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LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 07 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 09/10/2009 EMBARGOS DE TERCEIRO – AÇÃO MONITÓRIA Como vimos na aula passada, podem opor embargos de terceiro: a) Terceiro possuidor ou proprietário/possuidor do bem - art. 1.046, § 1º, do CPC. b) Quem for parte na execução - art. 1.046, § 2º, do CPC. É hipótese bizarra em que o próprio executado pode opor embargos de terceiro. É a única hipótese que quem é parte e, portanto, em princípio oporia embargos à execução, vai opor embargos de terceiro. Por quê? Porque a lei diz que quando a parte possui um bem que, pelo título da aquisição ou pela qualidade que possui esse bem, não pode ser penhorado, a própria parte pode opor embargos de terceiro. Exemplo clássico: Sou locador de um carro. Vem o meu credor e penhora o carro. Eu vou falar o quê? Que o carro não é meu, que sou só locador. Apesar de eu ser parte, a lei permite que eu oponha embargos de terceiro com base no a RT. 1.046, § 2º. Eu já cansei de ver juiz rejeitando embargos de terceiro sob o fundamento de que o réu é parte ilegítima para opor embargos de terceiro, que seriam embargos à execução. Mas está errado, porque o art. 1046, § 2º autoriza expressamente. c) Cônjuge ou companheiro na proteção da meação ou do bem de família O cônjuge pode opor embargos de terceiro quando a penhora dos bens vai atingir o patrimônio comum do casal. O cônjuge/companheiro pode opor embargos de terceiro para livrar a parte que lhe cabe. Essa hipótese de embargos de terceiro vem sendo utilizada também para que o cônjuge tente liberar o bem de família e não só a meação. 4.1. Legitimidade Passiva Isso é muito simples porque quem vai ser réu no processo de embargos de terceiro vai ser o autor da ação onde ordenada a constrição. Você tem que tomar cuidado para não falar que é o exequente porque os embargos de terceiro alcançam várias hipóteses de constrição e não somente a execução. Caso eu seja o exequente numa execução e você seja o réu e eu requeiro a penhora do seu carro, quando o terceiro opuser os embargos de terceiro vai ser contra mim e não contra você que é o réu da execução. No mesmo sentido, se eu sou autor de uma reintegração de posse e eu reintegro um carro em meu poder e um terceiro se diz dono desse carro, o réu dos embargos de terceiro sou eu porque eu sou o autor da ação onde foi ordenada a constrição. 107

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EMBARGOS DE TERCEIRO – AÇÃO MONITÓRIA

Como vimos na aula passada, podem opor embargos de terceiro:

a) Terceiro possuidor ou proprietário/possuidor do bem - art. 1.046, § 1º, do CPC.

b) Quem for parte na execução - art. 1.046, § 2º, do CPC.

É hipótese bizarra em que o próprio executado pode opor embargos de terceiro. É a única hipótese que quem é parte e, portanto, em princípio oporia embargos à execução, vai opor embargos de terceiro. Por quê? Porque a lei diz que quando a parte possui um bem que, pelo título da aquisição ou pela qualidade que possui esse bem, não pode ser penhorado, a própria parte pode opor embargos de terceiro. Exemplo clássico: Sou locador de um carro. Vem o meu credor e penhora o carro. Eu vou falar o quê? Que o carro não é meu, que sou só locador. Apesar de eu ser parte, a lei permite que eu oponha embargos de terceiro com base no a RT. 1.046, § 2º. Eu já cansei de ver juiz rejeitando embargos de terceiro sob o fundamento de que o réu é parte ilegítima para opor embargos de terceiro, que seriam embargos à execução. Mas está errado, porque o art. 1046, § 2º autoriza expressamente.

c) Cônjuge ou companheiro na proteção da meação ou do bem de família

O cônjuge pode opor embargos de terceiro quando a penhora dos bens vai atingir o patrimônio comum do casal. O cônjuge/companheiro pode opor embargos de terceiro para livrar a parte que lhe cabe. Essa hipótese de embargos de terceiro vem sendo utilizada também para que o cônjuge tente liberar o bem de família e não só a meação.

4.1. Legitimidade Passiva

Isso é muito simples porque quem vai ser réu no processo de embargos de terceiro vai ser o autor da ação onde ordenada a constrição. Você tem que tomar cuidado para não falar que é o exequente porque os embargos de terceiro alcançam várias hipóteses de constrição e não somente a execução. Caso eu seja o exequente numa execução e você seja o réu e eu requeiro a penhora do seu carro, quando o terceiro opuser os embargos de terceiro vai ser contra mim e não contra você que é o réu da execução. No mesmo sentido, se eu sou autor de uma reintegração de posse e eu reintegro um carro em meu poder e um terceiro se diz dono desse carro, o réu dos embargos de terceiro sou eu porque eu sou o autor da ação onde foi ordenada a constrição.

Aqui é bom fazer um destaque. O Superior Tribunal de Justiça tem diversos precedentes no sentido de que: se o executado indicou o bem à penhora ele deve figurar como litisconsorte passivo necessário do exequente. A regra é que o réu nos embargos de terceiro levou à constrição do bem, em regra, o autor da execução. Por outro lado, muitas vezes na execução o réu, devedor diz que não tem nada, que só tem esse carro e indica à penhora um bem que não é dele, um carro que é do pai dele, por exemplo. Então, eu sou o credor e o devedor indica o carro do pai dele. Vem o pai e opõe embargos de terceiro. Pela regra inicial que eu te dei, o réu sou eu que sou o autor da ação onde houve a constrição. Mas nesse caso

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específico, o executado foi quem deu causa à penhora. Por quê? Porque ele falou: “penhora o carro.” Consequentemente, nesses casos, você tem que admitir uma hipótese de litisconsórcio em que, ao mesmo tempo figurem exequente e executado como réus nos embargos de terceiro. Só se ele indicar. Se não indicar, fica só o autor da ação principal.

A legitimidade passiva é extremamente simples nos embargos de terceiro e era só o que eu tinha pra falar.

5. PRAZO PARA OPOSIÇÃO DE EMBARGOS DE TERCEIRO

A regra sobre prazo para oposição de embargos de terceiro é a regra do art. 1.048, do CPC.

Aqui temos que fazer uma observação porque os prazos são distintos. O art. 1.048 traz uma regra que pode ser bipartida.

Art. 1.048 - Os embargos podem ser opostos a qualquer tempo no processo de conhecimento enquanto não transitada em julgado a sentença, e, no processo de execução, até 5 (cinco) dias depois da arrematação, adjudicação ou remição, mas sempre antes da assinatura da respectiva carta.

Se a constrição se deu no processo de conhecimento (ou cautelar – a lei não fala, mas eu acrescento) são cabíveis embargos de terceiro até o trânsito em julgado da sentença.

Essa é a primeira regra de prazo. Ocorrendo uma ação de obrigação para entrega de coisa. O juiz me assegura a posse de um maquinário no começo do processo a título de tutela antecipada. Essa decisão gerou uma constrição sobre o bem e isso é um processo de conhecimento. Essa constrição pode ser atacada até o transito em julgado do da sentença desse processo que reconhecer que eu tenho direito ao maquinário. Após, um abraço. Mas até o transito em julgado eu tenho plena possibilidade de embargar de terceiro. O que causa uma situação pitoresca. Por quê? Porque pode acontecer de os embargos de terceiro estarem correndo, o juiz dá a sentença de primeiro grau reconhecendo que eu tenho que ficar com o maquinário, o processo segue para o tribunal e eu continuo com o maquinário, o cara perde no tribunal, vai para o STJ e eu continuo com o maquinário. Vai para o STF e eu continuo com o maquinário. Até aí ainda não transitou em julgado. Quando está lá no STF, pra julgar o último recurso, aparece um terceiro que diz: eu sou dono do maquinário, embargos de terceiro. Pode? Pode! Porque o prazo é até o transito em julgado.

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E qual a situação pitoresca (e essa anotação, geralmente, não é feita pela doutrina)? Pode acontecer de, nessa hipótese, serem cabíveis embargos de terceiro no processo principal em grau de recurso. É plenamente possível o cabimento de embargos de terceiro nessa hipótese, no processo principal em grau de recurso. Então, está lá o processo no STF, você tem que entrar com embargos de terceiro para poder liberar o maquinário. Mas apesar de o processo estar no STF a competência, nessa hipótese é sempre do primeiro grau. Você não vai entrar com embargos de terceiro perante o Ministro do Supremo. A primeira instancia é que vai ter que se virar para apreciar esses embargos de terceiro até porque você há de concordar que o STF apreciando, eu suprimiria indevidamente graus de jurisdição. Não teria sentido imaginar o Supremo julgando originariamente embargos de terceiro. Essa é a primeira hipótese do prazo (que pode ser bipartido): até o trânsito em julgado. Agora, vamos para a segunda parte do prazo.

Se a constrição se deu no processo de execução são cabíveis embargos de terceiro no prazo de até 5 dias depois da arrematação ou adjudicação, mas sempre antes da assinatura da carta.

No processo de conhecimento embargos de terceiro acontecem. É raro, mas você tem que saber. Na maioria das vezes, os embargos de terceiro ocorrem no processo de execução.

Se eu tenho uma execução e penhorei o bem. Se eu avaliei o bem e arrematei o bem, até aqui eu posso opor embargos de terceiro. A qualquer momento. Mas depois da arrematação, eu conto cinco dias. Se, em cinco dias, o pretenso proprietário ou possuidor do bem não opuser embargos de terceiro, se em cinco dias a mulher não opuser embargos de terceiro para livrar a meação dela (para aqueles que entendem que cabem embargos de terceiro nessa situação), automaticamente, não cabem mais embargos de terceiro e o bem vai ser alienado pela sua integralidade. E, chupe o dedo o terceiro, entre com ação autônoma posteriormente, mas, na execução, ele não consegue mais resolver esse problema. Esse é um prazo decadencial de cinco dias. Passou, você perde o direito à via dos embargos de terceiro. É um prazo muito parecido do MS, de 120 dias. Você perde a via, mas no fundo você pode até discutir. Nada impede que eu entre com uma ação contra o executado para receber o valor do meu carro que, afinal de contas foi vendido para pagar dívida dele.

Nosso legislador, nas reformas recentes que ele fez no processo de execução, fez uma alteração perfeita no art. 746, do CPC. Quem estudou isso lembra, da época da faculdade, que depois da arrematação e da adjudicação, o devedor ainda tem jeito de tentar reverter a adjudicação e a arrematação através de um negócio chamado embargos de segunda fase ou de embargos à arrematação ou adjudicação. Diante de um vício no leilão, o que o devedor pode fazer? Ele pode embargar a arrematação e tentar cancelar o leilão. O art.746 fala exatamente isso:

Art. 746 - É lícito ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, contados da adjudicação, alienação ou arrematação, oferecer embargos fundados em nulidade da execução, ou em causa extintiva da obrigação, desde que superveniente à penhora, aplicando-se, no que

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couber, o disposto neste Capítulo. (Alterado pela L-011.382-2006)

Aqui ele trata dos embargos de 2ª fase (embargos à arrematação ou embargos à adjudicação). Você consegue entender por que falamos em embargos de 2ª fase? É em detrimento dos embargos de 1ª fase, que são os embargos à execução. Mas qual é o mérito do legislador, da Lei 11.382? É a unificação do prazo. Antes era 15. Agora, na nova redação do art. 746 houve uma unificação dos prazos de impugnação, da arrematação e da adjudicação. Se o devedor quiser impugnar a hasta, cinco dias (embargos de 2ª fase) e se um terceiro quiser impugnar a hasta? 5 dias também. Portanto, passou cinco dias, fica sossegado, arrematante. Passados cinco dias, sossega arrematante. Por quê? Porque não tem mais possibilidade de oposição, nem de embargos à arrematação, nem de embargos à adjudicação e nem de embargos de terceiro. Isso foi o que o art. 746 fez e, ligando ele com o art. 1.048, do CPC, você chega à conclusão que 5 dias é o prazo para qualquer impugnação relativa à hasta, à arrematação ou à adjudicação.

6. PROCEDIMENTO

Nós vamos conversar sobre o procedimento no processo de embargos de terceiro. E, como você sabe, eu não vou ficar repetindo isso, o procedimento é a forma como os atos processuais se combinam no curso do processo. E como andam os embargos de terceiro dentro do processo civil?

6.1. 1ª Etapa: PETIÇÃO INICIAL

Como todo processo, começa com uma petição inicial com previsão no art. 1.050, do CPC, e merece alguma atenção. Primeiro porque obedece a todos os requisitos dos arts. 282 e 283 (é uma inicial como qualquer outra).

a) Rol de Testemunhas

O que vou tentar mostrar nessa petição inicial? Que sou proprietário/possuidor do bem que foi penhorado, adjudicado, arrestado, bloqueado, que foi constrito. O mais importante é que é requisito da petição inicial dos embargos de terceiro que você junte rol de testemunhas. E, nesse sentido, o procedimento dos embargos de terceiros e aproximam muito do procedimento sumário. Você já estudou comigo e viu que o procedimento sumário exige que a parte apresente rol de testemunhas. Eu já cansei de ver gente perder a oportunidade de produzir prova testemunhal em embargos de terceiro porque não fez a inicial ser acompanhada do rol de testemunhas e o art. 1.050 é expresso:

Art. 1.050 - O embargante, em petição elaborada com observância do disposto no Art. 282, fará a prova sumária de sua posse e a qualidade de terceiro, oferecendo documentos e rol de testemunhas.

Sob pena de preclusão. Se você não arrolar aqui, você não pode querer ouvir depois. Preclui o direito de ouvir as testemunhas. Essa é uma posição extremamente formalista. Eu, como magistrado, me recuso a não deixar que o cara ouça a testemunha só porque ele não arrolou na petição inicial. Mas é uma postura

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minha. Você não vai encontrar esse tipo de postura no Judiciário brasileiro que adota a preclusão extrema (não arrolou aqui, dançou).

b) Valor da Causa

A segunda observação sobre a petição inicial e que você deve estar atento, é a questão do valor da causa. Tem se entendido que o valor da causa é o valor do bem constrito. Ou seja, do bem que se pretende liberar. É o valor do bem que se pretende liberar. Entretanto, se o valor do bem for superior ao do processo de execução, o valor da causa será o do processo de execução. A regra é que o valor da causa seja o do bem que quer ser liberado. Mas se esse valor for maior do que o valor da execução, vale o valor da execução.

Vamos pensar num exemplo prático. Eu sou seu credor e você me deve 50 mil reais. De tudo o que você tem, a única coisa que pode ser penhorada é uma chácara de passeio cujo valor é 200 mil reais. Eu só posso penhorar esse bem, não importa que o valor dele é maior que o da execução. Esse bem será penhorado. Vem o terceiro, opõe embargos de terceiro, dizendo que a chácara é dele. Nesse caso específico, o valor do bem que ele quer liberar (200 mil) é maior do que o valor da própria execução (50 mil), então, ele é obrigado a dar o valor de 200 mil reais para esses embargos. Ele vai te dar um valor de 50 mil, que é o valor da execução. Você tem que concordar comigo que essa jurisprudência beneficia o terceiro por causa das custas. Se fossem 200 mil, o valor das custas seria bem maior.

c) Cumulação de Pedidos

É fundamental você saber que, mais uma vez, a jurisprudência tem entendido que é vedada a cumulação de pedidos, especialmente a pretensão indenizatória com os embargos de terceiro. Os embargos de terceiro só podem objetivar a liberação do bem. Não podem objetivar outra coisa que não seja a liberação do bem. Eu não posso querer cumular o pedido de liberação do bem penhorado, constrito, com o pedido de indenização.

Pontes de Miranda, em uma de suas passagens, diz algo que cai bem aqui. Ele fala que os embargos de terceiro servem para impedir e não para pedir. Você impede a constrição e não pede. Invariavelmente, na prática forense, eu canso de indeferir petição inicial parcialmente porque tudo é dano moral. Pede-se dano moral por causa de cinco dias de atraso na prestação. Vira mexe você tem embargos de terceiro em que o cara alega que o bem é dele, que o credor sabia e quer dano moral pela ofensa à honra. É caso de indeferir parcialmente e tocar somente os embargos de terceiro. Aí vem a pergunta: mas eu não posso pedir indenização em casos extremos? Pode, mas autonomamente.

6.2. 2ª Etapa: RECEBIMENTO DA AÇÃO

Isso tem previsão no art. 1.052, do CPC. É óbvio que o juiz pode indeferir a inicial, mas nós aqui estamos imaginando que está tudo certinho e que ele recebe essa petição inicial. De acordo com o art. 1.052 se, eventualmente, forem recebidos os embargos de terceiro, o juiz ordenará a suspensão total ou parcial do processo principal (onde houve a constrição, o bloqueio, a tutela antecipada, a arrematação, etc.).

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Art. 1.052 - Quando os embargos versarem sobre todos os bens, determinará o juiz a suspensão do curso do processo principal; versando sobre alguns deles, prosseguirá o processo principal somente quanto aos bens não embargados.

O que você tem que entender é o seguinte: se houve a constrição no processo principal, eu não posso prosseguir nos atos de constrição se tem um terceiro que está falando que o bem é dele. A consequência é que, se o juiz recebe os embargos de terceiro e está para vender o carro do devedor da exceção, eu não posso vender o carro enquanto não decidir se o carro é dele ou se é de terceiro. Por isso que o art. 1.052 determina que, uma vez recebidos os embargos de terceiro suspende-se o processo principal e os atos decorrentes da constrição ali ocorrida.

Aqui vai, entretanto, o destaque: às vezes eu penhorei 5 carros no processo principal. E o terceiro impugna apenas um. É evidente que a suspensão é só relacionada aos bens impugnados. Se eu embarguei de um, os outros quatro continuam sendo constritos e alienados normalmente.

Na aula passada, falamos de embargos de terceiro na execução por carta. É aquele que eu mando uma precatória lá da minha cidade, de Franca, pro juiz de SP que penhora um bem e vem um devedor e opõe embargos de terceiro. Se eu, juiz de Franca determinar expressamente qual é o bem, o embargo sou eu que julgo. Mas se for o juiz de SP que escolheu o bem, é o juiz de SP que julga. Se eventualmente o juiz de SP recebe os embargos em SP ele tem que comunicar o juiz deprecante para que o juiz deprecante suspenda o processo principal (porque o processo não está em SP). É importante que vocês entendam o seguinte:

“A execução por carta (do art. 747, do CPC), quando os embargos de terceiro forem de competência do juízo deprecado, ele comunicará o recebimento dos embargos ao juízo deprecante para fins de suspensão da ação principal.”

6.3. 3ª Etapa: POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE LIMINAR

Isso está nos arts. 1.050, § 1º e 1.051, do CPC. Isso é muito interessante. Essa é uma liminar que tem o objetivo de assegurar o terceiro a posse do bem constrito. Eu penhorei um carro, o carro foi removido, o terceiro entra com embargos de terceiro dizendo que o carro é dele, o juiz dá a liminar e devolve o carro para ele. Portanto, diz-se em doutrina que a liminar dos embargos de terceiro tem natureza antecipatória de tutela.

Essa liminar pode ser concedida com ou sem audiência de justificação. Como assim? É aquela audiência que o juiz faz só para verificar os requisitos da liminar. Não é audiência de instrução. Essa audiência de justificação pode ser feita nos embargos de terceiro e tem previsão expressa.

E caso o juiz dê tutela antecipada, ele pode determinar a liminar com ou sem caução. Quer dizer, o juiz pode chegar à conclusão de que pode ser mentira que o terceiro é proprietário do bem. Então ele assegura a posse ao terceiro, mas manda

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dar algo em garantia porque se estiver mentindo terá como indenizar os prejuízos causados ao credor.

Art. 1.051 - Julgando suficientemente provada a posse, o juiz deferirá liminarmente os embargos e ordenará a expedição de mandado de manutenção ou de restituição em favor do embargante, que só receberá os bens depois de prestar caução de os devolver com seus rendimentos, caso sejam afinal declarados improcedentes.

Qual é o receio que você tem que ter? E aí é importante a gente ter algumas aulas porque parece, lendo o art. 1.051 (parte final) que a caução é um dispositivo cogente, que da maneira como é redigido, parece que o juiz é obrigado a fixar caução. A jurisprudência é pacífica no sentido de que o art. 1.051 não é cogente. Mas depende do caso. Nos casos em que é explícito que o indivíduo é proprietário, não há por que você se preocupar com essa questão da caução. Então, é casuístico, fica a critério do juiz decidir se dá a liminar com ou sem caução.

6.4. 4ª Etapa: CITAÇÃO DO RÉU

Aqui temos que fazer uma ressalva porque a citação dos embargos de terceiro segue, de modo geral, as regras do Livro I, do CPC. Não há nenhuma regra aqui que justifique comentário da minha parte. Cabem todas as modalidades de citação.

O grande problema dos embargos de terceiro (e aqui vem a minha crítica) é que os juízes, quando vão citar o réu dos embargos de terceiro (e o réu da ação de embargos de terceiro, como regra, é o autor da ação onde houve a constrição), considerando que esse réu já tem advogado por conta da ação principal, cita o réu dos embargos na pessoa do advogado constituído na ação principal. Apesar disto não ter maiores repercussões práticas (porque acaba que o réu vem lá e impugna os embargos), tecnicamente é incorreto porque a citação da inicial tem que ser feita pessoalmente e não na pessoa do advogado. A grande maioria dos juízes faz isso: cita na pessoa do advogado constituído na ação principal. Isso não traz maiores repercussões práticas, mas, tecnicamente, está equivocado porque, de acordo com o art. 213, do CPC,a citação da inicial tem que ser pessoal. Eu faço isso na pessoa do advogado, mas antes de você passar, você tem que saber que é pessoal.

6.5. 5ª Etapa: RESPOSTA DO RÉU

A resposta do réu tem previsão no art. 1.053 e causa dois espantos.

Art. 1.053 - Os embargos poderão ser contestados no prazo de 10 (dez) dias, findo o qual proceder-se-á de acordo com o disposto no Art. 803.

O primeiro espanto: não cabe reconvenção nos embargos de terceiro. E para entender o motivo, vamos voltar o recado do Pontes de Miranda: “os embargos de terceiro não servem para pedir, só para impedir”. A consequência prática é que se

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o autor não pode pedir, eu também não posso. A finalidade aqui é discutir somente a proteção da posse e da propriedade.

O segundo espanto é que o prazo de contestação a que é especial. Diversamente do mundo em que consta prazo de 15 dias, os embargos de terceiros deverão ser contestados no prazo de 10 dias. Portanto, temos um prazo especial de contestação que não é o de 15 dias.

Neste caso aplica-se o art. 188 do CPC? Prazo em quádruplo para a Fazenda contestar? E o art. 1921, prazo em dobro para litisconsortes com diversos procuradores? É óbvio que aplica. A parte geral aplica sempre na parte especial, salvo situações excepcionais em que a própria lei já prevê a não aplicação. Neste caso aplicam-se os arts. 188 e 191, do CPC.

6.6. 6ª Etapa: SEGUE O RITO DAS CAUTELARES INOMINADAS

Aqui, o código faz algo que não tem muita lógica, mas em nome da celeridade ele faz isso. A partir da contestação, que é de dez dias, o rito muda. Ele deixa de ser especial. O procedimento deixa de ser um procedimento especial. Só que, diversamente dos demais procedimentos especiais em que, chega um momento, e viram rito ordinário, olha o que acontece, nos termos do art. 1.053: depois dessa fase, o processo começa a correr de acordo com o art. 803, que traz o rito das cautelares inominadas. Ele quer dar celeridade e manda seguir o procedimento das cautelares inominadas e você, consequentemente, não segue o rito ordinário, mas o rito do Livro III, do CPC, que trata dos procedimentos cautelares.

6.7. 7ª Etapa: SENTENÇA

A natureza jurídica da sentença dos embargos de terceiro é desconstitutiva porque objetiva desconstruir a penhora, a arrematação, a constrição havida no processo principal. Você pode chamar também de constitutiva negativa.

6.8. 8ª Etapa: APELAÇAÕ

Por que estou destacando a apelação? A primeira coisa para você fazer atrasar absurdo o processo são os embargos de terceiro porque a apelação dos embargos de terceiro tem duplo efeito, ou seja, devolutivo e suspensivo. Por que isso atrasa o processo? Porque eu sou o credor e penhoro esse celular que pertence a você. Você dá um jeito de falar que esse celular é do seu pai. É manifesto que não é do seu pai. Mas aí o seu pai entra com embargos de terceiro. Feito isso, o juiz suspende a venda do celular. Ótimo e o juiz julga logo depois improcedentes os embargos de terceiro. O seu pai apela. A apelação tem duplo efeito. Continua suspensa a venda nos embargos de terceiro. Se você pegar alguns Estados mais avançados do ponto de vista Judiciário, que nem Minas e RJ, em quatro meses você resolve o problema. Agora, se você se depara com alguns Estados em que o sistema Judiciário é totalmente ineficiente, leia-se Bahia e SP, que demora 4 ou 5 anos para julgar uma apelação, na hora que julgar essa apelação e acaba o efeito suspensivo, o seu celular já não tem mais valor nenhum. Você entendeu o que eu quis dizer? Eu acho justo que tenham embargos de

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terceiro, mas tinha que ter uma reforma legislativa para tirar esse efeito suspensivo da apelação porque não tem cabimento esse negócio.

7. DIREITO SUMULAR E QUESTÕES PRÁTICAS

Presta atenção aqui: a primeira grande consequência que eu quero te apontar de direito sumular nos embargos de terceiro e questões práticas advindas disso é a questão a súmula 375, do STJ, que fala sobre fraude à execução e diz:

STJ Súmula nº 375 - DJe 30/03/2009 - O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.

Eu preciso que você lembre alguns conceitos de fraude à execução para eu poder explicar qual é a aplicação prática que isso tem nos embargos de terceiro. Fraude à execução é um assunto que vai ser dado pelo Daniel porque tem a ver com execução, questão de responsabilidade patrimonial. A fraude à execução está prevista no art. 593, do CPC.

Art. 593 - Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

III - nos demais casos expressos em lei.

E tínhamos a seguinte situação:

Antes da Sumula 375 do STJ – Antes da súmula 375 do STJ, tudo o que o devedor fizesse antes da citação para o processo, não havia fraude. Quer dizer, se eu vendi minha fazenda e logo depois fui citado no processo de execução, não havia que se falar em fraude porque eu não sabia que devia. Não havia que se falar em fraude. Antes da súmula entendia-se, portanto, que depois da citação e, portanto eu já sei que tem alguém no meu pé querendo me cobrar, qualquer alienação realizada após a citação, seria realizada com fraude à execução, mas desde que não houvesse outros bens. Então, antes da citação, sem fraude. Se eu vendi minha chácara depois de ter sido citado, o que acontece é que se presumia que eu estava de má-fé e se eu não pagar a dívida, eles tomam a chácara do terceiro que adquiriu, para pagar a dívida do credor. Por isso é que antes de comprar um bem imóvel, o que você costuma fazer? Tirar certidões no cartório para verificar se não há nenhuma ação contra o devedor porque, se ele já foi citado, poderia ocorrer a fraude.

Depois da Súmula 375 do STJ – Acontece que o STJ, de uns tempos para cá e a partir da Súmula 375, mudou esse posicionamento. Sabe por quê? Porque ele começou a se preocupar mais com o terceiro de boa-fé do que com o credor. A súmula 375, na verdade só veio consolidar esse

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entendimento. Após a súmula, o termo que define se tem ou não a fraude não é mais a citação, mas o registro da penhora ou averbação do art. 614-A, do CPC. O termo que define agora se tem ou não a fraude à execução é o registro da penhora ou a averbação do art. 615-A e não mais a averbação. O art. 615-A, para quem não lembra, é um dispositivo da nova lei de execução que diz que toda vez que você distribui uma execução, você pode pegar certidão no cartório para averbar na matrícula dos bens. Você não precisa do despacho do juiz. Olha o que diz o art. 615-A:

Art. 615-A. O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. (Acrescentado pela L-011.382-2006)

§ 1º O exeqüente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização.

§ 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido penhorados.

§ 3º Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593).

§ 4º O exeqüente que promover averbação manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do § 2º do art. 18 desta Lei, processando-se o incidente em autos apartados.

§ 5º Os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento deste artigo.

Se eu averbei e o terceiro comprar, significa que ele vai ter visto. Então, depois ele não reclama que comprou um bem que estava com problema. Mas o que me interessa é que, no novo modelo, o termo que define a fraude à execução, não é mais a citação é o registro da penhora ou averbação do art. 615. O terceiro que comprou não ficou sabendo que o imóvel garantia o pagamento de uma dívida? Haverá fraude. A aula não é sobre esse tema. Esse é só um lembrete para poder introduzir os temas relacionados embargos de terceiros. E exatamente, então, relacionado a essa súmula 375, do STJ é que você percebe a importância do art. 615-A. Esse artigo é importante porque diz que se eu não averbar e o devedor vender, mesmo que ele tenha sido citado, se o terceiro comprou de boa-fé, um abraço porque ele não sabia que esse bem garantia o pagamento de uma dívida.

Mas o mais importante saber é o seguinte, e aí eu volto para os embargos de terceiro. Preste atenção. São três considerações sobre essa súmula que são extremamente importantes. São três perguntas que eu vou fazer:

1. É possível que o terceiro rediscuta a ocorrência da fraude à execução reconhecida na execução, via embargos de terceiro?

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O juiz disse: “tem fraude à execução. O Gajardoni vendeu após o registro da penhora. Vem o terceiro em embargos de terceiro e quer discutir de novo. Ele pode fazer isso? Ou seja, querer discutir tudo de novo porque considera que o juiz está errado e não teve fraude à execução? Pode ou não? Pode. E sabe por que pode? Por causa do art. 472, do CPC que diz que a coisa julgada só é dada entre as partes. O terceiro foi parte na execução? Não. Ele era parte estranha. Como ele não era parte na execução, ele pode discutir tudo de novo e o juiz provavelmente vai manter a decisão dele na execução, mas ele pode até mudar, pelo menos em tese.

2. É possível que o reconhecimento da fraude à execução ocorra no julgamento dos próprios embargos de terceiro?

Mudou o foco. Na primeira hipótese, o juiz tinha reconhecido na execução à fraude e eu, nos embargos de terceiro, vou discutir se teve ou não a fraude. Agora, aqui, eu quero saber se nos embargos é possível a discussão disso. Então, vamos imaginar a seguinte situação: eu entro com uma execução contra você e penhoro um bem seu. Não tem discussão. Eu acho que o bem é seu. Aí o seu pai entra com embargos de terceiro, dizendo que o bem é dele (e não do filho). Eu sou réu nesses embargos, sou o credor e na hora percebo que ele comprou o bem depois do registro da penhora e eu só consigo ver isso nos embargos de terceiro. A pergunta é: é possível que nos embargos de terceiro o juiz fale o seguinte: julgo improcedentes os embargos de terceiro porque o bem foi adquirido em fraude à execução, já que foi comprado após o registro da penhora? Entenderam o raciocínio? A resposta é positiva também. É plenamente possível que se reconheça fraude à execução nos embargos de terceiro e qual vai ser a consequência prática de eu reconhecer a fraude à execução nos embargos de terceiro? O reconhecimento da ineficácia da alienação operada, com manutenção da penhora sobre o bem. Quero dizer: “ah, papai, dançou porque você comprou depois do registro, considere que cometeu fraude à execução e o bem vai continuar sendo vendido.”

3. É possível o reconhecimento da fraude contra credores no julgamento dos embargos?

Pode ocorrer a fraude contra credores no julgamento dos embargos? Mudou o foco porque aqui eu não estou mais nessa discussão da súmula (antes e depois). Aqui eu quero algo mais. Eu quero provar que, independentemente de registro, houve concilium fraudis entre comprador e vendedor. Eu quero melar os embargos de terceiro numa ação pauliana, numa ação revocatória. E essa questão você tem toda capacidade de responder lembrando, mais uma vez, daquela máxima do Pontes de Miranda: os embargos servem para impedir, não para pedir. A consequência prática é que não é possível. Para evitar qualquer dúvida, o STJ chegou até a editar uma súmula, a Súmula 195, do STJ, que estabelece com todas as letras o seguinte:

STJ Súmula nº 195 - DJ 09.10.1997 – Em embargos de terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores.

Eu quero te mostrar uma coisinha à luz dessa súmula. Você sempre estudou que a consequência prática da fraude contra credores é a anulação do ato jurídico. Entretanto, apesar do que a súmula 195 diz, todo mundo entendeu que não dá para

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anular ato jurídico por fraude contra credores nos embargos de terceiro. Apesar disso, a doutrina capitaneada (porque todo mundo escreveu depois dele) pelo Dinamarco sustenta há uns vinte anos que:

“Não é possível anular o ato, mas é possível declarar-se a ineficácia da transação, de modo incidental, sem coisa julgada material.”

Esse é o raciocínio da doutrina. Eu entro com a execução contra você. O seu pai opõe embargos de terceiro. Eu vejo que seu pai e você estão mancomunados, por causa do bem que seu pai comprou de você antes do registro da penhora. Mas que e manifesto o dolo. Seu pai não trabalha, é você que o sustenta, como é que ele comprou o seu carro? Então, eu alego, em embargos de terceiro que houve fraude contra credores porque vocês simularam um negócio jurídico para poder me prejudicar. Eu não posso, de acordo com a Súmula 195 pedir a anulação do negócio jurídico, ou seja, eu não posso pedir para pegar o carro, voltar para o seu nome para depois eu ir lá e penhorar. Mas o professor Dinamarco, interpretando a súmula diz: tudo bem, eu não posso pedir isso, mas eu posso pedir, simplesmente, para que o juiz reconheça incidentalmente, só para esse processo, sem coisa julgada material, como você faz em inúmeras questões processuais, a ineficácia só para esse ato. E aí o juiz não declara a fraude contra credores, mas ele considera ineficaz a alienação e eu consigo penhorar o bem. É uma forma inteligente de enganar a Súmula 195, mas não se pode deixar o cara enganar a Justiça, enganar o credor.

Para encerrar o bate-papo sobre embargos de terceiro, você viu que tudo decorreu da Súmula 375. Agora, vamos para a segunda súmula que eu quero analisar é a Súmula 84, do STJ que é extremamente conhecida e diz com todas as letras o seguinte:

STJ Súmula nº 84 - DJ 02.07.1993 - É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro.

Ou seja, ela basicamente está dizendo que contrato de gaveta (contrato não publicizado, que não é público), dá ensejo ao cabimento de embargos de terceiro. E para você entender o raciocínio desta súmula eu tenho que dar uma breve lembrada de dois conceitos. Segundo o art. 108, do Código Civil, as transações sobre imóveis cujo valor seja superior a 30 salários mínimos tem um requisito de forma indispensável: escritura pública. E, de acordo ainda com o Código Civil, a transferência da propriedade imóvel só se opera com o registro da escritura pública. Isso é Código Civil puro. A escritura pública é meio de aquisição da propriedade imóvel e só com o registro é que você consegue adquirir a propriedade imóvel. E a posse, como eu adquiro? Posse não precisa de escritura. Posse se adquire pela tradição. Se você compreendeu isso, fica fácil de entender a Súmula 84. Na aula passada eu falei que os embargos de terceiro servem para proteger a propriedade e a posse (art. 1.046, § 1º). Existem embargos de terceiro de proprietário e existem embargos de terceiro de possuidor.

Eu comprei sua casa sem escritura pública. Contrato de gaveta. E já comecei a morar na casa. Mas como você não transcreveu o registro, porque não houve escritura pública, a casa continua em seu nome. O seu credor vai pesquisar no CRI e descobre que você tem uma casa. O que ele pede? A penhora da casa. Quando

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ele faz isso, eu sou intimado e digo que comprei a casa e apresento embargos de terceiro, mostrando o contrato particular para o juiz, que é a súmula 84. Quando eu mostro o contrato particular, eu estou defendendo a propriedade ou a posse? A posse, porque não sou proprietário. E a súmula quer dizer isso: eu prefiro defender a posse. Por isso ela diz que é possível a oposição de embargos de terceiro fundados na alegação de posse e não de propriedade. A ideia que eu quero que você tenha é que o STJ não está fazendo nada de irregular. Ele não está violando o Código Civil porque aqui, os embargos de terceiro defendem a posse e não a propriedade.

Mas a questão pode ser piorada. Existe um princípio no processo civil brasileiro que envolve relação de sucumbência. Quem paga honorários advocatícios é quem dá causa ao evento. O grande problema prático que decorre da Súmula 84 é que o cara que pediu a penhora da casa foi lá no registro de imóveis e a casa ainda consta no seu nome. Ele pediu a penhora só porque está no seu nome. Ele entrou com embargos de terceiro e aí eu que sou comprador apresentei o contrato. Quem deu causa à constrição? Ele que pediu a penhora, ou você que não fez escritura e que não registrou a transferência da propriedade no registro de imóveis? Você concorda comigo que o culpado pela constrição não foi o credor, mas você que é o embargante? Por isso, o STJ editou uma outra súmula, que é a Súmula 303:

STJ Súmula nº 303 - DJ 22.11.2004 - Em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios.

E qual é a interpretação que o STJ faz dessa Súmula 303? É que nas hipóteses da Súmula 84 o culpado pelos embargos de terceiro é aquele que não fez escritura pública ou que não a registrou, portanto, é o embargante ou o embargado? Portanto, o embargante, ou seja, o terceiro. Então, pela Súmula 84, eu consigo liberar o bem, mas como eu fui o responsável pela constrição, eu vou pagar as custas do processo e eventuais honorários.

Mas, vamos complicar um pouco mais. Eu comprei sua casa. Você deve uma grana. Vem o credor e pede a penhora da casa. Eu venho com embargos de terceiro e alego o quê? Súmula 84: está aqui o contrato particular que não registrei. O credor tem duas opções quando ele recebe os embargos de terceiro e vê que eu tenho um contrato particular:

1º) “Aceito, realmente, não sabia disso”. Mas o juiz o condena ao pagamento das custas porque ele deu causa.

2º) “Nem a pau, fraude!” Grita aqui e ali e não aceita o compromisso particular. Se ele não aceita, ele não está ratificando o ato constritivo que você deu causa? Ele está insistindo no erro. Portanto, o STJ diz que:

“Não se aplica esse entendimento (esse que quem paga as custas é aquele que não registrou) se o credor/embargado insistir na constrição, vez que a partir daí ele está ratificando o erro e dando causa ao prosseguimento dos embargos de terceiro.”

Sumarizando: Súmula 84, compromisso particular, não dá para livrar o bem. Mas o negócio é o seguinte: se eu comprei um bem, se você vendeu e não averbou,

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quando tiver os embargos de terceiro, se o credor topar liberar o bem (Súmula 303) e quem paga as custas sou eu que sou o culpado de não ter feito o registro. Agora, se ele, mesmo vendo que eu tenho o compromisso particular, quiser brigar, quiser insistir, quiser bater-boca e tocar os embargos de terceiro para decidir se pode ou não penhorar o bem, aí cai a Súmula 303 e a consequência prática é a de que ele é quem vai pagar as custas, caso perca no final.

AÇÃO MONITÓRIA(Procedimentos Especiais)

1. GENERALIDADES

Aqui eu tenho três observações para fazer:

1.1. NATUREZA JURÍDICA

È pacífico na doutrina brasileira que a ação monitória constitui em espécie de tutela diferenciada. O que é uma tutela diferenciada?

“Tutela diferenciada é uma tutela cujo procedimento é modificado, tanto do ponto de vista do rito quanto da cognição, à luz do direito material.”

O legislador chegou em determinado momento e percebeu uma situação bizarra que acontecia no sistema brasileiro. Se eu falasse: você me deve 5 mil e não te desse prova escrita nenhuma disso, se eu quisesse te cobrar, eu teria que te cobrar via ação de cobrança, ação de conhecimento. Se o meu vizinho tivesse num papel de padaria babado de manteiga a minha declaração de que devo cinco mil, para ele cobrar os 5 mil, ele tinha, exatamente, o mesmo mecanismo que eu tinha, ou seja, ação de cobrança. O legislador percebeu que isso causava uma situação de absoluta disparidade porque uma coisa é você dever 5 mil de boca, outra coisa é você dever 5 mil tendo assinado um documento. Então, o legislador percebeu que precisava criar um procedimento que modificasse essa situação que, todos concordam comigo, de absoluta injustiça, e que permitisse que aquele que tem uma prova escrita da existência da obrigação tivesse um procedimento melhor, mais célere para a cobrança da dívida. A ação monitória é isso: ela é uma tutela diferenciada que foi moldada para melhorar o mecanismo de cumprimento das obrigações fundadas em prova escrita. Quer dizer, a ideia é criar um procedimento melhor para quem tem prova escrita em detrimento de um procedimento não tão bom para quem só tem prova oral, até porque a prova oral é a prostituta das provas (você tem grande possibilidade de manipular). A possibilidade de manipular uma prova escrita já é algo mais complexo de ser feito.

Essa é a primeira grande nota e a gente vai ver, no desenvolver da aula que essa grande intenção do legislador foi um baita tiro no pé. A ação monitória foi um dos grandes fracassos legislativos do Brasil. É uma porcaria. Quando eu era

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advogado, entrei com ela. Nunca entre com monitória. É uma roubada terrível. E a gente vai ver por que a monitória não deu certo no Brasil.

1.2. HISTÓRICO

A segunda observação é que eu quero que você tenha uma noção breve da origem da monitória. Muitas coisas não estão escritas nos manuais e vêm caindo. É importante que a gente traga informações que estão fora dos manuais. A ação monitória nasceu no direito canônico, mas deixando o direito canônico de lado, a origem brasileira da ação monitória é uma ação chamada ação decendiária, cuja origem estava nas Ordenações Manuelinas e Filipinas que, como você deve saber, vigeram no Brasil durante um bom tempo, desde a descoberta até o regulamento 737. As regras processuais brasileiras nesse período estavam nas Ordenações Manuelinas e Filipinas. No direito luso-brasileiro, portanto, é que eu tenho o primeiro exemplar da ação monitória, que se chamava ação decendiária, também chamada de ação de assinação de 10 dias.

Essa ação decendiária funcionava assim (só para você entender como foi a origem da coisa): vinha a lei (Ordenações Filipinas) e dava um rol de documentos (recibo de profissional liberal, recibo de compra de padaria, recibo de comércio, carta epistolar) e dizia que quem tem esse documento pode pedir ao juiz que assine dez dias (por isso assinação de dez dias ou decendiária) para que o devedor pague. Não é uma execução, não penhora bem, não tem nada disso. Mas era assim: “devedor, esse documento prova que você deve. Pague em dez dias.” Se o devedor pagasse, acabou. Se ele não pagasse, gerava ação de rito comum ordinário, de cobrança. É igualzinho o padrão da monitória, mas recebia esses nomes.

O grande problema é que essa ação de assinação de dez dias, que existiu durante muito tempo no Brasil, nascida do direito canônico, e foi introduzida no Brasil pelas Ordenações Manuelinas e Filipinas, quando veio o Código de 1939 e depois o Código de 1973, que são os códigos de processo civil vigentes no Brasil, essa ação decendiária caiu fora, foi excluída. Não havia previsão de ação decendiária no Brasil em 1939 e nem em 1973. Não se admitiu mais essa ação decendiária ou de assinação de dez dias que só foi inserida no Brasil, posteriormente, no ano de 1995. A ação monitória só voltou para o Brasil em 1995, com outro nome. Deixou de ser ação decendiária e passou a ser ação monitória. Em 1995, o legislador inseriu no CPC brasileiro o art. 1.102-A:

Art. 1.102-A - A ação monitória compete a quem pretender, com base em prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel.

Presta atenção: a monitória nada mais é do que a evolução da decendiária com outro nome.

1.3. ESPÉCIES DE PROCESSOS MONITÓRIOS

No mundo, existem três tipos de processos monitórios:

a) Processo Monitório PURO

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b) Processo Monitório MISTOc) Processo Monitório DOCUMENTAL

PURO – O processo monitório puro e aquele que pode ser calcado, estabelecido através de prova oral, testemunhos. Esse é o sistema adotado pela Alemanha. Eu pego meus três amigos, vou até o juiz peço para o juiz uma ação monitória. O juiz marca uma audiência e essas três testemunhas dizem: eu sei que o Zé deve dez mil. O juiz, com base nessa prova testemunhal, autoriza o início da monitória e assinala um prazo de X dias para que o devedor pague. É esse o raciocínio do processo monitório puro.

MISTO – O procedimento monitório misto é aquele que, regra geral, a obrigação tem que ser apresentada em prova escrita, documento. Tem que ter prova escrita mas, admite-se em alguns casos a prova oral. É o caso do sistema italiano onde a regra é que você só pode ter monitória com base em prova documental, mas em alguns casos, como crédito de profissional liberal, dá para fazer isso que fazem na Alemanha. Eu consigo 3 testemunhas que dizem que o Zé deve 2 mil e depois começa a monitória através de uma ordem de pagamento que pode ser cumprida ou descumprida. Não é uma execução, não tem penhora de bens. Mas é possível que haja essa ordem inicial de pagamento à luz de prova oral.

Por isso, o sistema italiano é diferente do nosso. É injusto como parte da doutrina faz ficar querendo comparar o que eles fazem lá com o que fazemos aqui porque o sistema deles é muito diferente porque o Brasil adota o último tipo de processo monitório.

DOCUMENTAL – não tem exceção. No Brasil, só se admite monitória com base em prova documental. Não tem nenhuma exceção. Sem prova documental, não é possível o ajuizamento da ação monitória. Por isso é injusto querer comparar o italiano ao nosso. Todo mundo que aproxima muito o sistema italiano na monitória dá um tiro no pé e acaba cometendo erros gravíssimos.

(Intervalo)

2. NATUREZA DA MONITÓRIA NO BRASIL

Prevalece o entendimento no Brasil de que a ação monitória é um processo de conhecimento de rito especial. Tanto o é que está no Livro IV, do CPC, que é o livro dedicado aos procedimentos especiais e não aos processos especiais. A doutrina está coberta de razão porque a monitória é um processo de acertamento, que parte da necessidade da declaração da existência do crédito. Toda vez que eu tenho que declarar a existência de uma obrigação, que eu tenho que reconhecer a existência de uma obrigação, isso só pode ser classificado como processo de conhecimento. A índole declaratória, a índole de acertamento da monitória prevalece como sendo ela um processo de conhecimento. Para muitos pode parecer uma coisa óbvia.

Tem gente muito boa como, por exemplo o professor Dinamarco, que diz que a monitória é um quarto tipo de processo, como é no direito italiano. Lembra que

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eu falei que as comparações com o direito italiano são sempre muito perigosas? Vamos acompanhar o raciocínio dele e depois você julga por si só se acha que ele está certo. Ele diz que a monitória figura como um quarto tipo de processo (ou seja, conhecimento, execução, cautelar e monitória) pelo seguinte motivo: porque ela não chega a ser uma execução, porque você não penhora bens do devedor, mas o juiz, a partir do momento que entra a monitória, ele já manda pagar. Ele não manda citar para contestar, ele manda intimar para pagamento. Então, no entender dele, como tem esse ato inicial, que não é o reconhecimento da obrigação, mas sim, uma ordem de pagamento, a monitória não poderia ser encaixada no processo de conhecimento porque o juiz, aqui, manda pagar. Ele não declara. E não poderia estar na execução porque o pagamento não é sob pena de penhora. Então, de acordo com ele, seria um meio termo entre conhecimento e execução porque não declara e manda pagar (não é conhecimento), mas manda pagar sem ser sob pena de penhora (não pode ser execução).

Não é, entretanto, o sistema que a doutrina reconhece como sendo monitório no brasileiro. O que eu quero que você entenda desde já é que, quando o juiz recebe a monitória (e é por isso que a doutrina diz que é um processo de conhecimento), ele analisa o documento escrito (que é esse documento que vai fundamentar a existência da monitória) e faz um juízo provisório da existência da obrigação. Então, quando o juiz determina “intime-se o réu para pagar”, ele já reconheceu, ainda que sumariamente, a existência da obrigação. Por isso que a índole permanece sendo declarativa. De qualquer modo, você tem as duas posições e já sabe qual é a posição dominante na doutrina, ou seja, de que a monitória não é um quarto tipo de processo, mas sim um processo de conhecimento, até porque as características do processo de conhecimento prevalecem muito mais do que as características do processo de execução.

3. PRESSUPOSTOS DA AÇÃO MONITÓRIA

São três os pressupostos para o cabimento da ação monitória no Brasil:

3.1. PROVA ESCRITA

No Brasil, como vimos, não adotamos o sistema da prova oral. Necessariamente, a prova será escrita. Debate-se na academia e na jurisprudência, qual é o conceito de prova escrita para fins monitórios. Tem prevalecido o entendimento de que

“Prova escrita é todo e qualquer documento, sozinho ou em conjunto, que mereça fé e atue como fonte do convencimento do juiz a respeito da existência da obrigação.”

Ou seja, prova documental (escrita) para fins de monitória, não precisa ser um documento só, pode ser um conjunto. E o que mais importa para se estabelecer é que esse conjunto de documentos ou o documento por si só tenha que ser capaz de dar ao juiz a impressão a respeito da existência da obrigação. A partir dessa premissa, do que é prova escrita, eu posso trabalhar com vocês várias questões. E é isso que eu me disponho a fazer a partir desse momento.

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a) Documento unilateral

Isto é, aquele documento que foi forjado por apenas uma das partes. O documento unilateral viabiliza, para fins de prova escrita, o ajuizamento da monitória? A resposta para essa questão é: depende. Depende do quê? Depende de quem fez o documento. Por exemplo, se o documento foi feito pelo próprio devedor, ele espelha bem a existência de uma obrigação. Então, aqui, o documento unilateral, desde que produzido pelo devedor, não tem problema algum.

E se o documento unilateral foi produzido por terceiro? Você imagina a seguinte situação: as partes compareceram num leilão de gado e uma pessoa arrematou o gado da outra e a empresa de leilão emitiu um documento de que fulano arrematou a vaca e que vai pagar daqui a trinta dias. Acontece que não pagou. Esse documento é suficiente para instruir a ação monitória? Vejam que ele não teve a participação do credor e nem do devedor. Só da empresa de leilão. Regra geral, a resposta é positiva. Mas é bom se destacar que regra geral apenas porque, convenhamos, o importante desse documento é que ele espelhe a verossimilhança da obrigação. Eu fiz questão de dar um exemplo bastante verossímil e que o juiz, conhecendo a idoneidade da empresa de leilão, pode acreditar que, em tese, aquele crédito é existente. Por isso que aquele documento, em princípio, pode ser usado, desde que espelhe uma verossimilhança da alienação. Mas, evidente que há documentos absolutamente furados. Por quê? Você me deve três mil reais. Ali, quando você assumiu a dívida comigo, a gente não assinou nada, mas tem uma testemunha que viu. A testemunha vai lá e faz uma declaração de que viu fulano de tal pegar emprestado 3 mil reais de cicrano de tal. Você acha esse documento é suficiente para a monitória? Você concorda comigo que isso seria uma forma de tapear o requisito da monitória brasileira? Aqui eu estou fazendo uma monitória oral. É uma forma de documentalizar a prova oral. Nesse caso, não vai caber a monitória, evidente. É casuístico, mas a regra geral é a de que o terceiro pode, sim, emitir documento e, em tese, é aceito, desde que não seja para tapear os requisitos da monitória.

A briga maior está quando o documento é emitido pelo credor. E quando isso acontece, surge a seguinte dúvida: ele pode dar ensejo à monitória? Você acha que o credor tem idoneidade de emitir um documento dizendo que o devedor deve para ele sem o devedor assinar absolutamente nada? A coisa fica complicada. Então, para seguir o padrão de que o devedor sempre pode, o terceiro pode às vezes, a regra geral para o credor é de que não. O documento unilateral emitido exclusivamente pelo credor, regra geral, é de que não pode ser aceito.

“A jurisprudência brasileira, contudo, cada vez mais vem reconhecendo a viabilidade da monitória na hipótese de casos em que, apesar de emitido unilateralmente pelo credor, o documento espelhe a existência da obrigação.”

Eu vou te dar três exemplos colhidos da jurisprudência do STJ em que, apesar de a regra determinar que não cabe documento emitido pelo credor, tem-se admitido o manejo da monitória nesses casos.

1º Exemplo – Duplicata sem aceite e sem comprovante de recebimento da mercadoria – Você sabe que a duplicata aceita é título executivo e que a duplicata não aceita, desde que protestada com comprovante de recebimento também é título executivo. O que o STJ está

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EMBARGOS DE TERCEIRO – AÇÃO MONITÓRIA

dizendo, é o seguinte: se, eventualmente, você tem a duplicata emitida e não tem o comprovante de recebimento da mercadoria, isso não é título executivo. Mas é um documento escrito que tem uma certa verossimilhança, até porque se o cara emitir uma duplicata sem lastro, comete um crime (crime de emissão de duplicata fria, inexistente). O STJ admite, nesse caso, a emissão de duplicata só pelo credor como título monitório.

2º Exemplo – Guia de recolhimento de contribuição sindical acompanhada de notificação do devedor – Você sabe que quando vai pagar um tributo como esse, eles emitem uma guia e mandam pra sua casa. O que acontece? Você não paga e aí eles pegam aquela guia que não tem “paga”, não tem aceite, não tem nada, junta o que você recebeu na sua casa (notificação de pagamento) e entra com a monitória. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que isso é título monitório porque, apesar de emitido unilateralmente pelo credor, espelha, razoavelmente, a existência da obrigação.

3º Exemplo – Caderneta de padaria e de posto de gasolina – É o exemplo mais pitoresco. Eu, na minha experiência profissional, já tive vários casos desses e, em todos, admiti o cabimento da monitória, mas me senti inseguro porque você tem que partir da confiança, da boa-fé. No interior é muito comum. Você chega na padaria e pede uma determinada quantidade de pães. O padeiro anotava na caderneta e você não assinada. Posto de gasolina na cidade do interior é a mesma coisa. Se você deu um cano na padaria e no posto de gasolina, tem uma razoabilidade naquilo que está na caderneta. O cara não vai te cobrar pão que você não pagou. Tem uma razoabilidade na caderneta.

b) Documento bilateral

Se o documento for bilateral, acho que não precisamos nem entrar no mérito. As duas partes participaram da confecção, eu não tenho dúvida nenhuma de que tem cabimento a ação monitória. Eu quero apenas lembrar que o que nos interessa no documento bilateral é que ele espelhe a verossimilhança da existência da obrigação. É importante que o juiz olhe o documento e verifique que é cabível a ação monitória.

c) Título de crédito prescrito

Essa é a hipótese mais comum de ação monitória, que não podem mais ser executados. Existem uma súmula do STJ, que é a 299, que sinaliza positivamente nesse sentido:

STJ Súmula nº 299 - DJ 22.11.2004 –É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito.

Você pode interpretar como qualquer título de crédito prescrito: promissória, duplicata, letra de câmbio, enfim! Todos os títulos prescritos podem admitir o cabimento de ação monitória.

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d) Conjunto de documentos

Também, tem-se admitido que mais de um documento seja juntado para que se verifique a verossimilhança da obrigação. Na verdade, você não precisa que a obrigação esteja provada por apenas um documento. Da junção desses documentos, tem-se admitido a extração da verossimilhança da obrigação e a consequente cobrança pela via monitória.

Eu gostaria de dar alguns exemplos, todos extraídos da jurisprudência do STJ, exemplos em que não se reconhece a verossimilhança em apenas um documento, mas que da junção de vários, você reconhece a verossimilhança:

1º Exemplo: Súmula 247 – É um exemplo muito importante e já bastante suado. E por que é importante estabelecer a Súmula 247? Porque o STJ, através de uma outra súmula, Súmula 233, entendeu que o contrato de abertura de crédito em conta-corrente (cheque especial) não é título executivo extrajudicial porque apesar de ter duas testemunhas que assinam a abertura em conta, o que é o contrato em conta-corrente? Um empréstimo. Você tem lá o limite de 10 mil. Você vai emitindo os cheques e gastando esses 10 mil. Não é assim? O STJ entende que se você pegar os extratos e o contrato de abertura de crédito em conta-corrente, que tem duas testemunhas, isso não é título executivo (a Súmula 233 fala isso) e não é porque você não tem como apurar se a pessoa gastou ou não gastou os 10 mil da conta-corrente. É inseguro. O título é ilíquido. Não é título executivo, ainda que você junte os extratos, mostrando que o cara deu o cheque no dia 10, no dia 11, no dia 12 e por aí vai. Não é título Executivo, mas a junção do contrato, mais os extratos, indiciam a verossimilhança da obrigação. Por isso veio a súmula 247 que diz:

STJ Súmula nº 247 - DJ 05.06.2001 - O contrato de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória.

Não cabe execução, mas cabe monitória. Percebam que a verossimilhança não vem, nem do contrato e nem do demonstrativo do débito (dos extratos), mas vem dos dois.

2º Exemplo: Cobrança de fatura de cartão de crédito – Esse também é um exemplo que entra na monitória, segundo o STJ. Você mostra os extratos da fatura do cartão de crédito, mas você não tem como comprovar cabalmente se a pessoa fez ou não aquela despesa. Então, por execução não dá, mas dá para fazer o quê? Monitória. Você junta o contrato de cartão de crédito e a fatura do cartão de crédito. Da junção desses dois documentos, há verossimilhança suficiente para a cobrança via monitória.

e) Documentalização da prova oral

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É um exemplo fácil de ser explicado. No Brasil, nós adotamos o procedimento monitório escrito, documental. Exatamente por isso, o conceito de prova escrita, para nossa monitória, é um conceito estrito. Prova escrita para fins de monitória é prova escrita em sentido estrito. Em papel. Prova documental na monitória é prova no papel, porque se você pegar o concito de prova documental do art. 364, do CPC, você sabe o que é documento, para fins de prova? É todo suporte material que caiba numa informação. Então, por exemplo, fita de vídeo, gravação telefônica, pedra esculpida, fotografia, tudo isso é prova documental, porque prova documental para o CPC é qualquer suporte material em que você consiga colocar alguma informação (CD, HC de computador). Mas para fins de monitória, não adotamos o conceito do art. 364, do CPC. O conceito de prova documental aqui é de prova documental estrita, ou seja, de papel. Você não pode instruir a monitória com um vídeo do réu, assumindo que deve, porque nós adotamos o conceito de prova documental estrita. E documentar da prova oral é pegar testemunha e colocar no papel. Vai uma pessoa ao cartório e faz uma escritura pública, falando que fulano deve. Pacífico. Não cabe monitória através de Documentalização de prova oral. Não adianta querer instruir a monitória com esse tipo de prova.

Caso real que eu tive: o caboclo bateu o carro e foram parar na delegacia. No B.O., um falou que assumia a culpa e que no prazo de 30 dias pagaria o dano. A autoridade policial reduziu a termo e acabou. Surgiu a seguinte questão: esse documento é viável ou não para fins de monitória? Eu acabei entendendo, apesar da verossimilhança, que ele esbarrava nessa questão do testemunho. Sim, porque ali, nada mais foi do que um testemunho assinado. Se você partir do princípio que isso é cabível para fins de monitória, você vai poder pegar testemunho em delegacia, pedaço de inquérito, prova testemunhal colhida em outro processo e começar a entrar com monitória com base nisso. Você entendeu o risco? Porque, na verdade, eu estaria transformando a nossa monitória, que é documental, em monitória pura, que é a que admite prova oral. Mas eu confesso para vocês que até hoje eu mesmo tenho dúvida se não deveria ter admitido, nesse caso, porque, afinal de contas os dois assinaram.

De tudo isso que eu falei, só tem uma regra: convencimento. Se o juiz olhou e se falou: “putz, parece que tem o crédito!” Corre a monitória. Convenceu, cabe a monitória.

3.2. PROVA ESCRITA SEM EFICÁCIA DE TÍTULO EXECUTIVO

Esse é o segundo requisito para o cabimento da monitória. Obviamente, todos concordam que se tivesse eficácia de título executivo, não precisaria entrar com a monitória. A pessoa pode entrar direto com a execução.

Aqui, entretanto, tenho uma reflexão para fazer com vocês. Eu tenho título executivo. Mesmo assim eu posso entrar com monitória? “Ah, eu sei lá, tenho medo do juiz achar que o meu título executivo não é título executivo.” Ou, “ah, meu título executivo é extrajudicial e eu queria um título judicial.” Existem duas posições na doutrina sobre o tema, sobre se aquele que tem título executivo pode entrar com ação monitória. É o mesmo raciocínio que se faz sobre se é possível entrar com ação de cobrança. Quem tem título executivo pode entrar com processo de conhecimento? A pergunta é essa.

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A primeira posição diz que não sob o fundamento de que falta interesse processual e adequação. Eu tenho um cheque não prescrito, eu teria que entrar com execução. Não poderia entrar com monitória ou com ação de conhecimento pelo rito ordinário para cobrar o cheque. Essa primeira posição é a posição tradicional da doutrina. Eu ouso dizer e é uma ousadia da minha parte dizer que é a posição dominante. É a que prevalece pelo menos no âmbito da jurisprudência e da doutrina. É a que mais se vê.

Máxima vênia, tenho acompanhado pelo professor Humberto Theodoro Júnior, sou adepto da segunda posição. Me parece que é plenamente possível ajuizamento de monitória quando se tem título executivo. E os fundamentos que nós usamos (eu e o Humberto) para admitir o uso da monitória, ainda que se tenha título executivo, são dois.

O primeiro é o seguinte, atualmente a execução de título judicial tem mecanismos mais eficazes do que a execução de título extrajudicial. Quer a prova? Se eu vou executar extrajudicialmente um cheque, o devedor é citado para pagar no prazo de três dias, sob pena de penhora. Depois disso, embargos à execução com aquele monte de alegação. Agora, se for sentença, condena e, se não pagar em 15 dias, multa de 10%. Qual é mais atrativo? Título judicial. Então, por que eu não poderia pegar o meu cheque e, em vez de entrar com execução de título extrajudicial, usar uma execução judicial, que é muito mais íngreme, mais forte? Então, eu entraria com a monitória de cheque não prescrito para que, no final, o juiz me desse um título judicial e aí ele não vai ter que pagar em 3 dias sob pena de penhora, mas em 15 dias, sob pena de multa, que é um mecanismo muito mais adequado.

O segundo argumento que usamos é o seguinte: há casos de dúvida sobre a executoriedade do documento. Você vai tocar uma execução pra depois correr o risco de chegar lá na frente, o juiz falar que você não tem título executivo e você ter que começar tudo de novo? Não é melhor entrar com a monitória de uma vez porque, pelo menos aí você está garantido?

Existem essas duas posições, a primeira delas mais calcada na letra da lei, nas condições e requisitos da ação; mas me parece que a segunda é a mais correta.

3.3. PROVA ESCRITA TEM QUE SER REPRESENTATIVA DE CRÉDITO

O último requisito para o cabimento da monitória é que a prova escrita sem eficácia de título Executivo tem que ser representativa de crédito ou de obrigação de entrega de coisa móvel. Tem que ter dinheiro, obrigação de entrega de coisa móvel. Você só pode, pela monitória, pretender obter dinheiro ou coisa móvel. Consequentemente, ficam de fora da monitória (não adianta querer entrar porque não vai obter via monitória): obrigação de fazer ou não fazer. Ah, mas eu tenho um documento em que ele prometeu me construir um muro. Monitória não dá! E também fica de fora a entrega de bem imóvel. Ficam de fora:

Obrigação de fazer ou não fazer e fica de fora Entrega de bem imóvel.

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Nesses dois casos, ainda que você tenha prova escrita sem eficácia de título Executivo, você não pode entrar com a monitória, tem que entrar com ação de conhecimento, pelo rito sumário ou ordinário, a depender do valor da causa. Repito: não exista uma razão lógica para o legislador ter adotado essa postura de só admitir monitória na entrega de coisa móvel, foi opção legislativa.

4. PROCEDIMENTO MONITÓRIO

4.1. 1ª Etapa: PETIÇÃO INICIAL

A petição inicial da monitória tem que preencher os requisitos do art. 282, como qualquer petição inicial, mas mais do que isso, ela tem que vir acompanhada de um documento indispensável que, por tudo o que já dissemos aqui, sirva de prova escrita sem eficácia de título executivo. Então, é requisito indispensável da inicial da monitória, que ela venha acompanhada de prova escrita sem eficácia de titulo Executivo, que é o documento monitório.

A segunda observação da petição inicial da monitória, que me parece relevante, é que, se a obrigação for por quantia, apesar de não ser uma execução, a monitória tem que vir acompanhada da memória de cálculo prevista no art. 614, II, do CPC.

Art. 614 - Cumpre ao credor, ao requerer a execução, pedir a citação do devedor e instruir a petição inicial:

I - com o título executivo extrajudicial;  (Alterado pela L-011.382-2006)

II - com o demonstrativo do débito atualizado até a data da propositura da ação, quando se tratar de execução por quantia certa;

III - com a prova de que se verificou a condição, ou ocorreu o termo (Art. 572).

E isso por quê? Porque apesar de não ser execução, você vai determinar que uma pessoa pague. E pague o quê? Pague a quantia que está na memória de cálculo, com juros, correção monetária e tudo o mais.

A terceira observação sobre a inicial da monitória é a que chama mais a atenção e que causa maiores problemas:

“Regra geral, é indispensável a declinação da causa de pedir na ação monitória.”

A monitória é processo de conhecimento e todo processo de conhecimento tem que ter os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido. Nesse sentido, a monitória se afastaria da execução porque na execução não tem causa de pedir porque a causa de pedir é o próprio título executivo. Na monitória precisaria dizer qual é a causa de pedir, que é a origem da dívida, a origem do crédito. Na monitória eu precisaria revelar a origem do crédito, a origem da dívida. E,

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portanto, aqui surgem os problemas práticos porque a respeito dessa questão de precisar da origem da dívida, a jurisprudência faz uma ressalva. Regra geral, eu preciso falar por que o cara assinou o recibo dizendo que me deve 3 mil (“foi por causa da compra de um violão Fender”). É mais ou menos isso. Acontece que o STJ tem dito que títulos de créditos prescritos não precisam da indicação da origem da dívida. Quer dizer, se eu tenho uma duplicata, uma promissória, uma letra de câmbio prescrita ou seja, qualquer título de crédito prescrito, o STJ está entendendo que, mesmo na monitória, esse título não perdeu a natureza cambial. E se não perdeu a natureza cambial, eu poderia entrar com ação monitória sem indicar a origem da dívida. Você concedeu um empréstimo ilegal que prescreveu. Você pode entrar com a monitória sem falar que aquilo é empréstimo ilegal porque o STJ tem essa posição. Isso é o prevalecente no STJ.

Por outro lado, a jurisprudência, quando o assunto é cheque, muda um pouco de figura. Quer dizer, para qualquer título de crédito prescrito, como não perdeu a natureza cambial, não precisa da indicação da origem (causa de pedir). O problema é o cheque porque a Lei do Cheque, no seu art. 62, (Lei 7.357/85) traz uma situação anômala que não tem nos outros títulos. Essa Lei do Cheque fala o seguinte: no prazo do cheque (seis meses), ele é título executivo (ajuízo execução). Acontece que ela diz que o cheque conserva a natureza cambial em apenas dois anos. Então:

Até 6 meses, título executivo. Até 2 anos, não é mais título executivo (porque está prescrito), mas

conserva a natureza cambial. Após 2 anos, o cheque não é título Executivo e não conserva a natureza

cambial.

Esse é o quadro do cheque. Portanto, se você adotar o raciocínio do STJ e aplicá-lo ao cheque, você já vai encontrar julgados dizendo que até dois anos, não é título executivo. Eu posso entrar com a execução? Não, mas eu posso entrar com a monitória. E, nesse caso, eu não preciso indicar a causa de pedir porque conserva a natureza cambial. O STJ falou que o título prescrito não precisa da indicação da origem porque não perdeu a natureza cambial. Agora, passados os dois anos, não é titulo executivo e também não tem mais a natureza cambial. Virou só prova escrita e prova escrita ralé. Nesse caso, você precisa de causa de pedir. Aí o cheque, depois dos anos, eu preciso contar para o juiz a origem da dívida.

É assim que funciona a petição inicial da monitória. “Ah, Gajardoni, então, quer dizer que para todos os títulos, não precisa.” Não, não precisa. “Mas para o cheque, precisa?” depende do tempo do cheque. Se for emitido há menos de 2 anos, conservou a natureza cambial, não preciso falar a causa de pedir. Passados os dois anos, eu preciso dar todos os dados da existência do crédito porque como o cheque perdeu a natureza cambial, você precisa dar todos esses elementos.

Com essas considerações, eu encerro a petição inicial da monitória.

4.2. 2ª Etapa: DESPACHO INICIAL DO JUIZ

Esse é o cérebro da monitória e é isso que diferencia a ação monitória de todos os demais procedimentos especiais. Quando o juiz vai dar o despacho inicial, ele faz o exercício de cognição sumária (superficial) sobre o documento. E o que

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ele quer perceber no documento para poder autorizar o início da monitória? Ele quer, nesse exercício de cognição sumária sobre o documento, verificar a verossimilhança da existência da obrigação. Ele vai pegar sua monitória, vai olhar a monitória e vai ver o documento que instrui a monitória. À luz desse documento, ele faz um exercício de cognição sumária. Esse documento representa, suficientemente, a existência do crédito? É isso que ele vai verificar. E se for positiva ou negativa a resposta, as consequências serão diversas para o procedimento.

Se esse exercício de cognição sumário for um exercício que leve a uma resposta negativa, quer dizer, o documento não representa de modo verossimilhante, a existência de uma obrigação, neste caso, estamos diante de típica hipótese de impossibilidade jurídica do pedido. A lei veda a monitória se o documento não representa suficientemente a existência da obrigação. No meu caso da polícia (depoimento na polícia), eu fiz esse exercício e entendi que aquele documento não representava adequadamente a existência da obrigação. No entanto, se o juízo é negativo, numa postura mais tradicional, diante da impossibilidade jurídica do pedido, o caso é de indeferimento da inicial e isso está no art. 295, § único, do CPC (impossibilidade jurídica do pedido, indeferimento da inicial). Agora, me parece que essa é uma postura extremamente formalista, até porque se você falar “não representa adequadamente a obrigação, indefiro a inicial”, como o cara vai fazer? Vai entrar com uma ação de conhecimento pelo rito comum, vulgo, ação de cobrança. Então, numa postura mais moderna, espera-se do juiz que, ao invés de indeferir a inicial, ele determine a emenda para converter a monitória em rito comum (sumário ou ordinário). Esse é o juízo negativo. No foro, infelizmente, quem acaba fazendo esse juízo é o cartório que já dá um despacho pronto para o juiz sobre se é ou não admissível a monitória. E o juiz acaba não fazendo esse importante juízo.

Agora, o juízo pode ser positivo. Nesse juízo positivo, é o juízo em que o juiz, analisando que documentos chega a que conclusão? “esse documento representa de maneira bastante verossimilhante a obrigação.” Quando nós estivermos diante de um juízo positivo, automaticamente, aplicamos ao caso, o art. 1.102-B, do CPC, porque o juiz determina aquilo que a partir de agora vamos chamar de mandado de pagamento ou entrega da coisa que, para simplificar, vamos chamar de MPE.

Art. 1.102-B - Estando a petição inicial devidamente instruída, o Juiz deferirá de plano a expedição do mandado de pagamento ou de entrega da coisa no prazo de quinze dias.

Quando ele diz “devidamente instruída”, o que quis dizer? Estando com um documento que represente a verossimilhança na obrigação.

Quanto a esse juízo positivo, o que deve ficar bastante claro para você é que nós estamos num juízo de cognição sumário, trata-se de uma decisão provisória (porque mais adiante o juiz pode concluir que o documento não espelha absolutamente nada).

Outra observação importante sobre esse momento: nós estamos diante de típica hipótese de contraditório diferido ou, como prefere parte da doutrina, de contraditório postergado. Por quê? Quando o juiz pega o documento escrito, ele avalia a existência ou não do crédito. Isso é uma finalidade de conhecimento. É

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uma atividade cognitiva, se é assim, a monitória só pode ser processo de conhecimento e é tão assim que o contraditório fica postergado. Primeiro eu faço o juízo, depois eu ouço o réu.

Eu já vi várias questões de concurso que tentam relacionar a monitória com essa questão do contraditório diferido. A monitória é um típico processo em que o réu só é ouvido depois de que o juiz já fez uma análise sobre a existência ou não do crédito. Nunca esqueça de relacionar esses dois momentos.

Terceira observação: essa decisão que manda expedir o mandado de pagamento ou entrega, tem que ser fundamentada? É óbvio que tem que ser fundamentada. O juiz precisa falar porque aquele documento espelha ou não espelha a existência de uma obrigação.

4.3. 3ª Etapa: CITAÇÃO

Exatamente por causa da briga sobre se a monitoria é processo de execução, de conhecimento ou se é um quarto tipo de processo, existia uma discussão acadêmica sobre se era cabível na monitória todos os tipos de citação ou só alguns tipos. Isso porque no processo de conhecimento cabem todos. E no processo de execução só cabe citação pessoal e por edital. Há dúvida sobre a citação por hora certa e por carta não cabe nunca. É assim que funciona no processo de execução. E na monitória?

O professor Ernani Fidelis dos Santos sempre sustentou que não caberia, por exemplo, citação por edital na monitória. Então, se você não localizasse o réu, você tinha que entrar com a ação pelo rito comum. Mas esse entendimento acabou superado pelo próprio STJ que editou a Súmula 282, deixando claro que no processo monitório, cabem todos os tipos de citação. Ele não fala isso expressamente, mas a interpretação tem que ser esta porque a Súmula 282 diz o seguinte:

STJ Súmula nº 282 - DJ 13.05.2004 - Cabe a citação por edital em ação monitória.

Ora, se cabe citação por edital, cabem todas as espécies de citação na ação monitória, afinal de contas, ela é um processo de conhecimento. Entretanto, cabe a seguinte ressalva: verificada a verossimilhança do documento pelo juiz, ele manda expedir MPE. O réu está em local incerto e não sabido. Você intima o réu para pagar ou entregar, como? Por edital. Mas a eficácia disso e zero é a mesma coisa. Por isso, citou por edital, automaticamente, tem que aplicar por analogia, a súmula 196, do STJ que nada mais manda do que aplicar o art. 9.º, II, do CPC.

STJ Súmula nº 196 - DJ 09.10.1997 - Ao executado que, citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador especial, com legitimidade para apresentação de embargos.

“Ao executado”, no caso aqui, ao réu na monitória que, citado por edital, não pagar ou não entregar a coisa, será nomeado curador especial. Portanto, citou por edital na monitória, o mínimo que se espera é que você nomeie curador especial para que, hipocritamente, apresente embargos por negativa geral. Aliás, é uma

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piada. Você finge que o réu tem direito de defesa. Mas não haveria como ser diferente. É algo necessário, a citação por edital e, mais necessária ainda, a nomeação de curador especial.

4.4. 4ª Etapa: RESPOSTA DO RÉU

O réu pode apresentar as seguintes reações (todas são esperadas no prazo de 15 dias). O art. 1.102-B diz que a resposta do réu é esperada no prazo de 15 dias. Quantas respostas são possíveis? Ele tem a possibilidade de responder de três maneiras diferentes:

a) Através do cumprimento do mandado de pagamento entregue – Ou seja, ou ele paga ou entrega a coisa. Atenção porque nesse momento, o legislador fez uma opção para incentivar a entrega. Ele estabelece no art. 1.102-C, §1º, do CPC, uma sanção premial. Quer dizer, um castigo positivo. O art. 1.102, § 1º fala que, se você pagar ou entregar a coisa em 15 dias você ganha o direito de não pagar custas e honorários advocatícios. É bondade com o chapéu alheio. Concorda comigo? E as custas ficam por conta do autor.

b) O réu queda-se inerte – A segunda reação é não ter reação. É a inércia do réu. E, nesse momento, surgindo a inércia do réu, surge o efeito previsto no art. 1.102-C, § 3º

§ 3º - Rejeitados os embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, intimando-se o devedor e prosseguindo-se na forma prevista no Livro I, Título VIII, Capítulo X, desta Lei. (Alterado pela L-011.232-2005)

Se o réu se quedar inerte, haverá a conversão do mandado de pagamento ou entrega (MPE) em título executivo. E, consequentemente, já destaco, em título executivo judicial. O que vira título executivo é o MPE e, a partir daqui prossegue como se fosse processo execução.

Presta atenção numa coisa muito importante: essa decisão que converte o MPE em título executivo, não depende de fundamentação. É automática. O juiz simplesmente coloca: o réu, não pagou, o MPE virou título executivo, prossiga-se em execução judicial.

c) O réu apresenta embargos ao MPE – A terceira opção do réu é apresentar embargos ao MPE. Você não embarga a ação, mas a ordem do juiz que mandou você pagar ou entregar. São embargos ao mandado monitório ou ao mandado de pagamento ou entrega. A partir do momento que o réu apresenta esses embargos, automaticamente, você tem que aplicar o art. 1.102-C, § 2º, do CPC, que diz que no momento em que o réu apresenta os embargos a ação é automaticamente transformada em ação que vai seguir o rito ordinário. Ou seja, a monitória vira procedimento de rito ordinário, sem nenhuma particularidade a não ser o fato de que você fez uma tentativa de mandado de pagamento pela via executiva. Não colou, virou ação de cobrança. É isso que acontece com a ação

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monitória, seja no direito brasileiro, seja no direito italiano, seja no direito alemão e era assim que também aconteceria na ação decendiária.

§ 2º - Os embargos independem de prévia segurança do juízo e serão processados nos próprios autos, pelo procedimento ordinário.

Aqui, entretanto, eu queria fazer um destaque bem importante porque é objeto de uma súmula do STJ que entendeu que, exatamente por virar rito ordinário é cabível reconvenção. É a súmula 292, do STJ:

STJ Súmula nº 292 DJ 13.05.2004 –A reconvenção é cabível na ação monitória, após a conversão do procedimento em ordinário.

Eu entro com uma ação contra você dizendo que você me deve e apresento o recibo que você assinou. O juiz faz aquele juízo de verossimilhança e manda expedir o mandado de pagamento ou entrega. O oficial de justiça vai até você e manda que você entregue ou pague no prazo de 15 dias. Você fica doido porque não deve. Quem deve sou eu a você. Aí você apresenta embargos ao mandado monitório. A partir do momento que você opôs embargos, aquela ação virou uma ação de cobrança. Se é rito ordinário, a Súmula 292 diz o seguinte: “réu, você pode opor embargos ao mandado monitório e pode, ao mesmo tempo, atravessar uma reconvenção dizendo: “está aqui, eu também tenho provas de que ele me deve.” E junta documentos, etc.

A gente pode chegar a uma conclusão óbvia: qual é o requisito para reconvir na monitória? Embargar. Porque você só pode reconvir a partir do momento que vira ação de rito ordinário.

4.5. 5ª Etapa: EMBARGOS AO MANDADO MONITÓRIO

Ou embargos ao mandado de pagamento ou entrega. Quando eu chego a esses embargos eu tenho que ter em mente que superei as outras duas hipóteses, de conversão do título e também a questão da inércia. Esses embargos, nos termos do art. 1.102-C, § 2º, é processado nos mesmos autos da monitória (não tem nada de apenso, ele vai lá dentro) e, mais do que isso, independem de garantia do juízo. Até porque se dependessem de garantia do juízo, não seriam embargos monitórios, seriam embargos à execução.

Agora, a briga toda dessa questão do mandado monitório é a questão da natureza jurídica desse inferno aí. Eu odeio monitória. A natureza desses embargos é um verdadeiro inferno porque ninguém até hoje conseguiu esclarecer isso de maneira adequada. O STJ adota as duas posições. Tem duas posições e o STJ consegue adotar as duas. Existem duas posições diametralmente opostas na doutrina a respeito da natureza jurídica dos embargos ao mandato monitório.

Marcato, Dinamarco, Humberto Theodoro, Vicente Greco Filho – Para essa turma, a natureza jurídica dos embargos ao mandato monitório é de ação desconstitutiva. Igual aos embargos à execução. Você quer desconstituir o mandado de pagamento ou entrega. Você quer falar que aquele juízo de verossimilhança que aquele juiz fez no processo está errado e aquele mandado não poderia ter sido expedido.

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EMBARGOS DE TERCEIRO – AÇÃO MONITÓRIA

Ada Pelegrini Grinover, Nélson Néri, Sálvio de Figueiredo Teixeira, entre outros – Essa corrente adota o entendimento de que essa natureza jurídica é de contestação. Para eles o legislador, em vez de chamar de contestação monitória, chamou de embargos ao mandado monitório.

Qual é o problema prático dessa discussão? É que a definição da natureza jurídica dos embargos tem absoluta relevância para as consequências práticas. E eu gostaria de, com você, refletir sobre isso, já deixando claro que o STJ, dependendo do tema, adota uma das duas posições. Ora ele acha que é ação, ora ele acha que é contestação. Vou fazer algumas perguntas práticas e a gente junto decide se é ação ou contestação.

Aplicam-se os prazos do art. 188 e 191, do CPC? Prazo em quádruplo ara fazenda e prazo em dobro quando os litisconsortes têm diferentes procuradores? Se você adotar a posição de que é ação, a resposta é que não porque isso é prazo para a contestação. Se você adotar a resposta de que é contestação, aí sim. O que o STJ fala? Sim. Aqui, ele entendeu que é contestação. Aplica o art. 188 e o art. 191.

Cabe reconvenção? Se você adotasse a primeira posição, qual seria a resposta? Que não. Reconvenção é atrelada a uma contestação. Se você adotar a segunda posição, você diz que sim. A posição do STJ é que sim (Súmula 292). Portanto, cabe reconvenção na monitória. Os embargos, portanto, teriam natureza de contestação.

Ônus da prova – Você lembra que o ônus da prova é de quem tem que provar o fato. Se você adotar a teoria de que é ação, o ônus da prova é de quem afirma, portanto, quem teria que provar que o mandado de pagamento ou entrega não vale? O embargante porque é ele que afirma que o mandado está errado. Competiria ao embargante a prova disso. O cheque está lá prescrito eu embargo o mandado monitório, portanto, sou eu que tenho que provar que o mandado não é devido. Eu, embargante. Esse é o raciocínio do STJ. Para isso, ele entende que é natureza de ação. Aqui, ele não adotou a posição de que é contestação porque se fosse contestação o ônus da prova seria do autor. Então, eu embargaria e ficaria esperando que o autor provasse a existência da obrigação.

Para as duas primeiras polêmicas, ele adota a teoria da contestação. Para a última, ele adota a teoria da ação. Para você passar no concurso, não precisa resolver esse problema. Você pode deixar do jeito que está. O que você precisa saber é que existe a polêmica e que existe entendimento para cada um dos temas. Eu sou da turma que entende que tem natureza de ação.

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