embargos de declaraÇÃo contra despacho, ticiano alves e silva

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TRATA-SE DE ARTIGO QUE DEFENDE O CABIMENTO DO RECURSO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONTRA DESPACHO, MESMO QUE SEM CONTEÚDO DECISÓRIO.

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Page 1: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONTRA DESPACHO, TICIANO ALVES E SILVA

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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONTRA DESPACHO1

Ticiano Alves e Silva

Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL)

Advogado em Salvador

Dentre os recursos taxativamente previstos no Código de Processo

Civil (CPC), estão os embargos de declaração (art. 496, IV). Estes são cabíveis

para suprir omissão, eliminar contradição e esclarecer obscuridade de

sentença, acórdão ou decisão interlocutória2. No que tange à interposição do

referido recurso contra despacho, a doutrina apresenta-se majoritária em

negá-la. Argumenta, para tanto, que é imprescindível o ato possuir conteúdo

decisório. Nesse sentido, defende Alexandre Freitas Câmara:

Anote-se, aliás, certa tendência doutrinária no sentido de admitir embargos de declaração também contra despachos de mero expediente, o que nos parece inadequado, já que tais provimentos não têm conteúdo decisório, bastando, pois, para que se possa sanar

1 Este artigo foi extraído da Revista Jurídica dos Formandos em Direito da Universidade

Católica do Salvador 2006.2, onde foi publicado pela primeira vez, no ano de 2006, com o título “A relativização da cláusula de irrecorribilidade dos despachos na oposição de embargos de declaração“, quando então conquistou o 2º Lugar no Concurso de Artigos da Revista, Categoria Graduando. 2 Neste caso, em que pese o silêncio da lei, entende-se plenamente possível a interposição do referido recurso, vez que: (i) o CPC só faz referência a sentenças e acórdãos nos casos de obscuridade e contradição (art.535, I, CPC), nada dizendo nos casos de omissão (art. 535, II, CPC); (ii) é exigência constitucional que todas as decisões judiciais sejam fundamentadas, sob pena de nulidade (art. 93, IX, CF), sendo o instrumento processual cabível para sanar omissão, obscuridade e contradição, viciadores de uma devida fundamentação, os embargos declaratórios e (iii) o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF) exige que não somente se garanta o acesso ao Judiciário, como também que a tutela a ser prestada seja clara, lógica, plena. Por todos, consultar Fredie Didier Jr. e Leonardo da Cunha in Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos

tribunais. Salvador: Juspodium, 2006. p. 137 e 138.

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obscuridade, contradição ou omissão neles contida, que se interponha petição simples, a qualquer tempo.3

A exigência de conteúdo decisório, para admitir a interposição dos

embargos de declaração contra despacho, decorre da cláusula de

irrecorribilidade prevista no art. 504 do CPC, que guarda a seguinte redação:

“dos despachos não cabe recurso”4. Diante de tal previsão, obtempera-se ser

impossível, pelo menos de lega lata, admitir-se o cabimento dos embargos de

declaração contra despacho.

Neste momento, insta fazer uma pequena consideração acerca da

classificação dos atos processuais. Como sabido, seguindo o critério subjetivo

aqui por ora adotado, os atos processuais classificam-se como atos das partes e

atos do órgão jurisdicional. Estes, por sua vez, podem ser atos dos auxiliares da

justiça (serventuários, escrivães, oficias etc) e atos do juiz, os quais são

classificados em provimentos (ou pronunciamentos) e reais (ou materiais).

Atendo-se ao que aqui interessa, importa dizer, ainda, que os

provimentos são os atos pelos quais o juiz se manifesta no processo,

classificando-se em sentença, decisão interlocutória e despacho. Este último

não possui conteúdo decisório5 e serve, tão-somente, para dar impulso ao

3 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 13º edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. vol. II. p. 122. Nota de rodapé nº 126. Aduz Nelson Nery ainda: “Dizer que se trata de despacho recorrível é violar o sistema do CPC, que resolve de forma satisfatória a questão” in Código de Processo Civil Comentado. 7º edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 563. nota 11 do art. 162. 4 Redação alterada pela Lei nº 11.276/06. Redação antiga: “dos despachos de mero expediente não cabe recurso”. Por ser redundante, foi suprimida a qualificação “de mero expediente”. Sobreleva-se que sobredita alteração em nada modificou o entendimento aqui expendido, pelo menos no que toca a interposição dos embargos de declaração. 5 Ocorre que, muitas vezes, os despachos carregam conteúdo decisório, ganhando natureza de verdadeira decisão interlocutória, a despeito do nomen juris de despacho. Com isso,

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processo (critério objetivo de classificação). Na ousada tarefa de conceituá-lo,

dispôs o CPC, no art. 162, §3º, in verbis: “são despachos todos os demais atos

do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento das partes, a cujo

respeito a lei não estabelece outra forma”.

Dessa forma, adotando-se critério de definição por exclusão, ato que

não for sentença, nem decisão interlocutória, será despacho. À guisa de

exemplificação, pode-se citar: “para informação do cartório”, “noticie ao

distribuidor”, “lavre-se o termo correspondente”, “subam os presentes autos”,

“audiência marcada para o dia tal”, “oficie ao banco tal” etc.

Fixadas tão importantes premissas, questiona-se: será mesmo o

despacho irrecorrível? Em essência, a resposta está em saber se a cláusula de

irrecorribilidade dos despachos prescrita no art. 504 do CPC é ou não absoluta

na oposição dos embargos de declaração. Como dito alhures, a doutrina

defende majoritariamente o caráter absoluto da irrecorribilidade. Tal

entendimento, contudo, como sói ser as coisas do Direito, não é pacífico, como

demonstra o ensinamento do ilustre Barbosa Moreira:

Tampouco importa que a decisão seja definitiva ou não, final ou interlocutória. Ainda quando o texto legal, expressis verbis, a qualifique de irrecorrível, há de

instalou-se grande celeuma doutrinária em torno da possibilidade de interposição do recurso contra despacho com conteúdo decisório. Pretende-se, aqui, entretanto, analisar tão-só a possibilidade de interposição de embargos declaratórios contra despacho, sem conteúdo decisório, no que se afasta, desde já, mencionada discussão. Por todos, remetemos o leitor à leitura de: GIANESINI, Rita. Da recorribilidade do cite-se. Aspectos

polêmicos e atuais dos recursos cíveis e outras formas de impugnação às decisões judiciais. vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 939; BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. 5. 11º edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 297. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. vol. 1. Salvador: Juspodium, 2006. p. 399 e 400.

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entender-se que o faz com a ressalva implícita concernente aos embargos de declaração.6

Não obstante a autoridade daqueles que defendem a

inadmissibilidade da oposição dos embargos de declaração contra despacho, a

posição que parece ser a mais razoável é a expendida pelo notável jurista

fluminense, a concluir pela relativização da cláusula de irrecorribilidade nestes

casos.

Ora, como já dito7, modernamente, o conteúdo do princípio da

inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, CF) extrapola a simples

garantia de acesso ao Judiciário, ganhando contornos ainda mais condizentes

com o perfil democrático de direito do Estado brasileiro, na medida em que

esta tutela deve ser prestada de forma efetiva.

Posto isso, fácil é concluir que pronunciamento judicial, ainda que

feito por meio de despacho, destituído de clareza, lógica e plenitude não

atende ao que se entende por uma tutela jurisdicional efetiva, que se traduz na

eficaz concretização do direito substancial e na tutela tempestiva. Ora,

efetividade e, de outro lado, obscuridade, contradição e omissão são palavras

inconciliáveis, de contraposição extremada.

Tem-se, também, que, sendo o despacho o ato do juiz que

impulsiona o processo, há de ser claro, coerente, completo, mormente quando 6 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. 5. 11º edição. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 544 e 545. No mesmo sentido, Luís Simardi Fernandes: “Em outras palavras, acreditamos que, em tese, os despachos também podem ser atacados por embargos de declaração, mas desde que presente um dos vícios previstos no dispositivo legal mencionado, que cause prejuízo à parte” in Embargos de declaração. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 53. 7 Remete-se o leitor à nota nº 1, supra.

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ordena ato a ser praticado por outrem, seja parte, seja auxiliar de justiça. Se

assim não fosse, o processo quedaria inerte, alongando ainda mais algo que já

é demorado por sua natureza.

Como sabido, o procedimento se constitui de uma sucessão de atos

interdependentes, vez que um ato sempre será causa do posterior e

conseqüência do anterior. Ato viciado de obscuridade, contradição e/ou

omissão certamente prejudicará a marcha processual, desafiando embargos de

declaração, único instrumento processual cabível. Ao contrário, ter-se-ia um

processo com indevidas dilações procedimentais, a contrariar o princípio da

razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, CF).

Não bastasse, o princípio do contraditório8 (art. 5º, LV, CF) exige que

as partes tenham ciência dos atos (incluindo-se, pois, os despachos) e termos

do processo e oportunidade para se manifestar sobre os mesmos. Proferido

despacho que, v.g., ordene a parte que junte documento e não sendo possível

a esta a compreensão do quanto escrito, porque redigido à mão com letra

ilegível, haverá violação ao contraditório e passível estará o despacho de ser

impugnado por embargos de declaração.

Vê-se, assim, que a cláusula de irrecorribilidade dos despachos não

pode ser tomada em termos absolutos, ainda mais quando se engendra

interpretação orientada pelos princípios processuais maiores, todos sediados

constitucionalmente, quais sejam, o princípio da inafastabilidade do controle

8 Para um estudo mais profundo, consultar: NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo

civil na Constituição Federal. 6º edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000; No sentido que vai no texto: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. vol. I. 15º edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

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jurisdicional, o princípio da razoável duração do processo e o princípio do

contraditório. Ressalte-se, ainda, que é da própria natureza dos embargos de

declaração sua oposição a todo e qualquer ato do juiz, porquanto inadmissível

prestação de tutela jurisdicional “confusa”, ainda mais quando cause gravame

à parte.

A referendar a posição aqui defendida, transcreve-se, in verbis,

trecho do despacho da lavra do ilustre Ministro do Supremo Tribunal Federal

Marco Aurélio9, oportunidade em que deixou consignada a seguinte lição:

Os declaratórios visam à integração do pronunciamento judicial embargado. São cabíveis em qualquer processo, em qualquer procedimento, contra decisão monocrática ou de colegiado, e resistem, mesmo, à cláusula da irrecorribilidade.10

No que se refere especificamente aos vícios ensejadores de

impugnação por embargo de declaração, resta dizer que a fundamentação

continua vinculada à existência de contradição, omissão ou obscuridade do

despacho.

Assim, tem-se que o juiz poderá proferir despacho à mão marcando

o dia da audiência. Sendo a letra ilegível, poderão as partes opor embargos de

declaração, fundados em obscuridade do despacho.

De igual modo, o despacho que nomear perito, sem assinar-lhe prazo

para a entrega do laudo (art. 421, CPC), fará jus à interposição de embargos de

declaração, por omissão, sendo importante revelar o interesse recursal da

9 Deve-se dizer que a posição do insigne Ministro ainda é minoritária, senão isolada, no STF. 10 Embargos no Agravo de Instrumento nº 260.674/ES. DJ 26.06.2001. p. 84.

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parte, na medida em que só através dessa via recursal (necessidade) o

estabelecimento do prazo poderá acontecer, garantindo o trâmite

pretensiosamente célere do processo (utilidade).

Imagine-se, também, despacho do juiz ordenando que se oficie

banco que não existe mais, demonstrando evidente contradição, justificando

os embargos de declaração.

Por fim, deve-se dizer que mesmo aqueles que defendem a

relativização da cláusula de irrecorribilidade dos despachos na interposição dos

embargos de declaração pensam que poderia ser utilizado algum sucedâneo

recursal11 como instrumento hábil a sanar o vício. Nesse sentido, Fredie Didier

Jr. e Leonardo da Cunha (defensores da relativização) ensinam:

De todo o modo, mesmo que não se admitam os embargos, nada impedirá à parte de ajuizar uma petição simples pedindo o esclarecimento ou a integração do pronunciamento judicial.12 (sem grifos no original)

Data venia, a despeito das dificuldades práticas, entende-se que o

instrumento processual cabível é o recurso de embargos declaratórios, mesmo

porque este possui efeito suspensivo da eficácia do despacho embargado (art.

497, CPC) e efeito interruptivo do prazo de interposição de outro recurso (art.

538, CPC), ausentes no sucedâneo e que não podem ser menosprezados pela

parte a fim de obter uma tutela jurisdicional efetiva. 11 Assim, por todos, Nelson Nery Junior, para quem o pedido de reconsideração seria o instrumento processual cabível. NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6º edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 96. 12 DIDIER JR., Fredie e CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil:

meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Salvador: Juspodium, 2006. p. 139.

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Referências: BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. vol. 5. 11º edição. Rio de Janeiro: Forense, 2003. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. vol. I. 15º edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006. ________. Lições de Direito Processual Civil. vol. II. 13º edição. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

CUNHA, Leonardo José Carneiro da e DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito

Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos

tribunais. Salvador: Juspodium, 2006. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. vol. 1. Salvador: Juspodium, 2006. _______e CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil:

meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Salvador: Juspodium, 2006. FERNANDES, Luís Eduardo Simardi. Embargos de declaração. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. GIANESINI, Rita. Da recorribilidade do cite-se. Aspectos polêmicos e atuais dos

recursos cíveis e outras formas de impugnação às decisões judiciais. vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. NERY, Rosa Maria de Andrade e NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil

Comentado. 7º edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. NERY JUNIOR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6º edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. _______. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 6º edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. _______e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 7º edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

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