ensaios estereolÓgicos e morfologia tridimensional

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  • ENSAIOS ESTEREOLGICOS E MORFOLOGIA TRIDIMENSIONAL NA FORMAO HIPOCAMPAL DE AVES MIGRATRIAS MARINHAS: Anlise quantitativa da imunomarcao seletiva de neurnios e micrglia em Calidris pusilla e Actitis macularia.

    CRISTOVAM GUERREIRO DINIZ

    Belm 2013

  • CRISTOVAM GUERREIRO DINIZ

    ENSAIOS ESTEREOLGICOS E MORFOLOGIA TRIDIMENSIONAL NA FORMAO HIPOCAMPAL DE AVES MIGRATRIAS MARINHAS: Anlise quantitativa da imunomarcao seletiva de neurnios e micrglia em Calidris pusilla e Actitis macularia.

    Tese de doutoramento apresentada ao Programa de Ps-graduao em Neurocincias e Biologia Celular do Instituto de Cincias Biolgicas da Universidade Federal do Par, como requisito parcial para obteno do grau de Doutor em Neurocincias e Biologia Celular. rea de concentrao em Neurocincias Orientador: Prof. Dr. Cristovam Wanderley Picano Diniz. Co-Orientador: Prof. Dr. David Francis Sherry

    Belm 2013

  • ENSAIOS ESTEREOLGICOS E MORFOLOGIA TRIDIMENSIONAL NA FORMAO HIPOCAMPAL DE AVES MIGRATRIAS MARINHAS: Anlise quantitativa da imunomarcao seletiva de neurnios e micrglia em Calidris pusilla e Actitis macularia. Cristovam Guerreiro Diniz. Belm, Par, UFPA/ICB, 2013.

    Tese de doutoramento aprovada como

    requisito parcial para obteno do grau de Doutor em

    Neurocincias, Programa de Ps-graduao em

    Neurocincias e Biologia Celular (rea de

    concentrao Neurofisiologia), Universidade Federal

    do Par, pela Comisso Examinadora formada pelos

    professores:

    Presidente:

    Professor Dr. Cristovam Wanderley Picano Diniz - Orientador

    Instituto de Cincias Biolgicas, UFPA

    Membros:

    Professor Dr. Ruben Carlos Arajo Guedes

    Departamento de Nutrio UFPE

    Professora Dra. Lucidia Fonseca Santiago Instituto de Cincias Biolgicas, UFPA

    Professora Dra. Luciana Negro Frota de Almeida Instituto de Cincias Biolgicas, UFPA

  • RESUMO

    objetivo do presente trabalho implantar como modelos para estudo da formao hipocampal das aves migratrias as espcies de maarico Calidris pusilla e Actitis macularia que abandonam as regies geladas do Canad, fugindo do inverno, em direo costa da Amrica do Sul e do Caribe onde permanecem at a primavera quando ento retornam ao hemisfrio norte. Mais especificamente pretende-se descrever a organizao morfolgica qualitativa e quantitativa da formao hipocampal, empregando citoarquitetonia com cresil violeta e imunomarcao para neurnios e clulas da glia, sucedidas por estimativas estereolgicas do nmero total de clulas identificadas com marcadores seletivos para aquelas clulas, assim como comparar a morfologia tridimensional da micrglia das aves com a dos mamferos. As coletas de campo para a caracterizao da formao hipocampal do Calidris pusilla e Actitis macularia em seus aspectos morfolgicos foram feitas no Brasil na Ilha Canelas (047'21.95"S e 4643'7.34"W) na Costa da Regio Nordeste do Par no municpio de Bragana, e no Canad, na Baia de Fundy perto de Johnson's Mills na cidade de New Brunswick (4550'19.3" N 6431'5.39" W).

    A definio dos limites da formao hipocampal foi feita empregando-se as tcnicas de Nissl e de imunomarcao para NeuN. Para a definio dos objetos de interesse das estimativas estereolgicas e das reconstrues tridimensionais empregou-se imunomarcao com anticorpo anti-NeuN para neurnios e anti-IBA-1 para micrglia. As estimativas estereolgicas revelaram em mdia nmero similar de neurnios nas duas espcies enquanto que no hipocampo de Actitis macularia observou-se nmero de micrglias 37% maior do que no de Calidris pusilla. Alm disso, encontrou-se que em mdia o volume da formao hipocampal do Actitis macularia 38% maior do que o encontrado em Calidris pusilla.

    Os estudos comparativos da morfologia microglial das duas espcies de aves com a dos mamferos Rattus novergicus e Cebus apella revelaram diferenas morfolgicas significantes que indicam que as micrglias das aves mostram em mdia, menor complexidade (dimenso fractal), tem dimetros e permetros de soma menores e possuem ramos mais finos do que aquelas do rato e do macaco.

    Palavras Chave: morfometria, estereologia, hipocampo e aves.

  • ABSTRACT

    The aim of this report is to describe the hippocampal formation of two

    migratory birds, Calidris pusilla and Actitis macularia, that leave the cold regions of

    the Canadian Tundra, escaping the winter, towards the coast of South America and

    the Caribbean Islands where they remain until winter ends returning to the Northern

    hemisphere. We intend to describe the qualitative and quantitative morphological

    organization of the hippocampal formation, using cytoarchitetonics with cresyl violet

    and immunostaining for neurons and microglia, followed by stereological estimates

    of the total number of cells identified with selective markers. We intend as well to

    compare the three-dimensional morphology of hippocampal microglia of these

    species with those of the dentate gyrus of Wistar rats and Capuchin monkey. The

    shorebirds used in the characterization were captured in Canela Island, Bragana

    City, State of Par, Brazil (047'21.95"S and 4643'7.34"W), as well as in Canada,

    in the Bay of Fundy, near Johnson's Mills, New Brunswick (45 50' 19.3" N 64

    31' 5.39" W).

    The hippocampal formation limits definition was performed employing Nissl

    staining and immunostaining for NeuN. For the objects of interest definition of

    stereological estimates and three-dimensional reconstructions we used

    immunostaining with anti NeuN for neurons and anti-IBA-1 for microglia respectively.

    The stereological results revealed similar number of neurons in both species

    whereas the number of microglia in Actitis macularia was 37% higher than in Calidris

    pusilla. Furthermore, it was found that the hipocampal formation average volume in

    Actitis macularia was 38% higher than that found in Calidris pusilla. Comparative

    studies of the microglial morphology with mammals (Rattus novergicus and Cebus

    apella) revealed significant morphological differences that indicate microglia in birds

    shows on average lower complexity (smaller fractal dimension), smaller tree

    volumes and areas and thinner branches than rat and monkey microglia.

  • SUMRIO Sumrio ................................................................................................................... 1 1- INTRODUO .................................................................................................... 8

    1.1- Os Modelos Experimentais ........................................................................... 8 1.2- Memria e Formao Hipocampal .............................................................. 14 1.3- Anatomia e Fisiologia Comparadas da Formao Hipocampal em Mamferos e Aves .............................................................................................. 19 1.4- O Hipocampo das Aves, Plasticidade e Memria ....................................... 23 1.5 - Aves Migratrias e o Sistema Neural de Navegao................................. 26 1.6- Estereologia Baseada em Design para Contagem de Clulas: O Fracionador ptico ............................................................................................ 29 1.7- Morfologias das Clulas Gliais em Aves e Mamferos ................................ 31

    2- OBJETIVOS ...................................................................................................... 39 2.1- Geral ........................................................................................................... 39 2.2- Especficos ................................................................................................. 39

    3- Material e Mtodos ............................................................................................ 40 3.1- Captura com Redes de Neblina .................................................................. 40 3.2- Perfuso, Corte, Colorao e Imunohistoqumica ...................................... 40

    3.2.1- Colorao de Nissl ............................................................................... 41 3.2.2- Imunomarcao para GFAP, Neu-N, IBA1, ZENK e C-Fos ................. 41

    3.3- Estereologia ................................................................................................ 43 3.4- Anlise Estatstica ...................................................................................... 49 3.5 Morfometria Baseada em Reconstruo Tridimensional ............................. 50

    4- RESULTADOS .................................................................................................. 57 4.1- Descrio da Formao Hipocampal em Calidris pusilla e Actitis macularia ........................................................................................................................... 58 4.2 Ensaios Estereolgicos ............................................................................. 61 4.4- Anlise Comparativa da Morfologia da Micrglia da Camada Molecular do Giro Denteado de Mamferos e do Hipocampo Dorsal e Ventral de Aves Marinhas ............................................................................................................ 68

    5- DISCUSSO ..................................................................................................... 83 5.1- Limites Arquitetnicos ................................................................................. 84 5.2- Ensaios Estereolgicos na Formao Hipocampal de Aves: Efeitos do ambiente sobre a plasticidade neuronal e glial. ................................................. 86

  • 5.3- Morfologia Tridimensional da Micrglia no Hipocampo Dorsal e Ventral de Maaricos e na Camada Molecular do Giro Denteado de Mamferos. .............. 91 5.4- Limitaes Tcnicas ................................................................................... 93

    5.4.1 Ambiguidades no Estereolgicas nas Estimativas ........................... 93 5.4.2 Limitaes nas Reconstrues Tridimensionais ................................... 94

    6- CONCLUSES ................................................................................................. 96 7- REFERNCIAS ................................................................................................. 97

  • 8

    1- INTRODUO

    1.1- Os Modelos Experimentais Englobando os maaricos, baturas, quero-quero, narcejas, pirupirus e

    outras, a expresso "aves limcolas" define um grupo de aves que mantm estreitas

    relaes com ambientes midos, seja para buscar alimento, reproduo ou

    descanso (Rodrigues, 1993).

    Com a proximidade do outono boreal, milhes de aves deixam suas reas de

    reproduo todos os anos, em busca de locais com temperaturas mais amenas e

    com disponibilidade de alimento, rea essa escolhida para passar o perodo do

    inverno (da serem referidas como reas de invernada). Dentre as reas de

    invernada esto aquelas da Amrica do Sul onde alguns dos exemplares utilizados

    neste trabalho foram coletados. Assim a migrao segue a direo Sul sendo a

    Amrica do Sul alvo sistemtico dessas aves (Azevedo Jnior et al., 2001),

    principalmente ao longo da costa martima do continente onde passam a maior parte

    do seu ciclo de vida (Antas, 1983). Durante a primavera e o vero retornam s reas

    de origem, (Harrington et al., 1986) havendo muitas delas com migraes sazonais

    regulares que retornam aos mesmos locais de invernada, reproduo e stios de

    parada durante a migrao, em anos sucessivos, mantendo fidelidade a esses

    habitats (Hansson et al., 2002).

    O Brasil est na rota de muitas espcies de aves migratrias, tanto de

    visitantes meridionais, aves Neotropicais, que se reproduzem em reas do

    hemisfrio sul, como setentrionais, aves Nerticas, que se reproduzem no

    hemisfrio norte (Azevedo-Jnior, 1998). Dentre os deslocamentos de aves no

    Brasil, destacam-se as migraes no inverno do hemisfrio Norte (inverno boreal) e

    no inverno do hemisfrio Sul (inverno austral) (Sick, 1997). As migraes em direo

    ao Hemisfrio Sul comeam em meados de agosto, logo aps a reproduo,

    continuando at meados de novembro com o regresso ao Hemisfrio Norte

    abrangendo o perodo de fevereiro at meados de maio (Rodrigues, 2006).

  • 9

    A Regio Norte do Brasil a porta de entrada dos migrantes setentrionais no

    pas (Azevedo-Jnior, 1998); so centenas e at milhares de indivduos que chegam

    e utilizam essas reas para pouso e alimentao, logo aps o perodo reprodutivo

    (Sick, 1997). Dessa forma, a Amaznia e as zonas costeiras da Regio Norte e

    Nordeste so locais com muitos registros de espcies migratrias do hemisfrio

    norte. Foram registradas cerca de 40 espcies pertencentes s famlias Jacanidae,

    Rostratulidae, Haematopodidae, Charadriidae, Scolopacidae, Recurvirostridae,

    Burhinidae e Laridae, que vm procura de locais de invernada onde encontram

    alimentao farta, propiciando a garantia de engorda, adquirindo, dessa forma,

    energia suficiente para efetuar as mudas e retornar ao seu stio de reproduo no

    hemisfrio norte (Azevedo Jnior et al., 2001)

    Os habitats selecionados pelas aves migratrias ao longo de suas rotas so

    diversos e esto relacionados aos hbitos alimentares, disponibilidade de recursos

    e tticas de forrageamento. Devido distribuio descontnua desses recursos, as

    espcies migrantes geralmente se concentram em reas especficas. Esses locais

    tm importncia fundamental para conservao dessas espcies, uma vez que, ao

    realizarem grandes migraes, elas necessitam de reas chave para trocarem as

    penas, se alimentarem e adquirir as reservas energticas necessrias

    continuao das longas viagens (Myers et al., 1985; Morrison e Ross, 1989).

    No Brasil destacam-se: ao Norte - o salgado paraense, a costa do Amap e

    reentrncias maranhenses; no Nordeste a costa do Rio Grande do Norte,

    Pernambuco, Sergipe e Bahia; e ao Sul a regio do Parque Nacional da Lagoa do

    PeixeRS.

    As famlias Charadriidae e Scolopacidae correspondem ao grupo de aves

    com a maior representatividade de espcies migrantes setentrionais, que se

    caracterizam pela reunio em grandes agrupamentos e realizao de longas

    jornadas continentais, algumas vezes deslocando-se para pontos extremos do

    continente americano. Em sua maioria, deslocam-se acompanhando regies

    costeiras, onde so encontrados stios com grandes concentraes de indivduos.

    (Sick, 1983; Antas, 1989; Sick, 1997; Azevedo-Jnior, 1998; Rodrigues, 2000;

  • 10

    Larrazbal et al., 2002; Telino-Jnior et al., 2003; Lyra-Neves et al., 2004;

    Rodrigues, A. a. F., 2006). Estudos anteriores indicaram que as populaes de

    maaricos que chegam a costa Norte tendem a se distribuir em uma faixa litornea

    que se estende desde a Venezuela at o Brasil (Mcneil, 1970; Spaans, 1978;

    Rodrigues, 1996).

    Anualmente vrias espcies de pssaros migrantes setentrionais ocupam a

    pennsula Bragantina ao Nordeste do Par, onde so encontradas principalmente

    em reas de manguezal, dentre as quais o maarico do peito pintado Actitis

    macularia. Essa espcie pertencente famlia Scolopacidae uma ave limcola de

    pequeno porte, 18-20 cm de comprimento e pesando de 19-64 g, que juntamente

    com a sua espcie-irm, a Actitis hypoleucos compem o gnero Actitis (Figura 01).

    Seu habitat de reproduo perto de gua doce na maior parte do Canad e dos

    Estados Unidos. Eles migram para o sul dos Estados Unidos e Amrica do Sul, e

    raramente para a Europa Ocidental. Esta ltima espcie no gregria e raramente

    vista em bandos.

    Os adultos da espcie Actitis macularia possuem pernas curtas e amareladas

    e um bico laranja com a ponta escura. Apresenta duas plumagens, de descanso

    reprodutivo ou eclipse: manto castanho-acinzentado e ventre branco; e reprodutiva:

    castanho no dorso salpicado de preto no ventre. Seu ninho encontrado no cho.

    Figura 01: Maarico pintado (Actitis macularia) Parque Bluffer em Toronto, Canada, 2005. A esquerda plumagem no reprodutiva e a direita plumagem reprodutiva (Wikipedia, 2005).

  • 11

    As fmeas podem copular com mais de um macho, deixando a incubao para eles

    e aumentando, assim, o nmero de ovos a eclodir em uma nica temporada

    reprodutiva.

    Essas aves forrageiam no solo ou gua atrs de crustceos e outros

    invertebrados, mas tambm podem apanhar insetos em pleno voo. Ao alimentarem-

    se, elas podem ser reconhecidas pelo balano corporal e por movimento de

    elevao da cauda enquanto anda a procura de suas presas na praia (Del Hoyo et

    al., 1992). Para encontrar alimento, refgio, parceiros sexuais ou locais de

    nidificao os pssaros convivem com diversas mudanas ambientais e de

    sazonalidade.

    Aparentemente o padro de migrao dessa espcie em direo Norte para

    o perodo de reproduo diferente do da direo Sul para o perodo de invernada.

    De fato as rotas transocenica (da Nova Inglaterra para Amrica do Sul) e

    continental atravs dos EUA so adotadas alternativamente para o perodo de

    invernada enquanto que a migrao em direo Norte para o perodo de reproduo

    evita a rota transocenica sendo realizada integralmente atravs do Continente

    Americano (Del Hoyo et al., 1992).

    Figura 02. Maariquinho rasteiro (Calidris pusila) em Cobourg, Ontario, Canada, Agosto de 2006 (Wikipedia, 2006).

  • 12

    O maarico-rasteirinho (Calidris pusilla) uma espcie de ave pequena, porm

    robusta, de bico grosso, negro e de ponta alargada (Figura 02), semelhana de

    vrios congneres, excetuando-se a espcie Calidris canutus (Sick, 1997).

    Pertencem famlia Scolopacidae que possui um total de 89 espcies, encontradas

    em reas costeiras e alagadas, espalhadas por todo o globo (Figura 03). A famlia

    Scolopacidae parece ter um ancestral bioqumico comum de onde derivou-se de

    evoluo explosiva durante o perodo tercirio, aps uma grande onda de extino

    acontecida no final do perodo Cretceo (Piersma, 1996).

    Maaricos reproduzem apenas na Tundra rtica superior, mas se deslocam

    ao sul de sua rea de reproduo na disjuno circumpolar para reas no

    reprodutivas (de invernada) em todos os continentes (menos o Antrtico), entre as

    latitudes 58 N e 53 S (Figura 03). Maaricos geralmente se alimentam em reas

    costeiras que sofrem influncias de mars (do ingls intertidal areas), de substrato

    mole. Como consequncia as reas de alimentao so pouco numerosas e muito

    distantes umas das outras, obrigando-os a realizar voos de muitos milhares de

    quilmetros rotineiramente. As maiores taxas de forrageamento ocorrem nos locais

    mais ao norte antes do voo definitivo para a reproduo na tundra (Piersma et al.,

    2005).

    Figura 03. Legenda Distribuio pontos amarelos ocorrncia Scolopacidae (G.B.I.F., 2008).

  • 13

    Fortemente territorialistas, os machos defendem ativamente seus territrios

    por exibio em voos, nos quais planam vocalizando em alturas variveis

    frequentemente por vrios minutos (Pitelka et al., 1974).

    Com relao ao sistema de pareamento, durante o perodo reprodutivo,

    machos e fmeas formam pares monogmicos que se mantm durante todo o

    perodo de incubao dos ovos e que realizada por ambos os sexos (Ashkenazie

    e Safriel, 1979).

    Observa-se somente um leve dimorfismo sexual nesta espcie, sendo as

    fmeas maiores do que os machos, sem diferena de colorao significante e sem

    a presena de caracteres sexuais secundrios conspcuos (Prater, 1977).

    Diferente do Actitis macularia, o Calidris pusilla um pssaro migratrio de

    longa distncia percorrendo s vezes, em voos ininterruptos cerca de 4000 km, em

    busca de seus stios preferenciais de invernada (Morrison, 1984).

    Orientao espacial e memria so, portanto, habilidades essenciais para

    lidar com essas demandas dos pssaros migratrios e estudos anteriores indicam

    um papel crucial do hipocampo na consolidao da memria espacial de aves e

    mamferos e.g. (O'keefe e Dostrovsky, 1971; Sherry, 2011). Presume-se que o

    hipocampo das aves possa conter como nos mamferos, um 'mapa cognitivo', que

    fornece uma representao do animal em relao ao ambiente (Sallaz et al., 2000).

    Muito poucas espcies migratrias foram objeto de investigao

    neurobiolgica detalhada e muitos aspectos dos mecanismos envolvidos com o

    processo migratrio permanecem obscuros. Essa jornada anual que essas espcies

    empreendem depende de orientao precisa, reconhecimento de pistas visuo-

    espaciais e avaliao de distncias ao longo da viagem intercontinental que esto

    longe de serem compreendidas em suas bases neurobiolgicas.

    De fato, quando se constata que sequer foram descritas em detalhe as

    estruturas relacionadas formao e recuperao de memrias em muitas das

    espcies migratrias, torna-se importante empreender esforos para o

    preenchimento dessa lacuna. No que concerne formao hipocampal, uma das

    reas de cuja integridade depende a consolidao de memrias relacionadas

  • 14

    navegao em grande e pequena escala, tanto em aves (Bingman et al., 2006;

    Sherry, 2011), quanto em mamferos (Leuner et al., 2010; Buzski e Moser, 2013),

    nada foi anteriormente descrito em maaricos migradores, motivo pelo qual se

    empreendeu o presente projeto.

    1.2- Memria e Formao Hipocampal

    A memria entendida como a capacidade de adquirir, armazenar e

    recuperar informaes que permitem responder a pelo menos trs das perguntas

    essenciais para sobrevivncia adaptada ao meio ambiente que partilham. Assim, as

    tarefas relacionadas reproduo, busca de alimento e o reconhecimento de

    predadores depende da habilidade de se identificar o que ? Onde est? E quando?

    Para que isso seja possvel, a formao hipocampal e o cerebelo precisam ser

    preservados ntegros garantindo a formao das memrias declarativa e procedural

    respectivamente (Okano et al., 2000).

    Quando nos referimos memria declarativa episdica humana falamos da

    capacidade de lembrarmos conscientemente, empregando a linguagem como

    instrumento, e falamos de memria semelhante episdica quando se tratam de

    outras espcies que no desenvolveram a linguagem, sendo a consolidao desta

    lembrana tarefa que envolve o lobo temporal medial (a includos o hipocampo, o

    giro denteado, o complexo subicular e os crtices perirrinal e parahipocampal)

    (Squire et al., 2007).

    Recentemente, a regio anloga ao hipocampo de mamferos, (Nadel, 1978;

    Amaral, 1993) vem recebendo muita ateno em aves, havendo um volume

    crescente de evidncias de que a parte medial do crtex dorsal das aves

    homloga ao hipocampo de mamferos tendo em conta seu desenvolvimento, sua

    topografia e seu papel funcional(Ariens-Kappers et al., 1936; Kallen, 1962;

    Campbell e Hodos, 1970; Benowitz e Karten, 1976). Essa rea est implicada em

    diversos processos de memria incluindo aqueles necessrios navegao

  • 15

    (Bingman e Yates, 1992; Bingman et al., 1988) e ao armazenamento de alimento

    (Krebs et al., 1989; Sherry e Vaccarino, 1989).

    Vrios outros autores tem tentado comparar o hipocampo das aves com o

    dos mamferos usando critrios citoarquitetnicos e neuroqumicos, mas pouca

    concordncia tem sido alcanada com o emprego desses critrios (Craigie, 1930;

    Ariens-Kappers et al., 1936; Benowitz e Karten, 1976; Casini et al., 1986). A parte

    dorsomedial do crebro de pssaros tradicionalmente dividida em duas grandes

    reas, a ventral chamada de hipocampo prprio (Hp) e a posicionada

    dorsolateralmente, denominada de rea parahipocampal (APH), com dois padres

    de projees distintos (Figura 04) . A formao hipocampal (FH) das aves (Hp +

    APH) faz parte do sistema lmbico, uma rede de mltiplas conexes dos centros

    telenceflicos e subtelenceflicos, que responsvel pelo aprendizado associado

    s emoes e motivao em geral.

    O hipocampo no um centro cerebral voltado apenas ao processamento de

    informao espacial, ele tambm parece estar envolvido em outros tipos de

    formao de memria e aprendizado, pelo menos em galinceos jovens (Sandi et

    al., 1992). As estruturas do prosencfalo implicadas nesse tipo de formao de

    memria so conectadas umas com as outras sugerindo a presena de um circuito

    prosenceflico de memria que influenciado pelos centros monoaminrgicos do

    mesencfalo (Szekely, 1999).

  • 16

    No existe acordo no que diz respeito extenso da APH: de fato ainda

    permanece a controvrsia de se apenas uma faixa de crtex que separa o Hp das

    estruturas do palio lateral e que repousa medialmente no ventrculo lateral, ou se

    tambm incorpora grupos de clulas homogneas entre as duas placas celulares

    do hipocampo. A linha de separao entre as reas dorsolaterais no est

    claramente definida; a APH parece ser contnua com o hiperestriado acessrio (HA)

    e tambm contnua em sua poro caudal com o crtex dorsolateral (Szekely,

    1999). Em seces coradas com Nissl, a APH e o Hp so homogneos e

    representadas como continuaes da rea cortical adjacente e com uma laminao

    relativamente distinta em sua parte posterior ventral.

    Figura 04: Uma seco coronal do complexo hipocampal e reas adjacentes do teleencefalo do pssaro Parus palustris. A seco faz parte da coordenada 0.3 da extenso rostro-caudaldo hipocampo. Siglas: H, hipocampo (area de clulas densas em forma de V); APH, rea parahippocampal ; L, limite lateral (caracterizado por uma aguda mudana da densidade das clulas; V, ventrculo; M, linha mdia; HA, Hiperestriado acessrio; e S, estriado.(Harsanyi e Friedlander, 1997)

  • 17

    Assim, o maior desafio tem sido encontrar uma forma de se definir um limite

    entre o hipocampo e o palium lateral (LP). Em pombos, o neuropeptdio designado

    substncia P faz o delineamento de alguns campos circunscritos dentro desse

    complexo, independente de sua localizao em relao ao Hp e a APH (Erichsen et

    al., 1991).

    O uso de tcnicas imunohistoqumicas viabilizou a reviso do sistema de

    parcelamento do palium dorsomedial, uma vez que novas estruturas compostas por

    clulas de natureza qumica semelhante foram encontradas no palium dorsomedial

    de pombos (Figura 05) (Erichsen et al., 1991). Um achado importante desse estudo

    foi o aparecimento do ncleo reativo para substncia P (SPF) de disposio

    alongada rostrocaudalmente, provendo resposta direta para a definio do limite

    lateral. Nesse sistema de diviso o SPF localiza-se externamente ao Hp e tambm

    claramente separado do hiperpalium acessrio. De acordo com sua posio o SPF

    um possvel candidato ao correspondente do crtex entorrinal de mamferos.

    O resultado de diferentes tcnicas e diferentes espcies empregadas em

    estudos das subdivises do HP (Figura 05) no nos leva a uma concluso final

    sobre o nmero ou a localizao das subdivises hipocampais. A conectividade do

    HP exige estudos adicionais para se avaliar melhor se a similaridade topogrfica, a

    morfologia e a especificidade dos neurotransmissores envolvidos na

    imunomarcao so suficientes para definir o parcelamento da formao

    hipocampal (Szekely, 1999).

  • 18

    Figura 05: Desenhos esquematicos das subdivises hipocampais como descrito anteriormante (esquerda) e como revistas em Szekely 1999 (direita). (A) As subdivises do HP, redesenhadas como no Atlas de Karten e Hodos (Karten Hj, 1967). Coordenada anteroposterior: 6,00. Estes autores no definiram uma fronteira lateral do complexo em relao a HA nem a separao exata entre HP e APH. (B) As subdivises do HP do pombo foram estabelecidas com base na distribuio de neurotransmissores e neuropeptdeos (Erichsen et al., 1991). Coordenada Antero posterior 7,05. (C) As subdivises do HP de um Zebra Finch (Montagnese et al., 1996). O desenho representa uma seco coronal da parte central do hipocampo. (D) As trs subdivises do hipocampo do Zebra Finch (Szekely e Krebs, 1996) seguidos de iontoforese de PHAL. O desenho representa a parte central do HP 1 mm anterior ao lambda (Szekely, 1999).

  • 19

    1.3- Anatomia e Fisiologia Comparadas da Formao Hipocampal em Mamferos e Aves

    Nos mamferos a distribuio topogrfica das estruturas que compem a

    formao hipocampal segue a ordem: giro denteado, Corno de Amon, subculo e

    crtex entorrinal. A mesma distribuio espacial encontrada em rpteis squamata

    e tartarugas (Peichl, 1991). Em aves, a organizao inverte-se aparecendo em

    primeiro lugar a rea em forma de V que corresponderia ao Corno de Amon, seguida

    da juno da rea medial e rea dorsomedial correspondendo ao giro denteado, em

    seguida a rea lateral correspondendo ao subculo e por fim, a rea SPf

    correspondendo ao crtex entorrinal .

    Propostas de parcelamento comparativas entre hipocampos de aves e

    mamferos foram obtidas atravs de imunomarcaes (Hoffmann et al., 2002).

    Esses parcelamentos possibilitaram a gerao de sugestes para limites do

    hipocampo em pombos, baseados na forte imunorreatividade para o anticorpo

    contra a substncia P definindo o limite lateral do hipocampo (Hoffmann et al.,

    2002). Em sua borda lateral aparece uma densa marcao da neurpila

    imunorreativa para substncia P em posio rostral rea em forma de V da regio

    hipocampal que penetra em direo ao plido lateral, destacando-o das demais

    regies a sua volta. Embora exista ainda muita controvrsia a respeito, essa

    configurao de fronteira parece delimitar com clareza a regio extra hipocampal

    (Schwassmann, 1990).

    Assim, poderia relacionar-se essa rea em forma de V no pombo ao corno

    de Amon dos mamferos em funo da presena das clulas piramidais circundadas

    pelas clulas em cesto que so imunorreativas para a colecistocinina em ambas as

    classes (Antal et al., 2006). Alm disso, outras clulas morfologicamente

    semelhantes imunorreativas para somatostatina e neuropeptdeo Y so

    encontradas na rea medial do hipocampo das aves e na regio hilar dos

    mamferos, (Atoji e Wild, 2004).

  • 20

    A imunomarcao para peptdeo intestinal vasoativo (VIP) nas camadas do

    giro denteado nos mamferos pode ser relacionada rea das clulas

    imunomarcadas para VIP no pombo. Outros resultados tambm permitiram associar

    a camada alvear e fmbria-frnix do mamfero rea das fibras do trato medial, em

    funo da presena de aferentes colinrgicos, serotonrgicos e catecolaminrgicos

    que formam os tratos ali existentes em ambas as regies e esses aferentes

    contribuem para os circuitos neuroqumicos que modulam as respostas

    hipocampais em roedores (Bausch, 2006; Hauser et al., 2006) descreveram a

    presena marcante de fibras serotonrgicas na poro imediatamente inferior

    regio dorsomedial, o que repete o padro encontrado em mamferos onde as

    camadas granulares relacionam-se intimamente ao giro denteado.

    Alm das comparaes de ordem morfolgica entre a formao hipocampal

    de aves e mamferos, possvel encontrar associao funcional entre seus vrios

    sistemas neurais. Segundo alguns pesquisadores (Donascimento et al., 1991; Rosa

    et al., 1991) possvel correlacionar a estrutura hipocampal nessas classes com a

    aprendizagem e o processamento dos vrios tipos de memria, tais como, a

    contextual e a espacial.

    Em aves, as conexes telenceflicas que relacionam o hipocampo ao lobo

    paraolfatrio, ao plido lateral e parte lmbica do estriado, permitem inferir a

    participao dessas regies na formao da memria, e isso foi feito com a

    utilizao de tcnicas de esquiva inibitria principalmente em galinceos jovens

    (Obrebowski et al., 2000). Experimentos realizados em labirinto aqutico (Morris

    water-maze) com roedores mostraram que o dano hipocampal, interrompe a

    orientao espacial a partir de pistas visuais fora do labirinto (extra-maze cues),

    embora tenha sido verificado que a leso no afeta a orientao com pistas dentro

    do labirinto (intra-maze cues) (Kleinrok et al., 2000).

    Os mamferos possuem um circuito trissinptico no hipocampo que est

    envolvido no processamento do aprendizado e memria, e que sensvel

    facilitao sinptica (Wylie e Frost, 1990). Os estudos das eferncias e aferncias

    dessa regio em aves (Buttery et al., 1990; Curcio e Allen, 1990; Oswaldocruz et

  • 21

    al., 1990) no permitiram at a presente data, estabelecer com segurana a

    equivalncia dos circuitos hipocampais, tal como, observado em mamferos, porm

    algum consenso foi obtido nessas aproximaes.

    Em mamferos, a formao hipocampal contm uma rede de neurnios que

    se comunicam atravs de um circuito trissinptico bem definido funcionalmente

    como do tipo feed-forward. A chegada de informaes sensoriais converge para o

    crtex entorrinal o qual projeta, via circuito perfurante, para o giro denteado. Do giro

    denteado saem projees, via fibras musgosas, para a regio de CA3, de onde,

    atravs das fibras colaterais de Schaeffer, projetam-se ipsilateralmente e

    contralateralmente para a regio de CA1. De CA1 saem fibras para o subculo e da

    para fora do hipocampo (Simas e Dasilva, 1989).

    Em trabalhos eletrofisiolgicos associados ao uso de traadores sugeriu-se

    a ocorrncia de similaridades na circuitaria interna da formao hipocampal de

    pombos e ratos (Inan et al., 2006). Assim, as informaes sensoriais chegam, no

    pombo, atravs da rea dorsolateral que projeta para a rea dorsomedial. Da rea

    dorsomedial saem projees para as duas pores do V hipocampal, na rea

    ventromedial das aves. O brao medial do V projeta-se ipsi- e contralateralmente

    para a poro lateral do V, que por sua vez projeta-se para a regio dorsomedial de

    onde saem os circuitos eferentes em direo s demais reas palidais.

    Substncias traadoras sugeriram similaridades entre os padres de

    conexes extrnsecas da formao hipocampal de aves e mamferos,

    principalmente as septo-hipocampais (Clarkson, 1993; Zanoli et al., 2001; Vicente

    et al., 2004). O septo medial no rato a maior via de envio de informaes

    formao hipocampal, com projees ipsilaterais importantes para o giro dentado

    CA1, CA2, subculo e projees bilaterais para o crtex entorrinal. O septo medial

    recebe, de volta, aferncias das regies CA1, CA2 e CA3 do hipocampo do rato. No

    pombo, a regio dorsomedial recebe a maior parte das vias que chegam do septo

    medial e as clulas presentes na rea ventromedial, principalmente as pores

    medial e lateral do V hipocampal projetam de volta para o septo medial. As regies

    CA1 e CA3 do rato podem ser similares s pores laterais e mediais do V

  • 22

    hipocampal das aves, respectivamente, porque existem conexes intrnsecas entre

    as duas reas que do suporte a essa relao (Bruckner et al., 2000).

    Entretanto a anatomia hipocampal de aves e mamferos to diferente que

    se torna difcil comparar suas subdivises. Da mesma forma, a localizao de

    funo nessas estruturas parece ser difcil, mas isto igualmente verdadeiro em

    ambas as classes. Por outro lado certo que a contribuio dessas reas quase

    idntica em quase todos os aspectos com a exceo do papel do hipocampo na

    memria episdica. Mesmo que os aspectos funcionais no possam ser usados

    para estabelecer homologias, a imensa similaridade observada aqui subsidia

    fortemente a homologia determinada por outros aspectos (Beason-Held et al.,

    1999).

    Durante a embriognese, os hipocampos de mamferos e aves emergem da

    mesma regio do telencfalo (Kallen, 1962), compartilham os mesmos tipos

    celulares, incluindo as clulas piramidais (Ben Bederson, 2005), e parecem contar

    com os mesmos tipos de neurotransmissores e enzimas relacionadas a estes

    (Erichsen et al., 1991; Krebs et al., 1991). As conexes para reas do crebro como

    o septum, hipotlamo, ncleos da base e reas de processamento sensorial so

    similares mas no idnticas (Casini et al., 1986). muito provvel que as estruturas

    hipocampais observadas em aves e mamferos sejam ambas descendentes de uma

    nica e antiga estrutura (Beason-Held et al., 1999).

    At em peixes dourados (Carassius auratus), foi demonstrado aprendizado

    espacial utilizando tarefas de labirinto utilizando 4 pontos de oferta de comida

    (Rodriguez et al., 2002). Leses nessa espcie no palium lateral, que um potencial

    homlogo do hipocampo de mamferos afetou dramaticamente o aprendizado

    espacial enquanto o aprendizado dependente de pistas visuais permaneceu

    inalterado. No mesmo estudo experimentos com tartarugas revelaram o mesmo

    efeito depois de leso no crtex medial. Outros estudos com mtodos diferentes

    confirmaram a analogia funcional entre o hipocampo dos mamferos e o palium

    lateral do peixinho dourado (Buhusi e Meck, 2006), enquanto outros (Crockett and

    Eisenberg, 1987 ; Coull et al., 1995) chegaram a concluso diferente.

  • 23

    1.4- O Hipocampo das Aves, Plasticidade e Memria Muitas pesquisas sobre a relao entre o meio ambiente, a memria e o

    hipocampo tem sido focadas em aves que utilizam a memria para recuperar

    alimentos escondidos (food-cache) em numerosos stios de armazenagem (Sherry

    et al., 1989); (Krebs et al., 1991); Hampton, Sherry et al., 1995; Pravosudov e

    Clayton, 2002). Ainda que haja controvrsias sobre os mecanismos subjacentes

    (Bolhuis e Macphail, 2001; Macphail e Bolhuis, 2001) parece que a especializao

    dedicada a esconder a comida e lembrar-se do stio de armazenagem resultou em

    uma memria espacial bem desenvolvida e um hipocampo ampliado em aves e

    mamferos (Krebs, Sherry et al., 1989; Sherry, D. F. e Vaccarino, A. L., 1989; Krebs,

    Clayton et al., 1995).

    A aprendizagem e a memria espacial assim como, a atividade de estocagem

    de comida esto relacionadas ao hipocampo e tm sido muito bem estudadas em

    pombos e outros pssaros (Clayton, 1998; Colombo, Broadbent et al., 2000b; Sherry

    e Hoshooley, 2010). A regio hipocampal em pombos definida como a rea entre

    o ventrculo lateral e a fissura interhemisfrica sendo lateralmente separado da rea

    parahipocampal por uma regio imunorreativa aos anticorpos contra SP (substncia

    P), LENK (leucina-encefalina) e TH (tirosina hidroxilase). Definida dessa forma essa

    rea coincide com a estabelecida por trabalhos citoarquitetnicos com a colorao

    de Nissl (Krebs, Sherry et al., 1989) dedicados a outras espcies de aves,

    principalmente Zebra finch, onde tambm se discute os limites entre o hipocampo e

    demais regies vizinhas (Montagnese, Krebs et al., 1996)

    As primeiras pesquisas sobre o papel do hipocampo na memria para a

    localizao espacial dos locais onde os pssaros armazenam alimentos mostraram

    que esses tipos de aves, recuperam o alimento por lembrarem onde os haviam

    colocado (Cowie, 1981 ; Sherry, D. F. e Vaccarino, A. L., 1989). Ao lembrarem-se

    da localizao onde armazenaram os alimentos utilizam as marcas espaciais perto

    desses locais, utilizam-se das relaes geomtricas entre os stios e dos pontos de

  • 24

    referncia existentes na rea. Alm disso, utilizam a bssola solar para obter

    informaes e se orientar na jornada em direo aos stios de armazenamento

    (Balda, 1989; Wiltschko W., 1989; Balda R. P. , 1991; Duff Sj, Brownlie La et al.,

    1998).

    A memria utilizada para lembrar-se dos stios de armazenamento pode ser

    de longa durao (Hitchcock C. L, 1990; Balda R. P, 1992), e o comportamento de

    recuperao indica que a ave se lembra de qual o tipo de alimento armazenado em

    um stio especfico (Sherry, 1984; Clayton N.S E Dickinson, 1998). Alm disso,

    parece que as aves integram a informao espacial, o tipo de alimento e o momento

    em que a comida foi estocada e nesse sentido sugere-se que reproduzem o que se

    tem denominado episodic-like memory em mamferos (Dere, Huston et al., 2005).

    Embora trabalho subsequente tenha questionado a alegao de Clayton e

    Dickinson de 1998 de que a memria para stios espaciais se assemelha memria

    episdica humana (Hampton R. R. E Schwartz, 2004; Hampton, Hampstead et al.,

    2005.), parece provvel que as aves que armazenam alimentos retm algumas

    informaes de diferentes formas sobre os tipos de stios de armazenagem. Dentre

    essas informaes incluem-se as relacionadas ao risco de perda do alimento (e.g.

    alimentos perecveis versus no perecveis) (Hampton e Sherry) e se ou no a ave

    j recuperou outras vezes os alimentos l armazenados (Sherry, 1984).

    Leses no hipocampo das aves que escondem e recuperam alimentos

    perturbam essa capacidade de (Sherry, D.F e Vaccarino, A.L. , 1989) e produzem

    um dficit seletivo na memria para localizao espacial (Hampton e Shettleworth,

    1996a; Hampton, 1996b; Shiflett, Smulders et al., 2003 ; Broadbent e Colombo,

    2000). Portanto, o hipocampo essencial para a recuperao precisa do local onde

    o alimento foi armazenado, pois sua leso reduz a preciso da recuperao dos

    esconderijos, sem afetar a tendncia para esconder ou procur-los (Sherry, D.F e

    Vaccarino, A.L. , 1989).

    As leses do hipocampo tm efeitos seletivos semelhantes sobre os

    componentes de orientao em pombos-correio (Bingman, Jones et al., 1995),

    comprometendo seu desempenho em outras tarefas espaciais, sem interromper a

  • 25

    capacidade de formar associaes espaciais simples (Sherry, D. F. e Vaccarino, A.

    L., 1989; Hampton e Shettleworth, 1996a).

    O hipocampo de aves que armazenam alimentos e das que no armazenam

    so diferentes em vrios aspectos. Em nvel taxonmico a comparao de famlias

    e subfamlias mostrou que as aves que armazenam alimentos tm, em mdia, um

    hipocampo maior do que as aves que no armazenam alimento (Krebs, Sherry et

    al., 1989; Sherry, Vaccarino et al., 1989). Dentro das famlias de aves que

    armazenam alimentos, tambm h evidncias de que as espcies que armazenam

    mais tm um hipocampo maior do que as espcies que armazenam menos (Healy

    e Krebs, 1992; Hampton, Sherry et al., 1995).

    J est demonstrado que existe uma diferena no tamanho do hipocampo,

    entre espcies semelhantes da Eursia (que possuem hipocampo maior) do que o

    de espcies da Amrica do Norte (com hipocampo menor), sendo isso verdadeiro

    tanto para aves que armazenam como para as que no armazenam (Garamszegi e

    Lucas, 2005). Entretanto, confirmou-se posteriormente que as aves que armazenam

    alimentos tm hipocampo consistentemente maior do que as espcies que no

    armazenam independente das diferenas continentais (Lucas et al., 2004). Em um

    estudo similar em grande escala utilizando diferenas filogenticas, Garamszegi e

    Eens, (2004) encontraram uma relao positiva entre o comportamento de

    estocagem de alimentos e o tamanho relativo do hipocampo (Odum, 1942; Haftorn,

    1956; Ludescher, 1980.; Nakamura e Wako, 1988).

    Uma verso seca do labirinto aqutico de Morris, que consiste em achar a

    posio de um reservatrio de comida escondido em um campo aberto onde os

    animais so soltos em diferentes pontos, foi empregada em pombos. O

    comportamento de pombos foi examinado utilizando-se esse procedimento e

    demonstrou-se que o aprendizado espacial comprometido quando o hipocampo

    lesado. Os animais com leso hipocampal foram capazes de encontrar a comida

    escondida, entretanto o tempo de latncia foi muito maior quando comparado ao

    dos animais controle com hipocampo ntegro (Fremouw et al., 1997).

  • 26

    1.5 - Aves Migratrias e o Sistema Neural de Navegao

    As espcies migratrias so reconhecidas por suas habilidades de

    navegao ao redor do mundo. Essas aves so capazes de navegar por distncias

    muito longas at seus stios de invernada, no hemisfrio sul, e de volta na primavera

    a seus habitats onde nasceram e foram criados no hemisfrio norte. Pssaros que

    escondem comida para recuperao posterior so capazes de encontrar os lugares

    onde esconderam comida com acurcia impressionante e os pombos em particular,

    acham sua casa mesmo quando soltos em territrios desconhecidos (Krebs, 1990).

    Para orientao do processo de migrao envolvendo longas distncias a

    informao direcional pode ser extrada do campo magntico terrestre ou de pistas

    visuais como o sol e as estrela. A primeira chamada de orientao por bussola

    tem sido amplamente estudada em diferentes espcies de pssaros nas ltimas

    dcadas (Wiltschko et al., 2000; Wiltschko e Wiltschko, 2002; Mouritsen e Ritz,

    2005; Wiltschko e Wiltschko, 2005; Muheim et al., 2006; Hein et al., 2011; Wiltschko

    e Wiltschko, 2012). Como outros mecanismos de orientao global, a orientao

    atravs de campo magntico tambm pode ser usada para localizao de alvos em

    curtas distncias (Voss et al., 2007; Keary et al., 2009). Entretanto, porque as

    bssolas de campo magntico, solar ou estelar somente disponibilizam informao

    sobre direo e no sobre distncia elas no so suficientes para a localizao de

    um determinado lugar. Isto pode ser alcanado usando o arranjo espacial de pistas

    visuais e a geometria do espao circundante para orientao, uma habilidade

    denominada de orientao espacial. Para analisar a posio de um destino

    pretendido em relao as pistas visuais, os animais precisam de um mapa cognitivo

    que proporciona uma representao detalhada do ambiente (O'keefe e Nadel,

    1978).

    Tem sido sugerido que as aves migratrias possuem necessidade de usar

    um complexo sistema de navegao em que a aprendizagem e a memria devem

    ser importantes componentes (Mettke-Hofmann, C. e Gwinner, E., 2003). Para

    migrar longas distncias necessrio lembrar a rota de migrao e os locais de

  • 27

    paragem necessrios ao reabastecimento das reservas de energia (Healy et al.,

    1996; Mettke-Hofmann, C. e Gwinner, E., 2003), bem como, os detalhes de ambos

    os habitats de reproduo e invernada, j que ambos os habitats parecem ser

    reutilizados (Chilton, 1995).

    A memria dependente do hipocampo tambm parece ser importante para

    aperfeioar a volta para casa (homing) (Strasser et al., 1998). Tem sido sugerido

    que enquanto as aves migratrias so jovens utilizam um sistema de navegao

    "simples" e inato, j os pssaros mais velhos usam um sistema de orientao mais

    complexo baseado na memria e aprendizado (Mettke-Hofmann, C. e Gwinner, E.,

    2003). Se as espcies migratrias, de fato, possuem maiores exigncias para a

    memria, seria de se esperar que tenham uma memria melhor com um hipocampo

    ampliado, em comparao s espcies no migratrias (Healy et al., 1996).

    As diferenas potenciais na memria e tamanho do hipocampo entre aves

    migratrias e no migratrias, podem ser, devidas experincia migratria, que por

    si s provocam essas mudanas (Healy et al., 1996) e se isso for verdade, os

    indivduos das espcies migratrias que migram pela primeira vez devem ser

    semelhantes espcies no migratrias em suas habilidades de lembrar possuindo

    volumes hipocampais equivalentes. Alternativamente, as aves migratrias podem

    ter evoludo para uma memria aumentada e um hipocampo ampliado como

    resultado do aumento da presso de seleo onde indivduos e seus descendentes

    com sistema de memria necessria e suficiente ao sucesso da migrao teriam

    mais chance de sobreviver do que os outros. Nesse caso, no haveria diferenas

    entre os indivduos inexperientes e os experientes no desempenho da memria e

    tamanho do hipocampo (Cristol et al., 2003).

    Pouca informao est disponvel sobre a memria e o hipocampo de aves

    migratrias e no migratrias e os poucos estudos disponveis apoiam hiptese

    de que os hbitos migratrios podem afetar a memria e o hipocampo (Healy et al.,

    1996; Cristol et al., 2003; Mettke-Hofmann e Gwinner, 2003).

    A experincia migratria provoca um aumento relativo no volume do

    hipocampo e no nmero total de neurnios de Sylvia borin, mas permanece

  • 28

    desconhecido se a memria afetada pela experincia migratria e se as espcies

    migratrias tem memria melhor e um hipocampo maior do que as espcies no

    migratrias (Healy et al., 1996). Entretanto foram encontradas diferenas na

    memria e na densidade de neurnios do hipocampo, mas no no volume do

    hipocampo entre espcies migratrias e no migratrias de Junco hyemalis (Cristol

    et al., 2003). Posteriormente confirmou-se a ocorrncia de diferenas na memria

    de longo prazo entre as espcies migratrias (Sylvia borin) e no migratrias (Sylvia

    melanocephala), mas no ficou claro se essas diferenas foram relacionadas s

    diferenas no hipocampo e que tipo de memria foi afetada pelo comportamento

    migratrio (Mettke-Hofmann e Gwinner, 2003).

    A espcie migratria Zonotrichia leucophrys gambelii, possui memria

    espacial melhor e mais neurnios no hipocampo em relao aos seus co-

    especficos que no realizam migrao (Zonotrichia leucophrys nutalli), o que

    sugere que a migrao pode envolver memria espacial. Alm disso, esses autores

    sugerem que especificamente o hipocampo direito, parece codificar pistas espaciais

    globais, que podem estar envolvidos no comportamento migratrio (Pravosudov et

    al., 2006).

    No entanto, existem outros fatores no relacionados ao comportamento

    migratrio, que produziram diferenas registradas na memria e no hipocampo

    entre subespcies migratrias e no migratrias do pardal. Esse ltimo resultado

    interessante porque o hipocampo direito foi especificamente implicado no

    processamento de informaes espaciais globais, enquanto que o hipocampo

    esquerdo parece estar envolvido na codificao de informaes espaciais sobre o

    local, pistas, objetos especficos (Kahn e Bingman, 2004). Isso sugere que ambos

    os hipocampos direito e esquerdo esto envolvidos, no processamento da memria

    espacial, mas sua importncia relativa para a funo de memria no est

    totalmente clara (Kahn e Bingman, 2004).

    As diferenas na memria espacial e do hipocampo entre aves migratrias e

    no migratrias poderiam potencialmente ser experincia-dependente ou ser

    resultado tal como mencionado antes, da crescente presso de seleo para uma

  • 29

    memria espacial mais eficiente em aves migratrias. O sistema detector do campo

    magntico terrestre presente nas aves migratrias talvez gere adaptaes nicas

    que podem no estar presentes nos mamferos (Lohmann, 2007).

    No presente trabalho descrevemos a morfologia da formao hipocampal e

    estimamos o nmero de neurnios e micrglias na formao hipocampal de duas

    espcies de maaricos migratrios com padro de migrao bastante distintos com

    a expectativa de detectar possveis diferenas em seus hipocampos.

    Entretanto, para a deteco precisa de possveis correlaes entre estratgia

    de migrao e alteraes hipocampais crtica a utilizao de metodologias

    estereolgicas sem vis e no h na literatura at ento nenhum trabalho na

    formao hipocampal em aves marinhas utilizando tais metodologias.

    1.6- Estereologia Baseada em Design para Contagem de Clulas: O Fracionador ptico

    A regra geral em anlises qualitativas encontrar palavras descritivas tais

    como: menores, maiores, mais largas, menos frequentes, mais frequentes,

    diferente, similar, ausncia ou presena que em geral so suficientes para os

    propsitos investigados (Schmitz e Hof, 2005). A anlise microscpica, entretanto

    uma ferramenta analtica poderosa para se descrever formas normais e anormais

    de tecidos biolgicos, particularmente se for possvel gerar nmeros a partir de

    seces histolgicas. Entretanto necessrio considerar que se um microscpio

    utilizado para analisar a estrutura de interesse inevitvel, na maioria dos

    experimentos, que apenas uma pequena frao da rea de interesse original ser

    de fato analisada em detalhe (Howard e Reed, 2005). Esta uma questo chave

    em neuromorfologia, assim como, em muitas outras reas onde necessria a

    distino de diferenas entre condies fisiolgicas e patolgicas (Schmitz e Hof,

    2005).

    Entretanto, outros estudos que geram anlises quantitativas e expressam

    valores numricos sobre contagem de clulas, densidades, reas e volumes,

  • 30

    apresentam resultados controversos que se devem suposies prvias acerca do

    tecido e da geometria das clulas e suas distribuies no plano da seco

    (Geinisman et al., 1995; Mayhew e Gundersen, 1996). Muitos dos estudos

    quantitativos introduzem vieses de amostragem e/ou erros sistemticos cuja

    magnitude impossvel de ser apreciada, qualquer que seja a resoluo da anlise:

    ptica (Mayhew e Gundersen, 1996; Gardella et al., 2003; Mandarim-De-Lacerda,

    2003; Howard e Reed, 2005), confocal (Peterson, 1999; Kubinova e Janacek, 2001)

    ou eletrnica (Fiala e Harris, 2001; Nyengaard e Gundersen, 2006).

    A estereologia um ramo da cincia que lida com a reconstruo das

    caractersticas de estruturas tridimensionais de objetos, a partir da reconstruo

    serial de estruturas bidimensionais (Weibel, 1989). O termo baseado em design

    utilizado para definir sistemas de amostragem que so independentes das

    propriedades do tecido (Glaser e Glaser, 2000).

    De fato a sonda e os parmetros de amostragem so definidos a priori em

    estereologia, de forma que no necessria a coleta de dados de tamanho, forma

    e orientao espacial da rea a ser investigada (West, 2002). Os nmeros

    estimados a partir da amostragem podem ser expressos em valores relativos ou

    absolutos indicando volume, nmero, conectividade, distribuio espacial e

    tamanho das estruturas biolgicas sem conhecimento prvio da geometria das

    clulas ou do tecido a ser investigado (Glaser e Glaser, 2000; Schmitz e Hof, 2005).

    As anlises estereolgicas do hipocampo das aves migratrias em

    comparao com aves que no migram, utilizando marcadores especficos, se

    resumem a estimativa do nmero de neurnios em duas subespcies do gnero

    Zonotrichia (Pravosudov et al., 2006) e a estimativa de clulas da glia em Poecile

    atricapillus empregando o cresil violeta um marcador no seletivo que cora o DNA

    celular indistintamente (Roth et al., 2013). Esses autores demonstraram que a

    espcie migratria apresenta melhor desempenho em testes de memria espacial

    de uma nica tentativa do que a subespcie que no migra. As aves migratrias

    precisam lembrar-se da rota e dos locais de parada para alimentao e reposio

    de suas reservas energticas, assim como, de detalhes dos locais de reproduo

  • 31

    para onde parecem retornar (Chilton, 1995; Mettke-Hofmann, Claudia e Gwinner,

    Eberhard, 2003). Entretanto, estimativas estereolgicas ou ensaios morfomtricos

    dedicados s clulas da glia ainda no esto disponveis na literatura relacionada

    s aves marinhas migratrias. Por essa razo relevante empreender esforos

    nessa direo.

    1.7- Morfologias das Clulas Gliais em Aves e Mamferos

    Nos anos sessenta j era sabido que pelo menos quatro classes de clulas

    gliais eram partilhadas por aves, rpteis e mamferos com base em uma variedade

    de critrios morfolgicos: astrcitos, oligodendrcitos, micrglia e ependimcitos

    (Stensaas e Stensaas, 1968). poca, a morfologia celular comparada era

    construda com base em reconstrues bidimensionais com alguma contribuio de

    estudos ultraestruturais. A Figura 06 um exemplo desses ensaios morfolgicos

    empregando a tcnica de Golgi em seces da medula espinhal de pombos. No que

    concerne aos objetivos do presente trabalho interessou-nos particularmente

    comparar a morfologia da micrglia e o nmero, tanto de micrglia como de

    neurnios, em aves e mamferos. O objetivo desse ensaio foi o de reunir achados

    morfolgicos que possibilitassem a comparao da morfologia fina da micrglia do

    giro denteado dos mamferos com as do hipocampo ventral das aves em funo de

    sua possvel homologia. Infelizmente no foi possvel encontrar reconstrues

    tridimensionais detalhadas para a micrglia em aves, e isso nos impediu de

    comparar nosso ensaio com a literatura especializada em aves.

  • 32

    Por conta dessa lacuna decidimos comparar nossos ensaios morfolgicos

    com aqueles de ratos adultos (Rattus novergicus) da variedade Wistar, e com os de

    um primata do Novo Mundo com notveis habilidades cognitivas, o Cebus apella.

    Para isso reconstrumos a morfologia tridimensional da micrglia da camada

    molecular do giro denteado de tais espcies e comparamos esses resultados

    queles do hipocampo ventral e dorsal das aves migratrias Calidris pusilla e Acititis

    macularia.

    Reconstrues bidimensionais encontradas anteriormente em aves serviram

    como ponto de partida para esse ensaio morfolgico microglial comparativo. A

    Figura 07 um exemplo nessa direo no teto ptico das aves.

    Figura 06. Desenho em cmara clara de clulas da glia a partir de seco longitudinal da medula espinhal do pombo. A-D, F-K e M, correspondem a astrcitos protoplasmticos; G um astrcito fibroso; E e L so oligodendrcitos; N-P so astrcitos ependimrios; Q-U so ependimcitos (Stensaas e Stensaas, 1968).

  • 33

    Mais recentemente com a utilizao de anticorpo monoclonal especfico para

    marcao de micrglia e macrfagos (HIS C7) que reconhece a forma aviria do

    CD45 foi possvel caracterizar morfologicamente a micrglia de galinceos em

    desenvolvimento e na vida adulta (Cuadros, Santos, Martin-Oliva, et al., 2006). O

    CD45 um antgeno que colocaliza sua imunomarcao com aquela dirigida contra

    a protena de membrana IBA-1 (Ver Figura 08). Esses resultados obtidos por

    Figura 07. Morfologia microglial no teto ptico da galinha. A-P - Micrglias durante o desenvolvimento cerebral ps-natal imediato; Q-BB Micrglias no crebro adulto. Adaptada de (Stensaas e Stensaas, 1968).

  • 34

    imunomarcao contra esse antgeno se assemelham no que concerne

    morfologia, queles obtidos com anticorpo anti-IBA-1, igualmente capaz de

    identificar clulas CD45 positivas, um marcador seletivo para micrglia e

    macrfagos em mamferos (Ito et al., 1998).

    Da mesma forma, esses resultados se assemelham queles obtidos por

    histoqumica com NDPase e histoqumica para lectina RCA 1 no teto ptico das

    aves (Shin et al., 2003; Cuadros, Santos, Martin-Oliva, et al., 2006). Usando HIS C7

    em seces do teto ptico de galinhas, esses autores encontraram morfologias

    celulares compatveis com o padro at ento descrito para micrglias. A

    histoqumica para NDPase por sua vez foi igualmente utilizada para caracterizar a

    morfologia microglial em vrias espcies incluindo aves (Fujimoto et al., 1987) e

    mamferos (Murabe e Sano, 1982) tendo sido encontrado processos celulares com

    morfologia semelhante. No h, entretanto estudos detalhados empregando

    microscopia tridimensional em aves que permitam comparao detalhada com os

    estudos disponveis em mamferos. Assim, o presente trabalho pretende contribuir

    para reduzir a lacuna de estudos morfolgicos comparativos detalhados e para tanto

    escolhemos trabalhar com anticorpo reativo para a protena IBA-1 que tem

    reatividade simultnea para macrfagos e micrglias tanto em aves quanto em

    mamferos (Cuadros, Santos, Martin-Oliva, et al., 2006).

    Figura 08. Microscopia confocal de clulas imunomarcadas no teto tico da galinha no oitavo dia ps-natal,

    ilustrando que todas as micrglias dessa regio esto imunomarcadas pelo anticorpo anti-IBA1 (em

    vermelho) enquanto que outras clulas CD45 positivas distintas da micrglia, esto marcadas pelo

    anticorpo anti-CD45 (em verde). A colorao amarela corresponde dupla marcao. Escala=25m

    (Cuadros, Santos, Martin-Oliva, et al., 2006).

  • 35

    A morfologia microglial em mamferos por outro lado tem sido objeto de

    anlises mais detalhadas desde 1913 quando Cajal a denominou como o terceiro

    elemento para distingui-las dos astrcitos e dos neurnios; ver (Kettenmann et al.,

    2011; Eyo e Dailey, 2013) para revises recentes.

    Outros estudos sistemticos subsequentes revelaram desde ento grande

    heterogeneidade na distribuio e morfologia da micrglia e.g. (Lawson et al.,

    1990). Como um exemplo dessa heterogeneidade, no crebro do camundongo a

    variao na distribuio da micrglia de pelo menos 5 vezes entre uma regio e

    outra, havendo maior concentrao dessas clulas no hipocampo, no telencfalo

    olfatrio, nos ncleos da base e na substncia negra, sendo sua morfologia em

    situao normal igualmente varivel, tendo sido classificadas em pelo menos trs

    categorias distintas (Lawson et al., 1990).

    No se sabe ainda que fatores locais determinam essa variao numrica e

    morfolgica ou se essas pequenas variaes refletem contribuies funcionais

    diferentes, apesar de haver variaes regionais de magnitude semelhante na

    expresso de receptores imunolgicos (De Haas et al., 2008); ver (Ransohoff e

    Perry, 2009) para reviso.

    As micrglias em situao normal se apresentam em todas as regies do

    SNC de forma organizada com ramificaes em todas as direes e sem

    sobreposio, definindo domnios ou territrios circunscritos. No crebro adulto, a

    micrglia pode responder a mudanas na atividade neural influenciando-a tanto no

    curto, quanto no longo prazo monitorando igualmente a funo sinptica (Wake,

    Hiroaki et al., 2011).

    Essas clulas, portanto, normalmente tm suas funes inflamatrias

    reguladas para baixo por conta de numerosas influncias inibitrias no

    microambiente que as circunda e que so produzidas em sua maioria por neurnios

    (ver figura 09) (Ransohoff e Perry, 2009). A despeito desse fentipo regulado para

    baixo, no crebro normal, estudos que coletaram imagens micrgliais in vivo

    revelaram que elas costumam deslocar seus processos de forma dinmica, ao

    longo do territrio que ocupam para monitorar o microambiente local (Davalos et

  • 36

    al., 2005; Nimmerjahn, Axel et al., 2005). Essa motilidade e eventuais mudanas

    em sua forma alteram a distribuio de seus ramos no territrio cerebral objeto do

    monitoramento tornando difcil a anlise de sua morfologia utilizando mtodos

    descritivos tradicionais. Para contornar essa dificuldade mais recentemente tem

    sido proposta a anlise quantitativa da complexidade do padro de ramificao da

    micrglia como instrumento til para caracterizar sua morfologia (Karperien, Audrey

    et al., 2013).

    Nesse trabalho, a forma e as funes micrgliais so consideradas

    intrinsecamente ligadas e proposto que se adote a anlise fractal como

    instrumento quantitativo dos fentipos morfolgicos que parecem variar ao longo

    de um gradiente. A posio relativa da morfologia da micrglia nesse gradiente

    pode ser expressa em graus de complexidade distintos que se refletem no valor da

    dimenso fractal (K-dim) de cada clula reconstruda (Karperien, Audrey et al.,

    2013).

    Figura 09. Morfologia de micrglias (em verde) e neurnios piramidais (em alaranjado) durante o

    desenvolvimento do neocortex do camundongo. Imagens de microscopia confocal ilustrando micrglias

    expressando a protena fluorescente verde (GFP-expressing micrglia) e neurnios piramidais

    expressando a protena fluorescente amarela (YFP-expressing pyramidal neurons). Note as delgadas

    ramificaes das micrglias em meio aos dendritos e somas neuronais [Figura adaptada de (Eyo e Dailey,

    2013)].

  • 37

    Alm das mudanas associadas ao monitoramento, essas clulas podem

    mudar rapidamente seus fentipos em resposta a qualquer distrbio da homeostase

    do sistema nervoso passando a ser referidas como micrglias ativadas com base

    na mudana de sua morfologia ou na expresso de antgenos em sua superfcie

    (Ransohoff e Perry, 2009). A retrao dos processos micrgliais aparente durante

    a neurodegenerao e neuroinflamao e est fortemente correlacionada com sua

    transformao funcional para o estado pr-inflamatrio ou ativado (Kettenmann et

    al., 2011). As alteraes morfolgicas associadas ativao consistem em:

    processos citoplasmticos encurtados e mais espessos e um corpo celular

    arredondado representando um contnuo de estgios de ativao que para fins

    didticos podem ser classificados em inicial, intermedirio e avanado e so

    acompanhadas pelo aumento da expresso de genes envolvidos em respostas

    imunes (Zielasek e Hartung, 1996).

    fato que alm da mudana morfolgica injria, a ativao microglial

    tambm caracterizada pela induo da liberao de vrias molculas, tais como

    marcadores mielides, citocinas, radicais livres e xido ntrico (Streit e Kreutzberg,

    1988; Bechmann e Nitsch, 1997; Raivich et al., 1999; Streit et al., 1999). A ativao

    da clula microglial pode ocorrer em resposta a variados estmulos, tais como

    leses, isquemia e processos inflamatrios, levando a micrglia a assumir um

    fentipo ativado associado proliferao, migrao para o local da leso,

    fagocitose das clulas infectadas e em processo de morte celular e liberao de

    fatores neurotxicos e neurotrficos (Power e Proudfoot, 2001). Essa variao

    fenotpica inflamatria igualmente observada em aves (Yang et al., 2007) e em

    um de nossos animais removido de nossas anlises comparativas pudemos

    confirmar a ocorrncia de alteraes morfolgicas compatveis com descries

    anteriores dedicadas a processos inflamatrios em aves (Zelinka et al., 2012).

    No presente trabalho nosso interesse concentra-se, entretanto, em comparar

    micrglias cujas morfologias tridimensionais se enquadram em perfis no ativados,

    em animais adultos, sem quaisquer sinais clnicos aparentes de doena ou de

    resposta inflamatria evidente no SNC. A quantificao de suas sutilezas

  • 38

    morfolgicas ser usada aqui para investigar possveis distines adaptativas no

    sistema imune entre espcies que so separadas entre si por distncias evolutivas

    contrastantes.

    Baseados na ausncia de estudos sistemticos empregando anlises

    estereolgicas em aves, o alvo do presente trabalho estimar o nmero de

    neurnios e micrglias, assim como, analisar a morfologia tridimensional dessas

    ltimas na formao hipocampal de duas das espcies de maaricos, usando

    estereologia e reconstruo tridimensional computadorizada. O processo de

    anlise quantitativa utilizar o mtodo do fracionador ptico, que permite estimar o

    nmero de objetos de interesse de uma determinada estrutura cujos limites e

    objetos de interesse se reconhecem sem ambiguidades. Da mesma forma,

    empregar-se- reconstruo tridimensional por microscopia automtica para

    garantir melhor resoluo a anlise comparativa da morfologia microglial.

  • 39

    2- OBJETIVOS

    2.1- Geral

    Implantar como modelo para estudo da formao hipocampal das aves

    migratrias as espcies Calidris pusilla, (Bausch e Mcnamara, 2000) e Actitis

    macularia, (Blackstad, 1956) apud (Silveira et al., 1989).

    2.2- Especficos 1) Descrever a morfologia da formao hipocampal de exemplares adultos

    dessas espcies estabelecendo seus limites arquitetnicos com diferentes

    marcadores visando a definio da rea e dos objetos interesse dos estudos

    estereolgicos e morfomtricos.

    2) Estimar o nmero de micrglias e de neurnios da formao hipocampal

    de Actitis macularia e Calidris pusilla com marcadores seletivos para

    neurnios e micrglia utilizando o mtodo do fracionador ptico.

    3) Reconstruir e realizar anlise comparativa da morfologia da micrglia do

    hipocampo dorsal e ventral das aves estudadas com aquelas da camada

    molecular do giro denteado do rato (Rattus novergicus da variedade Wistar)

    e do macaco (Cebus apella).

  • 40

    3- MATERIAL E MTODOS

    3.1- Captura com Redes de Neblina

    Em cada ponto de coleta, uma linha composta por nove redes de 12m x 2m

    e malha de 36mm ser aberta at o momento de captura do nmero desejado de

    animais. As redes eram vistoriadas a cada trinta minutos, quando as aves

    capturadas so retiradas, obtendo-se informaes referentes identificao da

    espcie, horrio de captura, peso, comprimento do bico, presena de muda e

    presena de gordura.

    3.2- Perfuso, Corte, Colorao e Imunohistoqumica

    Aps a captura os animais foram perfundidos por via transcardaca com

    soluo salina 0,9% heparinizada por 10 minutos, seguida de paraformaldedo 4%

    pH 7.2-7.4 por 10 minutos. O incio do fluxo de soluo salina foi iniciado aps o

    corte da veia jugular com inciso no lado direito do pescoo permitindo assim que

    o crebro fosse melhor permeado pelas solues salina e de paraformaldedo.

    Aps craniotomia o encfalo foi cortado no plano coronal, axial e sagital em

    busca do melhor plano para os estudos estereolgicos. Aps a retirada do encfalo,

    com as regies enceflicas de interesse, fatias de 70m foram obtidas em um

    vibrtomo (Vibratome Sectioning System, Pelco 120) ou em criostato aps

    crioproteo com soluo de sacarose a 30% ou de sacarose a 30% mais glicerol

    a 10%. As colees cortadas no plano coronal foram coradas pelas tcnicas de

    Nissl, assim como foram reagidas por imunohistoqumica para Neu-N (marcador de

    neurnios), GFAP (marcador de astrcito), IBA1(marcador par micrglia), Zenk

    (produto de gene de ativao imediata), C-Fos (produto de gene de ativao

    imediata) e DCX (dupla cortina).

  • 41

    3.2.1- Colorao de Nissl

    A colorao de Nissl utiliza o cresil violeta e cora em violeta ncleos e

    nuclolos. Neurnios e glia so corados indistintamente pela tcnica de Nissl.

    Para preparar a soluo de colorao preciso aquecer o cresil violeta em

    banho-maria a 40C, agitando-a por 5 minutos; filtrar a soluo final em papel filtro;

    e acrescentar o cido actico at que o pH da soluo esteja entre 3 e 3,5. As fatias

    devem ser mergulhadas nas solues e sequncia indicadas no quadro 03. Tabela 01: Etapas da Colorao de Nissl com Tempo de Imerso em Cada Reagente

    SOLUO TEMPO DE IMERSO (minutos) lcool 100% 05 lcool 100% + Clorofrmio (1:1) 10 lcool 95% 03 lcool 75% 03 H2O destilada 0 01 Cresil violeta 01 04 H2O destilada 0 01 lcool 80% 03 lcool 90% 10 lcool 100% + Clorofrmio (1:1) 03 lcool 95% +cido actico (15 gotas/100 ml) 03 lcool 95% 06 lcool 100% +cido butlico (1:1) 03 Xileno I 05 Xileno II 05

    3.2.2- Imunomarcao para GFAP, Neu-N, IBA1, ZENK e C-Fos

    Aps a realizao da perfuso, dissecao, e corte, as sees do tecido

    cerebral so armazenadas em paraformoldeido 4% a 4C. As seces selecionadas

    so lavadas com Tris 0,1 M pH 7.2-7.4 antes da incubao em cido brico 0.2M

    pH 9,0 a 70C como descrito na Tabela 2, que mostra cada passo da

    imunohistoqumica. Os stios de ligao no especficos so bloqueados pela

    incubao dos cortes em casena a 10% durante 60 minutos. A incubao das

  • 42

    seces nos anticorpos primrios (anticorpos primrios Neu-N, C-Fos, Zenk, GFAP,

    IBA1 e DCX), especfico para cada imunomarcao (Tabela 3), ocorreu durante trs

    dias a 4C com agitao suave. Tabela 02: Passos das Reaes de Imunohistoqumica com os tempos de Imerso e Enxagues em cada Reagente

    SOLUO TEMPO DE IMERSO OU ENXGUES cido brico 60 minutos

    Tris salina Triton 5% 3x5 minutos Tris salina 3x2 minutos Casena 60 minutos

    Tris salina 3x2 minutos Anticorpo primrio 3 dias

    Tris salina 3x2 minutos Anticorpo secundrio 12 horas

    Perxido de hidrognio 15 minutos Tris salina 3x 2 minutos

    ABC 60 minutos Tris 0,1 M 3x 2 minutos

    Revelao com GND mx 30 minutos Tris 0,1 M 3x 2 minutos

    A peroxidase endgena inativada atravs de incubao com perxido de

    hidrognio (H2O2) a 0,3% dissolvido em tris salina, durante 15 minutos. Aps

    lavagem os cortes so incubados durante 60 minutos no complexo avidina-biotina-

    peroxidase (Vector ABC kit Elite, Vector Laboratories, Burlingame, CA, EUA, 1:200).

    A atividade da enzima peroxidase detectada usando reao 33-diaminobenzidine

    (DAB, Sigma) e -D-glucose/glucose-oxidase empregando o protocolo descrito em

    (Shu, Ju et al., 1988). Depois que o produto da reao formado gera-se um

    precipitado azul-acinzentado nos locais de interao antgeno-anticorpo e as

    reaes quando ento so interrompidas as reaes em tris salina 0,1 M. Os cortes

    so montados em lminas de vidro gelatinizadas e desidratados em sries de etanol

    (70, 80,90, 100,100%) seguido de xilol I e II. Tabela 03: Informaes de Diluio e Fabricantes dos Anticorpos utilizados.

    ANTICORPO DILUIO FABRICANTE / N de REFERENCIA Primrio NeuN 1:2000 Milipore / MAB 377 Primrio Iba -1 1:2500 Wako / 019-19741

  • 43

    Primrio c-Fos 1:1000 Santa Cruz / SC-253G Primrio GFAP 1:1000 Santa Cruz / SC-6170 Primrio Zenk 1:1000 Santa Cruz / SC-189 Primrio DCX 1:1000 Santa Cruz / SC-8066 Secundrio Biotinylated Anti-Mouse IgG (H+L) 1:250 Vector Laboratories / BA-9200 Secundrio Biotinylated Anti-Goat IgG Reagent (H+L) 1:250 Vector Laboratories / BA-9500

    Secundrio Biotinylated Anti-Rabbit IgG Reagent (H+L) 1:250 Vector Laboratories / BA-1000

    3.3- Estereologia Um dos mais recentes avanos envolvendo o dissector ptico a

    combinao do dissector ptico com o fracionador de amostras. Esta combinao

    conhecida na literatura como fracionador ptico (West, 2002), tem numerosas

    vantagens prticas, sendo a principal o fato de no ser afetado pela retrao do

    tecido e no requerer definies rigorosas de fronteiras estruturais que podem ser

    feitas em objetivas de baixo aumento. O fracionador ptico envolve contagem de

    objetos (neurnios e glia no presente trabalho), com sondas de dissectores pticos,

    em uma amostra sistemtica uniforme que constitui uma frao conhecida do

    volume da regio sendo analisada. Na prtica, isto feito atravs de amostragem

    sistemtica de uma frao conhecida da espessura da seco, de uma frao

    conhecida da rea seccional e de uma frao conhecida do nmero de seces que

    incluem a regio de interesse.

    Tabela 04: Relao entre Magnificao de Objetivas Acromticas. (Dorph-Petersen et al., 2001)

    Magnificao Abertura Numrica Profundidade Focal (m)

    4 0,1 172,5

    10 0,25 27,6

    40 0,65 3

    100 1,3 0,7

    Cada anlise estereolgica comea com o delineamento das fronteiras da

    regio de interesse em uma srie de seces randmicas e sistemticas (Howard

    e Reed, 2005). Em nosso caso as fronteiras das regies de interesse podem ser

    facilmente reconhecidas em seces coradas com Nissl e os limites do hipocampo

  • 44

    podem ser traados em imagens de vdeo em um computador acoplado a um

    microscpio utilizando objetivas de baixo aumento (e.g. 3.2x).

    Para analisar sistematicamente a rea delimitada em baixo aumento

    necessrio mudar para uma objetiva de grande aumento (100x) com elevada

    abertura numrica e reduzida profundidade de foco (Schmitz e Hof, 2005). A Tabela

    04 ilustra a relao entre o aumento de objetivas acromticas, abertura numrica e

    profundidade de foco.

    Nos trabalhos empregando microscopia ptica onde apenas uma frao

    mnima do nmero de objetos de interesse contada, s possvel falar de

    estimativas acerca do nmero deles dentro da regio de interesse. Para obter

    estimativas confiveis (que se aproximam do real) a partir de uma diminuta frao

    amostral, necessria a utilizao de coleta sistemtica e aleatria de dados

    incluindo a terceira dimenso. Essa alternativa assegura a estimativa adequada do

    nmero total de clulas dentro da rea de interesse a partir do nmero de clulas

    detectadas em cada caixa de contagem da amostra e da probabilidade amostral

    (Schmitz e Hof, 2005).

    Entretanto mesmo com todos esses cuidados a incerteza nas estimativas

    ainda permanece e decorrente de outras fontes de erro possveis como aqueles

    introduzidos pelos pressupostos do operador acerca dos grupos experimentais,

    pelas alteraes induzidas nas seces pelo processamento do tecido, pela

    ambiguidade no reconhecimento de reas ou dos objetos de interesse. Para

    minimizar esse tipo de incerteza necessrio executar uma srie de procedimentos

    controle como ensaio duplo cego, escolhas adequadas no processamento tecidual

    incluindo fixao, plano de corte, imunohistoqumicas seletivas, garantindo a cada

    passo que todas as regies da estrutura tenham a mesma probabilidade de

    contribuir para a amostra reduzindo a ambiguidade no reconhecimento dos limites

    da regio assim como nos objetos da contagem.

    O processo inteiro consiste, em resumo, em dois passos:

  • 45

    1 Passo Amostragem: que exige acesso estrutura inteira com todas as

    regies de interesse com chances similares de contribuio para a amostra assim

    como, o reconhecimento dos objetos de interesse sem ambiguidade.

    2 Passo Medidas: que exige o uso de mtodos baseados em design

    (medidas tridimensionais) ao invs de mtodos baseados em suposies (medidas

    bidimensionais).

    As anlises estereolgicas para contagem neuronal e microglial foram

    realizadas atravs do programa StereoInvestigator (MicroBrightField, Williston, VT,

    USA) integrado a um microscpio ptico Nikon com platina motorizada para os eixos

    X, Y e Z e um computador, onde os dados das coordenadas tridimensionais eram

    registrados, o controle da platina e a execuo do programa era feito.

    Ao iniciarmos o procedimento de contagem, caixas de contagem so geradas

    automaticamente pelo programa em cada um dos pontos de interseco da sonda

    estereolgica com o plano onde est situada a fatia (Figura 10). Para isso o

    experimentador alimenta o programa definindo as dimenses da caixa, da matriz de

    contagem e da frao amostral de seces.

  • 46

    A escolha dessas dimenses e da frao amostral feita em ensaio

    preliminar (por tentativa e erro) at que o coeficiente de erro de uma fatia individual

    seja adequado para obter resultados mdios para o conjunto de seces com baixo

    Figura 10. Contorno da formao hipocampal mostrando as caixas de contagem (50 x 50 m) geradas pelo programa em cada ponto de interseco do contorno da seco com a sonda estereolgica (grid de 350 x 350 m).

  • 47

    coeficiente de erro. Em cada caixa de contagem so marcados os objetos de

    interesse (neurnios e glia). Os neurnios marcados em cada caixa geram

    informaes para o programa acerca do nmero e da posio das clulas contidas

    em cada caixa. A partir dessas informaes colhidas sistematicamente na frao de

    seces eleitas para contagem, o programa estima o nmero esperado de objetos

    de interesse (neurnios e micrglia) na estrutura inteira.

    A figura 11 mostra um bloco de 8m de altura em planos de foco situados a

    cada 2m ao longo do eixo Z. As linhas brancas do bloco so linhas de incluso, ou

    seja, qualquer clula que cruze essa linha ou que esteja contida integralmente na

    caixa deve ser contada, enquanto que as clulas que interceptam as linhas negras

    no so contadas.

    Em nosso protocolo, o corpo celular ser utilizado como unidade de

    contagem e o foco escolhido para posicionar o marcador, a cromatina nuclear das

    clulas da glia e o nuclolo do neurnio. No caso da micrglia o local do registro de

    contagem ser feito quando seu soma estiver em foco. Cuidado especial ser

    tomado para evitar contagens repetidas do mesmo objeto nos diferentes planos de

    Figura 11. Contagem do nmero de micrglias em uma caixa de contagem de 10um de altura. A figura mostra uma sequncia de 6 fotomicrografias distanciadas de 2m entre dois planos de foco consecutivos. A primeira fotomicrografia representa 2um de zona de guarda onde clulas no so contadas. Em azul, clulas da glia e neurnios corados por Nissl e em preto micrglias coradas por IBA-1. Seta branca indica a nica clula que foi contada nesta caixa de contagem. Magnificao: 100x. Escala: 25um.

  • 48

    foco. Para isso o procedimento de focalizao repetido avanando e recuando o

    micrmetro do microscpio para obter os diferentes planos de foco ao longo do eixo

    Z, particularmente quando coexistiam muitas clulas na mesma caixa.

    A estimativa do nmero total de neurnios dentro da regio de interesse ser

    obtida atravs do mtodo do fracionador ptico, multiplicando-se o nmero de

    neurnios contados dentro de cada bloco pelos valores de probabilidade da

    amostra. Esses valores dependem: 1) do nmero de seces investigadas

    comparadas com o nmero total de seces que contm a regio de interesse

    section sampling fraction; 2) da rea dos blocos de contagem comparada com a

    rea da matriz de contagem area sampling fraction; e 3) da altura do bloco de

    contagem comparada com a mdia da espessura da seco aps os procedimentos

    histolgicos thickness sampling fraction, (Howard e Reed, 2005).

    1 1 1 Onde,

    N nmero total de neurnios

    Q nmero de neurnios contados

    ssf section sampling fraction = frao amostral das seces de interesse =

    seces contadas/total de seces

    asf area sampling fraction = frao amostral da rea de interesse = rea da caixa

    de contagem/rea da matriz (x,y)

    tsf thickness sampling fraction = frao amostral da espessura da seco

    contada = espessura da caixa de contagem/espessura da seco

  • 49

    3.4- Anlise Estatstica

    Por razes metodolgicas no se pode contar o nmero total de neurnios

    existentes numa dada regio do encfalo muito menos no crebro como um todo.

    Assim, o mximo que se pode pretender realizar estimativas que se aproximem

    ao mximo do que seria esperado (Cruz-Orive, 1994; Schmitz, 1998). Existem dois

    mtodos estereolgicos desenvolvidos para estimar o nmero total de objetos de

    interesse: o fracionador ptico j descrito e o mtodo que estima o nmero total de

    clulas multiplicando a densidade mdia de clulas pelo volume da regio de

    interesse. A densidade mdia obtida a partir de amostragem aleatria e

    sistemtica da regio inteira que se pretende analisar (Schmitz e Hof, 2000). Para

    contornar o problema da impossibilidade de calcular o erro verdadeiro em

    experimentao biolgica por conta de no se poder contar tudo, recentemente foi

    feita avaliao computacional simulando grande quantidades amostrais.

    Esse estudo demonstrou que as estimativas do nmero total de objetos de

    interesse (neurnios e/ou glia no caso presente), obtidas a partir do fracionador

    ptico, so do ponto de vista estatstico e do ponto de vista do esforo empreendido

    mais eficientes do que as estimativas a partir da densidade e volume (Schmitz e

    Hof, 2000). Alm disso, vrias maneiras de se estimar o erro foram testadas em

    amostras simuladas por computador de modo a encontrar um modo de calcular o

    coeficiente de erro que se aproximasse o mais possvel do erro verdadeiro.

    Comparando o coeficiente de erro verdadeiro pra grandes amostras com o

    calculado por diferentes mtodos, encontrou-se que o coeficiente de Scheaffer o

    que mais se aproxima do erro verdadeiro (Glaser e Wilson, 1998). Assim, no

    presente trabalho deu-se preferncia ao fracionador ptico como mtodo

    estereolgico e ao coeficiente de Scheaffer como instrumentos de medida.

    Utilizando esse coeficiente para estimar o erro, definiu-se que a grade e as

    dimenses da caixa de contagem seriam adequadas quando o coeficiente de

    Scheaffer fosse menor do que 0,05.

  • 50

    Assim, a preciso de estimativas individuais expressa pelo coeficiente de

    erro que para amostras sistemticas declina muito mais rpido do que para

    observaes independentes (Gundersen et al., 1999). Por conta do fato de que o

    coeficiente de erro representa a variao devido incerteza metodolgica

    intrnseca, associada com a estimativa estereolgica, ele sempre contribui menos

    para o coeficiente de variao total do que a variao biolgica.

    A anlise de varincia (ANOVA um critrio) ser aplicada para estimar

    possveis diferenas entre o nmero de clulas das vrias regies e diferenas

    morfolgicas em todas as comparaes envolvendo mais de dois grupos e o teste

    de Tukey ser escolhido para detectar tais diferenas.

    O Teste-T de Student ser utilizado para detectar as diferenas quando a

    anlise envolver apenas dois grupos. Quando o teste t bicaudal indicar valor de p

    menor que 0,05 os grupos sero considerados significativamente distintos.

    3.5 Morfometria Baseada em Reconstruo Tridimensional

    Para a reconstruo tridimensional das micrglias utilizamos o microscpio

    ptico (Eclipse 80i, NIKON) com platina motorizada e conversores anlogo-digitais

    (MAC6000 System, Ludl Electronic Products, Hawthorne, NY, USA) para converso

    digital da informao relativa s coordenadas espaciais (X, Y, Z) de cada ponto

    digitalizado. Esse sistema acoplado a microprocessador que controla os

    movimentos da platina com auxlio de programa especializado (Neurolucida,

    Microbrightfield, Williston, VT, USA) e estoca as coordenadas dos pontos de

    interesse. No sentido de se evitar ambiguidades na identificao dos objetos de

    interesse e garantir maior preciso nas reconstrues, a objetiva de 4,0x era

    substituda por outra PLANFLUOR, 100X (NA 1.3; DF = 0.2 m; Nikon, Japan)

    utilizada para as reconstrues tridimensionais realizadas.

    O estudo morfolgico fornece dados para uma anlise qualitativa e

    quantitativa e permite tambm a determinao da distribuio dos objetos de

    interesse reconstrudos (Acsdy et al., 1998).

  • 51

    Parmetros de medida para caratersticas individuais geralmente podem ser

    divididos em quatro classes: medidas de tamanho, forma, posio e brilho. Medidas

    de tamanho como rea projetada, permetro e comprimento so razoavelmente

    familiares experincia a humana. Ao contrrio do tamanho que se pode estimar

    quantitativamente com certa facilidade, a forma um conceito mais abstrato onde

    necessrio muitas vezes utilizar comparaes para caracterizao dos contornos

    de um objeto. A maioria das medidas de forma so combinaes adimensionais de

    medidas de tamanho. Um parmetro de forma que relativamente familiar

    experincia humana a excentricidade, que calculado como

    .

    O recproco deste parmetro tem sido empregado por muitos anos em

    trabalhos antropomtricos designado como ndice ceflico.