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Enki Jr. |Rat Blocs – Ratos sob revolta

Escrito porEnki Jr.

Capa, ilustrações e revisão textualEnki Jr. Primeira edição impressa.Campo Grande, MS – Outubro de 2014.Reprodução da primeira edição digital.Campo Grande, MS – Julho de 2014.ASIN* B00M6B1FUK

Publicação independente através daPerSe Comércio Eletrônico LTDA.Rua Turiassu, 390 – Cj. 176. Perdizes, São Paulo, SPperse.com.br

Não é permitida a reprodução total ou parcial desse livro sem a autorização doautor, salvo pequenas citações em cuja autoria seja devidamente atribuída.Todos os direitos reservados. Enki Jr. ©2014

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Agradecimentos ….............. [5]

Apresentação ….............. [6]

Prólogo ….............. [9]

Capítulo 1 — O rato morto ….............. [17]

Capítulo 2 — A vala ….............. [25]

Capítulo 3 — Ratos em greve ….............. [33]

Capítulo 4 — O negociador ….............. [44]

Capítulo 5 — O Barão ….............. [51]

Capítulo 6 — O porquê de dinheiro ser chamado de “faz-me-rir” ….............. [65]

Capítulo 7 — A tática Rat Bloc ….............. [75]

Capítulo 8 — De como que fulano, homem feito, adulto e vacinado, morre envenenado com veneno de

rato sem nem ser rato ….............. [83]

Epílogo — O destino do rato avoado ….............. [99]

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A parte de um livro que mais fico receoso em fazer é a dosagradecimentos, pois eu entendo que as pessoas costumam ficarchateadas quando não são citadas por algo que têm convicção deque ajudaram. E já adianto que há pessoas não listadas adiante queforam ou são muito importantes para mim na minha jornada pelaliteratura, e que o fato de não lembrá-las nesse exato momento, nãotira delas a devida importância.

Agradeço pelo incentivo e empolgação de meus primos Igore Lee, de meus amigos Jonão, Leh Prado, Thaís, Zenon, Tejota,Styvis, Rickinho, Tânia Gauto (que também é escritora e poetisa),Moisés Gonçalves (o Moiza, grande cartunista e amigo virtual delonga data), André Pedro, Luiz Filipe Motta, Daniel Ventura, e maistantos que devo não lembrar nesse momento, mas que certamentecitarei em algum agradecimento futuro —botem fé ;)

Também quero deixar meus agradecimentos especiais aIgor Matheus e Enrique Coimbra, que, muito gentilmente, cederamseus espaços na internet para a divulgação desse livro quando aindasó estava disponível em formato digital. Enfim, OPRICATOpessoal.

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Rat Blocs nasceu dessas ideias loucas que a gente tem de vezem quando, e que parecem não fazer sentido, nem ter motivo parasurgir em nossa cabeça. A situação bizarra me veio à mente de umahora pra outra: “era uma vez, um depósito de queijos tãomequetrefe, mas tão mequetrefe e asqueroso, que a vigilância localera feita por ratos”. Logo, a ideia se aglutinou à onda de greves quetomava conta dos noticiários, e aí veio outra ideia maluca: “e seesses ratos do depósito entrassem em greve?”. Assim se chamaria ahistória, inicialmente: “Ratos em greve”.

Como uma coisa leva a outra, logo me lembrei de umquadrinho que eu desenhava quando tinha lá meus onze anos deidade. Quadrinho tosco, diga-se de passagem – dificilmente opublicarei um dia, até porque devo tê-lo perdido entre mudanças decasa. Pois bem. Numa das histórias desse quadrinho, havia umapassagem em que uma menina se machucava ao bater com a cabeçanum queijo, que era duro demais. A marca desse queijo era“Racabolão”. E o que quer dizer “Racabolão”? Bem, não quer dizernada, assim como não queria dizer quando eu era criança. Era só umnome tosco que eu havia inventado. Logo pensei: “taí... QueijosRacabolão, é sobre ele que eu vou falar”. Mais adiante descobri quehá um vocábulo grego, rhaká, que até aparece na Bíblia e quer dizer“tolo, insensato”. E também vi rabino defendendo que esse termo étransliteração do hebraico raká, que quer dizer “digno deindiferença, imprestável”. Insensato e digno de indiferença? É... onome Racabolão fazia muito sentido e eu nem sabia!

Tendo uma situação inicial, comecei a desenvolver ahistória. E ela foi se desenrolando. Mas antes que eu chegasse aescrever sobre a greve, outra ideia veio à cabeça: “Mas e se os ratos

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fossem black blocs?”. Ponderei, desisti. Mas depois repensei. Pois é,por que não? Os black blocs já existem há décadas em algumas partesdo mundo, mas só começaram a despontar nas manchetesbrasileiras depois dos protestos de 2013. E tudo ainda é muitoobscuro sobre eles. Da mais alta vilania ao mais corajoso caráterrevolucionário, muito se divergem as opiniões sobre os Black Blocs.Nem se definiu ainda se o termo se refere a um movimento a umatática de enfrentamento.

No fim das contas, os ratos black blocs, não passaram de umalicença poética. E a história sobre eles, um retrato fabuloso e oraestereotipado e desconstruído da nossa sociedade de início deséculo XXI. Não se trata de uma ode aos Black blocs, tampoucouma condenação dos mesmos. No fim das contas, Rat Blocs não émais que uma tragicomédia em que realmente faço algumas críticassociais, mas onde prefiro que o destino resolva as coisas à suamaneira, em vez de fazer um julgamento que acabe fatalmentecaindo na parcialidade.

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— Uma cervejinha de vez em quando não faz mal aninguém, (respiração ofegante) não é verdade? — disse Seu Racabolão,com seu sorriso amarelo.

— Completamente verdade! — respondeu o fiscal davigilância sanitária, com sorriso igualmente amarelo, enquanto suamão solícita se apropriava de um cheque quase tão gordo quanto opróprio Racabolão.

— Tudo acaba bem quando (respiração ofegante) terminabem! Já dizia o outro lá…

— Mas olha, Seu Racabolão — advertiu o fiscal. — Não vaidar pra passar a mão na cabeça sempre, tá ligado? O senhor teve atéuma sorte do fiscal ser eu. Se fosse outro…

— Pode deixar, moço — respondeu Créia, que estava de pé,um pouco atrás da mesa onde Racabolão e o fiscal “negociavam”. —A gente é muito limpinho, viu? Esse rato morto foi mera fatalidade.

— Não fala R.M.! — repreendeu Racabolão, naquele tom devoz baixo de quando se teme que a parede tenha ouvidos.

O fiscal terminou de dobrar o cheque e o guardou dentro dacapa do celular. Guardar na carteira podia ser perigoso. Um últimosorriso, já com o celular no bolso, coroou o fim da transação.

— E ó… eu tô muito agradecido com o senhor, viu…(respiração ofegante) Leva também um queijinho pra família, comomostra da minha gratidão! — disse Racabolão. — Cê prefereprovolone, (respiração ofegante) muçarela ou minas?

O fiscal da vigilância sanitária olhou constrangido, deu umaengolida a seco, uma respirada fundo, pensou bem e respondeusorrindo, em tom informal:

— Ah, acho que não vai ser necessário… fica pra umapróxima.

Para ser sincero, o fiscal parecia não querer nunca mais verum queijo na sua frente. Não se tratava apenas de receio em relaçãoao rato morto no meio do depósito de queijos, mas o própriodepósito em si, que apresentava uma falsa limpeza facilmentedescoberta ao se fazer uma vistoria mais a fundo. O fiscal nãonasceu ontem. Imaginava muito bem o modus operandi daquele antro

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quando sem maquiagem. Era de se perder a fé e a fome no alimentopelo resto da vida.

O depósito era absurdamente imenso. Ficava a algumascentenas de metros da entrada da cidade, no meio de uma matinhaagradável. Uma linha de trem passava logo atrás. O prédio eramuito, muito antigo, e isso se podia perceber em sua arquitetura.Diziam que, na década de 1960, funcionara ali um hospício. Outrostambém afirmavam que no começo do século XX o prédiofuncionava como depósito de grãos, aproveitando-se de uma ligaçãocom a linha férrea que deixou de existir uns quarenta anos depois.Até senzala e estábulo tinha gente que afirmava que aquele prédiojá havia sido, no século XIX. Outros, mais detalhistas, afirmam quehavia ali uma casa grande e uma senzala, que se tornaram uma coisasó após uma imensa ampliação executada na década de 1890. Emresumo, todos os indícios mostravam que o prédio era velho prachuchu!

O fiscal se levantou, saiu pela porta e foi embora. SeuRacabolão o seguiu até a porta do escritório, e Dona Créia foi logoatrás. Jocilei, o vigia, esperava a reunião acabar do lado de fora dasala. Na cabeça do chefe, era ele o responsável pelo incidente com orato.

— Olha, Jocilei (respiração ofegante)… já disse prucê que cê temque ficar de butuca ligada nesses rato de noite, (respiração ofegante) ese for matar um, tem que desovar o corpo bem longe do depósito(respiração ofegante), cê tá me entendendo bem?

— Eu não matei o rato, Seu Racabolão! — respondeuJocilei. — Ele deve ter morrido de causas naturais. Daí deu azar dofiscal encontrar!

— Eu gastei uma grana federal pra calar a boca daquelemardito! (respiração ofegante) — respondeu Seu Racabolão. — Numsei nem como eu fui tirar uma grana daquela! (respiração ofegante) Ai,meu coração! — passando mal.

Seu Racabolão, dono do depósito de queijos, era portadorde certa obesidade mal distribuída. Seus braços eram gordos, seurosto era bochechudo, sua barriga era imensa, mas suas pernas eram

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finas. O formato de seu corpo costumava ser comparado,maldosamente, ao de uma pera. Problemas respiratórios eramfrequentes, e sua respiração era ofegante o tempo todo, o que o faziasempre interromper as frases para respirar. Costumava trajar umacamisa de manga longa dobrada, mas nunca conseguia fechar todosos botões. Também era conhecido por não cheirar muito bem —supostas ex-empregadas diziam que ele ficava até três dias semtomar banho em pleno verão, mas nada sobre isso jamais foracomprovado.

— Calma, Raca! — disse Dona Créia, socorrendoRacabolão. — Respira fundo, vai! Um, dois, três, relaxa… O remédiotá no porta-luvas do carro e você tem que aguentar até lá!

Dona Créia, por sua vez, era uma dita coroa enxuta. Usavablusinha e calça jeans colada, era frequentadora assídua daacademia de ginástica, tinha peitão, bundão, só não tinha siliconenas coxas — desistiu do implante na última hora. A barriga saradaera fruto de uma lipoaspiração, mas permanecer mantendo-a pormais de dez anos apenas com exercícios até dava a ela algunsméritos. Aos 56 anos e enxutíssima, Dona Créia era dois anos maisnova que Seu Racabolão — era sua sogra.

— Liga pra Meiryjéssicka, diz que eu não resisti —dramatizou seu Racabolão.

— Calma que cê num vai bater as botina agora, e aMeiryjéssicka tá no peeling — respondeu Dona Créia. — O celulardeve estar desligado.

Meiryjéssicka Marimar era filha de Dona Créia e esposa deseu Racabolão. Tinha 23 anos e se apresentava como modelo. Naverdade, apenas fazia uns books fotográficos arcados pelo própriomarido e postava as fotos em seu blog ou no Instagram. Vez ou outra,uma de suas fotos em estúdio também ia parar em alguma colunasocial de jornal — que também recebia quantias bastante generosaspara chamá-la de “modelo”.

Boatos de que ela traía Seu Racabolão com Deus e o mundotambém eram frequentes, mas até então, tão pouco comprovados

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quanto os que diziam que o dono do depósito de queijos nãotomava banho.

— Aí, ó… já tá passando — disse Créia, calma, após dar umremedinho a Racabolão e ele apresentar uma sensível melhora.

Estavam os três próximos ao luxuoso carro do patrão. SeuRacabolão abriu a porta de trás, sentou-se no banco, e continuousua conversa séria com o vigia Jocilei.

— As três mulher da limpeza diz que limpa isso aqui(respiração ofegante) três vez por semana. Compreta, né, porque(respiração ofegante) limpeza assim, assim, de meia-sola, elas faz tododia, que eu vejo. (respiração ofegante) Mas esses rato que aparece denoite é você… (respiração ofegante) você quem tem que resolver.

— Patrãozinho pode ter certeza que eu vou fazer o possível— respondeu Jocilei.

— Fazer o possível é palavra de preguiçoso — retrucouRacabolão, respirando de maneira ofegante mais uma vez. — Eu tôlevano esses pelego da vigilansanitária no papo (respiração ofegante) tempra mais de dez ano! Mas não pode ter negócio sinistro (respiraçãoofegante) no depósito, entende? Coisa leve ainda dá, mas RATOMORTO! (respiração ofegante) Putz, rato morto dá até televisão, e aí éo fim da linha!

Jocilei foi ficando cada vez com mais raiva, mas controlavapara não falar umas boas verdades a seu patrão. A primeira é que odepósito de queijos era imenso — grande demais para apenas umvigia. Para piorar, o galpão costumava atrair ladrões de vez emquando, por guardar queijos muito caros.

Quando percebeu que não conseguiria tomar conta de todoo depósito sozinho, Jocilei fez um acordo com a rataiada que —indevidamente, diga-se de passagem — fazia colônia no local. Elesajudariam na segurança do prédio em troca de alguns queijos. Oacordo deu certo: os ratos passaram a dar boa ajuda na vigilância, edeixaram de atacar todo e qualquer queijo, pois alguns dos maisnobres, que antes ficavam escondidos, passaram a ser usados comopagamento. Não é que os ratos tenham deixado de roer queijoparmesão, mas graças ao acordo, eles passaram a ter acesso a muitas

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outras variedades de queijo. E, ainda assim, o acordo compensavamais que ficar a mercê dos ladrões, que costumavam levar tudo —ou todos os mais caros, na melhor das hipóteses.

Jocilei acreditava que Racabolão sabia de seu acordo com osratos do depósito, mas fingia que não sabia para manter asaparências. E, de qualquer forma, o número de assaltos e saques aodepósito de queijo havia sido reduzido a zero desde que o acordofora firmado. Ou seja, uma desratização do local parecia estar forade cogitação, mas Jocilei deveria zelar pela limpeza aparente. Aindaassim, para o vigia, nada justificava que o patrão pusesse a culpa dorato morto em suas costas.

— Amanhã, ó (respiração ofegante), chega um carregamentode queijo camembert (respiração ofegante) vindo lá dos Sauvinhão. Cêque não tome de conta não (respiração ofegante) que dipois de amanhãvem comprador aqui e se tiver rato morto perto dos queijo (respiraçãoofegante) cê vai tá demitido de justas causa! — ameaçou o patrão.

Seu Racabolão, conhecido por alguns como “Barão doqueijo”, era produtor de diversos tipos do laticínio no interior. Seuproduto não era dos mais queridinhos no mercado — tinha fama deser duro demais. Não por outro motivo, era também dos maisbaratos do mercado. O depósito de queijos, por sua vez, era amenina dos olhos de seu Racabolão, pois também era usado porvários outros produtores, o que o fazia movimentar muito dinheiro— o suficiente para ter mais vigias e mais higiene, se quisesse, masmexer nas margens de lucro não fazia parte dos planos doestrambótico empresário.

— O senhor pode deixar que eu vou cuidar da segurançadesse galpão como minha própria vida — encerrou Jocilei.

— Acho memo bom — respondeu Racabolão. — Toca essabanheira pro shopping, Reginaldo — disse o empresário para omotorista particular. — Eu e a Créia vamo comprar uma gargantilhade esmeralda pra Meiryjéssicka.

Os funcionários do turno da tarde foram todos embora e anoite caiu. O depósito foi fechado, ficando aos cuidados de Jocilei,como acontecia toda noite.

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Jocilei tentou alcançar o rato Leopoldo, que corriaapressado pelo piso do depósito. Levava um pequeno pedaço dequeijo nas patas dianteiras.

— Para de fugir de mim, Leopoldo! — gritou Jocilei. —Você sabe que eu preciso conversar contigo! É urgente!

Leopoldo era o líder dos ratos que moravam no depósito.Estava triste e abatido. Aquele não parecia ser o melhor momentopara ter uma conversa importante.

— Outra hora a gente conversa — respondeu Leopoldo. —Tô muito chateado, cara! O rato Osmar era muito querido entre agente!

— Eu imagino! — respondeu Jocilei. — Quero te dizer queeu sinto muito.

— Sente muito… sei — desconfiou o rato Leopoldo. — Bem,deixa eu levar esse queijo, que é pra viúva. Ela tá amamentandoainda, acabaram de ter ninhada! Não tá sendo fácil.

— Não! Espera! — implorou Jocilei, ao que o rato desistiude correr. — Você acha que eu não sinto por vocês?

— Não sei… — respondeu o rato. — Tem uns ratos aídizendo que ele caiu numa armadilha sua.

— Mas é claro que não! — exclamou Jocilei. — Eu nuncamataria nenhum de vocês, rato Leopoldo! Vocês sabem disso! Eupreciso de vocês pra me ajudar a vigiar essa espelunca.

— Ah, era isso que você queria saber? Pfff… e eu esperandoalguma humanidade. Pode ficar tranquilo, viu. Os ratos estãodividindo a vigilância em turnos, pro funeral do Osmar não dardesfalque no depósito.

— Credo, Leopoldo! Você acha que eu não tenho coração?— Cara, de verdade… vamos conversar outra hora, tá bom?

A gente tá muito triste com essa história. O Osmar tavadesaparecido fazia três dias! Estamos desconfiando que foiraticídio.

— Que pavor! — se assustou Leopoldo. — Então é por issoque desconfiam de mim? Não dei veneno de rato pro Osmar, eu juro!Eu também não sabia que ele tinha desaparecido.

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— Sei… — respondeu Leopoldo, sob insistentedesconfiança.

— Eu juro! Se estivesse usando veneno de rato, não seria sóo Osmar que teria morrido, mas quase todo mundo!

— O quê? — revoltou-se Leopoldo. — Você tá dizendo quecogita matar toda a nossa colônia?

— NÃO! Não foi isso que eu disse, Leopoldo! Me escutadireito, poxa vida!

— Ai, na moral. Não é momento da gente se falar. Amanhãcolocamos os pingos nos is. Fui! — encerrou o rato Leopoldo, logocorrendo e desaparecendo em alguma fresta da parede do depósito.

O clima permaneceu pesado durante a noite toda. Quasenão se via ratos passeando pelo galpão. Um ou outro que apareciade vez em quando era sempre indagado por Jocilei, mas eles poucocontavam sobre qualquer coisa. Só o Ingmar, um rato mais jovem eingênuo, foi quem acabou dando um pouquinho mais deinformações ao vigia.

— Não acharam bala nem buraco de faca no corpo doOsmar, por isso tem menos ratos desconfiando que ele tenha sidomorto por um homem — afirmou Ingmar. — Mas morte naturalnão foi, disso não há mais dúvidas!

— Pois diga a eles que precisamos nos reunir! — disseJocilei. — O depósito de queijos nunca esteve tão na mira davigilância sanitária como está agora. Vocês vão precisar se escondermelhor. Se algum de vocês aparecer, vivo ou morto, estaremos todosperdidos.

Ser único vigilante — pelo menos o único entre os humanos— tem alguma vantagem. Quando não dormia tão bem durante odia — ou seja, quase sempre — Jocilei tirava um breve cochilopróximo ao amanhecer. Isso geralmente acontecia lá pelas quatro emeia da manhã, quando já havia algum movimento na ruazinha dechão que passava por ali. A televisãozinha, ligada num canto, exibiaqualquer bobagem em volume bem baixo, às vezes até mudo,apenas para gerar algum foco de luz. Naquele dia, no entanto,Jocilei recebeu a visita do rato Leopoldo, que vinha correndo delonge, furioso.

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— Que história é essa de mandar recado pelo rato Ingmar?— perguntou Leopoldo.

— Você não quis me ouvir… — respondeu Jocilei.— Mas agora eu vou falar! Que história é essa de se

esconder ainda mais? Acha que a gente não se esconde direito?— Não… — apaziguou Jocilei. — Não foi isso que eu quis

di…— Pois ninguém — retrucou Leopoldo — NINGUÉM, tá

ouvindo bem? …vê a gente passeando durante o dia pelos queijos. Oque aconteceu ao rato Osmar foi uma fatalidade…

— Se você diz — respondeu Jocilei — eu acred… — Ó Deus, que coisa triste! — interrompeu o rato.Leopoldo pôs a patinha no rosto, encarnando um tom de

dramalhão, quase obrigando Jocilei a perguntar detalhes.— Bem… me conta sobre esse funeral — pediu Jocilei.— Aquela tristeza de sempre, ora! Seguimos todo o ritual,

jogamos aquele corpinho surrado, maltratado pela vida… —Leopoldo se desabou a chorar.

— Jogaram aonde? — perguntou Jocilei.— No esgoto, como manda a tradição de nossa colônia —

respondeu Leopoldo. — O corpo foi flutuando esgoto afora… foiboiando, desaparecendo, sendo engolido pela grande natureza… snif!

— Pois é, mas agora presta atenção! — disse Jocilei,interrompendo as caras e bocas do roedor. — Daqui a pouco euvolto pra casa, e só retorno aqui pro depósito à noitinha. Vocêsfaçam o favor de se esconder ainda mais. Se isso aqui for embargado,eles matam vocês sem dó! E a vigilância sanitária não respeita ritualnão! Se duvidar, vocês vão ser tudo queimado!

— Que horror! — respondeu Leopoldo. — Sempre odieicremação!

— Então fica esperto e avisa os outros! Ah, e mais umacoisa… não fica de mal de mim. Eu realmente não tenho nada a vercom a morte do Osmar, e nós dois estamos do mesmo lado!

— Bem, se quiser fazer alguma média, comece enviandoqueijadinhas como pêsames à viúva — respondeu Leopoldo, já seevadindo do local.

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O dia logo amanheceu e Jocilei foi para casa. Qual não foisua surpresa quando, pouco antes de acordar para preparar seualmoço, Seu Racabolão ligou para ele furioso. Dizia que mesmotendo conseguido “molhar a mão” do fiscal, a história do rato mortohavia se espalhado para alguns dos produtores que usavam seudepósito.

— Mas como ficaram sabendo? — estranhou Jocilei. — Eunão disse nada a ninguém.

— Cê tem certeza, Jocilei? — perguntou Racabolão, irado.— E por que eu arriscaria meu emprego por bobagem, seu

Racabolão?— Acho bom que cê esteja falando a verdade, viu!— Pode investigar!— Então, deve de ter sido aquele fiscalzinho mequetrefe! —

respondeu Seu Racabolão. — Não tem nenhuma outra explicação!Ele não fez denúncia nos órgo (respiração ofegante) do governo, masfez fofocaria pra me lascar igual direitim!

— E agora?— Três fi duma que ronca e fuça já sartaro fora (respiração

ofegante) da canoa. Se eles denunciar pra vigilância e pra imprensa, nãovai ter (respiração ofegante) cervejinha que dê jeito! Eu tô indo agoramesmo pro depósito, pra tentar apagar esse incêndio.

— Mas o senhor acha que só conversar já adianta?— Presses três zé bulita acho que não… (respiração ofegante)

Mas pra não perder os outro não vai ter jeito: vamo ter que dá cabo(respiração ofegante) daquela rataria!

A declaração do patrão preocupou Jocilei. Não que elerealmente fosse amigo dos ratos, pelo contrário — sustentava comeles uma relação tão falsa quanto a que mantinha com seu patrãomalcheiroso. Jocilei gostava mesmo é de ser o único vigia dodepósito, e ter todo aquele galpão só para si, sem colegas para lhetorrarem a paciência. Os ratos não tinham vínculo empregatíciocom Seu Racabolão. Não tinham salário, não eram descontados sefizessem algo ruim nem recebiam abono se fizessem algo muitobom. Estavam longe de ser concorrentes.

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Para evitar o raticídio, Jocilei foi mais cedo para o trabalhoaquele dia. Nem eram cinco da tarde direito, e ele já estava lá,tentando conseguir um acordo de paz com Seu Racabolão.

— Se eu só vendesse pra consumidor, tava beleza —afirmou Racabolão. — Um ratinho morto de vez em quando é baba!(respiração ofegante) O povão só dá umas xingada nas internet, mas dipoisesquece (respiração ofegante) e continua comprando tudo numa boa.Mas meus maior cliente é os produtor, e eles costuma (respiração ofegante)ser os mais frescurento, até porque tem uns que faz importação,exportação, (respiração ofegante) essas moage tudo.

— Sei — respondeu Jocilei.— Se estourar nos jornal, eles vai tudo dizer que foram

enganado por mim.— O que nem vai ser tanto mentira assim…— Como?— Deixa pra lá, Seu Racabolão.— Eu já liguei pra deteti… dedeti… detideti… pros matadeiro

de rato lá… (respiração ofegante) Amanhã nós vai ponhar os queijo nofurgão pros caça-rato vim dipois de amanhã e…

— Seu Racabolão, vamos abrir o jogo? — interrompeiJocilei.

— Oi? — estranhou Racabolão.— O senhor é um tremendo de um mão-de-vaca e isso

nunca foi segredo…— Alto lá, rapaz… — esbravejou o patrão.— Me deixa continuar! — interrompeu o vigia, mais uma

vez. — Eu tenho um acordo com os ratos desse depósito. Eu douuns queijos para eles e eles me ajudam a vigiar isso aqui à noite. Eusei que não podem saber que o senhor sabe disso, mas eu tambémsei que o senhor sabe muito bem!

Seu Racabolão engoliu seco, sem graça. Logo olhou para osdois lados, para ver se não tinha ninguém por perto, ouvindo aquelaconversa ou gravando com um celular.

— Sendo assim… — continuou Jocilei. — Pro senhor matartodo esse mundarel de rato, vai ter que contratar pelo menos mais

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três outros seguranças pra me ajudar a vigiar esse barracão, que éimenso! Eu não dou conta sozinho.

— M-m-mas Jocilei! Você devia se desdobrar pra cobrir issoaqui tudo!

— Um cara só pra espantar a ladroada e a rataiada, e aindacuidar dos queijos? Se fosse uma portinha, dava numa boa… mas umdepositão desses, o senhor tá pedindo demais!

O patrão finalmente entendeu. Ou os ratos, ou os ladrões.Para não ter ratos, nem ladrões, só contratando mais vigias, o quesairia menos caro que os ladrões, mas mais caro que os ratos.

— Então a gente temo que ver uns bom esconderijo pr’esses rato,Jocilei! — sugeriu o patrão.

— O senhor não quer conversar pessoalmente com arataiada? — recomendou o vigia. — Nunca! — respondeu Seu Racabolão, num ar arrogante. — Eucom esses rato porcaiúdo… (respiração ofegante se confunde com sua risadairônica) era só o que me faltava…

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Jocilei combinou de cavar, junto ao Maycon Josué doalmoxarifado, um grande buraco que serviria como esconderijo dosratos, caso viesse alguma fiscalização mais incisiva da vigilânciasanitária. Marcaram de se encontrar do lado de fora do depósitopouco após o expediente do vigia, que estava exausto, mas dispostoa fazer algum sacrifício para seguir sendo o vigia “exclusivo” dodepósito de queijos. Os dois puseram a mão na enxada e cavaramum enorme buraco, que até as 10 da manhã, ainda não havia ficadopronto.

O rato Ingmar, dos mais ingênuos, passou ali perto eestranhou aquela movimentação. Ficou assistindo os dois cavaremaquele buraco imenso, até que uma estagiária apareceu por ali,precisando dos préstimos de Maycon Josué.

— Precisamos de grampos para o grampeador — disse aestagiária. — Tá cheio de contrato pra gente organizar em cima damesa!

— Pega a chave ali no banquinho e vai lá no almoxarifado —respondeu Maycon Josué. — Diz pra sua chefa de departamentoque eu não pude te acompanhar porque tô aqui cavando o buraco dosrato.

Essa história de “buraco dos ratos” não caiu bem aosouvidos do pobre ratinho, que ficou imensamente assustado. Aestagiária voltou para dentro do depósito e nem percebeu Ingmarcorrendo, desesperado, por entre suas pernas. Passou uma, duas,três paredes, uma fresta, outra parede, até dar de cara com o líderdos ratos, que estava todo na estica. Levava até um pequeno pedaçode espiga de milho consigo…

— Agora eu não posso, Ingmar! — afirmou Leopoldo. — Aviúva tá me esperando, cheia de amor pra dar!

— A viúva! — se espantou Ingmar. — A esposa do ratoOsmar?

— E tem outra, seu imprestável?— Não achei que a fila dela fosse andar tão rápido.— E não andou — ponderou Leopoldo. — Na verdade, ela

só tá naquele mesmo chororô de sempre, lamentando a morte do

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nosso finado amigo. Mas eu é que não vou deixar aquela ratinharon-ron escapar. Portanto, me dê licença que o amor me chama…

— Mas é importante, Leopoldo!— Depois, Ingmar… poxa vida!— O vigia e outro cara com jeito de profissional frustrado

estão cavando uma vala imensa do lado de fora do depósito —alarmou Ingmar, acompanhado de pequenas lágrimas. — Acho queeles têm um plano de execução em massa.

— Mas isso é um acinte! — retrucou Leopoldo, dessa vezesboçando uma revolta.

Imediatamente, os planos do líder ratoeiro mudaram porcompleto. A viúva que esperasse. Era necessário se reunir com arataria local e decidir um plano de ação. A confiança em Jocileihavia minado por completo com essa história de vala.

— Não é mais uma questão de diálogo — determinouLeopoldo. — É de sobrevivência!

* * *Eram duas da tarde quando Jocilei e Maycon Josué

conseguiram terminar de cavar o imenso buraco. Pobre do vigia,sabia que não teria muito tempo para dormir, e mal conseguiriachegar em casa.

— Vou me banhar aqui mesmo — afirmou. — Não restaoutra opção.

— Há anos não tomamos banho nessa espelunca — riuMaycon Josué. — Os ratos roeram o encanamento. O banheiro ondese costumava fazer isso está um chiqueiro!

Enquanto comentavam da precariedade do depósito dequeijos, uma secretária veio com uma bomba. Mas pouco antes dasecretária chegar ali, os dois empregados sujos e suados já haviampercebido a presença de homens mal-encarados e estranhos.

— São funcionários de alguns produtores de queijo —afirmou Cilene, a secretária. — Seu Racabolão tá desesperadotentando negociar com eles, mas não tem jeito. A tendência é que,até semana que vem, o depósito só abrigue queijos produzidos pelopróprio Racabolão.

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— Aí a gente tá lascado! — respondeu Maycon Josué. —Ninguém quer aquele queijo duro horroroso que o Seu Racabolãofaz!

— Quase ninguém — afirmou Jocilei, aos risos. — Temgente que prefere sim esse queijo duro igual pedra. Tem doido pratudo.

— Mas a grana do Seu Raca nunca foi dele produzir queijo,e isso é fato! Sem esse pessoal que usa o depósito pra guardar suaprodução, isso aqui vai ficar às moscas! — alarmou Maycon Josué.

— Já está aos ratos mesmo… — riu-se Cilene.— Tô com muito medo de a gente perder esse emprego, e

emprego não tá fácil pra ninguém! — prosseguiu Maycon Josué, seamedrontando.

Enquanto os empregados ficavam com frio na barriga,temendo a falência do patrão balofo e malcheiroso, os ratos estavamenfurecidos. Não podiam acreditar que o mesmo Jocilei que fizera oacordo outrora era o mesmo a cavar a vala que serviria como túmuloda rataria. Não somente isso: começava a ficar mais evidente — pelomenos na cabeça dos ratos — que o assassino do rato Osmar haviasido, realmente, o vigia Jocilei.

— Eu proponho uma greve! — disse o rato Frederico. — Oudevolvem a terra para aquela vala, ou a gente não ajuda mais a vigiaresse depósito.

— Mas se eles querem nos matar, é porque já têm novosvigilantes em mente, Frederico! — ponderou Ludovico, ancião dosratos.

— Tomara que troque junto esse Jocilei duas caras! —protestou o ratinho Marcelino, filho mais velho do falecido ratoOsmar.

— Eu ainda acho que deveríamos averiguar essa históriadireito, antes de tomarmos uma decisão mais drástica — disseVioleta, a viúva do rato Osmar.

— Acho que a viúva tem razão — declarou Leopoldo. —Melhor vermos essa história direitinho…

— Hummm… — ouviu-se o burburinho com leve toque dedeboche.

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A boa velocidade dos ratos se aplica a tudo, inclusive àfofoca. Ou seja, toda a colônia de ratos já havia sido informada, dealguma forma, sobre o grande interesse do líder Leopoldo pela viúvado rato Osmar.

— Mas não foi você mesmo quem fez com queinflamássemos nossos ânimos? — questionou o rato Frederico.

— O rato Ingmar, avoado do jeito que é, só deve seracreditado depois que tudo for comprovado — afirmou Leopoldo,deixando Ingmar com expressão desavençosa.

Enquanto os ratos se reuniam em busca de uma solução deseus problemas, Seu Racabolão fazia a mesma coisa, trancafiado emseu escritório. O vigia Jocilei acompanhava, de pé, próximo à porta,as negociações do patrão ao telefone. Dona Créia, a sogra era umaespécie de conselheira, dando dicas ao sogro empresário de comoabordar os clientes ao telefone. A jovem Meiryjéssicka, por sua vez,apenas sabia que algo muito sério estava acontecendo, mas nãolargava o joguinho do celular. Mãe e filha estavam sentadas do ladode cá da mesa, enquanto Racabolão tentava resolver os problemasdo lado de lá.

— Você pode, pelo menos, tirar o sonzinho irritante dessejogo? — protestou Créia.

— Ai, tá tão baixinho — respondeu Meiryjéssicka.— Põe no mudo! — se irritou a mãe.Jocilei, de perto da porta, via a movimentação de

Meiryjéssicka ao celular. Sabia que a jovem esposa de SeuRacabolão não estava apenas jogando um joguinho irritante.Conversava com pessoas também — homens sem camisa, para sermais exato.

— Não sei como você consegue jogar esse joguinho decortar fruta enquanto seu marido tá no meio de uma crise nosnegócios! — protestou Dona Créia, novamente.

— Eu confio na competência do meu marido, tá? —respondeu Meiryjéssicka.

As fotos de homens no celular da esposa do chefe jácomeçavam a ficar obscenas. Jocilei tentava se controlar para nãoesboçar nenhuma reação, mas estava chocado com o que via. Em

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alguns momentos, apenas desviava os olhos para o lado. Afinal decontas, aquilo não era problema seu. E nem dava pra saber se elaestava marcando encontro com aqueles caras ou não. No fundo,Jocilei só lamentava que nenhum dos caras fosse ele.

As horas foram se passando e, cada vez mais, Seu Racabolãopercebia que o boato legítimo de que um rato morto foraencontrado em seu depósito de queijos, havia ido longe demais.Cliente algum estava disposto a continuar guardando seus queijosnum depósito marcado pela indelével marca de um cadáver de rato.Racabolão colocou o telefone no gancho, um tanto abismado, eproferiu a sentença:

— Era o Genivaldo, meu último cliente… (respiração ofegante)dos mais antigo!

— Ele também já era? — perguntou Jocilei.— Ele é criador de gado leiteiro — disse Racabolão. — Tem

uma queijaria de ameia (respiração ofegante) com a mãe dele, mastambém é dono de vários jornal no interior. Disse que lamenta muito,mas não vai mais deixar queijo dele (respiração ofegante) no meudepósito. Disse também que só não faz manchete de que meudepósito é chêi de rato (respiração ofegante) porque tem consideraçãopela minha pessoa.

— Meu sogro, agora não tem mais jeito! — alarmou DonaCréia. — Vamos ter que dar um fim em todos aqueles ratos! É o quejá deveria ter sido feito.

— Mas aí, já sabe — contrabalançou Jocilei. — Vai ter quecontratar outros três vigias, no mínimo, pra dividir o trabalhocomigo.

— O que uma coisa tem a ver com a outra? — estranhouDona Créia.

— Esquece, Créia — respondeu o patrão, não desejandoque sua sogra soubesse toda a história — O Jocilei tem razão. Nãome pergunta por que, mas ele tem razão.

— Faça tudo o que tem que ser feito então, ora! — disseDona Créia, energicamente.

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— Agora não dá mais, nem se eu quiser! — lamentouRacabolão. — Teria que pagar a desrazi… a desrati… a destarri… ah,os mata-rato lá! (respiração ofegante) Tem que pagar os mata-rato econtratar mais gente pra limpeza (respiração ofegante) e pros vigia. Eunão tenho mais essa grana, muito menos agora que os número decliente despencaro!

— Momôjão… — interveio Meiryjéssicka, com vozinfantilizada. — Mas a gente vai pra Disney mês que vem, não vai?

— Meiryjéssicka Marimar! — gritou Dona Créia, comoreprimenda.

— Quê que eu falei de errado, mãe?— Seu marido tá arriscado a viajar sem volta PRA CADEIA,

e você me vem com Disney, fia? — revoltou-se Dona Créia. —Acorda pra cuspir!

— Vou ter que fazer umas coisa mais arriscada — afirmouRacabolão. — Vamo ter que produzir mais queijo (respiraçãoofegante)… bem mais queijo! Focar na produção excrusiva!

Vários tipos de medo, subitamente, passaram a povoar acabeça de Jocilei. Que os Queijos Racabolão eram pouco populares,isso todo mundo sabia. E que o patrão não estava muito disposto amelhorar a qualidade de seus queijos, isso o vigia sabia. A novaestratégia do patrão parecia caminhar para um fracasso garantido.Figuinhas, reza braba ou distribuir currículos por aí?

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Leopoldo, acompanhado de outros três ratos de confiança,se reuniam com Jocilei em plena madrugada. Ouviam, um tantocéticos, aos argumentos do vigia.

— Isto que nós cavamos é só um esconderijo pra vocês. Se avigilância sanitária vier, vocês se escondem lá!

— Mas a gente sempre se escondeu da vigilância sanitária.E com eficiência! — estranhou o rato Leopoldo. — Era só alguémdar o sinal que a gente já se amocava.

— É que a vistoria era sempre superficial. Seu Racabolãodava um “agradinho”, e o fiscal dava uma olhada meia-boca. Agora ahistória é outra! Tá perigando acontecer uma vistoria completa nasfrestas, nos forros, nos sótãos, em tudo! Aquele esconderijo é paraproteger vocês.

— Sei… — desconfiou o líder dos ratos, sendoacompanhado por seus comparsas em sua desconfiança.

— Aquilo não é uma vala comum, eu juro! — apelou Jocilei.— Você me dá sua palavra de rato? — pediu Leopoldo.— Dou minha palavra de homem.— Palavra de homem não tem valor. Eu quero sua palavra

de rato.— Tá bem, tá bem… você tem essa bendita dessa palavra de

rato!Os ratinhos começaram a cochichar no ouvido de Leopoldo.

Jocilei fazia esforço para escutar, mas não conseguia. Leopoldodemonstrou concordar com eles, e logo revelou o que lhe forasussurrado:

— Queremos que aquele buraco tenha uma cara melhor —reivindicou o líder dos ratos.

— Calma, nós não terminamos ainda — respondeu Jocilei.— Amanhã vamos fazer um telhado de madeira e um chão falso emcima do buraco. E uma entrada bem escondida pra vocês, é claro.

— Nós queremos um alçapão de verdade! — replicou umdos ratos aliados. — Com revestimento, ventilação, calefação econdições mínimas de subsistência.

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— O quê? — estranhou Jocilei. — Mas vocês vivem numverdadeiro pardieiro úmido, sujo e asqueroso. Que exigências sãoessas agora?

— Eu não quero sujar minhas patinhas na lama, só pracomeçar — afirmou o rato Leopoldo. — Ao contrário do que vocêpensa, nós somos bichos limpinhos.

— Ratinho sim, sujinho nunca — ironizou Jocilei. — Essa énova pra mim!

— Pois não deveria — retrucou o rato Rivaldo. — Nuncaviu como a gente fica se lambendo o tempo todo?

— Está bem, então — encerrou Jocilei. — Vou fazer minhanovena para Santa Paciência. Quem sabe ela não atende às suaspreces, não é mesmo?

Jocilei virou as costas, deixando os ratinhos a conversarsozinhos. Nenhuma atitude poderia ser pior. A desconfiança dosratos começou a crescer. O acordo feito tempos antes começava a irpara o brejo. E os ratos sabiam que não havia ninguém paradefendê-los senão eles mesmos.

— A gente é rato, mas não é burro — disse o rato Ingmar.— Daí que eles soltam um alarme “a vigilância sanitária chegooou!”,a gente vai correndo pr’aquele buraco, fica lá paradinho da silva,quando vê que não, eles estão derrubando uma caçamba de terra emcima da gente e adeus colônia dos ratos! Acha que eu não tô ligadono lance?

Vários ratos ovacionaram em apoio à fala conspiracionistado rato Ingmar. Dizeres surpreendentes, já que ele era conhecidocomo um dos mais ingênuos da rataiada.

— Humano é tudo assim mesmo, traiçoeiro — acrescentououtro rato qualquer. — De se confiar desconfiando!

— Calma galera — apaziguou Leopoldo. — Não vou deixarninguém ir àquele buracão desprezível! Eu não me tornei líder devocês à toa. Se não respeitarem a gente, é greve na certa! Aí que euquero ver!

* * *Jocilei, às três e meia da manhã, estava acordado,

ligadíssimo, tomando café atrás de café. Aproveitava e sugava tudo

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de cada canal de TV onde desembarcava por alguns segundos. Já seimaginava sendo demitido e precisando sair do depósito,devidamente levado à falência. Seus quarenta e poucos anos não lhepareciam nada atrativos na hora de procurar um novo emprego, masainda não parecia pertinente pensar nisso.

— Bom era na época que tinha safadeza na TV demadrugada — comentou com seus botões. — Agora só tempregador de igreja!

E dá-lhe mais uma, mais duas, mais três xícaras de café. Aordem era aproveitar tudo o que aquele emprego podiaproporcionar — por mais ordinário que fosse — pois ele estava comos dias contados. Os dias contados! Mais um café. Leopoldo foi seaproximando do vigia, sorrateiramente, sobre o chão frio da guarita.

— Não, meu senhor — disse o vigia, conversando com atelevisão. — Eu não tenho interesse em responder palavramilionária numa ligação pra celular a R$ 3,99 por minuto.

— Falando sozinho, vigia? — disse o rato Leopoldo.— Mas que inferno, Leopoldo — respondeu Jocilei,

assustado. — Quer me matar do coração?— Quero chegar a um bom acordo contigo.— Já temos um acordo. Faz tempo!— Mas parece que você e seu patrãozinho não dão mais

valor. Você não ouviu um barulho de panelas batendo três noitesatrás não? Pois, se ouviu, eu te conto o quê que era. Era umLADRÃO, que nós expulsamos lá no setor H, enquanto você tavacom aquela lanterninha furreca olhando o setor B.

— Você tem provas?— Dou minha palavra de rato. E isso já é suficiente para

atestar que eu digo a verdade!— Eu sei que vocês são importantes, Leopoldo —

respondeu Jocilei. — Mas você sabe a crise que o depósito enfrenta?Não sabe, né. Então deixa EU te fazer cair na real: o Seu Racabolãoperdeu todos os clientes dele por causa daquela história do cadáverdo rato Osmar. TODOS, sem exceção! Ninguém mais coloca oqueijo aqui.

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— O quê? — desesperou Leopoldo. — Então o depósito vaifechar, e você nem avisa a gente!

— Não, não vai fechar. Seu Racabolão também produzqueijo, esqueceu? Agora o depósito vai ser exclusivo para os queijosdele.

— Eu nunca gostei muito dos queijos do Seu Racabolão —afirmou o líder dos ratos. — Lá na colônia a gente raramente come.

— Pois agora esse é o único queijo que tem!— Isso não me parece muito bom…— Rapaz, o que você queria? — impacientou-se o vigia. —

O boato de que encontraram um cadáver de rato aqui no depósitose espalhou feito rastilho de pólvora, mesmo com o Seu Racabolãopagando uma “cervejinha” generosa pro fiscal sanitário! Por isso quea gente acha que vai chegar num ponto em que não vai mais tercomo esconder vocês dentro do depósito. Entendeu porquecavamos aquele esconderijo do lado de fora?

— Aquilo ali é uma imoralidade! — respondeu o rato. —Saiba que a gente não vai para aquela arapuca, mas de jeito nenhum!

— Se a vigilância descobrir vocês, adeus depósito! SeuRacabolão é preso, o depósito é abandonado, e vocês vão morrer defome aqui. A escolha é de vocês.

Assim que falou, Jocilei percebeu o quão bizarro erapermitir que seu próprio destino estivesse na mão de uma colôniade ratos. Mas, fazer o que? Naquele instante, apenas desligar atelevisão e jogar no celular. Celular simplório, é claro. Daqueles quesó têm o jogo da cobrinha, e uns outros três joguinhos mais oumenos. Não era como o celular da mulher do patrão, que devia teros jogos mais modernosos, os aplicativos mais divertidos… e muitafoto de homem pelado também, é claro.

Ah, a mulher do patrão e sua fama! Era uma questão queemergia, volta e meia, à mente do vigia. Às vezes, Jocilei tinhavontade de ser rico só para também ter acesso a uma mulher tãojeitosinha quanto Meiryjéssicka. Houve um tempo em que seenvergonhava de tal pensamento, mas desencanou com isso logoque percebeu que a madrugada guardava bem seus segredos mais

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íntimos, e não os julgava. O pobre vigia só tinha certo pé atrás emrelação à aparente promiscuidade da jovem.

Mas Jocilei não tirava razão de Meiryjéssicka não. Tinhainveja de seu Racabolão viver acompanhado a uma mulher tãobonita, mas morria de asco ao se colocar no lugar da própriaMeiryjéssicka, e se imaginar, naquele exato momento, dividindo amesma cama que o seu patrão.

— Seu Racabolão, ricaço e fedorento… quer casar commenininha jovem? Tem mais é que aguentar chifre mesmo —pensava alto.

E logo, mais um dia raiava, e seu expediente chegava ao fim.Sem nenhum recorde no joguinho do celular, nem nada tãointeressante que um pregador da TV tenha dito. Sem ladrões, dessavez. Mas meio sem queijo também. O clima de contagem regressivapara a falência parecia pairar pelo ar.

Contagem progressiva para a nova leva de QueijosRacabolão: 1, 2, 3, 4, 5! Quinto dia em que Queijos Racabolãochegam ao depósito, incessantemente. Patrãozinho quer abarrotar ogalpão de queijo, quer vender queijo pra todo mundo, quer abriruma loja de queijos se possível. Estratégia arriscadíssima — se é quehá alguma.

O Maycon Josué do almoxarifado chegou a ajudar adescarregar uns carros cheios de queijo. Tudo muito parecido — eduro.

— E os queijos brie, roquefort, muçarela de búfala…? —perguntou Maycon Josué.

— Fizemo um reposicionamento de mercado! — respondeuSeu Racabolão. — Palavra chique né? Demorei três dia (respiraçãoofegante) pra decorar! Mas agora a gente vamo fazer só queijopopularzão. (respiração ofegante) Parmesão ralado pra botar emmacarronada é o que não vai faltar! — brincou.

— Só dinamite pra ralar esses queijos… — Maycon Josuépensou alto.

— Como disse?

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— N-n-nada, Seu Racabolão. Hehe… vou lá dentro, tá?Precisando, é só chamar.

Jocilei, por sua vez, não sabia como definir a estratégia deseu patrão. Ele estava armando uma bomba-relógio ou dando cordapra se enforcar? Não havia expressão que explicasse bem a estranhaoperação do chefe. Parecia haver ali muito mais queijo do que oempresário pançudo tinha a capacidade de vender. E o vigia, longede ser qualquer especialista, também não punha muita fé naquelequeijo. Ele sequer conseguiu comer uma lasquinha de um curado aque tinha direito por ser funcionário. Até tentou aproveitar o queijonum viradão. Sem sucesso. Cortou os queijos em cubinhos, pôs napanela com farinha de mandioca e vários restos de comida do diaanterior, esquentou, esquentou, e o queijo não derreteu. Permaneciaquase tão duro quanto na hora em que o pôs na panela. Cortar emcubinhos, aliás, já havia sido um trabalho hercúleo.

Mas os sanduíches do vigia, estes sim, faziam grandesucesso no depósito. Não havia quem não ficasse atraído pelo cheirode queijo derretido com pitadas de açafrão, que saía do micro-ondase impregnava toda a copa. Chegou mesmo ao ponto de o vigiacomeçar a escondê-los dos esganados, que não compreendiam queaquilo era merenda para a madrugada. Os sanduíches eram feitoscom generosas fatias de muçarela, comprados num mercado dacidade — queijo de um concorrente, evidentemente.

A calamidade dos queijos desgraçadamente duros logochegou à colônia dos ratos. Diferentemente de Jocilei, os ratos nãorecebiam dinheiro como pagamento. Só queijo. E Queijo Racabolão!

— Esse queijo do Racabolão é muito duro! — reclamou orato Frederico.

— Igual concreto! — agregou o rato Rivaldo.— Nem a gente consegue roer.— E olha que a gente é roedor.— Isso não pode continuar assim não, Jocilei — esbravejou

Leopoldo.A pequena comitiva de quinze ratos estava reunida com o

vigia, e o clima na colônia já começava a ficar tenso. Já tinha ratodesistindo de morar ali e indo para o esgoto, arriscar a vida em meio

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às ratazanas gangsters. O vigia já estava cansado daquela situação deser porta-voz de seu patrão ambicioso.

— Eu não tenho o que fazer, minha gente! — respondeuJocilei.

— Não chama a gente de gente! — protestou o ratoFrederico.

— Tá certo. Mas eu continuo sem ter o que fazer, minharatatuia! — afirmou Jocilei. — Eu bem que disse que agora só ia terqueijo de produção própria.

— Mas o Queijo Racabolão, que já era duro, tá cada diamais duro! — afirmou Leopoldo. — Tá ficando intragável.

— E o que vocês querem?— Queijo decente, ora!— É, isso aí! — a multidão começou a apoiar o líder.— Calma gen… ratatuia, agora é alta madrugada! Eu vou

conversar com Seu Racabolão amanhã pra tentar resolver isso!— A gente tá cansado de conversa! — protestou Frederico.— Pode conversar com seu patrão, que a gente espera —

disse Leopoldo. — Mas saiba que nós acabamos de entrar em greve!Grande burburinho da rataiada. Todos apoiaram a decisão

de Leopoldo. Pela primeira vez, Jocilei sentiu certo medo daquelaimensidão de ratos que se amontoava no chão. Mesmo um tantoamedrontado, decidiu contestar.

— Mas vocês não podem fazer isso!— Já estamos fazendo! — retrucou Frederico.— A partir de agora, se vier um ladrão nessa birosca, nós

não vamos fazer nada — completou Leopoldo. — NADA, ouviubem?

— Mas era só o que me faltava! — exclamou Jocilei.Naquele mesmo momento, um barulhão se deu no telhado,

reverberando por todo o depósito. Era assustador o suficiente parao coração do vigia disparar. Somados o medo e o barulho, aimpressão era a de que um elefante havia caído do céu.

— Ai, meu São Germano! — se amedrontou o vigia. — Oque foi isso?

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— Não sei — respondeu Leopoldo. — Mas pode muito bemser ladrão. E se for, a gente não vai fazer nada!

— Isso mesmo — concordou a multidão.Sons semelhantes a passos começaram a ser ouvidos pelo

telhado, deixando o vigia desesperado. Ele apanhou seu revólver eapontou para o céu, de onde parecia vir o barulho. Mas o barulhomudou de localização rapidamente. Jocilei, então, saiu do depósito,com medo e tudo, e decidiu enfrentar o que estivesse sobre otelhado, fosse o que fosse. Ficou aliviado.

— Ufa! Era só um urubu.— Um urubu agora — respondeu o rato Leopoldo, que

dessa vez estava ali fora, sozinho. — Mas pode ser um ladrãoamanhã… só acho.

— Ou um gato, não é verdade? — provocou o vigia.— Não teve graça — respondeu o rato, depois de um leve

calafrio. — Mas, de qualquer forma, você sabe que urubu pousandono telhado não é bom sinal, né mesmo?

— Como?— Nunca ouviu a expressão “um urubu pousou na minha

sorte”? — provocou o líder dos ratos. — Isso é sinal de mau agouro!— Larga de bobagem, que eu não acredito nessas crendices!

— Tá bem, então. — encerrou Leopoldo. — Vou voltar com osmeus, vamos organizar nossa greve. Estamos de patas cruzadas!

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A pior parte de se trabalhar durante a noite é que boa partedos seus problemas você precisará resolver durante o dia, que é operíodo que, supostamente, se destina ao descanso. Não seriadiferente com o vigia Jocilei. Enquanto seu Racabolão dormia noedredom quentinho, dividindo cama com uma gostosa, o vigiaenfrentava o frio com um café barato ou chá aguado, uns biscoitossem graça, os sandubas que conseguia esconder dos esfomeados e aterrível programação de madrugada da TV aberta. E quando algumproblema acontecia — no caso, a greve dos ratos — ainda seriapreciso ficar a manhã inteira esperando pela oportunidade deresolver sua demanda com o rei patrãozinho.

Seu Racabolão não era obrigado a acordar muito cedo. E,definitivamente, não fazia questão de fazê-lo. Jocilei que esperasse oquanto fosse… que esperasse… que esperasse.

— Puxando um ronco, Jocilei? — perguntou Racabolão,acordando o vigia assustado.

— S-s-seu Racabolão! — respondeu Jocilei, levantando dosofá onde fora vencido pelo sono, com olheiras profundas, enquantoum relógio de parede marcava 11 e meia da manhã. — Eu… eu t-t-tava esperando o senhor e…

— Não adianta se justificar — respondeu o patrão nababo.— Sabe que não quero ver nossos cliente vendo funcionário meu(respiração ofegante) dormindo pelos corredor. Pensa que pardieiro vão(respiração ofegante) pensar que a gente somos!

Jocilei estranhou. Era segredo para alguém que aqueledepósito era, realmente, um pardieiro? Pode um depósito serrespeitável quando os ratos trabalham como vigia?

— Que cliente, seu Racabolão? — perguntou Jocilei. —Ninguém mais guarda queijo aqui.

— Os cliente que compra nossos queijo, oras! — respondeu opatrão.

“Doce ilusão”, pensou Jocilei. A produção de queijos haviapiorado tanto quanto aumentado. Agora, nem os ratos queriammais aquele queijo, de tão duro. E quando uma comida é rejeitadaaté pelos mais asquerosos dos bichos, é sinal de que há algo de

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muito errado com ela — que digam as teorias conspiratórias sobre amargarina.

— Mas desde quando rato tem essas friscura? — se irritouRacabolão.

— Desde ontem, pelo menos — respondeu Jocilei. — Seuqueijo tá duro demais, até pros ratos, Seu Racabolão.

— Cê tá contestano minha maneira artesanal, tradicional emilenar de fazer queijo? — esbravejou Racabolão.

— Não, não… longe de mim.É claro que a resposta do vigia não foi sincera. Racabolão

era do tipo que pressionava os funcionários para ouvir bajulações.Não era hora para bajular, mas, pelo menos, tirar a culpa do queijo.O empregado precisava falar o que o patrão quisesse ouvir, mesmoque não fosse a verdade. Covardia, apenas. De ambos os lados. Oqueijo Racabolão era duro sim, e Jocilei era convicto disso.

— Esse é o nosso diferencial! — afirmou Racabolão.O patrão jamais procurara serviços de desenvolvimento da

empresa justamente por acreditar demais em seu produto. Se poucagente comprava seus queijos, era porque pouca gente tinha bomgosto. Ai de quem não concordasse em sua convicção de que seuqueijo era irresistível — mesmo que o próprio Racabolão evitasseprová-lo no dia-a-dia.

— É nisso que dá a gente dar oportunidade pa rato! —resmungou o patrão, tirando do bolso seu telefone celular, e logofazendo uma ligação. — Ualô, minha sogra? Vai no Valmarte aí pertode casa, (respiração ofegante) compra uns dez quilo de queijo bem bome traz pa nós… é, aqui no depósito… não, Racabolão não! (respiraçãoofegante) Traz só queijo de concorrente, tá bom?

Racabolão encerrou a ligação, olhou algumas coisas quepareciam dados estatísticos e coçou a pança.

— Bem, problema resolvido — aliviou-se Jocilei. — Agoraeu vou pra casa.

— Negativo! Você vai negociar esses queijo com os rato —respondeu o patrão. — Eu é que num quero chegar nem pertodaqueles nojeirento!

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— Está bem, seu Racabolão — respondeu o vigia, um tantochateado. — Mas assim… desculpa avisar o senhor, mas dar unsqueijinhos agora só vai ter efeito paliativo.

— Paliativo é a casseta! — respondeu o patrão. — Jáarranjei um ricaço frajola, desses que tem tanta grana, (respiraçãoofegante) mas tanta grana, que nem sabe onde botar! Ele vai sernossa salvação, cês vai ver!

O vigia ainda não sabia direito, pois acabara de despertar.Mas enquanto ele se entorpecia em sono profundo, a fofoca corriasolta pelos corredores e os outros funcionários do depósito jáfaziam suas apostas sobre o tal investidor. Uns especulavam que eraum comprador, e que o imenso galpão mudaria de dono. Outros,que o tal ricaço estava caindo num golpe disfarçado deinvestimento. Havia ainda aqueles que supunham que o próprioricaço estava junto a Racabolão na arquitetura do suposto golpe.

A sogra do patrão chegou quase uma hora depois da ligaçãotelefônica. O vigia estava faminto e caindo de sono. O olhar de cãode guarda de Racabolão cobrava de Jocilei uma postura alerta,amargurando ainda mais o funcionário. “Será que esse desgraçadonão entende que eu passei a noite quase inteira acordado?” DonaCréia chegou sorridente — ela gostava de ajudar nas questões daempresa do genro.

— A sinhora que não me farte nas reunião (respiração ofegante)que vamo ter amanhã com o Barão de Eu Hein, viu! — disse o patrão.

— Não precisa falar assim, né? — respondeu Dona Créia,logo virando em direção ao vigia. — Aqui, Jocilei, queijo do bom edo melhor.

O Barão de Eu Hein tinha certas semelhanças com SeuRacabolão. Era muito rico, adorava um luxo e uma ostentação e, àbeira dos noventa anos de idade, namorava uma jovem de 35. Aindaassim, Racabolão tinha certa esperança de emplacar um namoroentre sua sogra e o barão podre de rico — que, supostamente, jáestava com um pé na cova. Mas outro namoro interessava bem mais:o da grana do barão com o capital financeiro da empresa.

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— Ô Dona Créia, a senhora não tem um sanduíche ou umabolachinha não? — pediu Jocilei, numa expressão de dar dó.

— Cê não tem vergonha de pedir comida pra sogra do seupatrão, rapaz? — contestou Racabolão.

— Eu já devia ter ido pra casa tem umas cinco horas,patrãozinho! — respondeu o vigia, cabisbaixo de fome e sono. —Desculpa se fui infeliz.

— Então dá esses queijo praqueles rato chantagista e vai-seembora! — ordenou o patrão. — Diz pra eles ficar tudo escondidoamanhã, (respiração ofegante) pra num mover uma paia sequer, porqueo Barão chêi da grana (respiração ofegante) vai vim visitar nós!

Dona Créia estranhou o pedido de seu genro, mas logochegou à conclusão de que “ratos chantagistas” não se referianecessariamente a ratos — embora parecesse bem estranho pagarchantagem com queijo.

— Meu rapaz — interrompeu Dona Créia — toma aquiunzinho pra comprar uma coxinha na lanchonete.

— Ô Dona Créia, muito obrigado! — respondeu Jocilei. —A senhora tem bom coração.

— Cê vai mal acostumar os empregado, Créia! — resmungou opatrão. — A gente não damo dinheiro, (respiração ofegante) pagamo portrabalho!

Jocilei ficou quieto, pôs a cédula no bolso e deixou o patrãoe a sogra conversarem entre si. Foi, se arrastando de sono, até acolônia dos ratos. Adentrou o ambiente asqueroso sem muitoesforço e viu vários grupos de ratos em atividades diferentes.Alguns ratos dormiam, outros ensaiavam algum grito de ordem,mas pararam assim que o vigia começou a adentrar. Imediatamente,começaram a gritar, como fosse um alarme, e acordaram toda arataria. Pela segunda vez, Jocilei ficou bastante assustado com aaglomeração de roedores.

— Calma que eu vim em missão de paz! — gritou Jocilei, jácom vários ratos subindo pela sua perna.

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Os ratos abriram caminho, enquanto o líder Leopoldo seaproximava. Ele havia acabado de acordar e não estava em seumelhor humor.

— Pelo cheiro, você trouxe queijo nessas sacolas — disse orato. — Estou certo?

— Sim — respondeu o vigia, baixando as sacolas. — Queijofresco e delicioso, vejam só. E nenhum é da queijaria Racabolão.

— Viva! — gritaram uns ratos, ao que Jocilei sorriu,timidamente.

— A greve acabou! — comemorou o rato Ingmar. —Acabou! Uhuuu!

— Alto lá! — desconfiou o rato Frederico. — Mas vocêscederam rápido demais! Nem rolou negociação.

— Fora que esse queijo não dá pra tanto tempo assim —asseverou Leopoldo.

— Isso tá com uma cara de comida envenenada… —suspeitou Frederico.

— Quê isso gen… ratatuia! — respondeu Jocilei. — Senunca envenenamos vocês, por que envenenaríamos justo agora?

— “Nunca” é muito tempo! — retrucou Leopoldo. — Antesde firmarmos aquele acordo de uns anos atrás, vocês colocavamratoeira, bolinho com “surpresinha” e tudo mais!

Vários dos ratos mais velhos concordaram com Leopoldo, efizeram expressão de desaprovação. O rato Ingmar, porém, já estavase empanturrando com aquele queijo maravilhoso, cavandodeliciosos túneis com seus dentes afiados.

— Vocês pedem, a gente dá, e ainda reclamam? —inconformou-se Jocilei.

— Ninguém aqui pediu queijo envenenado — replicouLeopoldo.

— Nem eu trouxe queijo envenenado! — afirmou o vigia.— Come um pedaço pra gente ver! — respondeu Frederico.— Com o maior prazer.A verdade é que a boca do vigia salivou desde o momento

em que pôs as mãos naqueles queijos. Sua barriga, aos roncos, deuvivas quando foi autorizado pelos próprios ratos a comer um

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pedaço daqueles queijos. Um pedaço tão ínfimo não mataria a fome,é obvio, mas pelo menos enganaria o estômago.

— Ei! Não tão grande — contestou Frederico.Pronto. Pedaço de queijo devidamente comido, e nada

aconteceu. Os outros ratos foram se aproximando lentamente dosqueijos, enquanto Ingmar, já um tanto roliço, nem aguentava maiscomer. Jocilei estava tonto de fome e sono, exausto com toda ahistória do depósito. Deu as costas e foi saindo dali. Antes quesaísse, Leopoldo tratou de fazer um último comentário.

— Espero que seu patrão saiba que isso não é o bastante.Continuamos merecendo melhores condições.

Jocilei deu um joinha com a mão e um sorriso bem mais oumenos. Sabia que mal deitaria para dormir em casa e já teria queacordar de novo. Os dias estavam mais estafantes que de costume, esuas horas-extras como negociador o estavam enlouquecendo.

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