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ELECTROMAGNETISMO & ´ OPTICA Jo˜ ao Pulido Dep. F´ ısica IST 2009-2010

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ELECTROMAGNETISMO & OPTICA

Joao Pulido

Dep. Fısica IST

2009-2010

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 1

1 Elementos de Calculo Vectorial

O proposito desta introducao e o de apresentar os campos vectoriais gradiante e rotacionale o campo escalar divergencia bem como as suas propriedades a que se recorre correntementeem Electromagnetismo.

1.1 Gradiante

Uma funcao que associa a cada ponto do espaco um numero real que representa o valor deuma grandeza fısica nesse ponto designa-se campo escalar. Assim a massa especıfica ou atemperatura sao campos escalares. De outro modo, associando-se a cada ponto um vector,ou seja um conjunto ordenado de tres numeros reais representando uma grandeza fısica,temos um campo vectorial. A velocidade do vento ou da agua dum rio sao exemplos decampos vectoriais.

Seja entao um campo escalar T (x, y, z) definido em dois pontos P e P′

de coordenadas(x, y, z) e (x

, y′

, z′

) infinitamente proximos a escala do problema que estamos a tratar,mas nao coincidentes. A diferenca entre os dois valores de T em P e P

e por hipoteseinfinitesimal

T (x′

, y′

, z′

)− T (x, y, z) = dT

e pode escrever-se em termos das derivadas parciais

dT =∂T

∂xdx +

∂T

∂ydy +

∂T

∂zdz

com x′

= x + dx, y′

= y + dy, z′

= z + dz. Esta expressao pode ser vista como o produtointerno de dois vectores escrito na forma cartesiana, o que sugere a definicao dum vectorchamado gradiante de T :

−−−−→grad T ≡

(∂T

∂x,∂T

∂y,∂T

∂z

)

tal que

dT =−−−−→grad T . ~dr

em que ~dr = (dx, dy, dz) representa o deslocamento infinitesimal P → P′

.

A componente do gradiante dum campo escalar segundo uma direccao e pois a taxa devariacao desse campo segundo essa direccao. Se o campo escalar representar por exemplo aaltitude, o gradiante segundo xx e o declive na direccao xx.

A fim de representar o gradiante recorre-se por vezes ao operador nabla:

~∇ =

(∂

∂x,∂

∂y,∂

∂z

).

2 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Nao tem em si mesmo qualquer significado fısico, por isso e designado como operador. Essesignificado apenas aparece quando aplicado a um campo escalar ou vectorial. Assim emtermos de ~∇ o gradiante pode escrever-se como

−−−→gradφ = ~∇φ.

Fixado um ponto P (x, y, z), a sua distancia r a um outro ponto Q(x′

, y′

, z′

) e um campoescalar r(x

, y′

, z′

),

r =√

(x′ − x)2 + (y′ − y)2 + (z′ − z)2 .

A este campo escalar vamos fazer corresponder um vector ~r com origem em P (x, y, z) eextremidade em Q(x

, y′

, z′

), ou seja a expressao cartesiana de ~r e

~r = (x′ − x)~ex + (y

′ − y)~ey(z′ − z)~ez .

Podemos entao definir o gradiante da distancia r

−−−−−→gradQ r =

∂r

∂x′~ex +

∂r

∂y′~ey +

∂r

∂z′~ez =

1

r

[(x

′ − x)~ex + (y′ − y)~ey(z

′ − z)~ez]

=~r

r= r .

Portanto−−−−−→gradQ r e o versor da direccao PQ dirigido de P para Q. Se considerarmos

Q(x′

, y′

, z′

) fixo e P (x, y, z) movel define-se gradiante da distancia r em ordem as coorde-nadas de P (x, y, z)

−−−−−→gradP r =

∂r

∂x~ex +

∂r

∂y~ey +

∂r

∂z~ez = −~r

r= −r = −−−−−−→gradQ r .

Sao de mencionar em seguida duas propriedades do gradiante usadas em Electrostatica

• Dada uma funcao escalar φ, o seu gradiante−−−→gradφ e perpendicular as superfıcies em

que φ e constante, porque sobre qualquer destas superfıcies tem-se sempre

dφ = 0 =−−−→gradφ. ~dr

em que ~dr representa um deslocamento infinitesimal sobre a superfıcie, resultando pois

−−−→gradφ ⊥ ~dr .

• O integral de linha do gradiante entre dois pontos A e B e independente do percursoΓ entre esses pontos ∫

Γ

−−−→gradφ. ~dr = φ(B)− φ(A) ,

ou seja depende apenas do valor da funcao φ nos extremos do percurso.

A demonstracao desta propriedade e quase imediata. Assim, se considerarmos o per-curso entre A e B dividido em n pequenos segmentos orientados

−→∆ri = (∆x,∆y,∆z)i,

tem-se para o segmento de ordem i

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 3

A B1

2 3n−2

n−1

(−−−→gradφ)i.

−→∆ri =

(∂φ

∂x

)

i

(∆x)i +

(∂φ

∂y

)

i

(∆y)i +

(∂φ

∂z

)

i

(∆z)i ' (∆φ)i (i = 1, ..., n) .

Comparando com a expressao da variacao de uma funcao entre dois pontos, ve-se queesta quantidade e aproximadamente igual a diferenca (∆φ)i entre os valores de φ nosextremos do segmento i. Esta aproximacao e tanto melhor quanto menores forem ossegmentos e mais elevado o seu numero. Somando membro a membro as n equacoesacima, o integral de linha e o limite desta soma quando o numero de parcelas tendepara infinito e cada parcela e um infinitesimo:

Γ

−−−→gradφ. ~dr = lim

n→∞,(∆φ)i→0

n∑

i=1

(∆φ)i = limn→∞

n∑

i=1

(−−−→gradφ)i.

−→∆ri .

Uma vez que cada parcela apenas depende do valor de φ nos extremos do respectivosegmento elementar, o mesmo vai acontecer ao somatorio, e portanto ao integral comoquerıamos demonstrar ∫

Γ

−−−→gradφ. ~dr = φ(B)− φ(A) .

1.2 Fluxo e divergencia

Seja um volume V onde se encontra definido um campo vectorial ~α e seja S a superfıcielimıtrofe desse volume. Designa-se por fluxo de ~α atraves de S o integral

S~α.~n dS

em que ~n e um vector unitario dirigido para o exterior do volume designado por semi-normal.Se S for uma superfıcie aberta, o vector ~n e dirigido num sentido positivo pre-definido, naolhe correspondendo obviamente um volume V .

Suponhamos agora que V e dividido em dois subvolumes V1 e V2 e sejam S1 e S2 assuperfıcies limıtrofes respectivamente de V1 e V2. Verifica-se entao que

S~α.~n dS =

S1

~α.~n dS +∫

S2

~α.~n dS .

4 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Demonstracao

Consideremos a superfıcie de separacao Sab entre V1 e V2 e seja S1 = Sa + Sab, S2 =Sb + Sab (ver figura). Tem-se por definicao S = Sa + Sb.

~α→

~α→

~α→

~α→

~n1

~n2

←Sa Sb

V1 V2~n←Sab

~n→

O fluxo de ~α atraves de S1 e de S2 sera entao∫

S1

~α.~n1 dS =∫

Sa~α.~n1 dS +

Sab~α.~n1 dS

S2

~α.~n2 dS =∫

Sb~α.~n2 dS +

Sab~α.~n2 dS .

Tratando-se de uma superfıcie fechada, a semi-normal ~n e dirigida para o exterior dessasuperfıcie, o que implica que sobre Sab se tem ~n1 = −~n2 ponto a ponto, portanto somandoas duas ultimas equacoes

S1

~α.~n1 dS +∫

S2

~α.~n2 dS =∫

Sa~α.~n1 dS +

Sb~α.~n2 dS =

S~α.~n dS

como querıamos demonstrar.

Uma vez que a superfıcie S esta imersa no campo vectorial ~α, o fluxo de ~α a esquerdae a direita de S e respectivamente negativo e positivo porque em Sa

π

2< (~α , ~n) < π ⇒ ~α.~n dSa < 0

e em Sb0 < (~α , ~n) <

π

2⇒ ~α.~n dSb > 0 ,

ou seja o fluxo atraves de uma superfıcie fechada e a diferenca entre o fluxo que sai e o fluxoque entra. Recordar que ~n (vd. figura) e a semi-normal dirigida para o exterior de S.

Define-se divergencia dum campo vectorial ~α a quantidade

div ~α = ~∇.~α =∂αx∂x

+∂αy∂y

+∂αz∂z

.

Trata-se portanto de um campo escalar.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 5

Dado um volume limitado por uma superfıcie S verifica-se a seguinte identidade∫

Vdiv ~α dV =

S~α.~n dS

conhecida como teorema da divergencia.

Demonstracao

Vamos considerar o volume V dividido em paralelipıpedos infinitesimais alinhados comos eixos coordenados e calculemos o fluxo de ~α atraves da superfıcie de cada um deles.

dxdy

dz

O

Z

Y

X

Designando por 1 e 2 as faces paralelas a XOZ, uma vez que ~n e neste caso o versor doeixo dos yy, a contribuicao destas faces vai ser (~α tem uma orientacao arbitraria)

~α(1).~n dx dz − ~α(2).~n dx dz = [αy(1)− αy(2)] dx dz =∂αy∂y

dy dx dz ,

porque [αy(1) − αy(2)] e a diferenca infinitesimal entre dois valores αy para uma variacaody.

Analogamente para as faces paralelas a XOY (~n e o versor de zz)

~α.~n dS = [αz(3)− αz(4)] dx dy =∂αz∂z

dz dx dy .

Faces paralelas a Y OZ (~n e o versor de xx)

~α.~n dS = [αx(5)− αx(6)] dy dz =∂αx∂x

dx dy dz.

Somando, obtem-se o fluxo de ~α atraves da superfıcie limıtrofe do paralelipıpedo infinitesimal

~α.~n dS =

(∂αx∂x

+∂αy∂y

+∂αz∂z

)dx dy dz .

6 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Somando para todo o volume, no limite em que o numero de paralelipıpedos tende parainfinito e o volume de cada um deles tende para zero, apenas prevalecem as contribuicoesdas faces tangentes a superfıcie exterior S. Portanto

Vdiv ~α dV =

S~α.~n dS

como querıamos demonstrar.

Para volumes elementares, ~α pode considerar-se uniforme, de modo que div ~α atravesdum volume elementar representa a diferenca entre o fluxo que entra e o fluxo que sai porunidade de volume.

1.3 Rotacional e Teorema de Stokes

Define-se circulacao de um campo vectorial ~α como o seu produto interno por um vectorinfinitesimal ~dr ao longo de um contorno Γ (percurso fechado):

Γ~α . ~dr

Γ

~dr

Γ1 Γ2

Γa Γb

Γab

~dr1~dr1

~dr2

~dr1

~dr2

E o vector ~dr que define o sentido de circulacao.

Se decompusermos o contorno Γ em dois contornos Γ1 e Γ2 como se indica na figura dadireita, verifica-se que ∮

Γ~α . ~dr =

Γ1

~α . ~dr +∮

Γ2

~α . ~dr .

A demonstracao desta propriedade faz-se de modo semelhante a da propriedade do fluxoque se viu no inıcio da seccao 1.2. Basta fazer as primitivacoes por decomposicao de Γ1

e Γ2 ao longo respectivamente de Γa, Γab e de Γb, Γab, notando que os deslocamentos ~dr1

e ~dr2 sobre Γab ocorrem em sentidos contrarios. Tal implica o anulamento das respectivascontribuicoes ao fazer-se a soma, ficando demonstrada a propriedade.

Define-se rotacional de um campo vectorial ~α o campo vectorial

−−−→rot ~α = ~∇× ~α = det

~ex ~ey ~ez∂∂x

∂∂y

∂∂z

αx αy αz

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 7

O rotacional e um operador vectorial que esta intimamente relacionado com o conceito decirculacao de um vector nun contorno. Essa relacao e dada pelo teorema de Stokes

Γ~α . ~dr =

S

−−−→rot α . ~n dS ,

ou seja, a circulacao de um vector sobre um contorno e igual ao fluxo do seu rotacionalatraves de uma superfıcie que sobre ele se apoia.

Demonstracao

∆ΓiΓ

X

Y

dx

dy

12

34

Consideremos o contorno Γ decomposto em rectangulos elementares ∆Γi como se indicana figura e calculemos a circulacao de ~α sobre cada um deles. Todos os rectangulos devemser percorridos no mesmo sentido, de modo que, de acordo com a propriedade anterior, ascontribuicoes dos lados horizontais se cancelam mutuamente. A circulacao sobre Γ e pois,no limite em que o numero de rectangulos tende para infinito, a soma das contribuicoes doslados que estao sobre o contorno Γ, ou seja a quantidade que pretendemos calcular.

Calculemos a circulacao sobre o rectangulo ∆Γi∮

∆Γi~α . ~dr =

∫[αx(1)− αx(3)]dx+

∫[αy(2)− αx(4)]dy .

Como ∆Γi e infinitesimal:

∆Γi~α . ~dr =

∫−∂αx∂y

dy dx+∫∂αy∂x

dx dy =∫ (

∂αy∂x− ∂αx

∂y

)dx dy =

∫(−−−→rot α)z dx dy.

A parte o integral cıclico, todos estes sao integrais de superfıcie (pode ser o proprio rectangulo∆Γi). Somando sobre ∆Γi (i=1,...,n) obtem-se

Γ~α . ~dr =

∫(−−−→rot α)z dx dy =

S

−−−→rot α . ~n dx dy .

A direccao z e a direccao normal ao plano do contorno Γ que e o plano XOY , portanto paraum plano com uma orientacao arbitraria

Γ~α . ~dr =

S

−−−→rot α . ~n dS

8 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

como querıamos demonstrar.

Para que uma superfıcie se apoie sobre um contorno e necessariamente aberta. Se forfechada, isso significa que o contorno ’colapsou’ para um ponto, resultando que o rotacionalatraves de qualquer superfıcie fechada e zero.

Sfechada

−−−→rot α . ~n dS = 0 .

Este facto implica, pelo teorema da divergencia

Vdiv−−−→rot α dV = 0 ,

resultado que e valido para qualquer volume V que encerre a superfıcie. Assim a divergenciade um rotacional e nula:

div−−−→rot α = 0 .

Reciprocamente se um vector tem divergencia nula, e um rotacional:

div ~B = 0 ⇒ ~B =−−−→rot A .

Por outro lado se−−−→rot α = 0, resulta pelo teorema de Stokes

Γ~α . ~dr = 0 .

Portanto se um vector tem rotacional nulo, o seu integral de linha num percurso fechado ezero e reciprocamente (e o que acontece por exemplo com o campo gravitacional).

1.4 Resumo das propriedades dos operadores div, rot e grad

• A divergencia de um rotacional e nula.

De facto se integrarmos div−−−→rot α num volume, tem-se pelo teorema da divergencia

Vdiv−−−→rot α dV =

Sfechada

−−−→rot α . ~n dS = 0

que pelo teorema de Stokes implica

Sfechada

−−−→rot α . ~n dS =

Γ~α . ~dr = 0

sendo este anulamento devido ao facto de que o contorno ’colapsou’ para um ponto.Como o volume V e arbitrario, resulta

div−−−→rot α = 0 .

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 9

• O integral cıclico de um gradiante e nulo.

Basta recordar que ∫ B

A

−−−−→grad φ . ~dr = φ(B)− φ(A)

e independente do percurso de A para B. Se o percurso for fechado, A e B coincidem,ficando ∮

Γ

−−−−→grad φ . ~dr = φ(A)− φ(A) = 0 .

• Recıproco: se o integral cıclico de um campo vectorial e zero para qualquer contorno,a integranda e um gradiante:

Γ~α . ~dr = 0 ⇒ ~α =

−−−−→grad φ .

Se o integral cıclico e zero podemos escreve-lo como um integral de linha com osextremos coincidentes, resultando que continua a anular-se qualquer que seja o cam-inho, desde que os extremos coincidam. Sendo o integral independente do caminho, aintegranda e um gradiante.

• Se o integral cıclico de um campo vectorial e zero para qualquer contorno, a inte-granda (gradiante) tem rotacional nulo, o que equivale a dizer que o rotacional de umgradiante e zero:

−−−−−−−→rot grad φ = 0 .

Pelo teorema de Stokes

0 =∮

Γ~α . ~dr =

S

−−−→rot α . ~n dS

e como ~α e um gradiante pela propriedade anterior (~α =−−−−→grad φ), uma vez que a

superfıcie aberta S e arbitraria, a integranda e nula,−−−→rot α =

−−−−−−−→rot grad φ = 0 .

• Se um vector tem divergencia nula, entao e um rotacional.

De facto, se a divergencia de ~α e nula, pelo teorema de Gauss

0 =∫

Vdiv ~α dV =

S~α . ~n dS

ou seja, o fluxo de ~α atraves de qualquer superfıcie fechada e zero. Mas um vectorque tem fluxo zero nestas condicoes e um rotacional, como vimos na seccao anterior.Portanto existe ~β tal que

~α =−−→rotβ .

Importa reter

−−−→rot α = 0 ⇔ ~α =

−−−−→grad φ e tambem div ~α = 0 ⇔ ~α =

−−−→rot β .

10 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

2 Electrostatica

O Electromagnetismo trata das interaccoes entre cargas electricas em repouso e em movi-mento. Os fenomenos electricos e magneticos estao interligados: os campos magneticos saoprovocados pelo movimento de cargas electricas e o movimento de um campo magneticoprovoca um campo electrico.

De inıcio a electricidade estava relacionada com a nocao de accao a distancia, bempatente no enunciado da lei de Coulomb (Charles Coulomb, 1736-1806). E com Faraday(Michael Faraday, 1791-1867) que e introduzido o conceito de campo, na base do qual asforcas electromagneticas se estendem pelo espaco livre muito para alem dos condutores.O conceito de Faraday das linhas de forca ou fluxo emanando dos corpos carregados edos magnetos permitia visualizar quer o campo electrico quer o magnetico. Uma maiordensidade de linhas de forca por unidade de area perpendicular representa um campo maisintenso. No caso do campo electrico as linhas de forca representam as trajectorias deuma carga electrica positiva. O conceito de campo, embora nao tenha tido aceitacao aotempo de Faraday, e muito mais vantajoso relativamente ao de accao a distancia, sobretudopara campos rapidamente variaveis, e acabou por se revelar essencial no desenvolvimentoposterior da Fısica e da tecnologia.

Uma evolucao essencial subsequente ao trabalho de Faraday foi levada a cabo porMaxwell (James Clark Maxwell, 1831-1879) que demonstrou estarem todos os fenomenoselectromagneticos descritos pelas equacoes

div ~E =ρ

ε

div ~H = 0

−−−→rot E = −∂

~B

∂t

−−−→rot H = ~J + ε

∂ ~E

∂t.

Os campos electrico e magnetico estao designados por ~E e ~H, sendo ~B a inducao magneticamuitas vezes referida apenas como campo magnetico. Relaciona-se com ~H por ~B = µ ~H edepende do meio atraves de µ, a permeabilidade magnetica. O parametro ε representa aconstante dielectrica do meio. A primeira das equacoes acima e a lei de Gauss que traduzo facto de serem as cargas ρ as fontes do campo electrico ~E, a segunda e o seu equivalentepara o campo magnetico ~H (ou de inducao magnetica ~B) que declara nao haver cargas

(monopolos) magneticos, sendo portanto fechadas as linhas de forca de ~H e ~B. A terceira(lei de Faraday) traduz o facto de campos magneticos variaveis originarem campo electrico (ocampo electrico de inducao). A ultima traduz o facto de correntes electricas em condutoresproduzirem campos magneticos (corrente de conducao, 1o termo) que tambem podem seroriginados pela transmissao de energia atraves de meios isolantes (corrente de deslocamento,2o termo).

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 11

Nas situacoes ditas estacionarias nao ha variacao dos campos com o tempo. Se anularmosas derivadas em ordem ao tempo, a ligacao entre os campos electrico e magnetico deixaaparentemente de existir:

−−→rotE = 0 div ~B = 0

div ~E = ρ/ε−−−→rotH = ~J.

As duas equacoes da esquerda referem-se apenas a campos electricos numa situacaoestatica: sao as equacoes do campo electrostatico que e conservativo, verificando pois

−−→rotE = 0 ⇔ ~E = −−−−−→grad V ⇔

∮~E . ~dr = 0.

As duas equacoes da direita sao as da magnetostatica. Nao se trata aqui duma situacaoestatica mas apenas estacionaria pois so ha campo magnetico se houver cargas em movi-mento, ou seja corrente electrica: ~J 6= 0. Portanto o magnetismo e um efeito provocado pelomovimento de cargas electricas.

2.1 Lei de Coulomb

2.1.1 Campo electrostatico

O desenvolvimento quantitativo da electrostatica inicia-se com a lei de Coulomb estabelecidaem 1785. Para a introduzir comecemos por notar que uma carga electrica numa zona ondeexiste campo electrico ~E originado por cargas e correntes fica sujeita a uma forca dada por

~F = q ~E

de modo que o campo pode ser visualizado como a forca por unidade de carga, sendo assuas unidades N C−1 = V m−1. A forca electrica e pois paralela ou antiparalela ao campoelectrico. Se alem deste existir campo magnetico, entao a forca actuante passa a ser

~F = q ~E + q~v × ~B

(forca de Lorentz). A forca magnetica e assim perpendicular ao campo magnetico e a veloci-dade e so existe se houver movimento da carga q. Da expressao acima ve-se que as unidadesde ~B sao N C−1 m−1 s = T = Wb m−2 ∗.

A lei de Coulomb foi originalmente entendida como uma accao a distancia a semelhancada lei de Newton. E alias formalmente identica, uma vez que a forca entre duas cargasvaria directamente com o valor de cada uma, inversamente com o quadrado da sua distanciarelativa e e dirigida segundo a direccao definida pelas duas. A diferenca para a lei de Newtone a de que as cargas da mesma natureza se repelem e as de natureza oposta se atraem. Oseu enunciado e conhecido:

~F (r) =1

4πε0

qq′

r2

−−−−−→gradP r.

∗T≡ Tesla (unidade de inducao magnetica), Wb≡ Weber (unidade de fluxo magnetico).

12 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Recorde-se que−−−−−→gradP r =

~r

|~r|e o versor da direccao de r (distancia relativa entre as cargas) dirigido no sentido de rcrescente. A constante multiplicativa

1

4π ε0= k = 9× 109N m−2 C−2

em que ε0 = 8.85 × 10−12F m−1 e a constante dielectrica do vacuo (F≡ Faraday, unidadede capacidade).

Alternativamente podemos visualizar o fenomeno como sendo uma das cargas (por ex-emplo q) que provoca um campo electrostatico que por sua vez vai ser sentido pela outra

(q′

) atraves de uma forca ~F = q′ ~E. Sendo assim o campo electrostatico pela lei de Coulomb

e dado por

~E(r) =1

4πε0

q

r2

−−−−−→gradP r.

Para uma distribuicao de cargas usa-se normalmente o princıpio da sobreposicao, se-gundo o qual o campo devido a um conjunto de cargas e a soma vectorial dos campos criadospor cada uma delas individualmente. Isso significa que nao ha efeitos de interferencia: ocampo devido a uma qualquer nao e alterado se introduzirmos outras na vizinhanca. Temeste facto a ver com a linearidade das equacoes de Maxwell. Assim, para uma distribuicaode cargas, sendo ~Ei(qi) o campo devido a carga qi

~E =∑

i

~Ei(qi) .

Exemplo. Condutor filiforme de comprimento infinito (calculo do campo pela lei de Coulomb).

Trata-se neste caso de uma distribuicaode carga em comprimento. Para isso va-mos introduzir uma densidade linear

λ = lim∆y→0

∆q

∆y=dq

dy

tal que o condutor e considerado umasequencia de cargas elementares infinites-imais dq = λ dy. Sendo λ uniforme,a carga do condutor e Q =

∫λ dy =

λL em que L e o seu compri-mento. Da figura tem-se tan θ =y/R ⇒ dy = R dθ/(cos2θ), cos θ =R/r1,2 ⇒ 1/r1,2 = cos θ/R.

r1

r2

R

θ

y

gra~dP R

λdy

λdy

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 13

Os campos criados por cada um dos elementos sao

~dE1 =λ dy

4πε0 r12

−−−−−→gradP r1 =

λ dy

4πε0 r12(cos θ ~ex − sin θ ~ey)

~dE2 =λ dy

4πε0 r22

−−−−−→gradP r2 =

λ dy

4πε0 r22(cos θ ~ex + sin θ ~ey)

de modo que o campo devido ao par de elementos e

~dE = ~dE1 + ~dE2 =λ dy

2πε0 r2cos θ ~ex.

Note-se que devido a simetria a componente do campo paralela ao fio se anula. Para todoo fio tem-se

E =∫

dE =λ

2πε0

∫dy

r2cos θ.

A integracao far-se-a apenas para metade do fio para evitar a dupla contagem de elementos.Escolhendo θ como variavel de integracao vem

E =λ

2πε0

∫ π/2

0

cos2θ

R2

R

cos2θcos θ dθ =

λ

2πε0

∫ π/2

0

cos θ

Rd θ =

λ

2πε0 R.

Para uma carga filiforme o campo e pois inversamente proporcional a distancia.

Exemplo. Carga plana (calculo do campo pela lei de Coulomb).

A semelhanca do exemplo anterior definimos uma densidade superficial de carga

σ = lim∆S→0

∆q

∆S=dq

dS

em que dS e um elemento de area.Comecamos por calcular o campo devidoa uma coroa circular uniformemente car-regada, considerando em seguida o planocomo uma extensao dessa coroa. Deacordo com a figura a area da coroa cir-cular e dS = dx

∫ 2π0 x dφ = 2πx dx.

Da figura tem-se tambem cos θ = R/r,tanθ = x/R ⇒ dx = R dθ/cos2θ.

PR

θ

r

x

~ey

O campo criado pela coroa circular e

~dE =σ dS

4πε0 r2cos θ ~ey =

σ 2πx

4πε0 r2dx cos θ ~ey.

14 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Novamente so ha componente perpendicular a coroa. Consideramos a coroa completa, umavez que integramos de 0 a 2π. O campo total devido ao plano sera obtido fazendo aintegracao no angulo θ representado e dividindo por 2 para evitar a dupla contagem ou,equivalentemente integrando de 0 a π/2.

E =∫

dE =∫

σ

2ε0

cos2θ

R2R tan θ

R

cos2θdθ cos θ =

∫σ

2ε0tan θ cos θ dθ.

Inserindo os limites de integracao

E =σ

2ε0

∫ π/2

0

sin θ

cos θcos θ dθ =

σ

2ε0.

Conclusao: o campo devido a uma carga plana e uniforme.

Nestes exemplos considerou-se quer o fio quer o plano infinitos, o que como e obvio,envolve uma aproximacao. Nao existindo na realidade nem fios nem planos infinitos, aaproximacao e tanto melhor quanto menor for a distancia ao fio ou plano em comparacaocom as dimensoes destes.

2.1.2 Potencial

Usando a definicao de gradiante e facil verificar que

−−−→gradP

(1

r

)= − 1

r2

−−−→gradP r = − 1

r2

~r

r

donde o campo electrostatico pode escrever-se

~E = −−−−→gradPq

4πε0 r

o que sugere a introducao do potencial electrostatico

V =q

4πε0 rtal que ~E = −−−→grad V.

O campo electrostatico e pois conservativo: resulta de uma funcao potencial por aplicacaodo operador − grad, ou seja, campos gradiantes tem rotacional nulo e o seu trabalho aolongo de um circuito fechado (Γ) e zero. Assim

−−→rotE = 0 ⇔

Γ

~E . ~dl = 0 .

O trabalho do campo electrostatico entre dois pontos e dado por:

W =∫ P2

P1

− ~E . ~dr =∫ P2

P1

− −−→grad V . ~dr = VP1− VP2

= −∆V

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 15

ou seja, e igual a diminuicao da energia potencial entre esses pontos. Especificamente

W =∫ r2

r1

1

4πε0

q

r2dr =

q

4πε0

[−1

r

]r2

r1

=q

4πε0

(1

r1− 1

r2

).

Se o ponto final estiver situado no infinito, r2 =∞, o trabalho dispendido pelo campo paratransportar uma carga unitaria de P1 →∞ sera

W =q

4πε0 r1

= VP1

ou seja, e o potencial no ponto P1. Somente as diferencas de potencial tem significado fısico,sendo o potencial num ponto a diferenca de potencial entre esse ponto e o infinito. O mesmoe dizer que o potencial e definido a menos de uma constante arbitraria:

V =q

4πε0 rou V

=q

4πε0 r+ C

correspondem ao mesmo campo:

−−−→grad V = −−−→grad V ′

.

Tal como o campo, tambem o potencial e aditivo: o potencial devido a uma distribuicao decargas e dado por

V =1

4πε0

i

qiri

em que ri e a distancia a carga pontual qi. Para uma distribuicao de carga em volume dedensidade ρ,

ρ = lim∆ v→0

∆q/∆v

soma-se sobre os elementos de carga dq = ρ dv:

V =1

4πε0

V

ρ dv

r

em que V e o volume no qual a carga esta distribuıda.

Superfıcies equipotenciais sao aquelas que verificam equacoes do tipo

V (x, y, z) = const.

resultando que o campo electrostatico e perpendicular em cada ponto as equipotenciais.(Recorde-se que sobre uma equipotencial

dV = 0 = − ~E . ~dr =−−→grad V . ~dr

em que ~dr e um deslocamento elementar sobre a equipotencial. Portanto ~E ⊥ ~dr).

Uma vez que no interior e na superfıcie dos condutores as cargas se movem livremente,elas movimentam-se ate que as forcas se anulem. Nessa situacao ficam em repouso e ~E = 0.Assim, num condutor em equilıbrio electrostatico nao ha campo quer no seu interior, querna superfıcie. A superfıcie de um condutor e pois uma equipotencial e o seu volume e umvolume equipotencial, resultando daı que o campo electrostatico e perpendicular a superfıciedos condutores.

16 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

2.1.3 Dipolo electrico

E um conjunto de duas cargas iguais de natureza oposta separadas por uma distancia lque suporemos muito mais pequena do que a distancia a qualquer ponto onde queiramosconhecer o seu campo ou potencial (ponto potenciado). Este sistema e um modelo usado nadescricao do comportamento de algumas moleculas e ainda no estudo da emissao de ondaselectromagneticas em sistemas simples. Daı que faca sentido calcular o potencial e campocriados por duas cargas +q e −q relativamente proximas em pontos muito afastados. Afigura da esquerda representa esquematicamente o conjunto de linhas de forca do campodipolar e a da direita as duas cargas e o ponto potenciado P .

~l

~r+

~r−

P

Em qualquer ponto P o campo e dado por

~E =1

4πε0

(q

r2

−−−→gradP r+ −

q

r2

−−−→gradP r−

)

e o potencial

V =q

4πε0

(1

r+− 1

r−

).

Tal como indicado na figura, definimos um vector ~l dirigido no sentido −q → +q e fazemos~r− ≡ ~r, de modo que ~r+ = ~r − ~l. Num ponto distante (r−, r+ >> l) podem efectuar-se asseguintes aproximacoes

r+ =√~r+ . ~r+ =

√r2 + l2 − 2~r.~l '

√r2 − 2~r.~l = r

1− 2~r.~l

r2

1/2

' r

1− ~r.~l

r2

.

Por outro lado a seguinte aproximacao tambem e valida

1

r+

− 1

r−=

1

r(1− ~r. ~l

r2

) − 1

r' 1

r

1 +

~r.~l

r2

− 1

r=~r.~l

r3

(Usamos aqui ~r. ~l << r2 e 1/(1− x) ' 1 + x valido para |x| << 1 ). Substituindo naexpressao de V

V =q

4πε0r3~r.~l =

1

4πε0

q ~l.~r

r3=

1

4πε0

~m.~r

r3

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 17

em que ~m ≡ q~l (momento do dipolo). No caso mais simples em que ~m || ~r (com θ = 0 ouθ = π) o campo do dipolo e radial. De facto tem-se nesse caso

V = ± 1

4πε0

m

r2⇔ ~E = ± 1

4πε0

2m

r3~er.

Em geral o campo tem tambem uma componente segundo ~eθ. Repare-se que no seu conjuntoo dipolo tem carga nula, (+q) − (−q) = 0. No entanto o potencial e o campo criados saodiferentes de zero. A intensidade do campo quando r →∞ vai para zero mais rapidamentedo que o campo criado por uma carga (com 1/r3 e nao 1/r2).

2.2 Lei de Gauss

Consideremos as linhas de forca de umcampo electrostatico ~E e um elemento desuperfıcie dS e seja ~n a semi-normal asuperfıcie em cada ponto. O vector ~ne unitario dirigido para fora para umasuperfıcie fechada e num sentido posi-tivo previamente fixado se a superfıciefor aberta. O fluxo de ~E atraves de dS,define-se como o produto ~E.~n dS e mede onumero de linhas de forca que cruzam dSnum dado sentido. Para uma superfıcieS o fluxo define-se como

! "# $

%& '(

)*

+,

~n

dS

Φ =∫

S

~E.~n dS

o que corresponde a uma soma de todas as linhas de forca que cruzam a superfıcie. Se asuperfıcie for paralela as linhas de forca o fluxo e zero, pois que o plano tangente a superfıciee paralelo as linhas de forca. O fluxo sera maximo quando a superfıcie for perpendicular aslinhas de forca.

Seja uma carga pontual em O exteriora uma superfıcie fechada e calculemoso fluxo do campo criado por essa cargaatraves da superfıcie. O numero de lin-has de forca que entra e igual ao que sai.Portanto Φ = 0.

q

SO

-

18 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Se a carga estiver no interior, e semprepossıvel considerar uma esfera de raio rcentrada na carga e interior a superfıcie,tal que o fluxo e o que sairia atraves dessaesfera. De facto sao as mesmas linhas deforca que sao cortadas em ambos os casos.Tem-se assim

O

q

S

Φ =∫

S

~E.~n dS =∫

Sesfera

~E.~n dS =q

4πε0 r24πr2 =

q

ε0.

Note-se que o fluxo nao depende do raio da esfera considerada. Usando o princıpio dasobreposicao para a situacao em que ha varias cargas, este resultado generaliza-se para alei de Gauss:

O fluxo electrico atraves de qualquer superfıcie fechada e dado pela carga total no seuinterior a parte o factor 1/ε0 ,

Φ =∫

S

~E.~n dS =1

ε0

i

qi → Φ =1

ε0

Vρ dV

sendo a ultima expressao valida para uma distribuicao de carga em volume ρ. A lei de Gaussconstitui como veremos a seguir uma alternativa a lei de Coulomb para o calculo do campoelectrostatico. Na sua aplicacao ha que escolher convenientemente uma superfıcie imaginariaque contenha as cargas (superfıcie de Gauss) atraves da qual seja simples o calculo do fluxo.

Exemplo 1. Campo criado por um plano carregado com uma distribuicao de carga σ.

A superfıcie de Gauss escolhida e um pa-ralelipıpedo como indica a figura. Sendoo plano infinito, ~E e perpendicular asbases do horizontais do paralelipıpedo. Ofluxo e pois zero atraves das faces verti-cais. Portanto sendo A a area de cadaface horizontal

σ

~n

~n

~n

~n

~n

~n

~E

~E

S

~E . ~n dS = EA + EA =1

ε0Qint .

A carga interior ao paralelipıpedo e Qint = σ A donde

2EA =σA

ε0⇒ E =

σ

2ε0.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 19

Exemplo 2. Campo criado por uma carga filiforme

A superfıcie de Gauss e um cilindro comas bases muito afastadas (o fio e infinito).So existe fluxo atraves da area lateral,pois o campo e radial.

S

~Ecil . ~n dS = E∫

Slateral

dS = E 2πr L =1

ε0Qint

~n

~n

~E

~E

em que Qint =∫ L0 λ dl = λL e a carga interior ao cilindro. Portanto

E 2πr L =λL

ε0⇒ E =

λ

2πε0r.

Nestas expressoes r representa o raio do cilindro que e a distancia do fio ao ponto poten-ciado. Deve comparar-se a simplicidade destas resolucoes em relacao aos mesmos exemplosresolvidos pela lei de Coulomb.

2.2.1 Equivalencia entre a lei de Gauss e a lei de Coulomb

Vimos que os condutores em equilıbrio electrostatico sao regioes equipotenciais e que,movendo-se as cargas livremente sobre a sua superfıcie como no seu interior, a distribuicao decarga na superfıcie de um condutor e uniforme. Seja entao uma esfera condutora carregadacomo a que se representa na figura.

Para os dois cones simetricos de verticeem P que demarcam na esfera as areas a1

e a2 verifica-se

a1

r21

=a2

r22

e as cargas em a1 e a2 verificam

q1

q2=a1

a2

ou seja

P

r2

r1

a2

a1

q1

r21

=q2

r22

⇒ E1 = E2

20 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

o que significa que os campos criados pelas areas carregadas a1 e a2 se anulam exacta-mente em qualquer ponto no interior da esfera. Tal conclusao e uma consequencia da leide Coulomb. Por outro lado pela lei de Gauss o campo no interior da esfera e zero porquequalquer superfıcie de Gauss no seu interior nao contem carga.

As duas leis sao pois consistentes: a validade da lei de Gauss depende da lei do inversodo quadrado da distancia, ou seja da lei de Coulomb. Se a lei de Coulomb afirmasse porexemplo

E ∝ 1

r3

haveria campo no interior da esfera: era radial e apontava para o centro numa esfera car-regada positivamente.

2.2.2 Campo na cavidade de um condutor

Seja um condutor com uma cavidade oca e suponhamo-lo electrizado. Vamos demonstrarusando a lei de Gauss que e nulo o campo na cavidade.

Para isso consideremos a superfıciefechada que se representa a tracejado namassa do condutor. Como ~E na massa docondutor se anula ( ~E = 0), a carga totalinterior a essa superfıcie e zero. Na massaou na superfıcie interna da cavidade naopode haver cargas (+) e (-) de soma nula,uma vez que se aniquilariam de imediato.Resta a possibilidade de as haver na cavi-dade. Admitindo essa possibilidade, con-sideremos o contorno fechado Γ atravesda massa do condutor e da cavidade nosentido das cargas positivas para as nega-tivas. O trabalho do campo electrostaticoem Γ e:

+

+

+

Γ

Γ

~E . ~dr =∫

(+)→(−)

~E . ~dr +∫

cond

~E . ~dr =∫

(+)→(−)

~E . ~dr =??

A segunda parcela deste integral e zero, uma vez que se anula o campo no interior do condu-tor, mas a primeira e obrigatoriamente zero porque doutro modo ~E nao seria conservativo.

Conclusao: nao pode haver campos nem cargas na cavidade interna de um condutor.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 21

2.2.3 Exemplos

Exemplo Lei de Gauss. Campo devido a uma esfera isolante de raio R uniformementecarregada com uma carga total Q. Determinar as expressoes do campo e do potencial auma distancia r do seu centro.

Resolucao

a) Pontos exteriores, r > R

A esfera e necessariamente isolante paraque possa estar uniformemente car-regada. Considerando uma esfera deGauss de raio r concentrica exterior a es-fera dada, vem

S

~E.~n dS = E∫

SdS = E 4πr2 = Q/ε0 ,

donde

Eext =Q

4πε0 r2.

r

r

R

SGauss SGauss

Note-se que e a mesma expressao que para uma carga pontual. Quanto ao potencial

Vext =∫ ∞

rE dr

=Q

4πε0

[− 1

r′

]∞

r=

Q

4πε0 r.

b) Pontos interiores, r < R

Considera-se neste caso uma esfera deGauss interior de raio r∫

S

~E.~n dS = E∫

SdS = E 4πr2 = Q

(r)/ε0

em que

Q′

(r) =∫

Vρ dV = ρ

4

3πr3

Rr

Q

4 Π Ε0 R2

EHrL

e a carga nessa esfera imaginaria. Substituindo

E 4πr2 = ρ4

3ε0πr3 ⇒ Eint =

ρ r

3ε0=

Q r

4πε0 R 3.

O campo no interior da esfera dada cresce pois linearmente com a distancia ao centro esobre a superfıcie da esfera ha continuidade. De facto:

Eint(R) =Q R

4πε0 R 3=

Q

4πε0 R 2= Eext(R).

22 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

O potencial

Vint =∫ ∞

rE dr

=∫ R

rEint dr

+∫ ∞

REext dr

=Q

4πε0 R 3

(R 2

2− r 2

2

)+[− Q

4πε0 r′

]∞

R

=Q

8πε0 R 3(R2 − r2) +

Q

4πε0 R.

Exemplo Lei de Gauss. Problema identico ao anterior com uma distribuicao de carga naouniforme dada por

ρ = A(R− r) 0 ≤ r ≤ R

a) Determinar a constante A em funcao de Q eR.

b) Calcular o campo electrico dentro e fora da esfera.

a)Q =

Vρ dV =

VA(R− r) dV =

∫ R

0dr∫ ∫

r sinθ dϕ r dθ A(R− r)

=∫ R

0r2A(R − r) dr

∫ 2π

0dϕ

∫ π

0sinθ dθ

= A 2π 2∫ R

0r2(R− r) dr = 4πA

(R 4

3− R 4

4

)= 4πA

R 4

12

=πAR 4

3.

Usamos coordenadas esfericas para fazer a integracao sobre a esfera e o facto de dSesf =r sinθ dϕ r dθ em que o factor r sinθ dϕ e o arco elementar do paralelo e r dθ e o arcoelementar do meridiano. Portanto

A =3 Q

πR 4.

b) Dentro da esfera

Eint 4πr2 =Q

(r)

ε0com

Q′

(r) =∫ r

0r′ 2

A(R − r′

) dr′

∫ 2π

0dϕ

∫ π

0sinθ dθ

= 4πA∫ r

0r′ 2

(R− r′

) dr′

= 4πA

(Rr3

3− r4

4

)

=12 Q

R4

(Rr3

3− r4

4

).

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 23

Portanto

Eint 4πr2 =12 Q

ε0R4

(Rr3

3− r4

4

)

donde

Eint =3 Q

πε0R4

(Rr

3− r2

4

).

Novamente se verifica a continuidade do campo sobre a superfıcie da esfera

Eint(R) =3 Q

πε0R4

(R2

3− R2

4

)=

Q

4πε0 R2= Eext(R) .

2.3 Distribuicao em superfıcie. Descontinuidades

Ao fazer-se o estudo da esfera electrizada condutora verificamos haver descontinuidade docampo electrico na passagem do seu interior para o exterior: no interior anula-se e a partirda superfıcie e radial. A superfıcie da esfera esta nesse caso electrizada. Pelo contrario paraa esfera isolante ha no seu interior uma distribuicao de carga e um campo electrico que naosofre descontinuidade atraves da superfıcie, nao havendo carga distribuıda na superfıcie.Portanto, havendo carga na superfıcie verifica-se descontinuidade no campo e, nao havendo,o campo nao sofre decontinuidade. Este facto e inteiramente geral e pode deduzir-se combase nos conhecimentos ja adquiridos sobre a lei de Gauss e o campo electrostatico.

Seja uma superfıcie S de separacao dedois meios que se encontra electrizadacom densidade de carga σ e considere-mos a superfıcie cilındrica achatada quese indica em corte na figura. As basesdo cilindro estao em meios diferentes e asua distancia a superfıcie e infinitesimal.Sendo ~n a semi-normal dirigida de 1 para2, o fluxo de ~E atraves do cilindro e

2

1~n

S

~E.~n dS = ( ~E2.~n+ ~E1.~n)∆S =σ

ε0∆S

em que ∆S e a area da base, σ a densidade de carga superficial e se considerou desprezavela area lateral. Resulta entao, no limite em que a area das bases tende para zero, †

En2 − En1 =σ

ε0.

†Considera-se que a area lateral tende mais rapidamente para zero do que a das bases, de forma apodermos desprezar o fluxo lateral.

24 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Esta equacao traduz a descontinuidade do campo electrico atraves de uma superfıcie elec-trizada. Em termos do potencial

(∂V

∂n

)

1

−(∂V

∂n

)

2

ε0.

Na componente tangencial nao ha descon-tinuidade, como pode ver-se fazendo a cir-culacao de ~E num rectangulo achatadocujos lados maiores sao paralelos a su-perfıcie:

Γ

~E. ~dr = ~E1. ~∆r+ ~E2. ~∆r = (Et1−Et2)∆l = 0

(em que |~∆r| = ∆l). Portanto

Et1 = Et2 .

2

1

Γ

No caso do meio 1 ser um condutor, (Et1 = En1 = 0 porque ~E1 = 0) vem

Et2 = 0 e En2 = E =σ

ε0

que e a expressao geral para o campo a superfıcie de um condutor.

2.4 Capacidades e condensadores

Da linearidade das equacoes da electrostatica e de esperar que exista uma relacao linearentre a carga e o potencial de um condutor

Q = CV ou C =Q

V

que se designa por capacidade. Por exemplo para uma esfera condutora carregada, vimosque o potencial a sua superfıcie e

V =1

4πε0

Q

R

sendo R o seu raio e Q a sua carga. Daqui decorre que a capacidade duma esfera e

C = 4πε0R .

As unidades da capacidade sao pois Coulomb Volt−1 ≡ Faraday e as da constante dielectrica,Faraday m−1.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 25

Um condensador e um sistema formado por dois condutores (armaduras) em presencamutua separados por um dielectrico ou isolante. Estando carregado apresenta cargas sime-tricas nas armaduras. Sendo a diferenca de potencial entre elas ∆V , define-se a capacidadede um condensador como

C =Q

∆V(C > 0).

2.4.1 Condensador plano

As armaduras sao planos paralelos cuja separacao e pequena em comparacao com as suasdimensoes.

Para determinar o campo entre as ar-maduras, atentemos em que o campo de-vido a um plano e como vimos dado porE = σ

2ε0. Sendo simetricas as cargas nas

armaduras, o campo entre elas e

E =σ

2ε0−(− σ

2ε0

)=σ

ε0

E = 0E =

σ

ε0 E = 0

d

+

+

+

+

+

+

e fora das armaduras anula-se

E =σ

2ε0−(σ

2ε0

)= 0 .

Quanto a diferenca de potencial e capacidade tem-se

∆V =∫ d

0

~E. ~dr =σ

ε0d =

σA

ε0Ad =

Q d

ε0 A⇒ C =

Q

∆V=ε0A

d

em que representamos por d e A a distancia entre armaduras e a sua area respectivamente.

2.4.2 Condensador esferico

As armaduras sao esfericas e concentricas (r1 < r < r2).

C =Q

V=

Q

|V (r1)− V (r2)|O denominador e o modulo do trabalhodo campo electrico entre as armaduras:

|∆V | = |∫ r2

r1E dr| =

∣∣∣∣∫ r2

r1

−Q4πε0r2

dr∣∣∣∣

=Q

4πε0

∣∣∣∣∣

[1

r

]r2

r1

∣∣∣∣∣ =Q

4πε0

r2 − r1

r1r2

~r1

~r2

~r

−Q +Q

26 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

e a capacidade

C =4πε0 r1r2

r2 − r1.

2.4.3 Condensador cilındrico

As armaduras sao dois cilindros coaxiais (r1 < r < r2).

Sendo Q a carga total e λ a sua densidade,tem-se Q = λ L e

|∆V | =∫ r2

r1

λ

2πε0rdr =

λ

2πε0log

r2

r1

donde a capacidade

C =Q

V=

2πε0L

log(r2/r1)

~r1

~r2

~r

2.5 Dielectricos

2.5.1 Vector polarizacao e cargas de polarizacao

Dielectricos sao substancias isolantes electricamente. No seu interior as cargas nao podemdeslocar-se livremente, ao contrario do que acontece nos condutores. Ao serem sujeitos aum campo electrico, os nucleos dos atomos sao atraıdos na direccao e sentido do campo,enquanto que os electroes sao atraıdos em sentido oposto. As orbitas dos electroes sao assimdistorcidas com o centro de gravidade da cada electrao deslocado e deixando de coincidircom a carga positiva do nucleo. Vista a distancia, uma tal configuracao e equivalente a umdipolo.

Note-se que em muitas substancias (em especial a agua) as moleculas constituem dipolosque na ausencia de campo se orientam de maneira aleatoria. Ao serem imersos num campoelectrico eles orientam-se em concordancia.

Com ou sem formacao de dipolos por accao de ~E (isto e existam ou nao eles previa-mente), o efeito de orientacao dipolar denomina-se polarizacao do dielectrico, gerando-seum momento dipolar total que e o resultado macroscopico dos momentos dipolares de cadamolecula. Sendo ~d o vector orientado da carga (-) para (+), q a carga positiva em cadadipolo e designando por

~p = q~d

cada um destes momentos dipolares, define-se o vector polarizacao

~P =N

Vq~d

em que N e o numero de moleculas no volume V .

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 27

Admitiremos que o momento dipolar induzido e proporcional a intensidade do campo,o que e em princıpio verdadeiro dentro de limites, ou seja

~p = α~E ⇒ ~P =N

Vα~E

em que α e a polarizabilidade do dielectrico.

Consideremos um dielectrico polarizado eseja S a superfıcie fechada no seu interiorcomo se representa na figura, em que ~n e ovector unitario que lhe e perpendicularem cada ponto. Na parte superior esta su-perfıcie e limitada pela esfera inferior e naparte inferior pela esfera superior. As car-gas contidas nas camadas preenchidas nafigura por (+) e (-) atravessaram essa su-perfıcie ao polarizar-se o dielectrico. Umavez que ~d || ~E, a espessura das camadas e~d . ~n e a carga que atravessou o elementodS e o produto desta area pela espessurada camada nesse ponto e pela carga porunidade de volume, ou seja

~E ~E

~n

~n

+ +

+ +

+ ++ +

+ ++ ++ ++ ++

− −

− −

− −

− −

− −

− −− −− −−

N

Vq ~d . ~n dS = ~P . ~n dS

A carga total que atravessa a superfıcie representada e entao

S

~P . ~n dS

Note-se que as cargas que atravessaram as partes superior e inferior da superfıcie represen-tada nao sao necessariamente iguais em modulo. Apenas o seriam se a polarizacao fosseuniforme. Nao estando o dielectrico inicialmente carregado, a carga que fica no interiordevido a polarizacao e o simetrico do integral de ~P . ~n dS estendido a toda a superfıcie,designado carga de polarizacao:

Q′

= −∫

S

~P . ~n dS .

Introduzindo a densidade de carga de polarizacao ρ′

, vem

Q′

=∫

dV = −∫

S

~P . ~n dS = −∫

Vdiv ~P dV

28 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

onde se aplicou o teorema da divergencia. Daqui se conclui

ρ′

= −div ~P .

Consideremos um condensador plano carregado e examinemos o que acontece nas su-perfıcies de contacto do dielectrico com as armaduras. Uma vez que a polarizacao e uniformeporque o campo e uniforme, apenas necessitamos para estudar a polarizacao de examinaressas superfıcies. Numa delas as cargas negativas (electroes) deslocaram-se para fora umadistancia δ e na oposta, em contacto com a outra armadura, deslocaram-se para dentro amesma distancia. Sendo A a area das armaduras, a carga que atravessou qualquer dessassuperfıcies de contacto calcula-se tal como anteriormente,

Q′

=N

VA q δ =

S

~P . ~n dS

onde ~n e a normal dirigida para a armadura e o integral se estende a superfıcie de contacto.Desta equacao resulta que existe uma carga de polarizacao concentrada na fronteira dumdielectrico polarizado cuja densidade superficial e

σ′

= ~P . ~n .

Esta conclusao e geral para os dielectricos polarizados.

Portanto em resumo, os efeitos da polarizacao podem ser descritos pelas chamadascargas de polarizacao ρ

e σ′

:

ρ′

= −div ~P e σ′

= ~P . ~n .

2.5.2 Vector deslocamento e susceptibilidade electrica

Se o dielectrico estiver inicialmente carregado com uma carga ρ, esta contribui tambem parao campo. Sendo assim a lei de Gauss adquire a forma

div ~E =1

ε0(ρ+ ρ

).

Usando ρ′

= −div ~P vem

div ε0 ~E = ρ− div ~P ⇒ div (ε0 ~E + ~P ) = ρ

ou alternativamente

div ~D = ρ

em que se fez~D = ε0 ~E + ~P .

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 29

O vector ~D chama-se deslocamento electrico. A equacao div ~D = ρ, que generaliza a lei deGauss para incluir os dielectricos, e uma das equacoes de Maxwell. Do paralelismo entre osvectores ~P e ~E para os dielectricos que consideramos (lineares) resulta o paralelismo entre~D e ~E:

~P | | ~E ⇒ ~D | | ~E ⇒ ~D = ε ~E

em que o escalar ε e a constante dielectrica do meio. Portanto, partindo de

~D = ( ε0 +~P

~E) ~E

resulta

ε = ε0 +P

E= ε0 +

N

Vα .

Define-se constante dielectrica relativa como o quociente εr = ε/ε0. Das equacoes anterioresdeduz-se entao:

εr =ε

ε0= 1 +

N

ε0 Vα = 1 + χ ⇒ ε = ε0 (1 + χ)

em que a quantidade χ e a susceptibilidade electrica, grandeza adimensional. Recordando aconstante de proporcionalidade entre ~P e ~E, nomeadamente

~P =N

Vα~E

podemos rescrever esta relacao como

~P = ε0 χ ~E = (ε− ε0) ~E .

Daqui resulta que ρ e ρ′

podem ser relacionados usando a lei de Gauss,

ρ′

= −div ~P = −(ε− ε0)div ~E = −ε− ε0ε

ρ.

Esta ultima equacao afirma que se nao ha cargas reais, ou seja se o dielectrico nao estainicialmente carregado (ρ = 0), tambem nao ha cargas de polarizacao em volume : ρ

= 0.Portanto num dielectrico nao carregado e polarizado por aplicacao de um campo electricoexterior, as cargas de polarizacao distribuem-se a superfıcie, sendo a sua densidade dadapor

σ′

= ~P . ~n .

Em conclusao

1. Consideramos dielectricos homogeneos lineares e isotropos. As relacoes

~D = ε ~E , ~P = ε0 χ ~E

30 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

sao lineares (ε e χ sao escalares). Noutros casos (dielectricos nao lineares) poderao sertensores.

2. Se um dielectrico nao esta carregado mas esta polarizado, as cargas de polarizacaodistribuem-se sobre a superfıcie com uma densidade σ

= ~P . ~n , nao havendo nesse casocargas de polarizacao em volume: ρ = 0 ⇒ ρ

= 0.

3. Vimos que

div ~E =1

ε0(ρ + ρ

) mas div ~D = ρ ,

ou seja quer as cargas livres quer as de polarizacao contribuem para o campo electrico ~E,enquanto que para o deslocamento electrico ~D apenas as cargas livres contribuem.

Uma consequencia da equacao div ~D = ρ, ou seja de as cargas de polarizacao naocontribuirem para o deslocamento electrico ~D, e a continuidade deste vector atraves dasuperfıcie de separacao de dois meios dielectricos que vamos em seguida analisar.

Seja entao uma superfıcie nao electrizadaque separa dois dielectricos 1 e 2 e umcilindro muito achatado com as bases emmeios separados. Tal como anteriormenteestamos interessados no limite em que asuperfıcie lateral do cilindro tende maisrapidamente para zero do que a das bases,de modo a podermos desprezar o fluxodo deslocamento electrico ~D atraves dasuperfıcie lateral. Considera-se que emnenhum dos dielectricos ha cargas livres,ρ = 0. Pela lei de Gauss

Vdiv ~D dV =

S

~D . ~n dS =∫

base1

~D . ~n1 dS +∫

base2

~D . ~n2 dS

=∫~D2 . ~n dS −

∫~D1 . ~n dS = (Dn2 −Dn1)∆S = 0

1 2

1 2

~n1 ~n2

ε1 ε2

ρ = 0 ρ = 0

porque se supoe nao haver cargas na superfıcie de separacao (σ = 0). Esta expressao

mostra que ha continuidade da componente normal de ~D atraves da superfıcie, mas nao dacomponente normal de ~E. De facto

Dn2 = Dn1 ⇒ ε2 En2 = ε1 En1 ⇒ ε2ε1

=E1n

E2n

.

Esta descontinuidade deve-se as cargas de polarizacao que se formam sobre a superfıciede separacao porque os dois meios tem diferentes polarizacoes. Se houver cargas livres nasuperfıcie de separacao ja se verifica

Dn2 −Dn1 = σ (cargas reais, diel. carregado) .

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 31

No que se refere a componente tangencial do campo electrico ~E, ha continuidade, tal comosucede na superfıcie de separacao entre dois condutores, Et2 = Et1 , uma vez que e uma

consequencia de−−→rotE = 0.

2.5.3 Cargas de polarizacao num condensador

Estamos agora habilitados a calcular as cargas de polarizacao num condensador que seformam no dielectrico nas superfıcies (S) de contacto com as armaduras. Vimos que cadauma dessas cargas e dada por

Q′

=∫

S

~P . ~n dS = P A = (ε− ε0) E A =ε− ε0ε

σ A = (1− 1

εr) σ A

= (1− 1

εr) Q

em que Q e a carga da armadura e em que aplicamos sucessivamente o facto de a polarizacaoser uniforme, a relacao P = (ε− ε0)E com E = σ/ε, e εr = ε/ε0. Esta carga evidentementenao existe se o dielectrico for o vacuo, sendo nesse caso εr = 1.

A carga que provoca o campo atraves do dielectrico e pois a carga sem dielectrico menosa carga de polarizacao como se indica na figura, ou seja

Q−Q′

=Q

εr

e a capacidade sera pois

C =Q−Q′

V=

Q

εr Ed

em que

E =σ

ε=Q/(Aεr)

ε.

d

+ + + + + + + + + +

− − − − − − − − − −

+ + + + +

− − − − −

Fazendo a substituicao vem

C =ε A

d.

Comparando com C = ε0 A/d para o condensador sem dielectrico (vacuo), ve-se que opreenchimento do espaco entre as armaduras com um dielectrico aumenta a capacidade(ε > ε0). O campo diminui tal como o potencial. Para que o campo e o potencial reponhamos seus valores, a carga que o gerador cede as armaduras tem de passar a ser maior.

32 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Exemplo. Condensador com uma placa metalica inserida no dielectrico.

Seja o condensador plano da figura em que seinseriu uma placa metalica de espessura a en-tre as armaduras e equidistante destas. Calcu-lar a capacidade do condensador assim obtido.

ε0

ε0

d a

Resolucao

Designemos por Cm essa capacidade.

Cm =Q

V=σA

Vem que o potencial V = E(d− a) =

σ

ε0(d− a)

porque, sendo o metal condutor, nao ha queda de potencial atraves deste. Portanto

Cm =σA

(σ/ε0)(d− a)=

ε0A

d− a .

Comparando esta expressao com a capacidade do condensador sem a placa metalica para oqual C = ε0A

dvemos que

Cm = Cd

d− a (Cm > C)

a capacidade aumenta devido a queda de potencial ser menor.

Exemplo. Identico ao anterior com a placa metalica substituıda por um dielectrico deconstante ε.

ResolucaoA diferenca de potencial e agora

V = 2σ

ε0

d− a2

εa

e a capacidade

ε0

ε

ε0

d a

Cd =σA

(σ/ε0)(d− a) + (σ/ε)a=

ε ε0 A

ε(d− a) + ε0 a.

Fazendo ε = εrε0 vem

Cd =εr ε0 A

εr(d− a) + a=

εr ε0 A

εrd+ (1− εr)a=

ε0 A

d− a(1− (ε0/ε)).

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 33

Uma vez que

0 < 1− ε0ε< 1 ⇒ Cd > C

em que C e a capacidade do condensador simples (com o vacuo como unico dielectrico).Sendo Cm a capacidade do condensador com a placa metalica (exemplo anterior), tem-se

C < Cd < Cm .

2.6 Energia electrostatica

2.6.1 Caso discreto

O trabalho dispendido para transportar uma carga q desde o infinito ate um ponto adistancia r da fonte do campo electrico e realizado contra a forca do campo e indepen-dente do caminho percorrido

W = −∫ r

∞~F . ~dr′ = −

∫ r

∞q ~E . ~dr′

= −q∫ r

q1

4πε0r′ 2 dr

= − q q1

4πε0

[− 1

r′

]r

=q q1

4πε0 r

onde se supos que o campo e criado por uma carga q1.

A energia armazenada num sistema de duas cargas q e q 1 e assim o trabalho necessariopara colocar essas cargas a distancia a que se encontram. Ou seja e o trabalho dispendidocontra as forcas do campo para trazer as cargas de uma distancia infinita uma da outra atea distancia r. E pois o produto de uma das cargas pelo potencial criado pela outra:

W = q V.

No caso de n cargas

W =1

2

i6=j

1

4πε0

qiqjrij

=1

2

i

j 6=i

qj4πε0 rij

.

O factor 1/2 e introduzido para evitar a dupla contagem. A quantidade

j 6=i

qj4πε0 rij

representa o potencial φi a que esta sujeita a carga q i devido a distribuicao de cargas qj:

W =1

2

i

q1φi.

34 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Exemplo. Calcular a energia armazenada num sistema de 4 cargas pontuais identicas Q =4 nC situadas nos vertices de um quadrado de 1 m de lado. Qual a energia armazenadaquando so duas cargas estao armazenadas e em vertices opostos?

Resolucao

W =1

4πε0(q1 q2 +q1 q3+

q1 q4√2

+q2 q3√

2+q2 q4+q3 q4) = 9×109×(64+

32√2

)×10−9 = 779.6 nJ.

Na segunda hipotese

W′

=1

4πε0

q2 q3√2

= 9× 109 × 16× 10−9

√2

= 101.8 nJ .

2.6.2 Caso contınuo

Se a distribuicao de cargas for contınua podemos generalizar a equacao anterior para

W =1

2

Vρ φ dV +

1

2

Sσ φ dS

onde ρ e σ sao as densidades de carga volume e superfıcie.

Esta expressao e apenas valida em electrostatica. Vamos deduzir uma expressao para aenergia que sera tambem valida no caso geral incluindo os campos variaveis. Partindo dalei de Gauss

div ~E =ρ

ε⇒ ρ = ε div ~E = −div(ε

−−−−→grad φ)

e substituindo na expressao acima

W = −1

2

Vdiv(ε

−−−−→grad φ)φ dV = − ε

2

Vdiv(−−−−→grad φ)φ dV .

Notando que

div(φ−−−−→grad φ) = ~∇. (φ ~∇φ) = ~∇φ. ~∇φ+ φ~∇.~∇φ =

−−−−→grad φ.

−−−−→grad φ+ φ div

−−−−→grad φ

vemφ div

−−−−→grad φ = div(φ

−−−−→grad φ)− −−−−→grad φ.

−−−−→grad φ = −div(φ ~E)− E2

o que substituıdo na expressao da energia da

W =ε

2

VE2 dV +

ε

2

Vdiv(φ ~E) dV .

Aplicando o teorema da divergencia ao segundo termo, obtem-se

ε

2

Vdiv(φ ~E) dV =

S

~E.~n dS .

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 35

Este integral e calculado no caso em que a superfıcie tende para infinito, ou seja os integraisde volume estendem-se a todo o espaco, admitindo que todas as cargas estao localizadas auma distancia finita. A maneira mais simples de o conseguir e considerar uma superfıcieesferica de raio muito grande R cujo centro esta na origem das coordenadas. Sabemos quepara grandes distancias se tem

φ ∝ 1

R, E ∝ 1

R2.

Ambas estas grandezas decrescem com R ainda mais rapidamente se a carga total da dis-tribuicao for zero (recorde-se o exemplo do dipolo). Uma vez que a area da esfera crescecom R2, o integral de superfıcie tende para zero com 1/R, ficando para a energia

W =ε

2

VE2 dV

que e a expressao de Maxwell, valida para a energia electrica (nao apenas electrostatica).A densidade de energia electrica (energia por unidade de volume) e pois

uel =ε E2

2.

2.6.3 Energia de uma carga pontual

O campo electrico e como sabemos

E =q

4πε0 r2, portanto a densidade , uel =

q2

32π2ε0 r4.

Da expressao de Maxwell resulta

W =∫

V

q2

32π2ε0 r4dV =

q2

32π2ε0

∫ ∞

0

1

r4r2 dr

∫ π

0sinθ dθ

∫ 2π

0dϕ

=q2

8πε0

∫ ∞

0

1

r2dr =

q2

8πε0

[−1

r

]∞

0.

O limite r = ∞ nao apresenta dificuldade. Mas para r = 0 obtem-se infinito, o que einconsistente. Tal inconsistencia provem do facto de que ao considerarmos a distribuicaocontınua de carga nao eliminamos a interaccao de uma carga consigo propria, ao contrariodo que tınhamos feito com as distribuicoes discretas.

Portanto pode concluir-se que a ideia de se localizar a energia no campo (expressao deMaxwell) e inconsistente com a hipotese da existencia de cargas pontuais. Sendo assim,cargas elementares como o electrao, nao sao pontuais, mas sim pequenas distribuicoes.

36 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

2.6.4 Energia de uma esfera dielectrica

Supomos que uma esfera dielectrica e formada a partir de uma sucessao de camadas muitofinas (espessuras infinitesimais). A cada passo juntamos uma camada de espessura r tal queo raio da esfera aumenta

r → r + dr.

O processo segue ate se atingir o raio final a. Sendo Qr a carga correspondente ao raio r(a parte que ja se encontra formada) e dQ a carga da camada dr, a energia necessaria paratrazer do infinito a carga dQ sera

dW =QrdQ

4πε0r= V (Qr)dQ.

V (Qr) e o potencial a que fica dQ. Usando Qr = ρ43πr3 e admitindo-se uma densidade de

carga constante em volume ρ, vem dQ = ρ4πr2dr.

Daqui se conclui que

dW =4πρ2r4dr

3ε0e a energia necessaria para ’montar’ a camada de espessura dr na esfera de raio r. A energianecessaria para ’montar’ toda a esfera e

W =∫ a

0

4πρ2r4

3ε0dr =

4πρ2a5

15ε0

ou em termos da carga da esfera (Q = (4/3)πa3ρ):

W =3

5

Q2

4πε0a.

Atencao: alternativamente tambem se pode utilizar a expressao

W =1

2

∫εE2dV.

De facto para pontos interiores a esfera vem, usando Eint = Qr4πεR3

1

2

∫εE2dV =

ε

2

(Q

4πεR3

)2 ∫ R

0r2.r2dr

∫ π

0sinθdθ

∫ 2π

0dφ =

1

5

Q2

8πεR

e para pontos exteriores, usando Eext = Q4πεr2

1

2

∫εE2dV =

ε

2

∫ ∞

Rr2dr

(Q

4πεr2

)2 ∫ π

0sinθdθ

∫ 2π

0dφ =

Q2

8πεR

Somando obtem-se6

5

Q2

8πεR=

3

5

Q2

4πεR.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 37

2.6.5 Energia de um condensador

Supomos que o condensador e carregado a custa de se transferirem sucessivamente cargaselementares dQ de uma armadura para a outra (incialmente ambas descarregadas). Umafica com a carga dQ e a outra −dQ. O trabalho necessario para se transferir a carga dQ deuma armadura para a outra e

dW = V dQ.

A carga dQ estava inicialmente ao potencial zero: tudo se passa como se tivesse sido trazidado infinito para o potencial V como na esfera. Daqui:

dW =QdQ

C.

Integrando desde zero ate a carga final:

W =∫ Q

0dW =

Q2

2C=

1

2CV 2.

Evidentemente que a mesma expressao pode ser obtida a partir da expressao de Maxwell

W =1

2

∫εE2dV

integrada no volume do condensador. Assim por exemplo para o caso do condensador plano:

W =1

2

VεE2dV =

ε

2

σ

εEAd =

σA

2Ed =

1

2QV =

1

2CV 2.

2.6.6 Energia de uma esfera condutora

E mais simples porque neste caso so existe campo fora da esfera

W =1

2

fora da esferaεE2dV =

ε02

(Q

4πε0

)2 ∫ ∞

R

1

r4r2dr

∫ π

0sinθdθ

∫ 2π

0dφ =

=Q2

2× 16π2ε04π∫ ∞

R

dr

r2.

Finalmente

W =Q2

8πε0R.

Exemplo. Condensador e energia electrostatica

Um condensador plano com armaduras quadradas distanciadas de d e com l de lado, esubmetido a uma diferenca de potencial V . No espaco entre as armaduras do condensadorencontra-se inicialmente ar.

38 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

a) Calcule a capacidade do condensador,se for introduzido um material de con-stante dielectrica 5ε0 a uma distancia xentre as armaduras.b) Qual a energia armazenada no con-densador em funcao de x? Qual a forcaexercida no dielectrico durante a sua in-troducao?c) Se, apos o dielectrico ocupar todoespaco entre as armaduras, se desligara bateria, qual a forca exercida sobre odielectrico quando este depois e retirado?Ou seja considere-se o dielectrico a meiocomo em b), mas com o gerador desli-gado.

5ε0 ε0

l

x

d

Resolucao

a) O condensador e equivalente a dois condensadores em paralelo. A capacidade e dada por

C =Q

V=Q1 +Q2

V

em que Q1 e Q2 sao as cargas em cada armadura. Como estao ambas ligadas ao gerador, adiferenca de potencial e apenas uma, ou seja,

V =σ1

5ε0d =

σ2

ε0d.

Os campos atraves de cada dielectrico sao dados por

E1 =σ1

5ε0, E2 =

σ2

ε0com σ1 =

Q1

A1, σ2 =

Q2

A2e A1 = xl , A2 = (l − x)l

de modo que a capacidade e

C(x) =σ1 A1σ1

5ε0d

+σ2 A2σ2

ε0d

=(4x + l)ε0 l

d.

A capacidade inicial (sem o dielectrico) e

C =ε0 l

2

d.

b) Para se calcular a forca vamos antes de mais calcular a energia em funcao de x. Trata-sede uma energia potencial. A forca sera entao o simetrico da derivada da energia em ordema x: F = −dW/dx. A energia armazenada e dada por

W = W1 +W2

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 39

em que W1 e W2 sao as energias devidas a cada um dos dielectricos, ou seja, usando

σ1 =5ε0V

d, σ2 =

ε0V

dvem

W1 =5ε02

E21 x l d =

5ε02

(σ1

5ε0

)2

x l d =5ε0 x l V

2

2 d

W2 =ε02E2

2 (l − x) l d =ε02

(σ2

ε0

)2

(l − x) l d =ε0 (l − x) l V 2

2 d

portanto a energia total

W = W1 +W2 =ε0 l V

2

2 d(4 x + l).

Quanto a forca

F = −dWdx

= −2 ε0 l V2

d.

Nao se derivou o potencial V uma vez que e constante, imposto pelo gerador.

c) Tem-se agora a mesma situacao mas com o gerador desligado: V nao e constante, dependede x. O aspecto essencial e que a carga no condensador se mantem constante no processo,pois nao tem para onde ir. Na alınea anterior a carga fluia de e para o gerador de modo aque a diferenca de potencial entre as armaduras fosse constante. Calculemos entao V (x).

V (x) =Q

C(x)=

Q d

(4 x + l) ε0 lem que se usou C(x) =

(4x+ l)ε0 l

d.

A energia sera entao

W =Q2

2 C=

Q2 d

2 ε0 l (4 x + l)

que e a mesma expressao obtida na alınea anterior com a substituicao Q = C V . Derivando

−dWdx

= − Q2 d

2 ε0 l

(− 4

(4 x + l)2

)=

2 Q2 d

ε0 l(4 x + l)2

em que Q e a carga do condensador ao desligar-se o gerador.

Nota

Repare-se que fazendo x = 0 (condensador sem dielectrico) a energia tem o seu valormaximo. De facto para qualquer x > 0:

W (x) < W (0)

(W (0) =

Q2 d

2ε0 l

).

A forca sobre o dielectrico e pois dirigida para dentro, ou seja para valores decrescentes daenergia.

40 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

3 Correntes estacionarias (campo constante no tempo)

3.1 Equacao da continuidade

Consideremos um condutor percorrido por uma corrente electrica e seja S uma superfıcieperpendicular ao movimento das cargas (sentido convencional da corrente e o das cargaspositivas). A carga que atravessa a superfıcie ∆S no intervalo de tempo ∆t e

∆Q = ρ v ∆t ∆S

S

(as dimensoes sao [QL−3][LT−1]TL2 = Q). Assim a carga / unidade de tempo / unidadede area

lim∆t,∆S→0

∆Q

∆t∆S= ρ v

chama-se densidade de corrente, ~J = ρ ~v (vector densidade de corrente, unidades A.m−2).

Se S nao for perpendicular ao movimento da carga,

∆Q = ρ v ∆t ∆S cosα = ~J. ~n ∆t ∆S.

S

α

~n

A intensidade de corrente e a carga que passa por unidade de tempo fis/ pequena atravesde uma superfıcie aberta

i =dQ

dt=∫

S

~J . ~n dS.

Seja agora uma superfıcie fechada (limıtrofe de um volume) na qual entra e sai cargaelectrica: a carga que sai menos a carga que entra (Qout −Qin) e a diminuicao de carga novolume:

−dQdt

=∫

S

~J . ~n dS =∫

Vdiv ~J dV ou seja − d

dt

Vρ dV =

Vdiv ~J dV.

Igualando as integrandas

div ~J +∂ρ

∂t= 0,

em regime estacionario (∂ρ

∂t= 0

)⇒ div ~J = 0.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 41

Teorema - Em regime estacionario a corrente e a mesma em qualquer seccao do condutor

De facto tem-se como se viu para uma superfıcie fechada S∫

S

~J . ~n dS =∫

Vdiv ~J dV.

Alem disso em regime estacionario div ~J = 0, portanto se a superfıcie fechada S incluir duasseccoes do condutor tem-se

~J~J

S1

S2

S

~J . ~n dS = −∫

S1

~J . ~n1 dS +∫

S2

~J . ~n2 dS = 0

ou seja −i1 + i2 = 0.

3.2 Lei de Ohm

Foi estabelecida experimentalmente e conhecida de inıcio na sua forma integral. Comecemosno entanto pela forma local, mostrando depois a equivalencia entre as duas

~J = σC ~E

em que σC (condutividade) e dada por

σC =1

R

l

S.

A partir da definicao de intensidade de corrente e de condutividade temos que

i =∫

S

~J. ~n dS = σC

S

~E. ~n dS =l

RS

S

~E. ~n dS.

~E. ~n e a componente do campo electrico normal a superfıcie S (seccao do condutor) (E).Portanto, multiplicando por R ambos os membros vem

iR =lE

S

SdS = l E = ∆V.

Esta e a forma global (integral) da lei de Ohm (l E - diferenca de potencial entre A e B).

Nota: Esta definicao e valida apenas para correntes estacionarias . O inverso da condu-tividade e a resistividade:

ρC =1

σC.

42 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

3.3 Lei de Joule

A potencia elementar que um gerador fornece a um circuito e o trabalho realizado pelocampo electrico por unidade de tempo para deslocar a carga elementar dq de uma distanciaelementar ~dr:

dP =~dF. ~dr

dt=dq ~E. ~dr

dt=dq

dt~E. ~dr = i ~E. ~dr,

o que, integrando ao longo do circuito, resulta na potencia que o gerador fornece ao circuito

P = V i.

Se se tratar de uma resistencia R verifica-se a relacao V = iR (Lei de Ohm), portantosubstituindo,

P = Ri2

e a potencia fornecida a resistencia que e dissipada (Lei de Joule).

Exemplo

Fio de Cobre de com uma seccao S = 1 mm2 percorrido por uma corrente de i = 1 A.

Massa especıfica do Cobre 8.96 g.cm−3, peso atomico m = 63.54 g.mol−1, numero de Avo-gadro N = 6.022× 1023 mol−1.

Considere que cada atomo contribui com um electrao para o gas electronico. Determine avelocidade media desse fluido.

Resolucao

Sendo ρ a densidade de carga vem, admitindo que a densidade de corrente ~J = ρ v euniforme

i = J S = ρ v S → v =i

ρ S

Massa especıfica do Cobre 8.96 g cm−3= 8.96 ×10−3kg (10−2m)−3 = 8.96× 103kg m−3.

A carga electrica por unidade de volume sera (qel=carga do electrao):

Carga el. /m3 = (n de elect./m3)×qel = (n de at./m3)×qel = (n de at./mol)(n de mol/m3)qel

= NAv(n de mol/m3)qel = NAv(n de mol/kg)(n de kg/m3)qel.

Dado o peso atomico m = 63.54 g.mol−1, o n de mol/kg e o inverso desta quantidade.Portanto, a carga electrica por unidade de volume:

6.022× 1023 1

63.54× 10−3× 8.96× 103 × 1.6× 10−19 = 1.36× 1010C m−3.

Finalmente

v =1

1.36× 1010 × 10−6= 7.36× 10−5m s−1.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 43

Exemplo

Condensador plano com separacao d entre armaduras e dois dielectricos de espessuras d1,d2 e d = d1 + d2. E dada a diferenca de potencial entre as armaduras, V .

Qual a densidade de corrente entre armaduras e a densidade de carga electrica entre asuperfıcie de separacao das duas camadas.

Resolucao

Pela Lei de Ohm, J1 = σC1E1, J2 = σC2E2 com J1 = J2 pois os dois dielectricos estao emserie. Quanto a diferenca de potencial

V = E1 d1 + E2 d2 =J

σC1

d1 +J

σC2

d2.

Daqui:

J =V

d1

σC1+ d2

σC2

.

Usando a expressao da descontinuidade da componente normal do campo electrico ( ~Ee evidentemente normal a superfıcie de separacao)

ε2En2 − ε1En1 = σ

vem

σ = ε2J

σC2

− ε1J

σC1

.

Exemplo

Mostre que num condutor a densidade de carga electrica ρ obedece a equacao

dt+σ

ερ = 0.

Mostre ainda que qualquer acumulacao de carga desaparece num tempo caracterizado porτ = ε/σ segundos.

Resolucao

A partir da equacao da continuidade

div ~J +dρ

dt= 0

usando a Lei de Ohm obtem-se

div (σ ~E) +dρ

dt= 0 e pela Lei de Gauss σ

ρ

ε+dρ

dt= 0.

44 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

A equacao caracterıstica desta equacao diferencial e

ρ+σ

ε= 0 com raiz ρ = −σ

ε.

A solucao da equacao e poisρ(t) = Ce−

σεt

o que significa que ao fim de um tempo t = εσ

a carga do condutor fica reduzida a 1e

do valorinicial. Este e o chamado tempo caracterıstico ou de relaxacao do sistema.

3.4 Leis de Kirchhoff

1a Lei - dos nos

Seja um no de condutores e apliquemos-lhe o teorema da divergencia. Designando por V ovolume indicado que contem o no e S a sua superfıcie limıtrofe verifica-se

SV

Vdiv ~J dV =

S

~J. ~n dS = − d

dt

Vρ dV = 0

porque pela equacao da continuidade toda a carga que entra e igual a que sai. Equivalente-mente toda a corrente que entra e a mesma que sai, ou seja o fluxo de corrente atraves deS, representa toda a corrente que atravessa a superfıcie S

S

~J. ~n dS =∑

α

iα = 0.

Portanto: A soma algebrica das correntes que passam por um no e zero. (1a Lei de Kirch-hoff).

Pela Lei de Ohm ~J = σc ~E e usando ~J = ρ~vm em que ~vm e a velocidade media das cargaselectricas no interior de um condutor, ve-se que

ρ ~vm = σc ~E

ou seja a velocidade das cargas e proporcional, portanto paralela ou antiparalela ao campoelectrico, mas e sempre paralela a forca electrica

ρ ~vm = σc~F

q.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 45

A mobilidade das cargas negativas e muito maior do que a das positivas, de modo quea corrente electrica e devida ao movimento dos electroes em sentido contrario ao sentidoconvencional da corrente. Estes no entanto movem-se de choque em choque atraves doscondutores.

Entre cada dois choques sucessivos recebem uma forca que os acelera num certo sentido.Num choque perdem toda a informacao sobre o movimento anterior. O que resulta e ummovimento com uma velocidade media no sentido de ~F (ou − ~E).

2a Lei - das malhas

A soma das diferencas de potencial ao longo de um caminho fechado (malha) e semprenula.

Utilizando as leis de Kirchhoff podem escrever-se tantas equacoes independentes quantasas variaveis do circuito, ou seja o problema e matematicamente soluvel. Ha no entantoalgumas simplificacoes sempre que se tem elementos do mesmo tipo em serie ou em paraleloque reduzem o numero das equacoes a resolver.

3.5 Forca electromotriz e associacao de elementos em circuitos

Como se sabe o campo electrostatico e conservativo, ou seja o integral cıclico∮~Ee. ~dr = 0.

Para que a corrente electrica passe num circuito e pois necessario que exista algum outrocampo capaz de transportar as cargas num circuito fechado que necessariamnete nao podeser conservativo. Trata-se do campo aplicado (proveniente das pilhas) ou do campo deinducao (proveniente do fenomeno da inducao). Para o campo total (no caso de existiremos tres) tem-se entao

∮( ~Ee + ~Ea + ~Ei). ~dr =

∮( ~Ea + ~Ei). ~dr = ε

que se chama forca electromotriz (f.e.m.) que o gerador cede ao circuito. (Nao e uma forca!).No caso de so existirem resistencias tem-se ε = iR.

a) Associacao de elementos em serie

Para resistencias a queda de potencial e,pela lei de Ohm,

V = V1 + V2 = I(R1 +R2) = IR

ou seja a resistencia efectiva do conjuntoe

R = R1 +R2

R1I

R2

46 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Para condensadores a queda de potenciale

V = Q(

1

C1+

1

C2

)=Q

C

ou seja a capacidade efectiva do conjuntodos dois e

1

C=

1

C1+

1

C2.

C1 C2

b) Associacao de elementos em paralelo

Para resistencias

R1I1

R2I2

I

a queda de potencial e

V = I1R1 = I2R2

e como pela Lei dos nos

I = I1 + I2 =V

R

em que R e a resistencia equivalente, vem

I = I1 + I2 =V

R1+V

R2=V

R

ou seja,1

R=

1

R1

+1

R2

.

Para condensadores

C1

C2

V =Q1

C1

=Q2

C2

=Q1 +Q2

C→ C =

Q1 +Q2

V= C1 + C2.

Portanto em paralelo as capacidades somam-se.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 47

Aplicacao: circuito RC com bateria

Aplicando a lei das malhas ao circuito

ε = iR +q

C=dq

dtR +

q

C

donde, pela equacao caracterıstica

αR +1

C= 0 → α = − 1

RC.

ε

R

C

O integral particular resulta de se substituir na equacao diferencial a funcao q(t) poruma constante (i.e. da mesma natureza que ε). Assim

const.

C= ε → const. = εC , donde

q(t) = ke−tRC + εC

em que k e uma constante arbitraria. Supondo que no instante inicial o condensador estadescarregado

q(0) = 0 = k + ε C → k = −ε C.Finalmente

q(t) = εC(1− e− t

RC

)

que tem uma assımptota horizontal q(t) = εC. O tempo caracterıstico do circuito e τ = RC,tempo ao fim do qual a carga atinge 1− 1/e do seu valor final.

t

ΕC

qHtL

t

ΕR

iHtL

A derivada na origem da a corrente inicial

i(0) =dq(t)

dt|t=0 =

εC

RC=

ε

R

Repare-se que o tempo caracterıstico τ e tanto maior quanto maior for a resistencia e quepara uma resistencia nula o condensador carrega-se instantaneamente com uma correnteinfinita. A resistencia amortece assim a carga do condensador.

48 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Exemplo

Condensador esferico com armaduras de raio R1 = 2 cm, R2 = 5 cm. (A armadura exteriortem espessura 0.1 cm). O dielectrico tem εr = 4 e condutividade σC = 10−2 Ω−1 m−1.

Tem-se V1 = 10V e V2 = 0V . Determinar:

a) As cargas ρ, ρ′

, σ, σ′

.

b) A intensidade de corrente.

c) A resistencia do meio.

Resolucao

a) Recorde-se que ~P = (ε− ε0) ~E = (εrε0 − ε0) ~E = (εr − 1)ε0 ~E = 3ε0 ~E

A armadura exterior esta neutra porque esta ligada a terra. O campo entre armaduras epois devido a armadura interior:

E =Q1

4πεr2

e o potencial total entre as duas e como vimos para os condensadores esfericos

V1 =Q1

4πε

R2 − R1

R1R2→ Q1 = 4πεV1

R1R2

R2 −R1.

Substituindo na expressao do vector de polarizacao e usando os valores numericos dados

P = 3ε04πεV1R1R2

R2 − R1

1

4πεr2= 3ε0

R1R2V1

(R2 − R1)r2=ε0r2

(C m−2)

com r expresso em metros. Como ~P e radial porque ~E e radial, resulta que

σ′

= ~P . ~n = P

Podemos verificar a relacao entre σ e σ′

. Sabemos que:

σ =Q1

4πr2= 4πεV1

R1R2

R2 −R1

1

4πr2=εr3

ε0r2

=εr3σ

=4

.

Recorde-se que as cargas de polarizacao sao, numa superfıcie esferica, dadas por

Q′

=∫

S

~P . ~n dS = (ε− ε0)∫

S

~E. ~n dS = (ε− ε0)∫

S

Q1

4πεr2dS =

ε− ε0ε

Q1 =(

1− 1

εr

)Q1,

expressao esta que e geral para qualquer superfıcie polarizada. A anterior expressao e poisconsistente com esta. De facto

σ′

=(

1− 1

εr

)σ =

(εr − 1

εr

)σ =

3

4σ.

Quanto as cargas em volume (ρ, ρ′

, ρ′

= − ε−ε0ερ) sao nulas porque a carga electrica se

distribui em superfıcie nas armaduras e o dielectrico nao esta inicialmente carregado. As

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 49

cargas de polarizacao estao nas superfıcies de contacto do dielectrico com as armadurasinterior e exterior.

b)

i =∫

S

~J. ~n dS = σC

S

Q1

4πεr2~ur. ~n dS =

σCQ1

4πε

1

r2r2∫sinθdθ

∫dφ =

σCεQ1

em que Q1 foi calculado na alınea anterior.

c)

R =V1

i=

Q1

4πε

R2 −R1

R1R2

ε

σCQ1=

1

4πσC

R2 − R1

R1R2.

4 Magnetostatica

Ao contrario do campo electrico em que as cargas sao as fontes ou os sumidouros daslinhas de campo, no campo magnetico nao ha fontes ou sumidouros porque nao ha cargasmagneticas. Na magnetostatica que trata do campo magnetico estatico estudamos o campomagnetico produzido por correntes estacionarias.

O magnetismo e um fenomeno criado pelo movimento de cargas electricas. Correnteselectricas criam campos magneticos e estes exercem forcas sobre as correntes.

4.1 Lei de Biot-Savart

O resultado fundamental da Magnetostatica e traduzido pela lei de Biot-Savart e pela suaequivalente lei de Ampere. Comecemos pela lei de Biot-Savart: para condutores filiformesescreve-se

~dB =µ0

4πi~dl × ~rr3

.

Para o fio todo

~B =µ0

4πi∫

fio

~dl × ~rr3

⊗d ~B

~I

I ~dl

~r

em que a unidade de ~B (inducao magnetica) e o Tesla [1 Tesla (T ) = 104 Gauss (G)] eµ0 = 4π × 10−7TmA−1 (permeabilidade magnetica do vacuo).

Como foi dito atras os campos magneticos exercem forcas sobre as correntes, o que eexpresso pela lei de Laplace que e apenas uma forma modificada da forca de Lorentz

~df = dq ~v × ~B = dq~dl

dt× ~B =

~dq

dt~dl × ~B = i ~dl × ~B.

A lei de Biot-Savart desempenha assim para a magnetostatica o mesmo papel que a lei deCoulomb na electrostatica. Para uma distribuicao de corrente em volume deve fazer-se a

50 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

substituicao ∫

fioi ~dl→

V

~J dV

e portanto

~B =µ0

V

~J × ~rr3

dV

que e a forma da lei de Biot-Savart para correntes em volume.

Da mesma forma a lei de Laplace pode escrever-se

~F = i∫

fio

~dl × ~B → ~F =∫

V

~J × ~B dV.

Exemplo 1 (lei de Biot-Savart): fio rectilıneo

Partindo da lei de Biot-Savart resulta que a intensidade de ~B apenas depende da distanciaao fio e as linhas de forca de ~B sao portanto circunferencias perpendiculares ao fio e com osentido dado pela regra do saca-rolhas. Da figura ve-se que

tanθ =l

R→ dl =

R

cos2θ

e tambem, uma vez que R = r cosθ,

i~dl × ~r = i dl r sinα( ~−ex)= i dl r sinφ( ~−ex) = i dl r cosθ( ~−ex) =i dl R ( ~−ex)

⊗~B

O

l

i~dl α

φ

~r

Portanto

| ~B| = µ0

4πi∫

fio

|~dl × ~r|r3

=µ0

4πi∫

fio

dl R

r3=µ0

4πi∫

R

cos2θRcos3θ

R3=µ0

4πi∫ π

2

−π2

cosθ

R=

µ0i

2πR.

Tendo em vista este resultado, a circulacao de ~B ao longo de uma circunferencia de raioR (linha de forca neste caso) e dada por

∮~B.~dl = | ~B|2πR.

Exemplo 2 (lei de Biot-Savart). Calcular ~B para uma espira circular sobre o seu eixo ea uma distancia z do seu plano.

E evidente que as componentes paralelas ao plano da espira se anulam. So existe componenteem zz.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 51

dBz =µ0

idl r

r3cosθ.

Da figura ve-se que

r = (z2+R2)1/2, cosθ =R

r=

R

(z2 +R2)1/2,

donde

dBz =µ0

i

z2 +R2

R

(z2 +R2)1/2dl.

i

R

θ

z ~r

~dB

Integrando para toda a espira

Bz =µ0i

R

(z2 +R2)3/2

∮dl =

µ0i

2

R2

(z2 +R2)3/2.

No centro da espira (z = 0):

Bz =µ0i

2R.

Exemplo 3 (lei de Laplace). Determinar a forca por unidade de comprimento entre doisfios longos, rectilıneos e paralelos distanciados de 1m e percorridos por uma corrente de 1A.Suponha que as correntes sao de sentidos opostos.

Da figura ve-se que correntes de sentidosopostos repelem-se e do mesmo sentidoatraem-se. Cada corrente esta imersa nocampo originado pela outra. Portantoaplicando a lei de Laplace e o resultadodo exemplo 1 da lei de Biot-Savart

| ~dF | = i|~dl × ~B| = idlµ0i

2πr=µ0i

2

2πrdl

dondedF

dl=µ0i

2

2πr.

⊗ ⊗

⊗ ⊗

F F

i i

Exemplo 4 (lei de Laplace). E dado um fio rectilıneo infinito percorrido por uma correntei1 e um circuito rectangular a sua direita percorrido por uma corrente i2. Determinar a forcaque se exerce sobre o lado horizontal superior do circuito de x = a a x = a+ b.

52 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

A forca e paralela ao fio rectilıneo e di-rigida no sentido de i1. Sendo ~B o campocriado por i1, tem-se

F =∫ a+b

ai2dl

µ0i12πl

=µ0i1i2

2πlog

a+ b

a.

i1 R

i2

~F

a b

4.2 Lei de Ampere

Consideremos uma distribuicao qualquer de correntes estacionarias i1...in e imaginemosum contorno Γ rodeando estas correntes. Estabelecemos um sentido de circulacao em Γ econsideramos positivas ou negativas as correntes consoante tem um sentido consistente como da circulacao ou nao (regra do saca-rolhas). Se for ~B o campo criado por estas correntestemos ∮

Γ

~B. ~dl = µ0

α

que e a lei de Ampere.

A equacao acima traduz a forma integral (global) da lei de Ampere. Para obter a formalocal usamos o Teorema de Stokes

S

−−→rotB.~n dS =

Γ

~B.~dl = µ0i = µ0

S

~J.~n dS

em que S e uma superfıcie aberta atravessada por uma corrente total i. Igualando asintegrandas: −−→

rotB = µ0~J

que e a forma local. Esta e uma das equacoes fundamentais da Magnetostatica. Tem omesmo caracter que div ~E = ρ/ε e indica que sao as correntes as fontes do campo ~B.

Exemplo 1 (lei de Ampere). Campo criado por um fio rectilıneo muito comprido.

Escolhemos para contorno uma circunferencia de raio r:∮

Γ

~B. ~dl = µ0i → | ~B|2πr = µ0i → | ~B| = µ0i

2πr

porque ~B | | ~dl e | ~B| e constante sobre Γ.

Exemplo 2 (leis de Biot-Savart e de Ampere). Campo no eixo de um solenoide.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 53

Consideramos o solenoide como uma distribuicao de aneis de corrente (espiras circulares)e usamos o resultado do exemplo 2 da lei de Biot-Savart

B =µ0i

R

(x2 +R2)3/2

∮dl =

µ0i

2

R2

(x2 +R2)3/2.

Aplicamos esta expressao a um segmento infinitesimal do solenoide dx. Sendo N/l o numerode espiras por unidade de comprimento, a corrente correspondente ao comprimento dx e

i(N

ldx)

e vai dar origem a um campo infinitesimal

dB =µ0i

2

(N

ldx)

R2

(x2 +R2)3/2.

Faremos a integracao na variavel φ definida na figura:

x = R tan φ → dx = R sec2φ dφ.

⊗ ⊗ ⊗ ⊗ ⊗ ⊗ ⊗ ⊗ ⊗

P

R

O

φ2 φ1

x

l

dB =µ0R

2i

2(R2tan2φ+R2)3/2

N

lRsec2φ dφ =

µ0iN

2lcos φ dφ.

Integrando de φ1 a φ2 e tendo em atencao que sinφ = x/(x2 +R2)1/2 vem

B =µ0iN

2l

∫ φ2

φ1

cos φ dφ =µ0iN

2l(sin φ2 − sin φ1). (1)

Da figura ve-se que

sin φ2 =l/2− x√

(l/2− x)2 +R2e sin φ1 = − l − (l/2− x)√

[l − (l/2− x)]2 +R2= − l/2 + x√

(l/2 + x)2 +R2

No centro do solenoide tem-se (x = 0)

B =µ0iN

2l(sin φ2−sin φ1) =

µ0iN

2l

l/2√

(l/2)2 +R2+

l/2√(l/2)2 +R2

=

µ0iN

2

1√(l/2)2 +R2

,

54 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

nos extremos tem-se (x = ±l/2)

B =µ0iN

2l(sin φ2 − sin φ1) =

µ0iN

2l

l√l2 +R2

=µ0iN

2

1√l2 +R2

.

Ve-se portanto que se o solenoide for muito longo (l >> R), o campo no seu centro e odobro do campo nos extremos. Nesse caso, partindo da equacao (1) tem-se no centro

φ1,2 ' ±π

2, logo B =

µ0iN

l,

resultado que pode ser obtido muito simplesmente pela lei de Ampere. Vejamos como:

Consideremos um solenoide que vamos supor muito longo percorrido por corrente i.Sendo muito longo, podemos admitir que e uniforme o campo no seu interior ao longo doeixo, ou seja o efeito do campo nas extremidades e desprezavel. Supomos tambem que, emprimeira aproximacao, e nulo o campo no exterior e aplicamos a lei de Ampere ao contornorectangular Γ cuja circulacao e feita de acordo com a regra do saca-rolhas, tendo em conta osentido da corrente. A contribuicao dos lados menores do contorno e desprezavel, pois queestes sao tao pequenos quanto se queira, desde que envolvam as espiras. Tem-se entao

Γ

~B . ~dl = µ0

S

~J . ~n dS = µ0 N i

em que N e o numero de espiras do solenoide, pois que a superfıcie S e atravessada por Nespiras. Daqui se conclui

B = µ0N

li = µ0 n i

em que n e o numero de espiras por unidade de comprimento.

Exemplo 3 (lei de Ampere). Determinar o campo ~B criado no interior e no exteriordum cabo rectilıneo infinito e raio R percorrido pela intensidade de corrente i distribuidauniformemente na seccao.

a) Pontos interiores

Problema identico ao do fio infinito sem seccao:

Bext =µ0i

2πr

b) Pontos exteriores

Consideramos uma circunferencia interior ao cabo e concentrica com este. Integrando sobreesta linha ∮

Γ

~Bint. ~dl = Bint 2πr = µ0i′

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 55

em que i′

e a corrente que a atravessa (fraccao da corrente que atravessa todo o cabo). Comopara uma distribuicao uniforme a corrente e proporcional a area atravessada (i = JS):

i

i′=R2

r2.

Resulta entao

Bint =µ0i

2πr=µ0i

2πr

r2

R2=µ0i

r

R2.

4.3 Fluxo magnetico

E uma definicao em tudo semelhante a do fluxo electrico:

Φ =∫

S

~B. ~n dS.

As unidades sao [Φ] = Wb, portanto [ ~B] = Wb m−2 = T .

Exemplo (fluxo magnetico): calcular o fluxo atraves de um rectangulo paralelo a um fiorectilıneo percorrido por uma corrente i.

Ja sabemos que B = µ0i/2πr (exemplo 1,

lei de Ampere) e que ~B e perpendicularao plano de escrita dirigido para baixo.Portanto

Φ =∫µ0i

2πrdS.

Por outro lado dS = b dr, donde

Φ =∫µ0i

2πrb dr =

µ0ib

∫ a+c

a

dr

r=µ0ib

2πlog

(a + c

c

).

⊗ ⊗ ⊗ ⊗

⊗ ⊗ ⊗ ⊗

rb

i

ac

dr

4.4 Movimento de uma carga num campo magnetico

Vimos anteriormente (seccao 1.1) que uma carga electrica que se movimenta num campomagnetico fica sujeita a uma forca perpendicular ao plano da sua velocidade e do campo(forca de Laplace-Lorentz)

~F = q~v × ~B .

56 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Suponhamos para simplificar que ~B e uniforme e constante, que sem perda de generalidadeesta dirigido segundo o eixo dos zz. A forca ~F esta pois no plano Oxy e admitamos que acarga se movimenta no plano Oxy. Por via da perpendicularidade ~F ⊥ ~v vem ~F .~v = 0, ouseja a potencia e portanto a energia comunicada pela forca a carga e zero. Pode de factoverificar-se que a sua velocidade nao varia em modulo e a energia cinetica e constante:

~F .~v = m~dv

dt. ~v = 0 ⇒ d

dtv2 = 0 .

Sendo |~v| constante, o modulo da forca, F = qvB, e constante e uma vez que ~F perpendiculara ~v, trata-se de uma forca centrıpeta. A partıcula carregada descreve pois uma circunferenciacom velocidade v e raio r tal que

F = qvB =mv2

r

sendo a frequencia dada por

ω =v

r=qB

m

(frequencia do ciclotrao).

Podemos chegar a este resultado resolvendo a equacao de movimento

m~dv

dt= q(~v × ~B) = q(vyB~ex − vxB~ey) .

Em termos de componentes

mdvxdt

= qvyB

mdvydt

= −qvxB .

Derivando a primeira equacao, substituindo a segunda na primeira vem

md2vxdt2

= −q2B2

m2vx

ou sejad2vxdt2

+(qB

m

)2

vx = 0

e do mesmo modo se obtem uma equacao identica para vy. A solucao geral desta equacaoe do tipo

vx = A1 sen(ωt+ φ1)

que representa um movimento oscilatorio simples com frequencia

ω =qB

m

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 57

em que A e φ sao as constantes de integracao. Nao sao fixadas pelas equacoes diferenciaisde movimento, sendo pois arbitrarias. Para serem determinadas e necessaria informacaoadicional sobre o movimento que em geral e dada pelas condicoes iniciais como veremos aseguir. Tem-se entao

vx = A1 sen(ωt+ φ1) , vy = A2 cos(ωt+ φ2)

que sao necessariamente solucoes das equacoes diferenciais. Assim,

dvxdt

=qvymB ⇒ A1ω cos(ωt+ φ1) = ω A2 cos(ωt+ φ2)

dvydt

= −qvxmB ⇒ − A2ω sen(ωt+ φ2) = −ω A1 sen(ωt+ φ1).

Destas equacoes resultaA1

A2cos(ωt+ φ1) = cos(ωt+ φ2)

A1

A2sen(ωt+ φ1) = sen(ωt+ φ2).

Elevando ao quadrado e somando membro a membro

A21

A22

= 1

o que implica A1 = A2 e φ1 = φ2. As solucoes sao portanto

vx = A sen(ωt+ φ) ⇒ x = −Aωcos(ωt+ φ) + k

vy = A cos(ωt+ φ) ⇒ y =A

ωsen(ωt+ φ) + k

.

Podemos sem perda de generalidade escolher k = k′

= 0, ou seja a origem e de tal modofixada que a carga oscila a sua volta.

Consideremos agora as seguintes condicoes iniciais

x0 = 0 vx = v0

que implicam 0 = −Aωcos φ e v0 = A sen φ donde

A = v0 φ =π

2

resultando para as equacoes de movimento

vx = v0 cos(ωt) x =A

ωsen(ωt)

vx = −v0 sen(ωt) y =A

ωcos(ωt) .

A carga esta portanto inicialmente situada no eixo dos yy (ordenada A/ω) e descreve ummovimento circular no sentido dos ponteiros do relogio.

58 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

5 Campo Electromagnetico variavel

5.1 Lei de Faraday

Esta lei e uma das pedras basilares do electromagnetismo e constitui um exemplo da estreitarelacao entre os campos ~E e ~B. Diz-nos que a variacao do fluxo de ~B atraves de umasuperfıcie que se apoia sobre um circuito fechado induz no circuito uma f.e.m. ε.

O sentido da corrente induzida e tal que origina um fluxo magnetico φ oposto ao fluxoinicial. Assim

ε = −dΦ

dt, Φ =

S

~B. ~n dS,

ou seja por definicao de f.e.m.

Γ

~E. ~dl = − d

dt

S

~B. ~n dS

que e a forma integral da lei de Faraday ou da inducao.

Para melhor perceber como determinar o sentido da f.e.m. induzida e usual recorrer-sea lei de Lenz:

A polaridade da f.e.m. induzida e tal que produz uma corrente cujo fluxo magnetico seopoe a alteracao do fluxo inicial.

Por outras palavras, a corrente induzida, opondo-se a variacao de fluxo, tende a manterinvariante o fluxo original. Consideremos o exemplo de uma barra condutora que deslizasobre duas calhas tambem condutoras, constituindo assim um circuito de area variavel.Suponhamos que esse circuito e atravessado por um fluxo magnetico proveniente dum campodirigido para baixo.

R

i

~v

Ao mover-se a barra para a direita o fluxo magnetico atraves do circuito aumenta porquea area aumenta. A corrente induzida opor-se-a a esse aumento, originando portanto um fluxopara cima. O seu sentido e pois contrario ao dos ponteiros do relogio.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 59

Movendo-se a barra para a esquerda o fluxo diminui porque a area diminui, donde, acorrente induzida gera um fluxo para baixo, sendo portanto no sentido horario.

Tudo o que se exige na lei de Faraday e que o fluxo varie, o que pode acontecer porvariar a geometria do circuito, ou mover-se o circuito, ou ser ~B funcao do tempo.

A equacao acima e equivalente a:

Γ

~E. ~dl = −∫

S

d ~B

dt. ~n dS.

Aplicando o Teorema de Stokes∮

Γ

~E. ~dl =∫

S

−−→rotE. ~n dS

e igualando as integrandas obtem-se

rot ~E = −~dB

dt

que e a forma local da lei de Faraday. Esta equacao e uma das equacoes de Maxwell egeneraliza

−−→rotE = 0 para o caso dos campos variarem no tempo.

Exemplo 1 (lei de Faraday). Seja de novo o circuito anterior em que a barra se movepara a direita e calculemos a f.e.m. induzida.

Resolucao

Para se determinar o sentido da f.e.m. podemos tambem usar a forca de Lorentz: ~F = q~v× ~B.O sentido convencional da corrente (cargas positivas) e, na barra, para cima, pois a forcade Lorentz e dirigida para cima. A corrente e pois no sentido anti-horario.

A partir da forca de Lorentz

R

i

~v

~Fapl

~Fm

~E =~F

q→ ε =

Γ

~E. ~dl =1

q

∮~F . ~dl =

1

q

∫ l

0

~F . ~dl =1

qq v B

∫ l

0dl = v B l

60 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

A partir do fluxo

Φ =∫

S

~B. ~n dS = −B l x → ε = −dΦ

dt= B l v.

Exemplo 2 (lei de Faraday). Calcular a f.e.m. induzida numa barra condutora decomprimento l que roda no sentido anti-horario com velocidade ω. A barra esta imersa numcampo magnetico uniforme e constante ~B, perpendicular ao plano de escrita e dirigido parabaixo.

⊗ ⊗

⊗ ⊗

⊗ ⊗

⊗ ⊗

O

~v

l

dr

Resolucao

Vimos no exemplo anterior que uma barra condutora que se move num campo ~B fica sujeitaa uma f.e.m. induzida dada por

ε = B l v.

As cargas positivas ficam sujeitas a uma forca dirigida para o ponto fixo (centro de rotacao)e as negativas para a periferia.

Um segmento infinitesimal da barra de comprimento dr fica sujeito a uma f.e.m.

dε = B v dr.

Somando para toda a barra tem-se

ε =∫Bv dr = B

∫ l

0ω r dr =

1

2B ω l2.

Alternativamente podemos calcular o fluxo elementar dΦ

dΦ = B dS = B1

2l dθ l

(em que a area elementar dS e considerada como um triangulo) e dividir por dt:

ε =dΦ

dt=

1

2B l 2 dθ

dt=

1

2B l 2 ω.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 61

Exemplo 3 (lei de Faraday). Forca magnetica numa barra deslizante. Seja a barra deslizantedo exemplo 1 de comprimento l e massa m. Suponhamos que a barra esta inicialmente ani-mada com uma velocidade ~v0 para a direita e e em seguida largada. Determinar a velocidadeda barra em funcao do tempo.

R

i

~v0

~Fm

Resolucao

Quando a barra esta em movimento gera-se como vimos uma corrente induzida nosentido contrario ao dos ponteiros do relogio. Essa corrente, pela lei de Laplace (-Lorentz)vai por sua vez ser actuada por uma forca magnetica devida ao campo dada por

~dFm = i~dl × ~B → Fm = −i l B

que aponta para a esquerda (daı o sinal (-)), contrariando assim o movimento da barra e aforca que a solicita para a direita. O equilıbrio (movimento uniforme) estabelece-se quandoas duas forcas se compensarem.

Deixando de existir a forca para a direita, a unica forca passa a ser a magnetica. Pelalei de Newton

mdv

dt= −i l B.

A f.e.m. na barra e ε = B l v, portanto a intensidade i = B l v/R, donde

mdv

dt= −B

2l2

Rv → dv

v= −

(B2l2

Rm

)t,

ou seja

log(v

v0

)= −

(B2l2

Rm

)t.

Finalmente

v = v0 e−t/τ com τ =

Rm

B2l2.

62 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Portanto a velocidade da barra decresce exponencialmente, o mesmo sucedendo quanto acorrente e f.e.m. induzidas

i =B l v

R=B l v0

Re−t/τ , ε = i R = B l v0e

−t/τ .

Exemplo 4 (lei de Faraday). Seja uma barra condutora de comprimento l que se moveparalelamente a distancia a com velocidade ~v de um fio rectilıneo infinito percorrido poruma corrente i. Determinar a f.e.m. induzida na barra.

a

l~v

i

Resolucao

Como vimos o campo criado por um fio rectilıneo infinito e

~B =µ0

2πri

e a f.e.m. induzida numa barra que se move num campo que lhe e perpendicular e dada por

ε = B l v.

Num segmento dr da barra e induzida uma f.e.m. dε

dε = B v dl → ε = v∫B dl = v

∫µ0

2πri dr =

µ0

2πi v

∫dr

r=µ0 i v

2πlog

l + a

a.

Aplicando directamente a lei de Faraday

ε =d

dt

SB dS =

µ0i

S

1

r

dS

dt=µ0i

∫ l+a

a

dr

r

d

dt

∫ x

0dx

=µ0i

2πlog

l + a

a

dx

dt=µ0i

2πlog

l + a

a.

5.2 Inducao

Vimos no capıtulo anterior que quando o fluxo magnetico atraves de um circuito varia notempo e induzida uma f.e.m. no circuito. O fenomeno da inducao electromagnetica temconsequencias praticas de que trataremos agora. Consideraremos de inıcio a auto-inducao.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 63

5.2.1 Auto-inducao e indutancia

Quando um circuito com uma resistencia e um anel de corrente e ligado, a corrente naoaumenta instantaneamente para o seu valor ε/R, porque a lei de Faraday o impede. Defacto, ao ser ligado o circuito, o fluxo magnetico atraves do anel aumenta com o tempo eeste aumento induz uma f.e.m. que se opoe como se viu a f.e.m. do gerador. O resultadoe o aumento gradual da corrente. Este efeito designa-se auto-inducao porque a variacao defluxo origina-se no proprio circuito e a f.e.m. que se opoe a que e imposta pelo geradorchama-se f.e.m. auto-induzida.

Esta f.e.m. e proporcional a variacao de fluxo

ε = − d

dtΦ

e o fluxo e proporcional a ~B. O campo ~B e por sua vez tambem proporcional a correnteque percorre o circuito (vd. lei de Biot-Savart). Portanto

ε = −Ldidt

o que equivale a Φ = L i

em que a constante de proporcionalidade L e a indutancia do circuito que depende das suascaracterısticas geometricas e fısicas.

Exemplo 1 (Indutancia do solenoide)

Consideremos um solenoide com N espiras num circuito percorrido por uma correntei e calculemos a sua indutancia L, admitindo que e longo comparado com o raio e que ointerior e o ar.

Resolucao

Sendo percorrido pela corrente i, o campo no seu interior pode ser aproximado como vimospor

B = µ0N

li = µ0ni

em que l e o comprimento e n o numero de espiras por unidade de comprimento do solenoide.Sendo este o campo no interior do solenoide, o fluxo numa espira e

φ = B S = µ0nSi

onde S e a area da espira e portanto a seccao recta do solenoide. O fluxo atraves do solenoidee

Φ = N B S = µ0nNSi = µ0N2

lSi.

64 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Comparando com Φ = Li obtem-se a indutancia

L = µ0N2

lS.

Dados N = 300, l = 25 cm, S = 4 cm2 = 4× 10−4m2 e admitindo que a corrente decrescea uma taxa de 50 A s−1, calcular L e a f.e.m. auto-induzida ε.

De acordo com a definicao tem-se

L = µ0N2

lS = 4π10−7T m A−1 (300)2(4× 10−4m2)

25× 10−2m= 1.81× 10−4H (Henry).

Para a f.e.m.

ε = −Ldidt

= −(1.81× 10−4H)(−50 A s−1) = 9.05× 10−3V.

Aplicacao: circuito RL com bateria

ε

i(t)

R

L

Ligando o circuito em t = 0, uma vez que a corrente comeca a aumentar, a bobinaproduz uma f.e.m. que se opoe a esse aumento e que e dada por

εL = −Ldidt.

Aplicando a lei das malhas vem (atencao ao sentido de circulacao)

ε− iR + εL = ε− iR− Ldidt

= 0,

ou seja a bobina actua como um gerador com polaridade oposta a da bateria do circuito.Portanto

ε− iR = Ldi

dt→ di

ε− iR =dt

L→ − 1

R

di

i− ε/R =dt

L.

Integrando

− 1

Rlog

(i− ε

R

)=

t

L+ log C → log

(i− ε

R

)= −R

Lt+ log C1

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 65

dondei− ε

R= C1 e

−(R/L)t → i =ε

R+ C1 e

−(R/L)t.

Nao havendo corrente no instante inicial

i(0) = 0 =ε

R+ C1 → C1 = − ε

R.

Finalmentei(t) =

ε

R(1− e(−R/L) t).

O tempo caracterıstico do circuito (relaxacao) e pois

τ =L

R

que e o tempo ao fim do qual a corrente atinge (1− e−1) ' 0.63 do seu valor final εR.

Τt

0.63 ΕR

ΕR

iHtL

Para uma bobina com L = 30 mH e uma resistencia R = 6Ω, o circuito tera um tempocaracterıstico de

τ =L

R=

30× 10−3H

6Ω= 5.0ms.

5.3 Energia do campo magnetico

A f.e.m. de inducao impede que se estabeleca uma corrente instantanea no circuito. Portantoao fechar-se o circuito exerce-se trabalho contra a bobina para ser criada a corrente. Partedesse trabalho e dissipado por efeito de Joule na resistencia e a outra e armazenada nabobina. Partindo da equacao

ε = iR + Ldi

dte multiplicando por i obtem-se a potencia que o gerador cede ao circuito

ε i = i2R + Lidi

dt

66 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

que e uma expressao de conservacao de energia. O termo Li di/dt representa a taxa a quea energia e armazenada na bobina:

dWm

dt= Li

di

dt

que integrando, resulta na energia magnetica armazenada na bobina quando percorrida pelacorrente i,

Wm =1

2Li2.

Usando a expressao de L e do campo magnetico B,

L = µ0 n2 S l, B = µ0 n i → i =

B

µ0 nvem

Wm =1

2Li2 =

1

2µ0 n

2 S l

(B

µ0 n

)2

=B2

2µ0Sl.

A quantidade Sl e o volume do solenoide (bobina). Portanto a densidade de energiamagnetica e dada por

um =B2

2µ0.

Embora tenha sido deduzida para um solenoide, esta expressao e valida para qualquer regiaodo espaco em que exista um campo magnetico.

Notar que e semelhante em forma a equacao da densidade de energia dum campoelectrico,

ue =1

2ε0E

2.

Em ambos os casos a densidade e proporcional ao quadrado da intensidade de campo.

Exemplo: corrente estacionaria e lei de Faraday

Um condutor linear infinito e percorrido por uma corrente estacionaria i. Perpendicu-larmente ao condutor e no mesmo plano afasta-se uma espira rectangular com velocidade ~vconstante inicialmente a distancia D.

a) Calcular a f.e.m. induzida norectangulo.b) Calcular a f.e.m. se, mantendo orectangulo fixo, a corrente i variar deacordo com i = i0 cos ωt.

a

D

~v

b

i

⊗ ⊗

⊗ ⊗

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 67

Resolucao

a) Como se viu, quer pela lei de Biot-Savart, quer pela de Ampere, no

lado esquerdo do rectangulo e no lado direito tem-se respectivamente

B0 =µ0i

2πD, B1 =

µ0i

2π(D + a).

Para calcularmos a f.e.m. induzida no rectangulo, calculamos as diferencas de potencial aolongo de cada um dos seus lados e depois subtraı-mo-las. Assim para o lado esquerdo

φ =∫ t

0

µ0i

2π(D + x)dS em que dS = dx dl e x = vt

′ → dx = v dt′

Portanto

φ =∫ t

0

µ0 i v dt′

2π(D + vt′)

∫ b

0dl =

µ0 i b

∫ t

0

vdt′

D + vt′=µ0 i b

[log(D + vt

)]t0

ou seja

φ =µ0 i b

2πlog

D + v t

D.

A diferenca de potencial aos extremos deste lado e pois

∆V0 =dφ

dt=µ0 i b

vD

D+v tD

=µ0 i b

v

D + v t.

E aos extremos do lado direito

∆V1 =µ0 i b

v

D + a + v t.

A f.e.m. induzida na barra e entao

ε = ∆V0 −∆V1 =µ0 i b

(v

D + v t− v

D + a + v t

)=

µ0 i b a v

2π(D + v t)(D + a+ v t).

b) O fluxo passa a ser agora (x nao e funcao do tempo)

Φ =∫ a

0

µ0 i dx

2π (D + x)

∫ b

0dl =

µ0 i b

∫ a

0

dx

D + x=µ0 i b

2πlog

D + a

D

com i = i0 cos ωt e ε = −dΦ/dt.

68 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

5.4 Corrente de deslocamento

Tudo o que estudamos ate agora esta incluıdo nas seguintes equacoes

div ~E =ρ

ε, div ~B = 0 ,

−−−→rot E = −

~dB

dt,−−−→rot B = µ ~J. (2)

Ate ao trabalho de Maxwell (decada de 1870) eram estas as leis conhecidas (embora naodesta maneira compacta). Foi Maxwell quem primeiro notou a importancia das combinacoesde derivadas (rot, div, ...).

Apliquemos a divergencia a ambos os membros da lei de Ampere. Uma vez que div−−−→rot α =

0 para qualquer vector ~α, vem

0 = div−−−→rot B = µ div ~J → div ~J = 0

o que mostra que a lei de Ampere so e valida em situacoes estacionarias, pois que no casogeral e como vimos

div ~J = −dρdt.

Por outras palavras a lei de Ampere tem de ser alterada para situacoes nao estacionarias.A solucao apresentada por Maxwell foi a seguinte:

Adicionemos ao lado direito da lei de Ampere o termo

εµ~dE

dt= µ

~dD

dt, com ~D = ε ~E

ficando agora

−−−→rot B = µ ~J + µ

~dD

dt(3)

que se le: a circulacao de ~B atraves de um circuito e igual a corrente no circuito mais ofluxo de ~E no circuito. Aplicando a divergencia tem-se agora

0 = div ~J +d

dtdiv ~D

e recordando a lei de Gauss na forma div ~D = ρ vem

div ~J +dρ

dt= 0

que e a equacao da continuidade. Portanto aceitando a forma generalizada da lei de Amperechegamos a equacao da continuidade, ou seja a conservacao da carga e um princıpio contidonas quatro equacoes de Maxwell (eqs.(2) com a alteracao (3)).

Vejamos o significado fısico do novo termo. Para isso consideremos a carga de umcondensador.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 69

Γ

S1

S2

Seja um contorno fechado Γ em torno do condutor e S1 uma superfıcie que sobre elese apoia e que e cortada pelo condutor. Sem perda de generalidade podemos considera-laplana. Apliquemos a esta superfıcie a lei de Ampere

Γ

~B . ~dr =∫

S1

−−−→rot B . ~n dS = µ0

S1

~J . ~n dS = µ0i.

Note-se que neste ponto toda a energia que passa localiza-se sob a forma de corrente nocondutor. Seja tambem uma superfıcie S2 que se apoia em Γ e nao e cortada por nen-hum condutor. A circulacao de ~B em Γ1 e a mesma, pois mudar o feitio de uma superfıcieimaginaria nao afecta a fısica. Tem-se agora pelo teorema de Stokes

S2

−−−→rot B . ~n dS =

d

dt

S2

εµ ~E . ~ndS =∮

Γ

~B . ~dr.

Entre as duas armaduras nao passa corrente electrica: passa energia sob a forma de campoelectrico. Os dois termos

εµ~dE

dt= µ

~dD

dte µ0

~J

combinam-se para dar−−−→rot B em todas as zonas do circuito.

Ve-se assim que o termo adicional, corrente de deslocamento, e introduzido paraexplicar a passagem de corrente em circuitos que nao sejam circulacoes completamentefechadas. Vamos mostrar que

~dD

dttem o caracter de uma corrente. Para isso, seja o condensador plano anteriormente consid-erado em regime variavel. Na superfıcie S1 tem-se

Γ

~B . ~dr = µ∫

S1

~J . ~n dS = µ i(t) = µdQ

dt,

pois que a corrente que circula no fio e a variacao da carga no condensador. Na superfıcieS2 tem-se ~J = 0 porque nao ha cargas a atravessar o espaco entre as armaduras,

Γ

~B . ~dr = µ∫

S2

~dD

dt. ~n dS.

70 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Usando a definicao de ~D e a expressao do campo entre armaduras

D = εE = εσ

ε= σ =

Q

A

obtemos, na aproximacao de so existir campo no interior do condensador,

µ∫

S2

~dD

dt. ~n dS = µ

1

A

dQ

dt

S2

dS = µdQ

dt.

Como este termo se adiciona ao termo da corrente de conducao na equacao (3) de−−→rotB,

resulta que

~JD =~dD

dt

e de facto uma densidade de corrente: corrente de deslocamento como vimos.

5.5 Equacoes de Maxwell

Sao as quatro equacoes fundamentais que descrevem todos os fenomenos electromagneticos.

div ~D = ρ Lei de Gauss

div ~B = 0 linhas de campo de ~B fechadas

−−−→rot E = −

~dB

dtLei de Faraday

−−−→rot B = µ ~J + µ

~dD

dtLei de Ampere modificada.

Esta ultima equacao contem como vimos a equacao da continuidade

div ~J +dρ

dt= 0.

Em situacoes estacionarias (derivadas em ordem ao tempo nulas) ha uma separacao entre osfenomenos electricos e magneticos e e pois possıvel estuda-los separadamente. Para camposvariaveis essa separacao e impossıvel.

Exemplo: corrente de deslocamento. Calcule a frequencia para a qual a agua do marapresenta uma corrente de deslocamento igual a corrente de conducao no seu interior. UseσH2O = 5× 10−3Ω−1m−1 e εH2O = 80ε0.

Resolucao

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 71

A corrente de conducao e dada por

~J = σC ~E e a de deslocamento ~JD =~dD

dt.

Sendo o campo ~E dado por ~E = ~E0 cos ω t, vem

~D = ε ~E = ε ~E0 cos ωt →~dD

dt= ε

~dE

dt= −ε ω ~E.

Igualando as duas correntes (em modulo):

ε ω E = σE → ω =σ

ε= 7.062× 106 rad s−1 → f = 1.124× 106 s−1.

Aplicacao: circuito RLC sem gerador

C

R

L

Consideremos o circuito RLC em serie em que o condensador esta inicialmente carregado.Ao fechar-se o circuito o condensador funciona temporariamente como gerador alimentandoo resto do circuito.

VC = VR + VL → q

C= RI + L

di

dt.

A corrente descarrega o condensador, portanto e produzida a custa da diminuicao da suacarga, ou seja, i = −dq/dt. Substituindo

d2q

dt2+R

L

dq

dt+

q

LC= 0

que e uma equacao diferencial homogenea de 2a ordem. A equacao caracterıstica escreve-se

α2 + 2λα+ ω20 = 0 → α1,2 = −λ±

√λ2 − ω2

0 em que λ =R

2L, ω0 =

1√LC

.

A quantidade ω0 e a frequencia propria do circuito. Dois casos ha a considerar:

72 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

1. λ < ω0, caso em que a resistencia e pequena, que e equivalente a

R2

4L2− 1

LC< 0

faremos√λ2 − ω2

0 = i√ω2

0 − λ2 = i ω. As raizes da equacao caracterıstica sao α1,2 = −λ±iωe a solucao e de tipo oscilante com frequencia ω =

√ω2

0 − λ2 < ω20:

q(t) = e−λ t(C1eiω + C2e

−iω) = A e−λ t cos (ωt+ φ)

(A e φ sao as constantes de integracao).

2. λ > ω0, caso em que a resistencia e grande,

R2

4L2− 1

LC> 0.

Neste caso nao ha oscilacao: a corrente decai exponencialmente para zero,

q(t) = C1e(−λ+√λ2−ω2

0) t + C2e(−λ−√λ2−ω2

0) t.

Nao havendo fonte exterior de energia (gerador) e existindo ’atrito’ electrico (resistenciacom calor de Joule), o sistema acaba por estabilizar: o condensador descarrega-se e deixade passar corrente. O regime e sempre transitorio.

Aplicacao: circuito RLC com gerador (caso geral)

Seja agora o circuito anterior com uma fonte de energia alternada. A equacao que regeo seu funcionamento e

ε0 cos ωt =q

C+ L

di

dt+Ri

(a corrente i nao corresponde a descarga do condensador:i = dqdt

). Tem-se entao

d2q

dt2+R

L

dq

dt+

q

LC=ε0Lcos ωt.

O integral geral desta equacao e como se viu anteriormente a soma do integral da equacao ho-mogenea (regime transitorio ou livre) com o integral particular da equacao nao homogenea.Este ultimo sera um seno ou co-seno:

q(t) = k sin(ωt+ α).

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 73

As constantes k e α sao determinadas a partir do facto de ser esta expressao a solucaoparticular procurada. Para isso usamos a representacao complexa fazendo

q(t) = k ei(ωt+α),

substituimos q(t) na equacao nao homogenea e obtemos

k =ε0√

ω2R2 + (1/C − ω2L)2e tan α =

(R/L)ω

ω2 − 1/(LC).

Para a corrente, i(t) = dq/dt, passando para representacao real,

i(t) =ε0√

R2 + [1/(ωC)− ωL]2cos(ωt + α).

Esta e a solucao de regime forcado ou permanente (integral particular da equacao naohomogenea) que se adiciona a solucao de regime livre ou transitorio.

A intensidade de corrente e maxima quando

ωL =1

ωC→ ω2 = ω2

0 =1

LC,

isto e quando a frequencia aplicada for a frequencia propria do circuito. Nesse caso vem

i(t) =ε0Rcos (ωt+ π/2).

O circuito comporta-se entao como se so houvesse resistencia.

Exemplo. Circuito RC e corrente de deslocamento.

Um condensador plano cujo dielectrico e o ar tem uma area A=10 cm2 e descarrega-seatraves de uma resistencia R

R = 1000Ω , C = 10−6F, V0 = 100V

a) Determine a corrente que percorre o circuito em funcao do tempo. Quanto tempo leva aperder 99% da carga inicial?

b) Determine, em funcao do tempo, o campo magnetico num ponto A que se encontra adistancia de 10 cm de uma seccao recta do circuito.

c) Determine, em funcao do tempo, o campo electrico no interior do condensador.

d) Determine, em funcao do tempo e da distancia a um eixo coincidente com o fio do circuito,o campo magnetico no interior do condensador.

Resolucao

74 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

a) A equacao que rege o funcionamento do circuito e

q

C+ iR = 0 → dq

dtR +

q

C= 0 → dq

dt= − q

RC→ dq

q= − dt

RC,

o que integrando da

log q = − t

RC+ log k → q = q0 e

−t/(RC)

em que q0 e a carga inicial. O tempo que corresponde a uma perda de 99% desta carga serat1:

(1− 0.99)q0 = q0 e−t1/(RC) → et1/(RC) = 100 → t = RC log 100 = 4.6 RC.

Inserindo os valores dados (RC = 10310−6 = 10−3s), obtem-se t1 = 4.6 ms. A carga inicialq0 = CV = 10−6102 = 10−4 C. Quanto a corrente

i =dq

dt= − 1

RCq0 e

−t/(RC) = −0.1 e−103t.

b) Recorremos a equacao de Maxwell-Ampere

−−−→rot B = µ0

~J + µ0

~dD

dt

e integramos ao longo de um contorno (circunferencia) de raio 10 cm que envolve o condutor.A superfıcie imaginaria que se apoia sobre esse contorno deve ser escolhida de tal modo queso seja atravessada por corrente de conducao: pode ser o proprio cırculo. Tem-se entao

Γ

~B . ~dr = µ0i , substituindo vem B 2π 10−1 = 4π 10−7 (0.1) e−103t

dondeB = 2× 10−7e−103 t T.

c) Tratando-se de um condensador plano, o campo electrico e E = σ/ε0, portanto

E =q0

Aε0e−t/(RC) =

10−4 e−103 t

10−3 8.85 10−12= 1.13× 1010e−103 t V m−1.

d) No interior do condensador so existe corrente de deslocamento.

Γ

~B . ~dr = µ0

S′

~dD

dt. ~n dS.

O contorno de integracao e uma circunferencia centrada no eixo coincidente com o fio docircuito e a superfıcie S

sera o plano desse cırculo, S′

= πr2. Portanto

B 2π r = µ0ε0dE

dtS

′ → B = −8.85 10−12 4π 10−7

2π rπr2 1.13 1010 103 e−103 t.

FinalmenteB = −2π r 10−5 e−103 t T.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 75

6 Propriedades magneticas da materia

O fısico Andre-Marie Ampere (1775-1836) foi o primeiro a atribuir o magnetismo a existenciade pequenas correntes no interior dos materiais, muito antes de ser conhecida a estruturaatomica da materia (correntes de Ampere). Devido a estas correntes todos os materiais saoem maior ou menor escala susceptıveis de interagir com campos magneticos. Tais correntessao devidas ao movimento complexo dos atomos e dos electroes no interior da materia e omodo como estao organizadas ou desorganizadas determina a maior ou menor capacidadede um material interagir com um campo magnetico.

Imaginemos um pequeno circuito electrico microscopico na presenca de um campomagnetico exterior e admitamos que nesse circuito passa uma corrente i.

~B

~N

~r

~r

~F

~F

i~dl

i~dl

A forca de Lorentz que actua no elemento ~dl do circuito e

~dF = i ~dl × ~B.

Esta forca e, na figura, horizontal. No elemento diametralmente oposto exerce-se uma forcaigual e oposta. As duas geram um binario com um momento

~dN = 2~r × ~dF = 2~r × i ~dl × ~B.

O efeito deste binario e o de tender a alinhar o circuito perpendicularmente ao campomagnetico. O vector que multiplica externamente o campo magnetico e

2~r × i ~dl = 2 i dA ~n

em que dA = r dl e a area dos sectores correspondentes a ~dl e ~n o vector unitario perpendic-ular ao circuito no plano de escrita no sentido da regra da mao direita. Para todo o circuitotem-se, somando (a area do circuito e A = 1/2

∫dA),

~µ = i A ~n

76 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

que se designa por momento dipolar magnetico do circuito (comumente chamado momentomagnetico). O binario que actua sobre o circuito e pois dado por

~N = ~µ× ~B

e tende a alinhar ~µ com ~B. So assim ~N = 0 ‡.

O estado magnetico de uma substancia e descrito pelo vector magnetizacao, ~M , quee igual ao momento magnetico por unidade de volume da substancia. Depende do campomagnetico externo aplicado e da propria substancia.

Seja o campo ~B0 criado por um enrolamento no ar. Ao preenchermos o espaco interiora esse enrolamento por uma substancia magnetica, o campo total passa a ~B = ~B0 + ~Bm emque ~Bm e o campo produzido pela substancia. Este termo pode ser expresso em funcao dovector ~M

~Bm = µ0~M → ~B = ~B0 + µ0

~M.

Designando por vector intensidade do campo (ou simplesmente campo magnetico) ~H:

~H = ~B/µ0 − ~M

vem~B = µ0( ~H + ~M).

Consideremos a regiao interior a um enrolamento percorrido por uma corrente i. Tratando-se do vacuo, tem-se ~M = 0 (nao ha momentos magneticos), portanto ~B = ~B0 = µ0

~He

H = n i.

O campo ~H permanece invariante quando se introduz no espaco interior uma qualquersubstancia, mas o campo ~B altera-se: aparece o termo µ0

~M que e devido a magnetizacaoda substancia.

Para um vasto conjunto de materiais, especificamente os paramagneticos e os diama-

gneticos, existe uma proporcionalidade entre ~M e ~H,

~M = χm ~H,

onde χm (susceptibilidade magnetica) e um factor adimensional.

χm > 0 Paramagneticos ( ~M paralelo a ~H).

χm < 0 Diamagneticos ( ~M antiparalelo a ~H).

E importante notar que a relacao ~M = χm ~H nao se aplica aos materiais ferromagneticos.A equacao acima pode entao escrever-se

~B = µ0( ~H + ~M) = µ0( ~H + χm ~H) = µ0(1 + χm) ~H = µ ~H

‡Na realidade ~µ nao se alinha com ~B, mas antes efectua uma precessao em torno da direccao de ~B comuma velocidade angular ωP ' qe/(2m) (vd. ’The Feynman Lectures on Physics’, vol II, cap 34-3).

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 77

em que se fez µ (permeabilidade magnetica)

µ = µ0(1 + χm).

Ferromagnetismo

As substancias ferromagneticas contem momentos magneticos atomicos devidos ao movi-mento orbital e ao spin dos electroes tao fortes, que cada momento acaba por se orientarespontaneamente de acordo com o campo magnetico criado pelos seus vizinhos. Neste casoa magnetizacao pode existir localmente, mesmo sem campo magnetico exterior aplicado oucom um campo muito fraco. Para estas substancias

χ >> 1, µ >> µ0.

Os materiais ferromagneticos contem regioes microscopicas – domınios – nos quais os mo-mentos magneticos estao alinhados. Tem volumes da ordem de 10−12 a 10−8 m3 e contem1017 a 1021 atomos. Numa amostra nao magnetizada os domınios estao aleatoriamente ori-entados, de modo que o momento magnetico total e zero. Quando e colocada num campomagnetico externo, os domınios tendem a alinhar-se com o campo, ficando a amostra mag-netizada. Com a remocao do campo retem-se pelo menos temporariamente a magnetizacaona direccao do campo original (o material transforma-se num ıman).

A altas temperaturas instala-se a desordem e a baixas temperaturas a ordem e maisestavel.

Nos materiais ferromagneticos para um dado ~H os valores de ~B sao muito grandes. Masa relacao linear

~B = µ ~H

e apenas valida como aproximacao. De facto para um material inicialmente desmagnetizadopode obter-se uma curva de histerese. (A palavra literalmente significa ficar para tras).

Partindo da substancia desmagnetizada e aumentando ~H (com uma corrente na vizin-

hanca) a magnetizacao ocorre rapidamente ate ~B atingir uma quase saturacao, quando os

momentos se alinham. Ao diminuir ~H, o campo ~B diminui mas nao e zero para ~H = 0.Ao inverter ~H ( ~H < 0), ~B acaba por mudar de sinal. Repetindo o processo para ~H > 0, atrajectoria seguida e diferente da inicial.

Ferro, cobalto, nıquel, gadolınio, disprosio sao exemplos de substancias ferromagneticas.

Paramagnetismo

Nas substancias paramagneticas os campos magneticos criados pelas correntes de Amperee os momentos magneticos microscopicos nao sao suficientes para alinhar os circuitos, re-

78 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

sultando numa orientacao aleatoria dos dipolos. Nao existe portanto uma magnetizacaodo meio, a menos que se aplique um campo magnetico exterior relativamente forte. Dequalquer modo, ao orientarem-se por accao do campo exterior, o correspondente efeito temde competir com os efeitos do movimento termico. Estas substancias podem portanto sermagnetizadas, mas a magnetizacao so prevalece enquanto existir o campo exterior e serasempre muito inferior a das ferromagneticas. Para estas substancias tem-se

0 < χ << 1 com χ ' 10−5 − 10−4.

E o caso do alumınio, calcio, cromio, platina, magnesio.

Diamagnetismo

E um fenomeno presente em todas as substancias e independente da temperatura. Nassubstancias diamagneticas os atomos nem sequer possuem momentos magneticos perma-nentes. Sao induzidos apenas ao aplicar-se um campo externo e tendem a contraria-lo. Porisso a susceptibilidade e negativa

χ < 0 com |χ| ' 10−5 − 10−4.

Sao exemplos o bismuto, a prata e o cobre.

Exemplo. Magnetizacao

Um cilindro de material magnetico com susceptibilidade χm = 2 × 10−2 tem 20 cm decomprimento e tem enroladas 1500 espiras percorridas por uma corrente i = 2 A.

a) Calcule a intensidade do campo magnetico H no interior do solenoide.

b) Calcule a permeabilidade magnetica do material.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 79

c) Calcule a magnetizacao produzida e o campo magnetico B no interior do material.

Resolucao

a) H = ni = (1500/0.2)2 = 15000 A m−1.

b) µ = µ0(1 + χm) = 4π 10−7 T m A−1 (1 + 0.02) = 1.282× 10−6 T m A−1.

c) M = χmH = 2× 10−2 × 15× 103 = 300 A m−1,

B = 1.282× 10−6 T m A−1 × 1.5× 104 A m−1 = 1.92× 10−2 T.

7 Ondas Electromagneticas

7.1 Cargas e correntes nulas

Comecemos por escrever as equacoes de Maxwell nas regioes do espaco em que nao ha cargasnem correntes

div ~E = 0

div ~B = 0

−−−→rot E = −∂

~B

∂t

−−−→rot B = εµ

∂ ~E

∂t

e apliquemos rotacionais a lei de Faraday:

−−−−−−→rot rot E = − ∂

∂t

−−−→rot B = −εµ∂

2 ~E

∂t2.

Por outro lado

−−−−−−→rot rot E =

−−−−−−−→grad div E −∇2 ~E = −∇2 ~E = −lap ~E

em que se aplicou a lei de Gauss no espaco sem cargas. Portanto

∇2 ~E − εµ∂2 ~E

∂t2= 0. (4)

Equacao identica e verificada pelos campos ~B, ~D e ~H.

Para meios condutores mas sem cargas

div ~E = 0

div ~B = 0

80 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

−−−→rot E = −∂

~B

∂t

−−−→rot B = µ ~J + εµ

∂ ~E

∂t

e aplicando rotacionais a lei de Faraday vem agora

−−−−−−→rot rot E = − ∂

∂t

−−−→rot B = −µ ∂ ~J

∂t− εµ∂

2 ~E

∂t2.

Relembrando −−−−−−→rot rot E = −∇2 ~E

vem

∇2 ~E − µ σ∂~E

∂t− εµ∂

2 ~E

∂t2= 0. (5)

As expressoes (4) e (5) representam a equacao das ondas, como veremos a seguir, no primeirocaso sem atenuacao e no segundo com atenuacao do meio.

7.2 Equacao das ondas

Onda e uma perturbacao que se propaga no espaco com uma certa velocidade.

Frente de onda e o lugar geometrico dos pontos do espaco que se encontram na mesmasituacao de oscilacao, isto e que vibram em cada instante com a mesma elongacao e fase. Ocaso mais simples e o de ondas planas, ao qual nos vamos restringir.

As ondas dizem-se longitudinais ou transversais consoante a vibracao se faz na direccao depropagacao ou numa direccao perpendicular.

Suponhamos para simplificar que a propagacao e feita segundo o eixo dos zz e seja u(z, t) aperturbacao. Na origem tem-se u(0, t) e a uma distancia z tem-se, nao havendo atenuacao,

u(z, t+ θ) = u(0, t)

(e como se o filme que passa na origem no tempo t passasse mais adiante, em z, no tempot+ θ). Sendo v a velocidade de propagacao,

u(z, t+ z/v) = u(0, t) , ou seja u(z, t) = u(0, t− z/v).

Como z e t nao sao independentes (relacionam-se pela velocidade de propagacao), podemossimplesmente escrever

u(z, t) = u(t− z/v) ou u(z, t) = u(t+ z/v)

consoante a propagacao se faca segundo zz ou −zz.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 81

Vamos mostrar que as perturbacoes u(t± z/v) (ondas) sao solucoes da equacao

∇2 u− 1

v2

∂2 u

∂t2= 0

que sao formalmente identicas a equacao (4), implicando que ~E e ~B sao ondas que se

propagam nas regioes em que ρ = 0 e ~J = 0 com uma velocidade

v =1√ε µ

.

Facamos w = t± z/v.∂2

∂z2u =

∂z

∂u

∂z=

∂z

(∂u

∂w

)∂w

∂z.

Aplicando a derivacao da funcao composta a

∂z

∂u

∂w

vem∂2

∂z2u =

∂z

(∂u

∂w

)∂w

∂z=

∂w

(∂u

∂w

)(∂w

∂z

)2

=∂2u

∂w2

1

v2.

Do mesmo modo

∂2

∂t2u =

∂t

(∂u

∂w

)∂w

∂t=

∂w

(∂u

∂w

)(∂w

∂t

)2

=∂

∂w

(∂u

∂w

)=∂2u

∂w2

ou seja as duas quantidades sao iguais a parte o factor 1/v2. Portanto

∂2u

∂z2− 1

v2

∂2u

∂t2= 0.

Os campos ~E e ~B sao pois ondas que se propagam com uma velocidade

v =1√ε µ

→ no vazio v = c =1√ε0 µ0

.

Este resultado foi proposto por James Clark Maxwell (1831-1879) em 1862 e demonstradoexperimentalmente em 1888 por Heinrich Rudolf Hertz (1857-1894). A quantidade

n =c

v=

√ε µ

ε0 µ0

=√εrµr

chama-se ındice de refraccao do meio.

82 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Tal como anteriormente vamos recorrer no caso das ondas a representacao complexa.Tratando-se de fenomenos periodicos de argumento t − z/v, sao descritas por funcoes dotipo seno ou co-seno, logo

u(t− z/v) → u = u0 sin[ω(t− z/v)] → u = u0 eiω(t−z/v) = u0 e

iωt−kz

em que ω e a frequencia angular, u0 a amplitude da onda e k = ω/v o numero de onda.

Perıodo T e o intervalo de tempo mınimo ao fim do qual a onda retoma o seu valor:

sin[ω(t + T )] = sin (ωt) → ω(t+ T ) = ω(t+ 2π) → T =2π

ω.

Frequencia f e o inverso do perıodo (f = 1/T, ω = 2π f).

Comprimento de onda e o espaco mınimo ao fim do qual a onda retoma o seu valorinicial (perıodo espacial):

sin[k(z+λ)] = sin (kz) → k(z+λ) = kz+2π → λ =2π

k=

2πv

ω=v

f→ λ f = v.

Sendo a direccao de propagacao arbitraria, definimos um vector de onda

~k = k ~n =2π

λ~n

que e dirigido no sentido da propagacao, e a expressao do campo electrico generaliza-se

~E = ~E0 e[i(ωt−kz)] → ~E = ~E0 e

[i(ωt−~k . ~r)]

Accao dos operadores ∂/∂t e ~∇ para a onda plana

∂t~E = ~E0

∂te [i(ωt−~k. ~r)] = i ω ~E.

Uma vez que ~∇ tem caracter vectorial, ha que definir o tipo de produto. Assim para oproduto interno

~∇. ~E =∂

∂xEx +

∂yEy +

∂zEz = (−ikxE0x − ikyE0y − ikzE0z)e

[i(ωt−~k . ~r)] = −i~k . ~E

e para o produto externo tem-se obviamente

~∇× ~E = −i ~k × ~E.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 83

Caracter transversal das ondas electromagneticas

As equacoes div ~E = ~∇. ~E = 0 e div ~B = ~∇. ~B = 0 implicam

~k . ~E = ~k . ~B = 0 → ~E , ~B ( ~H) ⊥ ~kou seja, os vectores ~E e ~H oscilam num plano perpendicular a direccao de propagacao, oplano de onda.

Relacao entre ~E e ~B

Vimos que as equacoes de Maxwell para a propagacao das ondas e.m. se escrevem

~k . ~E = 0 , ~k . ~B = 0 , − i ~k × ~E = −iω ~B , − i ~k × ~B = εµiω ~E.

Da lei de Faraday ~k × ~E = iω ~B resulta pois que os vectores ~k, ~E e ~B formam um triedrodirecto. ~E e ~B (ou ~E e ~H) sao perpendiculares entre si e a direccao de propagacao. Essaperpendicularidade permite escrever as leis de Faraday e de Maxwell-Ampere em modulocomo

k E = ω B e k B = εµω E donde B =εµω

kE.

Partindo da lei de Maxwell-Ampere e inserindo ω = 2πf e k = 2π/λ vem

B = λ f εµ E =λ f

c2E =

E

c.

Por outro lado da equacao (lei de Faraday)

−i ~k × ~E = −i ω ~B = −i ω µ ~H

ou seja

~H =1

ω µ~k × ~E =

|k|ω µ

~n× ~E =ω

ω v µ~n× ~E =

1

v µ~n× ~E

em que ~n e o versor da direccao de propagacao. Substituindo v

v =1√εµ

vem

~H =

√ε

µ~n× ~E

que e usual escrever-se

~H =1

Z~n× ~E.

A quantidade

Z =

õ

εdesigna-se por impedancia de onda. Tem-se para o vacuo

Z =

õ0

ε0= 377 Ω.

84 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

7.2.1 Polarizacao

A informacao sobre a polarizacao esta contida no vector ~E0 (ou ~H0). E habitual fazer-se o

estudo em termos do campo ~E.

Sendo +zz a direccao de propagacao o campo electrico escreve-se

~E = ~E0ei(ωt−kz) = E0xe

i(ωt−kz) ~ex + E0yei(ωt−kz) ~ey

em que E0x , E0y podem ser reais ou complexos. Resulta daı que quer as fases quer osmodulos de E0x e E0y podem ser iguais ou diferentes.

1o caso - polarizacao circular - modulos iguais, (| ~E0x| = | ~E0y | = E0) e fases diferentes. Paratornar a discussao mais clara consideremos os casos de uma diferenca de fase δ = ± π

2no

plano z = 0.

a) δ = π2

No instante t = 0 tem-se

Ex = E0 , Ey = E0eiπ

2 e tomando as partes reais, Ex = E0 , Ey = 0.

No instante t = 0+ tem-se

Ex = E0eiωt , Ey = E0e

i(ωt+π2

) → Ex = E0cos ωt < E0 , Ey = −E0sen ωt < 0

o que corresponde a uma rotacao no sentido horario. Diz-se que a onda tem polarizacaocircular direita ou helicidade negativa (sentido contrario ao da progressao do saca-rolhas).

x

y

z~E E0

x

y

z

~E

E0

b) δ = −π2

Partindo de Ex = E0 , Ey = 0 (em t = 0), tem-se para t = 0+

Ex = E0cos ωt < E0 , Ey = E0sin ωt

o que corresponde a uma rotacao no sentido anti-horario. Diz-se que a onda tem polar-izacao circular esquerda ou helicidade positiva como se indica na figura seguinte (sentido daprogressao do saca-rolhas).

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 85

x

y

z~E E0

x

y

z~E E0

2o caso - polarizacao linear - modulos diferentes, fases iguais, | ~E0x| = E0, | ~E0y | = E′

0.

Para t = 0

Ex = E0 , Ey = E′

0

e para t = 0+

Ex = E0cos ωt , Ey = E′

0cos ωt

ou seja

EyEx

=E

0

E0= tanθ

e constante no tempo, portanto o vector ~E tem uma unica direccao. Se E′

0 = E0 vector ~Ecoincide com a recta y = x (θ = π

4).

Pelo que acabamos de ver, a diferenca de fase implica rotacao do campo no planode onda. Os casos de modulos diferentes e fases diferentes correspondem as polarizacoeselıpticas que nao vamos analizar §.

Exemplo Polarizacao de uma onda plana. O campo magnetico de uma onda plana que sepropaga no vacuo e dado por

Hx = +6× 10−3 sin(7.5× 106t− 3× 102y) A m−1

Hy = 0

Hz = −6× 10−3 cos(7.5× 106t− 3× 102y) A m−1

a) Calcule o campo electrico ~E.

b) Descreva o seu estado de polarizacao.

Resolucao

Comparando com a expressao ~H = ~H0ei(ωt−~k . ~r) ve-se que a onda se propaga segundo

§Estes casos estao tratados na sua generalidade em ’Electromagnetismo’ (A.B.Henriques e J.Romao, ISTPress, p.180)

86 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

+yy. Portanto o vector de onda

~k =2π

λ~n em que ~n = (0, 1, 0).

a) Partimos da equacao de Ampere-Maxwell

−−−→rot H = ε

~∂E

∂t→ − i~k × ~H = i ω ε ~E → ~E = −

~k × ~H

ε ω= − 2π

λ ε ω~n× ~H.

~n× ~H = det

~ex ~ey ~ez0 1 0Hx 0 Hz

= Hz ~ex −Hx ~ez.

Portanto o campo ~E:

Ex = − k

ω εHz

Ey = 0

Ex =k

ω εHx

b) Quanto a polarizacao, se representarmos o vector no plano OXZ (y = 0), vemos que noinstante t = 0

Hx = 0 e Hz(0) = −6× 10−3

e no instante t = 0+ vem Hx > 0 e Hz > Hz(0) com Hz < 0, portanto a rotacao e no sentidoanti-horario. Como a propagacao e no sentido +yy, trata-se do sentido oposto a regra damao direita → a polarizacao e circular direita (helicidade negativa).

⊗x

z

y

~H

H0

H0 ⊗x

z

y

~H

H0

H0

De acordo com o que vimos anteriormente, como as fases sao diferentes para as compo-nentes Hx e Hz, a polarizacao nao pode ser linear, sendo portanto circular ou elıptica: umavez que | ~H0x| = | ~H0z |, sera circular.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 87

7.3 Energia do campo electromagnetico

Partimos das equacoes de Maxwell

~∇× ~E = −~∂B

∂t, ~∇× ~H = ~J +

~∂D

∂t,

multiplicamos internamente a primeira por ~H, a segunda por ~E e subtraimos a primeira dasegunda

~E . ~∇× ~H − ~H . ~∇× ~E = ~E . ~J + ~E .~∂D

∂t+ ~H .

~∂B

∂t.

Aplicando a identidade

~∇ . ~E × ~H ≡ ~H . ~∇× ~E − ~E . ~∇× ~H

ve-se que o segundo membro e o simetrico do primeiro membro da equacao anterior, ou seja

~∇ . ~E× ~H = − ~E . ~J − ~E .~∂D

∂t− ~H .

~∂B

∂t→ ~∇ . ~E× ~H + ~E . ~J = − ~E .

~∂D

∂t− ~H .

~∂B

∂t.

Admitindo ε, µ constantes, portanto a excluindo a histerese e logo o ferromagnetismo, saovalidas as seguintes substituicoes

~E .~∂D

∂t=

1

2

∂t( ~E . ~D) e ~H .

~∂B

∂t=

1

2

∂t( ~H . ~B)

das quais resulta

−1

2

∂t( ~E . ~D + ~H . ~B) = div( ~E × ~H) + ~E . ~J.

Recorde-se que ~E . ~D = ε E2 e ~H . ~B = B2/µ sao respectivamente as densidades de energiaelectrica e magnetica (a parte 1/2). Portanto integrando para todo o volume preenchidocom o campo electromagnetico

− ∂

∂t

Vu dV =

Vdiv( ~E × ~H) dV +

V

~E . ~J dV

em que u representa a densidade de energia electromagnetica e o primeiro membro representaassim o debito de energia a partir do volume V . Aplicando o teorema da divergencia aoprimeiro termo do segundo membro

− ∂

∂t

Vu dV =

S(~Σ . ~n) dS +

V

~E . ~J dV

em que se fez ~Σ = ~E × ~H, vector de Poynting. Esta equacao representa o teorema dePoynting que traduz o balanco energetico do campo electromagnetico.

88 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Consideremos uma carga electrica dq = ρ dV num campo electrico que como sabemosfica sujeita a uma forca

~dF = ρ ~E dV,

sendo portanto acelerada, ou seja recebe energia do campo. A energia por unidade de tempo(potencia)

dW

dt= ~dF . ~v = ρ ~E . ~v dV = ~E . ~J dV.

Concluimos assim que o segundo termo do segundo membro do teorema de Poyntingrepresenta a potencia cedida pelo campo as cargas, que e dissipada por efeito de Joule. Umavez que no vacuo nao ha cargas, nao existe energia dissipada, por isso nao ha atenuacao.

O teorema de Poynting afirma pois que o debito de energia electromagnetica num volumee igual ao fluxo do vector ~Σ atraves da sua superfıcie limıtrofe mais a potencia cedidapelo campo as cargas que se encontrem nesse volume. Este teorema representa assim aconservacao da energia e as unidades de ~Σ sao W m−2.

A quantidade |~Σ| mede o fluxo de energia por unidade de tempo e de area perpendiculara direccao de propagacao. Aparece em todas as consideracoes electromagneticas de caracterenergetico.

Caso das ondas planas

Uma vez que ~E e ~B sao perpendiculares, |~Σ| pode escrever-se

Σ =EB

µ0

=E2

cµ0

=c

µ0

B2

que sao equacoes instantaneas, ou seja, validas em cada instante de tempo. Do ponto devista fısico a quantidade mais importante e o valor medio no tempo do vector de Poyntingdesignado a intensidade da onda, I. Essa media (calculada sobre um ou mais perıodos)envolve a media de um cos2 ou sin2 que e 1/2. Portanto

I =< Σ >=E2

0

2c µ0

=c

2µ0

B20

em que E0 e B0 sao os valores de pico dos campos. Recordando que as densidades de energiaelectrica e magnetica instantaneas sao

ue =1

2ε0 E

2 , um =B2

2µ0

tem-se

um =B2

2µ0

=E2

2c2µ0

=E2

2µ0/(ε0µ0)=ε02E2,

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 89

ou seja, as densidades de energia electrica e magnetica sao iguais em cada instante. Portantonum dado volume a energia e igualmente partilhada pelos dois campos. A energia total epois

u = ue + um = ε0 E2 =

B2

µ0.

Todas estas relacoes sao instantaneas excepto I =< Σ >. O valor medio no tempo dadensidade de energia e

< u >=1

2ε0 E

20 =

B20

2µ0,

ou seja

I =< u > c = uav c.

Por outras palavras a intensidade de uma onda electromagnetica e igual ao valor medio dasua densidade de energia multiplicada pela velocidade da luz.

Exemplo. Vector de Poynting (onda plana). Considere uma onda e.m. plana em que~E = A~ex +B~ey e ~H = C~ex +D~ey.

a) Diga em que direccao se propaga a onda.

b) Escreva as componentes (C,D) em funcao de A e B.

c) Escreva as componentes do vector de Poynting.

d) Mostre a relacao entre |~Σ| e (A,B).

Resolucao

a) Na direccao zz.

b) Dado que ~H =√ε/µ (~n× ~E) e admitindo que o sentido de propagacao e +zz vem

~H =

√ε

µdet

~ex ~ey ~ez0 0 1Ex Ey Ez

=

√ε

µ(−Ey~ex + Ex~ey)

e portanto

C = −√ε

µB , D =

√ε

µA.

c)

~Σ = det

~ex ~ey ~ezEx Ey EzHx Hy Hz

= det

~ex ~ey ~ezA B 0C D 0

= (AD − BC) ~ez = Σz~ez.

90 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

d)

|~Σ| = | ~E × ~H| = E2

v µ=

1

v µ(A2 +B2) =

√ε

µ(A2 +B2) =

E2

Z.

Exemplo. Vector de Poynting (fio condutor). Um fio condutor infinito de resistencia R, raioa e comprimento l e percorrido por uma corrente constante i. Calcular o vector de Poyntingpara este condutor.

Resolucao

Sendo V a diferenca de potencial entre os extremos do fio, o campo electrico sera

E = V/l

dirigido no sentido da corrente. O campo magnetico, como vimos pelas leis de Ampere e deBiot-Savart, e dado por

B =µ0 i

2 π a

e o vector de Poynting

~Σ =~E × ~B

µ0

e pois dirigido radialmente para o interior do condutor. Uma vez que ~E e ~B sao perpen-diculares entre si,

Σ =E B

µ0=

µ0 i V

2 π µ0 l a=

R i2

2 π l a=R i2

A

em que A e a area lateral do condutor, ou seja

Σ A = R i2.

Ve-se portanto que a taxa de energia electromagnetica (energia por unidade de tempo) paradentro do fio e igual a potencia dissipada por efeito de Joule no fio.

OPTICA

92 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Vimos anteriormente que as frentes de onda sao os lugares geometricos dos pontoscorrespondentes a mesma fase de oscilacao. As linhas que lhes sao perpendiculares sao osraios. Dao-nos a direccao de propagacao da onda.

No caso da fonte emissora estar muito distante as frentes de onda sao aproximadamenteplanas e os raios sao paralelos.

1 Reflexao

Ocorre quando uma onda incide numa superfıcie de separacao de dois meios. Podemosfacilmente deduzir a lei fundamental da reflexao partindo do princıpio que todos os pontosde uma frente de onda tem a mesma fase. Consideremos a frente de onda AB representadaque corresponde aos raios α e β e que, reflectidos, vao dar origem a α

e β′

. A nova frentede onda ira ser A

B′

.

α β′

A

B

B′

A′

β α′

Para que AB seja uma frente de onda, as fases nos pontos A e B

φA = ωt− k xA = ω(t− xAv

)

φB = ωt− k xB = ω(t− xBv

)

terao de ser iguais, ou seja xA = xB. Para que A′

B′

tambem o seja as fases em A′

B′

φ′

A = ω(t′ − xA + AA′

v)

φ′

B = ω(t′ − xB +BB′

v)

serao tambem iguais, o que obviamente implica

AA′ = BB′.

Da figura tem-se que

AA′ = AB′ cos A′AB′

eBB′ = AB′ cos BB′A

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 93

donde resultaA′AB′ = BB′A.

Estes sao os complementos do angulo de reflexao e de incidencia, portanto estes dois angulossao iguais.

2 Refraccao

Ocorre quando a luz atravessa uma superfıcie de separacao de dois meios e tem a ver como aparecimento de uma nova onda, a onda refractada ou transmitida. Sendo a frequenciauma caracterıstica do emissor e nao do meio, e igual para os raios incidente e refractado.Como veremos em seguida, a velocidade de propagacao depende do meio, resultando, atravesda relacao

λ f = v ,

que o comprimento de onda da radiacao tambem depende do meio. E habitual caracterizar-se o meio de propagacao pelo seu ındice de refraccao

n =c

v

onde c e v sao as velocidades de propagacao no vacuo e no meio considerado.

Seja entao uma onda representada por dois raios, sejam AB, A′

B′

duas frentes e 6 i, 6 ros angulos de incidencia e refraccao respectivamente.

A

A′

B

B′

i

r

ir

Os segmentos AA′ e BB′ terao de ser percorridos no mesmo tempo, uma vez que querAB, quer A

B′

estao em fase ou seja

AA′ = vr ∆t e BB′ = vi ∆t

portanto as velocidades de propagacao nos dois meios sao diferentes. Da figura tem-se que

sin 6 i =BB′

AB′e sin 6 r =

AA′

AB′.

94 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Dividindo as duas igualdades vem

sin 6 i

sin 6 r=BB′

AA′=vivr

=nrni

Lei de Snell−Descartes

em que nr e ni sao os ındices de refraccao dos dois meios. Na passagem para meios maisrefringentes os raios luminosos aproximam-se pois da normal e a velocidade de propagacaodecresce. Uma vez que a frequencia se mantem por ser uma caracterıstica do emissor, tem-se

f =viλi

=vrλr

⇒ λiλr

=vivr

=nrni

portanto, ao passar para um meio mais refringente, o comprimento de onda diminui.

ni nr > ni

λi λr < λi

Para todos os materiais (vidro, acrılico, diamante, quartzo,...) verifica-se experimental-mente que o ındice de refraccao aumenta com a frequencia, ou seja, diminui com o com-primento de onda. Isso implica, pela lei de Snell, que as frequencias mais altas sofrem umdesvio maior ao atravessarem uma superfıcie de separacao, o que para uma luz com varioscomprimentos de onda se traduz no fenomeno da dispersao. Assim, no caso da luz solar,pode obter-se a sua decomposicao espectral em que o violeta se desvia o maximo da direccaoinicial, o vermelho o mınimo e as restantes cores se situam entre os extremos.

Quando a luz passa de um meio mais para um menos refringente, os raios afastam-seda normal e se o angulo de incidencia for suficientemente grande, pode dar-se o fenomenoda reflexao total ( 6 r = π/2) no qual se baseia o funcionamento das fibras opticas. Esse

ic

nr

ni

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 95

angulo de incidencia e o chamado angulo crıtico. Tem-se entao

nrni

=sin 6 icsin 6 r

= sin 6 ic

e nao ha passagem de energia de um meio para o outro.

3 Princıpio de Fermat

Um princıpio geral que pode ser usado para determinar o percurso dos raios luminososfoi desenvolvido por Pierre de Fermat (1601-1665). Esse princıpio tambem designado depercurso mınimo estabelece o seguinte:

A trajectoria seguida por um raio luminoso entre dois pontos e aquela que correspondeao tempo mınimo de percurso.

Uma consequencia evidente deste princıpio e a de que quando os raios luminosos se deslocamnum meio homogeneo, as suas trajectorias sao linhas rectas pois correspondem a distanciamınima entre dois quaisquer pontos. Seguidamente demostraremos como o princıpio deFermat implica a lei de refraccao (Snell) e vice-versa.

P

a

b

xd− xn1

n2

Q

r1

r2

θ1

θ2

Seja um raio luminoso que se desloca de P (meio 1) para Q (meio 2). Estes pontos estaoas distancias a e b da interface. Sendo c/n1 e c/n2 as velocidades da luz nos meios 1 e 2respectivamente e usando a geometria da figura, ve-se que o tempo de percurso de P a Q e

t =r1

v1

+r2

v2

=

√a2 + x2

c/n1

+

√b2 + (d− x)2

c/n2

Obtem-se o tempo mınimo derivando e igualando a zero

dt

dx=

n1x

c(a2 + x2)1/2− n2(d− x)

c[b2 + (d− x)2]1/2= 0 . (6)

96 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Pode verificar-se que a solucao desta equacao e um mınimo da funcao t(x). De facto asegunda derivada e positiva para qualquer valor de x

d2t

dx2=

n1

c(a2 + x2)1/2

a2

a2 + x2+

n2

c[b2 + (d− x)2]1/2b2

b2 + (d− x)2> 0 .

A partir da figura reconhece-se facilmente sinθ1 e sinθ2 na equacao (6) que pode portantoescrever-se

n1 sinθ1 = n2 sinθ2

ou seja a lei de Snell.

Usando um procedimento semelhante pode facilmente verificar-se a lei da reflexao.

4 Princıpio de Huygens. Interferencias

A teoria ondulatoria da luz foi proposta inicialmente pelo fısico holandes Chistian Huy-gens (1629-1695), que em contraponto a teoria corpuscular, considerou a luz como umaforma de movimento de ondas, embora nao tivesse conhecimento sobre o seu caracter elec-tromagnetico. O Princıpio de Huygens pode ser enunciado do seguinte modo:

Todos os pontos de uma frente de onda sao fontes pontuais de ondas esfericas se-cundarias que se propagam com a mesma frequencia e velocidade que a onda primaria.Em qualquer instante posterior a frente de onda e a superfıcie envolvente dessas ondassecundarias.

Uma consequencia imediata deste princıpio sao as interferencias, fenomeno caracteristi-camente ondulatorio. O exemplo classico usado para mostrar interferencias e a experienciados orifıcios de Young (1803).

A luz que incide a partir duma fonte luminosa S passa por dois orifıcios a uma distanciarelativa d que estao na mesma frente de onda e por isso na mesma fase. Funcionam poiscomo duas fontes pontuais de ondas secundarias que incidem num alvo a distancia D doplano de orifıcios. Se a diferenca de percursos percorridos pelos raios que chegam ao alvofor um numero inteiro de comprimentos de onda, as ondas nesse ponto estao em fase, oque corresponde a um ponto luminoso no alvo. Sendo essa diferenca um numero ımpar desemi-comprimentos de onda, as ondas estao em oposicao de fase e tem-se um ponto escuro.

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 97

D

d

y

θθ

x

r1

r2

Seja y a distancia entre um ponto generico do alvo e o seu centro tomado na perpen-dicular do ponto medio entre os dois orifıcios. Na aproximacao de y << D os dois raiospodem considerar-se paralelos e a diferenca de percursos r2 − r1 sera

r1 − r2 = x ' d sinθ .

Na mesma aproximacao θ e o angulo entre a bissectriz dos dois raios e a referida perpen-dicular e tem-se

tanθ =y

D' sinθ.

Para um maximo de intensidade tem-se entao

r1 − r2 = d sin θ = n λ n = 0,±1,±2, ...

e para um mınimo

r1 − r2 =(n+

1

2

)λ n = 0,±1,±2, ...

donde

ymax = Dn λ

de ymin = D

(n+ 1

2

d. (7)

Esta analise pode ser feita em termos dos campos electricos das ondas emergentes dos doisorifıcios. Representemos esses campos por

E1 = E0 sin ω t e E2 = E0 sin (ω t+ φ).

Recordando a representacao generica de uma onda plana

~E = ~E0 ei(ω t−~k.~r)

98 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

vemos que a diferenca de fase φ e dada por

φ = k (r2 − r1) =2π

λ(r2 − r1) ' 2π

λd sinθ.

O campo electrico em qualquer ponto P do alvo e

EP = E1 + E2 = E0[sin ωt+ sin (ωt+ φ)].

Usando a expressao da trigonometria

sinA + sinB = 2 sin(A+B

2

)cos

(A− B

2

)

vem

EP = 2E0cos

2

)sin

(ωt+

φ

2

).

Portanto o campo electrico em P tem a mesma frequencia ω e a sua amplitude vem mul-tiplicada por 2cos(φ/2). Se a diferenca de fase for φ = 0, 2π, 4π, ... ha uma interferenciaconstrutiva no ponto P , se for φ = π, 3π, 5π, ..., a interferencia e destrutiva.

A intensidade luminosa em P obtem-se como se viu do valor medio do vector de Poynting

I =< Σ >=1

2ε0 < E2

P > c =ε02c 4 E2

0 cos2

2

)1

2

(o factor adicional 1/2 provem do valor medio no tempo de sin2(ωt+ φ/2)). Finalmente

I ' ε0 c E20 cos

2(π

λd sinθ

)= ε0 c E

20 cos

2

(πd

λ

y

D

). (8)

Interferencia construtiva, que produz intensidade maxima, ocorre quando o argumento(π d y)/(λ D) e um multiplo inteiro de π correspondendo a

y =λ D

dn

que e consistente com a equacao (6).

Vemos assim que o fenomeno da interferencia de duas fontes depende da fase relativadas ondas no ponto considerado. Essa diferenca de fase depende por sua vez da diferencade distancias percorrida pelas ondas.

Alternativamente a intensidade resultante pode ser calculada a partir de

I =1

2ε0 c < (E1 + E2)2 >=

1

2ε0 c (< E2

1 > + < E22 > +2 < E1 E2 >)

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 99

em que o termo de interferencia

2 < E1 E2 > = 2E20 < sin ωt sin (ω t+ ϕ) >

= 2E02 < sin2ωt cosϕ+ sin ωt cos ωt sin ϕ >

= E02 cosϕ+ 2E0

2 sinϕ < sin ωt cos ωt >

= E02 cosϕ+ 2E0

2 sinϕ1

T

∫ T

0sin ωt cos ωt dt

= E02 cosϕ+ 2E0

2 sinϕ1

T

[sin2 ωt

2

]T

0

= E02 cosϕ

vindo a intensidade

I =1

2ε0c

(E2

0

2+E2

0

2+ E2

0 cosϕ

)= ε0 c E

20 cos

2' ε0 c E

20 cos

2(π

λd sinθ

)

que e a equacao (7). Ve-se assim que o termo de interferencia pode adicionar ou subtrair aosrestantes termos, obtendo-se assim pontos brilhantes ou escuros respectivamente. Portantosomam-se as amplitudes, mas as intensidades nao se somam (ha as interferencias).

Exemplo Lei de Snell. Um feixe de luz branca incide sobre uma placa de vidro fazendoum angulo de 80o com a superfıcie. Sabendo que o ındice de refraccao desse vidro para a luzvermelha e 1.5885 e para a luz azul de 1.5982, determine a dispersao angular dessas duascores quando o feixe atravessa a placa de vidro.

Resolucao

Aplicamos a lei de Snell a transicao ar/vidro para o vermelho

(sin iarsin rvidro

)

V

=(nvidronar

)

V

= 1.5885

Sendosin iar = sin 10o = 0.1736 ⇒ (rvidro)V = 6.276o

Para o azul (sin iarsin rvidro

)

A

=(nvidronar

)

A

= 1.5982

de que resulta(rvidro)A = 6.238o.

Como se ve o desvio do azul e maior que o do vermelho (o azul fica mais proximo da normal).A diferenca destes angulos da a dispersao das duas cores:

(rvidro)V − (rvidro)A = 6.276o − 6.238o = 2′

18′′

.

100 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Exemplo Interferencia. Duas fendas estreitas sao iluminadas pela luz amarela de Sodio(λ = 589 nm). A um metro de distancia formam-se riscas num ecra espacadas de 1 cm.

a) Qual a distancia entre as duas fendas?

b) Qual o espacamento entre as riscas formadas no ecra se as mesmas fendas forem ilumi-nadas com luz vermelha de comprimento de onda λ = 650 nm?

Resolucao

a) O espacamento entre riscas (ou seja entre maximos consecutivos) e dado pela expressaoanteriormente deduzida com n = 1,

ymax = Dλ

d.

Substituindo valores

10−2 = 1589× 10−9

d⇒ d = 5.89× 10−5 = 58.9 µm .

b) Para uma luz de λ = 650 nm vem

ymax = 1650× 10−9

5.89× 10−5= 1.1× 10−2 m = 11 cm .

5 Polarizacao de ondas luminosas

E0

E0 cos θθ

A tecnica mais comum para obter luz polarizada e a de usar um material vulgarmenteconhecido como ’polaroid’ que transmite ondas polarizadas linearmente a partir de ondascom polarizacao arbitraria. O princıpio desses materiais e o de conduzirem corrente electricaapenas numa direccao que e a unica segundo a qual os electroes de valencia das longascadeias de moleculas constituintes podem mover-se. Nesse movimento eles colidem comoutras partıculas reemitindo luz em sentidos opostos, o que consome a energia provenienteda onda incidente. A componente do campo da onda incidente segundo essa direccao e assim

Electromagnetismo & Optica Joao Pulido 101

absorvida, enquanto que a componente perpendicular apenas provoca movimentos ınfimos,dado que os electroes nao podem mover-se desse modo. Essa componente prevalece poisquase sem alteracao e e transmitida. A onda transmitida fica assim polarizada linearmentesegundo a direccao do eixo de polarizacao que e perpendicular as cadeias moleculares.

Consideremos um feixe de luz nao polarizada que, depois de atravessar um primeiropolarizador, incide num segundo polarizador que designaremos por analizador. Suponhamosque o eixo de transmissao deste ultimo faz um angulo θ em relacao ao eixo do primeiro. Sendo~E0 a amplitude do campo apos o primeiro polarizador, a componente de ~E0 perpendicularao eixo do analizador e completamente absorvida enquanto que a componente paralela(E0 cos θ) e transmitida. Como a intensidade e proporcional ao quadrado da amplitude docampo, vira para a onda transmitida

I = I0 cos2θ Lei de Malus

onde I0 e a intensidade da onda polarizada que incide no analizador ¶. Pode assim obter-se uma intensidade transmitida nula (absorcao completa pelo analizador) se os eixos detransmissao forem perpendiculares.

θB θB

90o

θr

i

r

Outro processo para obter luz polarizada usa o facto de que raios incidentes com po-larizacao arbitraria sao reflectidos com polarizacao diferente. A polarizacao paralela a su-perfıcie de incidencia (cırculos negros na figura) e mais fortemente reflectida do que a doplano de incidencia (setas). Verifica-se experimentalmente que e possıvel encontrar umangulo de incidencia para o qual o raio reflectido e polarizado linearmente segundo a di-reccao paralela a superfıcie (cırculos negros). Esse e o chamado angulo de Brewster, θB.Tem-se assim

θB + 90o + θr = 180o ⇒ θB = 90o − θre portanto usando a lei de Snell

n =sinθBsinθr

=sinθBcosθB

= tan θB Lei de Brewster.

¶Sendo a onda incidente no primeiro polarizador nao polarizada, I0 e metade da intensidade dessa onda,porque o angulo entre o eixo do polarizador e a direccao do campo incidente e θ = ω t. (Relembrar< cos2 ω t >= 1/2)

102 Joao Pulido Electromagnetismo & Optica

Por exemplo para a agua (n = 1.33) o angulo de Brewster e de 53.1o.