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Energia elétrica do futuro: qual o lugar do gás na Terra do Sol e do Vento? (Instituto Escolhas) Textos para Discussão Abril | 2020 02

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Energia elétricado futuro: qual o lugar do gásna Terra do Sol edo Vento?

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Textos para DiscussãoAbril | 2020

02

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O Instituto Escolhas desenvolve estudos e análises

sobre economia e meio ambiente para viabilizar o

desenvolvimento sustentável.

Organização responsável: Instituto Escolhas

Coordenação editorial:

Salete Cangussu e Sergio Leitão

Edição de texto:

Salete Cangussu e Sergio Leitão

Edição de Arte: Brazz Design

Foto da capa: maradon 333

Licença Creative Commons

Esta obra está licenciada com uma Licença Creative

Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional.

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Textos para DiscussãoAbril | 2020

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É lugar comum em relação ao po-

tencial energético brasileiro apontar que

o país é “abençoado por Deus”, parafra-

seando a música “País tropical”, de Jorge

Ben Jor. Essa benção se traduz nos pri-

vilégios naturais do Brasil relacionados à

oferta de variadas fontes de energia, des-

de renováveis até fósseis. E, em tempos

nos quais as discussões sobre transição

energética tomam cada vez mais espaço

e ganham a agenda de governos, empre-

sas e sociedade, tal privilégio dá aparen-

temente ao Brasil uma condição ímpar

em todo o mundo.

Mas – usando outro clichê – nem

tudo são flores no “patropi”. O mesmo

país que se destacou no aproveitamento

de sua abundância de águas para gerar

energia elétrica e lançou o etanol de ca-

na-de-açúcar como uma alternativa aos

derivados de petróleo vive hoje alguns

impasses. O maior deles é como encon-

trar o correto equilíbrio entre as variadas

fontes energéticas disponíveis para ga-

rantir um abastecimento elétrico confiá-

vel, a preços acessíveis ao consumidor e

com menor impacto socioambiental.

As fontes renováveis continuam sen-

do carro-chefe na expansão energética

nacional, mas esse crescimento vem se

dando sobretudo com o uso de recur-

sos que especialistas apontam como

“intermitentes”, como a energia eólica

e a solar fotovoltaica. O aproveitamento

de recursos hídricos com grande capaci-

dade de armazenamento elétrico parece

ter chegado ao limite. Mesmo as hidrelé-

tricas atuais já demonstram não con-

seguir mais funcionar como “baterias

do sistema elétrico”, seja pelas grandes

variações nos regimes pluviométricos

causadas pelas mudanças climáticas,

seja em razão de problemas provocados

assoreamento dos reservatórios.

Sendo assim, o país vem apostando

na geração termelétrica como garantia

de energia firme para o sistema elétri-

co brasileiro. E o combustível que mais

vem tendo destaque nesse papel é o gás

natural, sobretudo após as descobertas

de megarreservas na região do Pré-sal,

compreendida principalmente entre as

bacias sedimentares de Santos e Cam-

pos, no litoral da região Sudeste.

Energia elétrica do futuro: qual o lugar do gás na Terra do Sol e do Vento?

"Em termos globais, o gás natural vem sendo apontado como o combustível que irá liderar a

transição energética, da “era do petróleo” para a “era das fontes

limpas”. Há reservas abundantes"

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Textos Para Discussão (Intituto Escolhas)

De fato, em termos globais, o gás na-

tural vem sendo apontado como o com-

bustível que irá liderar a transição energé-

tica, da “era do petróleo” para a “era das

fontes limpas”. Há reservas abundantes

– de acordo com o BP Statistical Review

of World Energy, as reservas mundiais so-

mavam 196,9 trilhões de metros cúbicos

(m3) no último dia de 2018 –, distribuídas

em várias regiões do planeta. E, com a

possibilidade de ser liquefeito e trans-

portado para qualquer parte, o gás surge

como a solução primeira nesse processo,

por ser garantidor de energia de base, o

que é limitado para as fontes renováveis.

Além disso, o energético é, entre seus “ir-

mãos” de origem fóssil, como o petróleo

e o carvão, o de menor impacto ambien-

tal em sua queima, contribuindo, assim,

para a redução das emissões de gases de

efeito estufa (GEE).

Entretanto, assim como traz res-

postas, o gás natural traz perguntas,

algumas delas pouco consideradas. Em-

bora mais limpo que seus congêneres

fósseis, o energético emite mais GEE do

que fontes como a eólica e a solar. Mui-

tas de suas reservas são associadas às

de petróleo – como no Pré-sal brasileiro

– e de difícil (e custosa) recuperação. E

seu aproveitamento pós-produção exige

complexos e altos investimentos logísti-

cos, seja em gasodutos, seja em plantas

de liquefação e regaseificação.

Voltando ao setor elétrico, ao me-

nos duas das três tecnologias aplicadas

nas termelétricas em geral exige o uso

de água para seu resfriamento. Como

se verá a seguir, no Brasil essa condição

preocupa, pela instabilidade que vem

afetando o sistema hídrico nacional nos

últimos anos e alterando, inclusive, a ge-

ração hidrelétrica. Ao que tudo indica,

teremos menos água para usos múlti-

plos; principalmente, na já problemática

região Nordeste.

O Nordeste, aliás, vem se destacan-

do nos últimos anos pela forte expansão

da geração eólica. Inicialmente beneficia-

da por subsídios governamentais para

garantir sua instalação – assim com vem

ocorrendo com a energia solar fotovoltai-

ca –, a fonte eólica ganhou escala e hoje

é competitiva. Além disso, já atua como

reguladora do sistema elétrico nacional,

por sua complementaridade com o regi-

me hídrico. Há ainda na região um enor-

me potencial, tanto eólico quanto solar,

a ser explorado. Entretanto, a suposta

“intermitência” faz com que o aprovei-

tamento dessas fontes seja colocado

em segundo plano pela necessidade de

energia firme. Estaríamos, portanto, dei-

xando de lado nosso “Pré-vento” e nosso

“Pré-sol” em favor do Pré-sal?

“Hoje o Nordeste é um grande forne-

cedor de energia eólica, que já se tornou

vital para regularizar o sistema elétrico

do país. A região é uma espécie de ‘OPEP’

do vento, mas não se está dando a devida

valoração financeira a isso. Assim, será

mesmo preciso trocar a expansão eólica

na região por termelétricas, que vão exi-

gir uma infraestrutura de abastecimento

ou importação de gás?”, questiona o di-

retor do Instituto Escolhas, Sergio Leitão.

Se o barateamento do petróleo a

partir da pandemia do coronavírus pode

parecer um freio para as energias reno-

váveis, bem como para novas tecnolo-

gias de geração e armazenamento de

energia elétrica, essa mesma queda dos

preços pode tornar mais interessante –

e rentável – a aposta nessas correntes,

em detrimento do óleo e do próprio gás

natural. A edição 2020 do estudo “Pers-

pectivas Globais das Renováveis”, ela-

borado pela Agência Internacional para

as Energias Renováveis (IRENA), sugere

que reerguer as economias pós-Covid-19

e limitar o aquecimento global a 1,5º C,

como prevê o Acordo de Paris, pode ser

obtido com uma transição ampla e rápi-

da para as fontes renováveis, o que des-

locaria também o papel do gás natural

nessa transição energética.

O objetivo deste trabalho, portanto,

é colocar em questão o papel do gás na

expansão elétrica brasileira à luz dessas

premissas. É inegável sua importância

como garantidor de potência e de ener-

gia de base. Contudo, o que se propõe

discutir é como aproveitar esse benefício

considerando sua interação com outras

fontes disponíveis no país – e a correta

valoração dos atributos de cada fonte no

planejamento energético brasileiro e, por

conseguinte, nos leilões de contratação

de energia elétrica –, sobretudo as reno-

váveis. Sob essas perspectivas, levamos

em conta fatores como restrições ao uso

da água, o conceito de “intermitência”

atribuído às fontes eólica e solar e as ino-

vações tecnológicas que podem acelerar

a participação das renováveis na transi-

ção energética.

"Entretanto, assim como traz respostas, o gás natural traz

perguntas, algumas delas pouco consideradas. Embora mais limpo

que seus congêneres fósseis, o energético emite mais GEE do que

fontes como a eólica e a solar."

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Energia elétrica do futuro: qual o lugar do gás na Terra do Sol e do Vento?

Tendências do planejamento: o gás está na modaO Plano Decenal de Expansão de Ener-

gia (PDE), elaborado pela Empresa de

Pesquisa Energética (EPE), é o principal

documento de referência do planeja-

mento energético brasileiro. Lançado em

janeiro de 2020, o PDE 20291 apontou

uma previsão de investimentos de R$

2,3 trilhões no setor energético brasileiro

nos próximos dez anos. Desse total, R$

1,9 trilhão será destinado aos setores de

petróleo, gás natural e biocombustíveis;

e R$ 46 bilhões, à expansão da geração e

da transmissão de energia elétrica.

Ainda que feito anteriormente à gra-

ve crise global provocada pela pandemia

do coronavírus, que deverá afetar todos

os indicadores socioeconômicos previs-

tos para 2020 e para os próximos anos,

o documento continua sendo importante

para balizar o futuro energético do país.

Embora seu texto apresente números da

última edição do PDE – que certamen-

te serão revistos para baixo na versão

2021 –, a intenção é apontar tendências

que precisarão ser acompanhadas para

checarmos se seguirão presentes no de-

senho da configuração da matriz energé-

tica nacional.

PLANO DECENAL DE EXPANSÃO DE ENERGIA 2029

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA

35

2.2 Consolidação por Fonte

Notas: *Inclui biodiesel, lixívia, outras renováveis e outras não renováveis.

Fonte: EPE, PDE 20291 O Plano Decenal de Expansão de Energia é um documento informativo voltado para toda a sociedade, com uma indicação, e não determinação, das perspectivas de expansão futura do setor de energia sob a ótica do Governo no horizonte decenal. O PDE 2029 é o mais recente.

De modo geral, o PDE 2029 prevê

um crescimento anual de 2,5% no con-

sumo total de energia no Brasil até 2029.

O consumo de energia per capita deverá

crescer 1,9% anuais nesse período. Ain-

da assim, o consumo médio por pessoa

ficará bem abaixo do registrado nos paí-

ses desenvolvidos, aponta o documento.

Assim, o consumo final de energia em

2029 deverá atingir 336 milhões de to-

neladas equivalentes de petróleo (Mtep),

ante 263 Mtep no ano passado. Conside-

rando somente a energia elétrica, a par-

ticipação no consumo final dessa fonte

deverá passar de 18,0% para 20,3%.

O aumento da eletrificação da eco-

nomia brasileira é uma tendência apon-

tada pelo estudo. Na visão do planeja-

mento, o consumo total de eletricidade

crescerá 3,8% ao ano até 2029. A maior

parte desse acréscimo se dará por meio

do acesso do cidadão brasileiro a apa-

relhos elétricos que facilitem e tragam

conforto à sua vida, como os aparelhos

de ar-condicionado. No que tange aos

veículos, porém, a estimativa é baixa:

apenas 3% dos veículos em circulação

no país em 2029 usarão energia elétrica

como combustível.

A transição energética, com a cres-

cente descarbonização das economias

mundiais, também molda a expansão do

sistema elétrico brasileiro. Nesse sentido,

tornam-se ainda mais evidentes, assim

como já vem ocorrendo, o crescimento

da participação de fontes não controlá-

veis, como a eólica e a solar fotovoltaica,

na matriz elétrica e a menor participação

relativa das hidrelétricas.

Diz o PDE 2029 em relação à fonte

eólica – a alternativa renovável que já

vem liderando a expansão elétrica bra-

sileira: “Este Plano preserva a indicação

da importância de se sinalizar para um

desenvolvimento dos aproveitamentos

eólicos de forma contínua e harmonio-

sa com o mercado desta fonte no País.

Por outro lado, ampliar maciçamente

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Textos para Discussão (Instituto Escolhas)

a sua participação na oferta de ener-

gia traz desafios como a necessida-

de de expansão de potência com-

plementar (grifo nosso), devido à sua

vocação limitada para o atendimento

aos requisitos de potência e variabilida-

de de produção, mesmo considerando o

efeito portfólio entre os parques.”

A “expansão de potência comple-

mentar” se dará com a termoeletrici-

dade. Nesse sentido, “o gás natural se

apresenta como principal combustível

para a expansão de geração termelétrica

nesse PDE. “O GNL importado repre-

senta o combustível padrão para o

desenvolvimento de novas usinas no

curto e médio prazo. Porém, o desen-

volvimento das reservas do Pré-sal e

as novas descobertas de bacias na-

cionais no pós-sal, como em Sergipe,

podem ampliar significativamente a

oferta de gás natural nacional, de bai-

xo custo, e, consequentemente, con-

tribuir na matriz elétrica brasileira já

no horizonte decenal.” (grifo nosso).

PLANO DECENAL DE EXPANSÃO DE ENERGIA 2029

66 EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA

3.4 Configuração inicial para expansão

20

Nota:

20 Incluindo a parcela paraguaia da UHE Itaipu.

PLANO DECENAL DE EXPANSÃO DE ENERGIA 2029

66 EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA

3.4 Configuração inicial para expansão

20

Nota:

20 Incluindo a parcela paraguaia da UHE Itaipu.

PLANO DECENAL DE EXPANSÃO DE ENERGIA 2029

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA

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Fontes 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029

Biomassa 231 147 50 115 0 0 0 0 0 0

Eólica 353 107 264 1.521 1.212 0 0 0 0 0

Hidráulica 611 36 0 204 0 0 0 0 0 0

PCH + CGH 225 177 111 10 38 0 0 0 0 0

Fotovoltaica 298 557 585 0 0 0 0 0 0 0

Térmica 1.802 1.305 0 2.238 363 0 1.405 0 0 0

Fato Motivador 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029 Acum. 2029

Término do CCEAR (UTE GN) 0 0 554 0 736 1.475 1.133 500 178 0 4.576

Término do CCEAR (UTE OD/OC) 0 0 0 191 983 1.484 207 381 201 0 3.447

Fim dos subsídios da CDE (UTE CARVÃO) 0 0 0 0 0 0 0 0 1.227 0 1.227

Fim dos subsídios do PPT (UTE GN) 0 249 313 120 1.687 572 0 0 0 0 2.941

Fim da Vida Útil da Usina 0 0 0 0 1.278 640 869 534 0 0 3.321

TOTAL 0 249 867 311 4.684 4.171 2.209 1.415 1.606 0 15.512

Para traçar o cenário de referência,

a EPE considerou usinas termelétricas

(UTEs) a gás natural a ciclo aberto e

combinado, “com custo variável refe-

renciado ao GNL e com três possibilida-

des de operação: flexível, com fatores de

inflexibilidade de 50% e 100%” e a ciclo

combinado “com aproveitamento de

gás nacional, com menor preço de com-

bustível e inflexibilidade de 50%.”

Para traçar a expansão do parque

elétrico, o PDE 2029 parte de uma ca-

pacidade instalada no Sistema Interli-

gado Nacional (SIN) de 164 GW, além

de outros 14.000 MW de capacidade já

instalada – “dos quais aproximadamen-

te 50% serão de fontes renováveis”, frisa

o documento.

Fonte: EPE, PDE 2029

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Energia elétrica do futuro: qual o lugar do gás na Terra do Sol e do Vento?

Assim, de acordo com o PDE 2029,

“o balanço comercial de garantia física

sinaliza uma necessidade de contra-

tação de nova oferta, para o atendi-

mento do mercado total de energia

de algo entre 13.000 e 25.000 MW

médios de contratos lastreados por

novos empreendimentos no horizon-

te decenal” (grifo nosso). Essa indica-PLANO DECENAL DE EXPANSÃO DE ENERGIA 2029

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA

71

Nome Potência Instalada Total (MW)

Ano de Entrada

Telêmaco Borba 118 2026

Tabajara 400 2027

Apertados 139 2027

Ercilândia 87 2027

Bem Querer 650 2028

Castanheira 140 2028

Comissário 140 2029

ção considera a retirada do Sistema In-

terligado Nacional (SIN) de 15.512 MW

de termelétricas. No caso das plantas

a gás natural, tal retirada se dá pelo fim

dos contratos no ambiente regulado

(CCEAR), totalizando potência de 4.576

MW, e pelo fim de subsídios relacionados

ao Programa Prioritário de Termelétri-

cas (PPT), instituído em 2000, somando

2.941 MW. O estudo informa ainda a re-

tirada de 3.321 MW termoelétricos pelo

fim da vida útil das usinas, mas não dis-

crimina quais delas são plantas movidas

a gás natural.

Entretanto, mesmo com tal indica-

tivo, não significa que essas plantas não

vão continuar operando e abastecendo

o sistema. Por isso, a EPE aponta que

9.000 MW dessa potência podem ser

reaproveitados, por meio de “um retrofit

frente à expansão de novas plantas, de

maior custo fixo e com maior eficiência”.

Mesmo considerando que a parti-

cipação termelétrica na matriz elétrica

brasileira cresce apenas três pontos

percentuais entre 2019 e 2029 – de 15%

para 18% –, verifica-se no cenário de re-

ferência apresentado pelo PDE 2029 que

a capacidade instalada de termelétricas

a gás natural triplica no horizonte dece-

nal utilizado pelo estudo. É a maior ex-

pansão percentual entre todas as fontes

consideradas pelo levantamento.

Isso se reflete diretamente no papel do gás natural na matriz elétrica. Verifica-se que a participação dobra no período decenal.

"tornam-se ainda mais evidentes, assim como já vem ocorrendo, o crescimento da participação de fontes não controláveis, como a eólica e a solar fotovoltaica, na

matriz elétrica e a menor participação relativa das hidrelétricas."

Fonte: EPE, PDE 2029

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Textos Para Discussão (Intituto Escolhas)

É importante ressaltar que este texto

se baseia no cenário de referência pro-

posto pelo PDE 2029. Mas, no plano, a

EPE fez simulações considerando outros

cenários, como a expansão com diferen-

tes projeções da demanda. Nesse caso,

há uma diminuição de 6.500 MW de ex-

pansão de termelétricas a GNL flexível

(ciclo aberto e ciclo combinado).

Outro cenário apontado é o de uma

maior oferta de gás natural nacional, a

partir do aumento da produção do ener-

gético nos campos do Pré-sal, de sua

produção na Bacia de Sergipe-Alagoas,

no litoral da região Nordeste, e das ex-

pectativas geradas pelo Novo Mercado

de Gás, lançado em julho de 2019. Con-

siderando um preço de gás mais baixo

no país, o PDE prevê um acréscimo de

2.600 MW instalados em geração ter-

melétrica a gás. E com preço menor do

insumo, o documento projeta, nesse

subcapítulo, maior despacho térmico na

base e, portanto, mais inflexibilidade no

uso dessas plantas.

Entretanto, o documento ressalta

que “o what if de maior oferta de gás na-

tural nacional, para a qual se espera um

menor custo de operação, mostrou que

a depender do ‘prêmio pela flexibilidade’,

opções com certos níveis de inflexibilida-

de podem se mostrar economicamente

atrativas. É destacado, porém, que o be-

nefício agregado por usinas com inflexi-

bilidade é decrescente, o que exige pre-

ços cada vez menores à medida em que

novas plantas inflexíveis façam parte da

expansão”.

Em relação à produção de gás natu-

ral, o PDE 2029 prevê um pico de produ-

ção de 155 milhões de m3/dia em 2028,

com ligeiro declínio a partir de 2029, pos-

sivelmente recuperável com a agregação

de novas reservas. As maiores contribui-

ções viriam das bacias de Santos e Cam-

pos, no Pré-sal; de Sergipe-Alagoas; de

PLANO DECENAL DE EXPANSÃO DE ENERGIA 2029

276 EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA

FONTE 2019 2020 2021 2022 2023 2024 2025 2026 2027 2028 2029

MW

RENOVÁVEIS 146.712 149.482 151.058 152.673 160.195 167.469 173.587 180.117 186.746 193.445 200.198

HIDRO(a) 101.926 102.512 102.570 102.592 102.788 102.783 102.811 103.212 103.637 104.159 104.701

CENTRALIZADA 101.288 101.899 101.935 101.935 102.139 102.139 102.139 102.523 102.942 103.436 103.958

AUTOPRODUÇÃO 638 613 635 657 649 644 672 689 695 723 743

PCH e CGH 6.458 6.714 6.922 7.081 7.437 7.852 8.244 8.651 9.077 9.509 9.956

CENTRALIZADA 6.385 6.610 6.787 6.898 7.207 7.545 7.845 8.145 8.445 8.745 9.045

GD 73 104 135 183 230 307 399 506 632 764 911

EÓLICA 15.045 15.424 15.532 15.797 20.319 24.532 27.534 30.537 33.542 36.550 39.561

CENTRALIZADA 15.017 15.370 15.477 15.742 20.263 24.475 27.475 30.475 33.475 36.475 39.475

GD 28 54 55 55 56 57 59 62 67 75 86

BIOMASSA(b) e BIOGÁS 19.928 20.465 20.861 21.160 21.793 22.471 23.085 23.673 24.296 24.905 25.535

CENTRALIZADA 13.412 13.643 13.790 13.840 14.135 14.415 14.695 14.975 15.255 15.535 15.815

AUTOPRODUÇÃO e GD 6.516 6.822 7.071 7.320 7.658 8.056 8.390 8.698 9.041 9.370 9.720

SOLAR 3.354 4.367 5.173 6.043 7.857 9.831 11.913 14.045 16.194 18.322 20.444

CENTRALIZADA 2.182 2.480 3.037 3.622 4.622 5.622 6.622 7.622 8.622 9.622 10.622

GD 1.172 1.887 2.136 2.421 3.235 4.209 5.291 6.423 7.572 8.700 9.822

NÃO RENOVÁVEIS 28.801 30.808 32.351 32.593 34.641 36.440 36.707 41.012 43.556 45.460 50.785

CENTRALIZADA 22.672 24.473 25.778 25.778 27.704 29.293 29.239 33.114 35.319 36.915 42.059

URÂNIO 1.990 1.990 1.990 1.990 1.990 1.990 1.990 3.395 3.395 3.395 3.395

GÁS NATURAL(d) 12.921 14.436 15.741 15.741 17.859 21.234 22.662 25.679 28.315 31.339 36.190

CARVÃO 3.017 3.017 3.017 3.017 3.017 3.017 3.017 3.017 3.017 1.790 2.083

ÓLEO COMBUSTÍVEL(e) 3.697 3.697 3.697 3.697 3.697 2.510 1.028 657 226 25 25

ÓLEO DIESEL(e) 1.047 1.333 1.333 1.333 1.141 542 542 366 366 366 366

AUTOPRODUÇÃO 6.129 6.335 6.573 6.815 6.937 7.147 7.468 7.898 8.237 8.545 8.726

TOTAL BRASIL 175.513 180.290 183.409 185.265 194.835 203.909 210.294 221.129 230.303 238.905 250.983

ITAIPU 50Hz (c) 7.000 7.000 7.000 7.000 7.000 7.000 7.000 7.000 7.000 7.000 7.000

TOTAL DISPONÍVEL 182.513 187.290 190.409 192.265 201.835 210.909 217.294 228.129 237.303 245.905 257.983 Notas: (a) Os valores da tabela indicam a potência instalada em dezembro de cada ano, considerando a motorização das UHE.

(b) Inclui usinas a biomassa com CVU > O e CVU = 0 (bagaço de cana). Para as usinas a bagaço de cana, os empreendimentos são contabilizados com a potência instalada total. (c) Em gás natural, é incluído também o montante de gás de processo. (d) Usinas termelétricas movidas a óleo diesel e óleo combustível são retiradas do Plano de Expansão de Referência nas datas de término de seus contratos, conforme reduções apresentadas nesta tabela. (e) Parcela da UHE Itaipu pertencente ao Paraguai, cujo excedente de energia é exportado para o mercado brasileiro.

Solimões, no Amazonas; de Parnaíba, no

interior do Piauí; e do Maranhão. A maior

parte desse volume será de gás associa-

do a petróleo.

O documento considera “altos ín-

dices de reinjeção” desse gás para au-

mentar o fator de recuperação do óleo

do Pré-sal. Ainda assim, verifica-se que o

volume a ser disponibilizado ao mercado,

a partir das Unidades de Processamento

de Gás Natural (UPGNs), é grande: cerca

de 116 milhões de m3 diários.

Quanto à infraestrutura para o com-

bustível, o PDE 2029 prevê um terminal

de GNL com capacidade de regaseifica-

ção de 21 milhões de m³/dia em Barra

dos Coqueiros (SE), conectado à UTE

Porto Sergipe I (demanda máxima de cer-

ca de 6 milhões de m³/dia); um segundo,

com capacidade de regaseificação de 21

milhões de m³/dia em São João da Barra

(RJ), no Porto do Açu, conectado à UTE

Novo Tempo e à UTE GNA II (demanda

Fonte: EPE, PDE 2029

Page 9: Energia elétrica do futuro: (Instituto Escolhas) qual o ... · 02. O Instituto Escolhas desenvolve estudos e análises sobre economia e meio ambiente para viabilizar o desenvolvimento

9

Energia elétrica do futuro: qual o lugar do gás na Terra do Sol e do Vento?

máxima de aproximadamente 6 milhões

de m³/dia cada uma); e um terceiro, ca-

paz de regaseificar 15 milhões de m³/dia,

em Barcarena (PA), conectado à UTE

Novo Tempo Barcarena (demanda má-

xima de aproximadamente 3 milhões de

m³/dia) e capaz de atender a outras de-

mandas industriais.

A indicação de terminais de regasei-

ficação corrobora o apontamento feito

no PDE de que o GNL importado será o

combustível que irá garantir a expansão

termelétrica a gás natural em curto e

médio prazos. Mas, por outro lado, isso

também mostra incertezas quanto ao

aproveitamento do gás de produção

nacional, tanto em termos logísticos –

reinjeção para aumento da produção de

petróleo, implantação de gasodutos e de

terminais de liquefação nos polos pro-

dutores – quanto da competitividade de

seu preço frente ao do gás importado.

Agora, a essas incertezas se somam

os efeitos da pandemia da Covid-19, so-

bretudo a redução drástica da demanda,

que fez o preço do petróleo despencar

no mercado global. Essa queda coloca

em xeque o desenvolvimento de projetos

do Pré-sal brasileiro com custo de pro-

dução superior à cotação do óleo, o que

afeta também os volumes de oferta pre-

vistos para o gás associado.

O mesmo vale para o Novo Merca-

do do Gás. Seu objetivo de aumentar a

quantidade de agentes transportadores

e carregadores do combustível, de forma

PLANO DECENAL DE EXPANSÃO DE ENERGIA 2029

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA

181

a criar competição e assim baratear o

preço do gás natural, tornou-se incerto.

Tanto pela esperada queda da demanda

pelo energético como pela provável fal-

ta de interessados em um investimento

que, nesse momento, mostra-se de risco.

Assim, reforça-se a “solução GNL”

para a termoeletricidade, a qual, de apa-

rentemente temporária, pode perdurar

por mais tempo do que o previsto. Com o

gás nacional deixando de ser produzido

nos volumes esperados e a expansão das

UTEs na base – ainda que se considere

que esse aumento seja menor, também

como efeito da Covid-19 –, a tendência é

de que o produto importado seja o carro-

-chefe dessa expansão.

Page 10: Energia elétrica do futuro: (Instituto Escolhas) qual o ... · 02. O Instituto Escolhas desenvolve estudos e análises sobre economia e meio ambiente para viabilizar o desenvolvimento

10

Textos Para Discussão (Intituto Escolhas)

Outro ponto a ser destacado – e que

pode afetar diretamente o uso da água

para a geração termelétrica – é a simu-

lação apresentada, para novembro de

2029, considerando a necessidade de

despacho conforme o nível de afluência

dos reservatórios hidroelétricos. Se, por

um lado, o PDE aponta um alto grau de

PLANO DECENAL DE EXPANSÃO DE ENERGIA 2029

EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA

75

papel de “seguro” para o sistema. Considerando o mês

Não se pode dizer, porém, que o

estudo da EPE não deu atenção ao uso

da água. Em um capítulo onde lista dez

temas socioambientais que devem ser

observados para a expansão energéti-

ca brasileira, sobretudo de termelétri-

cas, o PDE 2029 mostra a necessidade

incerteza quanto ao despacho térmico –

que, na simulação feita, pode variar entre

9.000 MW médios e 24.000 MW médios

–, o que beneficia a característica flexí-

vel das usinas, por outro não considera

claramente possíveis conflitos no uso da

água, caso se tratem de plantas que ope-

rem em ciclo aberto ou fechado.

de atenção com projetos destinados à

região Nordeste, devido à escassez de

água. Contudo, o plano não entra em

mais detalhes, apontando apenas que

tais questões podem ser minimizadas

com a escolha correta de tecnologias.

Fontes de energia: valor ou preço?Os leilões para contratação de energia

elétrica no ambiente regulado têm sido

marcados por reunir produtos destina-

dos a variadas fontes. Inicialmente, para

ampliar o peso das renováveis não hí-

dricas na matriz elétrica e reduzir seus

custos, havia certames direcionados

às energias eólica e solar. Agora, com o

ganho de escala e o desenvolvimento

crescente da indústria de fornecedores e

com o barateamento de preço dos equi-

pamentos, tais fontes participam de dis-

putas com outras, como a hidrelétrica e

a termelétrica, mas sem competição di-

reta entre si, já que os preços referenciais

ditados pela EPE são diferentes para

cada fonte.

É fato que cada fonte tem mesmo

seu preço, por suas características pró-

prias, tecnologias utilizadas, contratos

de fornecimento etc. Entretanto, ainda

há muitas dúvidas sobre se os valores de

referência estabelecidos pela EPE levam

em consideração os atributos corretos

que deveriam ser considerados no mo-

mento da precificação. Isso permitiria,

inclusive, uma competição mais direta

entre as fontes, com ganhos para o siste-

ma elétrico e para o consumidor.

“A competição nos leilões se dá pelo

preço da energia. Essa situação é mais

evidente no mercado livre, onde o gerador

que leva o contrato é aquele que oferece

a energia mais barata. Atributos como

limitação da oferta em determinados ho-

rários ou regulação de frequência não são

quantificados nesse momento. No mer-

cado regulado essa quantificação é feita

parcialmente, quando se decide quais

volumes energéticos vão ser supridos por

quais fontes, termelétrica, eólica e solar,

por exemplo. Mas, ainda assim, essa va-

loração não é completa”, explica Bernardo

Bezerra, diretor-técnico da PSR.

Pensando nisso, a consultoria, em

parceria com o Instituto Escolhas, desen-

Fonte: EPE, PDE 2029

Page 11: Energia elétrica do futuro: (Instituto Escolhas) qual o ... · 02. O Instituto Escolhas desenvolve estudos e análises sobre economia e meio ambiente para viabilizar o desenvolvimento

11

Energia elétrica do futuro: qual o lugar do gás na Terra do Sol e do Vento?

volveu, em 2018, o estudo “Quais os reais

custos e benefícios das fontes de gera-

ção elétrica no Brasil?”2, com base no

PDE 2026. O trabalho propõe uma meto-

dologia, a ser aplicada pelo planejamen-

to energético brasileiro, que permita a

correta valoração dos atributos de cada

fonte. Assim, eliminariam-se distorções

que dão a impressão de que uma fonte é

mais barata que outra.

“Em 2018, a energia eólica foi con-

tratada a R$ 100 por megawatt-hora

(MWh), e a termelétrica a R$ 210, em

média. A justificativa técnica para isso é

que o sistema precisa da fonte mais cara

para garantir confiabilidade. Mas não

existia nenhuma metodologia para cal-

cular se essa diferença de preços é cor-

reta ou não, se ela reflete mesmo uma di-

ferença real. Nosso trabalho vem valorar

corretamente os atributos de cada fonte

para que não haja essa disparidade apa-

rente nos preços que não é real”, confir-

ma Bezerra.

A metodologia propõe a valoração

de atributos de cinco componentes: 1)

Custo de investimento e operação, onde

a vantagem é das fontes renováveis; 2)

Serviços além do fornecimento de ener-

gia (modulação, sazonalidade, robustez

e confiabilidade), que beneficiam as ter-

melétricas; 3) Custos de infraestrutura

causados ou evitados pelo gerador, com

vantagem para as térmicas a biomassa;

4) Subsídios e isenções, que beneficiam

mais eólicas, solares e pequenas cen-

trais hidrelétricas (PCHs); e 5) Custos

ambientais, que são maiores para as

termelétricas, por suas emissões de

GEE, e menores para renováveis como

eólica e solar.

Um ponto crucial da metodologia é

que sua aplicação não se dá para bene-

ficiar uma ou outra fonte. Pelo contrário:

sua aplicabilidade exige um portfólio va-

riado de fontes, para um aproveitamen-

to ótimo do sistema elétrico brasileiro:

“como a valoração dos atributos deste

estudo considera a complementarieda-

de entre as fontes de geração operando

de forma conjunta, o plano de expansão

ótimo para o sistema não deve necessa-

riamente selecionar apenas a opção com

o menor custo”, aponta o texto.

O estudo mostra que o modelo de

contratação que foi adotado no país a

partir de 2013, de leilões separados por

fonte, fazia sentido porque a fonte hídrica

dominava a expansão. Contudo, o mix de

geração foi sendo alterado, com maior

participação de termelétricas a com-

bustíveis fósseis e, nos últimos anos, de

usinas eólicas e, mais recentemente, de

solares fotovoltaicas.

“Esse fato começou a provocar

impactos que não existiam antes. Um

exemplo é o uso de termelétricas para

compensar os problemas da reduzida

capacidade de geração das usinas hi-

drelétricas na região Nordeste, causa-

dos pelas sucessivas secas dos últimos

anos. O resultado foi o aumento dos cus-

tos, em razão dos preços elevados dos

combustíveis fósseis e maior emissão de

gases de efeito estufa. Além disso, com

as mudanças climáticas – que podem

impactar o fornecimento de energia de

diversas fontes –, é ainda mais impor-

tante considerar o mix como um todo e

não apenas as fontes isoladamente. Isso

porque a sustentabilidade da matriz elé-

trica precisa ser considerada um fator

primordial, assim como sua segurança e

confiabilidade”, detalha o texto.

Aplicando a metodologia de correta

valoração de atributos das fontes sobre

as projeções do PDE 2026, o estudo do

Escolhas/PSR apresenta duas possibi-

lidades: 1) Uma ampliação mais efetiva

da participação das fontes renováveis na

matriz elétrica brasileira em 2026, sem

aumento significativo de custos para

os consumidores; e 2) Um aumento de

68% da participação de energia eólica,

solar e biomassa na matriz brasileira em

2035, totalizando 44% da composição

da matriz, mudança que ocorreria sem

afetar a competitividade e a atratividade

dos megawatts-hora dessas fontes para

os consumidores.

"Um ponto crucial da metodologia é que sua aplicação não se dá para beneficiar uma ou outra fonte. Pelo contrário: sua aplicabilidade exige

um portfólio variado de fontes, para um aproveitamento ótimo do sistema elétrico brasileiro"

2 http://www.escolhas.org/wp-content/uploads/2018/11/Quais_os_reais_custos_e_benef%C3%ADcios_das_fontes_de_gera%C3%A7%C3%A3o_el%C3%A9trica_no_brasil-SUM%C3%81RIO-EXECUTIVO.pdf

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12

Textos Para Discussão (Intituto Escolhas)

Só falta faltar água A geração termelétrica, independente-

mente da fonte utilizada, não é o seg-

mento econômico com maior consumo

de água. Pelo contrário: as termelétricas

são as que registram um dos menores

usos de recursos hídricos dentre os seto-

res consuntivos.

De acordo com dados da publica-

ção “Conjuntura dos Recursos Hídricos

no Brasil 2019”, da Agência Nacional de

Águas (ANA), relativos ao ano anterior, o

setor termoelétrico respondeu pela reti-

rada de 93 m3/s de água em 2018, equi-

valente a 4,5% do total de 2.048 m3/s

retirados por setores consuntivos.

Quando se considera o consumo

– ou seja, a parcela de água que não é

devolvida diretamente aos recursos hí-

dricos –, a participação termelétrica é

ainda menor: 3 m3/s (0,3% do total de

1.101 m3/s), o que garante um retorno de

90 m3/s nesse segmento.

Entretanto, a crescente participação

termelétrica na matriz brasileira fez com

que a ANA passasse a olhar o segmento

com mais atenção. É o que a agência ex-

plica no “Manual de Uso Consuntivo da

Água no Brasil”, também de 2019.

“A crescente tendência de uso des-

sa alternativa tecnológica na geração de

energia, a alta demanda de água asso-

ciada e a maneira como a água residual

é devolvida ao meio ambiente, levaram

a ANA a desenvolver estimativas para o

setor. A inclusão dessa categoria de uso

representa um desafio e, ao mesmo tem-

po, uma possibilidade para melhor ca-

racterizar o uso dos recursos hídricos no

território nacional.

A demanda de água em Usinas Ter-

melétricas – UTEs depende das tecno-

logias de geração, tipo de combustível

e sistema de resfriamento, bem como

de condições ambientais intervenien-

tes. A operação irregular – muitas vezes

como fonte complementar à demanda

não atendida pela geração hidrelétrica

– também influencia expressivamente a

variação intra e interanual das estimati-

vas”, diz o manual no capítulo relativo à

termoeletricidade.

É, portanto, evidente a maior preocu-

pação da ANA com a ampliação da quan-

tidade de UTEs no Sistema Interligado

7Termoelétricidade

59

Manual de Usos Consuntivos da Água no Brasil

Figura 41 - Vazões de Retirada (m³/s) para termelétricas nas UFs Figura 42 - Percentuais de Retirada (UTE’s), por Região, em Relação à Retirada Total

7.2 Método e Base de DadosO fluxograma (Figura 43) apresenta uma síntese do método de estimativa das vazões associadas à geração de termelétricas.

Fonte/Base de dados

Variável

ANA – Agência Nacional de ÁguasANEEL – Agência Nacional de Energia ElétricaBIG – Banco de informações de Geração IEMA – Instituto de Energia e Meio AmbienteONS – Operador Nacional do Sistema ElétricoUTEs – Usinas Termelétricas

Legendas

Etapa

Figura 43 - Síntese do Método de Estimativa das Vazões Associadas às UTEs

Dados e Métodos / Diagnóstico Prognóstico

Usinas Termelétricas (ANEEL)

Série mensal de geração(ONS)

Geração média mensal ou Potencial - UTEs em operação

UTEs previstas(ANEEL)

Série de vazões(2018-2030)

BibliografiaEspecializada (IEMA)

+

+

Projeção

Características das UTEs e Séries de Geração

Séries de Geração

Coeficientes Técnicos

Coeficientes TécnicosSéries de vazões

(1954-2017)

Ciclo Termodinâmico e Sistema de Resfriamento Captação - L/KWh Consumo - L/KWh

Rankine e Circulação Aberta 130 1,5 (1,15%)

Rankine e Torres Úmidas 2,85 2,5 (77,8%)

Ciclo Combinado e Circulação Aberta 52 0,4 (0,77%)

Ciclo Combinado e Torres Úmidas 0,9 0,7 (77,8%)

Centro-Oeste

2%

Nordeste

20%

Norte

13%

Sudeste

45%

Sul

20%

Retirada Termelétricas

0

3

6

9

12

15

18

RO AC AM RR PA AP TO MA PI CE RN PB PE AL SE BA MG ES RJ SP PR SC RS MS MT GO DF

Va

zóe

s d

e R

eti

rad

a (m

³/s)

Unidades de Federação

+

Como grandes números do uso da água para atendi-mento às termelétricas, a Figura 41 ilustra a variação das retiradas nas unidades federativas. Rio de Janeiro (com 21% da demanda total), Santa Catarina (13%), São Paulo (11%), Pará (9%), Maranhão (9%) e Pernam-buco (8%) concentram 72% da demanda total que foi de 79,5 m³/s em 2017 (3,8% da retirada total).

A Figura 42 apresenta os respectivos percentuais de re-tirada nas regiões brasileiras, onde se nota a lideran-ça do Sudeste, seguida pelo Nordeste, Sul e Norte. O Centro-Oeste apresenta menor relevância da atividade termelétrica.

+

Coeficientes Adotados

Nacional (SIN). Também chama atenção

da agência o estado da água devolvida

aos corpos hídricos – como o líquido é

usado para resfriamento, seu retorno ao

meio ambiente se dá em altas tempera-

turas, o que pode impactar fauna e flora

no local da devolução.

As figuras a seguir mostram a varia-

ção das retiradas de água por estado e

regiões brasileiras em 2017.

Quando se trata das unidades da fe-

deração, verifica-se que o Rio de Janeiro

liderou o ranking de retirada de água com

21% do total, quase o dobro do percen-

tual registrado em Santa Catarina (13%),

o segundo colocado. Tal situação se ex-

plica pelo fato de o território fluminense

abrigar a maior capacidade instalada em

termelétricas do país. Contudo, é preciso

ressaltar que o Rio passou por crises de

abastecimento de água nesse período.

Os seis estados com maior retirada

de água para termoeletricidade – Rio,

Santa Catarina, São Paulo (11%), Pará

(9%), Maranhão (9%) e Pernambuco

(8%) – concentraram 72% da demanda

total, somando 79,5 m3/s, equivalente a

3,8% da retirada total.

Fonte: Manual de Uso Consuntivo da Água no Brasil

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13

Energia elétrica do futuro: qual o lugar do gás na Terra do Sol e do Vento?

Ex-subsecretária de Petróleo e Gás

Natural do estado do Rio de Janeiro, Ma-

ria Paula Martins acompanhou de perto

o desenvolvimento de projetos termoelé-

tricos no território fluminense, bem

como no Espírito Santo, onde foi direto-

ra-geral da Agência de Serviços Públicos

de Energia (ASPE). Ela chama a atenção

para uma mudança na localização de

UTEs a gás com o passar do tempo.

“Antes, os projetos buscavam pro-

ximidade com gasodutos. Nos últimos

anos, as termelétricas estão sendo insta-

ladas ou projetadas para locais próximos

aos polos de produção de gás natural.

Isso faz com que se privilegie áreas no

litoral, perto dos pontos de chegada do

gás offshore à costa e das UPGNs. Assim,

a captação da água de rios para resfria-

mento se daria após todas as retiradas

para outros usos”, lembra.

Mesmo assim, o documento elabora-

do pela ANA observou que “cerca de 100

UTEs efetivamente demandam volumes

de água significativos em seus processos

– totalizando cerca de 45% da capacida-

de instalada total”. E que “mesmo sendo

uma atividade de intensificação mais re-

cente, a retirada de água por UTEs, em

escala nacional, é superior à soma de to-

das as retiradas para mineração e abas-

tecimento humano no meio rural”.

O manual apontou que a entrada em

funcionamento de novas usinas e a con-

tinuidade da operação de UTEs em ope-

ração no momento do estudo faria com

que a demanda média dessas plantas al-

cançasse 93,7 m3/s em 2021. Novamen-

te, é preciso esclarecer que tal previsão

é anterior ao atual momento global de

pandemia da Covid-19, mas, como já dis-

semos, serve como um indicativo.

A característica de despacho das ter-

melétricas na matriz elétrica brasileira,

contudo – tanto para situações de baixa

dos reservatórios hidroelétricos como

para garantia das fontes eólica e solar

fotovoltaica –, pode alterar para mais a

retirada de água prevista pela ANA.

A agência assinala números de 2014

e 2015, quando a demanda termelétrica

superou 100 m3/s. Esses anos registra-

ram crises hídricas que afetaram a ge-

ração hidrelétrica e fizeram com que o

Operador Nacional do Sistema Elétrico

(ONS) acionasse mais as UTES. “Portan-

to, os cenários futuros de uso da água

pelas térmicas podem ser altamente

afetados pelas condições hidrológicas”,

reforça o manual.

Maria Paula Martins, Ex-subsecretária de Petróleo e Gás Natural do estado do Rio de Janeiro

"O sistema elétrico brasileiro sempre foi variável, mesmo

com as hidrelétricas, devido à diferença de regimes hídricos em todo o país. A garantia das usinas

eólicas é o sistema de transmissão brasileiro, que já desempenha

esse papel para as hidrelétricas."Maria Paula Martins, Ex-subsecretária

de Petróleo e Gás Natural do estado do Rio de Janeiro

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14

Textos Para Discussão (Intituto Escolhas)

7Termoelétricidade

63

Manual de Usos Consuntivos da Água no Brasil

1940 2017 2030

Figura 47 - Séries de Vazões 1931 a 2030 - Usinas Termelétricas

N

Destacam-se, em diferentes unidades da federação, demandas em municípios com concentração de termelétricas de maior porte, e que possuem alta va-riabilidade anual e intranual de acionamento. Observa-se no gráfico diversos anos de pico da demanda, os mais recentes em 2014 e 2015, em função de condições hidrológicas desfavoráveis para a geração hidroelétrica. Nas déca-das de 1930 e 1940 não havia retirada de água para esse uso no Brasil, tendo a série iniciado em 1954 na cidade de São Paulo.

Resultados detalhados de séries históricas de usos consuntivos, para todos os municípios, podem ser acessados em www.snirh.gov.br/usos-da-agua.

Vazões de Retirada por Município (m³/s)

0,0002 - 0,060,06 - 0,3

0,3 - 1,71,7 - 8,2

8,2 - 38,0

N

0

20

40

60

80

100

120

1931 1940 1949 1958 1967 1976 1985 1994 2003 2012 2021 2030

Va

zõe

s (m

³/s)

Ano

Retorno

Consumo

Retir

ada

+=

Maiores Vazões Retiradas (m³/s) por Município (2017) - Termelétricas

Ranking UF Município Vazão Retirada (m³/s)

1° RJ Rio de Janeiro 16,2462° SC Capivari de Baixo 10,6203° MA Imperatriz 7,0364° PE Ipojuca 6,6825° SP Mogi Guaçu 4,9896° ES Serra 4,8727° PA Barcarena 3,7508° AM Manaus 3,4689° RS Canoas 2,596

10° PA Oriximiná 2,206

Projeção

sem demanda

Voltemos à “Conjuntura dos Re-

cursos Hídricos no Brasil 2019”. O do-

cumento aponta o grande aumento

da demanda por uso de água no país

nas últimas duas décadas, que chegou

a 80%. E, até 2030, a previsão é que a

retirada de água para os mais variados

consumos aumente 26% (tomando

2018 como base).

O gráfico a seguir apresenta a de-

manda de água por região do país. Sua

apresentação se mostra importante

para o próximo ponto desta análise: os

conflitos envolvendo o uso da água en-

tre os segmentos agrícola, para irriga-

ção, e geração de energia elétrica, par-

ticularmente a termoeletricidade, para

resfriamento.

Fonte: Manual de Uso Consuntivo da Água no Brasil

Page 15: Energia elétrica do futuro: (Instituto Escolhas) qual o ... · 02. O Instituto Escolhas desenvolve estudos e análises sobre economia e meio ambiente para viabilizar o desenvolvimento

Capitulo 3 - Usos da Água

33

Os dados referentes a todos os municípios

do País, para os diferentes usos, entre

1931 e 2030, estão disponíveis em: https://bit.

ly/2UfoLu1

DEMANDA DE ÁGUA POR REGIÃO GEOGRÁFICA

0% 100%

REGIÃO SUL

REGIÃO SUDESTE

REGIÃO NORTE

REGIÃO NORDESTE

REGIÃO CENTRO-OESTE

MUNICÍPIOS DO BRASIL COM AS MAIORES RETIRADAS DE ÁGUA EM 2018 POR FINALIDADE (Em m³/s)

Belo Horizonte (MG)

Brasília (DF)

Salvador (BA)

Rio de Janeiro (RJ)

São Paulo (SP)

Santarém (PA)

Barcarena (PA)

Brasília (DF)

Petrolina (PE)

São José deRibamar (MA)

TelêmacoBorba (PR)

Mucuri (MA)

Três Lagoas (MS)

São Paulo (SP)

Rio de Janeiro (RJ)

Itabira (MG)

Congonhas (MG)

Nova Lima (MG)

Mariana (MG)

Paraupebas (PA)

Mogi Guaçu (SP)

Imperatriz (MA)

Rio de Janeiro (RJ)

Manaus (AM)

Capivari deBaixo (SC)

Ribas doRio Pardo (MS)

Marabá (PA)

Cáceres (MT)

Corumbá (MS)

São Félix doXingu (PA)

São Borja (RS)

Itaqui (RS)

Alegrete (RS)

Santa Vitóriado Palmar (RS)

Uruguaiana (RS)

40,50

24,67

8,08

7,99

7,05

7,67

3,01

2,55

2,04

1,90

24,25

23,44

22,65

21,25

16,99

0,16

0,10

0,09

0,09

0,08

18,77

14,47

11,68

6,04

4,99

5,09

5,02

3,45

2,01

1,63

1,37

1,08

0,69

0,68

0,66

AbastecimentoUrbano

Irrigação

Indústria

AbastecimentoRural

Termelétrica

Uso Animal

Mineração

As escalas variam conforme a finalidade

15

Energia elétrica do futuro: qual o lugar do gás na Terra do Sol e do Vento?

Fonte: Manual de Uso Consuntivo da Água no Brasil

Page 16: Energia elétrica do futuro: (Instituto Escolhas) qual o ... · 02. O Instituto Escolhas desenvolve estudos e análises sobre economia e meio ambiente para viabilizar o desenvolvimento

16

Textos Para Discussão (Intituto Escolhas)

O mapa a seguir ilustra o índice de se-

gurança hídrica no Brasil, de acordo com a

ANA. Em relação a esse mapa, o “Conjun-

tura” assinala que “as regiões do País con-

sideradas mais críticas são aquelas com

indicadores mais expressivos de dimen-

sões humana e econômica. Concentram

54,8 milhões de pessoas e potencial eco-

nômico de R$ 357 milhões por ano – pro-

jeção para 2035, sem as ações propostas

pelo Plano Nacional de Segurança Hídrica

(PNSH), lançado em abril de 2019.”

Uma breve análise do mapa mostra

que o Nordeste é região brasileira com

os menores índices de segurança hídrica

(mínimo e baixo) dentre todas. Também

é possível observar baixos níveis de se-

gurança na região metropolitana do Rio

de Janeiro e no extremo sul do país.

Nessas situações, em regiões litorâ-

neas, uma das soluções possíveis seria a

utilização de água do mar dessalinizada

para o resfriamento termoelétrico, como

ocorre no Complexo Termonuclear de

Angra dos Reis (RJ). Entretanto, como

ainda se trata de uma tecnologia relati-

vamente cara, há preocupação com a

competitividade de projetos que optem

por essa solução.

Voltando novamente o olhar para a

região Nordeste, porém, é possível que

a melhor solução não seja a expansão

termelétrica, mas sim um aproveitamen-

to maior do regime de ventos e solar da

região. A “intermitência” dessas fontes

– ou melhor dizer “variabilidade” – seria

compensada por um velho conhecido

do setor elétrico brasileiro: o sistema de

transmissão.

“A intermitência no sistema elétrico

brasileiro sempre existiu, mesmo com

as hidrelétricas. A época de reservató-

rios hídricos cheios na região Sul é a de

reservatórios mais secos no Nordeste, e

vice-versa. Então, o Sistema Interligado

Nacional já servia para equalizar essa

diferença. As usinas eólicas precisam de

complementação, que é feita com tér-

micas, e essa complementação tem de

usar o grid de transmissão, como já se

faz para as hidrelétricas”, destaca Maria

Paula Martins.

Fonte: Manual de Uso Consuntivo da Água no Brasil

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17

Energia elétrica do futuro: qual o lugar do gás na Terra do Sol e do Vento?

Quanto vale a água?Em 2019, a PSR desenvolveu outro estu-

do em parceria com o Instituto Escolhas:

“Setor elétrico: como precificar a água

em um cenário de escassez?”. A metodo-

logia e os resultados mostram a neces-

sidade de Governo, agentes e sociedade

debaterem a necessidade de estabelecer

a água como insumo e a promover a ado-

ção de mecanismos de preço, a partir da

análise de três casos de conflito e dispu-

ta pelo recurso hídrico. Quais os fatores

que geram os conflitos entre os diversos

usos da água no país?

Como já mencionado, o Brasil ocu-

pa uma posição privilegiada em relação

aos recursos naturais. O país detém 12%

da água doce do planeta. Então, por que

estamos vivendo problemas de abaste-

cimento nos últimos anos, em variados

segmentos consuntivos?

A resposta mais óbvia, e que tem

sido amplamente divulgada, aponta para

problemas relacionados às mudanças

climáticas. A crise climática global vem

alterando o regime pluviométrico do

país, afetando nossos recursos hídricos

e, consequentemente, a disponibilidade

de água para consumo.

Contudo, o estudo mostra que, além

do resultado de impactos ambientais, os

conflitos relacionados ao uso da água,

em particular pelo setor elétrico brasilei-

ro, têm sido causados por falta de plane-

jamento. Ou seja, não se trata de proble-

mas estruturais, mas sim de impasses

conjunturais, que podem ser resolvidos –

ou minimizados – com gestão eficiente.

“A água é insumo para todas as ati-

vidades humanas: geração de energia,

produção agrícola e industrial, abasteci-

mento de cidades e áreas rurais e manu-

tenção dos ecossistemas de uma bacia.

A boa gestão da água deve abranger e

compatibilizar todos esses usos para que

sua exploração seja sustentável”, aponta

o relatório da pesquisa.

Duas falhas conjunturais são apre-

sentadas. Uma delas é o monitoramento

dos recursos hídricos no Brasil, que ain-

da carece de dados em diferentes áreas,

como informações mais precisas sobre

precipitações e retiradas, consumo e

retorno da água. A outra acaba sendo

resultado da primeira: o lapso de dados

causa problemas na valoração e na pre-

cificação da água. Para o setor elétrico,

isso pode provocar tanto encargos extras

na tarifa paga pelo consumidor como até

mesmo impedir a geração, comprome-

tendo o abastecimento elétrico.

O estudo analisa três casos: a Bacia

do rio Jaguaribe, no Ceará, onde foram

instaladas as termelétricas Pecém I e II,

a carvão mineral; a Bacia do rio São Fran-

cisco, nas regiões Sudeste e Nordeste,

que abriga UTEs a bagaço de cana, bio-

massa, biogás e óleo diesel e tem proje-

tos a gás natural com instalação prevista;

e o caso da hidrelétrica de Belo Monte,

implantada no rio Xingu, no Pará. Neste

trabalho, vamos nos ater à situação das

termelétricas cearenses, por estarem na

região brasileira de maior criticidade hí-

drica, o Nordeste.

Pecém I, com potência de 720 MW,

entrou em operação comercial em 2012.

No ano seguinte, deu a partida Pecém

II, de 365 MW. As duas usinas foram

contratadas nos leilões de energia no

ambiente regulado A-5 de 2007 e 2008,

respectivamente. As plantas, instaladas

no Complexo Industrial e Portuário do

Pecém, na região metropolitana de For-

taleza, capital do Ceará, são abastecidas

por carvão mineral importado da Colôm-

bia e desembarcado no porto vizinho.

“As UTES de Pecém foram conside-

radas conectadas do ponto de vista da

água ao açude Castanhão, localizado na

bacia do Rio Jaguaribe (SIRH/CE, 2012)

[...]. Castanhão é o maior açude para

múltiplos usos do Brasil, sendo a priori-

dade o abastecimento à área metropoli-

tana de Fortaleza, onde vive quase meta-

de da população do estado. Outros usos

que abastece o açude são a irrigação,

piscicultura e regularização da vazão do

Rio Jaguaribe”, explica o estudo.

Embora as usinas utilizem o sistema

"Resultado de impactos ambientais, os conflitos

relacionados ao uso da água, em particular pelo setor elétrico

brasileiro, têm sido causados por falta de planejamento. Ou

seja, não se trata de problemas estruturais, mas sim de impasses

conjunturais, que podem ser resolvidos – ou minimizados

– com gestão eficiente".

Page 18: Energia elétrica do futuro: (Instituto Escolhas) qual o ... · 02. O Instituto Escolhas desenvolve estudos e análises sobre economia e meio ambiente para viabilizar o desenvolvimento

18

Textos Para Discussão (Intituto Escolhas)

de resfriamento fechado úmido (WCT),

cuja retirada de água é bem menor que a

de plantas em ciclo aberto, seu consumo

é bem maior – cerca de 75% do volume

retirado –, portanto, com pouco retorno

de água. Devido à proximidade com o li-

toral, o licenciamento das plantas pode-

ria ter exigido o uso de água do mar des-

salinizada. Mas isso não ocorreu.

Em 2016, o governo cearense pro-

mulgou a Lei no 16.103, que criou a tarifa

de contingência pelo uso dos recursos

hídricos em período de situação crítica

de escassez hídrica, chamada de “co-

brança de Encargo Hídrico Emergencial”

(EHE). O encargo foi estabelecido pouco

antes da grave crise hídrica registrada

em 2017 pelo Castanhão, quando seu vo-

lume foi reduzido a 5% de sua capacida-

de – o pior cenário desde 2002, quando

o açude entrou em operação.

A última EHE (Decreto nº 32.305 de

11 de agosto de 2017) observada na pes-

quisa indicou valores entre R$ 2,067 e

3,101 por m3 de água consumida. Esses

números incidiriam sobre o consumo de

água no período subsequente – de se-

tembro de 2017 a agosto de 2018.

A EHE foi cobrada de Pecém I e II, mas

seu repasse ao custo da energia foi proibi-

do pela Agência Nacional de Energia Elé-

trica (Aneel). Contudo, ações judiciais ga-

rantiram o repasse da cobrança adicional,

que equivaleu a um valor extra de R$ 148

milhões nas contas de energia de todos

os consumidores do país entre setembro

de 2016 e agosto de 2019. Cobrança que

poderia ter sido evitada, caso houvesse

uma correta precificação da água, com

base no nível de criticidade da Bacia do

Jaguaribe, sugere o estudo.

Bacia do rio Jaguaribe

Nível de Criticidade R$/m3 Referência

Excelente 0.0135 Preço Público Unitário mínimo CBH Ceará

Confortável 0.778 25% do intervalo

Preocupante 1.556 50% do intervalo

Crítico 2.333 75% do intervalo

Muito crítico 3.101 Taxa de Encargo Emergencial no Estado do Ceará

O principal uso da água nessa bacia é a irrigação, que responde por 73% da demanda. Verifica-se uma forte relação entre o aumen-

to do uso do água e o aumento dos ganhos com a produção agrícola (R$ 100 milhões).

Vista área do ComplexoTermelétrico do PecémArquivo Eneva

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19

Energia elétrica do futuro: qual o lugar do gás na Terra do Sol e do Vento?

O estudo do Instituto Escolhas/PSR simulou “o custo de oportunidade desse insumo em uma situação de escassez na bacia. O

custo de oportunidade é a relação entre escolha e renúncia do melhor uso e do maior benefício financeiro do recurso hídrico” – no caso,

o agrícola.

Usos da água da bacia do rio Jaguaribe

Fonte: Com base no Manual de Usos Consuntivos da Água no Brasil. Brasília: ANA, 2019.

0

5,00 0

10, 000

15,0 00

20,0 00

25,000

30,0 00

35,000

40,0 00

45,000

1970 1972

1974

1976

1978

1980

1982

1984

1986

1988

1990

1992

1994

1996

1998

2000

2002

2004

2006

2008

2010

2012

2014

2016

2018

2020

2022

2024

2026

2028

2030

m3/

s

Irrigação Urbano Criação TermelétricaOutros

A proposta é que “a cobrança pelo

uso dos recursos hídricos pelas termelé-

tricas seja equivalente ao nível de critici-

dade da fonte hídrica que a abastece. O

valor mínimo adotado é o Preço Público

Unitário (PPU) (determinado pelos Co-

mitês de Bacias Hidrográficas) para a

cobrança do uso do recurso hídrico defi-

nido para cada bacia e o valor máximo é

o Encargo Hídrico Emergencial, adotado

pelo estado do Ceará durante a crise hí-

drica de 2017. Os valores intermediários

são frações proporcionais ao intervalo

entre o valor mínimo e máximo”.

Variação do Custo de Oportunidade da Água Jaguaribe (R$/m3)

Alto Jaguaribe 0.43 - 4,56

Salgado 0,19 - 1,28

Banabuiú 0,66 - 4,61

Médio Jaguaribe 0,28 - 1,38

Baixo Jaguaribe 0,52 - 1,21

Bacia do Jaguaribe 0,38 - 1,59

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20

Textos Para Discussão (Intituto Escolhas)

Do consumidor ou “prossumidor”?Voltemos ao PDE 2029. O estudo faz a

seguinte observação em relação à ge-

ração termelétrica: “Cabe lembrar que

existem medidas de redução do consu-

mo de água na geração de energia que

podem evitar tais conflitos e, assim, per-

mitir que a expansão termelétrica ocor-

ra sem prejudicar a população e demais

usuários. Dentre essas medidas, pode-

-se citar o uso de fontes alternativas

(água do mar, por exemplo), reuso da

água e emprego de tecnologias de

resfriamento a ar ou sistemas híbri-

dos ar-água (grifo nosso).”

Já existem, portanto, opções tec-

nológicas capazes de diminuir o consu-

mo hídrico dos projetos termoelétricos.

Algumas usinas já implantadas no país

vêm caminhando nesse sentido. Seja no

uso de refrigeração a ar, seja no aprovei-

tamento de água do mar nesse processo.

Contudo, a observação de temas

socioambientais feita pelo PDE, os docu-

mentos da ANA e os estudos do Instituto

Escolhas/PSR chamam a atenção para a

região Nordeste. É, de fato, preocupante

que parte da expansão termelétrica pre-

vista para o país considere a implantação

de projetos na região com o uso de águas

fluviais ou lacustres. Tanto pelo risco de

se aumentar as tarifas de energia elétri-

ca inicialmente propostas nos leilões de

contratação de energia no ambiente re-

gulado, devido a custos extras pelo uso

da água, como o demonstrado no caso

das UTES Pecém I e II, como pela possi-

bilidade de essas plantas não consegui-

rem gerar no momento em que são acio-

nadas pelo ONS por falta de água.

Especialistas consultados para a

elaboração deste trabalho sugerem ser

crucial que a expansão termelétrica seja

mais bem detalhada no momento da

contratação desses projetos nos certa-

mes centralizados, prevendo inovações

tecnológicas e/ou sustentáveis. Como

os benefícios ambientais ainda não são

corretamente valorados nos leilões, as

inovações tendem a encarecer o valor

da tarifa e tirar a competitividade dessas

plantas diante de outros projetos menos

elaborados. Assim, é preciso garantir es-

paço para esses projetos inovadores no

momento da contratação.

Exemplo disso é citado pelo estudo

do Instituto Escolhas/PSR que aponta

que metade das UTEs instaladas na Chi-

na usam refrigeração a ar – certamente

atendendo à demanda do planejamento

energético daquele país.

“Chegou-se a fazer, no planejamen-

to, uma macrolocalização para identi-

ficar regiões de maior estresse hídrico.

Mas é possível instalar uma termelétri-

ca em qualquer lugar, já que o sistema

elétrico brasileiro está suficientemente

desenvolvido e interligado para impedir

restrições locacionais desses projetos.

Assim, considerar o uso da água ou ino-

vações tecnológicas para redução de im-

pacto vai ser mais importante na fase de

projeto de engenharia e de licenciamen-

to ambiental do que no momento de se

pensar como fazer a expansão da oferta

elétrica”, opina uma fonte do setor que já

atuou no planejamento energético.

Nos casos de projetos que utilizem

água em seus sistemas de refrigeração,

faz-se necessário garantir a correta pre-

cificação do uso da água para a termoele-

tricidade, considerando os demais usos

consuntivos. Para que isso ocorra, desta-

ca o estudo do Instituto Escolhas/PSR, é

preciso “melhorar o monitoramento da

água, com planejamento e gestão efetiva

de todos os dados relativos às retiradas,

uso e retorno”. O monitoramento correto

exige, entre outras ações, a reconstitui-

ção das séries de vazões; a ampliação

das medições das precipitações, tanto

em quantidade como em distribuição

geográfica/espacial; a criação de uma

base de dados oficial sobre o tipo de sis-

tema de resfriamento de cada termelé-

trica, já que a quantificação desse setor

é limitada; e, sobretudo, evitar áreas hi-

drologicamente críticas na instalação de

UTEs com resfriamento à base de água.

Outra recomendação de especia-

listas aponta para a localização dos no-

vos projetos termoelétricos. Para evitar

estresse hídrico, o ideal é que as usinas

sejam instaladas próximo ao litoral, com

o uso de água do mar para resfriamento.

Tal medida também se mostra impor-

tante pela oferta de gás natural. Seja pe-

las reservas do Pré-sal e pela expansão

dos investimentos a partir do Novo Mer-

cado de Gás, seja pela regaseificação

de GNL – independentemente do que

o futuro pós Covid-19 afete nos planos

quanto a esses recursos.

Portanto, o debate do lugar do gás em

uma transição energética para uma eco-

nomia com baixa emissão de GEE, passa

pelo desafio do planejamento indicar com

"Dentre essas medidas, pode-se citar o uso de fontes alternativas

(água do mar, por exemplo), reuso da água e emprego de

tecnologias de resfriamento a ar ou sistemas híbridos ar-água.”

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21

Energia elétrica do futuro: qual o lugar do gás na Terra do Sol e do Vento?

precisão esse papel em nossa matriz, que

sinalize o horizonte de tempo da sua per-

manência nessa condição, e como se faz

efetivamente a sua substituição, ainda

que gradativa, por outras fontes.

Para que isso aconteça, é preciso

também desconstruir alguns conceitos

associados a fontes renováveis. Um de-

les, que vem sendo amplamente utiliza-

do, é o de “intermitência”. Sabe-se que

as fontes eólica e solar têm limitações e

não podem ser acionadas apenas pela

necessidade dos consumidores. Mas

isso também vale para as hidrelétricas,

sobretudo para plantas a fio-d´água, que

dependem dos regimes hídricos, e para

para as termelétricas a gás natural, que

precisam de infraestrutura de transpor-

te, liquefação, armazenamento e rega-

seificação, sem contar com garantia de

suprimento do energético.

Diante de um quadro que aponta

para uma flexibilidade cada vez maior

no uso das variadas fontes, parece ser

mais proveitoso considerá-las sob uma

perspectiva de variabilidade, e não de

intermitência. “Todas as fontes são va-

riáveis. Os sistemas hoje já são flexíveis e

o serão cada vez mais. A energia hídrica,

que é variável, ainda assim é considerada

como de base. Ela depende de um siste-

ma que é sazonal. A mesma lógica vale

para a energia eólica, que é variável, e não

intermitente. Já sabemos a estabilidade

que ela dá ao sistema elétrico brasileiro,

complementando a geração hidrelétrica.

A fonte térmica também é variável, por-

que está sujeita a questões logísticas e

de suprimento”, reforça Sergio Leitão, do

Instituto Escolhas.

A inovação tecnológica, que vem

avançando a passos largos, também joga

por terra o conceito de “intermitência” e

mesmo o de garantia da geração a gás

natural. Por um lado, os debates sobre

transição energética mostram a tendên-

cia de barateamento de baterias, tanto

de pequeno como de grande porte, para

armazenar a eletricidade produzida pelas

fontes renováveis – o próprio PDE 2029

considera a inserção de baterias íon-lítio

a partir de 2024. Por outro, o desenvolvi-

mento de novas alternativas para liquefa-

ção, armazenamento e regaseificação do

gás natural pode tornar obsoleta toda a

estrutura atual para esse energético, exi-

gindo novos – e caros – investimentos.

Na esteira do gás natural de origem

fóssil, surge outra possibilidade para

atender a demandas regionais e locais

de energia: o biogás. Oriundo de matéria

orgânica, esse biocombustível pode ser

utilizado tanto para geração de energia

elétrica como para sua conversão em

biometano, substituindo o gás natu-

ral veicular (GNV) e deslocando outros

combustíveis fósseis, como o óleo diesel.

Como ilustra o PDE 2029, “este in-

sumo energético é rico em metano, cujo

poder calorífico é similar ao do gás na-

tural. Assim, uma das possíveis rotas de

sua utilização é em turbinas aeroderivati-

vas ou em motores para geração elétrica.

Diversos são os substratos que

podem ser utilizados para produção

de biogás, sendo os oriundos do setor

agroindustrial (sobretudo sucroener-

gético) os que têm maior potencial no

cenário nacional, além dos resíduos ani-

mais e urbanos.”

De acordo com o relatório “The

Outlook for Biogas and Biomethane”, pro-

duzido em março pela Agência Interna-

cional de Energia (IEA, para a sigla em

inglês), o correto aproveitamento do lixo

orgânico pode fazer com que o biogás e

o biometano supram 20% da demanda

global por gás natural. O que também

seria útil para diminuir a pegada de car-

bono do gás natural, “evidenciando uma

sinergia positiva ente o combustível fós-

sil e o renovável”, aponta o PDE 2029.

As fontes renováveis de energia

elétrica também ganham destaque em

outro segmento considerado no plane-

jamento energético brasileiro: a geração

distribuída. Nos últimos anos, essa for-

ma de produção de eletricidade cresceu

exponencialmente no Brasil, estimulada

pela Resolução Normativa (REN) 482,

editada pela Aneel em 2012. E, embora o

órgão regulador esteja propondo a revi-

são das isenções tarifárias concedidas a

essa modalidade, seu crescimento – que

reforça a figura do “pro-sumidor”, ou seja,

o consumidor que produz sua própria

energia –, ainda que talvez diminua seu

ritmo, deve continuar.

Se a expansão hidrelétrica tende a

diminuir diante da escassez de novos

aproveitamentos, por restrições so-

cioambientais, é preciso considerar uma

alternativa a partir das plantas já em

operação: a repotenciação. O PDE 2029

considera como “conjunto de usinas ele-

gíveis à repotenciação aquelas com pelo

menos 25 anos de operação e potência

instalada superior a 100 MW, desconsi-

"Diante de um quadro que aponta para uma flexibilidade cada vez maior

no uso das variadas fontes, parece ser mais proveitoso considerá-las

sob uma perspectiva de variabilidade, e não de intermitência."

Page 22: Energia elétrica do futuro: (Instituto Escolhas) qual o ... · 02. O Instituto Escolhas desenvolve estudos e análises sobre economia e meio ambiente para viabilizar o desenvolvimento

22

Textos Para Discussão (Intituto Escolhas)

derando aquelas que já sofreram eficien-

tização e tiveram por resultado o recál-

culo das suas garantias físicas. Estima-se

que o potencial brasileiro de repotencia-

ção é de cerca de 50 GW, distribuído em

51 usinas em todos os subsistemas”.

Continua o texto: “Em ações de reca-

pacitação é admissível que se encontrem

possibilidades de incrementos técnicos

que resultem também em aumento da

capacidade nominal instalada. Goldberg

(2011) em estudo do Banco Mundial co-

loca ganho típico de capacidade de 12%.

Já EPRI (2000) admite ganhos típicos de

5 a 20% na potência instalada. Conside-

rando esta informação em conjunto com

o potencial brasileiro de repotenciação,

teríamos cerca de 2,5 GW a 10 GW de

estimativa de incremento de potência no

País”. Potência nada desprezível diante

das projeções de necessidade elétrica.

Em um horizonte de prazo maior,

pode-se considerar ainda inovações tec-

nológicas que podem agregar mais capa-

cidade instalada à matriz elétrica brasilei-

ra. Por exemplo - já presente em outros

países do mundo, são as eólicas offshore.

O PDE 2029 considera a instalação de

eólicas offshore no Brasil a partir de 2027,

mas ressalta que essa tecnologia ainda

apresenta custos elevados. Apesar disso,

“a evolução da maturidade desta tecnolo-

gia a nível mundial, o desenvolvimento de

estudos técnico-econômicos e socioam-

Sergio Leitão, diretor executivo do Instituto Escolhas

bientais, bem como os avanços regulató-

rios no Brasil, podem alterar a competiti-

vidade e permitir o aproveitamento desta

tecnologia nos próximos Planos, trazendo

importantes benefícios futuros ao siste-

ma elétrico”, conclui a EPE.

Sabemos da impossibilidade de

qualquer planejamento de prever o fu-

turo. Por isso, o PDE frisa a necessidade

de revisão constante das premissas, que

vão alterar também as indicações.

Em um contexto de crescente

pressão dos agentes econômicos para

ampliar a exploração do gás natural no

país e do entendimento de que caberá

ao setor elétrico absorver parte signi-

ficativa dessa expansão, é importante

que se possa discutir o impacto dessa

medida, em especial na limitação da

oferta das fontes renováveis.

A pressão dos agentes econômi-

cos por essa ampliação se expressa

no programa federal Novo Mercado

de Gás e no Plano Decenal de Energia

2029, que dá importância significati-

va às térmicas a gás na expansão da

matriz elétrica. Dos 60 GW de expan-

são da capacidade instalada prevista

“A região [Nordeste] é uma espécie de ‘OPEP’ do vento, mas não se está dando a devida valoração financeira a isso. Assim, será mesmo preciso trocar a expansão eólica na região

por termelétricas, que vão exigir uma infraestrutura de abastecimento

ou importação de gás?”Sergio Leitão, diretor executivo

do Instituto Escolhas

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Energia elétrica do futuro: qual o lugar do gás na Terra do Sol e do Vento?

no PDE 2029, mais de 23 GW deverão

vir de térmicas a gás, incluindo novas

usinas e o retrofit de usinas existen-

tes. O PDE 2029 também identifica a

possibilidade do preço internacional

do GNL permanecer mais competitivo

do que parte significativa da produção

nacional, colocando em questão a ne-

cessidade de se investir na expansão

da exploração do gás natural no país

(o que poderá se tornar um fator de

risco ainda maior, em razão da queda

dos preços do petróleo com a crise da

Covid-19).

A expansão da participação de ter-

melétricas movidas a gás natural na

matriz elétrica brasileira está cercada

por incertezas e fatores de riscos. O

maior desses riscos é o do aumento

das emissões de GEE pelo setor elétri-

co, um claro retrocesso na transição

para zerar as emissões do setor. O

aprofundamento da crise climática e a

possível adoção de uma precificação

das emissões de carbono no médio

prazo traz incertezas quanto a obso-

lescência dessas térmicas e sobre os

seus reais custos. Outro risco evidente

diz respeito a capacidade competitiva

do gás natural nacional, se considera-

dos o volume de investimentos neces-

sários para a expansão dessa oferta

(gasoduto e portos de regaseificação),

seu retorno financeiro de longo prazo

e a oferta abundante em face dos pre-

ços internacionais do produto. Adicio-

nalmente, há a incerteza sobre a viabi-

lidade econômica do preço da energia

gerada pelas térmicas a gás natural

se considerados seus diferentes usos

pelo setor elétrico (parcial ou como re-

serva de energia).

Assim, se antes mesmo da crise da

pandemia já era evidente a necessida-

de de se injetar uma dose maciça de

moderação para conter a euforia com

que se faziam as previsões dos investi-

mentos na expansão do gás em nossa

matriz elétrica, isso agora se tornou

imprescindível em razão do quadro

absoluto de desarranjo da economia

mundial, evitando que decisões es-

tratégicas para o futuro do país sejam

tomadas sem levar em conta todos

os fatores de riscos para uma correta

avaliação dos seus impactos.

Page 24: Energia elétrica do futuro: (Instituto Escolhas) qual o ... · 02. O Instituto Escolhas desenvolve estudos e análises sobre economia e meio ambiente para viabilizar o desenvolvimento

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