ensino coletivo de violao principios de estrutura e organizacao cristina tourinho (1)

11
83 RELATO DE EXPERIÊNCIA RESUMO A Escola de Música da UFBA (EMUS) oferece aulas coletivas de violão para a comunidade de Salvador como cursos livres. Neste artigo abordaremos os aspectos educacionais deste curso e os princípios de organização e dinâmica das aulas, fazendo uma retrospectiva do início do curso em 1989, levando em consideração o público atendido, organizadores, professores- -estagiários e coordenador. ABSTRACT The School of Music of Federal University of Bahia (EMUS) offers guitar group lessons for the community of Salvador at a extension level. In this article we will explore the educational aspects of this course and principles of organization and dynamics of class, in retrospect since the course began in 1989, taking account of the public attended, organizers, trainee teachers and coordinator. PALAVRAS-CHAVE Violão, Ensino coletivo, Música. KEYWORDS Guitar, Group lessons, Music. CRISTINA TOURINHO Professora de Violão – (UCSal, 1976), Instrumentista (Violão) – (UFBA, 1982), Mestrado em Educação Musical (UFBA, 1995), Doutorado em Educação Musical (UFBA, 2001) com estágio no Institute of Education (Londres, 2000, bolsa CAPES). Idealizadora (1989) dos cursos de extensão para ensino coletivo de violão na Escola de Música da UFBA. Autora de artigos científicos e livros didáticos, professora de cursos de metodologia do ensino de instrumentos coletivos em diversas cidades do Brasil e em Cadiz (Espanha). Atualmente, além Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Música da UFBA realiza trabalho em conjunto com a UFRGS e a UNB para os cursos de Licenciatura EAD. e-mail: [email protected] Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização 1 Teaching guitar in group: principles of strucuture and organization. 1 Texto apresentado no I Seminário da AAPG (nov./2007). CRISTINA TOURINHO, Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização

Upload: edgarjrmarques

Post on 02-Jan-2016

499 views

Category:

Documents


45 download

TRANSCRIPT

Page 1: Ensino Coletivo de Violao Principios de Estrutura e Organizacao CRISTINA TOURINHO (1)

83

RELATO DE EXPERIÊNCIA

RESUMO

A Escola de Música da UFBA (EMUS)

oferece aulas coletivas de violão para a

comunidade de Salvador como cursos livres.

Neste artigo abordaremos os aspectos

educacionais deste curso e os princípios de

organização e dinâmica das aulas, fazendo

uma retrospectiva do início do curso em

1989, levando em consideração o público

atendido, organizadores, professores-

-estagiários e coordenador.

ABSTRACT

The School of Music of Federal University of

Bahia (EMUS) offers guitar group lessons for

the community of Salvador at a extension

level. In this article we will explore the

educational aspects of this course and

principles of organization and dynamics

of class, in retrospect since the course

began in 1989, taking account of the public

attended, organizers, trainee teachers and

coordinator.

PALAVRAS-CHAVE

Violão, Ensino coletivo, Música.

KEYWORDS

Guitar, Group lessons, Music.

CRISTINA TOURINHO

Professora de Violão – (UCSal, 1976), Instrumentista (Violão) – (UFBA, 1982), Mestrado em

Educação Musical (UFBA, 1995), Doutorado em Educação Musical (UFBA, 2001) com estágio no

Institute of Education (Londres, 2000, bolsa CAPES). Idealizadora (1989) dos cursos de extensão

para ensino coletivo de violão na Escola de Música da UFBA. Autora de artigos científicos e

livros didáticos, professora de cursos de metodologia do ensino de instrumentos coletivos em

diversas cidades do Brasil e em Cadiz (Espanha). Atualmente, além Coordenadora do Programa

de Pós-graduação em Música da UFBA realiza trabalho em conjunto com a UFRGS e a UNB

para os cursos de Licenciatura EAD.

e-mail: [email protected]

Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização1 Teaching guitar in group: principles of strucuture and organization.

1 Texto apresentado no I Seminário da AAPG (nov./2007).

CRISTINA TOURINHO, Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização

Page 2: Ensino Coletivo de Violao Principios de Estrutura e Organizacao CRISTINA TOURINHO (1)

RELATO DE EXPERIÊNCIA

8484

1 INTRODUÇÃO

Gostaria de ratificar os sentimentos de importância e responsabilidade que senti ao ter

sido convidada para trazer aqui a minha experiência e tentar colaborar com as reflexões de

práticas e ações no Projeto Guri. Meu olhar está, como não poderia deixar de estar, atrás das

lentes da atuação de professora e coordenadora do curso de violão da extensão da Escola

de Música da UFBA, o qual integro como fundadora desde sua criação, em 1989. Apesar do

curso de violão da extensão da UFBA não possuir fins sociais explícitos, temos contribuído

de forma significativa para a admissão de estudantes para os cursos de graduação e exercido

papel de amenizadores da ausência de disciplinas pedagógicas no curso de bacharelado em

Violão da UFBA.

De forma geral, entendo que os projetos socio-culturais, além dos objetivos de promover

o conhecimento e desenvolvimento de habilidades musicais e aptidões dos sujeitos que

atendem estão comprometidos com a integridade social e moral dos envolvidos. Sendo assim,

por razões que me parecem muito óbvias, vou me limitar, nesta fala, aos aspectos educacionais,

tendo como referência o curso que hoje coordeno. Além deste limite, pretendo me restringir

aos princípios de organização e dinâmica de trabalho, tendo em vista o público presente,

organizadores, administradores e supervisores, deixando para uma outra oportunidade os

aspectos pedagógicos e de formação do professor para ensino coletivo.

O curso de violão na extensão da UFBA começou no ano de 1989, e eu fui, na época, a única

professora que se dispôs a trabalhar com as pessoas que não haviam conseguido “passar”

no teste seletivo para as aulas tutoriais2. Desde a fundação da Escola, em 1954, as aulas de

instrumento para a extensão eram tutoriais e complementavam a carga horária dos docentes

efetivos. Esse tipo de atividade atendia menos de 10% da demanda de interessados em

ingressar nos cursos de violão. Sob meu ponto de vista, uma das causas do baixo atendimento

era um dos critérios de seleção baseado na leitura de partitura, fato que muito me incomodava.

A habilidade da leitura como exigência para ingresso a um curso livre, em um país que não

oferecia música na escola regular, me parecia uma exigência absurda. Assim, em 1989 se deu

a primeira tentativa de ensino coletivo de violão para os candidatos que tocavam (ou não),

mas não liam partitura. Com o apoio da direção3, iniciei aulas coletivas para uma turma única

de quase 30 pessoas. Vários ajustes subsequentes foram feitos até chegarmos a turmas com

seis e depois quatro pessoas, número que mantemos até hoje. Mas para atender à demanda

de forma integral, cerca de 200 candidatos a cada semestre, além dos outros professores

efetivos também colaborarem, passamos a convidar os estudantes da graduação para atuarem

também como professores-estagiários.

O processo de organização deste trabalho se deu, a princípio, de forma intuitiva e

passou por muitas mudanças. Graças à liberdade de experimentação que pude desfrutar,

fomos aprimorando e corrigindo as ações. Prof. Robson Barreto e prof. Mario Ulloa,

também professores da Escola de Música, colaboraram de forma significativa com todo

este processo, até que em 2001 pudemos sistematizar repertório, estagiários e, em 2003,

2 Um aluno, um professor.

3 Na época Prof. Dr. Paulo Costa Lima.

REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, v.I, n.II, p. 83-93 , novembro, 2010.

Page 3: Ensino Coletivo de Violao Principios de Estrutura e Organizacao CRISTINA TOURINHO (1)

85

RELATO DE EXPERIÊNCIA

editamos um livro específico para atender às nossas exigências. Inicialmente o curso era

apenas para introdução ao violão com leitura musical, usando o repertório tradicional para

o instrumento. Outras possibilidades foram acrescidas posteriormente, e mais estagiários

passaram a trabalhar no projeto.

Em 2007 contávamos com 14 estagiários, alunos do curso de Graduação em Instrumento

e de Licenciatura em Música. Estes atendiam 38 turmas em quatro vertentes: música popular

(com iniciação técnico instrumental, sem obrigatoriedade de leitura no primeiro semestre,

dois níveis, semestral), oficina de violão (com leitura musical e repertório clássico europeu e

música popular, quatro níveis semestrais), iniciação musical com introdução ao violão (para

crianças de 8 a 12 anos, três níveis, anual) e violão para adultos (pessoas acima de 50 anos,

que desejam tocar apenas por hobby). A partir de 2007 introduzimos também o atendimento a

pessoas com deficiência e, com o Programa Permanecer4, modificações estruturais nos cursos

de música popular e na parte administrativa em geral.

Uma das mudanças mais significativas para a estrutura administrativa dos cursos foi a

realização do I Seminário dos Estagiários da Extensão de Violão da UFBA, realizado no dia 1 e 2

de agosto de 2007. Substituindo as improdutivas reuniões pedagógicas, o seminário mobilizou

os estagiários a expor suas dificuldades e acertos. As reuniões pedagógicas mensais tinham

sofrido um desgaste, e os estagiários estavam pouco motivados a frequentá-las, muitas vezes

comparecendo somente pela obrigatoriedade e mantendo-se apáticos durante sua realização.

Nos dias 4, 5 e 6 de dezembro de 2007 aconteceu o II Seminário, que projetou problemas

e soluções para o cumprimento das metas em 2008. Em 2010 foram realizadas Semanas

Pedagógicas no início de cada semestre, com a participação de tutores e professores.

2 PERFIL DO CURSO

O curso de extensão da EMUS, tal como apresentado em 2007, é um laboratório

de formação continuada para todos, professores-estagiários e Coordenador. A cada

semestre é preciso treinar pessoas e, quando elas estão conhecendo e realizando bem

seu trabalho, é hora de deixarem a Escola e serem substituídas por novos estagiários

(para atuar como estagiário é preciso ser estudante regulamente matriculado na

UFBA). Ao mesmo tempo em que esta rotatividade propicia a chance de aprendizado

para mais estudantes, não permite um aproveitamento da mão de obra treinada para

o próprio curso por mais de três ou quatro anos consecutivos, além de nem sempre ser

possível detectar a priori quais estudantes se interessam por aspectos pedagógicos.

Embora não seja a tônica, muitos encaram o estágio apenas como uma possibilidade

de ajuda de custo para se manterem na Universidade. O estágio é remunerado e, como

está associado aos horários das aulas, muitas vezes o estudante trabalha na escola

conciliando os horários vagos, não necessitando se deslocar e assim economizando

tempo e dinheiro. Vale dizer que a remuneração é semelhante a cursos de idiomas e

4 O programa PERMANECER, da Uni-versidade Federal da Bahia, ajuda estudantes carentes a se manter na Universidade através de uma bolsa de estudos mensal. A parceria veio a partir de entendimentos com uma estudante de Administração que integrou o projeto durante um ano. Além de aluna do curso, con-tribuiu para melhorias administra-tivas. <www.permanecer.ufba.br>

CRISTINA TOURINHO, Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização

Page 4: Ensino Coletivo de Violao Principios de Estrutura e Organizacao CRISTINA TOURINHO (1)

RELATO DE EXPERIÊNCIA

8686

aulas de instrumento de escolas particulares, mas um estudante trabalha somente de

6 a 8 horas por semana.

Os alunos do curso pagam pelas aulas um valor que correspondente aproximadamente

à metade de um curso particular, por duas disciplinas, teoria e prática. Nas aulas práticas as

turmas são de 4 alunos e, nas teóricas, em média 15. São oferecidas bolsas de estudo integrais

ou parciais para os carentes. Todos os bolsistas assinam um termo de compromisso para a

frequência e o aproveitamento. Nenhum curso é completamente gratuito. Mesmo bolsista

integral, o estudante paga uma taxa equivalente a 25% do valor total do curso e que pode ser

parcelada em duas vezes. A taxa é dispensada apenas em casos especiais.

3 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO ENSINO COLETIVO DE INSTRUMENTO MUSICAL

Em uma visão pessoal, acredito que a essência do ensino coletivo acontece quando existe

um professor que trabalha com diversos indivíduos no mesmo espaço físico, horário, e que

várias pessoas aprendem conjuntamente a tocar a mesma peça. Isto é, o professor está se

dirigindo a um grupo de estudantes, que recebem simultaneamente a mesma informação,

embora o recebimento e o processamento desta informação aconteça de forma individual.

O que não é ensino coletivo de violão, a meu entender, se feito de forma sistemática e como

atividade principal: ensaio de uma peça a várias vozes; orquestra de violões; música de câmara

(duos, trios, violões e outros instrumentos); atendimentos individualizados, como um master-

class. O paradoxo é que todas estas atividades podem ser partes integrantes das aulas de

ensino coletivo de violão, mas não constituem sua essência se feitas como atividade principal

do curso5. No ensino coletivo, o professor deve se dirigir SEMPRE ao grupo, mesmo quando

trabalhando individualmente com um estudante. No ensino coletivo de violão, são possíveis e

devem ser usados repertório solo, música com letra e cifra para acompanhamento e músicas a

duas, três e quatro vozes.

Por ser um instrumento harmônico no qual se tocam facilmente dois acordes, o violão se

presta de forma magnífica para fazer música desde a primeira aula. Uma rápida visita a um

site de músicas cifradas mostra a possibilidade de repertório com canções de dois acordes,

geralmente Tônica e Dominante. E tocar rapidamente é tudo o que a grande maioria dos

iniciantes deseja. Quem nunca ouviu a famosa pergunta: “Professora, em quanto tempo eu

vou tocar?”. Trabalhamos de forma que a resposta seja: “Hoje você vai para casa tocando a sua

primeira música”. Esta é uma das diferenças do ensino coletivo de instrumentos melódicos de

corda e sopro, que exigem outra técnica de trabalho e cujas primeiras peças estão divididas

entre naipes. Acho que a motivação para o desenvolvimento do estudo individual é uma das

vantagens do ensino coletivo de violão, embora manter grupos de pessoas motivadas exija

habilidade por parte de qualquer professor de instrumento.

Algumas vantagens pedagógicas são óbvias, como a) o atendimento ao maior número

de pessoas em menos tempo de trabalho; b) menor desgaste para o professor com as aulas

5 Ver o artigo no site <www.artenaescola.com.br>.

REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, v.I, n.II, p. 83-93 , novembro, 2010.

JR
Realce
JR
Realce
JR
Realce
JR
Realce
Vantagens da aula coletiva
JR
Nota
JR
Nota
Definição de aula coletiva
JR
Nota
Atividades que não caracterizam aula coletiva, se executadas de forma sistemática.
Page 5: Ensino Coletivo de Violao Principios de Estrutura e Organizacao CRISTINA TOURINHO (1)

87

RELATO DE EXPERIÊNCIA

iniciais, onde se repete menos as informações básicas; c) os estudantes aprendem uns com

os outros, por observação mútua e autoavaliação intuitiva; d) os parâmetros musicais são

adquiridos mais rapidamente. Existem também vantagens financeiras, como a diminuição do

valor da hora-aula.

As desvantagens que aponto se referem à dificuldade de administrar diferenças individuais

de aprendizagem, inclusive de temperamento e gosto musical, disciplina, assiduidade,

pontualidade e estudo em casa. O ensino coletivo também tem curta duração. No máximo,

após dois anos de aulas coletivas, para prosseguir nos estudos, aconselha-se a passar para

atendimento individual ou em duplas e manter uma master-class ou encontro mensal.

Uma das particularidades essenciais do ensino coletivo consiste no planejamento. Embora

exista muita dificuldade para que os estudantes de bacharelado, acostumados ao ensino

tutorial, planejem suas aulas, no ensino coletivo o planejamento é indispensável. A diferença

no rendimento e resultado entre o estagiário que planeja e o que não o faz é muito grande.

Quanto mais iniciante seja o educador, mais cuidadoso e minucioso deve ser o planejamento e

mais trabalho para convencê-lo de que deve planejar. Com o planejamento, é possível antever

resultados, mudar para outra atividade caso a planejada não surta um bom efeito, poder ir e vir

dentro de uma estrutura conhecida e aumentar o “repertório” de estratégias.

4 ASPECTOS ORGANIZACIONAIS

4.1 Seleção ou nivelamento?

Instituições que oferecem cursos gratuitos, com apoio psico-pedagógico, uma refeição

e/ou lanches, salas de estudo e instrumento para empréstimo ou aluguel a baixo custo

costumam ter uma procura muito grande, principalmente a cada início de ano. Se forem

feitas duas admissões anuais, no segundo semestre a procura cai, mesmo assim de forma

pouco expressiva. O problema passa a ser como atender a demanda. Estou me referindo a

conservatórios públicos, escolas profissionalizantes, ONGs, cursos de extensão universitária,

onde existem diversas alternativas para fazer algum tipo de seleção ou nivelamento, que

variam entre: a) testes de percepção auditiva combinados ou não com entrevista; b) sorteio

de vagas; c) senhas para inscrição; d) limites por faixa etária. Tenho visitado instituições que

adotam estas medidas e percebo que, de forma geral, repetir ritmos e ordenar sons não parece

ser garantia para selecionar um bom estudante. Se o teste for feito de forma individual, os

professores examinadores ficam esgotados ao fim de cada turno, devido ao grande número

de candidatos. A menos que reunidas previamente e decidindo de comum acordo, também

não se pode garantir que bancas simultâneas procedam da mesma forma. Um teste gravado

a ser aplicado de forma única para grupos de candidatos diminui o cansaço dos professores,

mas ainda assim não garante o bom desempenho posterior dos estudantes. Pergunta: quais

os fatores que influenciam e conduzem o desempenho dos estudantes? Como os testes de

seleção poderiam garantir o bom desempenho posterior?

CRISTINA TOURINHO, Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização

JR
Realce
JR
Realce
JR
Nota
Desvantagens da aula coletiva.
JR
Realce
Page 6: Ensino Coletivo de Violao Principios de Estrutura e Organizacao CRISTINA TOURINHO (1)

RELATO DE EXPERIÊNCIA

8888

Na UFBA, como temos um curso pago, atendemos à quase totalidade da demanda com

uma entrevista de nivelamento. Embora seja um processo cansativo para os professores-

examinadores, todos os inscritos passam por uma entrevista. Geralmente a entrevista é feita por

três pessoas, que trabalham em conjunto. Incluir os estagiários nas entrevistas de nivelamento

é uma forma de treiná-los também para fazer a avaliação diagnóstica inicial. Existe uma ficha

prévia de inscrição, preenchida na secretaria, que permite agrupar pessoas para entrevista de

acordo com o curso desejado. Antes da entrevista de nivelamento, é feita uma reunião com os

professores efetivos de violão para determinar os horários a serem utilizados pela extensão e

para determinar com os estagiários quais serão os horários disponíveis e em que tipo de curso

desejam atuar. Aproveitamos as habilidades específicas, disponibilidade de horário e afinidades

com faixas etárias, acreditando que cada estagiário irá trabalhar mais satisfeito desta forma.

4.2 Agrupamento de turmas

A escolha do turno para estudo e o curso são os maiores delimitadores para a formação

das novas turmas. Depois destes dois itens, a habilidade musical (não toca, toca, o quanto

toca?) são o segundo passo. E como terceiro e último fator, a idade. Procuramos, na medida do

possível, agrupar faixas etárias próximas por uma questão de gosto musical e velocidade de

aprendizagem. Em média as crianças são colocadas em turmas com faixas etárias de um ano

de diferença 8-9, 10-11, 11-12. Os adolescentes e adultos jovens entre 14 e 25 anos podem ficar

juntos. Pessoas com mais de 50 anos formam turmas especiais. Dois fatores concorrem para

este tipo de agrupamento por idade: repertório e habilidade motora. Mas existem exceções,

e não raro jovens e adultos estão misturados. A escolha do dia da aula e horário é feita

imediatamente após a entrevista, e o futuro aluno sai com as orientações básicas por escrito.

4.3 Aula inaugural

A cada semestre fazemos uma aula de abertura, quando comparecem os novos estudantes

e os professores-estagiários. É feita uma apresentação do curso em Power Point, e em seguida

tocam ex-alunos e estagiários. Alguns estagiários, hoje alunos da Graduação, foram oriundos

dos cursos de extensão e sempre dão uma palavra de estímulo para os iniciantes.

4.4 Estrutura do curso

O semestre está dividido em 15 aulas, com fichas mensais para presença e avaliação por

turma. Ao fim de cada mês o professor-estagiário entrega a ficha preenchida na Secretaria. As

presenças não são registradas pelo professor e sim assinadas pelos estudantes a cada semana.

Nesta mesma ficha mensal o professor assinala as faltas, desistências e trocas de horário e

avalia cada estudante com uma nota e uma frase de justificativa. A ficha ainda tem telefones

para contato.

REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, v.I, n.II, p. 83-93 , novembro, 2010.

JR
Realce
JR
Nota
Critérios para separação de turma por faixa etária.
Page 7: Ensino Coletivo de Violao Principios de Estrutura e Organizacao CRISTINA TOURINHO (1)

89

RELATO DE EXPERIÊNCIA

Existe um programa-guia para cada um dos cursos, embora muitas turmas nem sempre

consigam completá-lo. Estabelecemos então o repertório mínimo para considerar cumprido

cada módulo.

Temos material didático editado apenas para as Oficinas (nível I, II e III), sendo o volume I

o único editado comercialmente, com CD de áudio incluso. O CD tem gravação do repertório

e ainda sequências de acordes para exercícios de técnica aplicada, sendo muito apreciado

pelos estudantes. O material dos cursos de música popular ainda está sendo testado (a cada

ano fazemos uma nova versão) que é cedida aos estudantes para cópia. A ideia futura é

compilar as duas vertentes em um único material, sem distinção “erudito-popular” e poder

usar ambos os repertórios em um curso inicial híbrido, que substitua a atual dicotomia, tendo

a leitura em partitura como base para ambos os cursos. Um dos relatos mais frequentes dos

professores-estagiários é de que existe resistência ao aprendizado da leitura musical por

parte das pessoas inscritas no curso de música popular. Em 2007 resolvemos testar a junção

teoria/prática na mesma aula e com o mesmo professor, e os resultados, apesar de positivos,

não foram considerados economicamente viáveis. Por isso as aulas voltaram a ser divididas

em teóricas e práticas, persistindo os problemas citados. O material para as crianças, também

não editado, inclui muitos exercícios de altura sonora, escrita e leitura relativa, jogos (Guia

e Cavalieri, 2005), além do repertório de canções de dois e três acordes. As crianças são

musicalizadas através do violão e as aulas utilizam atividades muito parecidas com as de

musicalização infantil, só que através de um instrumento específico, a exemplo do material

editado por Parizzi e Santiago (1998).

4.5 Avaliação

Com exceção das crianças, que permanecem juntas até o final do ano letivo, adolescentes

e adultos são remanejados a cada semestre. Muitas vezes permanecem com a mesma turma,

horário e professor. Mas também mudam de horário, pelos mais diversos motivos, ou são

reagrupados pelo critério de desenvolvimento técnico. Nunca se proíbe um estudante de

passar para um novo módulo no meio do semestre, desde que tenha conseguido completar

o anterior. Se o próprio professor-estagiário não tem uma turma em horário compatível,

outro professor absorve o estudante. Também não existe “reprovação”, quem não consegue

cumprir o programa mínimo tem a chance de complementá-lo no próximo semestre. E quem

chegou ao fim do semestre apenas com o mínimo vai encontrar peças com o mesmo nível

de dificuldade no início do próximo módulo. O curso está organizado para quatro semestres,

mas como a maioria dos estudantes fica apenas dois semestres, e alguns cursam somente um,

estamos sempre investigando as causas das desistências e abandonos. Embora não se possa

garantir a sinceridade de uma resposta por telefone, quando indagados, os desistentes alegam

motivos como falta de dinheiro, mudança de horário no emprego ou demissão. Raramente

são feitas queixas ao professor, ao curso. Os estudantes por vezes se queixam que o repertório

não é do agrado, mas fica impossível atender a todos. Estamos investigando como conseguir

CRISTINA TOURINHO, Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização

Page 8: Ensino Coletivo de Violao Principios de Estrutura e Organizacao CRISTINA TOURINHO (1)

RELATO DE EXPERIÊNCIA

9090

respostas fidedignas, mas a hipótese é de que, como se aprende a tocar razoavelmente em um

ano de curso, muitos estão satisfeitos e prosseguem sozinhos. Também está sendo estudada

a viabilidade de se oferecerem certificados semestrais, que tragam a porcentagem cursada,

eliminando o problema.

Como não é possível incluir música da mídia nos módulos, o que acarretaria mais ônus pelo

pagamento de direitos autorias, indicamos uma relação de músicas e os sites onde podem ser

encontradas. O maior problema dos sites de cifras é que as cifras estão erradas com frequência.

5 PERFIL DESEJADO PARA O PROFESSOR-ESTAGIÁRIO

Como o curso de Instrumento (Bacharelado, Violão) na graduação da EMUS não oferece

disciplinas pedagógicas, muitos iniciam o estágio com uma visão de ensino resumida ao aspecto

técnico-instrumental, desconhecendo princípios pedagógicos essenciais, planejamento de

aulas, princípios e atividades para musicalização. Os cursos rápidos oferecidos nas semanas

pedagógicas se mostraram ineficazes. Estamos apostando em uma formação pedagógica a

médio prazo, acompanhando de perto os estagiários que atuam como professores. O professor

para pessoas que não definiram qual papel o instrumento terá em suas vidas não pode agir

como um professor de curso profissionalizante, técnico ou de graduação. Ao lado da formação

do instrumentista, que conhece o repertório essencial, toca e lê com desenvoltura, estão os

requisitos pedagógicos para atuar em classe com sucesso.

Passo em seguida a apontar quatro requisitos que considero essenciais para um professor

deste tipo de curso. Os dois primeiros estão baseados em Paulo Freire (1996) e os dois últimos

em Swanwick (2003).

a) Acolhimento e diálogo

Procuram os cursos de extensão pessoas de várias classes sociais, classe média, classe

média alta e pessoas carentes, que não podem pagar pelo curso. Como a EMUS não possui

instrumentos para empréstimo, todos precisam de um violão, seja comprado ou emprestado.

As diferenças de classes sociais, o repertório para música popular, a introdução à leitura musical,

a assiduidade e pontualidade representam sempre um problema de ajuste nas primeiras aulas.

Estudantes muito carentes sentem-se intimidados com o ambiente encontrado. O professor-

estagiário é orientado a acolher o estudante, no sentido de estabelecer aquilo que Freire

chama da “relação dialógica”6. Em sua fase inicial, e em todas as suas vertentes, é um curso

de musicalização aplicada ao instrumento, com/ou sem leitura musical. Os passos para que o

estudante compreenda os objetivos educacionais devem ser administrados com cuidado, sem

que o professor-estagiário perca o domínio de classe.

b) Acreditar que todos podem aprender

Acreditar no potencial de cada indivíduo. As aulas coletivas permitem grande interação

entre os sujeitos, além da observação de pares e da auto-observação. É preciso respeitar limites

e possibilidades em um curso livre para iniciantes porque, embora as aulas sejam coletivas,

6 Segundo Freire, deve existir uma relação de diálogo entre educando e educador, no sentido de que o mestre escute o estudante, seus an-seios, dando-lhe oportunidade de expressão.

REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, v.I, n.II, p. 83-93 , novembro, 2010.

JR
Realce
Page 9: Ensino Coletivo de Violao Principios de Estrutura e Organizacao CRISTINA TOURINHO (1)

91

RELATO DE EXPERIÊNCIA

o aprendizado é único, individualizado e em ritmo próprio. Para minimizar as diferenças que

naturalmente aparecem em classes que são supostamente “homogêneas” inicialmente, as

turmas são reagrupadas a cada semestre. Durante o semestre, o professor precisa administrar

o aprendizado diferenciado, respeitando os limites e incentivando as potencialidades.

c) Respeito pelo discurso musical do aluno

Todas as músicas e todos os conceitos acerca de música trazidos para a classe devem ser

motivos de atenção por parte do professor. O repertório vai ser ampliado, novos conceitos

serão introduzidos, mas trabalhar com a diversidade é fundamental. Acolhemos as “músicas”

trazidas, mesmo quando elas contêm letras inadequadas e procuramos explicar por que razão

elas não devem fazer parte do repertório trabalhado em classe e quais outras possibilidades

existem.

d) A música é o princípio e a finalidade

Exercícios técnicos isolados são atividades meio, bem como informações sobre

afinação, partes do instrumento, vida de compositores. O fio condutor das aulas de música

é a própria música, a motivação é altamente influenciada pelo repertório que o estudante

valora (Tourinho, 1995). Do repertório devem ser retiradas as atividades para técnica,

apreciação, literatura, improvisação. O professor-estagiário é orientado a evitar exercícios

técnicos puros, bem como o excessivo rigor técnico nas primeiras aulas, que causam

desânimo e desistência.

6 FORMAÇÃO DO PROFESSOR PARA O ENSINO COLETIVO DE VIOLÃO

Sendo o material e as atividades para o ensino coletivo semelhantes aos da aula tutorial,

a grande responsabilidade pela condução das aulas e pelo sucesso do curso é do professor

e do seu desempenho em classe. Acreditamos que a formação do professor para atuar no

ensino coletivo é responsável pelo bom andamento do curso e extrapola a aquisição de

materiais e o espaço físico sofrível que oferecemos como instituição federal. O professor bem

instrumentalizado vai atuar também com competência em situações de conflito e nas que

requerem preparo pedagógico, tomando decisões acertadas.

Em nosso entendimento, para trabalhar com o ensino coletivo é preciso ter como requisito

básico as seguintes crenças:

a) Acreditar que todos podem aprender

Deixar de lado os conceitos de que somente pessoas com “talento” podem aprender a tocar

e acreditar que todos aprendem, a seu tempo e ritmo. Que nem todos serão instrumentistas

profissionais, mas que deverão sair apreciadores e ouvintes conscientes, e sobretudo passarem

horas agradáveis na instituição.

b) Acreditar que uns aprendem com os outros

Da mesma forma que aprendemos a falar, andar, comer e a nos portar socialmente, é

possível aprender com os pares pela observação do outro, auto-observação, avaliação e

CRISTINA TOURINHO, Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização

JR
Realce
Page 10: Ensino Coletivo de Violao Principios de Estrutura e Organizacao CRISTINA TOURINHO (1)

RELATO DE EXPERIÊNCIA

9292

autoavaliação. Este comportamento e ações para promovê-lo devem fazer parte das aulas. O

professor não é mais o único detentor do saber, e os estudantes podem e devem contribuir

para o aprendizado dos colegas.

c) Conhecer as possibilidades e limites de um curso de iniciação musical.

Cada estágio de aprendizagem tem um limite, é preciso determinar uma meta e o caminho

para alcançá-la e compreender que se deve ater aos objetivos propostos inicialmente. A EMUS

não pode se propor a resolver o problema da ausência de música nas escolas, apenas faz a sua

parte. Não temos espaço físico nem pessoal treinado para atender a todas as especialidades

que nos são requeridas (fl amenco, harmonia e improvisação avançada, algumas pessoas com

defi ciência, horários norturnos).

d) Planejar as aulas

Aulas planejadas têm mais chances de sucesso. Escolher o repertório de e em acordo com

o grupo, escrever sequências de atividades, planejar avaliações e anotar os resultados obtidos

vão ajudar a formar um repertório de possibilidades para as situações de classe.

O professor de aulas coletivas não tem horário vago! Se todos os alunos faltam à aula, está

acontecendo algum problema que deverá ser relatado ao coordenador. Se nenhum dos alunos

estuda, as causas devem ser investigadas. Se todos se comportam mal, deve-se estar atento

para os fatos que causam comportamentos anômalos.

A formação continuada do professor de ensino coletivo deve estar centrada em três

pilares: instrumental, pedagógico e psicossocial. O professor precisa tocar com desenvoltura o

repertório que irá ensinar. Os estudantes percebem rapidamente quando não existe domínio

técnico e interpretativo. Neste caso, como não se trata de tutoria entre iguais, o estudante

tende a pensar que está sendo enganado.

7 CONCLUSÃO

A parte pedagógica de leituras e discussões acerca de ensino e aprendizagem de música

para diversas faixas etárias é de fundamental importância para o professo-estagiário. Um curso

pode ter um espaço físico invejável, instrumentos e materiais adequados e, mesmo assim,

carecer de formação para sua equipe. Se acrescida formação profi ssional aos itens materiais,

muitos dos problemas poderão ser minimizados. Acredito que uma direção administrativa

consciente deva pensar o curso no qual a população de docentes e discentes está em contínuo

fl uxo, de forma dinâmica e mutante.

REVISTA ESPAÇO INTERMEDIÁRIO, São Paulo, v.I, n.II, p. 83-93 , novembro, 2010.

JR
Realce
JR
Realce
JR
Nota
Se a turma apresenta problemas de comportamento, faltam aulas, ou parecem desmotivados, alguma coisa está acontecendo na aula. Este problema aponta para a postura do professor.
JR
Realce
Page 11: Ensino Coletivo de Violao Principios de Estrutura e Organizacao CRISTINA TOURINHO (1)

93

RELATO DE EXPERIÊNCIA

REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

GUIA, Rosa dos Mares e CAVALIERI, Cecilia. Jogos pedagógicos para a educação musical. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2005.

PARIZZI, Beatriz e SANTIAGO, Patricia Furst. Pianobrincando. Belo Horizonte: s/e, 1998.

SWANWICK, Keith. Ensinando música musicalmente. Tradução de Alda Oliveira e Cristina Tourinho. São Paulo: Moderna, 2003.

TOURINHO, Cristina. Ensino de violão: infl uência da motivação na aprendizagem do repertório de interesse do aluno. Disponível em <www.ictus.ufba.br>. Acesso em 07 nov. 2010.

TOURINHO, Cristina. Ensino coletivo de violão: proposta para disposição física dos estudantes em classe e atividades correlatas. Disponível em </www.artenaescola.com.br/pesquise_artigos.php:. Acesso em 31 jan. 2008.

CRISTINA TOURINHO, Ensino coletivo de violão: princípios de estrutura e organização