239 p.

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brinCando nos Campos do sEnhor:anotaÇõEs para Uma história da

FormaÇÃo dos proFEssorEs E do Ensino da história da EdUCaÇÃo no brasil

mirian Jorge Warde

Introdução1

nas duas últimas décadas, no Brasil, escritos diversos registraram a preeminência da História da educação em relação às demais disciplinas da educação por suas novas temáticas, novas abordagens e novos questionários, expressos tanto no número de pesquisas como nas publicações que vêm se avolumando ao longo desses últimos tempos (dentre outros, nunes; carvalHo, 1993; Warde; carvalHo, 2000).

indica, sobremaneira, o crescimento e a diferenciação da História da educação, o surgimento de associações acadêmicas especializadas, responsáveis direta ou indiretamente pelo lançamento de periódicos e pela organização de eventos nacionais e internacionais, dedicados a temas diversos.

essa seria uma importante evidência de que, no Brasil, a História da educação estaria amadurecendo em relação a um elemento decisivo na configuração de uma disciplina acadêmica: o desenvolvimento de suas pesquisas e o interesse crescente de tornar público os seus resultados.

enquanto têm sido alardeadas as mudanças na História da educação, quer em relação ao volume, quer em relação às características das suas pesquisas e publicações, pouco se comenta a respeito das condições de seu ensino, isto é, pouco

1 devo a maria das mercês ferreira sampaio, mais uma vez, as correções e os comentários preciosos às diferentes versões deste texto. as falhas que por ventura tenham restado devem ser imputadas à autora.

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se sabe, se, com referência a esse aspecto, a disciplina estaria sofrendo mudanças em consequência da utilização em sala de aula das novas descobertas e da circulação de novos trabalhos. mas não só por isso, como também e principalmente pelas transformações que teriam ocorrido no perfil dos professores responsáveis pela disciplina nos cursos em que é oferecida regularmente.

a História da educação é oferecida obrigatória e quase exclusivamente nos cursos de pedagogia. não se tem o dado preciso, mas, pelas informações colhidas em diversas instituições de ensino superior, é rara a sua inclusão em outra licenciatura. quanto à sua oferta nos planos de cursos de pós-graduação, pode-se afirmar que poucos mestrados ou doutorados em educação a têm como obrigatória e poucos a oferecem regularmente; quando o fazem, a disciplina se destina apenas aos alunos inscritos nas linhas de pesquisa especificamente voltadas aos estudos e pesquisas históricas. nesses casos, verifica-se a predominância de disciplinas organizadas em torno de temas específicos.

em suma, a disciplina História da educação é obrigatória e regularmente oferecida nos cursos de pedagogia e, com poucas exceções, é proposta em caráter eletivo ou facultativo em programas de pós-graduação em educação. sendo assim, é cabível cogitar que a disciplina esteja atravessada por tendências, intenções ou mesmo objetivos opostos, uma vez que o curso de pedagogia vem sendo constrangido, há um tempo, a adotar um padrão mais técnico – o que implica, dentre outros efeitos, a redução do espaço para as disciplinas ditas de “fundamentos” e o maior interesse pelas questões prático-imediatas – enquanto os programas de pós-graduação vêm sendo estimulados a caminhar no sentido quase que oposto, ou seja, da pesquisa e da produção intelectual intensivas.

além disso, o investimento em pesquisa e em produção escrita estimula a especialização, isto é, certa concentração temática, e é isso o que se tem observado nos escritos de

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História da educação. ao menos por certo período, docentes-autores têm se dedicado a determinados âmbitos temáticos – infância, leitura, reformas escolares, livros didáticos, por exemplo; em contrapartida, nos currículos dos cursos de pedagogia – como ocorre nos tradicionais bacharelados de ciências Humanas – as disciplinas de “fundamentos” não tendem à formação especializada e sim à generalista.

como essas tendências opostas têm sido equacionadas? em que direção os professores de História da educação têm sido demandados por colegas e alunos da graduação: a serem mais práticos e a considerarem mais o presente, ou o inverso? a tratarem de assuntos ou períodos históricos mais específicos ou oferecerem tratamento amplo de vários períodos da História? os colegas de outras disciplinas e os alunos da graduação são leitores dos trabalhos dos professores de História da educação ou eles circulam apenas entre os pares da disciplina?

o recente crescimento de orientandos de iniciação científica que se constata nos currículos dos docentes/pesquisadores/autores de História da educação não representa direta e mecanicamente o que se passa com o ensino da disciplina na graduação; bem ao contrário, esse crescimento torna mais complexa a sua compreensão, uma vez que investir em orientandos de iniciação científica poderia ser a condição de sobrevida da disciplina em um curso de tendências ultraprofissionalizantes e “present-mindedness”:2 enquanto a maioria dos alunos (e, indiretamente, os demais professores) receberia o que pede, ou seja, o “cobre” da História, os orientandos da iniciação científica receberiam o “ouro” da pesquisa e das leituras mais avançadas, principalmente se incluídos nas atividades dos grupos de pesquisa compostos de outros pesquisadores, bem como de alunos de mestrado e doutorado. os bolsistas de iniciação científica poderiam,

2 a expressão “present-mindedness” é comum em escritos acadêmicos norte-americanos e se apresenta, em algumas situações, como um quase-conceito. aqui, como no texto de onde o extrai, o sentido é simples: “fixação pelo presente”, “ultrapresentismo” ou equivalentes.

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assim, alimentar a demanda qualificada de orientação no mestrado e, posteriormente, no doutorado.

vale, então, indagar se os grupos de pesquisa têm contribuído para o equacionamento, ou, ao menos, para a acomodação das tensões que atravessam a disciplina. É preciso verificar; porém, é mais provável que sim, uma vez que os grupos de pesquisa têm colaborado para a redução dos efeitos deletérios dos departamentos sobre as disciplinas, bem como têm contribuído diretamente para a formação de novos pesquisadores desde a iniciação científica até o doutorado, sem considerar a recente inclusão de estágios pós-doutorais.

por certo que os grupos de pesquisa vicejam em uma direção às vezes não manifesta, mas incontestavelmente antidepartamental. em certo sentido, esses grupos recuperam a cátedra nos seus aspectos mais vantajosos, purgada de suas características mais crassas. ou seja, restauram a cátedra no sentido em que o grupo também cimenta os compromissos pessoais, assim como firma vínculos intelectuais e profissionais, que conferem vistos de ingresso – mais ou menos sutis, mais ou menos duradouros – a postos acadêmicos e a redes intelectuais. mas, também, demarcam exclusões e oposições (cf. discussão a respeito em Warde, 2002, 2003).

essas e outras questões conduziram as atenções, aqui, para o professor de História da educação e, de maneira mais detalhada, à sua formação; deslocando, assim, o foco de estudos anteriores centrados nas pesquisas de História da educação (dentre outros, Bontempi, 1995, 2001; Barreira, 1995; Warde, 1984, 1994).

o perfil acadêmico dos docentes foi traçado a partir das informações por eles mesmos fornecidas na plataforma lattes do cnpq, cotejadas ou acrescentadas de dados colhidos em outras fontes, tais como, os sites de: programas de pós-graduação em educação e suas publicações periódicas, sociedade Brasileira de História da educação (sBHe), associação sul-rio-Grandense de pesquisadores em História

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da educação (aspHe), Grupo de estudos e pesquisas “História, sociedade e educação no Brasil” (HistedBr) e suas respectivas publicações periódicas.3

foram selecionados 140 currículos de professores doutores brasileiros que mantêm trajetórias acadêmicas regulares, exclusiva ou dominantemente dedicadas à História da educação quer em seus aspectos mais gerais, quer em seus temas mais específicos, como infância, alfabetização, intelectuais, dentre outros. para a seleção desses currículos, foram adotados critérios singelos, mas cuidadosamente aplicados: vínculos profissionais estáveis, acrescidos de relações consolidadas e privilegiadas com a disciplina expressas no ensino e na publicação de supostos resultados de pesquisa.

foram deixados de fora: os docentes de História da educação cujos vínculos institucionais e disciplinares são eventuais; os que não registraram qualquer modalidade de produção acadêmica nos últimos cinco anos; os que não atualizaram qualquer base de dados – principalmente a plataforma Lattes – desde início de 2008. com isso, ficaram de fora os professores “quase-anônimos” que constituem a grande maioria dos responsáveis pelo ensino de História da educação nas centenas de cursos de pedagogia existentes. também ficaram de fora alguns “muito-conhecidos” que, por exemplo, estão há tempo afastados da docência ou cuja produção intelectual está suspensa ou, pelo menos, não está registrada nas bases de dados disponíveis on-line.

um comentário adicional sobre a composição da amostra: em termos estatísticos bem simples, a amostra aqui examinada tem características estratificadas, uma vez que os docentes que são pesquisadores/autores com vínculos profissionais estáveis

3 embora a plataforma lattes do cnpq não tenha sido a única, foi a principal fonte de dados e informações apresentados neste artigo, principalmente porque não há outra base de dados tão ampla que se possa consultar a respeito de docentes-pesquisadores brasileiros. a maioria das ies brasileiras não mantém páginas institucionais com informações relevantes e atualizadas sobre os cursos, seus docentes, suas disciplinas e pesquisas dentre outras informações e dados.

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foram considerados um subgrupo da população de professores de História da educação. para compor uma representação mais homogênea desse subgrupo, fizeram-se os descartes acima referidos; em compensação, foram considerados todos os indivíduos a ele pertencentes, segundo, obviamente, as fontes consultadas. isso quer dizer que os 140 docentes de que trata este texto constituem a população integral a que se pode chegar do subgrupo docentes/pesquisadores/autores.

os procedimentos de análise aqui utilizados reiteram as orientações adotadas em outros trabalhos (Warde,1998; lepenies, 1983, 1996). no entanto, as inspirações temáticas imediatas vieram de dois textos muito distintos: o artigo de darnton, História intelectual e cultural (1990), e a sessão de entrevistas Interchange, de setembro de 2005 do Journal of American History.4

a recente releitura do artigo de darnton inspirou, particularmente, o uso de instrumentos estatísticos. o seu tema, poder-se-ia dizer, é o quase-oposto deste; ele fala do “[...] mal-estar entre os historiadores das idéias nos estados unidos” por conta do sentimento de que sua “disciplina” teria sido rebaixada em favor de uma multifacetada história cultural (darnton, 1990, p. 175). utilizando-se de análises estatísticas, darnton (1990, p. 187) mostra serem infundadas as chorumelas dos historiadores das ideias norte-americanos, uma vez que a história intelectual teria “[...] oscilado muito pouco – tão pouco, na verdade, que sua prática parece desmentir as lamúrias de seus praticantes”. na sequência, diz, com a forte carga jocosa que lhe é peculiar:

que insulto descrever o estudo das idéias com estatísticas e gráficos! todo o esforço cheira a quantificação da cultura, a intromissão da ciência social em lugares onde não tem nada a fazer, a tentativa de reduzir a vida do espírito à sociologia do conhecimento. melhor pregar gelatina na parede (darnton, 1990, p. 188).

4 o artigo de r. darnton foi publicado originalmente em 1980, com o título the past before us: contemporary historical writing in the united states.

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não se tem muito a acrescentar, apenas que o título sugere exatamente a vontade de “quebrar” a sisudez de um ambiente um tanto afeito a reverências.

quanto às entrevistas: o Journal of american History é publicado pela organization of american Historians desde 1964. em 2003, esse Journal inaugurou uma sessão anual denominada “interchange” na qual historiadores-sênior são convidados a falar sobre temas ligados à sua prática e à sua profissão; na matéria de 2005, a sessão trata do ensino de História em “faculdades profissionais” (“professional schools”), tais como as faculdades de educação, direito, medicina dentre outras. suas perguntas e respostas ofereceram excelentes pistas para o questionário aqui desenvolvido.

As áreas e os locais de formação

onde, quando e em que se formaram os docentes/pesquisadores/autores de História da educação que estão em plena atividade? comecemos pelas áreas de formação.

na tabela 1, chama a atenção a incidência relativamente baixa em pedagogia, uma vez que aqui se trata de uma disciplina inerente a esse curso. os dados relativos ao mestrado e ao doutorado ajudarão a explicar esses resultados e darão um novo sentido a eles, quando considerados apenas no âmbito dos cursos de graduação. por enquanto, vale registrar alguns aspectos, ainda quanto a essa incidência: dos 58 que cursaram pedagogia, 11 cursaram também outra graduação; ao que parece, todos realizaram aqueles estudos na modalidade integral e não como complementação pedagógica.5

no que tange às outras incidências, chama a atenção a grande presença de formados em História (27,2%), de um lado, em comparação com a pedagogia e, de outro, em

5 dentre os 11 os que cursaram pedagogia e outra graduação: sete completaram História, três filosofia e um educação artística.

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relação à filosofia. quanto à pedagogia, é conveniente adiar as considerações até que sejam apresentados os dados dos estudos pós-graduados; em relação à filosofia, esta deve ser uma tendência efetivamente recente: os formados em História devem estar crescentemente substituindo os formados em filosofia que já prevaleceram em décadas anteriores. em complemento, é interessante verificar que formados em filosofia ainda prevalecem sobre os formados em ciências sociais que têm, em tese, formação mais próxima da História. de qualquer modo, eles também parecem estar sendo substituídos pela formação ou em pedagogia ou em História.

tabela 1 – Área de formação na graduação

GraduaçãoÁrea F %Educação 58 35,8História 44 27,2Filosofia 13 8,0Ciências Sociais 10 6,2Educação Física 7 4,3Psicologia 3 1,9Matemática 3 1,9Letras 2 1,2Outras* 15 9,2NI 7 4,3total 162** 100

*frequência um (1) = 15**19 docentes completaram dois ou mais cursos de graduação

vale destacar que, independentemente do que os dados dos estudos pós-graduados possam elucidar sobre as incidências nos cursos de graduação de origem, o certo é que mais da metade (57,4%) dos postos de docência de História da educação estão preenchidos sem exigência de formação em pedagogia, ou seja, de formação no curso em que a disciplina é oferecida obrigatória e sistematicamente.

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os dados dos cursos de mestrado e de doutorado são muitos diferentes, uma vez que indicam enorme concentração nos cursos de educação (tabela 2)

tabela 2 – Área de formação no mestrado e no doutorado

Mestrado DoutoradoÁrea F % Área F %Educação 108 77,1 Educação 114 81,4História 18 12,9 História 24 17,2Sociologia 2 1,4 Sociologia 1 0,7Outros* 6 4,3 - - -NI 6 4,3 NI 1 0,7total 140 100 total 140 100

*frequência um (1) = 6

um primeiro aspecto a ser destacado diz respeito ao nítido sentido de especialização do mestrado e, especialmente, do doutorado, uma vez que, próximo de 77% no mestrado, e de 81% no doutorado se titularam em educação. a diferença entre os titulados em História e em educação é muito grande, o que significa que a maioria dos graduados em outras áreas se deslocou para a área de educação, buscando aí a sua especialização. no doutorado, a procura pela educação foi ainda maior, mas também cresceu um pouco a incidência sobre a História; em compensação, as demais áreas praticamente desapareceram no doutorado.

dado relevante a ser examinado com maiores detalhes diz respeito aos quase 18% de docentes de História da educação que fizeram toda ou 23 da formação fora da área de educação, isto é, na área de História. não se trata de um problema, até porque o contingente não é significativo; interessa apenas verificar quais têm sido os mecanismos ou procedimentos adotados pelos oriundos de outras áreas, mais particularmente da História, para se tornarem partícipes não apenas da disciplina que lecionam, mas do conjunto

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da área da educação, com todas as demandas que lhe são características.

as instituições e os programas de pós-graduação nos quais foram completados os estudos superiores indicam um nível de formação dos docentes/pesquisadores/autores de História da educação acima da média, considerados os parâmetros nacionais.6 na tabela 3, estão reunidos os dados relativos às ies de formação na graduação, no mestrado e no doutorado.

tabela 3 – instituições de formação na graduação, no mestrado e no doutorado

InstituiçãoGraduação F % Mestrado F % Doutorado F %USP 20 12,3 PUC/SP 28 20,0 PUC/SP 44 31,4

UFMG 10 6,2 UFMG 14 10,0 USP 40 28,6

PUC/SP 10 6,2 UNICAMP 13 9,4 UNICAMP 19 13,6

UFU 7 4,3 USP 10 7,2 UFRGS 6 4,3

UFPr 7 4,3 PUC/RJ 8 5,8 UFMG 5 3,6

UFRJ 6 3,7 UFF 7 5,0 PUC/RJ 5 3,6

UFF 6 3,7 FGV/ IESAE 4 2,9 UFF 3 2,1

PUC/RJ 5 3,1 UFPr 4 2,9 UNESP 3 2,1

UFES 5 3,1 UFES 3 2,1 UFPr 2 1,4

UNESP 5 3,1 UFRGS 3 2,1

PUC-Campinas 4 2,5 UFS 3 2,1

UNICAMP 4 2,5 UFU 3 2,1

UFS 4 2,5 UNIMEP 3 2,1

UFRGS 3 1,9 UFMS 2 1,4

UFPe 3 1,9 UFRJ 2 1,4

UFRN 3 1,9 UFSCar 2 1,4

UMC 2 1,2 UnB 2 1,4

UEM 2 1,2

UFPel 2 1,2

UFBa 2 1,2

UFMS 2 1,2

Outras* 45 27,7 Outros** 23 16,4 Outros*** 12 8,6

NI 5 3,1 NI 6 4,3 NI 1 0,7

total 162 100 total 140 100 total 140 100

*frequência um (1) = 45 **frequência um (1) = 23 ***frequência um (1) = 12

6 foram consideradas as avaliações dos programas à época das titulações.

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o ensino de História da educação

quanto às instituições da graduação, merecem atenção tanto a distância da usp em relação às demais quanto a relativamente baixas frequências de ies de grande porte e de larga tradição na disciplina, tais como puc/rJ, uff, unesp, unicamp, ufrGs, dentre outras.

no que tange ao mestrado e ao doutorado, as incidências na puc/sp, ou melhor, no programa de educação: História, política, sociedade (eHps) são espantosas. as informações disponíveis são insuficientes para que se esboce uma interpretação razoável; são necessários outros dados que deem conta dessa concentração que não pode ser explicada pela dimensão do programa – afinal, pequena em relação aos demais programas arrolados.

merece destaque, por outro lado, a presença ativa, entre os docentes/pesquisadores/autores, de quatro titulados no mestrado do iesae da fGv do rio de Janeiro, considerando que o curso foi extinto em 1990; trata-se de número equivalente ou mesmo superior a programas de grande dimensão e muito bem qualificados.

Há de se ter claro que as distribuições acima não correspondem plenamente aos cursos da área de educação quer na graduação, quer na pós-graduação. É o que mostra a tabela 4 na qual, a título de exemplo, foram registradas apenas as frequências iguais ou acima de quatro nas áreas de educação e História. essa distribuição por área e instituição torna mais espantosa a concentração no programa de eHps da puc/sp, uma vez que é o único responsável pela presença da puc/sp na formação pós-graduada dos docentes/pesquisadores/autores selecionados. em contrapartida, reduz consideravelmente a incidência no doutorado em educação da usp.

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tabela 4 – instituições e principais áreas de formação na graduação, no mestrado e no doutorado

ÁreaInstituição

Graduação F Mestrado F Doutorado F

EDU

CA

ÇÃ

O

USP 7 PUC/SP 28 PUC/SP 44

UNESP 5 UFMG 12 USP 25PUC/SP 5 UNICAMP 10 UNICAMP 17UFMG 4 PUC/RJ 8 UFRGS 6UFU 4 USP 7 PUC/RJ 5

FGV/IESAE 4 UFMG 5

HIS

tÓR

IA USP8 UFF 4 USP 14

UFF5 - - - -

com base nesses dados, não há como elidir o fato de, na disciplina História da educação, haver predomínio do sudeste, em particular, de são paulo. esse aspecto está destacado na tabela abaixo:

tabela 5 – distribuição regional da formação na graduação, no mestrado e no doutorado

RegiãoNível

Graduação % Mestrado % Doutorado %Sudeste 107 66,1 104 74,3 122 87,1

Sul 27 16,7 12 8,6 10 7,1Nordeste 16 9,9 9 6,4 - -

Centro-Oeste 5 3,1 6 4,3 - -Norte 1 0,6 - - - -

Exterior - - 3 2,1 7 5,1NI 6 3,6 6 4,3 1 0,7

total 162 100 140 100 140 100

essa distribuição sugere distorção tanto em relação à formação como à produção do conhecimento: o norte não titulou sequer um dos 140 docentes/pesquisadores/autores, e três regiões do país não participaram da formação desses docentes. a presença do sul nos três níveis de formação foi muito acanhada, a considerar a solidez e a tradição institucional

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o ensino de História da educação

dos três estados que compõem a região, particularmente, no que tange aos estudos sócio-históricos.

Os anos de formação

para fechar este tópico, algumas considerações em torno da época de formação dos docentes selecionados a partir dos dados que se apresentam na tabela 6 e no gráfico nela baseado.

tabela 6 – conclusão da graduação, do mestrado e do doutorado

Ano Nível

Graduação Mestrado DoutoradoF % F % F

-1959 1 0,7 - - -1960-1969 22 13,5 1 0,7 -1970-1979 43 26,5 21 15,0 21980-1989 61 37,6 32 22,8 151990-1999 26 16,0 68 48,6 562000-2009 2 1,4 12 8,6 66

NI 7 4,3 6 4,3 1total 162 100 140 100 140

Gráfico 1 – conclusão da graduação, do mestrado e do doutorado

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a metáfora arquitetônica é irresistível: a sequência, por três décadas, das maiores frequências de formados na graduação, no mestrado e no doutorado parece realização de um perfeito plano kantiano. mas, por sorte ou por azar, as disciplinas não funcionam aos gostos nem especulativos, nem planejadores: a sequência destacada na tabela e no gráfico acima indica apenas que a maior renovação na História da educação se deu com a geração que concluiu seus cursos de graduação nos anos 80 e que é a mesma geração que completou o mestrado na década dos anos 90, bem como o doutorado que seguiu crescendo na primeira década do século XXi.7

esse é o momento em que tem início a renovação de docentes/pesquisadores/autores seja pelo afastamento dos antigos quadros, seja pela ampliação de vagas; portanto, é o momento em que as novas temáticas, novas abordagens etc. começam a ser postas em circulação pelos historiadores da educação já comprometidos com a disciplina desde anos anteriores, dando início às mudanças referidas logo ao início. Há de se entender que são esses docentes graduados aproximadamente entre a década dos anos 70 e começos dos anos 80, titulados entre anos 80 e começos dos anos 90, que conduziram as mudanças, formaram/orientaram os novos quadros nos cursos de pós-graduação já sob novas perspectivas – em muitos casos, melhor seria ainda dizer que atraíram os novos exatamente por conta dessas novas perspectivas – e, de muitas formas, participaram dos processos que resultaram em suas contratações para a docência e pesquisa em História da educação. esses quadros representam mais de 40% dos professores de História da educação que estão integral ou parcialmente na ativa.

7 a referência à metáfora arquitetônica se deve ao brilhante texto de lepenies de 1983. diz ele (p. 38-39): “presque tous les philosophes recourent à des métaphores architecturales [...] Kant [...] définit une science comme un système qui, ‘architectoniquement’, doit être traité comme un ‘tout auto-suffisant […], un bâtiment séparé et indépendant […] et non une aile ou une annexe d’un autre bâtiment”’.

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Os orientadores e as redes de relações

as considerações acima insinuam que as relações de orientação têm prevalecido sobre elementos do processo formativo. essa é uma boa hipótese a ser explorada; a seu favor, somam alguns fatores relativamente simples: de um lado, nos programas de pós-graduação em educação têm sido alargadas as fronteiras que separam as áreas de concentração/linhas/grupos em torno dos quais vão gravitando as disciplinas e atividades; de outro lado, áreas de concentração/linhas/grupos, como as de História da educação, com forte tendência autonômica dos seus interesses, de seus veículos de expressão e dos seus mecanismos de ocupação e controle do campo acadêmico ganham mais recursos para operar o cerco das fronteiras e justificar a sua capacidade de autonomia. no âmbito das áreas de concentração, linhas ou grupos de pesquisa, a liderança tende a se identificar com os orientadores, reforçando-se assim aquele pendor acima referido de o grupo de pesquisa manifestar traços da cátedra ainda que mais civilizados ou, se quiser, menos selvagens nas armas e nas práticas adotadas.

com essas tendências em mente, cabe verificar se os orientadores vêm de fato ocupando lugar mais central e exercendo papel mais decisivo na formação dos docentes de História da educação – com tudo o que isso implica: pesquisa, ensino, autoria etc. – do que qualquer outro elemento dos que compõem o processo formativo. É pertinente cogitar também se os vínculos e os compromissos – pessoais, intelectuais, profissionais – da orientação se estendem para a instituição de trabalho e para as redes de relações que formam e que se formam nas associações acadêmicas, nos periódicos e em outros lugares que entram na configuração da disciplina.

embora essa hipótese sugira relações hierárquicas tanto individuais quanto geracionais, tudo indica que não se deve elaborá-la nesse sentido; é mais provável que se deva enunciá-la na direção quase-oposta, ou seja, de não haver evidências

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suficientes de que, com raras exceções, orientadores permane-çam no centro ou no alto das redes de relações, uma vez encer-rados os compromissos acadêmicos imediatos, isto é, uma vez defendida a dissertação ou a tese. em contrapartida, há algumas evidências de que as relações formadas a partir das relações de orientação, destacadamente as relações entre orientandos de um mesmo orientador, tendem a gerar compromissos, recipro-cidades etc. que se estendem para além do ciclo de estudos e para além dos postos acadêmicos.

qualquer que seja a direção que se queira dar aos estudos sobre a disciplina História da educação, o certo é que a amostra aqui considerada indica grande concentração em poucos orientadores, e poucas incidências em grande número de nomes, como se pode verificar na tabela a seguir.

tabela 7 – orientadores de doutorado e de mestrado

Orientador F F + %A 19

51 20,7

B 18C 7D 7E 4

19 7,7

F 3G 3H 3I 3J 3K 2

17671,6

L 2M 2N 2O 2P 2Q 2R 2S 2T 2U 2V 2W 2X 2Y 2Z 2

AA 2BB 2CC 2DD 2

Outros 136total 246 246 100

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somados, são 246 nomes registrados como orientadores de mestrado e doutorado, dos quais apenas 30 se repetem nos dois níveis:8 156 orientaram individualmente apenas um ou dois docentes e no total responderam por 176 (71,6%) orientações; seis orientaram dois a três docentes cada um e no total responderam por 19 (7,7%) orientações. por fim, quatro orientadores são responsáveis por 7 a 19 orientações; no total, esses poucos orientadores responderam por 51 (20,7%) orientações.9

a distribuição acima reitera – por sua preponderante dispersão – de um lado, a alta concentração em poucos nomes; de outro, a hipótese aventada há alguns parágrafos: as relações verticais de orientação não têm pesado significava e duradouramente para a configuração da disciplina História da educação, uma vez que não lhe oferecem diretamente redes de sustentação. por outro lado, os quatro orientadores com maior incidência revelam o potencial agregador do orientador, primeiro em torno de si e, posteriormente, a partir de si. ou seja, é possível que, nos próximos anos, esse potencial venha a se realizar.

com essa tendência em mente, foram mapeadas as orientações desdobradas dos primeiros orientadores no âmbito da História da educação. os resultados são instigantes, embora bastante preliminares, uma vez que apenas 46 (32,9%) dos 140 docentes registravam orientações de dissertação ou tese concluídas em começos de 2010: um número razoável

8 este estudo mostra como, em algumas carreiras ou instituições, declina a relevância dos cursos de graduação e mesmo de mestrado. mas, não sendo universal a desvalorização do mestrado no mercado acadêmico, as orientações nesse nível foram não só consideradas como ganharam o mesmo peso das orientações de doutorado. influenciou essa decisão, também, o fato de parte dos docentes da amostra não ter registrado orientações desse tipo em seus currículos. cabe informar que as repetições dos mesmos orientandos no mestrado e no doutorado foram descartadas.

9 as referências às orientações de que trata este texto dizem respeito exclusivamente ao âmbito da História da educação e, mais especificamente, aos membros da amostra. ou seja, não há qualquer alusão ao número total de ex-orientandos de cada docente.

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de ex-orientandos dos docentes-orientadores com as maiores frequências já levara à titulação mestrandos e doutorandos que constam desta amostra de docentes de História da educação. com a figura 1 se pode ter uma ideia razoável da rede de orientações, portanto, de relações internas à História da educação.

Figura 1 – redes e “linhagens” de orientação

o docente-orientador A tem 19 ex-orientandos dos quais cinco já orientaram 13 docentes; todos pertencem à amostra. A é um dos cinco ex-orientandos de C que se dedicam à História da educação e os seus 19 ex-orientandos estão contabilizados nos 27 da linhagem de C. o docente-orientador D é um dos 19 orientandos de A e já conduziu à titulação sete docentes da amostra; por enquanto, sua “linhagem na História da educação” ainda não se desdobrou. entre os quatro ex-orientandos de B que se dedicam à História da educação e já respondem por titulações de mestrado ou doutorado, um foi orientando de mestrado de D e outro, de mestrado de A; no primeiro caso, o ex-orientando não responde ainda por nenhuma orientação incluída na amostra, e, no segundo caso, o ex-orientando responde por duas orientações que estão na amostra. essas duas orientações estão contabilizadas tanto na linhagem de A como na de B.

A

19 5 13

B

18 4 8

C

7 5 27

D 7 0 0

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A idade

com quantos anos estão os historiadores da educação aqui considerados? se, desde o ponto de vista historiográfico e sociológico, a resposta a essa pergunta é pouco relevante para se verificar o escopo das gerações envolvidas em uma determinada disciplina – uma vez que o ambiente acadêmico tende a dispersar as fronteiras etárias – ela é especialmente importante para se projetar o tempo em que os atuais docentes devem permanecer ativos.

É muito bom que os dados relativos às idades não sejam públicos; portanto, devem ser inferidos a partir de outras variáveis, como os anos de ingresso nos estudos superiores, considerando-se 18 anos como a idade média de ingresso.

tem-se, então, que, em torno de 54% dos docentes/pesquisadores/autores de História da educação estão nas faixas etárias de 30 e 40 anos, e em torno de 41% estão entre as faixas de 50 e 60 anos ou pouco mais.

tabela 8 – faixa etária dos docentes/pesquisadores/autores

Idade F %-62 17 12,1

61-52 41 29,351-42 51 36,441-32 25 17,9

NI 6 4,3total 140 100

desagregados, os dados dessa tabela informam que, a considerar a vigência das mesmas regras para a carreira acadêmica, incluindo ingresso, aposentadoria, colaboração pós-aposentadoria etc., no máximo 5% dos quadros atuais poderão deixar ou reduzir consideravelmente as atividades regulares de docência, pesquisa e publicação na próxima década; em torno de 25% poderão se aposentar, continuando na ativa. se essas projeções se confirmarem, então, haverá renovação de aproximadamente 13 dos quadros atuais,

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a menos que o processo de expansão do ensino superior se mantenha no ritmo da década que vai se encerrando, o que dificilmente ocorrerá. ou seja, mantido esse cenário, a disciplina História da educação teria entrado numa fase de estabilização dos seus traços atuais.

As instituições de trabalho

quanto aos vínculos de trabalho, consta que os 140 docentes da amostra estão distribuídos em 57 instituições de ensino superior. a tabela 9, porém, destaca apenas as maiores frequências.

tabela 9 – instituição de trabalho dos docentes de História da educação

Instituição F %

USP 11 7,9

UNICAMP 9 6,4

UFMG 8 5,7

UFES 7 5,0

UFU 7 5,0

UNESP 7 5,0

UERJ 6 4,4

UFF 6 4,4

UFPr 6 4,4

como era de se esperar, esse rol apresenta as instituições onde há grupos de História da educação consolidados ou em consolidação notam-se ao menos três importantes ausências nessa lista com as maiores incidências: puc/rJ, puc/sp e ufrGs. as menores frequências de docentes vinculados a elas se devem a fatores sabidamente distintos e indicam tendências de mudança muitos diferentes. assim, é de se esperar que, em curto e médio prazo, decresçam consideravelmente os índices de titulação em História da educação oriundos do programa de eHps da puc/sp, em relação aos apresentados na tabela

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4. não há evidências disponíveis de que o mesmo fato deva ocorrer em relação à puc/rJ e à ufrGs, importantes polos de produção em História da educação.

dessas frequências relativas às instituições onde os 140 docentes trabalham foram extraídas outras distribuições por estado. assim, constam da tabela 10 as maiores frequências de docentes por estado e suas respectivas distribuições institucionais.

tabela 10 – docentes e instituições de trabalho por estado

Estado Docente Instituição

SP 43 12

MG 25 9

RJ 17 5

Pr 14 6

RS 10 6

ES 7 1

Se 5 2

Ba 3 3

RN 3 1

Go 2 2

MS 2 2

SC 2 2

Mt 2 1

Outros 5 5

total 140 57

são paulo reúne próximo de 31% dos docentes e 21% das ies. chama a atenção que a diferença em relação aos demais estados é bastante acentuada quanto à concentração de docentes, mas é mais suave em relação ao número de instituições envolvidas. o estado de espírito santo é um caso espantoso de concentração institucional, seguido a larga distância por são paulo e rio de Janeiro (tabela 11).

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tabela 11 - distribuição regional do vínculo institucional10

Região Docente % Instituição %

Sudeste 92 65,7 27 47,4

Sul 26 18,6 14 24,6

Nordeste 13 9,3 8 14,0

Centro-Oeste 7 5,0 6 10,5

Norte 2 1,4 2 3,5

total 140 100 57 100

feitos os cálculos por região, têm-se, mais uma vez, uma enorme concentração no sudeste, especialmente dos docentes, uma vez que constituem a maioria absoluta.

essas distribuições regionais de diferenças tão abissais fazem pensar que não há História cultural que dispense quantificações, uma vez que a lei da transmutação da quantidade em qualidade continua funcionando a todo vapor.

A vida pós-orientadores

embora não esteja no foco das explorações aqui propostas, foram compilados alguns dados a respeito da formação depois do doutorado. a atenção recaiu mais sobre os chamados estágios pós-doutorais do que sobre a livre-docência, uma vez que se trata de um título quase exclusivo da carreira superior das universidades estaduais paulistas. tanto é assim que, entre os 140 docentes da amostra, estão registrados apenas 15 títulos de docência-livre, dos quais 12 são de professores da unicamp, usp e unesp.

a respeito do pós-doutorado, tem-se 49 (35%) docentes com 56 estágios realizados, dos quais 64% integral ou parcialmente no exterior. as maiores frequências institucionais

10 muitos docentes da amostra estão aposentados, mas continuam em plena atividade, vinculados ou não às suas antigas instituições; a grande maioria permanece sediada na mesma cidade ou no mesmo estado.

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recaem sobre a universidade de lisboa com nove incidências, a usp e a unicamp, com cinco registros cada uma. agrupados por país, o destino preferencial é o Brasil (36%), seguido da frança (25%), de portugal (21%) e, a uma larga distância, da espanha (7%) (tabela 12)

tabela 12 – distribuição do estágio pós-doutoral por instituição e país

PAÍS Instituição F F+

BR

ASI

L

UNICAMP  5

USP 5PUC/SP 2 20UFMG 2Outras 6

PORt

. Universidade de Lisboa 9Universidade Nova de Lisboa 2 12Universidade do Minho 1

FRA

A Université Paris V 3

INRP  2 14EHESS 2Outras 6

ESP Universidad de Santiago de Compostela 2

Outras 2 4

EUA Columbia University 1

University of Wisconsin 1 2

Outras 4 4total 56

com base nas datas de realização dos estágios, é possível inferir algumas tendências: somente a partir de 1999, os estágios pós-doutorais se tornaram regulares, ou seja, de dez anos para cá; nesse período, foram realizados 47 (84%) dos estágios registrados. ao longo da última década, cresceram, nessa ordem, os estágios em portugal, no Brasil e na espanha, países ausentes dessa modalidade de estágio entre fins dos anos 80 a fins dos anos 90. em contrapartida, a procura pela frança, antes dominante, escasseia na década atual e, por outros países, mantém-se rara: apenas 8,5% dos estágios foram realizados em países diferentes – argentina, estados unidos e

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inglaterra – além dos acima citados.essas distribuições sugerem perguntas e hipóteses de

investigação. duas se afiguram especialmente instigantes: o que os historiadores da educação buscam em seus estágios pós-doutorais? que critérios utilizam para escolher a instituição ou o país de destino? a facilidade com a língua parece prevalecer sobre qualquer outro critério na escolha do lugar de estágio; em acréscimo, a escolha de países da europa central e ibérica, em 59% dos casos, sugere certa subserviência aos seus temas e procedimentos de investigação, bem como às suas fontes de pesquisa. a ausência de sinais de interesse por tantas outras regiões e continentes – como o leste europeu, o méxico ou a África meridional, por exemplo – sugere, como contraface, certo provincianismo ou, se quiser, certo acanhamento de horizontes.

Os manuais de História da Educação: novos e velhos catecismos

como foi esclarecido logo ao início, os 140 sujeitos foram escolhidos para compor a amostra porque são docentes que desenvolvem regularmente atividades de ensino, pesquisa e publicação no âmbito da História da educação. portanto, foram escolhidos à luz da suposição de que eles imprimem hoje a direção da disciplina, pautam a sua “tendência predominante” – ou, como dizem os anglófonos, definem o seu “mainstream”.

essa inferência teria alto grau de consistência se a disciplina em tela guardasse um nível elevado de coesão interna e se dirigisse a um público relativamente homogêneo. mas, como se disse ao princípio, trata-se de uma disciplina atravessada por perspectivas, interesses e objetivos bastante diferençados em função das suas muito diversas clientelas.

indica essa diversidade a grande distância entre o perfil

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das pesquisas e publicações dos 140 docentes-autores e os títulos de História da educação mais vendidos.11 na tabela 13, consta a frequência com que as obras aparecem nos oito sites consultados, como “mais vendidos” ou “mais relevantes”, bem como o número de edições; certamente esse indicador é mais significativo do que aquele, não só porque se trata de dado mais confiável, mas também porque expressa tendência mais estável do mercado.

tabela 13 – livros de História da educação mais vendidos

Autor título Edição Fromanelli, o. o. Historia da Educação no Brasil 34ª 8Ghiraldelli Jr, p. Filosofia e Historia da Educação Brasileira 2ª 7piletti, c. e piletti, n. Historia da Educação 7ª 6veiga, c. v. História da Educação 1ª 6aranha, m. l. a. Historia da Educação e da Pedagogia 3ª 6Ghiraldelli Jr, p História da Educação Brasileira 2ª 5Xavier, m.e; ribeiro, m.l; noronha, o.m. Historia da Educação - a Escola no Brasil 1ª 4

manacorda, m.a. Historia da Educação: da Antiguidade aos Nossos Dias 12ª 4

castellani filho, l. Educação Física no Brasil - a Historia que Não Se Conta 13ª 3

melo, v. a. História da Educação Física e do Esporte Brasil: Panorama e Perspectivas 3ª 3

piletti, c. e piletti, n. Filosofia e Historia da Educação 15ª 2Gadotti, m. História das Idéias Pedagógicas 8ª 2

ribeiro, m. l. s. Historia da Educação Brasileira : a organização Escolar 20ª 2

paiva, v. História da Educação Popular no Brasil: Educação Popular e Educação 6ª 2

dos 16 autores arrolados acima, apenas três compõem a amostra, dos quais somente um pode ser diretamente vinculado às mudanças da disciplina, sobre as quais se falou logo ao início. pode-se interpretar, também, que a lista dos títulos de História da educação com maior venda/maior tiragem pouco

11 para este item, foram consultados os sites de busca: Buscape e Bondfaro; os sites de venda: submarino e americana; as livrarias on-line: fnac, cultura, siciliano e saraiva. os sites da editoras foram consultados para verificação das edições.

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ou nada tem a ver com o que se passa na “vanguarda” da disciplina. temos aqui algumas questões a considerar.

são bastante conhecidas as regressões qualitativas pelas quais o ensino superior tem passado há décadas, e não somente no Brasil. um dos mais comentados sintomas desse fenômeno se manifesta particularmente nos cursos das chamadas ciências Humanas nas dificuldades de escrita, leitura e compreensão dos textos. assim é que, para muitos analistas, os cursos de graduação têm passado por ajustes contínuos, de sorte a torná-los cada vez mais parecidos com o ensino básico.

uma das vias para se dimensionar esse processo regressivo está exatamente na avaliação dos materiais utilizados em sala de aula, incluindo as bibliografias recomendadas aos alunos. não há como escapar desse instrumento; a ele pode-se acrescentar algum elemento de contraste entre aqueles materiais apresentados para muitos e os que são colocados à disposição dos poucos bolsistas de “iniciação científica”.

Há muitos indícios de que, no âmbito da História da educação, a grande maioria dos professores consegue minimamente organizar os conteúdos em sala de aula quando dispõe de manuais organizados com base nos princípios ocidentais mais tradicionais de espaço e tempo, tal como se apresenta na maioria dos livros da tabela 13.12

assim, têm-se, de um lado, problemas decorrentes da regressão qualitativa do “ensino superior” que afetam dominantemente os cursos das chamadas Humanidades; mas, de outro lado, há problemas históricos que marcam os cursos de educação – as licenciaturas em geral e a pedagogia em particular – e que têm tudo a ver com o seu desarranjado feitio genérico-profissionalizante.

no entanto, de qualquer ângulo que se examinem as

12 os títulos apresentados na tabela 13 podem ser adequadamente situados na classe dos “manuais acadêmicos”, uma vez que foram concebidos e confeccionados com a finalidade – exemplos: os livros de piletti; piletti – ou que, nascidos com outros fins e formatos, se adequaram perfeitamente ao molde didático – exemplos: o livro de romanelli e de paiva, a parte ii.

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questões levantadas, o certo é que dificilmente se pode esperar o generalizado e universal uso dos mais recentes resultados de pesquisa realizada pela “vanguarda” da área; das chamadas pesquisas de ponta, e que, afinal, nem são tantas assim. tratando do mesmo assunto, darnton (1990, p. 180), no já mencionado artigo, diz:

É verdade que a história social deu mesmo uma arrancada nos anos 70 [...]. porém, incluía tantas subespecializações – a história das cidades, dos negros, dos trabalhadores, das mulheres – que reforçou uma tendência prévia de expansão e fragmentação dos currículos [...]. muitos departamentos multiplicaram seus cursos, aliviaram os requisitos e estimularam os professores a aproximarem mais o ensino e a pesquisa. a dieta educacional se enriqueceu, mas era uma educação à la carte, que deve ter sido de difícil digestão para os graduandos inexperientes [...] no final, podiam conhecer alguma coisa sobre o surgimento do gueto negro, em detroit, e nada sobre o declínio do império romano.

esse tema merece desdobramentos e atualizações (cf. entre outros, toledo, 2001, 1995; Bontempi Junior, 2001, 1995; nunes, 2006; Warde; carvalHo, 2000).

as polêmicas em torno da difusão das novas descobertas científicas ou da instalação de novos campos de conhecimento dentro das universidades datam de quase dois séculos e, considerando o cenário internacional, não estiveram necessariamente relacionadas com problemas de qualidade de ensino ou assemelhados. contudo, as pressões para que os docentes universitários publiquem a qualquer preço e que publiquem mais artigos do que livros – uma vez que indiciam mais prontamente os resultados de novas investigações – acabam contribuindo para que aquelas polêmicas se vinculem mais diretamente ou, o que é pior, se subordinem, às mazelas qualitativas do ensino.

vão longe os tempos em que charles darwin podia alertar com proveito o seu filho George que andava escrevendo afoitamente ensaios sobre temas candentes, no desespero de

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alcançar pleno sucesso. em carta de 1873, diz ao filho:

recomendo que não publique isso antes de pelo menos alguns meses. depois considere se você acha isso bastante novo e importante de modo que compense o mal – sem esquecer o grande número de artigos já publicados sobre o assunto – o mal de causar dor aos outros, e de prejudicar sua própria força e proveito.

e completa:

É um velho preceito meu que é de capital importância para um jovem autor publicar (se for com o nome dele) apenas o que for muito bom e novo; de forma que o público creia nele e leia o que ele escreve [...]: lembre-se de que um inimigo poderia perguntar quem é este homem, que idade ele tem e qual foi sua formação especial para que ofereça ao mundo suas opiniões sobre as questões mais profundas. essa zombaria pode ser facilmente evitava, mas meu conselho é: ‘contenha-se, contenha-se’ (desmond; moore, 2000, p. 616).

Considerações finais

estas notas se aproximam dos estudos de tipo exploratórios, modalidade bastante interessante quando se pretende introduzir novas problemáticas ou novas abordagens de problemáticas já estabelecidas.

aqui foram apresentadas perguntas e hipóteses de investigação devidamente acompanhadas de explorações com base em dados e informações preliminares. espera-se que tenha ficado nítido que o seu foco principal diz respeito à absorção/consolidação no ensino de novas tendências disciplinares que surgem com as pesquisas e suas publicações.

as informações coligidas para este estudo sugerem que a História da educação tem sido conduzida, nas últimas décadas, em direções muito diversas, quebrando assim certa homogeneidade que prevaleceu nos seus primeiros tempos.

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sugerem, também, que, tendencialmente, a História da educação floresce no âmbito de grupos de pesquisa específica, relativamente apartados das demandas profissionalizantes dos cursos de pedagogia em que a disciplina é dominantemente oferecida e cujo solo é pouco fértil para seu crescimento e renovação (JaH, 2005).

não foi abordada uma questão antiga e que está a exigir efetivas investigações: embora a História da educação seja uma disciplina de oferta regular e sistemática, ao menos nos cursos de pedagogia, as visões de História prevalecentes ou consolidadas nas demais disciplinas, apoiadas em vasta literatura com suas indefectíveis “breves incursões históricas”, não exercem pressão considerável na formação das concepções da História da educação? se é assim, em que direções as demais disciplinas estariam apontando?

Referências

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Bontempi Junior, Bruno. História da educação brasileira: o terreno do consenso. 1995. dissertação (mestrado). pontifícia universidade católica de são paulo, são paulo,1995.

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lepenies, Wolf. As três culturas. são paulo: usp, 1996.

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o ensino de História da educação

qUal história da EdUCaÇÃo Ensinar?

norberto dallabrida

as matérias escolares não são outra coisa senão aquilo que as práticas fazem delas (nell Keddie, 1973)

nas últimas décadas, no Brasil, a partir de novos e instigantes objetos de pesquisa e de inovadoras perspectivas teóricas, houve um crescimento significativo do campo da História da educação. a pesquisa em História da educação, geralmente restrita às ideias pedagógicas e à legislação do ensino, passou a explorar novas questões e a ampliar estudos históricos do campo educativo. o tom dominante dessa expansão da História da educação no Brasil é a tendência à microanálise, especialmente por meio do estudo da cultura escolar praticada em instituições escolares. esse olhar microscópico é ainda mais explorado no estudo das disciplinas escolares prescritas e colocadas em movimento no cotidiano escolar e na investigação de trajetórias profissionais de docentes, com destaque para as professoras do antigo curso primário.

o enriquecimento e o esmigalhamento da História da educação têm implicações expressivas no ensino de História da educação, especialmente nos cursos de graduação. diante de diversificados objetos, abordagens e perspectivas teóricas, deve-se perguntar: qual História da educação ensinar? ou seja, deve-se indagar qual aspecto da educação deve ser historicizado. deve-se dar foco ao estudo temporal da caixa-preta das escolas? ou priorizar as instituições de formação de

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professores? ou ainda enfatizar as políticas públicas na área de educação? como articular realidades educacionais locais e regionais com processos nacionais e globais? como tratar o tempo histórico e qual período da História da educação deve ser mais trabalhado? a partir de quais aportes teóricos é mais apropriado fundamentar a reflexão temporal da educação? diante da abertura e da diversificação da historiografia da educação, essas questões, entre outras, colocam-se aos professores da História da educação. trata-se de repensar a desafiante e cuidadosa questão da seleção e organização dos conteúdos culturais na disciplina História da educação para os diversificados cursos de licenciatura.1

por outro lado, é importante considerar que a pedagogia não tem uma raiz disciplinar, mas se apropria de várias ciências, e essa operação é, historicamente, flutuante. e, até bem pouco tempo, os cursos de pedagogia geralmente tinham um currículo aberto que formava para diferentes habilitações, como magistério dos anos iniciais do ensino fundamental ou administração escolar. essa conformação curricular excessivamente aberta vem sendo criticada por vários pedagogos e cientistas sociais, particularmente à luz dos sofríveis desempenhos dos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental nas avaliações nacionais e internacionais. nos cursos de pedagogia no Brasil, a disciplina História da educação também tem elasticidade, relacionada com a diversificação das pesquisas em História da educação e com a falta de raiz disciplinar da pedagogia. Há infinitas possibilidades porque a História não tem tema e “[...] as matérias escolares não são outra coisa senão aquilo que as práticas fazem delas” (Keddie, apud forquin, 1993, p. 98).

1 o ensino de História da educação ainda é um aspecto pouco contemplado pela historiografia da educação brasileira (vidal; faria filHo, 2005, p.120). nessa direção, consultar a recente e instigante obra O ensino de história da educação em perspectiva internacional (Gatti JÚnior; monarcHa; Bastos, 2009).

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no entanto, as atuais diretrizes curriculares nacionais para o curso de licenciatura em pedagogia, oficializadas pela resolução nº 01 do conselho nacional de educação, de 15 de maio de 2006 (Brasil, 2006), afunilam a habilitação do curso de pedagogia para o magistério dos anos iniciais do ensino fundamental e da educação infantil. as novas diretrizes curriculares nacionais para o curso de pedagogia engendram discussões em torno do formato do currículo, bem como do desenho e do espaço de suas disciplinas. neste novo formato curricular do curso de pedagogia, que objetiva a formação de professores/as para a educação da infância, como a disciplina História da educação deve ser construída? evidentemente, dependendo da formatação curricular, a disciplina História da educação pode ser repensada e, no limite, suprimida. ou seja, se todas as disciplinas do curso de pedagogia adotarem uma perspectiva histórica, por que haveria necessidade de criar a disciplina História da educação, que é tão simplesmente um olhar temporal sobre os atuais problemas educacionais?

proponho-me, pois, a tecer algumas considerações sobre a disciplina História da educação no curso de licenciatura em pedagogia no Brasil, explorando três aspectos que considero relevantes, quais sejam: a perspectiva genealógica, o foco na escolarização da infância e a questão das apropriações de culturas escolares. a escolha desses aspectos é resultado das autorreflexões da minha prática como professor de História da educação no curso de pedagogia da universidade do estado de santa catarina (udesc) durante a última década. isso envolve a minha formação acadêmica como historiador, que vem se aproximando do campo educacional. todavia, a eleição desses traços do ensino de História da educação deve-se em boa medida à atual matriz curricular dos cursos de pedagogia vigente no Brasil. essas reflexões representam também uma tentativa de repensar a disciplina História da educação para os cursos de licenciatura em pedagogia, de modo que ela contribua na formação de professores/as dos

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anos iniciais do ensino fundamental, da educação infantil e na inovação pedagógica.

Perspectiva genealógica

Genealogia é um tipo de História que recusa o olhar temporal linear, progressivo e teleológico e procura desnaturalizar ou desfamiliarizar o passado. inspirada em reflexões nietzschianas, a perspectiva genealógica foi proposta por michel foucault como um contraponto à “história dos historiadores”, pelo fato de ler descontinuidades ou deslocamentos2 na longa duração temporal. na introdução de Arqueologia do saber, foucault (1995, p. 6) constatou que, nas últimas décadas, os historiadores têm se preocupado com “os longos períodos”, “continuidades seculares” e “estruturas fixas”, enquanto boa parte da história do pensamento busca “multiplicar as rupturas e buscar todas as perturbações da continuidade”. em Nietzsche, a genealogia e a história, ensaio de 1971, volta a comparar:

a história ‘efetiva’ se distingue daquela dos historiadores pelo fato de que ela não se apoia em nenhuma constância: nada no homem – nem mesmo seu corpo – é bastante fixo para compreender outros homens e se reconhecer neles [...]. a história será ‘efetiva’ na medida em que ela reintroduzir o descontínuo em nosso próprio ser (foucault, 1988, p. 27).

foucault acredita que a operação histórica deve reali-zar “um trabalho negativo” de libertação das continuidades históricas, suspender noções, como “tradição”, “evolução” e “progresso”, pôr em questão as “sínteses acabadas”, os “agru-

2 principalmente a partir da obra História da sexualidade 2, foucault prefere utilizar o conceito de “descolamento”, percebido sempre na longa duração temporal (foucault, 1994, p.11, 49, 220). certeau (2000, p.51) pretere o termo “descontinuidade”, dizendo: “falemos antes de ‘limite’ ou de ‘diferença’ do que de descontinuidade (termo muito ambíguo porque parece postular a evidência de um corte na realidade)”.

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pamentos familiares”, as unidades consagradas (foucault, 1995, p. 23). ele descarta a busca de objetos naturais na His-tória, por exemplo, “a” loucura, “o” estado, “a” religião, “a” escola, negando a possibilidade de encontrá-los no passado. constatando a descontinuidade na História, o filósofo fran-cês conclui: “encontrei formulações demasiado diferentes e de funções demasiado heterogêneas para poderem ligar e se compor em uma figura única e para simular, através do tem-po, além de obras individuais, uma espécie de grande texto ininterrupto” (foucault, 1995, p. 42). foucault questiona, assim, “a realidade trans-histórica dos objetos naturais” con-cebidos como “unidades” abstratas que existem progressiva-mente no tempo.

nessa direção, veyne (1982, p. 172) afirma:

tal é o sentido da negação dos objetos naturais: não há atra-vés do tempo, evolução ou modificação de um mesmo ob-jeto que brotasse sempre do mesmo lugar. caleidoscópio e não viveiro de plantas. foucault não diz: `de minha parte, prefiro o descontínuo, os cortes`, mas: `desconfiem das falsas continuidades`. um falso objeto natural, como a religião ou como uma determinada religião, agrega elementos muito di-ferentes que, em outras épocas, serão ventilados em práticas muito diferentes e objetivadas por elas sob fisionomias muito diferentes.

em suas diversas obras, foucault fez genealogia de vários objetos históricos como loucura, prisão e sexualidade. na obra Vigiar e punir (foucault, 1993), procurou compreender a irrupção da prisão ortopédica no final do século Xviii e sua disseminação como instrumento disciplinar, substituindo os suplícios praticados de forma generalizada até aquele momento histórico. essa nova forma de punir realizava-se de modo fechado e sobremaneira incidia sobre a alma dos aprisionados, viabilizada, em boa medida, pelo pan-optismo. a prisão ortopédica, portanto, não é um objeto natural que existiu trans-historicamente, mas uma instituição disciplinar da

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modernidade, cuja lógica muito diferia do regime de suplícios, que punia o corpo dos condenados em sessões públicas.

o uso do conceito de descontinuidade implica fazer aparecer “os fenômenos de ruptura” ou “a incidência de interrupções”. a história genealógica coloca o foco preferencialmente sobre os momentos de emergência e afirmação do novo, que não descende necessariamente do velho, mas brota de modo insólito e inesperado. dessa forma, os historiadores abandonam “[...] o tempo vetorizado da história [e realizam] um incessante trabalho de diferenciação, [que] se apoia na diferença entre um presente e um passado” (certeau, 2000, p. 47). a introdução de “jogos de diferença” e a desfamiliarização do passado anacroniza a história. defendendo o “regime de anacronismo” na história, loraux (1992, p. 64) constata que o anacronismo tem sido “[...] o pesadelo do historiador, o pecado capital contra o método”, mas afirma que somente ele evita o imperialismo do presente sobre o passado e preserva a virtude salutar do diálogo de diferentes temporalidades.

a genealogia foucaultiana também nega a existência de um centro unificador da história, como queriam as concepções historiográficas de caráter linear, progressivo e teleológico. foucault problematiza o projeto de alcançar a “história total”, propondo uma “história geral”, que tem múltiplos e dispersos centros de estruturação, asseverando: “não se deve mais procurar o ponto de origem absoluto, ou de revolução total, a partir do qual tudo se organiza, tudo se torna possível e necessário, tudo se extingue para recomeçar” (foucault, 1995, p.169). em Vigiar e punir (foucault, 1993), o “filósofo-historiador” constata que a “tecnologia disciplinar” emergiu no mundo pós-medieval em várias instituições sociais, como a manufatura, o quartel militar e os colégios, que vão se refinando e se afirmando mutuamente, e não a partir de um ponto unificador do qual emana o processo histórico. nessa direção, aguirre rojas (1995, p .85) anota:

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para foucault no hay historia global posible, y en su lugar lo que hay que perseguir es solo una historia `general` con múltiples centros de estructuración, y por ende [sic] también de dispersión, historia que es necessariamente ´pluralidad de sentidos` y que no obedece ´ni a un destino `ni a una mecánica, sino al azar de la lucha`, y en la cual lo que predomina por encima de todo es la discontinuidad.

além de problematizar as grandes continuidades e as totalizações e compreender diferenças no tempo, marcadas pela irrupção do novo em diferentes lugares sociais, a história genealógica procura constatar que todos os processos históricos são transversalizados por relações de poder. para foucault, o poder não está concentrado no estado, mas é relacional, microfísico, capilar, de modo que ele está em movimento em todas as relações humanas, sendo contraposto por resistências de diversas proporções, desde pequenas recusas até movimentos sociais mais amplos. ademais, para foucault, o poder no mundo contemporâneo é sobretudo produtivo, incitador, sedutor, procurando “conduzir condutas”. nesse sentido, o’Brien (1992, p. 50) afirma que “[...] o método [genealógico] parece enganosamente simples: identificar e justapor diferenças em busca das manifestações de poder que permeiam todas as relações sociais”. nessa perspectiva genealógica, a fonte histórica passa a ser vista como “documento-monumento”, isto é, uma produção textual que faz parte de jogos de poder. cabe ao genealogista, portanto, detectar as condições sociais e políticas de produção do documento histórico.

Genealogia da escolarização da infância

a partir das provocações de foucault, a genealogia vem sendo usada para compreender diferentes objetos históricos, entre os quais a escola. os trabalhos de cientistas sociais e de pedagogos que se propõem a pensar a escola no

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mundo ocidental em perspectiva genealógica começam por desnaturalizá-la no tempo, enfatizando que ela foi inventada pela primeira modernidade europeia. É importante assinalar o trabalho fundador de ariès (1986), que marca a diferença entre a educação medieval e aquela dos “tempos modernos”. esse historiador francês constata que a educação medieval era ministrada por um mestre, geralmente numa sala alugada ou numa igreja, sem seriação e com restrita preocupação disciplinar, dirigida a estudantes com idades variadas. em relação à “indiferença com relação à idade” e à soltura da educação durante a idade média, ariès (1986, p.167), afirma:

e essa mistura de idades continuava fora da escola. a escola não cercava o aluno. o mestre único, às vezes assistido por um auxiliar, e com uma única sala à sua disposição, não estava organizado para controlar a vida cotidiana de seus alunos. estes, terminada a lição, escapavam à sua autoridade. ora, originalmente, essa autoridade, o for do mestre, era a única que eles reconheciam. `velhos ou jovens`, os alunos eram abandonados a si mesmos. alguns, muito raros, viviam com os pais. outros viviam em regime de pensão, quer na casa do próprio mestre, quer na casa de um padre ou cônego, segundo condições fixadas por um contrato semelhante ao contrato de aprendizagem [...].essa promiscuidade das idades hoje nos surpreende, quando não nos escandaliza: no entanto, os medievais eram tão pouco sensíveis a ela que nem a notavam, como acontece com as coisas muito familiares. mas como poderia alguém sentir a mistura das idades quando se era tão indiferente à própria ideia de idade?

a tradição educativa medieval passou a ser quebrada pela emergência das instituições educativas da idade moderna, como as escolas elementares e, especialmente, os colégios. ariès (1986, p. 165-194) constata, que a partir do século Xv, o ensino passou a ser ministrado em “colégios modernos”, que funcionavam em regime de internato, diferenciando-se pelo enquadramento e vigilância dos alunos e pela criação de “classes escolares”, criadas mais em função da seriação

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do conhecimento do que pela idade. na frança, esses traços da educação moderna são embrionários nos reformadores escolásticos do século Xv, mas desenvolvidos pelos reformadores religiosos como os jesuítas, os oratorianos e os “jansenistas do século Xvii”.3

com inspiração na perspectiva genealógica enunciada por michel foucault e na obra de ariès (1986), foram produzidas algumas genealogias da escola, entre as quais eu destacaria Arqueología de la escuela (varela; alvarez-uría, 1991), infancia y poder, obra escrita entre 1992 e 1993 (narodoWsKi, 2008), e A invenção da sala de aula, livro concluído em 1999 (dussel; caruso, 2003). esses trabalhos constatam o nascimento da escolarização no mundo ocidental como parte integrante das reformas religiosas que dividiram o continente europeu no século Xvi, de forma que a escola se converteu numa estratégia moderna de catequização. nesse momento histórico, coube às igrejas protestantes e às congregações católicas a iniciativa de conceber e de formatar as nascentes instituições escolares. essa primeira onda de escolarização avançou, de maneira inédita, nos países europeus e espraiou-se nas suas áreas coloniais, tomando dimensão global.

no entanto, essas genealogias fazem leituras diferenciadas do nascimento das instituições escolares. entendendo que a escolarização da primeira modernidade foi gestada pelas reformas religiosas e guerras de religião, varela e alvarez-uría (1991) destacam o papel central dos colégios dos jesuítas e da Ratio Studiorum na espanha da contrarreforma na montagem da “maquinaria escolar”, plasmada pela disciplina moderna, pelo espaço fechado e pela aparição de um corpo de especialistas da infância. apropriando-se de trabalhos de norbert elias e de pierre Bourdieu, os sociólogos espanhóis

3 apoiando-se em reflexões históricas de ariès, petitat (1994, p. 49-125) diagnostica a existência de colégios e escolas elementares de caridade na europa do Ancien Régime, que se diferenciaram frontalmente da educação medieval.

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constroem uma genealogia sociológica da escolarização procurando inserir os marcadores sociais na análise das instituições educativas. assim, percebem três “modos de educação” inéditos na espanha nos séculos Xvi e Xvii: a educação da nobreza cortesã, realizada pelos preceptores; a escolarização da burguesia e da nobreza provinciana, oferecida sobretudo pelo colégios jesuíticos; e a educação das classes populares, conferida precariamente em institutos católicos. varela e alvarez-uría também conferem visibilidade ao projeto educativo do iluminismo espanhol, procurando perceber a “sombra” da educação popular, que tinha como intuito “fabricar sujeitos dóceis e úteis”.

dussel e caruso (2003) consideram que o nascimento da sala de aula – “o elemento insubstituível da escola” – teve como parteira a competição entre as religiões cristãs que assolou o continente europeu a partir do início do século Xvi. tendo como mote a sala de aula, eles refletem sobre as considerações pedagógicas de Comenius, a experiência dos colégios jesuíticos e a Ratio Studiorum, sublinhando “o lado individualizador da sala de aula”, e “o método global” das escolas elementares de caridade criadas pelos lassalistas. narodowski (2008) faz poucas e esparsas referências à rede global dos colégios da companhia de Jesus e concentra o seu foco na análise da Didactica magna, de Comenius, considerada a obra fundadora do discurso pedagógico moderno. ou seja, nas ideias de Comenius, são lidos elementos que serão desdobrados e burilados pela pedagogia moderna. por outro lado, o pedagogo argentino dá visibilidade às escolas elementares de caridade de La Salle, em virtude da experiência significativa da construção do método simultâneo, que também será apropriado e reinventado pela pedagogia moderna.

nas genealogias de dussel e caruso (2003) e de narodowski (2008), o método lancasteriano, criado na inglaterra, no final do século Xviii, e disseminado no mundo nas primeiras décadas da centúria seguinte, tem um importância singular na história

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da escolarização ocidental devido à atuação educativa dos monitores e à “tecnologia disciplinar”. narodowski (2008, p.124-152) enfatiza o papel ativo e inédito dos monitores nas práticas escolares, que descentra a figura do professor e rompe com a simultaneidade existente no discurso pedagógico de Comenius e na tradição educativa lassaliana. por outro lado, ele chama a atenção para o utilitarismo que transversaliza o método lancasteriano, manifestando-se, sobremaneira, no uso rigoroso do tempo, na quantificação dos prêmios e dos castigos, na aplicação dos princípios panópticos e na lógica fabril. não se trata mais de regras de civilidade, como aquelas colocadas em marcha nas escolas elementares de la salle, mas de regras de escolaridade que visavam a “alcançar a máxima utilidade”. para narodowski, o caráter utilitário é um dos principais traços que plasmam a diferença do método lancasteriano em relação às tradições escolares anteriores e está umbilicalmente ligado à revolução industrial inglesa, de forma que havia analogia estreita entre a organização fabril e a lancasteriana.

apoiados nos trabalhos de foucault (1993) e de narodowski (2008), dussel e caruso (2003) consideram que o método lancasteriano foi a principal alternativa de ensino nos países ocidentais, que ganhou disseminação mundial sem precedentes. eles analisam a estrutura maquínica do método lancasteriano, constituída pelo “registro minucioso e detalhado da vida escolar”, realizado o dia todo, classe por classe, pela “reorganização do tempo e do espaço escolar” e pela articulação azeitada de todas as atividades dos agentes do ensino – professor, monitores e alunos. e desdobram bem a análise da disposição espacial das escolas lancasterianas, cujos elementos centrais eram “um grande salão”, a delimitação dos lugares individuais, as carteiras comuns para todas as fileiras e a existência dos semicírculos onde os monitores ensinavam a seus colegas.

tanto narodowski como dussel e caruso consideram o método lancasteriano como um deslocamento na História da

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educação, devido à quebra da tradição do ensino simultâneo e ao descentramento do papel do professor. os dois trabalhos desses autores argentinos envidam esforços para discutir o esgotamento do método lancasteriano em torno de meados do século XiX, quando ele foi substituído pelo método misto e, especialmente, pelo formato da escola graduada. os autores descrevem a difusão mundial do método lancasteriano, destacando a recepção deste no continente americano, particularmente nos países de língua espanhola.

a genealogia da escola de varela e alvarez-uría (1991) não desdobra reflexões históricas sobre o método lancasteriano, mas dá visibilidade à escola primária pública, gratuita e obrigatória, instituída na espanha, no início do século XX, que tinha por objetivo domesticar os filhos das classes populares. os sociólogos espanhóis sustentam que as peças fundamentais da “maquinaria escolar”, criadas pelos colégios confessionais, foram apropriadas e aperfeiçoadas pelos estados nacionais, contribuindo para perpetuar desigualdades sociais. a intervenção do “estado-educador”, vista por varela e alvarez-uría a partir da espanha, é uma questão central na escolarização contemporânea, particularmente da escola primária. como parte integrante de sua afirmação, o estado nacional procurou definir os conteúdos, os métodos e os professores das escolas primárias. para tanto, instituiu as escolas normais, com o intuito de normalizar a formação dos professores do ensino primário.

no mundo ocidental, o “estado-educador” emergiu, de forma tímida e intermitente, na segunda metade do setecentos e se consolidou a partir do último quartel do século XiX, quando foram constituídos vigorosos sistemas nacionais de ensino, nos países europeus e americanos, que estenderam a escola primária à maioria da população, com o intuito de produzir sujeitos disciplinados e nacionalizados, demandados pela industrialização e pelo nacionalismo.

esse novo deslocamento é lido por narodowsky (2008, p.169-185) a partir da afirmação da pedagogia moderna. o dis-

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curso pedagógico hegemônico é predominante desde meados do século XiX, que passou a embasar e a normalizar a organi-zação escolar. a pedagogia moderna representou a vitória da “instrução simultânea”, que “atualiza” a tradição pedagógica de Comenius e La Salle. para narodowski (2008, p.171), atuali-zar é “[...] respeitar os principais dispositivos do discurso peda-gógico e colocá-los em função para uma situação nova”. essa atualização se materializa nos sistemas educativos nacionais, que se estabeleceram nos países europeus e americanos, entre o final do século XiX e início do século XX. o sistema de ensi-no argentino, instituído nesse momento histórico, é analisado por dussel e caruso (2003, p.171-192), a partir do conceito de “pedagogia normalizadora”, que se apoiava no positivismo, notadamente nas ideias de Herbert spencer. assim, as escolas primárias argentinas passaram por um processo de uniformiza-ção nacional, marcada pelo disciplinamento dos corpos docen-te e discente, pela instituição da graduação do ensino em várias séries, constituídas a partir da idade dos alunos.

apesar de instigantes e consistentes, as genealogias de educação de varela e alvarez-uría (1991), de narodowski (2008) e de dussel e caruso (2003) não dão o devido destaque à instituição da escola graduada e ao método intuitivo nos países europeus e americanos. a escola graduada, inventada e disseminada na segunda metade do século XiX, colocou em movimento uma nova cultura escolar no ensino primário, cujos elementos centrais são a seriação por idade do ensino primário, a criação de classes homogêneas regidas por um professor, a construção de edifícios escolares imponentes e panópticos, a utilização de mobiliário específico e de materiais didáticos diversos e, especialmente, o uso do método intuitivo (souza, 1998, p. 25-87). trata-se da grande transformação no ensino primário, que rompe com diversificadas culturas escolares anteriores, como o método mútuo e a escola unitária, e estabelece um modelo de ensino que, em boa medida, permanece até os dias de hoje. a faceta mais

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modernizadora da escola graduada é representada pelo uso do método intuitivo ou “lições de coisas”, que abandonava a memorização passiva e pensa o ensino a partir de coisas ou de representações de objetos que engendravam a aprendizagem ativa (valdemarim, 2004; teive, 2008, p. 109-138).

o último deslocamento na genealogia da escola primária ocidental é identificado pelo movimento escolanovista e seus desdobramentos. varela e alvarez-uría (1991) e narodowsky (2008) apenas citam en passant a escola nova e destacam a flexibilização das técnicas de disciplinamento e o puericentrismo. dussel e caruso (2003) ensaiam uma leitura do escolanovismo, entendido como um movimento diversificado e internacional, situado na primeira metade do século XX, que problematizou a classe da escola graduada, propondo atividades em grupos a partir de interesses comuns dos alunos, em laboratórios e em oficinas, e destronou a figura central do professor. a escola nova é considerada a “expressão mais acabada do biopoder” pelo fato de ela adotar formas mais flexíveis de ensino, que tinham como intuito regular o crescimento das crianças, mas não liberá-las. À maneira de síntese e refinando conceitos foucaultianos, dussel e caruso (2003, p. 224) afirmam que “[...] a escola nova mais `regulava` do que `controlava`, mas em ambos os casos `governava` a população, que de qualquer forma se encontrava na escola porque era uma ´obrigação`”. nessa leitura, a escola nova perde o seu caráter peremptoriamente inovador, mas esmerilha e toma formas de governo de tradições pedagógicas anteriores mais sutis.

a genealogia da escolarização da infância também deve contemplar e agregar instituições de educação infantil, como as creches e os jardins de infância, que surgiram na primeira metade do século XiX. a criação das creches está ligada ao crescimento da industrialização e à proletarização das mulheres, que necessitavam de cobertura durante as horas de trabalho fabril. o jardim de infância, idealizado por friedrich froebel, converteu-se na principal instituição

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de educação infantil desde meados XiX, nos continentes europeu e americano (KisHimoto, 2001). como a escola elementar, geralmente as instituições de educação infantil tiveram começos vinculados a instituições religiosas, mas posteriormente também foram sequestradas pelo “estado-educador”. as instituições de educação infantil devem ser relacionadas com o ensino primário ou com os anos iniciais do ensino fundamental, com o intuito de perceber, entre elas, historicamente, aproximações e diferenças pedagógicas.

enfim, acredita-se que o uso da perspectiva genealógica é eficaz para refletir sobre a escolarização da infância pelo fato de ela proporcionar o contato com diferentes tradições escolares ocidentais, desde aquelas de caráter cristão até as de cunho nacional, laico e científico. acredita-se que, genealogicamente falando, é importante constatar diferenças nas experiências escolares no tempo, e também perceber como certas tradições escolares permanecem e invadem o presente. no entanto, é importante fazer uma genealogia sociológica da escola, ou seja, introduzir marcadores sociais, como religião, gênero, classe social e etnia na análise da escolarização. dessa forma, ao invés de fazer uma leitura histórica abstrata da escola, intenta-se perceber os diferentes “modos escolares de educação” em perspectiva temporal.

Apropriações de culturas escolares

com raras exceções, por exemplo, o método paulo freire, a História da educação brasileira tem sido a história de apropriações de culturas escolares4 em circulação no mundo.

4 cultura escolar é entendida por Julia (2001, p. 10) como “[...] um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensinar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos”. assim definida, a cultura escolar é um objeto histórico que emergiu no início da idade moderna, conforme analisado acima.

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na condição de colônia portuguesa ou de país emancipado na periferia do sistema capitalista mundial, o Brasil geralmente importava modelos de ensino em diferentes momentos de sua história e de variadas matrizes pedagógicas. a partir dessa condição, pode-se pensar como o Brasil se apropriou de culturas escolares inventadas e reinventadas em diferentes temporalidades e em variados países ou regiões. o conceito de apropriação é compreendido a partir da perspectiva de chartier (1992), que considera que os bens culturais são usados de forma diferente, de modo que a recepção é realizada pela “invenção criativa”, por meio de resistências, ajustes e arranjos. assim, “[...] as práticas de apropriação sempre criam usos ou representações muito pouco redutíveis aos desejos ou às intenções daqueles que produzem os discursos ou as normas” (cHartier, 1992, p. 233-234). as culturas escolares colocadas em práticas no Brasil, em diferentes momentos históricos, podem ser lidas como operações de apropriação de discursos pedagógicos e/ou de experiências educativas.

procurando indicar a eficácia da leitura das apropriações de culturas escolares para a disciplina História da educação, coloco o foco sobre três culturas escolares em circulação no mundo ocidental, apropriadas pelo Brasil em diferentes temporalidades. o primeiro modelo pedagógico que me proponho analisar é a educação jesuítica, inventada na europa, no século Xvi, e presente durante a maior parte do período colonial brasileiro. a companhia de Jesus foi criada como parte integrante das reformas religiosas e das guerras de religião da primeira modernidade, consagrando-se como a principal congregação docente da era do catolicismo tridentino. para combater o inimigo protestante, os jesuítas criaram uma vigorosa rede de colégios, que se colocou, de forma sistemática, em quase todos os países europeus e se estendeu para a Ásia e para o novo mundo. a colônia portuguesa na américa receberia o primeiro grupo de missionários jesuítas em 1549, os quais fundaram vários colégios, especialmente nas cidades litorâneas.

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para uniformizar a rede de colégios em escala global, na segunda metade do século Xvi, a companhia de Jesus elaborou a Ratio Studiorum, um código educativo que prescrevia saberes a serem ensinados e comportamentos a serem interiorizados, tornada oficial em 1599. ela se converteu no discurso fundador da cultura escolar católica com um viés claramente disciplinante, que deveria orientar a educação jesuítica em todo o mundo (dallaBrida, 2001). os colégios jesuíticos da américa portuguesa seguiam as determinações da Ratio Studiorum e, para tanto, ensinavam as letras clássicas e utilizavam estratégias disciplinares modernas, como a arquitetura panóptica e a disputa e a premiação entre os estudantes. por meio de seus colégios jesuíticos, a américa portuguesa integrava-se à primeira onda de escolarização que tomou conta da europa ocidental, estimulada pela concorrência cristã provocada pelas reformas religiosas. no entanto, em face ao destino missionário dos jesuítas junto aos indígenas, os colégios da companhia de Jesus na américa portuguesa substituíram o grego, língua prevista na Ratio Studiorum, pela língua indígena – chamada “o grego do Brasil” (Bresciani, 1997). a cultura escolar jesuítica colocada em marcha na américa portuguesa tinha um filtro lusitano contrarreformista e estava afinada com o projeto de colonização cultural do Brasil.

outro momento significativo na História da educação brasileira deu-se após a emancipação política, quando o Brasil adotou o método lancasteriano para as suas escolas de primeiras letras. esse método de ensino havia sido criado na inglaterra, em fins do século Xviii, com o objetivo de proporcionar escolarização em massa para as classes populares. nas primeiras décadas do século XiX, ele se disseminou nos países europeus e em várias partes do mundo, sendo adotado pelos novos países latino-americanos que estavam se formando e se afirmando naquele momento histórico. no Brasil, o método lancasteriano começou a ser utilizado no final da década de

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1810, mas ele foi oficializado, em nível nacional, por meio do “decreto das escolas de primeiras letras, de 15/10/1827” (Bastos, 2005). as primeiras escolas normais criadas no Brasil, nas décadas de 1830 e 1840, ensinavam o método lancasteriano.

todavia, o Brasil vai se apropriar sobremaneira do método mútuo, nome dado ao método lancasteriano na frança – la méthode d’enseignement mutuel. a maioria dos manuais utilizados por professores brasileiros, na primeira metade do século XiX, era de origem francesa, e os poucos professores que foram aprender esse novo método de ensino no velho mundo dirigiram-se à escola normal de paris (silva, 2008, p. 53-54). o sistema de ensino no Brasil independente que procurava afirmar-se estava afinado com a importação de bens culturais franceses, tanto no ensino primário com o método mútuo como no ensino secundário, em que o imperial colégio de pedro ii tinha como referência os liceus franceses. o francesismo predominava nas artes em geral, na cultura política e, particularmente, no campo educacional. o método lancasteriano no Brasil, portanto, não foi adotado a partir das suas matrizes originais inglesas, mas apropriado das leituras e experiências francesas.

a apropriação do modelo de escolas graduadas no Brasil é ainda mais instigante na História da educação brasileira, pois integrou a modernização republicana e deu-se em ritmos bem diferenciados nos estados da federação brasileira (carvalHo, 1989). as escolas graduadas emergiram nos países europeus e nos estados unidos, em meados do século XiX, e se disseminaram pelo mundo como a cultura escolar moderna por excelência. as primeiras experiências das escolas graduadas no Brasil ocorreram no final do período monárquico, em escolas particulares, que seriam usadas nos sistemas públicos de ensino. com a instituição da república, o estado de são paulo implantou, de forma pioneira, as escolas graduadas, que passaram a se chamar “grupos escolares”. essa

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transformação significativa no ensino primário paulista estava articulada com a reforma da escola normal de são paulo, que formou os novos professores para os grupos escolares – as escolas da república (monarcHa, 1999, p.111-222). a partir da experiência em são paulo, os grupos escolares foram introduzidos em todos os sistemas estaduais de ensino. a maioria deles deu-se a partir da direção de professores paulistas, fenômeno que ficou conhecido como “bandeirismo paulista” (souza, 1998).

no processo de instituição dos grupos escolares no Brasil, nas primeiras décadas do regime republicano, constata-se a apropriação da cultura escolar de escolas graduadas europeias e norte-americanas. para modernizar o ensino primário, o estado de são paulo apoiou-se na matriz pedagógica e contratou professoras da escola americana, localizada na cidade de são paulo e dirigida por missionários presbiterianos norte-americanos, que colocavam em marcha a tradição pedagógica das escolas graduadas. pelo fato de a experiência paulista ter sido a matriz educativa da modernização pedagógica no início da república, a cultura escolar dos grupos escolares e das escolas normais reformadas no Brasil foi marcada, particularmente, por discursos e práticas educativas norte-americanas. nesse processo, a recepção dos manuais do método intuitivo ou lições de coisas – o coração da pedagogia moderna e das escolas graduadas – no Brasil, é bastante emblemática. desde o final do século XiX, foram traduzidos para o português vários manuais de lições de coisas, mas foi aquele do educador norte-americano norman allison calkins, intitulado Primeiras lições de coisas: manual para uso de pais e professores da escola elementar, que teve maior sucesso e difusão no Brasil. o manual de calkins foi traduzido para o português por rui Barbosa e publicado no Brasil, pela primeira vez, em 1886, tornando-se a principal referência do método intuitivo nas escolas normais brasileiras até a década de 1920 (teive, 2008, 126-130).

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em realidade, a operação de apropriação das culturas escolares é multifacetada e se realiza entre os níveis mais amplos (mundial, nacional e estadual) e aqueles mais locais, como a escola e mesmo a sala de aula, bem como entre o nível do prescrito nas ideias e nas normas e o que é praticado no cotidiano escolar. a compreensão das apropriações em diferentes dimensões nas culturas escolares em movimento é necessária e salutar para a percepção crítica dos usos de artefatos pedagógicos na tessitura da escolarização no Brasil. essa compreensão deve contribuir para que os estudantes percebam as apropriações realizadas no Brasil no campo educacional em relação a outros países. mas também deve contribuir para o entendimento da leitura brasileira das culturas escolares em circulação no mundo, procurando constatar os seus arranjos, vulgarizações e reinvenções criativas.

Considerações finais

neste ensaio, procurei repensar a disciplina História da educação nos cursos de pedagogia no Brasil à luz das suas atuais diretrizes curriculares nacionais. se a genealogia da escola e a compreensão das culturas escolares no tempo podem ser pensadas para todos os cursos superiores, o foco na escolarização da infância é específico para os cursos de pedagogia. assim, a disciplina História da educação, em outros cursos de licenciatura que não o de pedagogia, poderia pensar genealogias dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio. apesar de haver pontos de ligação, especialmente na época contemporânea, considero que há diferenças históricas entre os antigos cursos primário e secundário, que, em boa medida, permanecem presentes. Geralmente a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental/ensino primário são ministrados por um ou dois professores/as, enquanto os anos finais do ensino fundamental

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e o ensino médio/secundário têm um professor para cada disciplina. assim, nas instituições de educação da infância, há menor dispersão de conteúdos e de métodos, o que não significa homogeneidade pedagógica, pois os níveis de apropriação são diversificados e dinâmicos.

na disciplina História da educação, é oportuno e eficaz que os estudantes do curso de pedagogia sejam colocados em contato com experiências de escolarização da infância em diferentes momentos históricos. esse conhecimento deve proporcionar estranhamento que relativize as culturas escolares das instituições de educação da infância, percebendo-as como construções históricas. por outro lado, ele deve contribuir para perceber que algumas culturas escolares permanecem por longos tempos, marcando diferentes gerações. a compreensão de que alguns processos históricos são diferentes e outros avançam sobre o presente é salutar e necessária para alavancar a inovação e a eficácia nas práticas educativas atuais. no entanto, as instituições de educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental podem e devem ser relacionadas com outros níveis de escolarização, particularmente os cursos de formação de professores, como a escola normal, o curso de magistério e os cursos de pedagogia. É imprescindível contextualizar a escolarização da infância no campo educativo e na sociedade, procurando perceber como as políticas, manifestos educativos e movimentos sociais também intervêm na tessitura das culturas escolares. contudo, essa necessária perspectiva relacional não deve tirar o foco da escolarização da infância e nem se perder em digressões contextuais.

enfim, penso que, nos cursos de pedagogia no Brasil, deve-se procurar proporcionar aos estudantes uma história genealógica da escolarização da infância, que perceba as apropriações brasileiras das culturas escolares em circulação no mundo. assim, os olhares temporais sobre os anos iniciais do ensino fundamental e as instituições de educação infantil devem ter presente a abrangência da dimensão nacional,

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buscando identificar as emergências das novas culturas escolares e a sua recepção diversificada nos sistemas públicos de ensino e nas unidades escolares. no processo de apropriação das culturas escolares, é importante entranhar marcadores sociais, como gênero, religião, etnia e classe social, pois eles permitem constatar diferentes e desiguais modos de educação da infância.

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o pEríodo Colonial nos manUais dE história da EdUCaÇÃo brasilEira

thais nivia de lima e fonseca

Introdução

a maior parte dos livros de História da educação no Brasil, destinados e/ou usados na formação de professores, vem seguindo a periodização consolidada historiograficamente desde o século XiX, ou seja, organizando seus conteúdos nos períodos colonial, imperial e republicano. publicados mais sistematicamente desde meados do século XX, eles permaneceram a maior parte desse tempo alheios aos avanços da historiografia brasileira, seguindo os passos de uma abordagem consagrada acerca dessa história. só muito recentemente a produção desse tipo de livro tem sido informada pela historiografia renovada, em muitos temas e problemas. esse aspecto denota os já conhecidos problemas de sintonia entre a produção historiográfica brasileira e a História da educação, que marcou uma parte significativa da trajetória desta última no país.

a renovação recente, que propõe realizar essa interlocução e trazer ao ensino de História da educação o debate historiográfico mais geral, tem produzido algumas obras que podem, efetivamente, contribuir para o avanço desse ensino nos diferentes cursos de formação de professores, hoje concentrados no nível superior. mesmo levando em conta esse movimento, observa-se que alguns períodos e alguns temas permanecem alicerçados em abordagens ultrapassadas,

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repetindo interpretações já superadas pela produção historiográfica mais recente e deixando de considerar aspectos novos incorporados ao conhecimento histórico sobre o Brasil que são conhecidos há pelo menos duas décadas.

minha intenção neste texto é realizar uma análise possível de um conjunto de livros usados tanto nos cursos de formação de professores quanto como referências de base para a História da educação no Brasil, nas últimas décadas. suas características e os usos que deles podem ser feitos nos permitem tratá-los como “manuais” no sentido de serem obras sobre uma história geral da educação no Brasil. no recorte aqui definido, a ênfase recairá sobre as temáticas relacionadas com o período colonial, visivelmente o menos estudado pela historiografia da educação brasileira, em comparação com os períodos imperial e republicano.1

Panorama da historiografia sobre o período colonial

o período colonial tem sido estudado sistematicamente desde o século XiX, quando do surgimento de uma historiografia brasileira propriamente dita, a partir da fundação do instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1838. naquele momento do processo de formação do estado nacional no pós-independência, apresentava-se às elites políticas e intelectuais a necessidade da construção de uma nacionalidade, o que implicaria a elaboração de uma história nacional que explicasse a trajetória da nação até a conquista da sua soberania. recém-saído de três séculos de domínio português, o Brasil não poderia prescindir deste período para a construção dessa história e, por isso, sua condição de parte do império português do antigo regime precisava ser reconhecida. além disso, o processo de independência

1 análises dessa produção podem ser vistas em: carvalho, 1998; vidal e faria filho, 2003; fonseca (no prelo).

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política garantira a manutenção da monarquia com a mesma dinastia reinante, o que implicaria, na visão dos primeiros historiadores do império, uma necessária valorização do passado colonial sob o domínio de portugal. esse foi o sentido dado pela historiografia brasileira em suas décadas iniciais antes que, com a proclamação da república, um olhar mais crítico sobre os efeitos da colonização portuguesa fosse aplicado aos estudos sobre aquele período.

na primeira metade do século XX, a preocupação com as razões do atraso do Brasil, em relação a alguns países europeus e aos estados unidos, e com os motivos das dificuldades brasileiras em vencer a condição de país periférico – principalmente do ponto de vista econômico – levou muitos estudiosos a se debruçarem sobre a História do Brasil no período colonial, origem possível das explicações para essas questões. esse é um movimento intelectual e historiográfico bastante conhecido, que tem sido fartamente estudado na última década e meia, e que aponta para as obras de alguns autores referenciais, como Gilberto freyre, sérgio Buarque de Holanda e caio prado Júnior2 – para citar apenas os três “clássicos” – que propuseram a reflexão sobre o período colonial em bases diferentes daquelas que haviam sustentado a historiografia mais tradicional, exaltadora ou detratora da dominação portuguesa no Brasil. esses autores colocaram em evidência aspectos, como a escravidão, a cultura, o cotidiano, as relações sociais, sugerindo que a sociedade colonial seria muito mais complexa do que demonstravam alguns dos autores mais tradicionais, e que haveria necessidade de um grande esforço de pesquisa para tornar essa complexidade mais visível. 3

2 freyre (1996), Holanda (1989), prado Júnior (1981).3 alguns dos estudos mais conhecidos sobre esse processo são: Guimarães (1988 p. 5-27), iglesias (2000), mota (1999) reis (1999), Botelho, e schwarcz (2009), diehl (1998).

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o movimento de reflexão sobre o passado colonial não foi suficiente, contudo, para garantir que a historiografia seguisse imediatamente essas pistas, salvo, certamente, pelo trabalho de caio prado Júnior. sua influência para as análises marxistas sobre a colonização portuguesa no Brasil marcou essa historiografia por quase todo o século XX, e as criativas indicações de Gilberto freyre e sérgio Buarque de Holanda só seriam retomadas a partir da década de 1980. nesse momento, buscando sair da esfera das análises concentradas no estado ou na igreja, e na perspectiva marxista fundada nos modelos preestabelecidos, uma nova geração de historiadores, inspirados pela chamada “nova história” francesa e pela história social inglesa, voltou-se para aspectos antes desconsiderados como objetos de investigação sobre o período colonial, como: a escravidão, vista para além da ideia do escravo-coisa e das relações polarizadas entre senhores e escravos; as manifestações culturais ligadas às religiosidades e à presença das culturas africana e indígena; os processos de urbanização; as relações de poder inscritas em outras esferas fora dos quadros tradicionais; a presença das mulheres na sociedade colonial; entre outros temas. curioso é que a educação, como tema possível de estudo, foi praticamente ignorada por essa historiografia, salvo quando mencionada de forma periférica e carente de elaborações conceituais mais precisas, por exemplo, as distinções entre educação escolar e não escolar (que muitos preferem, a meu ver equivocadamente, tratar como formal e informal, respectivamente).

O período colonial na historiografia da educação brasileira

a historiografia da educação não seguiu esse mesmo movimento, constituindo-se verdadeiramente como tal, muito tardiamente, nas últimas décadas do século XX, e procurando, com o todo o fôlego possível, alcançar sintonia com a produção

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historiográfica em geral. sua preocupação com o processo de escolarização e com a constituição de um sistema escolar no Brasil direcionou as pesquisas para o século XiX, a partir da independência, quando o estado brasileiro iniciou suas ações nesse sentido. procurar pelas sequências desses processos depois da queda da monarquia, nos quadros do regime republicano, foi um desdobramento previsível, o que ajuda a explicar a preferência dos historiadores da educação pelos períodos posteriores à emancipação política do Brasil. pode-se considerar ainda que havia, então, uma clara predominância de pessoas sem formação específica em História nessa área, o que dificultava as incursões pelo período colonial, para o qual é maciça a presença de documentação manuscrita – exigente quanto ao treinamento para sua leitura e interpretação – e para o qual são muito distintas as formas de organização institucional que acabam por instruir a organização da documentação nos arquivos e sua consequente localização e utilização. não posso deixar de mencionar, ainda, a forte influência exercida por interpretações tradicionais sobre a educação no período colonial, confinada à atuação das ordens religiosas, principalmente da companhia de Jesus, e considerada inexpressiva, senão inexistente, depois do período pombalino e da expulsão dos jesuítas do império português, em 1759. para muitos, isso já descartava a possibilidade do estabelecimento de um programa de pesquisa sobre aquele momento histórico. uma interpretação, aliás, devedora da obra de fernando de azevedo e de sua influência sobre o pensamento educacional brasileiro.4

essa foi, na verdade, a interpretação que, consagrada, subsidiou o que a maioria dos autores escreveu sobre a educação no período colonial no Brasil nas obras de História Geral da educação Brasileira, muito usadas na formação de professores e, portanto, centrais no ensino da disciplina História da educação. esse tipo de produção – como não é

4 azevedo 1943. ver: carvalho,(1998) e fonseca, (no prelo).

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incomum nas obras de caráter didático ou de divulgação – tem ficado passos atrás da produção historiográfica, mesmo em anos mais recentes. algumas publicações têm procurado fazer o movimento de aproximação e serão comentadas mais adiante. antes, cabe analisar algumas das linhas mestras das abordagens historiográficas dadas à educação e aos processos educativos no Brasil durante o período colonial.5

vista como parte do processo de colonização e de dominação portuguesa nas terras americanas, a educação foi apresentada pela historiografia específica, até há poucos anos, como relacionada necessariamente com a atividade de natureza escolar, e executada quase exclusivamente pelo estado e/ou pela igreja, mas, sobretudo, por esta última. as ordens religiosas foram consideradas como os principais agentes educadores. entre elas, o destaque é dado à companhia de Jesus e à sua ação catequética. conforme a orientação historiográfica e o período de produção dos trabalhos, percebe-se o acento no elogio ou na detração dessa atuação religiosa. até a década de 1970, aproximadamente, prevaleceu uma perspectiva claramente positiva acerca da atuação das ordens religiosas no campo educacional, e isso não apenas por parte de autores vinculados direta ou indiretamente à igreja católica. essa posição verificou-se também naqueles que acabaram por se mostrar tributários de uma historiografia republicana que, embora tendendo a desvalorizar a colonização portuguesa, acabaram por dar à igreja um papel diferenciado naquele processo, uma vez que ela e seus agentes teriam assumido muitas atividades que, de outro modo, não teriam sido possíveis. Houve, claro, os que, seguindo uma tendência marcada por fortes posicionamentos ideológicos ligados à esquerda política, reduziram a educação e a catequese ao papel de meros pretextos para os objetivos mercantilistas e conquistadores dos portugueses, cujos resultados foram, necessariamente, nefastos para o Brasil.

5 ver também: fonseca, (2003, 2009).

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assim, o período que vai das primeiras décadas do século Xvi até a expulsão da companhia de Jesus do império português, em 1759, abrigaria a existência daquilo que mais se aproximaria de um “sistema” educacional com alguma eficiência. depois disso, com o fechamento das escolas dos jesuítas, o estado não teria sido capaz de implantar outra estrutura que substituísse adequadamente o que os jesuítas haviam deixado, e teria, então, se instalado o vazio educacional, que duraria, a rigor, até a ascensão do regime republicano. a expulsão dos jesuítas foi tratada como uma manifestação da cegueira administrativa do estado português em um momento de conflito direto do governo de d. José i – mais especificamente de seu ministro, o marquês de pombal – com alguns setores da igreja católica, especialmente com a companhia de Jesus. como efeito, com essa medida, ficou a população do Brasil sem escolas para onde enviar seus filhos, e o sistema de aulas régias criado em substituição ao ensino jesuítico resultou em total fracasso.

esta perspectiva de uma História da educação que não considere outras dimensões que não a escolar e que se paute por uma orientação de História nitidamente legal e institucio-nal, privou essa historiografia da capacidade de observar outros aspectos da vida social do Brasil no período colonial e de per-ceber a existência de outras formas de educação, tão ou mais importantes, conforme as circunstâncias, do que a educação es-colar centrada do aprendizado da leitura e da escrita, principal-mente. além disso, essa historiografia da educação não tratou adequadamente seus objetos de análise do ponto de vista meto-dológico, pois teimou em observar os fenômenos educacionais do passado com as referências do seu próprio presente, par-tindo de uma concepção de educação e de escola fixada mais claramente no século XX. É evidente que jamais encontraria tais perfis na sociedade do antigo regime e, por isso, acabou por realizar julgamentos nada científicos acerca das razões, das necessidades e das ações dos homens do passado.

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para além dos trabalhos dedicados à atuação educacional das ordens religiosas no Brasil – e sempre com nítido destaque para a companhia de Jesus – houve pouquíssimos estudos sobre a educação no período colonial até muito recentemente. pude detectar alguns trabalhos pioneiros quanto à temática e à abordagem na década de 1970 e uns poucos durante a década seguinte, em geral trabalhos acadêmicos nunca publicados ou publicados de forma muito restrita. a exceção fica para as já consideradas clássicas obras de laerte ramos de carvalho e de antônio alberto da Banha andrade que, em um plano mais geral, dedicaram-se ao estudo das reformas pombalinas e da implantação do ensino régio no Brasil.6

nos últimos anos, tem crescido o interesse de muitos pesquisadores sobre a educação no período colonial, e alguns temas têm sido mais desenvolvidos, como o próprio ensino régio decorrente das reformas pombalinas, explorado mais recentemente para além de seus aspectos legais, porém procurando-se conhecer mais sobre os meandros de seu funcionamento, considerando mais de perto os sujeitos nele envolvidos, principalmente os professores. os processos educacionais relacionados com a inserção dos indivíduos na cultura escrita também têm atraído a atenção dos pesquisadores, numa clara interlocução com o campo da história cultural dedicado à história do livro e da leitura. os quadros das relações sociais e das sociabilidades que tinham a educação – escolar ou não – como um de seus principais mediadores também começam a ser explorados, por meio dos referenciais de uma história social já bastante produtiva no Brasil.7

6 ver referências ao final.7 entre alguns dos trabalhos, ver: abreu (1999), abreu e schapochnik (2005), cardoso (2002), silva (2008); silva (2004); silva (2006), villalta (1997), villalta (2007), morais (2009).

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O período colonial nos manuais de História da Educação Brasileira

feitas essas rápidas incursões sobre a historiografia da educação relativa ao período colonial, passemos à análise de um conjunto de livros de uma História Geral da educação no Brasil, selecionados principalmente por sua reconhecida presença nos cursos de formação de professores, e muito usados como material didático de referência, mesmo quando não foram produzidos diretamente com esse propósito. em vista dos limites deste texto, o conjunto de obras selecionadas não é extenso, mas creio ser representativo das diferentes abordagens adotadas por seus autores, em diversos momentos da história da produção desses “manuais” de História da educação no Brasil.

as características desses livros orientaram a definição dos critérios de análise em função do agrupamento que realizei, acabando por descartar uma primeira e mais óbvia opção, que seria a da ordem cronológica de publicação, em primeiro lugar. minha proposta resultou na organização de um primeiro agrupamento, no qual aparecem os livros marcados, basicamente, pela superficialidade no tratamento dado à História da educação (pobreza de referências bibliográficas e documentais) e/ou pela repetição acrítica de interpretações pouco fundamentadas. o segundo agrupamento reúne livros mais recentes, nos quais os avanços da historiografia brasileira e da historiografia da educação em particular são incorporados com uma preocupação metodológica mais acurada. dentro do primeiro agrupamento, foi necessária uma subdivisão em dois blocos:

a) as obras de História “Geral” da educação, em que a educação no Brasil aparece como uma parte do conteúdo, e não como o principal objeto;b) as obras especificamente de História da educação no Brasil.

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no primeiro bloco do primeiro agrupamento, analisei três obras publicadas entre as décadas de 1930 e 1970, elaboradas como manuais introdutórios ao tema da História da educação em geral. por isso, a maior parte do conteúdo trata da educação da antiguidade ao mundo contemporâneo, cada qual sob uma perspectiva própria, e a parte relativa ao Brasil constitui sempre a final, e mais reduzida. são elas:

a) Noções de história da educação, de afrânio peixoto (1933);b) Noções de história da educação, de theobaldo miranda santos (1945);c) Fundamentos da educação, de Gilberto cotrim e mario parisi (1979).

publicada em 1933, Noções de história da educação, de afrânio peixoto,8 tem sua importância reconhecida na história da formação de professores no Brasil, em um momento particularmente fértil da reflexão e das ações públicas e privadas em relação à educação brasileira (roBallo, 2009). o livro, destinado à “recordação para professoras” (peiXoto, 1942, p. 7) é dividido em nove capítulos, da “educação antiga” à “educação contemporânea”, da qual fazem parte os capítulos vi a viii, que tratam do Brasil. das 49 páginas sobre a educação brasileira, somente oito tratam do período colonial, em texto concentrado em dois pontos: a educação jesuítica e as reformas pombalinas do século Xviii. essa é, aliás, a tendência que veremos em praticamente todos os manuais analisados, confirmando que a concepção de educação utilizada pela historiografia em geral e pelos autores de manuais é a da educação escolar e da escolarização. conforme tenho afirmado, ela é limitadora quando se trata do estudo do período colonial, quando múltiplas formas de educar e de instruir existiam, nem sempre nos quadros da escolarização pública ou privada.

8 utilizei a edição de 1942.

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quando trata da atuação educacional da companhia de Jesus, peixoto é claramente elogioso, atribuindo a ela o protagonismo do início da História da educação no Brasil, com a chegada dos primeiros padres jesuítas, em 1549. “educadores do Brasil”, “primeiros professores”, eles foram responsáveis por um processo de moralização da população colonial pela educação, e nos lugares onde eles não estiveram, observou-se o atraso do processo educacional, como em minas Gerais. logo ao sucesso dos jesuítas na educação segue-se o desastre da administração pombalina, com a expulsão da companhia de Jesus e o fechamento de suas escolas, a “primeira e desastrosa” reforma do ensino sofrida pelo Brasil (peiXoto, 1942, p. 251). suas referências estão muito concentradas em moreira d´azevedo e em luiz dos santos vilhena, que, aliás, são apenas mencionados, sem remeter o leitor às suas obras (d´azevedo, 1892; vilHena, 1921). o trabalho é todo pouca informação, chegando a conclusões muito negativas acerca de todo o processo histórico da educação durante o período colonial brasileiro. É preciso considerar, porém, que, do ponto de vista historiográfico, o manual de afrânio peixoto é bastante compatível tanto com as abordagens predominantes quanto com o estado do conhecimento sobre a educação brasileira no período colonial, nas primeiras décadas do século XX.

o também intitulado Noções de história da educação, de theobaldo miranda santos, teve sua primeira edição em 1945. localizei outras edições até 1967. a edição que utilizei indica estar o livro “[...] de acordo com os programas das faculdades de filosofia, dos institutos de educação e das escolas normais” (santos, 1951). nele, a parte sobre “a educação brasileira” é, na realidade, o apêndice. das 27 páginas que o constituem, apenas sete são dedicadas ao período colonial. Boa parte dos autores que subsidiam o texto de santos sobre a educação na colônia são os mesmos que já haviam sido usados por afrânio peixoto e, depois dele, por vários autores, incluindo

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fernando de azevedo, que é, também, uma das principais fontes para o manual. também aqui, a educação no Brasil colonial é tratada a partir dos dois temas clássicos: a atuação dos jesuítas e as reformas pombalinas. o olhar francamente favorável à companhia de Jesus, vindo de um autor ligado aos movimentos católicos da primeira metade do século XX, acompanha a tendência observada nos estudos dessa época, mesmo quando originários de autores considerados mais “críticos” e integrados nas discussões modernas sobre a educação brasileira.

theobaldo miranda santos repete a ideia de serem os jesuítas os primeiros educadores do Brasil e responsáveis pela expansão da civilização na américa. sua visão da colonização portuguesa é claramente negativa, avaliada como despótica e exploradora, e os portugueses ligados a esse processo, indivíduos desonestos e gananciosos, desinteressados pelo ensino e pela cultura, o que destacava, “[...]de modo eloqüente, o valor inestimável da obra realizada pelos jesuítas em prol da educação brasileira” (santos, 1951, p. 486). sem apresentar novidades, santos também identifica a interrupção do êxito jesuíta na realização da reforma pelo marquês de pombal, que “[...] lavrou a sentença de morte do ensino na colônia” (santos, 1951, p. 492) e em apenas um longo parágrafo sintetiza os nefandos efeitos sobre a educação, baseando-se nas afirmações de moreira d´azevedo e de fernando de azevedo.

distante no tempo, mas não na interpretação, o livro Fundamentos da educação, de Gilberto cotrim e mario parisi,9 em nada difere dos anteriores quando trata do período colonial. como os demais, seu livro não é dedicado exclusivamente à História da educação no Brasil, mas segue os programas de uma História Geral, da antiguidade ao século XX. em seu brevíssimo capitulo 11, ele resume o que pode sobre a História da educação no Brasil, do século Xvi

9 a primeira edição é de 1979 e localizei ediçoes posteriores até 1993.

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ao XX, num texto superficial, com uma narrativa tipicamente “colegial”, também dividida entre a atuação dos jesuítas e as reformas pombalinas, e usando, como principais fontes, os textos de fernando de azevedo, José antonio tobias, maria luisa ribeiro e otaíza romanelli.10 o manual de cotrim e parisi teve sucessivas edições até 1993, que eu tenha podido localizar.

passemos ao segundo bloco do primeiro agrupamento de manuais selecionados para esta análise, aqueles voltados especificamente para a História da educação no Brasil, num total de seis obras:

a) A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil, de fernando de azevedo (1943);b) História da educação brasileira, de José antonio tobias (1972);c) História da educação brasileira, de maria luisa santos ribeiro (1978);d) História da educação no Brasil, nelson piletti (1990);e) História da educação: a escola no Brasil, de maria elizabete Xavier, maria luisa ribeiro e olinda maria noronha (1994); d) História da educação brasileira, de paulo Ghiraldelli Jr. (2005)

Já que apresentei os livros em sua ordem cronológica de publicação, comecemos pelo clássico de fernando de azevedo, A cultura brasileira.11 É na terceira parte da obra, A transmissão da cultura, que se acha o texto sobre o período colonial, intitulado O sentido da educação colonial. a obra de fernando de azevedo não tem a estrutura habitual de um livro de caráter didático, mas o vasto uso que dela se fez nos cursos de formação de professores, principalmente os de nível superior, a qualifica para a análise que propus realizar neste trabalho. além disso, como tenho demonstrado, ela foi exercendo cada vez mais influência sobre os manuais

10 ver referências ao final.11 utilizei a 4ª edição, publicada pela editora melhoramentos, em 1963.

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propriamente didáticos publicados sobre História da educação no Brasil, desde meados do século XX. o texto O sentido da educação colonial é claramente mais desenvolvido e mais bem documentado do que qualquer outro que analisei até aqui, mas segue de perto os mesmos princípios de interpretação que vimos, por exemplo, em afrânio peixoto.12 a atuação da companhia de Jesus é mais uma vez aplaudida, e azevedo consome a maior parte do capítulo tratando da estrutura e características do ensino jesuítico no Brasil. cerca de um terço do texto é dedicado às reformas pombalinas da educação. fernando de azevedo pensou a atuação dos jesuítas de forma tão ampliada, que chegou a considerá-la “obra de educação popular” e o genuíno “sistema colonial de ensino” (azevedo, 1963, p. 507-508).

ao contrário dos autores do seu tempo, no entanto, azevedo chegou a considerar alguma forma de educação não escolar, quando tratou da educação doméstica, sobretudo quando interessado na educação feminina. nesta parte, sua principal referência foi Gilberto freyre, estudioso da família patriarcal.13 quanto às reformas pombalinas, representaram para azevedo, assim como para os outros autores, a destruição sem reconstrução, o comprometimento por mais de um século da educação brasileira, pela extinção do ensino jesuítico e pelo fracasso retumbante das medidas relacionadas com as reformas realizadas durante o reinado de d. José i.

as linhas gerais do texto de fernando de azevedo foram seguidas, como já é sabido, por uma parte considerável dos autores de livros dessa natureza, até muito recentemente. É interessante observar que, mesmo aqueles que partiram de pressupostos teóricos muito distintos – como os de inspiração marxista, por exemplo – consideraram como possível apenas a educação escolar e mantiveram a abordagem dividida em

12 Já analisei algumas caracteristicas do texto de azevedo em meu livro Letras, oficios e bons costumes (2009), já referenciado (ver páginas 51-52).

13 a edição utilizada pelo autor foi a de 1934.

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educação jesuítica e reformas pombalinas, atribuindo valores a uma e/ou outra, mas chegando à mesma conclusão negativa acerca dos efeitos da expulsão dos jesuítas do Brasil. os livros de maria luisa santos ribeiro, nelson piletti e maria elizabete Xavier inscrevem-se nesse grupo, todos apresentando uma concepção dualista da história, em que a interpretação é sempre feita na perspectiva da oposição “classe dominante X classe dominada” (às vezes vagamente definida como “povo”), de uma visão conspiratória, de um certo fatalismo da condição dependente e explorada do Brasil, de concepções problemáticas de cultura (cultura das elites X “cultura de resistência”), e as tentativas de enquadramento dos diferentes momentos da História do Brasil em modelos preconcebidos. as abordagens de maria luisa ribeiro e nelson piletti são explicitas quanto a isso, sem, no entanto, inovar quanto ao que chamaríamos de “conteúdo histórico”, relativo à educação jesuítica e às reformas pombalinas. nada que avance em relação ao que já vinha sendo escrito desde a primeira metade do século XX, sendo textos muito convencionais nesse sentido. o de piletti tem um caráter didático – em seu sentido colegial – mais forte. Já o livro de maria elizabete Xavier mais atrapalha que contribui para o ensino de História da educação, com sua linguagem panfletária, simplificação determinista e uma visão fortemente negativa de todo o processo histórico brasileiro, resultado último da perversidade das elites, desde a colonização portuguesa.

também incluído no segundo bloco do primeiro agrupamento, o livro de José antonio tobias, História da educação brasileira, cuja primeira edição é de 1972, difere dos anteriores sobretudo por sua abordagem filosófica e pelo entendimento explícito de que a História da educação refere-se à legislação educacional e ao pensamento pedagógico. tobias propõe uma periodização da História da educação brasileira que leve em consideração o critério “educacional”, ao invés do político ou do econômico somente, fazendo uma

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organização mais temática que cronológica do livro. por isso, a educação, no período colonial, aparece espalhada em diferentes momentos da obra, conforme o tema abordado. tem o mérito de ter obrigado o autor a tratar de aspectos educacionais que os outros que tenho examinado sequer consideraram, como a educação dos índios fora do âmbito da catequese, segundo sua própria cultura e suas tradições. sobre a educação das mulheres, tobias somente considera a possibilidade de sua ocorrência nos conventos e instituições similares. sua abordagem é, como a maioria, claramente favorável à atuação da companhia de Jesus, condenando sumariamente a política pombalina pelo desastre que se seguiu à extinção das escolas inacianas, chegando a negar qualquer ação positiva do estado em relação à educação, depois do alvará de 1759. José antonio tobias, no entanto, tem opiniões positivas quanto à colonização portuguesa na américa e ao seu legado para a formação da sociedade brasileira. sua base bibliográfica é a mesma dos demais autores, com destaque para as já mencionadas obras de fernando de azevedo e moreira de azevedo, e a História da Companhia de Jesus no Brasil, de serafim leite.

produzido em 2005, História da educação brasileira, de paulo Ghiraldelli Jr., segue a organização cronológica convencional, mas o espaço dedicado ao período colonial é mínimo: apenas quatro das 219 páginas do livro, dominado pelo período republicano, que ocupa 12 dos seus 14 capítulos. o autor tem claras preferências pelas dimensões político-partidárias e legislativas, além do peso dado ao pensamento pedagógico. as parcas quatro páginas sobre a educação na colônia tratam, como de praxe, dos jesuítas e de pombal (aliás, o título do tópico em questão). texto essencialmente didático, começa com uma frase absolutamente dispensável e, eu diria, tola, que parece já indicar o lugar que o período colonial terá na obra: “o Brasil foi colônia de portugal entre 1500 e 1822!” o autor trata burocraticamente da atuação da companhia de

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Jesus e das reformas pombalinas, sem discussão ou referências que façam diferença em relação aos livros publicados cinco ou seis décadas antes. na verdade, Ghiraldelli Jr. não inclui em sua bibliografia nenhuma obra sobre esses temas, nem mesmo aquelas clássicas, que encontramos em quase todos os livros de História da educação brasileira, já mencionados em outra parte deste trabalho.

finalmente, no segundo agrupamento de livros analisados, escolhi dois de publicação recente, que, de alguma maneira, procuram por uma abordagem mais qualificada metodologicamente, sintonizada com os parâmetros de cientificidade do campo historiográfico atual:

a) História da educação brasileira: leituras, de maria lucia spedo Hilsdorf (2003)b) História da educação, de cynthia Greive veiga (2007)

essas obras foram produzidas com a finalidade de servir à introdução dos interessados no campo da História da educação. por suas características, configuram-se como livros de utilização didática para os cursos de formação de professores, mas também para servirem como instrumento de consulta básica para os pesquisadores em geral.

sem fugir substancialmente da periodização tradicional ou de uma apresentação segundo o ordenamento cronológico, da colônia à república, os dois livros demonstram uma preocupação mais viva com a reflexão sobre a História da educação Brasileira, com base no que o atual estado da arte da historiografia pode oferecer. na História da educação brasileira: leituras, maria lucia Hilsdorf explicita essa intenção, apresentando, no início de cada capítulo, breves comentários sobre a historiografia dedicada ao tema em foco, procurando mostrar, mesmo sumariamente, as diferentes visões nela presentes, enfatizando a necessidade de que o passado seja percebido em sua historicidade. seu texto sobre a atuação dos jesuítas no Brasil procura contrapor as diferentes interpretações

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que vêm sendo construídas sobre o tema, analisando-a, mesmo que brevemente, segundo as condições históricas presentes no período colonial, sem cair nos julgamentos polarizados que vimos nos outros livros examinados neste texto.

o capítulo sobre as reformas pombalinas segue o mesmo princípio de colocar o problema segundo “uma posição mais equilibrada”, considerando a influência de uma historiografia que sedimentou uma visão negativa acerca desse tema. o problema é que a autora tem poucas referências que poderiam fazer avançar o conhecimento sobre as reformas. Hilsdorf utilizou os mesmos laerte ramos de carvalho e antonio alberto Banha andrade. Há que se considerar, contudo, que a verticalização mais substancial da pesquisa sobre a educação no período colonial brasileiro vem sendo feita muito recentemente, mesmo já havendo vários trabalhos em circulação na época da publicação do livro, e que poderiam ter sido acessados. a autora ainda avança o tema do período colonial num terceiro capítulo sobre a ilustração no Brasil, em que trata, sobretudo, da circulação das ideias por meio dos livros e dos letrados. esses três capítulos não são extensos, e a abordagem pode ser considerada relativamente superficial, mas é, de longe, mais interessante como material didático do que todos os livros que analisei até aqui.

termino esta análise panorâmica do período colonial em manuais de História da educação com História da educação, de cynthia Greive veiga, publicado em 2007. nele, a História da educação brasileira não é o tema exclusivo, mas predominante, apresentada em interação com o processo histórico ocidental mais geral, numa organização em que os capítulos sobre o Brasil e outras partes do ocidente se intercalam. a preocupação em fugir do tradicional par “jesuítas-pombal” evidencia-se no título de um dos capítulos que tratará do período colonial: “circulação de conhecimento e práticas de educação no Brasil colonial”, no qual não apenas os jesuítas e os indígenas, mas também as mulheres,

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a população branca pobre, as crianças órfãs e expostas, são igualmente sujeitos dos processos e das práticas educativas na américa portuguesa. a autora busca, em trabalhos recentes, as referências para ampliar o quadro dos diversos “espaços de formação e socialização”, para além do espaço propriamente escolar. o texto sobre o período pombalino não foge ao que temos visto nos demais livros analisados, já que também se apoia basicamente em antonio alberto Banha andrade, não tendo incorporado considerações provenientes de estudos que têm analisado importantes aspectos do efetivo funcionamento do ensino régio e do trabalho dos professores envolvidos. contudo, em termos da proposição de um texto didático mais claramente sintonizado com a historiografia recente da educação, e que apresente uma abordagem que remeta o leitor – professor ou estudante – ao conjunto dessa produção historiográfica por meio de indicações bibliográficas comentadas, o livro de Greive é um importante instrumento de trabalho para o professor de História da educação e de pesquisa inicial para o estudante.

Reflexão final

que indicações esta rápida investida em livros “didáticos” de História da educação no Brasil pode dar e que possam ter utilidade no ensino dessa disciplina, em relação ao período colonial, na maior parte dos cursos de formação de professores? como ficou demonstrado, o pequeno espaço dedicado à educação colonial nesses livros reflete o quadro geral da pesquisa sobre a educação no período. a produção desse tipo de livro com finalidade didática declinou a partir de um certo momento, e a ideia de “manuais” para o ensino da disciplina História da educação em cursos superiores não é bem vista por uma parte dos professores. a pulverização da pesquisa em trabalhos focados em temáticas particularizadas,

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e o aumento considerável da produção – como, aliás, vem sendo a tendência da historiografia de uma forma geral – tornam-se também elementos dificultadores para a elaboração desses livros, pois exigem do autor um elevado investimento em pesquisa e em leitura, o que nem sempre é possível para autores que, em geral, são professores universitários e pesquisadores imersos numa intensa rotina de trabalho.

mesmo nos livros analisados que, ultimamente, têm procurado a sintonia com a produção historiográfica, o espaço dedicado ao período colonial é visivelmente desfavorecido em face ao império ou a república. isso não deixa de preocupar, se pensarmos em uma das funções do ensino de História da educação no nível superior como sendo despertar interesse pela pesquisa histórica e preparar professores e pesquisadores para os cursos de pós-graduação. como promover o estímulo para a investigação de um período histórico que quase sempre é apresentado como tendo sido de pouca importância para a História da educação Brasileira, e muito frequentemente visto como responsável remoto, mas direto, das mais profundas mazelas desta sociedade? retomando parte do tripé básico que fundamenta as atividades universitárias brasileiras, ensino e pesquisa precisam estar mais próximos no que se refere à História da educação. por isso a necessidade de um maior cuidado no tratamento dado ao período colonial, não apenas nos “manuais”, como também nas aulas em si, para serem criados efeitos positivos para a formação dos professores que atuarão nos níveis básicos do ensino, ajudando na formação dos pesquisadores que queiram dedicar-se ao estudo desse importante momento da História da educação no Brasil.

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Ensinando história da EdUCaÇÃo, Formando proFEssorEs-pEsqUisadorEs:

o Ensino da história da EdUCaÇÃo no CUrso dE pEdagogia da UnivErsidadE

rEgional do Cariri

zuleide fernandes de queiroz

Introdução

o estudo teve como intuito maior analisar a caminhada da disciplina História da educação no ceará e no cariri, com oferta obrigatória no currículo do curso de licenciatura em pedagogia da universidade regional do cariri (urca), no período de 1998 até 2008, considerando que, a partir de 2009, seu conteúdo passou a integrar a disciplina de História da educação Brasileira.

o leitor pode indagar o que nos motivou à escrita. poderemos afirmar que, primeiramente, o objetivo foi registrar, como historiadora da educação, a experiência de uma disciplina com essa especificidade no currículo de um curso de Graduação. em segundo, decidimos analisar as repercussões dessa disciplina na formação do pedagogo. o registro nos possibilita entender o porquê de uma disciplina História da educação no ceará e no cariri, no currículo de um curso de formação de professores, bem como apresentar alguns resultados para o ensino e a pesquisa na área de história, memória e políticas educacionais.

consideramos relevante destacar a trajetória do curso de pedagogia da urca para entender a importância de uma disciplina como esta, uma vez que ela tratava da História da

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educação local e regional sem perder de vista a educação em seu sentido amplo, além de em muito contribuir para a formação do professor-pesquisador – perfil desejado para o profissional egresso do curso.

o curso de pedagogia da urca1 foi criado pela faculdade de filosofia do crato, em 1959, tendo como objetivos formar trabalhadores para o magistério, orientação e administração de escolas e sistemas escolares e preparar trabalhadores para o exercício das altas atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica (queiroz, 2008).

de acordo com o projeto pedagógico do curso, naquele período, a intenção era “[...] formar o professor, o pesquisador, o homem culto no próprio interior, com o objetivo de aí, melhor fixá-lo na região, criando-lhes condição de vida que os estimulasse e os sustentasse” (ppc do curso de pedaGoGia, 1998).

o referido curso formava o profissional com licenciatura plena em pedagogia com habilitação em: magistério das matérias pedagógicas, administração escolar 1º e 2º graus, orientação educacional 1º e 2º graus, supervisão escolar 1º e 2º graus e inspeção escolar 1º e 2º graus.

na década de 1980, com a resolução nº 04/88, de 9-2-1988, foram realizadas modificações na estrutura curricular do curso de pedagogia, reformulando o “[...] 1º ciclo ou ciclo básico, integrado por disciplinas comuns a todos os cursos de graduação desta universidade”. na década de 1990, a

1 criada, após o curso de pedagogia, a universidade regional do cariri (urca) se estabeleceu em 1986, pela lei estadual nº 11.191 de 9 de junho de 1986, sob a forma de autarquia especial, vinculada à secretaria de educação do estado, com sede na cidade do crato, atendendo a um raio de 300km, envolvendo 91 municípios dos estados do ceará, piauí, paraíba e pernambuco. a cidade era tida como polo irradiador da cultura do cariri cearense, dada a existência, na época, de uma boa rede de ensino de 1º e 2º graus, bem como de três faculdades isoladas (filosofia, ciências econômicas e direito) e um centro de tecnologia pertencente à universidade estadual do estado do ceará. fortes argumentos justificaram a criação da urca: a importância de uma universidade para o desenvolvimento regional e capaz de fixar o homem no seu meio.

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partir do questionamento nacional acerca da formação dos especialistas em educação, o curso de pedagogia foi objeto de debate.

especificamente sobre o curso de pedagogia da urca, por meio da resolução nº 027/94 – Gr foi encaminhada uma proposta de currículo para apreciação do conselho de educação do ceará, no intuito de obter autorização para implantar novo currículo para o curso de pedagogia. em 1995, apresentou-se uma proposta de reconceptualização do curso2 que definiu como princípios norteadores:

visão crítico dialético da educação, evidenciando seus deter-minantes políticos, sociais e econômicos, formação do edu-cador globalista-pesquisador, que proporcione leitura e com-preensão da realidade educacional da região na sua relação com contextos sociais, nacionais e internacionais, visão dialé-tica da cultura, meio-ambiente e do conhecimento, entendida nas suas especificidades sociais e históricas, intencionalidade de capacitar profissional com visão político-pedagógica, for-mando educadores capazes de intervirem no desenvolvimento educacional da região (leitinHo, 2000, p. 59).

em 1998, pela resolução nº 15/98, foi aprovada a nova estrutura curricular, tendo por base a formação do educador, podendo, a partir do interesse do estudante, habilitar o gestor escolar, o supervisor e o orientador educacional. em 1999, respondendo à diligência do conselho estadual de educação do ceará (cec), o colegiado do departamento procedeu às reformulações no documento de 1998, definindo como perfil o profissional “[...] habilitado para atuar na educação formal e não formal, sendo o exercício do magistério” a base obrigatória de sua formação e identidade profissional.

2 coordenado pela professora da universidade federal do ceará, meirecele calíope leitinho, que realizou seus estudos de doutoramento acerca da temática: currículo, estudando a reconceptualização curricular dos cursos de formação de professores da urca. a referida professora publicou esse estudo em 2000.

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o licenciado em pedagogia na urca, de acordo com o projeto do curso, aprovado em 1998, é um “[...] profissional capacitado para interferir no processo educacional através da realização de atividades de ensino (docência na educação infantil, ensino fundamental e nas disciplinas de formação pedagógica do nível médio), de pesquisa e de extensão”.

esse resgate histórico do curso mostra que ele norteia a formação central do seu aluno, tendo a pesquisa como centro, ou seja, a formação do professor-pesquisador, apresentando ao professor desse curso de graduação o desafio de articular e integrar suas atividades de ensino, pesquisa e extensão.

a matriz curricular aprovada em 1998 trazia como núcleo de História da educação, das 3.200 horas totais do curso, três disciplinas: introdução à educação, no primeiro semestre do curso, com um total de 60 horas; evolução da educação Brasileira, ministrada no segundo semestre, com 70 horas; e História da educação no ceará e no cariri, para o terceiro semestre, com 45 horas.

durante todos esses anos, a disciplina História da educação no ceará e no cariri foi coordenada por professores, inicialmente do departamento de História e, a partir de 2003, passou a ser lecionada por um professor do curso de pedagogia. nesse período, foram registradas muitas formas de ensinar a disciplina, na tentativa de oferecer ao aluno um estudo da História da educação local.

Como foram feitos os registros da disciplina

nosso registro tomou por base o percurso metodológico realizado por cavalcante quando relata:

começaremos por salientar a necessidade de uma pesquisa mais profunda e sistemática sobre o passado da área como parte do ordenamento curricular da referida instituição, onde há sabidamente um rico acervo de documentos, testemunhos e

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vivências de antigos alunos e professores a ser organizado [...] (cavalcante, 2009, apud Gatti Junior; monarcHa; Bastos, 2009).

a pesquisa da professora acontece em outra instituição. o seu percurso, entretanto, instigou-nos a fazer este registro e análise para subsidiar novas discussões, principalmente agora, sob a vivência de um novo currículo no qual essa disciplina não mais existe. assim, indagamos: o que levou o curso de pedagogia a retirar essa disciplina do currículo? como ficam os estudos realizados acerca da temática nesta nova estrutura? que resultados acadêmicos a disciplina proporcionou para o curso?

com essas indagações, começamos a fazer nossas anotações e agora apresentamos uma contribuição para o debate acerca do ensino da História da educação. aqui fazemos um relato de como a disciplina foi ministrada ao longo do período. em seguida, apresentamos como se deu a formação do professor-pesquisador nesse espaço e, por último, uma análise da nova realidade.

Como os professores ensinavam a disciplina História da Educação no Ceará e no Cariri Cearense

em documentos existentes nos arquivos da pró-reitoria de Graduação,3 encontramos registrado que, no período de 1998 a 2002, a disciplina História da educação no ceará e no cariri cearense era lecionada por professores do departamento de História da urca. era uma disciplina do departamento de educação, mas como essa secretaria não dispunha de um professor com formação específica na área, não tinha

3 ao longo de 2007 e 2008, realizamos estudo das atas de notas e frequências da disciplina História da educação no ceará e no cariri cearense. encontramos os registros do período de 1998 a 2007. foi possível identificar os conteúdos registrados, importante informação para compreender como a disciplina era ensinada. toda a informação foi registrada em um diário de pesquisa.

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como lecioná-la. como professora do curso de pedagogia nesse período, acompanhei toda a problemática que essa disciplina gerava, dependendo da disponibilidade de outro departamento. durante as reuniões do colegiado do nosso curso, era comum receber reclamações, pois o departamento de História, algumas vezes, não tinha professor suficiente para cobrir a demanda do curso de pedagogia.

na realidade, o curso de História da urca e muitos outros no Brasil não ofertavam essa disciplina, em seus currículos, o que dificultava, para o professor de História, buscar fontes para o estudo específico da História da educação. o que estamos falando ainda hoje é realidade. ao acompanharmos a trajetória da associação nacional de História (anpuH), observamos como essa linha de pesquisa ainda é pouco explorada por esses profissionais, na perspectiva interdisciplinar, com os historiadores da educação brasileira.

assim, os registros dos professores que lecionavam a disciplina muitas vezes não encontravam uma sequência de estruturação. cada professor buscava bibliografia própria, de documentos, de livros de historiadores cearenses e de memórias dos sujeitos da época para desenvolver suas aulas. tivemos muita dificuldade em encontrar os planos da disciplina nos arquivos da instituição. alguns deles conseguimos com ex-alunos e com os ex-professores. foi possível perceber a falta de bibliografia para os estudos dos alunos, principalmente para consulta na biblioteca, acesso e manuseio. os professores escreveram artigos e livros para ajudar nos estudos dos alunos tendo sido possível encontrar algumas dessas publicações:

noronHa, lireda de alencar; cortez, otonite de oliveira. evolução histórica do município do crato: uma abordagem didática. Revista A Província, crato, n. 6, p. 32-34, 1994.

noronHa, lireda de alencar. resgate da memória do colégio estadual. Revista A Província, crato, n. 4, jan. 1993.

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souza, José Boaventura. Escola Normal Rural de Juazeiro: uma experiência pioneira. Juazeiro do norte: ipesc, 1994. p. 85.souza, Josenete lopes de. Da infância “desvalida” à infância “delinqüente”: fortaleza (1865-1928). 1999. dissertação (mestrado) – pontifícia universidade católica de são paulo, são paulo, 1999.

assim, parte dos professores que lecionaram a disciplina em determinados períodos puderam contribuir na construção da História da educação do ceará e do cariri cearense com seus artigos. seguramente outros professores do mesmo departamento também lecionaram a disciplina, mas não encontramos registros de suas publicações acerca da temática. com certeza, esses profissionais se debruçaram, em algum momento, no registro dessa História da educação local, porém sabemos das dificuldades do registro dessas memórias.

Como a disciplina aconteceu a partir de 2003

a primeira atitude para uma mudança no quadro de dependência foi encontrar os registros sobre a disciplina. diante da precariedade para tal, fomos consultando os professores que a tinham lecionado e assim decidimos como prosseguir.

a escolha do estudo sobre instituições se deveu ao fato de podermos conhecer a história educacional do estado e da região em que os alunos e professores estão inseridos, logo após o estudo da História da educação brasileira.

no primeiro momento, parecia que não existia relação imediata entre o vivido no local de origem dos alunos e a história contida nos livros de História sobre a educação. a partir de então, saímos do nível das ideias e intenções e passamos a visitar ou revisitar o cotidiano das instituições educacionais e da vida dos atores envolvidos, realizando e,

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ao mesmo tempo, expondo possibilidades de novos estudos acerca de uma temática tão importante para a história de um lugar. a experiência tem nos mostrado, conforme afirma magalhães (1999, p. 69), que:

o quotidiano de uma instituição educativa é um acúmulo de comunicação, tomada de decisões e de participação, cuja representação e memória apenas em parte ficam vertidas a escrito, ou traduzidas noutro tipo de registros, mas boa parte das quais se apagam, quer por se integrar em rotinas, quer pela sua freqüência, não constituem um objecto de registro próprio, quer porque se inserem num processo continuado, tendendo a fixar-se-lhe o princípio e o fim, sendo este, em regra, assinalado por um registro dos resultados. É assim com o processo de ensino-aprendizagem; os alunos inscrevem-se através de um termo de matrícula e o seu percurso escolar fica assinalado e numa certificação final. do processo de ensino, para além destes mesmos resultados, fica apenas uma memória analógica suportada pelos sumários. de facto, o cotidiano de uma instituição educativa fica representado por defeito, nos registros e fontes de informação, havendo mesmo dimensões desse quotidiano, cuja memória se apaga com a mudança dos actores e muitas outras que são regularmente destruídas.

dessa reflexão, pautamos nossa intenção de, numa disciplina, com conteúdos em construção, ter a pesquisa como eixo dos estudos. a pesquisa, aqui entendida como possibilidade de formação plena do professor, desde o momento em que ele busca suas referências em sua localidade e, com o apoio das referências teóricas, realiza uma crítica capaz de dar conta da realidade estudada, debruçando, por conseqüência, na realidade histórica da educação.

o objetivo maior era produzir conhecimento novo sobre educação, para definir políticas, para manter viva sua identidade e a identidade dos sujeitos da localidade. nesse sentido, poderíamos significar a formação e oferecer sentido a um currículo que, ao longo dos anos, só discursou sobre a “formação do professor-pesquisador”.

na verdade, o estudo da história das instituições pode tomar um sentido de pesquisa em nível interno e externo, em

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suas relações sociopolítico-econômicas com o poder local. em nível interno, o estudo das instituições leva-as a uma avaliação da sua trajetória e o pesquisador ao entendimento das relações destas com a política governamental, nos casos em estudo.

foi então que, em 2003, com o apoio dos alunos da graduação, matriculados na disciplina, iniciamos a experiência de uma articulação ensino e pesquisa. À medida que resgatamos a História da educação no ceará, buscamos registros oficiais e particulares da História da educação da região, via fontes oficiais e orais, a história das instituições educacionais e seus principais sujeitos.

a primeira etapa da disciplina apresentava os estudos sobre a educação do ceará com:

caBral, maria sarah esmeraldo. Extensão: conceito, história e perspectiva: viabilidade para a urca. fortaleza: urca, 1990. (monografia do curso de especialização em metodologia do ensino superior) – universidade estadual do ceará.

fiGueiredo filHo, José de. História do Cariri. crato: faculdade de filosofia do crato, 1966. 151 p.

fiGueiredo, José; pinHeiro, irineu. Cidade do Crato. rio de Janeiro: mec, 1955. 132 p.

JucÁ, pedro rocha. a colonização e o povoamento do ceará – ii. Revista A Província, crato n. 14, fev, 1998.

JucÁ, pedro rocha. a colonização e o povoamento do ceará. Revista A Província, crato, n. 13, p. 21-32, jul, 1997.

macHado, paulo. Padre Cícero entre os rumores e a verdade: inventário do padre cícero romão Batista: textos e

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documentos. fortaleza: aBc editora, 2001.

monteneGro, francisco Holanda. pe. ibiapina: peregrino da caridade. A Província, crato, n. 9, p. 31-33, 1995.

nascimento, f.s. oração do paraninfo da escola técnica do comércio. Revista A Província, n. 17, p. 54–59, 1999.

neves, napoleão tavares. padre ibiapina, o apóstolo do nordeste cronologia vivencial. Revista A Província, crato, n. 5, p. 49-58, jun. 1993.

noronHa, lireda de alencar; cortez, otonite de oliveira. evolução histórica do município do crato: uma abordagem didática. Revista A Província, crato, n. 6, p. 32-34, 1994.

noronHa, lireda de alencar. resgate da memória do colégio estadual. Revista A Província, crato, n. 4, jan. 1993.

oliveira, Geraldo moreira de. obrigado, escola técnica do comércio. Revista O técnico Comercial, Juazeiro do norte: etc, dez. 1998.

oliveira, José Jézer. o cariri e a política da boa hospitalidade. Revista A Província, crato, n. 14, p. 110-114, fev. 1998.

oliveira, amália Xavier de. O Padre Cícero que eu conheci: verdadeira história de Juazeiro. fortaleza: premius editora, edições livro técnico, 2001. oliveira, amália Xavier de. História da Escola Normal Rural de Juazeiro do Norte. fortaleza: secult, 1984.

pimentel, altimar de alencar. entre o místico e o mito. Revista A Província, crato, dezembro 1996, n. 12, p. 63-64, dez. 1996.

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ramos, francisco regis lopes. Juazeiro e caldeirão: espaços de sagrado e profano. in: souza, simone (org.). Uma nova história do Ceará. fortaleza: ed. demócrito rocha, 2002.

sampaio, dorian. Anuário do Ceará, V. 1 - 1970. fortaleza: empresa Jornalística o povo e anuário do ceará publicações ltda., 1997. 646 p.

sousa, José newton alves de. urca: um desafio. Revista A Província, crato, n. 4, p. 35-37, jan./jun. 1993.

madeira, maria das Graças de loiola. Recompondo memórias da educação: a escola de aprendizes artífices do ceará (1910-1918). fortaleza: Gráfica do cefet, 1999.

as publicações, em sua maioria, eram elaboradas em editoras locais a partir dos esforços dos próprios autores e de editores interessados pela história do ceará e do lugar. os escritos apresentavam outra dificuldade para os alunos, pois não eram de fácil acesso na biblioteca da urca, tendo muitos somente uma edição. eram livros fragilizados pelo tempo e manuseio. mesmo diante dessas dificuldades, por meio de aulas expositivas e de convidados palestrantes, introduzíamos os estudos da História da educação no ceará, também contando com livros na área de História do ceará e de política educacional do ceará.

paralelamente, a esse levantamento de fontes e apresentações, começávamos a pesquisa de campo. inicialmente, com o levantamento das fontes já construídas de estudos anteriores, autores locais, pesquisas de outras universidades, documentos, etc. em seguida, apresentadas na forma de seminários, as pesquisas eram realizadas pelos alunos do curso ao longo de cada semestre, com a presença dos autores. nessa ocasião, eles relatavam suas experiências, sua motivação, as dificuldades, oportunizando aos novos

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pesquisadores o conhecimento novo e a imensidão de oportunidades de resgate histórico na área de educação.

na sequência, os alunos, em suas localidades, buscavam conhecer as instituições e suas histórias, a partir do relato dos mais velhos, de políticos e/ou de familiares. durante as aulas, os alunos traziam esses resultados e juntos definíamos o objeto de estudo de cada um ou de grupos constituídos por alunos residentes no mesmo município. nas aulas também eram construídos os roteiros de pesquisa − roteiro de história de vida e de instituições, roteiro de pesquisa em arquivos públicos e particulares e carta de apresentação da pesquisa.

iniciávamos todas as pesquisas e conciliávamos as sessões das aulas em revisão de literatura acerca do referencial teórico-metodológico e apresentação das etapas de execução do estudo. ao final de cada semestre, realizamos seminários da elaboração escrita, dos documentos descobertos, enfim, dos resultados daquele momento. todos os registros escritos passavam a ser parte do acervo construído pelo grupo de pesquisa que constituímos, junto com professores e alunos da pós-graduação das instituições: universidade federal do ceará, universidade estadual vale do acaraú e universidade estadual do ceará, desde 2003.

o grupo elaborou um projeto matricial intitulado “resgatando a História da educação no cariri cearense” e vem, desde 2004, registrando a educação no cariri cearense, envolvendo, tanto a parte de “levantamento documental” oficial e privado, quanto a “memória” de políticos, educadores e educandos, por meio de entrevistas, histórias de vida, biografias, autobiografias e iconografias, que devem ser gravadas e/ou filmadas e fotografadas, adquirindo, assim, o caráter de documento e fonte de pesquisa histórica para a constituição de um acervo, com a função de alimentar e ampliar permanentemente a área de pesquisa, bem como o uso público do acervo catalogado pelos pesquisadores, professores, estudantes, estagiários, bolsistas e público em geral.

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vale salientar que, dentro de nossos objetivos, também contemplamos a ideia de formar um acervo iconográfico para constituir um pequeno museu da memória da educação nessa região do estado. essa iniciativa já se materializou com a nossa participação na criação do museu da escola normal rural de Juazeiro do norte, que vem funcionado, desde 2008, no espaço da antiga escola, onde hoje funciona a escola de tempo integral moreira de sousa, no município de Juazeiro do norte.

até o momento, catalogamos a história de 143 instituições educacionais e de 57 histórias de vida de professores. em função do raio de atuação da urca e do curso de pedagogia, temos também registradas histórias educacionais de municípios de estados vizinhos, no caso pernambuco.

esses estudos têm mostrado a riqueza da História da educação local e possibilitado as publicações que garantirão o ensino da História da educação local e serão uma importante fonte de estudos a serem realizados, seja na iniciação à pesquisa, seja na elaboração dos trabalhos de conclusão de curso (tccs), em estudos de pós-graduação, como já demonstrado ao longo do artigo.

dessa forma, foi com muita preocupação que acompanhamos a reformulação curricular do curso de pedagogia da urca que, além de retirar a já referida disciplina do currículo, mesmo tentando preservar seu conteúdo na disciplina criada, não conseguiu garantir a sua carga horária. no currículo de 1998, a disciplina tinha 45 horas, mais 60 horas da disciplina de evolução da educação Brasileira, totalizando 105 horas. atualmente, com a nova matriz curricular, são 90 horas da disciplina História da educação Brasileira, incluindo todo o conteúdo das disciplinas anteriores.

as preocupações são pertinentes, uma vez que é necessário ao professor que lecione a disciplina o conhecimento das três Histórias da educação: Brasil, ceará e cariri. muitas vezes esses profissionais não têm estudado ou pesquisado nessa

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amplitude. além disso, a experiência do ensino da disciplina no último ano mostrou que o tempo para a formação do pesquisador foi drasticamente reduzido, prejudicando o tempo para a pesquisa de campo, principalmente para os alunos do curso de pedagogia noturno, pois oferecemos a disciplina nos turnos manhã e noite. as visitas às bibliotecas locais também têm sido prejudicadas pela falta de tempo. com a redução dessa visitas, a frequência à biblioteca só era possível fora do horário de aula, muitas vezes não permitindo a participação de parte dos alunos, por motivo de trabalho, lugar de moradia, etc.

O que significou essas disciplinas no currículo do Curso de Pedagogia da URCA

os dados levantados e catalogados indicam:

a)o campo de pesquisa e o laboratório de ensino das disciplinas História da educação Brasileira e História da educação do ceará e do cariri alimentam novas temáticas de projetos de pesquisas de professores e alunos. desde 2004, constituímos um Grupo de estudo em História da educação, que vem se reunindo semanalmente, estudando a temática, conhecendo experiências de outros grupos, como a do Grupo de estudos e pesquisas “História, sociedade e educação no Brasil” (HistedBr) e o Grupo da universidade de são paulo, núcleo interdisciplinar de estudos e pesquisas em História da educação (niepHe). salientamos aqui que o núcleo de História, memória e política educacional da faced/ufc tem sido nosso porto seguro para o debate permanente e possibilidades de pesquisa e publicação conjunta;

b) as novas pesquisas passaram a divulgar a história local, a colaborar com a catalogação de documentos presentes nas bibliotecas públicas e privadas da região do cariri. como exemplo, destacamos os estudos apresentados em eventos locais, estaduais, nacionais e internacionais. até o momento, foram mais de trinta trabalhos publicados;

c) na biblioteca da diocese do crato, catalogamos as notícias em educação presentes no jornal Ação (período 1940 a 1980)

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e no jornal O Catequista (décadas de 40 e 60). ao mesmo tempo, na biblioteca da urca, catalogamos notícias sobre educação presentes nas revistas Itaytera (décadas de 1960 aos dias atuais) e A Província (década de 1960 aos dias atuais);

d) foram mais de cinco bolsistas de iniciação científica formados nesse trabalho que integrou ensino e pesquisa. todos elaboraram estudos, resumos, artigos e participaram de eventos científicos, na área. Hoje três realizam seus estudos na pós-graduação, mantendo suas áreas de pesquisa;

e) no que diz respeito à formação de professores doutores, a urca tem, atualmente, cinco professores nessa área de pesquisa e dois concluindo seus estudos de doutoramento. a previsão é que tenhamos sete doutores em História da educação na instituição, garantindo, assim, um sólido Grupo de pesquisa.

a experiência nos mostrou que a pesquisa histórica no campo educacional tem dupla valia: pode recuperar o passado educacional de uma região e também alimentar o sistema local e estadual de planejamento educacional, em relação às necessidades presentes e futuras da sociedade. É uma prática de pesquisa que tende a envolver diversos segmentos da sociedade de forma interessada, a ponto de extrapolar os muros da universidade. tem garantido a produção acadêmica e a identidade do curso de pedagogia, pois tem registrado sua história e a História da educação local.

no que diz respeito à formação do professor-pesquisador, a experiência permitiu a formação de um professor que busca conhecer a realidade da educação da sua localidade, suas relações com as outras realidades e a construção de sua identidade de professor que conhece e vivencia a sua história. nesse sentido, temos a convicção de que o aluno do curso de pedagogia experiencia a práxis do professor-pesquisador e contribui, de maneira significativa, na transformação do curso em referência no resgate da História da educação no cariri cearense.

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Conclusões

a História da educação, como campo de múltiplos interesses, tem envolvido professores e alunos das mais diversas áreas: História, Geografia, sociologia, antropologia, letras, pedagogia e outras. do ponto de vista do seu aprimoramento metodológico, a área só tem a ganhar com a formação de equipes multidisciplinares, desde que mantenha a sua função primordial de reconstrução do passado educacional como fonte de reflexão para uma prática futura.

o espaço regional não é visto como um espaço social isolado, mas como parte de uma teia de relações de mobilidade espacial e cultural, material e simbólica da atividade social que acaba por ligar todos os lugares e tempos do mundo. o resgate da história educacional tem, neste contexto, um papel relevante a ser considerado − a formação do professor-pesquisador.

observamos que o ensino da História da educação do ceará e do cariri cearense permite a formação de um professor intrigado por conhecer sua realidade local, suas relações com as outras realidades e a construção de sua identidade de professor que conhece e vivencia a sua história.

a partir de agora, observaremos o andamento da nova composição do currículo do curso, com o desejo de continuidade dessas importantes ações na área da história educacional. foram muitos registros e sujeitos envolvidos na pesquisa, busca de participação em eventos, escolhas de temas para estudos na graduação e pós-graduação, que precisam ser mantidos e ampliados na intenção de garantir essa linha de pesquisa tão necessária para o fortalecimento do departamento de educação por uma garantia do programa de pós-Graduação, inicialmente, em nível de mestrado.

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Referências

cavalcante, maria Juraci maia (org.). tendências do ensino e da pesquisa no ceará no campo da história da educação. in: Gatti Junior, décio; monarcHa, carlos; Bastos, maria Helena câmara (org.). O ensino de história da educação em perspectiva internacional. uberlândia: edufu, 2009.

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