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A Luta pela Proteção dos Vertebrados Terrestres 48 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL BIODIVERSIDADE MURIQUI-DO-SUL, ou mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides), maior primata do continente americano, original da Mata Atlântica (aqui na Estação Biológica de Caratinga, em Minas Gerais). Em “perigo crítico”, é um dos mais ameaçados ENDEMISMO AMEAÇADO

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A Luta pelaProteção dos Vertebrados Terrestres

48 SCIENTIFIC AMERICAN BRASIL BIODIVERSIDADE

MURIQUI-DO-SUL, ou mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides), maior primata do continente americano, original da Mata Atlântica (aqui na Estação Biológica de Caratinga, em Minas Gerais). Em “perigo crítico”, é um dos mais ameaçados

ENDEMISMO AMEAÇADO

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Enorme complexidade, conhecimento científi co ainda limitado e fragilidade de algumas áreas de endemismo prejudicam a preservação de patrimônio natural

Os vertebrados terrestres, ou tetrápodes, são animais caracterizados pela presença de quatro membros com dedos nas extremidades. Surgiram na Terra no período Devoniano, há cerca de 360 milhões de anos, a

partir de um grupo de peixes com nadadeiras lobadas, conhecidos como sar-copterígeos. Os vertebrados terrestres atuais, representados pelos anfíbios, rép-teis, aves e mamíferos, são um grupo extremamente diversifi cado, com algo em torno de 21 mil espécies e grandes variações morfológicas, que ocupam uma ampla gama de ambientes.

O Brasil, com área de aproximadamente 8,5 milhões de km2 e seis grandes biomas terrestres, disputa com a Indonésia o primeiro lugar em biodiversidade de vertebrados terrestres em todo o planeta. Estima-se que no país ocorram 14% de todas as espécies de anfíbios conhecidas, 9% dos répteis, 18% das aves e 12% de todos os mamíferos.

A informação científi ca disponível para cada um dos grupos de tetrápodes é bastante heterogênea. Enquanto o conhecimento sobre aves e mamíferos tem um grande avanço nos últimos anos, pouco se sabe sobre aspectos de ecologia, biologia e ameaças para a maioria das espécies de anfíbios e répteis. Essa discre-pância de informações explica parte das marcantes diferenças no número de espécies ameaçadas de extinção em cada grupo.

Herpetofauna é o conjunto de espécies de anfíbios e répteis presentes em determinada região. Em função de exigências fi siológicas, reprodutivas e ali-mentares, os ambientes fl orestais tropicais costumam reunir maior diversidade herpetofaunística, em comparação com regiões dominadas por desertos, cam-pos naturais, campos agrícolas, caatingas, cerrados, pampas e fl orestas não tropicais. Ainda assim, anfíbios e répteis estão presentes com muitas espécies em quase todas as regiões da América do Sul – com exceção apenas ao do am-biente marinho para os anfíbios, que não sobrevivem na água salgada. Com essa variedade de biomas e a maior parte de seu território situada entre a linha do equador e o trópico de Capricórnio, não é surpresa que o Brasil disponha de extraordinária riqueza herpetofaunística.

POR ADRIANO P. PAGLIA, RENATO S. BÉRNILS E PEDRO F. DEVELEY

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No caso dos répteis, o Brasil ocupa a segunda posição entre os países com maior diversidade de espécies (721), atrás da Austrália (865 es-pécies), mas à frente dos demais países tropi-cais grandes e megadiversos, como México, Índia, Colômbia, Indonésia e Peru. Mas esses valores estão subestimados; no ritmo em que avança o conhecimento sobre nossa herpeto-fauna, muito em breve o Brasil poderá se reve-lar abrigo da mais rica fauna de répteis do pla-neta. Desde 2000 até agora, aqui foram descritas 88 novas espécies de répteis (12% do total), quase todas endêmicas. Essas descober-tas recentes representam ritmo médio de uma nova espécie descrita a cada 45 dias. Poucas partes do mundo mostram ritmo de cresci-mento recente tão acelerado.

Em relação à diversidade de anfíbios, o Brasil ocupa a primeira colocação mundial (875 espécies registradas até agora), com fol-ga para o segundo colocado, a Colômbia (660 espécies). Nos últimos dez anos foram descritos 153 novos anfíbios no Brasil (17,5% do total atual), o que representa uma nova espécie descrita a cada 24 dias. Man-tendo-se esse compasso, em sete ou oito anos o país chegará a mil anfíbios registrados para seu território, cifra impressionante para qualquer grupo animal em qualquer lugar do mundo. E ainda estaremos longe das esti-mativas que, no Brasil, fazem os pesquisado-res de anfíbios.

Pelo menos duas famílias de anuros têm distribuição fortemente centrada no Brasil, ou seja, 100% de suas espécies ocorrem aqui, ain-da que algumas sejam compartilhadas com Argentina e Paraguai: Brachycephalidae (sa-pos-pingo-de-ouro), com 44 espécies, e

Hylodidae (rãs-de-riacho), com 42 espécies. E a quantidade de gêneros endêmicos do Brasil, não apenas nessas duas famílias, é de enorme magnitude. Também chama a atenção a enor-me diversidade de anfíbios exibida por deter-minadas localidades. Especialmente na Ama-zônia e na Mata Atlântica, não é raro encontrar entre 60 e 80 espécies compartilhando a mes-ma região, e um estudo recente realizado no Acre registrou 126 espécies de anfíbios numa única unidade de conservação.

A grande diversidade herpetofaunística do Brasil contrasta com a modesta quantidade de espécies nacionalmente reconhecidas como extintas (um anfíbio) ou ameaçadas de extin-ção (15 anfíbios e 20 répteis). Esses valores estão subestimados e certamente aumentarão após revisão dos especialistas que elaboraram as primeiras listas nacionais de espécies amea-çadas. Mas, mesmo que esses números do-brem, mal atingirão 4% de toda a diversidade herpetofaunística nacional. Isso não signifi ca que o país se encontre em situação cômoda, pois é preocupante considerar que estão sob ameaça 4% das espécies da maior diversidade herpetofaunística do mundo. Mas, se compa-

rarmos aos valores registrados para aves e ma-míferos, veremos que as condições de anfíbios e répteis são menos alarmantes.

As maiores ameaças à herpetofauna brasi-leira se concentram nos biomas Mata Atlânti-ca e Cerrado e resultam principalmente de perda e degradação de hábitat. Situações críti-cas ocorrem nas restingas (para lagartos) e matas de baixada litorânea (para anfíbios e serpentes) da Bahia ao Rio Grande do Sul, em ilhas do litoral paulista (para serpentes e anfí-bios), nos remanescentes de cerrado e campos rupestres de São Paulo e Minas Gerais (para lagartos e serpentes), em riachos e afl oramen-tos rochosos das serras dos Órgãos, Manti-queira, Bocaina e Caparaó (para todos os gru-pos) e em corpos d’água diversos, sobretudo na região Sudeste (para anfíbios e cágados). Casos emblemáticos, de preocupação extre-ma, envolvem a perereca Hypsiboas cymba-lum, descrita em 1963 a partir de exemplares obtidos na região metropolitana de São Paulo (hoje densamente habitada) e nunca mais en-contrada, provavelmente extinta; ou o cágado Mesoclemmys hogei, habitante de rios de Mi-nas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro que cortam áreas densamente habitadas e estão muito poluídos, sem vegetação marginal e par-cialmente represados.

Campos do Sul e CaatingaIsso tudo sem contar que também há ameaças graves ocorrendo nos Campos Sulinos e na Ca-atinga. Estudos recentes identifi caram situa-ções sérias envolvendo anfíbios e répteis mes-mo em biomas menos descaracterizados, como Pantanal e Amazônia. As principais praias de desova de tartarugas marinhas são protegidas e fi cam do norte fl uminense para cima. Con-tam com programas de reconhecimento, salva-mento e monitoramento das ninhadas, a cargo do Projeto Tamar desde 1980, mas isso não impede que adultos e jovens das cinco espécies

■ O Brasil disputa com a Indonésia o primeiro lugar em biodiversidade de vertebrados terrestres. Estima-se que no país ocorram 14% de todas as espécies de anfíbios conhecidas, 9% dos répteis, 18% das aves e 12% de todos os mamíferos.

■ No caso dos répteis, o Brasil ocupa a segunda posição (721 espécies), atrás da Austrália (865), mas à frente dos demais países tropicais grandes e megadiversos, como México, Índia, Colômbia, Indonésia e Peru.

■ Em relação à diversidade de anfíbios, o Brasil ocupa a primeira posição (875 espécies) já regis-tradas, com folga para o segundo colocado, a Colômbia (660 espécies).

■ Parcela considerável da fauna de aves está ameaçada de extinção. A expansão do agronegócio no Brasil Central e a perda de extensas áreas de Cerrado fazem com que este seja o segundo bioma brasileiro em número de aves ameaçadas.

■ De acordo com a lista ofi cial das espécies de animais ameaçados de extinção no Brasil, 66 mamí-feros estão em vias de desaparecimento, com 40 deles na categoria “vulnerável”, 11 na condição de “em perigo” e 18 na mais elevada delas: “criticamente em perigo”.

Conceitos-chave

PATRIMÔNIO BIODIVERSO

GRUPO BRASIL MUNDO POSIÇÃO DO BRASIL

Anfíbios 875 6.200 1o

Répteis 721 8.750 2o

Aves 1.834 9.991 3o

Mamíferos 680 5.416 1o

Total Tetrápodes 4.092 30.357 1o ou 2o

Estimativas do número de espécies de vertebrados terrestres no Brasil e no mundo

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os últimos exemplares das aves mais raras em todo o país, como o “criticamente em perigo” limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi). Atualmente as duas únicas localidades onde a espécie pode ser encontrada são a Estação Ecológica de Murici (Alagoas) e a serra do Urubu (Pernambuco). O mutum-do-nordeste (Pauxi mitu) também ocorria nas matas dessa região, mas essa espécie já foi extinta na Na-tureza, restando apenas indivíduos mantidos em cativeiro, que representam a esperança de ser reintroduzidos nos fragmentos fl orestais remanescentes.

Impacto do AgronegócioA expansão do agronegócio no Brasil Central e a consequente perda de extensas áreas de Cerrado fazem com que este seja o segundo bioma do Brasil em número de aves ameaça-das. Entre as diferentes fi sionomias vegetais do Cerrado, as áreas abertas (campo limpo, cam-po sujo e campo cerrado) são as mais propícias para o desenvolvimento da agricultura, já que são planas e o solo apresenta condições sa-tisfatórias de drenagem, propiciando a im-plementação de extensas lavouras com alta mecanização. Em consequência, quase me-

que ocorrem em nosso litoral sejam vítimas diárias de redes de pesca, ainda que incidentais. Nenhum outro anfíbio ou réptil no Brasil rece-be atenção conservacionista tão organizada e por tanto tempo, nem mesmo os que têm dis-tribuição extremamente limitada e ainda não protegida por parques e reservas ambientais. Portanto, ainda engatinhamos quando o tema é proteger nossa herpetofauna e propor ações de reversão de seu status de ameaça.

O Brasil está entre os três países (juntamen-te com a Colômbia e o Peru) com maior rique-za de aves no mundo: 1.834 espécies ocorrem aqui. Dessas, 234 são endêmicas do território brasileiro. Assim, é de inteira responsabilidade do país zelar pelo futuro dessas espécies. O número de aves é bastante variável entre os seis biomas brasileiros, sendo que a Amazônia e a Mata Atlântica abrigam a maior quantida-de de espécies. Mas a real diversidade é ainda pouco conhecida. Várias espécies de aves fo-ram descritas apenas nos últimos anos (21 no-vas entre 1996 e 2006). Além daquelas ofi cial-mente catalogadas, outras estão em processo de descrição, e muitas, consideradas atual-mente como subespécies, podem vir a ser ele-vadas à categoria de espécie após estudos mais

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detalhados. Essa falta de conhecimento ocorre em grande parte devido à pequena representa-tividade das áreas estudadas, o que é realidade principalmente na Amazônia.

Parcela considerável da fauna de aves no Brasil está ameaçada de extinção. De acordo com a lista global de espécies ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), 122 aves correm “perigo real de desaparecer”. Elas se distribuem, de acordo com as categorias reconhecidas pela IUCN, em: 25 “criticamente em perigo”; 33 “em perigo” e 64 “vulneráveis”. Já a lista nacional de aves ameaçadas considera um total de 160 táxons (unidade taxonômica as-sociada a um sistema de classifi cação cientí-fi ca), incluindo subespécies ameaçadas, o que, em parte, explica as diferenças em rela-ção à lista global.

A Mata Atlântica concentra cerca de 80% de todas as aves ameaçadas no país. A situa-ção é mais séria na região Nordeste, especial-mente em Alagoas e Pernambuco, onde a maior parte da fl oresta original foi substituída por plantações de cana-de-açúcar, restando apenas poucos fragmentos de mata preserva-da. É nessa região que podem ser encontrados

Mata Atlântica concentra 80% de todas as aves ameaçadas. Situação é mais séria no Nordeste, em Alagoas e Pernambuco

SAPO-PINGO-DE-OURO (Brachycehalus pernix),

representante da família dos menores sapos do mundo. Natural da Mata Atlântica,

historicamente esteve restrito ao Espírito Santo

e Rio de Janeiro, mas este exemplar foi fotografado em

Santa Catarina

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tade das aves ameaçadas no bioma ocorre exclusivamente nesses ambientes, como a codorna-mineira (Nothura minor), o galito (Alectrurus tricolor) e os caboclinhos (Spo-rophila cinnamomea e S. palustris). Apesar da situação preocupante, alguns casos de-monstram que ainda há tempo para preser-var a grande diversidade de aves do Cerra-do, como a redescoberta, em 2006, do pica-pau-do-parnaíba (Celeus obrieni), re-encontrado nas proximidades da cidade de Goiatins (Tocantins) depois de quase 80 anos sem registros – uma importante desco-berta ornitológica.

No extremo sul do Brasil, a paisagem dos Campos Suli-nos é dominada por extensos campos naturais. Do total de espécies de aves desse bioma, 109 são essencialmente cam-pestres, incluindo as “amea-çadas de extinção” veste-amarela (Xanthopsar fl avus) e noivinha (Heteroxolmis do-minicana). Nos Campos Suli-nos, ajustes de manejo na pe-cuária podem beneficiar a avifauna sem prejudicar os ganhos do produtor, que, ao mesmo tempo, pode conse-guir maior valor de mercado pela carne produzida de for-ma alinhada à conservação.

A Caatinga também é pouco conhecida em relação à avifauna e apresenta gran-des extensões já muito de-gradadas. Recentemente, o projeto de conservação de uma ave endêmica da Caa-

tinga gerou resultados animadores para os biólogos e ambientalistas. Na região do Raso da Catarina, sertão da Bahia, um o esforço conjunto de ONGs nacionais e internacio-nais, governo e proprietários de terras conseguiu com que as populações da arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari) aumen-tassem, de modo que a categoria de ameaça de extinção de espécie passasse à condição de “criticamente ameaçada” para a categoria menos severa de “em perigo de extinção”.

Finalmente, a Amazônia e o Pantanal apre-sentam situações de conservação mais privile-giadas em relação aos demais biomas brasilei-

ros, com poucas espécies de aves ameaçadas. A existência desses biomas bem preservados re-presenta um privilégio, mas também uma grande responsabilidade para as atuais gera-ções em relação ao futuro dessas áreas.

A fauna de mamíferos do Brasil é extrema-mente rica, e, assim como no caso dos anfí-bios, répteis e aves, a informação sobre essas espécies vem aumentando signifi cativamente nas últimas décadas. Em 1996, por exemplo, foi feita uma compilação dos mamíferos ocor-rentes no Brasil, indicando aproximadamente 524 espécies. Recentes revisões taxonômicas e descrições de novas espécies elevaram esse nú-

mero, uma década depois, para mais de 650 espécies. A estimativa em 2010 é algo em torno de 680 espécies de ma-míferos, um incremento de mais de 30% em apenas 14 anos. Do total de mamíferos existentes no Brasil, cerca de 200 espécies são endêmicas. Esses números colocam o país em primeiro lugar na diversi-dade de mamíferos em todo o mundo, ligeiramente à frente da Indonésia.

Alguns grupos de mamífe-ros estão intimamente relacio-nados a determinadas regiões do país, em razão de suas ne-cessidades ecológicas. Exis-tem, por exemplo, 116 espé-cies de primatas no Brasil, todas elas dependentes de am-bientes fl orestais. A maioria, 90 espécies, ocorre na Amazô-nia, sendo 87 exclusivas desse bioma. Apesar da menor di-versidade de primatas, a Mata

Atlântica também se destaca pelos elevados níveis de endemismo. De um total de 24 espé-cies de macacos da Mata Atlântica, 18 são en-contradas apenas aí.

Cer ca de 12% das espécies de mamíferos no Brasil têm distribuição geográfi ca restrita, ocorrendo em pequenas porções bem delimi-tadas do território nacional. Dentre essas espé-cies destaca-se o mico-leão-caiçara (Leontopi-thecus caissara), que pode ser encontrado em

ADRIANO P. PAGLIA, biólogo com mestrado e doutorado em ecologia, conservação e manejo de vida silvestre pela Universidade Federal de Minas Gerais, é coordenador de planejamento territorial do Programa da Mata Atlântica da ONG Conservação Internacional (CI-Brasil) e professor da Metodista de Minas/Izabela Hendrix, em Belo Horizonte. Foi um dos editores do Livro vermelho das espécies da fauna brasileira ameaçada de extinção e trabalha com pesquisa e conservação de mamíferos. RENATO S. BÉRNILS, biólogo com doutorado em zoologia pelo Museu Nacional, Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro, tem trabalhos centrados em diversidade, biogeografi a e taxonomia de répteis da América do Sul, bem como em fauna ameaçada de extinção. Coordena a Lista Brasileira de Répteis para a Sociedade Brasileira de Herpetologia. PEDRO F. DEVELEY, biólogo, é mestre e doutor pela Universidade de São Paulo (USP), atuando na linha de ecologia e conservação de aves. Foi um dos organizadores dos dois volumes do livro Áreas Importantes para a Conservação das Aves no Brasil. Diretor de Conservação da BirdLife/Save Brasil. ©

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Se nenhuma providência for tomada, em poucas décadas o Brasil pode perder 10% de sua fauna de mamíferos

PICA-PAU–DO-PARNAIBA (Celeus obrieni) endêmico do Brasil, no Piauí, recentemente foi localizado em Tocantins. De hábitos alimentares e reprodutivos desconhecidos

OS AUTORES

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pequenas populações na ilha de Superagui, li-toral do Paraná, e pequenos trechos adjacentes no continente, totalizando uma população de apenas 400 indivíduos. Ainda mais impressio-nante é o caso de uma espécie de preá (Cavia intermedia), endêmica da ilha Moleques do Sul, litoral de Santa Catarina. A população co-nhecida dessa espécie é de menos de 50 indiví-duos vivendo em apenas 10,5 ha. É um dos mamíferos com menor distribuição geográfi ca conhecida. Não é de estranhar o fato de que essa espécie, e também a grande maioria dos demais mamíferos brasileiros de distribuição muito restrita, seja considerada como “critica-mente em perigo de extinção”.

De acordo com a lista ofi cial das espécies de animais ameaçados de extinção no Brasil, 66 mamíferos estão em vias de desapareci-mento, com 40 deles na categoria “vulnerá-vel”, 11 na condição de “em perigo” e 18 es-pécies na mais elevada delas: “criticamente em perigo” (somando 69 táxons quando conside-radas algumas subespécies). Isso signifi ca que, se nada for feito, em poucas décadas podere-mos perder cerca de 10% de toda a fauna de mamíferos. Como ocorre também no caso de aves, répteis e anfíbios, as regiões que concen-tram as maiores ameaças para os mamíferos são a Mata Atlântica e o Cerrado, dois biomas brasileiros considerados como hotspots da biodiversidade, áreas com elevados níveis de endemismo, mas que já perderam grande par-te da vegetação original.

Os principais fatores de ameaça para a diversidade de vertebrados no Brasil são a destruição dos hábitats naturais, caça, tráfi co ilegal e introdução de espécies exóticas inva-soras (que não são nativas da região e cujo crescimento populacional provoca danos ao ambiente em que foram introduzidas). Para combater os vetores de ameaça e reverter o quadro de perda de biodiversidade, as prin-cipais medidas são a criação de novas áreas protegidas, o investimento no aumento do conhecimento científi co sobre as espécies de vertebrados e o desenvolvimento de tecnolo-gias de manejo de populações, tanto na Na-tureza quanto em condições de cativeiro. Para ilustrar esse caso, anos de investimento em técnicas de reprodução em cativeiro do mico-leão-dourado (Leont opithecus rosalia), aliados ao desenvolvimento da metodologia de translocação de indivíduos, contribuíram para a recuperação dessa espécie e levaram à redução da categoria de ameaça de “critica-

mente em perigo” para “em perigo”.

Algumas ações são emergenciais. Muitas espécies de ver-tebrados ameaçados de extinção não estão devi -damente protegidas pelo atu-al sistema de Unidades de Conservação de Proteção Inte-gral (parques, reservas e estações ecológicas). Ainda assim, é urgen-te a necessidade de ampliar a co-bertura da rede de Unidades de Conservação em escala nacio-nal. Nesse sentido, a BirdLi-fe International desenvolveu um método de identifi cação de áreas prioritárias para a conservação, conhecida co-nhecido como Áreas Im-portantes para a Conser-vação das Aves, ou IBAs (Important Bird Areas). No Brasil, 237 IBAs foram identifi cadas, representando 11% do território. A par-tir desse método, a Conservação Interna-cional ampliou o processo de identifi cação de áreas-chave para a biodiversidade para os demais grupos de vertebrados terrestres ameaçados de extinção, por meio das Áreas-Chave para a Biodiversiade (Key Biodiversi-ty Areas, KBAs).

Para muitos vertebrados terrestres, prin-cipalmente os que ocorrem na Mata Atlân-tica, apenas a criação de Unidades de Con-servação pode não ser sufi ciente, pois não existem áreas nativas grandes o sufi ciente para garantir a persistência das populações de muitas dessas espécies. É necessário in-vestir em estratégias de restauração fl orestal no bioma, como a promovida pela iniciativa do Pacto para a Restauração da Mata Atlân-tica. Em outra linha de ação, precisamos também de investimentos públicos para combater o tráfi co de animais silvestres, re-forçando a fi scalização e o controle, mas ao mesmo tempo investindo em iniciativas de educação ambiental e estratégias econômi-cas de geração de renda nas regiões onde a caça ilegal é mais intensa.

A conservação dos vertebrados terrestres no Brasil é um desafi o grande e complexo, e somente a ação conjunta do setor público, or-ganizações não governamentais e setor pro-

dutivo, adotando ações e estratégias formuladas sobre com sólida base cien-tífi ca, permitirá a manutenção dos quase 14% da diversidade de vertebrados terres-tres que temos o privilégio de abrigar.

PARA CONHECER MAIShttp://www.savebrasil.org.br/ (Site da ONG Save Brasil).http://www.icmbio.gov.br/camave/ (Site do Centro de Pesquisa para a Conservação de Aves Silvestres – CEMAVE).http://www.sbherpetologia.org.br/check-list_brasil.asp/ (Site da Sociedade Brasileira de Herpetologia).Mamíferos do Brasil. N.R. dos Reis, Universi-dade Estadual de Londrina (UEL), o livro pode ser baixado na íntegra no site da UEL: http://www.uel.br/pos/biologicas/.http://www.conservacao.org/publicacoes/megadiversidade01.php/ (Site da revista Megadiversidade).http://www.biodiversitas.org.br/livrover-melho2008/default.asp/ (Site em que os dois volumes do Livro Vermelho da Fauna Brasileira podem ser baixados na íntegra).CO

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ARARA-AZUL-DE-LEAR (Anodorhynchus leari), endêmica do Brasil, na

região semiárida da Bahia, é uma das espécies de

aves mais ameaçadas de extinção no

mundo. O número na Natureza não

ultrapassa 130 indivíduos